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· © 2001 Casa do Psicólogo Livraria e Editora Ltda.

. Conselho Federal de Psicologia


, . _ Laboratóno de Pesquisa em Avaliação e Medida - LabPAM
E pr01b1da a reprodução total o_u p�rcial desta . publicação, para qualquer finalidade,
sem autonzaçao por escuto dos editores.

li! edição
2001
2! edição
2006 CAPÍTULO

. _Editor
Anna Elisihie Villemor Amaral Güruert

Testes Psicológicos:
Departamento de Pes'luisas e Produção de Testes
Dra. Silésia M. V Delphino Tosi
CRP06/15.804
Produção Gráfica & Capa
Renata Vieira Nunes Conceitos, História, Tipos e Usos
Organização
Marcos Ferreira
por Luiz Pasquali
Editoração Eletrônica
Valquíria Farias dos Santos
Revisão
Agnaldo Alves

Dados Internacionais de Catalogação na Public�ção (CIP)


Este capítulo discute alguns tópicos preliminares sobre os testes
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) psicológicos, enfocando os seguintes temas:
Técnicas de Exame Psiçológico - TEP : manual / Luiz Pasquali organizador. • avaliação psicológica e testes psicológicos
� São Paulo: Casa do Psicólogo/ Conselho Federal de Psicologia. 2001. • conceituação de teste psicológico
Bibliografia. • tipos de testes psicológicos
ISBN 85-7396-ló0-() • usos dos testes psicológicos
1. Testes· psicológicos I. Pasquali, Luiz. • aplicação dos testes psicológicos
01-5731 CDD-150.287
-153.9
Índices para catálogo sistemático:
1. Avaliação psicológica 150.287
1. A avaliação psicológica
2. Psicologia: Testes 153.9
3. Testes psicológicos 153.9 (Parafraseando o cap.l de Barclay, 1991, pp. 1-20).
Esta introdução visa alertar o leitor da relação e das diferenças
Impresso no Brasil que existem entre avaliação psicológica e testes psicológicos. Estes são
Printed in Bra,,:il
uma das manifestações ou técnicas da avaliação psicológica, a qual,
Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à
por sua vez, também é uma das manifestações de uma atividade huma­
na mais geral que é a avaliação como um processo de atuação de todo
Casa Psi Livraria, Editora e Gráfica Ltda. · ü ser humano. A avaliação visa, através dos mais variados métodos e
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14 TÉCNICAS DE EXAME PSICOLÓOICO - TEP TESTES PS!COLÓGJCOS: CONCE.lTOS, H!S'TÓRIA, Tlros E usos

técnicas, descrever e classificar o comportamento dos outros com o qualquer forma, essas interpretações tendem a criar no outro respos­
objetivo de enquadrá-lo dentro de alguma tipologia, que permite ao tas de caráter afetivo a favor ou contra o sujeito que se compona
sujeito tirar conclusões sobre os outros e, assim, saber como ele mes -­ deste ou daquele modo, dependendo de como aquele que observa irá
mo deve se comportar e agir em relação a esses outros. A avaliação interpretar o comportamento do outro.
psicológica quer acrescentar a esta atividade universal do ser humano Este tipo de avaliação se constitui também num organizador de
algo de cunho científico, por estar baseada no método científico da expectativas de como nós mesmos e os outros devemos nos comportar em
observação em que são mantidas certas características de científicidade: diferentes situações, o que toma a vida em sociedade possível e, assim,
observações confiáveis e válidas, bem como inferências obtidas a par­ nos comportarmos de uma forma eficiente e também evitar punição.
tir delas, seguindo os processos legítimos de teste de hipóteses e de Desde a infância, a criança é bombardeada pelos adultos e pelos cole­
inferência (esta parte será discutida melhor quando falarmos dos gas com indicações de que tipo de comportamentos são ou não tolerá­
parâmetros psicométricos dos testes psicológicos). Este alerta é para veis em dadas situações. Desenvolvemos, assim, um arsenal de regras
enfatizar que existem diferentes tipos de avaliação, pelo menos uma segundo as quais (quase automaticamente) julgamos nossos compor­
de caráter de senso comum (digamos, não-profissional), que todo o tamentos e os dos outros. Isto é, avaliamos continuamente o
mundo faz, e outra de caráter científico, que os psicólogos fazem ou comportamento de todo o mundo dentro de um sistema de. expectativas.
devem fazer (digamos, profissional), que é o objeto de estudo da uma
"d�ciplina tipo Técnicas de Exame Psicológico - TEP. 1.2. Avaliação profissional
Quanto mais se modernizava a sociedade, mais variadas e
1.1 . Avaliação não-profissional urgentes iam e vão se tomando as necessidades de se poder avaliar
Este tipo de avaliação, que todos nós fazemos, constitui uma o comportamento das pessoas de uma forma mais precisa, porque
habilidade necessária para a própria sobrevivência; ela pode ser mais bem com base em tais avaliações são tomadas decisões que afetam pro­
ou mais mal-desenvolvida em diferentes indivíduos. Em que ela con­ fundamente a vida dessas mesmas pessoas. Dessa forma, faz-se
siste? Trata-se da habilidade do ser humano de poder interpretar o necessário realizar avaliações confiáveis no processo educacional,
comportamento dos outros e, assim, realizar as adaptações necessári­ na orientação profissional, na saúde, na seleção de pessoal, etc.
as em seu próprio comportamento para se inserir na comunidade e Quando você faz perguntas do tipo: Esta criança precisa de educa­
poder nela sobreviver. Esta habilidade deriva da capacidade do indi­ ção especial? Este sujeito tem aptidão para este trabalho? Esta pes­
víduo de decodificar o comportamento verbal e não-verbal dos outros soa tem problemas emocionais? A agressividade deste sujeito é
e de relacionar tais comportamentos dentro de categorias diante das condenável?, você está atrás de respostas. Mas respostas sensatas
quais o sujeito já aprendeu como deve ele mesmo se comportar. Por a perguntas dessa natureza exigem algum sistema de avaliação.
exemplo, se numa festa você vê algu ém com um copo na mão, cara Para atender a tais demandas é que existe a avaliação mais formal
vermelha e cambaleando, você de imediato o classifica na categoria do que aquela não-profissional discutida acima. Esta necessidade in­

