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Princípios gerais da oxigenoterapia na emergência

Elga Freire - 2009

1.Introdução

O oxigénio é um tratamento para a hipoxia e não para a dispneia. Tem sido demonstrado
que o oxigénio não tem efeito na dispneia em doentes não hipoxémicos.
De acordo com as recomendações da British Thoracic Society (BTS) de 2008, a
medição da saturação de oxigénio através de oximetria de pulso, deve ser considerada o
5º sinal vital e registada juntamente com a Fi O2 e o respectivo sistema de fornecimento,
no processo do doente.
Assim, é recomendado que a oximetria de pulso deve estar disponível em todos os
locais onde se usa O2 de emergência.

2.Prescrição de O2

ƒ O oxigénio deve ser prescrito com o objectivo de se atingirem saturações de 94


– 98% na maioria dos doentes.
ƒ Nos doentes com risco ou registo prévio de insuficiência respiratória do tipo II
(IR II) a saturação recomendada é 88 – 92%.
ƒ O objectivo da saturação deve ser registado na folha terapêutica.

3.Recomendações

ƒ Algumas pessoas normais, especialmente com mais de 70 anos, podem ter


medições de saturação de oxigénio inferiores a 94% e não necessitarem de
oxigenoterapia, se clinicamente estáveis.
ƒ Muitos doentes dispneicos e não hipoxemicos não beneficiam de oxigenoterapia.
Contudo, uma redução súbita de 3% na saturação de O2 pode ser a primeira
evidência de uma doença aguda e aconselha vigilância.
ƒ Alguns doentes com DPOC e outras patologias são vulneráveis a repetir
episódios de insuficiência respiratória hipercapnica. Nestes casos recomenda-se
que o tratamento se baseie nas gasimetrias anteriores. Assim, nos doentes com
insuficiência respiratória hipercapnica prévia, recomenda-se iniciar o tratamento
com máscara de Venturi a 28% e 4l/min, a nível pré-hospitalar ou máscara de
Venturi a 24% e 2-4l/min, em meio hospitalar, enquanto se aguarda pelos
resultados de gasimetria urgente. O objectivo inicial da saturação de O2 é de 88-
92%. Estes doentes devem ter prioridade nos serviços de emergência e a dose de
oxigénio deve ser reduzida se a saturação de O2 exceder os 92%.
ƒ Porque a oxigenação está reduzida na posição de decúbito, recomenda-se que os
doentes hipoxemicos e completamente acordados, se mantenham o mais vertical
possível ou na posição mais confortável para eles, salvo contra-indicação.

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ƒ Na titulação do oxigénio é recomendado que se espere, pelo menos, 5 min antes
de novo ajuste quer para valores superiores ou inferiores.

3. 1.Doente crítico – recomendações

ƒ Iniciar oxigenoterapia com máscara com reservatório a 15 l/min.


ƒ Após o doente estabilizar, reduzir a dose de oxigénio até valores de saturação
entre 94-98%.
ƒ Se não houver disponibilidade de oximetria, manter a máscara com reservatório
até estar disponível um tratamento definitivo.
ƒ Em doentes com DPOC e outros factores de risco para hipercapnia que
desenvolvam doença crítica devem ter o mesmo objectivo de saturações,
dependendo dos resultados da GSA, após a qual estes doentes podem precisar de
oxigenoterapia controlada ou suporte ventilatório, se houver hipoxemia e/ou
hipercapnia com acidose respiratória.

3.2.Doente gravemente doente com hipoxemia – recomendações

ƒ Iniciar oxigenoterapia com cânula nasal a 2-6 l/min (de preferência) ou máscara
facial simples a 5-10 l/min.
ƒ Se doente sem risco de insuficiência respiratória hipercapnica, com saturação
<85%, iniciar tratamento com máscara com reservatório a 15 l/min.
ƒ O valor de saturação de O2 inicial recomendado é de 94-98%.
ƒ Se não houver disponibilidade de oximetria, manter a recomendação anterior até
estar disponível um oxímetro ou GSA.
ƒ Mudar para máscara com reservatório se não se atingirem os valores desejáveis
de saturação (e assegurar que o doente é avaliado por um médico sénior).
ƒ Se doente com DPOC ou outros factores de risco para insuficiência respiratória
hipercapnica, ter como objectivo saturação de 88-92%, dependendo de GSA. Se
PaCO2 normal, ajustar para 94-98% (excepto se história de insuficiência
respiratória hipercapnica com necessidade de ventilação) e repetir GSA após 30-
60 min.

