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Abdome agudo obstrutivo / Francisco MC et al.

Ensaio Iconográfico

Abdome agudo obstrutivo: revisando pontos


fundamentais
Marina Celli Francisco1, Felipe Trentin Neves2, Thiago Giansante Abud3, Ramiro Colleone Neto4,
Samuel Reibscheid5, Jacob Szejnfeld6, Henrique Manoel Lederman7

Resumo
O abdome agudo obstrutivo é uma doença comum, cujo manejo seguro e efetivo depende do diag-
nóstico rápido e preciso. A radiografia simples permanece a primeira escolha dentre os exames de
imagem, por possuir fácil acesso, baixo custo e poder ser realizada seriada conforme a evolução
clínica do paciente. A ultra-sonografia não possui radiação ionizante, é um exame dinâmico e em
tempo real. A tomografia computadorizada fornece informações adicionais não aparentes nas radio-
grafias, como confirmação da obstrução, grau e local de uma oclusão, presença de isquemia e causas
Descritores: de obstrução. A ressonância magnética tem apresentado grandes avanços tecnológicos e, futura-
Dor abdominal; Abdome agudo; Radio-
grafia convencional; Tomografia compu- mente, pode ser uma opção viável. O objetivo deste ensaio pictórico é revisar os diferentes méto-
tadorizada; Ressonância magnética. dos de imagem usados no diagnóstico de abdome agudo obstrutivo.

O abdome agudo obstrutivo representa uma síndrome de obstrução intestinal


causada pela presença de um obstáculo mecânico ou alteração da motilidade intes-
tinal que impede a progressão normal do bolo alimentício[1].
Aproximadamente 20% das internações hospitalares são decorrentes de obstru-
ção intestinal, sendo que 80% delas ocorrem no intestino delgado e 20%, no intes-
tino grosso[2].
Classicamente, a literatura oferece seis categorias que possibilitam a classifica-
ção do abdome agudo obstrutivo[2]:
• Quanto à altura: alta (obstáculo situado no delgado proximal) ou baixa (del-
Recebido para publicação em 25/4/2007. Aceito, gado distal ou colo);
após revisão, em 18/12/2008. • Em relação à luz intestinal: oclusão por fatores intraluminários ou extralumi-
Trabalho realizado no Departamento de Diagnós-
tico por Imagem da Universidade Federal de São nários;
Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM),
São Paulo, SP.
• Quanto ao grau de oclusão: parcial ou completa;
1 Médica Residente do Departamento de Diagnós-
• Quanto ao tempo de instalação: aguda ou crônica;
tico por Imagem da Unifesp/EPM.
2 Médico Residente de Cirurgia Geral do Hospital
• Quanto à integridade do suprimento sanguíneo e vitalidade das alças intesti-
Ipiranga, São Paulo, SP. nais: simples ou estrangulada;
3
Médico Pós-Graduando do Setor Corpo/Abdome
do Departamento de Diagnóstico por Imagem da • Quanto à forma da obstrução: alça fechada ou aberta. Em alça fechada é
Unifesp/EPM.
4 Professor Afiliado da Disciplina de Gastroentero-
quando existe obstáculo em dois níveis, impedindo tanto a progressão quanto o
logia Cirúrgica da Unifesp/EPM. refluxo do conteúdo da alça; em alça aberta é quando a obstrução é apenas distal.
5
Professor Afiliado do Departamento de Diagnós-
tico por Imagem da Unifesp/EPM.
O exame clínico continua sendo o primeiro passo a ser tomado na avaliação do
6
Professor Livre-Docente, Chefe do Grupo de Ab- abdome agudo. Atrasos no diagnóstico correto aumentam consideravelmente a
dome do Departamento de Diagnóstico por Ima-
gem da Unifesp/EPM.
morbi-mortalidade desses pacientes[3]. Com os recursos atuais de tratamento, a
7
Professor Livre-Docente do Departamento de mortalidade dos doentes portadores de obstrução intestinal é menor do que 10%[2].
Diagnóstico por Imagem da Unifesp/EPM.
Correspondência: Dra. Marina Celli Francisco. Rua
São causas de obstrução do intestino delgado: aderências (Fig. 1), hérnias in-
Pedro de Toledo, 544, ap. 509, Vila Clementino. guinais, íleo biliar (Fig. 2), bezoar (Fig. 3), infecções (bolo de áscaris (Fig. 4), estron-
São Paulo, SP, 04039-001. E-mail: nana_celli@
hotmail.com giloidíase (Fig. 5), tuberculose), massas abdominais tumorais (linfoma, adenocarci-