=
dos beberrões e procura se esquivar dele; ou se um rapaz percebe que duziu a procedimentos formais de avaliação há cerca de 3.000 anos
moça sorri para ele, pode concluir que ela está interessada numa antes de Cristo (Dubois, 1970) entre os chineses, que a utilizavam
aproximação e se aproxima dela. Certo? Obviamente, às vezes isso para a seleção de funcionários públicos civis.
não dá cetro, porque as interpretações que são sistematicamente fei­ Hoje em dia, a avaliação afeta toda a atividade humana: na educa­
tas comportamento dos outros nem sempre são adequadas. De ção existe a preocupação em saber quem tem ou não condições de
16 TÉCNICAS DE EXAME PsIOOLÓGICO - TEP TESTES PSICOLÓGICOS: CONCEITOS, HISTÓRIA, TIPOS E USOS 17

aproveitar o ensino, e para que tipo de especialidade está mais bem sua vez, os testes psicológicos são apenas uma destas possíveis técni-­
equipado; no campo do trabalho, precisa-se saber se o candidato pos­ cas de avaliação, úteis e prioritárias em certas áreas e objetivando
sui um certo perfil psicológico que garanta retorno do investimento certos fins, mas ineficazes e perigosas em outras áreas (como vere-­
que a_ empresa pretende fazer nele; na área da saúde, precisa-se saber mos ao tratar do uso dos testes).
quem necessita de tratamento e qual tratamento; etc. Verificando que Disto resulta que a avaliação psicológica profissional deve se cons­
a sociedade moderna ficou tão complexa, o mercado de trabalho tão tituir num processo integrado, utilizando aquelas técnicas mais apropria­
diversificado e especializado, e os recursos disponíveis cada vez mais das para diagnosticar o problema de um dado caso, visando alguma
escassos e procurados numa competitividade desenfreada, surge a ne­ intervenção. Assim, o processo de avaliação pode ser sumarízado no
cessidade de parâmetros para a distribuição eficaz destes recursos. É a esquema da tabela 1. 1. (adaptada de Barclay, 1991; este tema será mais
avaliação que irá produzir tais parâmetros. bem desenvolvido ao falarmos do laudo psicológico), que comporta
Com a diversificação das necessidades e das tecnologias de avalia­ quatro etapas sucessivas:
ção, tomou -- se necessária a existência de um perito na área: o psi-­ • identificar
cólogo. Assim, a avaliação passou a ser uma habilidade primordial do • integrar
profissional psicólogo. Esta história teve início, mais tecnicamente, • inferir
no princípio do século XX com Spearman (1904, 1907, 1913) e Binet • intervir.
(Binet & Simon, 1905), um desenvolvendo a teoria da Psicometria,
o outro criando o primeiro teste de aptidão para crianças. A orien -­
tação, intencional ou não, dada por estes e outros autores infeliz­ Tabela 1. 1. Etapas do processo de avaliação psicológica
mente enviesou a história da avaliação para uma linha que, embora Etapa Objeto Técnica Produto
a mais típica e precisa das técnicas de fazer a avaliação, tornou -- se, identificar Necessidades Entrevista Descrições
contudo, imperialista no campo, a saber, os testes psicológicos. As­ Compo"rtamentos Observação Escores
sim, a avaliação perdeu em grande parte o seu caráter multifacetado, Processos Testes psicométricos
psicológicos Técnicas intuitivas
tanto nos tipos de comportamentos que afere (aptidão, personalidade,
atitudes, saúde, trabalho, etc.), quanto nos instrumentais que deve Integrar Descrições Classificação Tipologia
fazer uso. A redução da avaliação psicológica aos testes psicológicos Escores Perfil
tem sido um infortúnio para o psicólogo e, sobretudo, para a socie­ inferir Tipos Interpretação formulação de Perfis
dade. Tal ocotrência acarretou uma onda gigantesca de críticas con­ hipóteses:
tra os testes e, por contaminação, contra todo tipo de avaliação. Dinâmica psicológtca
envolvida
A utilidade e a exigência da avaliação estão fundamentadas na
Previsão de comporta­
necessidade de que a atividade do ser humano deve ser responsável, mentos futuros
isto é, ele deve dar conta do que faz, no sentido de poder afirmar que
!,ntervir Hipóteses Orientação psicológica Cura
seus atos são legítimos, benéficos e condizentes com o investimento dos formuladas Terapia Prevenção
recursos da natureza e da sociedade que ele faz uso. E para tal aferição Programas de intervenção Autodesenvolvimento
dewm ser utilizadas as técnicas apropriadas de avaliação que, ob­
ff.fonitorar Todos os processos Observação Redirecionamento de
\iamente. precisam ser variadas, considerando a gama enorme de anteriores Entrevista ações erradas ou ineficazes
tipos de ari,idades e de processos psicológicos envolvidos nelas. Por
18 TÉCNICAS DE EXAME Ps1coL6GrCo � TEP TESTES PSICOLÓGICOS: CONCEITOS, HISTÓRIA, TIPOS E USOS 19

uma mente, esta última sendo o que o adjetivo "racional" define.


2. Conceituação de Testes Psicológicos Assim, o psicólogo de orientação monista vai definir teste como
um conjunto de tarefas ou comportamentos para prever ou repre ... )
Definir o que é um teste psicológico parece, à primeira vis­ _
sentar outro coniunto de comportamentos ou comportamentos fu- i
ta, uma tarefa muito fácil. Contudo, os teóricos nesta área se
turos do sujeito. O psicólogo de orientação dualista, por sua vez, \
complicam quando querem caracterizar o que é um teste psico­ _ _
ira definir o teste como um conjunto de tarefas ou comportamen- 1
lógico. O problema não é tanto em descrever o que ele é, mas
tos, sim, mas estes como representação física do objeto de interes- )
sim o que representa.
se do psicólogo, sendo esses os processos da mente (processos men-
Descrever um teste não parece complicado, e é possível se che­ \
tais, processos latentes, traços latentes).
gar facilmente a uma descrição consensual. Uma descrição pode ser
Como este problema de monismo vs. dualismo dá uma visão
como a de Cronbach ( 1996: p. 51): "Um teste é um procedimento
muito distinta �a compreensão e interpretação dos testes psicológi­
sistemático para observar o comportamento e descrevê-lo com a aju­
cos, dev �mos dizer 1:1ais alguma coisa sobre ele. Em primeiro lugar,
da de escalas numéricas ou categorias fürns". Isro significa que um
s�r mon'."ta ou dualista não se resolve com demonstrações cientí­
teste psicológico consiste em inserir o sujeito numa situação em que
ficas, pms trata-se de opções de caráter filosófico e devem ser re­
ele deve executar algumas tarefas, também previamente definidas e
solvidas nesse nível. Assim, estas opções são preliminares à ativi,
estabelecidas, sendo suas respostas (comportamentos) descritas ge­
dade do cientista, mas afetam decisivamente esta sua atividade e'
ralmente por meio de números. Mais adiante, ao se falar sobre a .
por rnso, parece importante que o cientista e psicólogo, no caso,
normatização e padronização da testagem psicológica, serão caracte­
esteja pelo menos consciente da opção que fez, deliberada ou até
rizadas uma situação arranjada e tarefas arranjadas. Por ora, basta implicitamente. Em segundo lugar, como se deve entender esta
saber que um teste psicológico é um conjunto de tarefas predefinidas, oposição monismo vs. dualismo? No capítulo sobre os parâmetros
que o sujeito precisa executar numa situação geralmente artificializada psicométricos dos testes vamos dar uma resposta mais compreensi,
ou sistematizada, em que o seu comportamento na situação vai ser
observado, descrito e julgado, e essa descrição é geralmente feita
"ª sobre este problema; por ora, basta dizer que, para o dualista, 0
teste é um conjunto de comportamentos que querem expressar
utilizando--se números.
em termos físicos, traços latentes, isto é, processos mentais, e nã�
Definir um teste psicológico, num sentido mais epistemológico outros comportamentos. Naquele capítulo também iremos definir
(isto é, em termos de concepções de ciência), já é tarefa controverti­ mais claramente o que são traços latentes; no momento, é sufici­
da, porque depende de posições e suposições de caráter filosófico.
ente entendê-los como a realidade que constitui o que chamamos
Aqui a resposta depende diretamente de a pessoa ter uma visão
de mente, que para o psicólogo de orientação dualista é o objeto
monista (no caso, tipicamente materialista) ou dualista do ser hu­
específico da Psicologia científica.
mano. Todos concordam em definir o ser humano como um animal
De qualquer forma, os testes psicológicos, como os conhecemos
racional. Mas na hora de explicar o que isto significa, então estas
hoje em dia, são de data relativamente recente, do início do século
posições filosóficas preconcebidas ditam o que cada um vai enten­
XX. Há uma dúzia de cientistas relevantes na história dos testes, e
der. A posição monista materialista entende, no fundo, o homem
,cada um deles tem representado avaliação psicológica sucessivamente
como um puro animal ou macaco, um tanto sofisticado, e expressa
por cerca de uma década, de sorte que podemos falar da década de
esta sofisticação no adjetivo "racional" da definição de ser huma­
Binet, da década de Cattell e assim por diante. Vamos rapidamente
no. Por outro lado, quem toma mais a sério este adjetivo, entende
wer alguns deles.
que o ser humano não é apenas um animal, e sim um animal mais
20 TÉCNICAS DE EXA.viE PSICOLÓGICO - TEP TESTES PSICOLÓGICOS: CONCElTOS, HISTÓRIA, TIPOS E USOS

