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“Peguei meu taco de críquete (com tamanho de trinta centímetros, pois eu não tinha mais de três anos),
e destruí o nariz da boneca de minhas irmãs. Aquela boneca havia se convertido para mim em uma
fonte de irritação, pois meu pai não deixava de brincar comigo. Ela se chamava Rosie e ele, parodiando
uma canção popular, me dizia (com uma voz que me exasperava):
Winnicott formulou algumas de suas ideias durante o período da guerra baseado em suas observações
sobre o funcionamento mental de pessoas envolvidas no conflito vivendo experiências traumáticas. Na
Segunda Guerra Mundial, ele foi consultor para uma região no interior da Inglaterra que recebia
crianças e adolescentes evacuadas de Londres e que eram acolhidas em lares ou em instituições. Essa
experiência lhe permitiu formular o conceito de tendência anti-social, ao estudar os efeitos da
separação de crianças e adolescentes da família. Para ele, a delinquência é uma tendência anti-social
“que não foi tratada”.
“CONSULTA TERAPÊUTICA”
Desenvolveu o “jogo dos rabiscos” e a “consulta terapêutica” “quando posso, faço a análise
standard, senão faço algo orientado analiticamente”. Ele se esforçava para tornar a consulta significativa
para criança, dando-lhe alguma coisa para levar e que pudesse ser utilizada ou destruída. No campo da
psicanálise, manteve sempre, uma posição independente, não se envolvendo nem com os partidários de
Melanie Klein e, tampouco, com os seguidores de Anna Freud, mantendo uma relação satisfatória com
ambas. Durante toda a sua vida teve uma “filiação” dentro da tradição Freudiana. Suas ideias foram
desenvolvimento do pensamento psicanalítico Freudiano.
A concepção de que o pensamento de Winnicott representou uma ruptura com a criação Freudiana, a
psicanálise, antes de representar um reconhecimento teórico e clínico do autor, nos remete à conhecida
e antiga resistência ao conhecimento psicanalítico. O próprio Winnicott escreveu que “ninguém pode
ser original senão baseado na tradição”. Ele foi, fundamentalmente, um clínico, nunca pretendendo ser
um mestre, como MK ou Lacan. Para ele, a experiência e a clínica eram soberanas e não pretendia fazer
“filosofia”, advertindo, inclusive, que tomássemos cuidado com os “filósofos de poltrona”.
O GRUPO DE BLOOMSBURY
A formação cultural e psicanalítica aconteceu próxima a um grupo intelectual inglês conhecido como
Bloomsbury. Donald e Claire Winnicott não tiveram filhos e, ao perceber que sua situação clínica se
tornava mais difícil, ele registrou que “é muito difícil um homem morrer quando não teve um filho para
mata-lo na fantasia e poder sobreviver a ele, proporcionando assim a única continuidade que os homens
conhecem”.
Claire Winnicott comentou sobre o trecho da descrição imaginária de sua morte feita por Winnicott que
se pode ter uma ideia da capacidade dele para compor brincando com a realidade de dentro e de fora,
de modo a permitir um indivíduo suportar a realidade evitando a negação e podendo realizar tão
plenamente quanto seja possível a experiência da vida, seja um bebê que nasce ou um velho que morre.
Tem um estilo paradoxal, mostrando a importância do paradoxo em sua obra. Ele buscava escrever de
forma a ser compreendido pelo “homem comum”. Praticamente não citava autores e dizia, brincando
que “primeiro escrevia e depois tratava de saber quem havia roubado determinada ideia”.
Ao longo dos mais de quarenta anos que exerceu sua clínica, atendeu cerca de 60 mil pacientes.
André Green escreveu que o pensamento de Winnicott forma uma rede, um tecido de fios
entrecruzados, distinguindo-se como principais os seguintes: (1) teoria da situação psicanalítica cujo
modelo é o setting; (2) teoria das pulsões, que introduz novos conceitos sobre a agressividade “com a
Tem aumentado na clientela que nos procura o número de pacientes que se queixam de faltas de
contornos precisos, dificuldade de sentir prazer na vida e nos relacionamentos, etc.