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Fig. 1 – Oclusão intestinal por bridas.


(A) Radiografia em ântero-posterior,
decúbito dorsal. Observam-se alças de
delgado muito distendidas, com as
válvulas coniventes contrastadas pelo
gás intraluminar (setas). Há pequena
quantidade de ar no sigmóide (ca-
beça de seta). (B) Radiografia em ân-
tero-posterior, ortostática. Há níveis
de líquido em alças distendidas do
delgado (setas brancas). O hemi-ab-
dome inferior tem elevada densidade
radiológica devido ao conteúdo líqui-
do dentro das alças ocluídas. Rotinei-
ramente chamado de “abdome vazio”
(seta preta tortuosa). O estômago
com nível de líquido é demonstrado
(seta preta reta). Há gás no colo trans-
verso. Radiologicamente, o quadro é
sugestivo de uma semi-oclusão ou
A B
oclusão recente do intestino delgado.

A B
Fig. 2 – Íleo biliar. Fístula colecisto-entérica. Oclusão intestinal do delgado. (A) Tomografia computadorizada com contraste intravenoso. A área
circulada representa o duodeno e o estômago em íntimo contato. Há densificação da gordura adjacente e gás dentro da vesícula. Há alças do
delgado muito dilatadas, por vezes com válvulas coniventes individualizadas. (B) Tomografia computadorizada com contraste intravenoso. Nota-
se, no íleo terminal, imagem arredondada com calcificação periférica representando cálculo biliar (cabeça de seta). As setas tortuosas demons-
tram alças do delgado dilatadas, por vezes com níveis de líquido.

noma (Fig. 6), metástases peritoneais, tumores mesen- Quando longos segmentos intestinais estão acome-
teriais) e massas abdominais não-tumorais (apendicite tidos, deve-se ter três causas em mente: carcinoma, di-
(Fig. 7), diverticulite, invaginação, doença de Crohn verticulite e volvo (Fig. 10)[5].
(Fig. 8), endometriose, pólipos (Fig. 9), hematomas in- A idade do paciente é um dado importante, pois cer-
tramurais)[4]. Compressões extrínsecas também podem tas causas têm sua maior freqüência em determinadas
levar a obstruções, causadas por abscessos, pseudocis- faixas etárias. No neonato devem ser lembrados volvo,
tos, aneurismas e pseudo-aneurismas. íleo meconeal, má-rotação (Fig. 11), imperfuração anal
A principal causa de obstrução colônica são os ade- (Fig. 12), atresia duodenal (Fig. 13) e doença de Hirsch-
nocarcinomas primários do cólon, responsáveis por 55% sprung. Nos lactentes devem ser consideradas invagina-
dos casos, seguidos por torção ou volvo em 12% dos ção intestinal (Fig. 14), hérnias complicadas e obstruções
casos e diverticulite em cerca de 10%[2]. por divertículo de Meckel (Fig. 15)[6]. No adulto jovem e

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Fig. 3 – Oclusão intestinal por be-


zoar causado por velas ingeridas.
(A) Radiografia em ântero-poste-
rior, ortostática. Observam-se alças
de delgado muito distendidas ocu-
pando principalmente o hemi-ab-
dome superior, com inúmeros ní-
veis de líquido (setas retas). A cavi-
dade pélvica (seta tortuosa) tem
elevada densidade radiológica pelo
grande conteúdo líquido dentro
das alças (“alças vazias”). (B) Radio-
grafia do estomago e duodeno
após ingestão de bário. Observam-
se duas falhas lacunares de enchi-
mento (cabeças de setas) de gran-
des dimensões, móveis, localizadas
A B
no interior do estômago.