1. A década de Galton: 1880. Os trabalhos de Galton visavam à deste tipo de pesquisa, já que este estava à procura de unifor­
avaliação das aptidões humanas através da medida sensorial; midades e não de diferenças individuais. Mais tarde, como
sua obra mais importante nesta área é Inquiries into Human professor em Cambridge (1988), ficou mais animado com a sua
Faculty, de 1883. O trabalho de Galton terá enorme impacto orientação vendo e sentindo a influência de Galton, que tam­
tanto na orientação mais prática da psicometria (Cattell e bém trabalhava com a medida das diferenças individuais. Fa­
outros psicometristas americanos), quanto na teórica (Pearson moso é seu artigo de 1890, porque nele Cattell usa pela primei­
e Spearman). Galton (1883) acreditava que as operações in­ ra vez a expressão, que fez sucesso internacional e histórico de
telectuais poderiam ser avaliadas através de medidas sensori­ teste mental (mental test) para as provas aplicadas anualm�nte
ais, uma vez que, segundo ele, toda a informação do homem aos alunos universitários a fim de avaliar seu nível intelectual
chegaria pelos sentidos, de modo que quanto melhor o esta­ nos USA. Cattell seguiu as idéias de Galton, dando ênfase às
do destes, melhores seriam as operações intelectuais. Assim, medidas sensoriais, porque elas permitiam maior precisão. Per­
ele se preocupou em estabelecer os parâmetros das dimensões cebeu que medidas objetivas para funções mais complexas que
ideais dos sentidos, fazendo um levantamento amplo de me­ vinham sendo usadas sobretudo na Alemanha, por exe�plo,
didas sensoriais. Ele considerava particularmente importante testes com operações simples de aritmética, testes de memória
nos indivíduos a capacidade de discriminação sensorial do e resistência à fadiga (Kraepelin, 1895), bem como testes de
tato e dos sons. De fato, a contribuição de Galton para a cálculo, duração de memória e complementação de sentenças
teoria dos testes ou da Psicometria ocorreu em três áreas, a (Ebbinghaus, 1897), não produziam resultados condizentes com
saber: 1) criação de testes antropométricos - medida da discri­ o desempenho acadêmico. Contudo, os próprios testes de Cattell
minação sensorial, onde desenvolveu testes cujos conceitos também não apresentavam resultados congruentes entre si
são ainda utilizados (barras para medir percepção de compri­ (Sharp, 1899; Wissler, 1901) nem correlacionavam com a ava­
mento, apito para percepção de altura do tom); 2) criação de liação que os professores faziam do nível intelectual dos alunos
escalas de atitudes - escalas de pontos, questionários e associ­ (Bolton, 1892; Gilbert, 1894) e nem mesmo correspondiam ao
ação livre, que ele utilizava após as medidas sensoriais para desempenho acadêmico desses alunos (Wissler, 1901).
investigar as reações mais afetivas e emocionais dos sujeitos
durante os testes que fazia; 3) desenvolvimento e simplificação 3. A década de Binet: 1900. Nessa década, predominaram os interes­
de métodos estatísticos - métodos de análise quantitativa dos ses da avaliação das aptidões humanas visando a predição na área
dados que coletava com seus testes, tarefa esta levada adian­ acadêmica e na área da saúde. Binet e Henri (1896) começaram
te pelo seu famoso discípulo Karl Pearson. com uma séria crítica a todos os testes até então utilizados, afir­
mando que eles: (1) ou eram puramente medidas sensoriais que,
2. A década de CatteU: 1890. Sob a influência da Galton, Cattell embora permitindo maior precisão, não tinham relação importan­
desenvolveu suas medidas das diferenças individuais e apresen­ te com as funções intelectuais (irrelevância) ou (2) se eram testes
tou sua experiência no Mental Tests and Measurements, de 1890, de conteúdo intelectual, estes se dirigiam a habilidades demasia­
inaugurando a terminologia de mental test (teste mental). James damente específicas, como puro memorizar, calcular, etc., quando
McKeen Cattell, psicólogo americano, elaborou em Leipzig sua os testes deveriam se orientar para medir funções mais amplas
tese sobre diferenças individuais no tempo de reação, apesar de como a memória, imaginação, atenção, mmpreensão, etc. De fato:
\Vundt, seu orientador e estudioso do mesmo tema, não gostar ,Binet e Simon (1905) desenvolveram seu famoso teste de 30 item
TÉCNICAS DE EXA.\4E PSICOLÓGICO - TEP TESTES PSICDLÓGICDS: CDNCEITOS, HISTÓRIA, TIPOS E USOS 23