As teorias e práticas mais habituais pareciam não dar conta desses pacientes, que frequentemente
sofrem crises psicóticas durante a análise. Winnicott se ocupou de momentos formativos do indivíduo,
dizendo que a teoria desenvolvida por Freud e por Klein tinha como premissa uma maternagem
suficientemente boa, ou seja, pressupunha uma criança que já havia passado por fases críticas da
constituição do ser. Entretanto, muita coisa importante deve-se passar até que o sujeito forme uma
membrana divisória entre o Eu e o não-Eu, até que o estágio do Eu Sou seja alcançado.
As perturbações desse desenvolvimento produzem a sensação de falta de fronteiras no corpo, ameaças
de despersonalização, angústias impensáveis, ameaças de desintegração e despedaçamento, de cair
para sempre, e falta de coesão psicossomática. O referencial do sujeito, outras vezes, deixa de ser
pessoal e elabora um falso Self defensivo e submisso, cujo referencial é de outra pessoa; ao mesmo
tempo, queixa-se de falta de uma diretriz na vida, de continuidade, sua comunicação é vazia e
monótona. É incapaz de aprender com a experiência da vida, funciona por imitação. Se for inteligente,
usa essa capacidade dissociada de sua existência psicossomática para obter algum sucesso, mas é
sempre acompanhado de vazio e fracasso afetivo.
A TRANSICIONALIDADE
Apesar do eu-sou ser atingido pelo processo maturacional, as relações entre o eu e o não-eu, entre o
sujeito e o mundo, não tem fronteiras rígidas. Cada ser cria um mundo e é criado por esse mundo num
jogo imaginativo. Winnicott mostrou que entre o eu e o não-eu, o subjetivo e o objetivo, etc., não há
limites estanques.
Desde o momento em que a criança vive a ilusão de onipotência na fase denominada dependência
absoluta ou dupla dependência, a ilusão proporcionada pela mãe dá ao bebê a possibilidade de ser o
seio emprestando seu próprio ser para que o bebê seja.
Mais tarde, quando ela percebe que o seu bebê já pode ser desiludido em sua onipotência, ela vai
retirando os cuidados de acordo com a sua sensibilidade. Daí a denominação “mãe suficientemente
boa”, porque caso ela prossiga mantendo a ilusão, não permitirá que o seu bebê descubra o mundo
exterior. A fase em que a onipotência vai sendo dissolvida é chamada de “relativa”. Nessa fase, a ilusão
não é destruída, pois os objetos do relacionamento do bebê (inicialmente pai e mãe) são
subjetivamente apercebidos. A criança está ingressando no espaço transicional (o potencial) assim
chamado por fazer parte do processo maturacional ligado à transição da dependência absoluta para a
dependência relativa. Nessa etapa, a criança elege um objeto que é chamado objeto transicional
(exemplo: fralda). Esse objeto vai se localizar na zona intermediária na separação entre a mãe e o bebê,
Uma das questões que interessava a Winnicott era saber como o ser humano chegava a criar a
externalidade do mundo. Considerava que somos seres do mundo e é nele que nos realizamos como
pessoas.
Se por um lado há o bebê que nasce com um potencial criativo, buscando um encontro, por outro, há a
mãe devotada comum, com uma disponibilidade total. Quando tudo começa bem, ela pode se
identificar com as necessidades do bebê, e é possível o desenvolvimento de uma área de superposição e
comunicação psíquica entre eles. Ao enfatizar a importância do fator motivacional e o papel da mãe
suficientemente boa, Winnicott inclui o pai, os ancestrais e a cultura em que todos estão inseridos.
É por meio do exercício de determinadas funções psíquicas como o holding que a mãe suficientemente
boa oferece condições favoráveis para o atendimento das condições básicas do ser humano.
Winnicott relaciona o brincar criativo das crianças com a capacidade de concentração do adulto. O
tema do brincar tem relação direta com o da criação de externalidade do mundo. Para ele, a palavra
criatividade está ligada ao estar vivo, ao colorido de toda atitude com relação à realidade externa; em
contraste ele diz que a submissão é uma base doentia para a vida. Estabelece uma diferenciação entre
criatividade artística e psíquica; esta se refere ao desenvolvimento da capacidade de formar símbolos, e
encontrar formas de expressão por meio das próprias ideias, no diálogo com o mundo de realidade
compartilhada. É o colorido dado pela maneira pessoal de aprender a realidade externa devido ao
processo de percepção criativa que organizará a capacidade de perceber posteriormente a realidade
externa do mundo.