Fig. 4 – Bolo de áscaris. Enterite.


Semi-oclusão intestinal. (A) Radio-
grafia em ântero-posterior, decú-
bito dorsal. As setas curvas apon-
tam o colo dilatado. As setas retas
apontam grande numero de for-
mações esféricas, com densidade de
líquido, projetando-se em meio ao
conteúdo gasoso do colo e do reto.
(B) Radiografia em perfil do abdo-
me. Observam-se formações alon-
gadas, características da presença
de grande quantidade de vermes
em alça do intestino grosso disten-
A B
dida (seta).

de meia-idade devem ser lembradas aderências, hérnias DIAGNÓSTICO POR IMAGEM


internas e doença de Crohn. Quanto mais idoso o pa-
ciente, maior a possibilidade de neoplasias, seguidas por Os exames de imagem exercem importante papel
aderências, hérnias, diverticulites e fecalomas[2]. como métodos de auxílio na elucidação diagnóstica.
As obstruções em alça fechada, embora infreqüen- Em pacientes com suspeita de abdome agudo obs-
tes, merecem destaque, visto seu alto risco de compres- trutivo, quatro perguntas devem ser respondidas:
são vascular e, com isso, caso o seu diagnóstico não seja 1. Existe obstrução?
realizado precocemente, sua mortalidade aumenta ex- 2. Qual o nível da obstrução?
ponencialmente, chegando a 35% em 36 horas de de- 3. Qual a causa da obstrução?
mora diagnóstica[7]. 4. Existem sinais de estrangulamento ou isquemia?

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A B
Fig. 5 – Estrongiloidíase maciça do intestino delgado. Hiper-infestação. (A)
Radiografia do epigástrio em ântero-posterior, decúbito dorsal. Observa-
se o estômago (Est) com discreto aumento das dimensões. Alças jejunais
(J) e jejuno-ileais (J/I) são bem demonstradas, com aumento do calibre. A
seta aponta o bulbo duodenal. (B) Tomografia computadorizada com con-
traste intravenoso e por via oral. Corte efetuado no nível do pâncreas.
Demonstra-se a cabeça do pâncreas (seta), bem como o corpo e a cauda
(cabeça de seta) com aspecto normal. (C) Tomografia computadorizada com
contraste intravenoso e por via oral. Corte realizado no pólo inferior dos
rins. Espessamento regular, concêntrico e difuso de alças do delgado (ca-
beças de setas). O colo tem aspecto normal (seta curva).

Fig. 6 – Adenocarcinoma anular e este-


nosante do colo sigmóide. Oclusão semi-
total. (A) Radiografia em ântero-poste-
rior, decúbito dorsal. O colo transver-
so, com as haustrações e válvulas semi-
lunares características (cabeça de seta),
apresenta-se dilatado. Também o ceco
e o ascendente mostram significativo
grau de dilatação. Existe gás no reto e
no sigmóide, lembrando oclusão in-
completa. (B) Enema baritado. Radio-
grafia em ântero-posterior, decúbito
dorsal. A seta aponta estenose tipo
maçã mordida na porção distal do sig-
móide. O sigmóide está dilatado na
porção proximal a lesão. Observa-se o
A B reto (R) sem alterações.

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A B
Fig. 7 – Apendicite aguda com quadro de oclusão intestinal. (A) Tomografia computadorizada sem contraste. Corte realizado na altura da pelve.
Observa-se grande apendicólito (seta grossa) na fossa ilíaca direita com densidade cálcica. Alças do delgado ocluídas, com aumento do calibre,
conteúdo líquido (seta fina). Há níveis de líquido (seta tortuosa). (B) Tomografia computadorizada sem contraste, corte realizado logo abaixo
da figura anterior. O delgado (del) está dilatado, com nível de líquido (seta tortuosa). O apêndice cecal apresenta-se espessado, com borramento
da gordura vizinha (cabeças de setas).