para cobrir uma gama variada de funções (como julgamento, impacto da Primeira Guerra Mundial com a imposição da neces­
compreensão e raciocínio) com o objetivo de avaliar o nível de sidade de seleção rápida, eficiente e universal de recrutas para o
inteligência de crianças e adultos, por meio do qual estavam exército (os testes Army Alpha e Beta). Na verdade, temos urna
especialmente interessados em detectar o retardo mental. Esta série de psicólogos trabalhando nesta área, especialmente nos Es­
orientação de Binet e Simon em elaborar testes de conteúdo tados Unidos. Goddard avaliava os imigrantes que entravam no
mais cognitivo (e não sensorial) e cobrindo funções mais amplas país, vindos sobretudo do sul e do leste europeu. Cattell fundou
(não específicas) fez grande sucesso nos anos subseqüentes, es­ um laboratório de Psicologia na Universidade da Pensilvânia, onde
pecialmente nos EUA com a tradução do seu teste por Terrnan escreveu seu famoso artigo "Mental tests and their measurements",
(1916), inaugurando de vez a era dos testes, inclusive com a publicado no Mind (1890); mais tarde fundou outro laboratório
introdução do Q.I. (idealizado por W. Stern - 1900), sendo: na Universidade de Columbia. Por sua vez, Joseph Jasrrow desen­
volveu 15 testes na Universidade de Wisconsin (1892-1927; apud
QI = 100 (IM / IC) Boring, 1957), e Hugo Müsterberg elaborou testes para crianças
em seu laboratório em Harvard (1892-1916; apud Boring, 1957).
onde,
Em 1904, um discípulo de Cattell, Edward L. Thomdike, lançou o
QI = quociente intelectual
primeiro livro tratando de medidas mentais e educacionais, e seu
IM = idade mental
discípulo, Cliff W. Stone, publicou o primeiro teste padronizado
IC = idade cronológica.
em aritmética, o Stone Arithmetic Test (1908; apud Boring, 1957).
Este quociente substitui a forma de Binet e Simon de expressar o Com a advento da Primeira Guerra Mundial, vários psicólogos
nível intelectual do sujeito em termos de Idade Mental (Age (Yerkes, Thomdike, Seashore, Angell) desenvolveram testes de
Menta/e, a saber, a criança teria aquela idade mental se respon­ seleção para soldados. Nos anos 20 surgiu uma avalanche de no­
desse corretamente às questões que crianças de tal idade crono­ vos testes, ultrapassando as centenas deles, dos quais poucos re­
lógica eram capazes de responder corretamente). sistiram até o presente.

4. De fato, embora Binet predomine nesta época, outros expoentes 6. A década da anfilise fatorial: 1930. Já por volta de 1920, o entu­
aparecem, salientando-se, sobretudo, Spearrnan na Inglaterra. Na siasmo com os testes de inteligência diminuiu muito, sobretu­
verdade, no que se refere propriamente à teoria psicométrica ou do quando se demostrou que eles eram bastante dependentes
dos testes, a década de 1900 deve ser considerada a era de Spearman, da cultura onde eram criados, o que contrariou a idéia de um
que foi quem deu os fundamentos da teoria da Psicometria clás­ fator geral universal do estilo Spearman. Tais eventos fizeram
sica com suas obras The proof cmd measurement of association between com que os psicólogos estatísticos começassem a repensar as
two things (1904a), 'General intelügence' objectively determined and idéias de Spearman. De fato, Kelley quebrou com a tradição
measured (19046), Demonstration of formulae for true measurement de Spearman em 1928. Esta tendência foi seguida, na Inglater­
of correlations (1907) e Correlations of sums and differences (1913). ra, por Thomson (1939) e Burt (1941), e nos EUA, por
T hurstone (Mental Aptitude Tests, 1935, 1947). Este autor é es­
5. A era dos testes de inteligência: 1910-1930. Essa era se desenvol­ pecialmente relevante nesta época, pois além de desenvolver
veu sob a influência de: (a) teste de inteligência de Binet-Simon a análise fatorial múltipla, atuou no desenvolvimento da
(1905), (b) artigo de Spearman sobre o fator G (19046), (c) a escalagem psicológica (1927, 1928, Thurstone & Chave, 1929).
re,isão do teste de Binet para os EUA (Terman, 1916) e 1d) o
TÉCNICAS DE EXAME PSICOLÓGICO - TEP TESTES PSICOLÓGICOS; CONCEITOS, HISTÓRIA, TlPOS E USOS

fundando, em 1936, a Sociedade Psicométrica Americana, jun­ 8. A era da Psicometria moderrlfl (Teoria de Resposta ao Item -
tamente com a revista Psyclwmetrika, ambas dedicadas ao es­ TRI): 1980. Chamar a era atual de era da TRI talvez seia
tudo e ao avanço da Psicometria. inadequado, porque: 1) esta teoria, embora seja o modelo �o
dito Primeiro Mundo, ainda não resolveu todos seus proble­
7. A era da sistematização: 1940-1980. Esta época é marcada por mas fundamentais para se tomar o modelo moderno definiti­
duas tendências opostas: os trabalhos de síntese e os de crítica. vo de Psicometria e 2) ela não veio para substituir toda a
Nas obras de síntese, temos Guilford (1936, Psyclwmetric Methods, Psicometria clássica, apenas partes dela. De qualquer forma,
reeditada em 1954), tentando sistematizar os avanços em é o que há de mais novo no campo.
Psicometria até então conseguidos; Gulliksen (1950, Theory of
Mental Tests), sistematizando a teoria clássica dos testes psicoló­
gicos e Torgerson (1958, Theory and Methods of Scaling), sistema­
tizando a teoria sobre a medida escalar. Além disso, Thurstone 3. Tipos de Testes Psicológicos
(1947) e Harman (1967) recolheram os avanços na área da aná­
lise fatorial; Cattell (1965; Cattell & Warburton, 1967) procu­ Há muitas maneiras de distinguir entre os variados testes psi;
rou sintetizar os dados da medida em personalidade, e Guilford cológicos, dependendo do ponto de vista que se queira tomar. As­
(1967) buscou sistematizar uma teoria sobre a inteligência. Por sim, os testes podem ser divididos e subdivididos nas seguintes
sua vez, Buros (1938) iniciou uma coletânea de todos os testes categorias:
existentes no mercado, a qual vem sendo refeita periodicamen­
te (mais ou menos a cada cinco anos), e que se intitula Mental
Objetividade e padronização:
Testes psicométricos
Measurement Yearbook. Na mesma época, A American Psyclwl.ogical
Testes impressionistas
Association - APA (1954, 1974, 1985) introduziu as normas de
elaboração e uso dos testes. Construto (processo psicológico) que medem:
Entre os trabalhos da crítica, destaca-se Stevens (1946), que le­ Capacidade ou aptidão
vantou o problema das escalas de medida responsável por muita • Aptidão geral
polêmica na área (Lord, 1953; Gaita, 1980; Michell, 1986; • Aptidões específicas
Townsend & Ashby, 1984). Divulgou-se também a primeira gran­ • Psicomotricidade
de crítica à teoria clássica dos testes na obra de Lord e Novick
Preferência
(1968, Statistical Theary of Mental Tests Scores), que iniciou o de­
• Personalidade
senvolvimento de uma teoria alternativa, a teoria do traço !atei:::
te, que vai desembocar na teoria moderna da Psicometria, e-Tu9::
• Atitudes e valores
• Interesses
riã de Resposta ao Item - TRI, mais tarde sintetizada por Lord
(1980). Outra tendência de crítica para superar as dificuldades Forma de resposta:
da Psicometria clássica foi iniciada pela Psicologia Cognitiva de Verbal
Stemberg (1977, 1982, 1985; Stemberg & Detterman, 1979; Escrito: papel-e-lápis
Stemberg & Weil, 1980), com seu modelo, procedimentos e pes­ Motor
quisas sobre os componentes cognitivos, na área da inteligência. Via computador
TÉCNICAS DE EXAME PsICOLÓGICO � TEP TESTES PSICOLÓGICOS: CONCEITOS, HISTÓRIA, TIPOS E USOS

