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Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras

UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798

INTERTEXTUALIDADE E PRODUÇÃO TEXTUAL

Cláudia Pereira da Cruz Franco

RESUMO

O presente trabalho expõe uma reflexão acerca da intertextualidade e sua pertinência no


ensino de produção textual. Com base na concepção sociocognitiva e interacional da
linguagem, de que trata Charaudeau, na concepção de gêneros textuais, segundo Marcuschi,
e no dialogismo entre os textos, busca-se mostrar como a intertextualidade torna-se um
recurso eficaz na construção do sentido objetivado pelo enunciador, a ser explorado no
ensino da produção textual.

Palavras-chave: intertextualidade; gênero textual; ensino da produção textual;

ABSTRACT

This article presents a reflection about intertextuality and its relevance in the teaching of
text production. Based on the sociocognitive and interactional conception of the language,
treated by Charaudeau, on the conception of textual genres, according Marcuschi, and on
the dialogue between the texts, it seeks to show how intertextuality becomes an effective
tool in building of meaning desired by the enunciator, to be explored in the teaching of text
production.

Keywords: intertextuality; textual genre; teaching of text production.

Introdução

A intertextualidade normalmente é tratada na interpretação de textos, sendo menos

comum na produção. Neste estudo, à luz do princípio sociocognitivo e interativo da

linguagem, postulado por Charaudeau, da noção de gêneros textuais de Marcuschi e da

Aluna do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense.

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abordagem feita por Koch acerca da intertextualidade, procuramos mostrar sua eficiência

na produção de textos.

Não é nossa intenção aqui aprofundar quaisquer dos conceitos anteriores; antes,

interessa-nos como tais teorias podem auxiliar no processo de ensino/aprendizagem da

produção escrita. Entendemos que a noção de língua como prática social, em especial seu

aspecto de “transação”, e que a consciência de uma finalidade em todo ato comunicativo –

e suas respectivas peculiaridades traduzidas em gêneros – são essenciais para a formação de

um produtor de textos visto que a todo instante interagimos num mundo cada vez mais

globalizado.

‘Formas de bolo’ são comumente oferecidas aos estudantes, em especial de Ensino

Médio, a fim de que sejam bem-sucedidos no vestibular. Entretanto, sabemos que esse não

é o caminho para quem quer de fato ensinar ou aprender a expressão escrita, e que a autoria

se manifesta não por meio de ‘fórmulas’, mas pelo uso individual, em situações específicas,

de estratégias de que a língua dispõe.

Nesse sentido é que apresentamos a intertextualidade como ferramenta que o aluno

pode utilizar para montar seu texto. Ressalte-se que não tocamos aqui na questão da

polifonia dado seu aspecto mais abrangente. Embora estejam estritamente ligadas,

intertextualidade e polifonia não coincidem em sua totalidade já que nem sempre uma

polifonia é um caso de intertextualidade em virtude da ausência de um intertexto.

O presente trabalho constitui-se de abordagens teóricas e análises, em exemplos de

gêneros diversos, de como o intertexto contribui para a construção de sentido do texto.

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Aspecto interativo da linguagem

É por meio do discurso que expressamos e entendemos a realidade que nos cerca.

Necessitamos, a todo instante, de expressar nossa compreensão do mundo, o que não se dá

unilateralmente já que somos seres sociais e, naturalmente, interativos. Como postula

Charaudeau (apud PAULIUKONIS e GAVAZZI, 2005: 14-16), a semiotização do mundo

se dá em duplo processo: o da “transformação”, em que um sujeito falante parte de um

“mundo a significar” e o “transforma” em “mundo significado”; e da “transação”, em que

o mundo significado se torna “objeto de troca” com um outro sujeito (destinatário deste

objeto).