Winnicott funda as bases do seu pensamento no ato de criar, pois o objeto subjetivo e objetivo da
realidade compartilhada são frutos da criação do indivíduo. Winnicott fala que o caminho do
desenvolvimento criativo ocorre no campo da transicionalidade. Ao apontar o caminho a ser percorrido,
o da transicionalidade, que se refere ao longo e completo percurso que o bebê tem que fazer desde o
encontro com o objeto subjetivo até a criação do sentido da externalidade do mundo, salienta o caráter
de acontecimento desse processo ao longo do desenvolvimento. O ser humano necessita constituir a
própria subjetividade, e nesse caminhar, criar a externalidade do mundo de realidade compartilhada
para estabelecer pontes e assim transitar entre ambas. No processo evolutivo a primeira tarefa da mãe
é permitir a ilusão do bebê de que o mundo é uma criação sua, alimentando sua onipotência, e a
MOVIMENTO DE CRIAÇÃO
O espaço potencial é uma possibilidade psíquica que implica a capacidade de tolerar a ausência da mãe
e encontrar algo da realidade pelo uso da capacidade imaginativa. Temos então a entrada no campo dos
fenômenos objetos transicionais. Winnicott salienta a importância do fenômeno da ilusão como
possibilidade de o bebê lidar com o vazio e suportar a ausência. O objeto transicional é, ao mesmo
tempo, eu-outro, dentro-fora, realidade-fantasia. Esse é o movimento de criação e permite a abertura
da relação de objeto que põe em marcha a função da relação de conhecimento. Primeiro movimento no
entre, no espaço interpessoal, cria algo da realidade impulsionando o indivíduo à criação da
externalidade e ao mesmo tempo permitindo a continuidade do ser. No segundo momento, com a
entrada no campo dos fenômenos transicionais, é a relação de objeto em termos do elemento
masculino, apoiado pelo impulso instintivo que impulsionará ainda mais a separação entre eu e não eu.
O brincar tem uma história, uma origem de desenvolvimento que começa nas primeiras relações entre
mãe e bebe, ressaltando inclusive a importância de ser visto e respeitado na própria singularidade.
Brincar é uma atividade sofisticadíssima na criação da externalidade do mundo, e condição para o viver
criativo, no qual se desenvolve o pensar, conhecer e aprender significativos. É brincando que se aprende
a transformar e a usar os objetos do mundo, podemos manipular e colorir fenômenos externos com
significados e sentimento oníricos, dominar a angústia, controlar ideias ou impulsos, e dar escoamento
ao ódio e à agressão. Envolve uma atitude positiva diante da vida.
O bebê sozinho não existe, enfatiza a absoluta dependência que tem o bebê dos cuidados maternos.
Sua teoria do desenvolvimento segue dois caminhos, que frequentemente se entrecruzam. Um deles se
refere ao crescimento emocional do bebê e corresponder à jornada do latente, da dependência
absoluta à independência, passando antes pela independência relativa, ou à jornada do princípio do
prazer ao princípio da realidade, e do autoerotismo às relações objetais. Outro caminho se refere ao
cuidado materno, suas características e adaptações às necessidades específicas de cada fase do
desenvolvimento do lactente.
(1) hereditariedade
(2) o ambiente (cuidado materno), que pode apoiar falhar ou traumatizar.
(3) e no meio, onde está o bebê, vivendo a acumulando experiências.
Ao nascer, o bebê traz consigo suas tendências hereditárias que inclui o processo de maturação, que é
um impulso biológico para a vida e o desenvolvimento. Mas o crescimento físico e emocional depende
do ambiente de facilitação, cuja característica é a adaptação às necessidades.