3.1. Testes Psicométricos e Testes Outra diferença, que decorre do formato da resposta exigida
do sujeito, é que os testes psicométricos aparecem merws ricos do
Impressionistas que os testes impressionistas. A razão disto é que, ao se querer fe­
. A diferença fundamental entre estes dois tipos de testes é que char ou estruturar ao máximo o tipo de respostas possíveis para o
os testes psicométricos se baseiam na teoria da medula e, mais especi­ su1e1to, os testes psicométricos oferecem um certo número de alter­
ficamente, da Psicometria, isto é, usando números para descrever os nativas, não todas as possíveis, para uma dada tarefa, empobrecen­
fenômenos psicológicos, enquanto os testes impressionistas, ainda que do ou restringindo, desta forma, as respostas dos sujeitos; isso não
possam utilizar números, não se fundamentam na teoria da medida, ocorre com os testes impressionistas, nos quais as respostas são livres
mas na descrição lingüística. Como conseqüência, os testes psicométricos e, portanto, abertas a todas as alternativas possíveis.
fazem uso obrigatório da estatística, enquanto os impressionistas não Diz--se, também, que os testes psicométricos estão mais interes-­
necessitam de tal procedimento. Assim, diz-se que os testes sados no produto, enquanto os impressionistas se interessam mais
psicométricos "medem", ao passo que os impressionistas "caracteri-­ pelo processo de testagem, isto é, com os comportamentos que 0
zam" os indivíduos, ou melhor, os atributos dos indivíduos. Os testes sujeito exibe durante a resolução de uma tarefa ou item.
psicométricos fazem a suposição de que os traços que eles medem são Disso tudo resulta uma questão muito importante, que constitui
dimensões, isto é, atributos que possuem diferentes magnitudes, gran­ uma diatribe. Trata-se da validade da própria testagem. O psicome­
trista prima pela objetividade: as tarefas são padronizadas, a correção
dezas estas que são expressas através dos números. Exemplos de testes
ou apuração das respostas é mecânica, a interpretação é realizada em
psicométricos: testes que medem a inteligência (o QI); testes de ati­
tudes, nos quais você deve responder se está de acordo ou não (numa cima de perfis de números e seu significado é dado por regras de inter­
pretação derivadas de pesquisas anteriores feitas com outros grupos de
escala de 3, 5 ou mais pontos de intensidade de concordância) com
sujeitos, isto é, os testes produzem um índice ou perfil de índices que
afirmações do tipo "gosto de feijão e arroz". Exemplos de testes
impressiotústas ou projetivos: desenho de uma casa ou figura huma­ podem ser tratados estatisticamente para ver o montante de erro que
na; dizer o que você vê num borrão de tinta; desenhar uma árvore. se comete ao fazer esta ou aquela interpretação. Pelo contrário, o psi­
Outra diferença entre estes testes: os testes psicométricos são cólogo impressionista trabalha muito com a subjetividade: suas tarefas
maximamente padronizados em suas tarefas e em sua interpretação, são pouco ou nada estruturadas, a apuração das respostas deixa mar­
de tal sorte que qualquer aplicador deve poder chegar aos mesmos gem para interpretações subjetivas do próprio avaliador e a interpreta­
resultados, enquanto os testes impressionistas normalmente apre­ ção dos resultados está quase totalmente dependente do avaliador.
sentam tarefas não-estruturadas, sendo a decodificação e interpre­ Assim, descreve-se o psicólogo psicometrista como um fotógrafo, por­
tação dependentes em grande parte do aplicador, de tal sorte que que do mesmo objeto sempre e qualquer um pode tirar a mesma foto­
diferentes aplicadores podem chegar a interpretações e resultados grafia; do psicólogo impressionista se diz que é um artista, um sábio,
até contrastantes. Por isso, os testes psicométricos preferem utilizar porque um pode produzir descrições melhores ou piores que outro so­
técnicas de resposta do tipo escolha forçada, escalas de resposta bre o mesmo sujeito avaliado. Dissemos no início deste parágrafo que
enunciadas com números (estilo escala Likert de 5, 7 ou outro número esta é uma questão polêmica, isto porque os psicometristas procuram
de pontos) que o sujeito deve simplesmente marcar, tornando, assim, a o rigor e consideram os procedimentos dos impressionistas uma farsa,
sua resposta sem ambigüidade para o aplicador apurar. Já os testes puras especulações, isto é, que eles estão "viajando", andam em areia
impressionistas requerem respostas livres dos sujeitos, tomando a sua movediça. Por outro lado, os impressionistas acreditam que os
apuração mais ambígua e sujeita aos vieses de interpretação do aplicador. psicometristas não estão medindo coisa nenhuma de processos psiw-
TÉCNICAS DE EXA.M:E PsrcOLÓGICO - TEP TESTES PSICOLÓGICOS: CONCEITOS, HISTÓRJA, TIPOS E USOS 29

lógicos, utilizam apenas artefatos estatísticos, de fato aniquilam o No caso do computador, é preciso distinguir dois usos muita
psicológico com os seus procedimentos, reduzindo a riqueza da per­ distintos deste: de fato, ele pode ser utilizado como aplicador ou
sonalidade humana à secura árida e fria de um númeto. Você pode executor de testes. A seguir, esta distinção será discutida.
ser o juiz dessa controvérsia; contudo, parece importante ressaltar
que em ciência deve haver objetividade, validade, replicabilidade, O computador como aplicador de testes
etc. de resultados. A tabela seguinte sintetiza anedoticamente as (aplicação automatizada)
distinções entre teste psicométrico e teste impressionista.
Neste caso, o computador substitui tanto o material utilizado
(folheto do teste, folha de resposta, crivos de correção, etc.) quanto
Teste Psicométrico Teste Impressionista
o próprio psicólogo aplicador. De fato, o computador pode
Fotógrafo Artista apresentar muito melhor as questões do teste: maior qualida­
Medida Descrição
de do material, maior clareza, repetir sem se cansar as expli­
Padronização Não-padronização
cações, pode moldar desenhos, modificar cores, dar interva­
Pobreza Riqueza
Produto Processo los exatos de tempo, de distâncias, de intervalos, de níveis
Objetividade Subjetividade de estímulos, etcj
corrigir as respostas, com muita rapidez;