Fig. 8 – Doença de Crohn. (A) Radiogra-


fia em ântero-posterior, ortostática.
Observam-se alças intestinais muito
distendidas, formando nível líquido (se-
tas brancas). O hemiabdome inferior
tem elevada densidade radiológica de-
vido ao conteúdo líquido dentro das
alças distendidas. (B) Trânsito intestinal.
Radiografia de 240 minutos. Obser-
vam-se alças muito dilatadas e com as-
pecto de continuidade (setas brancas),
porém com esvaziamento semitotal. Há
contrastação do colo transverso do sig-
A B
móide e reto (setas pretas).

Há controvérsias sobre a melhor abordagem para ção do grau e fator obstrutivo. Os autores referem que
a avaliação das obstruções intestinais[8]. Recentemente, a ultra-sonografia e a ressonância magnética são opções
foram publicadas diretrizes sobre a conduta que os ci- diagnósticas, com sensibilidade similar à tomografia, e
rurgiões devem tomar na suspeita de abdome agudo acrescentam que, caso os sintomas persistam por tempo
obstrutivo, e a radiografia simples é apontada como o superior a 48 horas com tratamento conservador, radio-
primeiro exame de imagem a ser solicitado, visto que, grafias contrastadas auxiliam no diagnóstico[9].
ao ser comparada à tomografia computadorizada, apre-
senta sensibilidade semelhante na diferenciação de qua-
RADIOGRAFIA SIMPLES DO ABDOME
dro obstrutivo e não-obstrutivo. Caso a radiografia seja
inconclusiva, sugere-se prosseguir a investigação diag- A radiografia simples do abdome continua sendo a
nóstica com tomografia computadorizada para elucida- principal ferramenta para o diagnóstico de abdome

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A B
Fig. 9 – Síndrome de Peutz-Jegher. Invaginação intestinal do delgado. (A)
Tomografia computadorizada com contraste. Alças de delgado dilatadas
(setas grossas) com conteúdo líquido no seu interior. Evidenciam-se as val-
vas coniventes (setas finas) atravessando as alças de parede a parede. O
colo aparece em vários segmentos com aspecto colabado, caracterizando
status pós-obstrutivo (cabeças de setas). (B) Tomografia computadorizada
com contraste. Corte realizado abaixo da figura anterior. Em meio às al-
ças de delgado distendidas evidenciam-se duas imagens de pólipos pro-
jetando-se para dentro da luz da alça (cabeças de setas). (C) Tomografia
computadorizada com contraste. Corte realizado alguns centímetros abai-
xo da figura anterior. Em meio à cavidade pélvica observa-se grupo de
alças de delgado formando figura circular (seta) em torno de pedículo
vascular. Demonstram-se alças de intestino grosso com aspecto normal
(cabeças de setas).

A B
Fig. 10 – Volvo de sigmóide. Doente com megacolo chagásico. (A) Radiografia em ântero-posterior, decúbito dorsal. Observa-se alça colônica
dilatada apresentando clássico aspecto em “grão de café”. O íntimo contato das paredes da alça em volvo forma a imagem da prega medial
(seta) e as pregas convergentes formam um “Y” (cabeças de setas). O colo proximal ao volvo tem discreta dilatação (seta tortuosa). (B) Enema
baritado. Radiografia em ântero-posterior, decúbito dorsal. Reto dilatado (R) em razão da pressão exercida para introduzir o contraste. O sig-
móide está dilatado, apresentando a clássica imagem em “grão de café”. A prega medial (seta) e as convergentes (cabeças de setas) compõem o
“Y”. Há pequena quantidade de contraste no interior das alças torcidas, pois o contraste ultrapassava o reto com dificuldade.