Inicialmente, a mãe suficientemente boa é o ambiente favorável; ela reconhece a dependência do bebê,
e se adapta às suas necessidades, criando um setting onde o bebê pode viver uma experiência de
onipotência e prosseguir no seu desenvolvimento no sentido da integração. O ambiente, quando
suficientemente bom, possibilita o processo de maturação, isto é, a evolução do ego e seus mecanismos
de defesa, o desenvolvimento do self, a história do ID, das pulsões e de suas vicissitudes. A mãe
-O início da vida psíquica: Começa num momento em que o ego passa a se desenvolver.
(1) integração
(2) personalização
(3) início das relações objetais
Essas realizações são independentes e sobrepostas, e para serem alcançadas dependem dos cuidados
proporcionados pela mãe suficientemente boa, cujas funções são: holding, manejo e apresentação dos
objetos.
INTEGRAÇÃO E HOLDING
Não integração primária do ego do bebê: logo nas primeiras 24 horas de vida esse estado não integrado
se torna uma integração estruturada. A tendência à integração faz parte do potencial herdado do bebê,
podendo se revelar a partir da capacidade de holding da mãe. Por fornecer uma sustentação adequada,
a mãe possibilita que fragmentos da vida motor e sensorial, que fazem parte do bebê, e fundamentam o
narcisismo primário, comecem a se juntar. Nos primeiros estágios do desenvolvimento, a integração
está mais associada a estados afetivos e emocionais denominados estados excitados por Winnicott, tais
como os momentos de amamentação.
Gradualmente a integração se torna um fato estabelecido, e só então que o bebê tem condições de se
aperceber de que aquele que chora, dorme e se alimenta, é o mesmo indivíduo, e que as várias figuras
de mães são na verdade uma só mãe.
Durante os momentos calmos de contato mãe e bebê se constitui uma relação de ego entre os dois,
favorecendo a identificação do bebê com a sua mãe, apesar de que, para o bebê, não existe nada além
dele próprio, pois a mãe é parte dele mesmo.
A função de holding associa-se à confiabilidade e à responsabilidade através de um holding adequado, a
mãe protege o bebê de agressões fisiológicas (ex.: auditiva); protege o bebê de invasões ambientais; de
coincidências e choques capazes de leva-lo a um sentimento de confusão e angústia; possibilita uma
transição gradativa entre o estado calmo e o estado excitado, entre o sono e o estado desperto, etc., e
cria uma rotina específica para aquele bebê.
Assim como o cuidado materno adequado conduz à integração do ego, as falhas do cuidado levam à
desintegração.
PERSONALIZAÇÃO E MANEJO (HANDLING)
Com a integração periódica do ego, aspectos da psique e do soma se envolvem num processo de inter-
relação denominado personalização.
Ao adquirir a capacidade de habitar o próprio corpo e apreciar suas funções, um desenvolvimento
adicional pode ocorrer; o bebê passa a ter uma membrana limitante (a pele), que se coloca entre o eu e
o não-eu. O bebê tem agora um interior, uma realidade interna, um esquema corporal e um exterior,
torna-se possuidor de um corpo, residência de seu self, com base nas funções corporais de incorporação
(introjeção) e eliminação (projeção), o mundo externo, que é a realidade compartilhada passa a ser
enriquecido pelo potencial interno, enquanto o mundo potencial interno passa a ser enriquecido pelo
contato com o mundo externo.
Para que a inserção psicossomática se estabeleça, o bebê necessita de uma mãe capaz de se envolver
emocionalmente com seu corpo e suas funções, apresentando e reapresentando o corpo e a psique um
ao outro. Essa função constitui o manejo (handling) adequado. É através do cuidado com o corpo e da
satisfação de suas necessidades que a mãe oferece experiências afetivas e físicas ao bebê.
Um manejo adaptativo deficiente, quando não corrigido, provoca no lactente, angústias em razão do
atraso, fracasso ou perda de uma união entre a psique e o corpo. Essas falhas aparecem na clínica
- a experiência que o bebê adquire, constantemente repetida de que há fim para a frustração.
- um crescente sentido de processo
- os primórdios da atividade mental
- o emprego de satisfações auto eróticas
- recordar, reviver, fantasiar, sonhar, integrando passado, presente e futuro.
- os fenômenos e os objetos transicionais que surgem e possivelmente se espalham por todo o espaço
potencial
Pai: Para Winnicott, o pai aparece como uma extensão da figura materna durante a fase da dependência
absoluta.