3.2. Os Testes Segundo a Forma de Resposta - produzir o perfil de respostas do sujeito e enquadrá-lo imedi­
atamente nas tabelas de interpretação;
A resposta do sujeito a um teste pode ser dada verbalmente, - interpretar o perfil psicológico do sujeito;
como no caso da entrevista com crianças pequenas e com analfabe­
produzir registros legíveis, em número sem fim e transmiti-los
tos ou com pessoas deficientes. Outros testes exigem resposta pura­
a distância imediatamente;
mente motora, como em testes de psicomotricidade, situações nas
quais é utilizada a observação de comportamento como técnica de motivar os testandos, porque estes normalmente se fasci­
coleta da informação (inclusive vídeo e similares). Entretanto, o nam ao interagir com o computador, já que ele não se can­
tipo de resposta mais utilizado em testes psicológicos é a resposta sa de atender, não se irrita, não azucrina o testando, segue
escrita, a saber, lápis-e-papel. A grande vantagem desta técnica é o ritmo normal do testando, deixa o testando se expressar
que os testes podem ser aplicados coletivamente a grandes amostras livremente sem o constrangimento que um experimentador
de sujeitos, ocorrência difícil de acontecer em situações nas quais pode produzir.
as respostas são dadas verbalmente ou se exige a observação do com­ Obviamente, o computador não substitui o aplicador humano
portamento do sujeito testado. Os testes psicométricos, em pratica­ na observação do comportamento do sujeito, quando isto for impor­
mente sua totalidade, são de tipo lápis-e-papel. tante numa testagem. Também a interpretação do perfil psicológico
Mais modernamente, com a popularização do computador, vem é mais limitada do que aquela realizada por um psicólogo. O com­
se tornando cada vez mais prática a utilização deste aparelho na putador é certamente muito superior ao aplicador humano naque­
testagem, e no futuro ela será certamente a forma privilegiada no les aspectos do teste que são mais mecânicos, exigindo rapidez e
uso dos testes psicológicos, particularmente no caso da testagem precisão, e, quiçá, como redutor da ansiedade na tomada de testes.
dita adaptativa, da qual falaremos em seguida. porém é mais limitado na interpretação psicológica dos resultadas.
30 TÉC..'NICAS DE EXAME Psrc.DL6mco - TEP TESTES PSICOLÓGICOS; CONCEITOS, HISTÓRIA, TIPOS E USOS 31

O computador como executor de testes cada pesquisa que se faz sobre o processo psicológico em questão. A
(testagem adaptativa) técnica para esta façanha, entre outras, consiste em aplicar os no�
vos itens, juntamente com uma amostra de itens já incluídos no
A função do computador como executor de testes é muito mais banco, a uma amostra razoável de sujeitos e estimar os parâmetros
elaborada do que ser um simples aplicador. De fato, o computador cria dos novos itens em confronto com os dos itens utilizados do banco
o teste na hora para cada testando diferente, ele adapta a testagem a
de itens. Assim, os novos itens entram no banco nas mesmas condi�
cada testando. Como assim? Vejamos. ções que os velhos, e os velhos ficam assim também revalidados.
Para o computador se apresentar com executor de testes, duas Criado e mantido o banco de itens, o computador somente precisa
condições devem ser satisfeitas: banco de itens e algoritmo de sorteio. de um algoritmo que lhe diga que itens extrair dele para compor o teste
O computador, na verdade, não cria testes, nem itens. Ele pode ou para testar este sujeito. Por exemplo, se quero um teste de 30 itens
analisar a qualidade psicométrica de um número sem fim de itens e para medir raciocínio verbal, digo ao computador (através de um
incluí-los num banco de dados, onde estes têm sua carteira individual algoritmo matemático): pegue 30 itens do banco de itens que medem
de identidade. Com este arsenal de itens, aí sim o computador pode raciocínio verbal, que tenham uma dificuldade média de O (a escala é
criar testes sem fim: quanto maior for este arsenal, chamado de banco normalmente em escores padrões, que vão de menos infinito a mais
de itens mais testes O computador pode criai: Agora, quem cria os itens infinito, com média O) e cuja ainplitude vá de -Zz a + Zz, e que tenhain
é o psi;ólogo pesquisador, e é ele que vai coletar a informação empírica um bom índice de discriminação, entre 1 e 2 (a escala de discrimina­
sobre cada item através da pesquisa científica. O computador analisa ção vai entre O e 4, mas dificilmente passa do 2). Se o banco de itens for
esta informação e produz a carteira de identidade do item. Esta cartei­ realmente grande, então o computador pode me criar uma série eleva­
ra contém dados, tais como: que traço psicológico o item mede, quais da de testes de 30 itens, perfeitainente comparáveis, com itens repeti­
seus índices de dificuldade e de discriminação, qual a percentagem de dos ou não entre os vários testes. Assim, o examinador ou o computador
"chute" que ele provoca, se o item tem sentidos diferentes para dife­ poderá aplicar indiferentemente estes testes a qualquer sujeito, e a
rentes sujeitos ou populações, e alguns dados mais. A grande riqueza informação sobre os sujeitos é diretainente comparável, qualquer que
futura daqueles que trabalham com testes são precisamente estes ban­ seja o elenco de 30 itens que o computador escolheu para esta testagem.
cos de itens. A sua construção exige pesquisa científica laboriosa e Evito, assim, tainbém a praga de os testes terem sido decorados anteci­
demorada (cogita-se que são necessários pelo menos três anos para padamente pelos sujeitos, o que tomaria sua aplicação inválida.
construir um único banco de itens), pois trata-se de criar centenas e Pode-se, também, colocar o sujeito diante do computador e
milhares de itens para cada processo psicológico. Além disso, é preciso dizer a este: agora me descubra qual é o nível de raciocínio verbal
fazer a manutenção periódica dos bancos de itens, porque, com o tem­ deste sujeito! Se eu dei antes ao computador um algoritmo de como
po, eles podem perder suas características de bons itens, isto é'. sua proceder na seleção dos itens para cada sujeito, então ele vai me
validade. Nos EUA, por exemplo, a cada três anos são revistos os itens resolver este problema num piscar de olhos (claro se você piscar
da bateria nacional que avalia o desempenho dos alunos. Como é devagar!). De fato, ele pode resolver o problema com até 3 itens
que se faz isso? Pela técnica moderna da Psicometria, chamada Te­ somente. Como é que ele faz isso? Obviamente há muitas maneiras
oria de Resposta ao Item (TRI), esta tarefa é facilitada, porque de fazer isso, e os pesquisadores da área ainda estão à cata de
permite estabelecer os parâmetros dos itens, independentemente algoritmos melhores a todo dia. Mas um deles pode ser o seguinte:
da ainostra de sujeitos utilizada; daí é possível incluir sempre novos
1. apresente um item de dificuldade média (z = O);
itens diretamente comparáveis com os já inclusos no banco, com
TÉCNICAS □E EXAME Ps1mLómco - TEP TESTES PSICOLÓGICOS: CONCEITOS, HISTÓRIA, TIPOS E USOS