3.3.DPOC e outras situações que necessitam de oxigenoterapia controlada


ou em baixa dose – recomendações

ƒ Antes de termos uma GSA, usar máscara de Venturi a 4 l/min tendo por
objectivo saturação de 88-92% para doentes com factores de risco para
hipercania mas sem história prévia de acidose respiratória.

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ƒ Ajustar o objectivo para 94-98% se PaCO2 normal (excepto se antecedentes de
ventilação invasiva ou não invasiva) e repetir GSA 30-60 min depois.
ƒ Se antecedentes de acidose respiratória, o objectivo da saturação deve ser o
registado no cartão de alerta, se o doente o possuir. Estes doentes devem ter a
sua própria máscara de Venturi. Na ausência deste cartão mas se antecedentes de
insuficiência respiratória e uso de ventilação invasiva ou não invasiva, começar
o tratamento com máscara de Venturi a 28% a 4l/min, no pré hospitalar ou
máscara de Venturi a 24% a 2-4l/min em meio hospitalar tendo por objectivo
inicial uma saturação de 88-92%, enquanto se aguarda pelos resultados de
gasimetria urgente.
ƒ Se saturação permanecer abaixo de 88% apesar de máscara de Venturi a 28%,
mudar para cânula nasal a 2-6l/min ou mascar facial simples a 5l/min tendo por
objectivo uma saturação de 88-92%. Todos os doentes de risco com cartão de
alerta, ventilação invasiva ou não invasiva prévia ou saturação <88% na
ambulância, devem ser tratados com a máxima prioridade.
ƒ Se o diagnóstico é desconhecido, o doente tem mais de 50 anos, é fumador de
longa data, tem história de dispneia crónica para pequenos esforços como andar
em plano e não tem outra causa conhecida para a dispneia deve ser tratado como
tendo DPOC para efeito destas recomendações. Doentes com DPOC também
usam termos como bronquite ou enfisema e por vezes erradamente “asma”. À
chegada ao hospital deveria ser medido, se possível, o FEV1 e, esta medição,
deveria ser repetida, pelo menos uma vez, antes da alta hospitalar em todos os
casos suspeitos de DPOC.
ƒ Os doentes com grande probabilidade de terem DPOC grave ou outra doença
que possa causar insuficiência respiratória hipercapnica devem ser triados com
urgência e submetidos a GSA à chegada ao hospital.
ƒ A GSA deve ser repetida 30-60 min (ou se houver deterioração clínica) mesmo
que a PaCO2 inicial seja normal.
ƒ Se a PaCO2 está alta mas o pH é ≥7.35 ([H+] ≤ 45 nmol/l), o doente tem,
provavelmente, hipercapnia de longa duração; manter o objectivo de saturação
de 88-92%. A GSA deverá ser repetida 30-60 min depois para despistar subida
da PaCO2 ou descida do pH.
ƒ Se o doente tem hipercapnia (PaCO2 >45 mmHg) e acidose (pH é <7.35 ([H+] >
45 nmol/l), considerar VNI, especialmente se a acidose persistir por mais de 30
min apesar da terapêutica adequada.
ƒ Na maioria dos doentes, após estabilização, a máscara de Venturi pode ser
substituída por cânula nasal a fluxos baixos (1-2l/min).

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3.4.Situações nas quais os doentes necessitam de monitorização apertada
mas em que a oxigenoterapia não é necessária a não ser que o doente tenha
hipoxemia

ƒ Enfarte do miocárdio e síndrome coronário agudo: Risco/benefício da


oxigenoterapia desconhecido
ƒ Acidente vascular cerebral: A oxigenoterapia pode ser prejudicial nos
doentes não hipoxémicos com AVC ligeiro a moderado (por diminuição do
débito cardíaco secundário a vasoconstrição coronária e cerebral)
ƒ Gravidez e emergências obstétricas: A oxigenoterapia pode ser prejudicial
para o feto se a mãe não tiver hipoxemia.
ƒ Intoxicações: Avaliar GSA para excluir hipercapnia se droga depressora do
SNC; Se aspiração ácida evitar débitos altos de oxigénio pois pode ser
prejudicial; Se intoxicação por paraquat ou lesão pulmonar por bleomicina a
oxigenoterapia pode ser prejudicial.
ƒ Doença neurológica aguda ou subaguda e doença muscular que
provoquem fraqueza muscular: Se a saturação de oxigénio estiver baixa é
urgente fazer GSA e a necessidade de suporte ventilatório é altamente provável.