Assim, parafraseando Charaudeau, podemos dizer que comunicação se dá por um

contrato de comunicativo, isto é, um ato de linguagem se realiza com uma troca entre o

sujeito comunicante (produtor de um ato de linguagem) e o sujeito interpretante (receptor),

os parceiros estão engajados num processo de reconhecimento e legitimação recíprocos;

eles ativam conhecimentos específicos da situação de comunicação em que se encontram

(“quem” diz “o quê” “a quem” com que “finalidade”), determinam “como” dizer a fim de

justificar seu “direito à fala” e estabelecem “estratégias discursivas” (seleção de categorias

de língua e modos de organização do discurso) a fim de lograrem no intento comunicativo.

Essa concepção interacional é corroborada por Koch (2002:15): “(...) o texto passa a

ser considerado o próprio “lugar” da interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que

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– dialogicamente – nele se constroem e são construídos.”, e ainda, “O sentido do texto é,

portanto, “construído” na interação texto-sujeitos (...).”

E é na realização desse contrato que os sujeitos comunicativos buscam ser bem-

sucedidos em sua intencionalidade discursiva. Na busca da construção do sentido, o

locutor/produtor do texto lança mão de recursos, como, por exemplo, o que aqui nos

interessa, a intertextualidade.

Tipos e gêneros textuais

Imprescindível no ensino da produção textual é a abordagem dos tipos e gêneros

textuais. Neste trabalho, escolhemos a conceituação de Marcuschi (2003), que, a nosso ver,

é ampla e facilitadora do trabalho do professor.

Segundo o autor, a expressão “tipo textual” designa “uma espécie de seqüência

teoricamente definida pela natureza lingüística de sua composição [aspectos lexicais,

sintáticos, tempos verbais, relações lógicas]. Em geral, os “tipos textuais” abrangem cerca

de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição,

descrição, injunção, enquanto a expressão “gênero textual” se refere a

(...) textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que


apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos,
propriedades funcionais, estilo e composição característica. (MARCUSCHI,
2003:22-23).

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Assim, um texto do gênero publicitário, por exemplo, pode conter características de todos

os tipos textuais; ou ainda, um tipo de texto pode apresentar vários gêneros (contos,

romances, novelas, carta pessoal etc são exemplos de textos narrativos).

É fundamental, para um ensino/aprendizagem de produção textual eficaz, essa

noção de tipo textual (aspectos lexicais, sintáticos, tipos verbais relações lógicas) e suas

inúmeras possibilidades de gênero, o que permite a produção de um texto adequado a sua

intencionalidade.

Assim, uma vez conscientizado do seu papel no jogo comunicativo, isto é, da

situação discursiva em que se encontra seu interlocutor e sua intenção, e conhecedor dos

tipos e gêneros textuais, o aluno torna-se capaz de lançar mão de estratégias e recursos

eficientes para o cumprimento de seu projeto de comunicação.

Não há, pois, como ensinar produção textual sem levar em consideração sua

natureza comunicativa, sociocultural, traduzida nos gêneros textuais.

Dialogismo

Vivemos cercados de textos, conversas cotidianas, notícias pelo rádio ou televisão,

propagandas, que a todo instante nos remetem a outros textos, ainda que não nos demos

conta.

No dizer de Bakhtin “O texto só ganha vida em contato com outro texto com

contexto. Somente nesse ponto de contato entre textos é que uma luz brilha, iluminando

tanto o posterior como o anterior, juntando dado texto a um diálogo entre textos(...)”

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(BAKHTIN, 1986:162). Podemos dizer, nessa perspectiva, que um discurso nunca está

fechado em si mesmo, pois haverá sempre a possibilidade de uma outra voz.

O dialogismo é, pois, inevitável; o sujeito, por ser ao mesmo tempo individual e

social, constrói sua subjetividade de acordo com as relações sociais de que participa,

elaborando um discurso entrelaçado com outros discursos. Os interlocutores, para

compreensão e produção, ativam em sua memória um discurso pré-existente.

Importa, aqui, ressaltar a separação que Bakhtin faz de enunciado e texto. Para ele, o

enunciado é um todo de sentido que procura mostrar a posição de uma voz dentro da

sociedade, por isso mesmo exige uma réplica, isto é, uma resposta, pode ser verbal e não-

verbal, ao passo que texto “é a manifestação do enunciado, um conjunto de signos, uma

realidade imediata, dotada de materialidade.” (apud FIORIN, 2006:52)

Assim, podemos dizer que se chama interdiscursividade as relações dialógicas entre


enunciados, e “intertextualidade”, as relações dialógicas materializadas em textos.

