Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Intertextualidade Claudia Franco PDF
Intertextualidade Claudia Franco PDF
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
RESUMO
ABSTRACT
This article presents a reflection about intertextuality and its relevance in the teaching of
text production. Based on the sociocognitive and interactional conception of the language,
treated by Charaudeau, on the conception of textual genres, according Marcuschi, and on
the dialogue between the texts, it seeks to show how intertextuality becomes an effective
tool in building of meaning desired by the enunciator, to be explored in the teaching of text
production.
Introdução
43
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
abordagem feita por Koch acerca da intertextualidade, procuramos mostrar sua eficiência
na produção de textos.
Não é nossa intenção aqui aprofundar quaisquer dos conceitos anteriores; antes,
produção escrita. Entendemos que a noção de língua como prática social, em especial seu
um produtor de textos visto que a todo instante interagimos num mundo cada vez mais
globalizado.
Médio, a fim de que sejam bem-sucedidos no vestibular. Entretanto, sabemos que esse não
é o caminho para quem quer de fato ensinar ou aprender a expressão escrita, e que a autoria
se manifesta não por meio de ‘fórmulas’, mas pelo uso individual, em situações específicas,
pode utilizar para montar seu texto. Ressalte-se que não tocamos aqui na questão da
polifonia dado seu aspecto mais abrangente. Embora estejam estritamente ligadas,
intertextualidade e polifonia não coincidem em sua totalidade já que nem sempre uma
44
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
É por meio do discurso que expressamos e entendemos a realidade que nos cerca.
o mundo significado se torna “objeto de troca” com um outro sujeito (destinatário deste
objeto).
contrato de comunicativo, isto é, um ato de linguagem se realiza com uma troca entre o
(“quem” diz “o quê” “a quem” com que “finalidade”), determinam “como” dizer a fim de
Essa concepção interacional é corroborada por Koch (2002:15): “(...) o texto passa a
ser considerado o próprio “lugar” da interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que
45
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
locutor/produtor do texto lança mão de recursos, como, por exemplo, o que aqui nos
interessa, a intertextualidade.
textuais. Neste trabalho, escolhemos a conceituação de Marcuschi (2003), que, a nosso ver,
sintáticos, tempos verbais, relações lógicas]. Em geral, os “tipos textuais” abrangem cerca
46
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
Assim, um texto do gênero publicitário, por exemplo, pode conter características de todos
os tipos textuais; ou ainda, um tipo de texto pode apresentar vários gêneros (contos,
noção de tipo textual (aspectos lexicais, sintáticos, tipos verbais relações lógicas) e suas
intencionalidade.
situação discursiva em que se encontra seu interlocutor e sua intenção, e conhecedor dos
tipos e gêneros textuais, o aluno torna-se capaz de lançar mão de estratégias e recursos
Não há, pois, como ensinar produção textual sem levar em consideração sua
Dialogismo
propagandas, que a todo instante nos remetem a outros textos, ainda que não nos demos
conta.
No dizer de Bakhtin “O texto só ganha vida em contato com outro texto com
contexto. Somente nesse ponto de contato entre textos é que uma luz brilha, iluminando
tanto o posterior como o anterior, juntando dado texto a um diálogo entre textos(...)”
47
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
(BAKHTIN, 1986:162). Podemos dizer, nessa perspectiva, que um discurso nunca está
social, constrói sua subjetividade de acordo com as relações sociais de que participa,
Importa, aqui, ressaltar a separação que Bakhtin faz de enunciado e texto. Para ele, o
enunciado é um todo de sentido que procura mostrar a posição de uma voz dentro da
sociedade, por isso mesmo exige uma réplica, isto é, uma resposta, pode ser verbal e não-
Intertextualidade
distinção feita por Koch (2003) entre intertextualidade em sentido amplo e restrito.
anterior. Nessa ótica, o diálogo entre textos está não necessariamente no plano material, de
48
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
discurso não vem ao mundo numa inocente solitude, mas constrói-se através de um já-dito
filha quanto à necessidade de preservar sua reputação resguardando sua virgindade, os pais
estão recorrendo, ainda que inconscientemente, aos preceitos de uma dada religião.
Texto I
49
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
Texto II
O papel dos componentes dietéticos na prevenção das doenças crônicas tem merecido considerável atenção. O
Terceiro Painel de Tratamento de Adultos (Adult Treatment Panel III - ATP III) do Programa Nacional de
Educação sobre o Colesterol (National Cholesterol Education Program - NCEP) recomenda uma série de
alterações no estilo de vida, como base da terapia para prevenção das doenças cardiovasculares (DCV). A
dieta proposta pelos especialistas inclui a redução da ingestão de alimentos ricos em gordura saturada e
colesterol, aumento do consumo de fibra alimentar, hortaliças e frutas, além da prática regular de atividade
física e do controle ponderal(...)
texto lido, o leitor deve reconhecer marcas de um outro com o qual dialoga, isto é,
50
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
■ Temática
Um mesmo conteúdo é partilhado em textos diversos – de uma mesma área, entre matérias
(Fig. 1 – “DA LAMA AO ESTADO DE DIREITO”, charge de Leonardo. Fonte: Jornal Extra, 27/03/2011)
aplicação, para eleições de 2010, da lei que torna inelegíveis pessoas condenadas por
51
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
■ Forma / Conteúdo
Quando a mesma linguagem (estilo, registro, variedade) é usada com fins específicos
Até o fim
52
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
O texto de Drummond é retomado por Chico Buarque e Adélia Prado tanto em sua forma,
poema e repetição da estrutura do primeiro verso “Quando nasci (...) um anjo (...)”, quanto
ao conteúdo, destino anunciado por um anjo, ainda que com postura diferente do sujeito
poético – no texto de Chico, ele é irreverente e usa linguagem coloquial, e no de Adélia, ele
■ Explícita
Há citação da fonte do intertexto; são frequentes as referências, citações, menções,
resumos, argumentos de autoridade.