4.Gasimetria arterial (GSA)

É recomendada anestesia local para todas as gasimetrias excepto em doentes


inconscientes ou anestesiados.
Deve ser efectuada nas seguintes situações:
ƒ Todos os doentes críticos
ƒ Hipoxemia (Sat. O2 <94%) inesperada ou inadequada ou em doentes que
necessitam de O2 para atingir este valor (excepto descidas transitórias até 90%
ou inferiores em doentes normais, durante o sono).
ƒ Deterioração da Sat. O2 ou aumento da dispneia em doente com hipoxia prévia
estabilizada (ex. DPOC grave).
ƒ Qualquer doente previamente estável que agrava e necessita de aumentar a
fracção inspirada de O2 para manter constante a Sat. O2.
ƒ Qualquer doente com factores de risco para insuficiência respiratória
hipercapnica que desenvolva dispneia, deterioração da Sat. O2, sonolência ou
outros sintomas de retenção de CO2.
ƒ Doentes dispneicos com risco de alterações metabólicas como cetoacidose
diabética ou acidose metabólica por insuficiência renal.
ƒ Doentes críticos ou com dispneia aguda e com pouca circulação periférica nos
quais não se pode obter uma oximetria fiável.

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ƒ Outras situações em que a GSA poderá ser útil como por exemplo uma descida
inesperada de 3 % ou mais da Sat. O2.

5.Aspectos práticos da oxigenoterapia

ƒ Durante a alimentação, os doentes a fazer O2 por máscara deverão passar a


cânula nasal mantendo o débito prescrito (até 4L/min).

ƒ Nos doentes a fazer ventilação não invasiva, sempre que esta é interrompida
para alimentação ou nebulização, deve ser colocada cânula nasal e O2 a um
débito inferior em 1L.
ƒ Quando os doentes necessitam de FiO2 iguais ou inferiores a 35%, passar a
cânula nasal, se estiverem com máscara, excepto se houver prescrição médica a
contraindicar o seu uso.
ƒ FiO2 = 24% => 1l/min
ƒ FiO2 = 28% => 2L/min
ƒ FiO2 = 31% => 3L/min
ƒ FiO2 = 35% => 4L/min

ƒ Nas deslocações dos doentes a oxigenoterapia deve ser mantida, com os mesmos
parâmetros, incluindo monitorização e acompanhamento quando a situação
clínica o aconselhar.

ƒ A sonda nasal apenas deve ser utilizada temporariamente, durante


procedimentos técnicos que impeçam a utilização da cânula nasal (Ex:
broncofibroscopia).

ƒ Em doentes com DPOC com FR> 30c/min deve-se aumentar o fluxo de


oxigénio em 50% acima do valor mínimo especificado pela máscara de Venturi
(o aumento do fluxo de oxigénio aumenta o fluxo total do gás na máscara mas
não aumenta a concentração de oxigénio que é fornecido).

5.1.Humidificação

ƒ A humidificação só é necessária:
o Para débitos de oxigénio iguais ou superiores a 5l/min
o Em todos os doentes a fazer O2 por traqueostomia e tubo endotraqueal
o Se o doente refere desconforto ou secura de mucosas

ƒ A humidificação não é necessária quando se utilizam débitos baixos de oxigénio


ou débitos altos por períodos curtos, nomeadamente no tratamento pré
hospitalar, excepto nos doentes com traqueostomia ou tubo endotraqueal.

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5.2.Nebulização

ƒ Durante as nebulizações a oxigenoterapia não deverá ser interrompida. A


nebulização deverá ser feita sempre com ar, excepto nas situações em que a
prescrição médica refira nebulização com O2. Os doentes a fazer O2 por máscara
deverão passar a cânula nasal mantendo o débito prescrito (até 4L/min).

ƒ Durante o transporte de ambulância as nebulizações com oxigénio devem ser


utilizadas nos doentes asmáticos. Também podem ser utilizadas em doentes com
DPOC, se não houver um sistema de compressor de ar, mas o seu uso deve ser
limitado até seis minutos, para diminuir o risco de hipercapnia.

6.Bibliografia

ƒ NT Bateman, RM Leach. ABC of oxygen. Acute oxygen terapy.


BMJ 1998; 317: 798-801
ƒ O’Driscoll, Howard LS, Davison AG. Guidline for emergency
oxigen use in adult patient. British thoracic society. Emergency
oxigen guidline group. Thorax 2008;63 supplement VI
ƒ www.brit-thoracic.org.uk/emergencyoxygen

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