Intertextualidade

Escolhemos como ponto de partida para o estudo específico de nosso objeto a

distinção feita por Koch (2003) entre intertextualidade em sentido amplo e restrito.

Em sentido amplo, ela se aproxima da noção de interdiscursividade, citada no item

anterior. Nessa ótica, o diálogo entre textos está não necessariamente no plano material, de

signos linguísticos, mas no plano do enunciado, da idéia (intenção). Corrobora esse

conceito a afirmação de Maingueneau (1976:39; apud KOCH, 2003:61) de que “um

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discurso não vem ao mundo numa inocente solitude, mas constrói-se através de um já-dito

em relação ao qual toma uma posição”.

Reconhecemos tal forma de intertextualidade em situações várias. Ao orientar uma

filha quanto à necessidade de preservar sua reputação resguardando sua virgindade, os pais

estão recorrendo, ainda que inconscientemente, aos preceitos de uma dada religião.

Vejamos ainda o exemplo a seguir:

Texto I

(Fonte: fotografia de outdoor do Hortifruti em Itaipu – 05/2011 )

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Texto II

Papel da dieta na prevenção e no controle da inflamação crônica - evidências atuais

Júnia M. Geraldo; Rita de C. G. Alfenas

Departamento de Nutrição e Saúde da Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG, Brasil

O papel dos componentes dietéticos na prevenção das doenças crônicas tem merecido considerável atenção. O
Terceiro Painel de Tratamento de Adultos (Adult Treatment Panel III - ATP III) do Programa Nacional de
Educação sobre o Colesterol (National Cholesterol Education Program - NCEP) recomenda uma série de
alterações no estilo de vida, como base da terapia para prevenção das doenças cardiovasculares (DCV). A
dieta proposta pelos especialistas inclui a redução da ingestão de alimentos ricos em gordura saturada e
colesterol, aumento do consumo de fibra alimentar, hortaliças e frutas, além da prática regular de atividade
física e do controle ponderal(...)

(Disponível em:www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid. Acesso em:10/07/2011)

A propaganda do Hortifruti dialoga com o artigo científico, já que ambos tratam do

efeito da gordura saturada para o corpo. Em outras palavras, o efeito de sentido da

propaganda é possível pelo resgate na memória de ‘dizeres’ científicos, como o do artigo,

de que a gordura saturada faz mal ao coração.

Em sentido restrito, a intertextualidade se dá com “a relação de um texto com

outros textos previamente existentes, isto é, efetivamente produzidos” (KOCH: 2003). No

texto lido, o leitor deve reconhecer marcas de um outro com o qual dialoga, isto é,

imprescinde-se a presença de um “intertexto”. À luz desta abordagem, passaremos a

apresentar alguns tipos de intertextualidade restrita.

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■ Temática
Um mesmo conteúdo é partilhado em textos diversos – de uma mesma área, entre matérias

de jornais diversos (mídia em geral), entre matérias de um mesmo jornal etc.

Supremo derruba validade da ficha limpa nas eleições de 2010


Voto do ministro Luiz Fux definiu posição do STF sobre o tema.
Lei que barra candidatos condenados só valerá em eleições de 2012.

(Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia. Acesso em:14/04/2011 )

(Fig. 1 – “DA LAMA AO ESTADO DE DIREITO”, charge de Leonardo. Fonte: Jornal Extra, 27/03/2011)

Nota-se que ambos os textos tratam do mesmo assunto: o impedimento da

aplicação, para eleições de 2010, da lei que torna inelegíveis pessoas condenadas por

determinados crimes ou parlamentares que renunciaram ao cargo para evitar abertura de

processo por quebra de decoro ou por desrespeito à Constituição e fugir de possíveis

punições. É interessante chamar a atenção do aluno para as características de cada gênero.

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■ Forma / Conteúdo
Quando a mesma linguagem (estilo, registro, variedade) é usada com fins específicos

(imitação, paródia etc.).

