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No Brasil, as obras públicas sofrem


com a incompetência
Por Flávia Furlan, Bruno Villas Boas
11-15 minutos

A burocracia, os malfeitos e a crise econômica


atrapalham, sem dúvida. Mas quase todas as
grandes obras brasileiras esbarram na pura falta de
inteligência

access_time 9 abr 2015, 16h42

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Obra da Linha 5 do metrô, em São Paulo: imprevistos no projeto


(Germano Lüders / EXAME)

São Paulo – A construção de uma linha de veículos leves sobre


trilhos em Cuiabá é um dos fiascos da história recente das obras
públicas no Brasil. Em 2011, o projeto foi anunciado como o grande
legado que a cidade ganharia por ser uma das sedes da Copa do
Mundo. A um custo de 1,5 bilhão de reais, seria o maior
investimento em mobilidade urbana da história de Mato Grosso.

A linha deveria ter começado a operar no início do ano passado,


com 22 quilômetros de extensão e 33 estações. Mas, até agora,
tudo o que ficou pronto são 800 metros de trilhos. Há 40 vagões
estacionados num pátio nos arredores de Cuiabá, expostos ao
clima quente e úmido da cidade e acumulando a poeira vermelha
da região. Não é só isso: três quartos dos recursos previstos já
foram gastos.

O governo do estado de Mato Grosso estima que, para terminar o


VLT, serão necessários mais 700 milhões de reais — mas as obras
estão paradas desde dezembro porque não há esse dinheiro para
tirar do orçamento. A Controladoria-Geral do Estado concluiu que
os projetos eram incompletos e que o pouco a sair do papel foi mal
executado.

Um dos viadutos por onde o VLT passará teve de ser refeito por
apresentar fissuras logo depois de ser concluído, no início do ano
passado. Enquanto isso, a população sofre. Acessos às avenidas
que circundam a linha do VLT seguem interditados por causa da
obra inacabada, causando congestionamentos nos horários de
pico. “Há regiões da cidade parecendo canteiros de obra, o que
deixa Cuiabá feia e inóspita”, afirma Eduardo José de Magalhães,
presidente do sindicato de hotéis, restaurantes e bares de Mato

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Grosso.

Muito já se falou sobre como os tortuosos caminhos da burocracia


e a dificuldade de encontrar dinheiro para investimentos
atrapalham o andamento das obras públicas. Quem dera fosse só
isso. Casos como o do VLT de Cuiabá mostram que, mesmo
quando se põe mãos à obra, as coisas custam a avançar por falta
de puro bom senso.

Por aqui, é comum começar empreitadas sem saber exatamente


quanto elas custarão no final. Frequentemente, os operários
começam a trabalhar sem que os detalhes do projeto sejam
conhecidos. O poder público também inicia obras que exigem a
coordenação de dezenas de construtoras com pouca clareza sobre
como administrar um empreendimento complexo. A conta acaba
no bolso da população — seja na forma de impostos para cobrir as
despesas, seja na de aumento nas tarifas dos serviços.

O pior: tanto tempo e dinheiro não estão sendo gastos para atingir
feitos extraordinários, como levar astronautas a Marte. Trata-se de
construir pontes, estradas, ferrovias e portos, entre outras obras
cujas tecnologias são dominadas há décadas ou séculos.

A rede de metrô da cidade de São Paulo entrou em operação em


1974 e hoje conta com 74 quilômetros de trilhos. O metrô de Seul,
na Coreia do Sul, começou a funcionar no mesmo ano e já tem 327
quilômetros.

Por que demoramos tanto? Em parte, por falta de um insumo


básico: inteligência. É notório o pouco esforço que costuma ser
dedicado no Brasil às fases de planejamento. De acordo com o
Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, a
elaboração de projetos, a montagem dos cronogramas e as

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projeções de custos consomem cerca de 40% do tempo previsto


para uma obra no Japão.

Na Alemanha, metade. Para comparar, no Brasil, só um quinto do


tempo é despendido com as etapas iniciais. “No Brasil, as obras
podem ser iniciadas apenas com um projeto básico”, diz Paulo
Resende, professor da Fundação Dom Cabral. “Sem
detalhamento, é natural que surjam situações não previstas,
exigindo mudanças no cronograma e mais dinheiro para a
execução.” Dados do Tribunal de Contas da União mostram que
mais de um terço das fiscalizações em obras no ano passado
apresentava problemas de projeto.

A Linha 5-Lilás do metrô, em São Paulo, é um exemplo disso. O


projeto prevê 12 quilômetros de metrô e 11 estações. As obras
começaram em 2009. A entrega da linha, inicialmente prevista para
2013, já foi postergada para o fim de 2016. Primeiro, a obra, logo
após o início, ficou meio ano parada devido a uma suspeita de
fraude na licitação da linha — o que, afinal, não foi confirmado.

Depois, deficiências do projeto começaram a atrapalhar o


andamento. Em julho do ano passado, os engenheiros perceberam
que o subsolo era mais frágil que o previsto em um ponto no bairro
de Moema. Foi preciso reforçar as estruturas antes que as
escavações do túnel pudessem continuar.

Enquanto isso, o avanço do tatuzão, como é conhecida a máquina


que perfura os túneis, foi interrompido. A passagem do tatuzão sob
Moema, que deveria demorar 30 dias, levou um mês e meio além
do esperado. “No projeto básico, não havia indicação de que o solo
fosse tão frágil”, diz Walter Castro, diretor de engenharia e de
obras do Metrô. “Só descobrimos o problema depois que as obras

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haviam começado.”