2. se o sujeito errou, então descarte todos os itens do banco Testes de capacidade intelectual
que tenham essa dificuldade ou maior; Aptidão geral
3. apresente um item com dificuldade de 0,5 desvio abaixo • Testes de inteligência geral (QI)
do primeiro; • Testes de inteligência diferencial (aptidões diferenciais: nu­
mérica, abstrata, verbal, espacial, mecânica, inteligência flui­
4. se o sujeito acertou, então descarte todos os itens com di­
da vs. inteligência cristalizada, inteligência social, etc.)
ficuldade menor do que -0,5;
Testes de aptidões específicas: mecânicos, música, psicomotrici,
5. apresente um item com dificuldade a meio caminho entre dade
z = 0 e z =-0,5 e siga os passos de 1 a 4 com as novas faixas de Testes de desempenho acadêmico (provas educacionais)
dificuldade dos itens. Testes neuropsicológicos: testes de disfunções cerebrais e neuro­
Assim, depois de meia dúzia de tentativas, o computador vai acer­ lógicas.
tar o nível de habilidade verbal do sujeito, a qual corresponderá ao
item de dificuldade mais elevada que ele conseguiu resolver. Testes de preferência individual
Para o próximo sujeito, o computador vai fazer a mesma coisa, Testes de personalidade
utilizando itens inteiramente diferentes, mas ainda medindo o raci­ Testes de atitudes, valores
ocínio verbal. Assim, o computador pode criar na hora um teste Testes de interesses
diferente e adaptado para cada candidato, por isso que se chama de Testes projetivos
testagem adaptativa. A palavra adaptativa não é muito boa em por­
Testes situacionais, de observação de comportamento, biografias.
tuguês, mas é utilizada como tradução da inglesa adaptíve; em por­
tuguês, esta testagem talvez seria mais adequadamente descrita se
fosse chamada de testagem sob medida ou testagem à medida ou
testagem ao gosto do freguês; mas a terminologia já foi criada e é 4. Uso dos Testes Psicológicos
assim usada.
Os testes servem para fornecer informações sobre os indivíduos,
3.3. Os Testes Segundo o Construto que Medem a partir das quais alguém deve tomar alguma decisão com respeito a
estes. Eles visam fornecer dados confiáveis para alguma intervenção.
Dividir os testes psicológicos segundo o processo psicológico que Como o comportamento humano ocorre nas mais variadas situações
medem é uma tarefa arriscada, porque existe um número sem fim de de vida e por razões e objetivos também os mais diferentes, é possível
tais processos, e, assim, a divisão se tomaria inútil pelo seu tamanho e prever que os testes, que procuram avaliar estes comportamentos,
também confusa, porque muitos destes processos psicológicos se en­ deverão ter objetivos diferenciados, tanto assim que um mesmo teste
contram ainda mal concebidos e definidos. Cattell e Warburton já pode ser útil e adequado numa situação e menos apropriado em ou­
em 1967 achavam pouco frutífera uma taxonomia dos testes em ter­ tra. Então, para que propósitos se utilizam os testes psicológicos? Po­
mos de traços latentes, precisamente por serem eles em número ilimi­ der-se-ia responder que eles servem para qualquer propósito. Mas
tado. Entretanto, gr ande parte dos manuais sobre testes apresenta discriminando melhor, pode-se dizer que os testes psicológicos são
uma divisão destes em termos de traços latentes, ainda que bem ge­ utilizados basicamente para cinco finalidades:
rais. Resumidamente, esta tentativa pode ser descrita como segue: • classificação (psicotécnico);
TÉCNICAS DE EXAME PSICOLÓGICO - TEP TESTF.s PSICOLÓOICOS: CONCEITOS, HISTÓRIA., TIPOS E USOS
35

• promoção do autodesenvolvimento; testes psicológicos e que se reúne regularmente para debater os proble­
• intervenção psicoterápica (psicodiagnóstico) e psicopedagógica mas de seleção via psicotécnico, com maior urgência na esfera dos
• avaliação de programas; Detrans e dos órgãos de segurança do pais.
• pesquisa científica.
4.2. Intervenção Psicoterápica
4.1. Classificação (psicodiagnóstico) e Psicopedagógica
Classificar uma pessoa significa colocá-la dentro de uma catego­
Os testes psicológicos são também utilizados para definir o pro­
ria de preferência a outra categoria, ou, se houver somente uma cate­
blema mental de uma pessoa, objetivando orientar o planejamento
goria, verificar se tal pessoa é apta para entrar nesta categoria. Um
de um tratamento para o problema. Isso pode ocorrer em clínicas
termo mais corrente, porém mais restritivo e até com ressaibos negati­
psicológicas, em hospitais ou mesmo na escola, onde se procura de,
vos, é o de seleção ou triagem. Aliás, aqui existe uma terminologia tectar problemas de saúde mental, de patologias, de distúrbios de
variada, cujo uso depende do contexto em que os testes são emprega­ aprendizagem e similares. O psicodiagnóstico visa caracterizar em
dos, tais como triagem, seleção, licenciamento, certificação, etc. As, detalhes o problema da pessoa para, assim, planejar uma interven­
sim, fala-se de triagem quando se quer fazer uma investigação mais ção adequada e eficaz, a fim de remover ou contornar tal problema.
rápida para localizar o sujeito numa dada categoria, como, por exem­
plo, decidir quais alunos necessitam de um tratamento especial. Nor­
malmente, após a triagem segue um estudo mais aprofundado dos su­ 4.3. Promoção do Autodesenvolvimento
jeitos que foram alotados na categoria em questão. Ce:rtificaçiin tipica­ Uma pessoa pode querer se submeter a testes simplesmente
mente é requerida ou aconselhada em certas profissões; por exemplo, para se conhecer melhor, para ver seus pontos fortes e fracos em
os médicos se submetem a testes ou provas para obter o certificado de habilidades e personalidade. O objetivo de tais testagens é o desejo
prática médica. Outras profissões, como os advogados, também fazem da pessoa de fazer uso útil do autoconhecirnento para melhorar seu
uso de tais requisitos. Seleção é uma atividade corriqueira em qualquer modo de ser. Algo mais técnico do que isto ocorre no que chama­
profissão, em que se fala de concurso público, concurso interno, etc. No mos de orientação profissional; por exemplo, para entrar na universi­
Bras il, fala-se muito de psicotécruco, que vem sendo mais e mais exigido dade ou, até mesmo, no mercado de trabalho, as pessoas procuram
por disposições legais: para motorista, para polícia civil e militar, por saber para que área de estudos ou de trabalho elas se sentem mais
exemplo. Este normalmente indica uma situação na qual os sujeitos são atraídas (testagem de interesses) ou habilitadas (testagem de apti­
submetidos a baterias de testes específicos para averiguar se satisfazem dões). Digo que é uma área mais técnica, porque existem muitos
os requisitos psicológicos definidos na especificação do cargo que pre­ estudos sobre a orientação vocacional, de tal sorte que ela se tor­
tendem ocupar. Este talvez seja o campo em que os testes são mais nou um ramo de formação em cursos universitários de Psicologia.
usados e criticados; são criticados porque quase não existem testes
construídos especificamente para esta ou aquela profissão, o que revela
que não se sabe se os que estão sendo utilizados são válidos para tal fim. 4.4. Avaliação de Programas
No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia promoveu, em 1997, a cri­ Em vez de avaliar pessoas, os testes podem ser utilizados para
acão da Comissão lnterinstitucional de Avaliação Psicológica para fa­ avaliar programas e instituições. Esta orientação foi iniciada por
;:r frente a esta problemática, composta por pesquisadores na área dos Joseph Mayer Rice, em 1890. Este professor se insurgiu contra a
TÉCNICAS DE EXAME PSICOLÓGICO - TEP TESTES PSICOLÓGICOS: CONCEITOS, HISTÓRIA, TIPOS E USOS 37