Poema das sete faces


Quando nasci,
Um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
(...)
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
(...) Drummond

(ANDRADE,Carlos Drummond de. Sentimento do Mundo..Rio de Janeiro:Editora Record,1999)

Até o fim

Quando nasci veio um anjo safado


O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
(...)
Chico Buarque

(Disponível em:www.chicobuarque.com.br.Acesso em 10/07/2011)

Com licença poética


Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
(...)
Adélia Prado

(Disponível em: http://pensador.uol.com.br/autor/adelia_prado/ . Acesso em 10/07/2011)

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O texto de Drummond é retomado por Chico Buarque e Adélia Prado tanto em sua forma,

poema e repetição da estrutura do primeiro verso “Quando nasci (...) um anjo (...)”, quanto

ao conteúdo, destino anunciado por um anjo, ainda que com postura diferente do sujeito

poético – no texto de Chico, ele é irreverente e usa linguagem coloquial, e no de Adélia, ele

toma a voz da mulher e vê seu destino de maneira positiva.

■ Explícita
Há citação da fonte do intertexto; são frequentes as referências, citações, menções,
resumos, argumentos de autoridade.

Tênis e frescobol

Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os casamentos são de dois tipos: há os casamentos do
tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e
ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a
chance de ter vida longa.
Explico-me. Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual concordo inteiramente. Dizia
ele: ‘Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: ‘Você crê
que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice?' Tudo o mais no casamento é
transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.’
Xerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados
pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte,
como no filme O império dos sentidos. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se
podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa, conversa
sem fim, que deveria durar mil e uma noites. O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fossem
música. A música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita
sempre, depois de morrer. Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as
palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é
ficar repetindo o tempo todo: ‘Eu te amo, eu te amo...’ Barthes advertia: “Passada a primeira confissão, ‘eu
te amo' não quer dizer mais nada.’ É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez
anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: ‘Erótica é a alma.’ (...)
Rubem Alves

(Disponível em http://www.rubemalves.com.br/tenisfrescobol.htm Acesso em 10/07/2011)

Antes mesmo de apresentar sua tese – de que existem relacionamentos como o tênis e como

o frescobol – o autor a fundamenta em textos alheios, como se pode observar em nossos

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grifos, imprimindo ao seu um tom poético que lhe é peculiar. Exemplos como esse

permitem nosso aluno perceber que o ato de escrever pode ser bem mais interessante e

versátil do que imagina, que ele, também, pode lançar mão da intertextualidade para seu

processo de criação verbal.

■ Implícita

Caracteriza-se pela ausência da citação da fonte do intertexto; é necessário que o

interlocutor resgate-o na memória para a construção do sentido.

(Fig. 2 – Banksy-Napalm – Disponível em http://www.flickr.com/groups/banksy Acesso em 10/07/2011) :

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(Fig. 3 – Foto icônica da Guerra do Vietnã. Fonte: Disponível em: http://forum.mundofotografico.com.br


Acesso em: 10/07/2011)

Neste exemplo o artista recorre à imagem da menina vietnamita, veiculada em jornais

na época da guerra do Vietnã (junho de 1972) e postada em livros de História, agora de

‘mãos dadas’ com seu agressor, EUA, aqui representados pelos ícones americanos Mickey

(Disney) e Ronald ( MacDonald), com a finalidade provável de criticar o ‘perdão’ da

vietnamita expresso por um aperto de mão ao presidente americano Bill Clinton , entre

outras interpretações. A construção de sentido só é possível com o conhecimento prévio da

foto original.

Outro exemplo:
Eros e Psique

(...)
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

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Ele tinha que, tentado, Mas cada um cumpre o Destino –


Vencer o mal e o bem, Ela dormindo encantada,
Antes que, já libertado, Ele buscando-a sem tino
Deixasse o caminho errado Pelo processo divino
Por o que à Princesa vem. Que faz existir a estrada.