Não é só tempo que se perde. Um tatuzão custa em torno de 100


milhões de reais, capital que, se fosse aplicado em renda fixa,
renderia pelo menos 1,3  milhão de reais nos 48 dias a mais que a
máquina ficou parada. Imprevistos assim encarecem as obras —
as empresas muitas vezes têm de pagar multas pelos atrasos — e
ajudam a atulhar os tribunais. “Quando o poder público e as
empresas não chegam a um acordo sobre multas e ajustes no
orçamento, a discussão vai para a Justiça”, diz o executivo de uma
grande empreiteira.

Loteamento problemático

Outra fonte de enroscos é o fato de os grandes projetos


costumarem ser divididos em lotes, entregues a construtoras
diferentes. Essa repartição é uma das pedras no sapato das obras
públicas brasileiras. Exemplos de outros países mostram que, feita
do jeito certo, a divisão pode funcionar.

“No mundo inteiro, é comum que os grandes projetos sejam


segmentados para que o dono da obra possa aumentar a
concorrência e não ficar refém de poucas construtoras”, diz Peter
White, professor do departamento de planejamento e transporte da
Universidade de Westminster, em Londres.

“Mas, para dar certo, é preciso ter alguém capaz de gerir bem as
diferentes etapas da obra.” A capacidade de gerenciar com
sabedoria é algo que nos falta. Nessas situações de distribuição da
obra a várias empreiteiras, o que se tem visto é o atraso no
andamento de um trecho bagunçar o cronograma dos demais.

Um estudo da Confederação Nacional da Indústria aponta a má

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gestão como um dos motivos para a transposição do rio São


Francisco, iniciada em 2005, estar três anos atrasada. A
transposição foi dividida em 14 lotes. Mas o governo não dá conta
de fiscalizar e aprovar com celeridade cada etapa do loteamento
realizado.

O caso fica mais grave justamente por se tratar de uma obra


controversa. Concebido para levar água ao semiárido nordestino, a
transposição é alvo de críticas de ambientalistas — que temem seu
impacto sobre os ecossistemas que sobrevivem do São Francisco
— e de especialistas para quem o desvio pode prejudicar a
operação das hidrelétricas que usam a água do rio para gerar
energia.

Não que no Brasil de 2015 faltem motivos para que as obras


públicas fiquem pelo caminho. A Operação Lava-Jato desvendou
um esquema de corrupção entre a Petrobras e grandes
construtoras, levando-as a diminuir o ritmo de trabalho.

O aperto fiscal em execução pelo governo também não ajuda:


desde setembro, as construtoras responsáveis pelas obras do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) têm convivido com
atrasos de até 80 dias nos pagamentos. O valor devido já soma 6,5
bilhões de reais, segundo a Associação Paulista de Empresários
de Obras Públicas, que reúne 120 empresas.

Como resultado, o panorama generalizado no país hoje é o de


obras tocadas com lentidão, quando não totalmente paralisadas.
Um levantamento feito pela consultoria Inter.B para EXAME mostra
que os principais projetos nas áreas de transporte, energia e
saneamento do PAC demoram, em média, o dobro do previsto. O
custo chega a ser mais de 50% superior ao do projeto original.

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A falta de um mínimo de planejamento fica evidente em casos que


beiram o ridículo, como o do terminal de turismo do porto de Natal.
Inaugurado em 2014, nele não podem atracar os navios das
principais operadoras de cruzeiro. O motivo: no caminho existe
uma ponte sobre o rio Potengi sem altura suficiente para a
passagem de navios.

Outro exemplo vem do setor elétrico. As primeiras turbinas da


usina Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, ficaram prontas
em março de 2012. Mas a linha de transmissão de 2 385
quilômetros, que liga Rondônia a Araraquara, em São Paulo, só foi
finalizada em agosto de 2013.

Não é um caso isolado. No Nordeste, 27 parques de energia


eólica, prontos desde 2013, ficaram quase dois anos à espera das
linhas de transmissão para se conectar ao sistema elétrico
nacional. A razão: o governo concluiu a licitação para comprar
energia de geração eólica e só um ano depois licitou sua conexão
com as distribuidoras.

Mudanças na legislação

O que fazer para tornar a gestão mais inteligente e as obras mais


céleres? Um projeto para mudar a lei de licitações tramita no
Senado desde 2013. Entre as mudanças previstas está a
possibilidade de que as empreiteiras que vencerem as licitações de
uma obra sejam responsáveis pelos projetos, hoje quase sempre
feitos por outras empresas.

Em contrapartida, teriam menos espaço para pedir aditivos de


alteração de preço. Outra mudança amplia o seguro que as
construtoras obrigatoriamente contratam ao se comprometer com

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uma obra. Trata-se de uma garantia para o poder público caso a


empresa atrase ou abandone os projetos inacabados — nessa
situação, os contratos são rescindidos e outra empresa é chamada
para o trabalho.

Hoje, o seguro cobre, no mínimo, 5% do valor da obra — a


proposta de alteração da lei prevê aumentar a cobertura para até
30%. Na prática, significa que os atrasos ficarão mais caros para
os empreiteiros. “Hoje, como o percentual segurado é baixo, há
pouco incentivo para o poder público acioná-lo”, diz Rodrigo
Loureiro, diretor de garantia da corretora de seguros Willis. “Nos
Estados Unidos, a cobertura é de 100%.”

É um começo, mas ainda estamos longe de trabalhar, antes de


tudo, com a inteligência. Não há dúvida de que o país ganharia se
a corrupção fosse varrida do mapa. Enquanto esses desafios não
são vencidos, porém, pôr fim à burrice já seria um bom ponto de
partida.

Notícias sobre BurocraciaEdição 1086InfraestruturaMobilidade


urbana

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