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agudo obstrutivo. Freqüentemente, é o primeiro, senão Dependendo da causa da obstrução, existem sinais
o único método utilizado. Pode indicar o ponto da obs- que podem sugerir sua etiologia[1,2,10]. A obstrução do
trução em até 80% dos casos e, em exames seriados, a intestino delgado pode apresentar distensão do delgado
eficácia do método pode se tornar ainda maior[8,10]. A superior com calibre maior que 3 cm, colo colapsado,
presença de sonda nasogástrica diminui a sensibilidade nível de líquido e espessamento de parede. O sinal do
do exame, por esse motivo, a radiografia deve ser obtida empilhamento de moedas também pode ser observado
antes da sua introdução[2]. e é causado por uma lentificação na reabsorção do ar
intraluminar, ficando acumulado entre as válvulas co-
niventes. Sinais de estrangulamento incluem edema das
válvulas, pneumatose intestinal e gás na veia porta[2,10].

RADIOGRAFIA CONTRASTADA

O trânsito intestinal e o enema opaco são exames


que podem ser utilizados na investigação diagnóstica do
abdome agudo obstrutivo. A radiografia simples pode
sugerir o nível da obstrução e, com isso, iniciar-se com
enema opaco, caso a obstrução seja baixa, ou trânsito
intestinal, caso seja alta[2,4].
É possível a identificação de alças intestinais dilata-
das, com diluição e lentificação da progressão do meio
de contraste, mudança abrupta de calibre e espessamento
do relevo mucoso, além de definir, não só o nível da
obstrução, mas também, em muitos casos, sua causa[2,4].

ULTRA-SONOGRAFIA
Fig. 11 – Má rotação intestinal. Radiografia do estômago e duodeno
com meio de contraste. Evidenciam-se o estômago (Est) com volume A ultra-sonografia pode ser utilizada com a finali-
um pouco aumentado e o arco duodenal (D.II) dilatado até o local dade de distinguir íleo paralítico de um quadro obstru-
apontado pela seta. Após este ponto, o intestino situa-se do lado di-
reito, de calibre normal. O ângulo duodenojejunal está deslocado para tivo; mediante identificação das válvulas coniventes,
a direita. pode-se diferenciar alças de delgado das alças de intes-

Fig. 12 – Imperfuração anal. (A)


Radiografia em ântero-posterior,
decúbito dorsal, realizada 20 ho-
ras após o nascimento da crian-
ça. Observam-se alças intestinais
muito dilatadas. O hemicolo es-
querdo (cabeças de setas) está
distendido, bem como alças lon-
gas e contínuas do delgado (seta).
(B) Radiografia em perfil do
reto. O doente está em decúbito
ventral, com as nádegas elevadas.
Nesta posição o gás tende a se
acumular na ampola retal. A
ampola real está dilatada (seta
reta). A porção ocluída está
apontada pela seta tortuosa. Foi
colocado reparo metálico na fos-
seta anal (seta curva) e é possível
medir a distância da fosseta até a
A B
porção distal do reto.