A Princesa Adormecida, E, se bem que seja obscuro


Se espera, dormindo espera. Tudo pela estrada fora,
Sonha em morte a sua vida, E falso, ele vem seguro,
E orna-lhe a fronte esquecida, E, vencendo estrada e muro,
Verde, uma grinalda de hera. Chega onde em sono ela mora.

Longe o Infante, esforçado, E, inda tonto do que houvera,


Sem saber que intuito tem, À cabeça, em maresia,
Rompe o caminho fadado Ergue a mão, e encontra hera,
Ele dela é ignorado. E vê que ele mesmo era
Ela para ele é ninguém. A Princesa que dormia.

Fernando Pessoa

(Disponível em: andreegs.sites.uol.com.br/eros_e_psique.htm Acesso em 10/07/2011)

Para falar das questões mais profundas e tão comuns da inquietude humana, o amor e o

autoconhecimento entre outras, o poeta faz referência não só ao mito grego Eros (amor) e

Psique (alma) como também ao conto infantil A Bela Adormecida; o resgate dos intertextos

é possível pelos substantivos Eros, Psique, Infante e Princesa Adormecida.

Consideramos ainda um caso de intertextualidade implícita o ‘Détournement’,

termo que “(...) consiste em produzir por meio de adições, subtrações, substituições etc, um

enunciado que possui as marcas lingüísticas de uma enunciação proverbial, mas que não

pertence ao estoque de provérbios conhecidos.” (GRÉSILLON & MAINGUENEAU, 1984;

apud KOCH, 2010:105). Podemos, ainda, dizer que é uma retextualização não só de

provérbios como também de outros enunciados muito utilizados em práticas comunicativas

como anúncios, charges, poemas, títulos de filmes ou matérias jornalísticas:

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(Fig. 4 – Título de matéria de notícia. Fonte: O Globo, 02/05/2011)

Aqui o jornalista reconstruiu a frase popular “Uma luz no fim do túnel”, utilizada para

demonstrar a esperança mesmo em situações difíceis; ao substituir ‘fim do túnel’ por

‘fundo do mar’ o jornalista anuncia a esperança, depositada no encontro da caixa preta no

fundo do mar, de se desvendar o mistério sobre a queda do voo 447 da Air France.

Tal recurso pode ser muito interessante para o aluno ao ser requisitado a produzir

textos publicitários ou charges, dado seu aspecto lúdico.

■ Diferenças e semelhanças

Por semelhança: o texto apoia-se no intertexto para respaldar uma orientação

argumentativa.

“Corajoso o artigo de Lya Luft sobre as cotas nas universidades (Ponto de vista, 6 de
fevereiro de 2008). Ela aborda com propriedade aspecto do tema que são sistematicamente
empurrados para debaixo do tapete pelos entusiastas da ideia. Se não bastassem os
argumentos da articulista, pergunta-se, ainda, como já perguntou Veja: cotas para quê? (...)”

(Fonte: H.P.M – João Pessoa, PB. In: CEREJA e COCHAR Texto e Interação.São Paulo:Atual, 2009)

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O autor demonstra sua opinião contrária às cotas universitárias fazendo alusão a texto de

Lya Luft e da revista Veja. Tal estratégia é muito útil para que se confira ao próprio

discurso certa credibilidade.

Por diferença: “o texto incorpora o intertexto para ridicularizá-lo, mostrar sua

improcedência ou, pelos menos, colocá-lo em questão (paródia, ironia, estratégia

argumentativa da concessão ou concordância parcial)”, como diz Koch (2003:63).

Canção do exílio Nova canção do exílio


Minha terra tem palmeiras, Um sabiá na
Onde canta o Sabiá; palmeira, longe.
As aves, que aqui gorjeiam, Estas aves cantam
Não gorjeiam como lá. Um outro canto.
(...) (...)
Gonçalves Dias Drummond

(CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Gramática Reflexiva:volume


único.3.ed.reform.São Paulo:Atual,2009.p49-50)

A Canção do exílio tem sido um dos textos com o qual mais se estabelece intertextualidade,

ora aderindo-se ao tom ufanista, ora afastando-se. No exemplo, para além da questão do

estilo literário, Drummond retoma o texto com a intenção de criticar a situação degradante

do nosso meio ambiente – o que fora motivo de exaltação agora é de lamento.