Tênis e frescobol
Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os casamentos são de dois tipos: há os casamentos do
tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e
ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a
chance de ter vida longa.
Explico-me. Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual concordo inteiramente. Dizia
ele: ‘Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: ‘Você crê
que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice?' Tudo o mais no casamento é
transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.’
Xerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados
pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte,
como no filme O império dos sentidos. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se
podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa, conversa
sem fim, que deveria durar mil e uma noites. O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fossem
música. A música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita
sempre, depois de morrer. Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as
palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é
ficar repetindo o tempo todo: ‘Eu te amo, eu te amo...’ Barthes advertia: “Passada a primeira confissão, ‘eu
te amo' não quer dizer mais nada.’ É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez
anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: ‘Erótica é a alma.’ (...)
Rubem Alves
Antes mesmo de apresentar sua tese – de que existem relacionamentos como o tênis e como
53
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
grifos, imprimindo ao seu um tom poético que lhe é peculiar. Exemplos como esse
permitem nosso aluno perceber que o ato de escrever pode ser bem mais interessante e
versátil do que imagina, que ele, também, pode lançar mão da intertextualidade para seu
■ Implícita
54
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
‘mãos dadas’ com seu agressor, EUA, aqui representados pelos ícones americanos Mickey
vietnamita expresso por um aperto de mão ao presidente americano Bill Clinton , entre
foto original.
Outro exemplo:
Eros e Psique
(...)
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
55
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
Fernando Pessoa
Para falar das questões mais profundas e tão comuns da inquietude humana, o amor e o
autoconhecimento entre outras, o poeta faz referência não só ao mito grego Eros (amor) e
Psique (alma) como também ao conto infantil A Bela Adormecida; o resgate dos intertextos
termo que “(...) consiste em produzir por meio de adições, subtrações, substituições etc, um
enunciado que possui as marcas lingüísticas de uma enunciação proverbial, mas que não
apud KOCH, 2010:105). Podemos, ainda, dizer que é uma retextualização não só de
56
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
Aqui o jornalista reconstruiu a frase popular “Uma luz no fim do túnel”, utilizada para
fundo do mar, de se desvendar o mistério sobre a queda do voo 447 da Air France.
Tal recurso pode ser muito interessante para o aluno ao ser requisitado a produzir
■ Diferenças e semelhanças
argumentativa.
“Corajoso o artigo de Lya Luft sobre as cotas nas universidades (Ponto de vista, 6 de
fevereiro de 2008). Ela aborda com propriedade aspecto do tema que são sistematicamente
empurrados para debaixo do tapete pelos entusiastas da ideia. Se não bastassem os
argumentos da articulista, pergunta-se, ainda, como já perguntou Veja: cotas para quê? (...)”
(Fonte: H.P.M – João Pessoa, PB. In: CEREJA e COCHAR Texto e Interação.São Paulo:Atual, 2009)
57
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
O autor demonstra sua opinião contrária às cotas universitárias fazendo alusão a texto de
Lya Luft e da revista Veja. Tal estratégia é muito útil para que se confira ao próprio
A Canção do exílio tem sido um dos textos com o qual mais se estabelece intertextualidade,
ora aderindo-se ao tom ufanista, ora afastando-se. No exemplo, para além da questão do
estilo literário, Drummond retoma o texto com a intenção de criticar a situação degradante
58
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
Durante debate recente, nos Estados Unidos, fui questionado sobre o que pensava da internacionalização da
Amazônia.(...) um debatedor determinou a ótica humanista como ponto de partida para uma resposta minha.
(...) Respondi que, como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, podia
imaginar a sua internacionalização como também de tudo o mais que tem importância para a Humanidade.
(...)
(...) Como humanista, aceito a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como
brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa.
Cristovam Buarque
se os patrimônios das maiores potências e a miséria humana não são considerados ‘bens da
humanidade’, a Amazônia também não deve ser. Estes são exemplos para o aluno de como
distanciando do intertexto.
59
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
“ – E o senhor quer negar? Se não fosse ela, eu não perdia meu emprego. Foi ela. E, veja o
senhor, eu não gostava daquilo. Muitas vezes opinei, sem rebuço: - “ D. Madalena, seu
Paulo embirra com o socialismo. É melhor a senhora deixar de novidade. Essas conversas
não servem.” Está aí. Papagaio come milho, periquito leva a fama. O periquito sou eu.”
Graciliano Ramos
Padilha, em intriga com Paulo Honório, defende-se, fazendo-se de vítima, para o que
recorre ao dito popular destacado acima. Não raro garantimos a validade de nosso
Considerações finais
É senso comum que “escrever bem é não cometer erros de ortografia ou sintaxe”.
Tal idéia desconsidera o caráter sociocomunicativo da língua, ignora que qualquer ato de
produção está imbuído de intenções, dentro de um contexto sociocognitivo que engloba não
60
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
que “(...) texto é uma entidade concreta materialmente corporificada em algum gênero
Importa no ensino de produção textual que o aluno domine, além da norma culta,
estratégias, recursos, a fim de produzir um texto coerente com sua finalidade comunicativa.
A intertextualidade, como podemos ver neste trabalho, é um bom exemplo; ela configura-se
61
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras
UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798
REFERÊNCIAS
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça & ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever: estratégias de
produção textual.2.ed. São Paulo: Contexto, 2010.
62