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tino grosso[2,11]. A combinação de peristalse, distensão gravidade, compressão, mobilidade e flexibilidade, via-
com conteúdo líquido e espessamento de parede sugere bilizando a realização no exame no leito, que são vanta-
o diagnóstico de infarto de parede intestinal[10]. gens que devem ser somadas[10,11].
O exame apresenta grande valor em condições gi- Sugere-se que, por ser um exame não-invasivo e
necológicas e obstétricas, além de poder ser utilizado com boa sensibilidade, a ultra-sonografia seja realizada,
com segurança em pacientes gestantes[11,12]. A ultra-so- em crianças, logo após a radiografia simples[6].
nografia transvaginal oferece vantagens sobre a abdo-
minal na visualização de doenças profundas na pelve,
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA
como divertículo localizado inferiormente, apendicite e
abscesso no fundo de saco de Douglas[11]. A eficácia da tomografia no diagnóstico de abdome
Por ser um exame dinâmico, também pode eviden- agudo obstrutivo de grau variado oscila entre 75% e
ciar o fluxo sanguíneo e a pulsatilidade por meio de es- 95%, altera a conduta que seria tomada sem a sua utili-
tudo Doppler colorido, manobra de Valsalva, efeito da zação em 50% dos casos, evita internações e cirurgias
desnecessárias, além de reduzir a morbi-mortalidade[3,12].
A tomografia é um método rápido e eficaz, todavia,
apresenta queda de cerca de 30% na sua sensibilidade
e 20% em sua especificidade nos casos de obstrução
baixa ou intermitente[8,10].
O exame tomográfico sem contraste via oral pode
ser realizado em grande parte dos pacientes com obs-
trução intestinal, nos quais há acúmulo de líquido in-
traluminal. A presença desse líquido funciona como um
contraste natural e, assim, o exame pode ser realizado
imediatamente, evitando o atraso do preparo via oral[8].
Os principais sinais tomográficos de obstrução in-
testinal são distensão de alças de delgado (acima de 2,5
a 3 cm de diâmetro), presença de níveis líquidos e des-
proporção do calibre da alça, identificando-se segmen-
tos de fino calibre e, dessa forma, podendo-se estabele-
Fig. 13 – Atresia duodenal. Radiografias em ântero-posterior, decúbito cer o diagnóstico. A utilização desses sinais prescinde de
dorsal, ortostáticas, feitas poucas horas após o nascimento. Demons- contraste intravenoso e via oral[2,8,10].
tra-se o estômago (Est) distendido com nível de líquido (cabeça de
seta). O duodeno encontra-se distendido (seta branca) até o joelho in- Alguns sinais podem sugerir malignidade, como
ferior, onde a coluna aérea interrompe-se bruscamente (seta preta). massa, linfadenopatia ou transição abrupta associada a

Fig. 14 – Invaginação intestinal


em criança. (A) Radiografia em
ântero-posterior, ortostática. Ob-
servam-se alças do delgado (cabe-
ças de setas) dilatadas com nível
de líquido. O colo transverso está
apontado pela seta. (B) Ultra-so-
nografia. Corte sagital do lobo
hepático direito (F). Observa-se
corte transversal do colo eviden-
ciando imagem hiperecogênica
contornada por halo hipoecóico
A B
(cabeças de setas).

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A B C
Fig. 15 – Divertículo de Meckel. Sétimo dia de pós-operatório de laparotomia branca por sus-
peita de apendicite aguda, evoluiu com oclusão intestinal, devido a inflamação de divertículo
de Meckel. (A) Radiografia em ântero-posterior. Há alça jejunal dilatada de situação transversa
no hemiabdome superior (seta reta). Abaixo desta alça, todo o abdome tem aspecto homogê-
neo, “vazio”, característico de grande quantidade de líquido nas alças (setas tortuosas). (B) Ra-
diografia em ântero-posterior. Observam-se alças do delgado muito dilatadas no hemiabdome
superior (setas). Há níveis de líquido (cabeça de seta). O nível mais baixo demonstrado corres-
ponde a alça do delgado muito longa. (C) Trânsito intestinal. Radiografia de 30 minutos. O con-
traste percorre o jejuno proximal com o calibre normal, à direita da coluna, a seta aponta alça
do delgado muito dilatada com sinais de diluição do contraste. Desde que a progressão do con-
traste era muito lenta, o exame foi suspenso neste momento. (D) Detalhe do hemiabdome su-
perior direito. Observa-se alça de aspecto e calibres normais (seta preta). A seta branca aponta
alça muito distendida, com diluição do contraste, portanto, mais próxima do obstáculo.