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Vejamos ainda outro exemplo:

O mundo para todos

Durante debate recente, nos Estados Unidos, fui questionado sobre o que pensava da internacionalização da
Amazônia.(...) um debatedor determinou a ótica humanista como ponto de partida para uma resposta minha.
(...) Respondi que, como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, podia
imaginar a sua internacionalização como também de tudo o mais que tem importância para a Humanidade.
(...)
(...) Como humanista, aceito a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como
brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa.
Cristovam Buarque

(Disponível em http://zamorim.com/textos/amazonia.html Acesso em 04/2011)

Cristovam Buarque teve, nessa situação, um intertexto pré-determinado (discurso

humanista) a partir do qual deveria dar sua opinião sobre a internacionalização da

Amazônia. Ele distancia-se do mesmo questionando-o, colocando em xeque a sua validade:

se os patrimônios das maiores potências e a miséria humana não são considerados ‘bens da

humanidade’, a Amazônia também não deve ser. Estes são exemplos para o aluno de como

ele pode usar a intertextualidade para respaldar seus argumentos – aderindo ou se

distanciando do intertexto.

■ Intertextualidade com enunciador genérico

Enunciações próprias de um enunciador indeterminado, representante de uma opinião geral

de uma comunidade (provérbios e ditos populares).

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“ – E o senhor quer negar? Se não fosse ela, eu não perdia meu emprego. Foi ela. E, veja o
senhor, eu não gostava daquilo. Muitas vezes opinei, sem rebuço: - “ D. Madalena, seu
Paulo embirra com o socialismo. É melhor a senhora deixar de novidade. Essas conversas
não servem.” Está aí. Papagaio come milho, periquito leva a fama. O periquito sou eu.”
Graciliano Ramos

(RAMOS, Graciliano.São Bernardo.Rio de Janeiro:Record,1981.p.147)

Padilha, em intriga com Paulo Honório, defende-se, fazendo-se de vítima, para o que

recorre ao dito popular destacado acima. Não raro garantimos a validade de nosso

argumento com o apoio de uma opinião geral aceita como verdade.

Considerações finais

Considerar a intenção comunicativa é fundamental para o ensino de produção

textual. Pela própria característica dinâmica e veloz da língua, surgem espontaneamente

‘modos’ comunicativos para atender às necessidades dos falantes.

Rejeitar linguagens típicas de determinadas situações como a de sites de

relacionamento, em geral com abreviações e alheias a normas gramaticais, e centrar o

ensino da produção escrita no código linguístico é negar a natureza social da língua.

É senso comum que “escrever bem é não cometer erros de ortografia ou sintaxe”.

Tal idéia desconsidera o caráter sociocomunicativo da língua, ignora que qualquer ato de

produção está imbuído de intenções, dentro de um contexto sociocognitivo que engloba não

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só os conhecimentos linguísticos, como também os conhecimentos de mundo, de situações

comunicativas, às quais o texto deve se adequar.

Os gêneros textuais tornam-se, assim, base de qualquer aula de produção de texto. A

formação de um escritor proficiente deve fundamentar-se na conscientização do aluno de

que “(...) texto é uma entidade concreta materialmente corporificada em algum gênero

textual.” (MARCUSCHI, 2003:24) e manifestação de um discurso. Oferecer ao estudante

esse conhecimento é, no mínimo, democrático.

Importa no ensino de produção textual que o aluno domine, além da norma culta,

estratégias, recursos, a fim de produzir um texto coerente com sua finalidade comunicativa.

A intertextualidade, como podemos ver neste trabalho, é um bom exemplo; ela configura-se

como recurso eficaz na construção do sentido de um texto, conferindo-lhe coerência e

muitas vezes credibilidade. Utilizá-la com propriedade, como apoio argumentativo ou

simplesmente como um jogo lingüístico, pode garantir um texto original e eficiente.

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Edição n.06/2011
ISSN:2176-3798

REFERÊNCIAS

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