irregularidades na parede intestinal. Na ausência de


massa ou outras anormalidades na área de obstrução,
aderência constitui diagnóstico de exclusão na maioria
dos pacientes[5].
D
A sensibilidade da tomografia com contraste intra-
venoso para isquemia intestinal chega a 90%. A litera-
tura relata a seguinte ordem dos sinais sugestivos de
estrangulação, em ordem decrescente: espessamento de Autores afirmam que reformatações coronais, ao
alça, ascite, aspecto trilaminar na parede do intestino serem analisadas em conjunto com os cortes axiais, au-
(contrastação da mucosa e muscular associada a edema mentam a confiança do examinador, são preferidas
da submucosa), contrastação da parede intestinal pobre pelos cirurgiões para planejamento cirúrgico, facilitam
ou ausente, pneumatose intestinal e gás nas veias porta o seguimento de alças intestinais, sem alterar o tempo
e mesentéricas, torção nos vasos mesentéricos signifi- de realização do exame ou mesmo de avaliação das
cando volvo, tortuosidade e ingurgitamento dos vasos imagens. Todavia, alertam que as reformatações coro-
mesentéricos, hemorragia mesentérica e, por fim, au- nais não substituem a análise dos cortes axiais[14].
mento da atenuação da parede intestinal em exames A tomografia multidetectores com imagens refor-
sem contraste[10]. matadas também se mostra mais clara na identificação
Com a utilização da tomografia multidetectores é de obstruções com alça fechada, podendo reconhecer
possível a realização de imagens multiplanares e refor- sinais característicos como o sinal do bico (transição em
matações volumétricas, oferecendo vantagens quando forma de bico de ave de alça dilatada através do ponto
comparada à tomografia convencional no diagnóstico obstrutivo), arranjo radial de alças e vasos mesentéricos
de obstruções intestinais[5,8,13]. e configuração anormal do intestino em U ou C[7].

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Francisco MC et al. / Abdome agudo obstrutivo

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CONCLUSÃO
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O abdome agudo obstrutivo é uma doença comum, multidetector computed tomography – a clinicoradiological per-
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rápido e efetivo. Os exames de imagem podem firmar 15. Birchard KR, Brown MA, Hyslop WB, Firat Z, Semelka RC. MRI
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o diagnóstico e auxiliar na escolha do manejo mais apro- J Roentgenol 2005;184:452–8.
priado.
A radiografia simples permanece a primeira esco-
Abstract. Obstructive acute abdomen: reviewing important points.
lha dentre os exames de imagem, por possuir fácil aces-
The obstructive acute abdomen is a common presentation, for
so, baixo custo e poder ser feita seriada conforme a evo-
which safe and effective management depends on a fast and ac-
lução clínica do paciente. A ultra-sonografia apresenta
curate diagnosis. Conventional radiograph remains the first choice
a vantagem de não possuir radiação ionizante e ser um among the imaging exams because of its availability, low cost and
método dinâmico e de fácil mobilização. A tomografia the possibility to be done serially to follow the patient’s clinical
computadorizada fornece informações adicionais como progression. The ultrasonography does not require ionizing radia-
confirmação da obstrução, grau e local de uma oclusão, tion. It is a dynamic and in realtime exam. Computed tomography
presença de isquemia e causas de obstrução. A ressonân- is used increasingly due to the provision of essential diagnostic
cia magnética tem apresentado grandes avanços tecno- information not apparent from radiographs, such as the confirma-
lógicos e, futuramente, pode ser uma opção viável. tion of the obstruction, degree and place of the occlusion, pres-
ence of ischemia as well as the causes of the obstruction. Mag-
REFERÊNCIAS netic resonance imaging has presented great technological ad-
1. Frimann-Dahl J. The acute abdomen. I. The value and limitations vances and it may play a role in the future of obstructive acute
of radiology in acute abdominal conditions. Br J Radiol 1955; abdomen diagnosis. The objective of this pictorial essay is to re-
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view the different imaging techniques used on diagnosing obstruc-
2. Lopes AC, Reibscheid S, Szejnfeld J. Abdome agudo vascular. In:
Lopes AC, Reibscheid S, Szejnfeld J. Abdome agudo – clínica e tive acute abdomen.
imagem. São Paulo, SP: Atheneu; 2005. p. 111–25. Keywords: Abdominal pain; Acute abdomen; Conventional radiography;
3. Salem TA, Molloy RG, O’Dwyer PJ. Prospective study on the role Computed tomography; Magnetic resonance imaging.

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