técnica das escolas de insistir no ensino de soletração", para em...


11 Na era moderna, esta área se tornou tão importante a ponto de
pregar o tempo em atividades escolares mais enriquecedoras. Sob se constituir em um ramo de formação universitária. A importância
sua influência, várias escolas fizeram a seguinte pesquisa: algumas dela é fácil de ser visualizada diante do aumento exponencial das
realizaram longos exercícios de soletração e outras não. Foi dado necessidades da humanidade e da diminuição concomitante dos
no final um teste de ortografia e se verificou que os alunos subme­ recursos (naturais, financeiros e humanos) disponíveis. A
tidos a intensivo exercício de soletração não obtiveram escores competitividade por tais recursos impõe mais e mais a necessidade
melhores do que aqueles que não fizeram tais exercícios. Assim, da avaliação institucional e de programas, sobretudo programas edu­
surgiu a idéia de que não somente os alunos, mas também os pro­ cacionais e sociais.
gramas devem ser avaliados.
Que é um programa? Um programa, e até mesmo uma institui­ 4.5. Pesquisa Científica
ção, consiste num planejamento de ações visando prestar algum
serviço à comunidade. Assim, há programas na área da educação, Os testes psicológicos, além de serem empregados nas áreas prá...
da saúde, de assistência social, de serviços comunitários (transpor­ ticas acima apontadas, são muito utilizados também na própria inves­
te, água, luz, telefone, etc.), de campanhas as mais variadas. O que tigação em Psicologia. De fato, são um dos instrumentos privilegiados
neste particular. A ciência em geral, e a Psicologia em particular,
se quer com tais programas é resolver algum problema social ou
trabalha com a verificação de hipóteses. Para se decidir sobre estas, é
melhorar a vida das pessoas, isto é, levar essas pessoas de uma situ­
maximamente útil se dispor de dados válidos e precisos, e os testes
ação pior para uma situação melhor. A avaliação, neste contexto, permitem coletar dados de tal natureza para, em seguida, serem apro­
visa verificar se o objetivo, ou seja, elevar a qualidade de vida da priadamente analisados. Aqui aparece a grande vantagem que testes
comunidade para um nível melhor, foi ou não alcançado, ou até psicométricos, por exemplo, têm sobre avaliações de tipo impressionista,
que ponto ele o foi, e se não, por que razões isto ocorreu. Sem tais porque aqueles coletam dados em termos de medidas, que podem ser
avaliações, muitas vezes se gastam quantias enormes de recursos mais objetivamente analisadas e com maior precisão, o que resulta
financeiros, humanos e materiais em programas que resultam em numa verificação mais exata das hipóteses científicas.
nada ou que não compensam os esforços empregados. Basta lembrar Assim, é possível concluir este segmento do uso dos testes com
que no Brasil, não muito tempo atrás, o governo investiu enormes a seguinte asserção e esquema: os testes são usados para tomar de­
recursos na alimentação escolar, esperando resolver os problemas da cisões, em geral sobre a vida das pessoas, tais como em:
educação no país ou na saúde por meio de campanhas as mais diver­
sas, também para resolver de vez o problema da saúde no país. Ob­ Educação � vestibular, orientação vocacional e
viamente, nenhuma delas resolveu o que pretendia. De qualquer psicopedagógica
forma, para se saber se resolveu ou não, ou até que ponto resolveu, Profissão � perfil, seleção
ou, ainda, descobrir por que não resolveu a contento, é preciso fazer Saúde � diagnóstico psicológico
a avaliação de programas ou avaliação institucional. Nesta área existe Justiça � perícia
todo um planejamento e avaliação de atividades que se costuma
Self � autoconhecimento
põr sob a etiqueta de planejamento estratégico, no qual muitas ve­
Ciência � medida
zes falta precisamente a etapa de avaliação, não se permitindo po­
der, assim, aferir a eficacidade de tais programas, por mais bem pla­ Detrans � psicotécnico
nejados que tenham sido. �
35 TÉCNICAS DE EXA,.\1E Ps1co1.íx:aco - TEP TESTES PSICOLÓGICOS: CONCEITOS, HISTÓRIA, TJPOS E USOS 39

4.6. Casas Editoras de Testes no Brasil 5. Aplicação dos Testes Psicológicos


No Brasil existem algumas editoras legítimas de testes psicoló­
gicos. Entre elas, destacam-se: Os testes são instrumentos técnicos e seu manejo geralmente
necessita de pessoal treinado e conhecedor do instrumento, como
1. Casa do Psicólogo (Ingo Bernd Güntert) qualquer aparelho de tecnologia sofisticada. Assim, nem todo mun­
Rua Mourato Coelho, 1.059 - Pinheiros do é capaz ou pode aplicar testes psicológicos, mesmo porque são de
CEP 05417-0 li - São Paulo/SP uso exclusivo dos psicólogos. Sendo instrumentos sofisticados, os
Fone: (011) 3034-3600 - 3062-4633 testes requerem uma série de regras para sua aplicação, as quais são
Fax: (0ll) 3064-5392
E-mail: casapsi@uol.com.br expressas sob o que se chama de padronização da aplicação destes.
O que implica tal padronização? Ela implica várias coisas, particu­
2. Vetor Editora Psico-Pedagógica Ltda. (José Glauco larmente:
Bardella) • procedimentos de aplicação;
Alameda Jaú, 404 • direito dos testandos;
CEP 01420-000 - São Paulo/SP • controle dos vieses do aplicador;
Fone: (011) 283-5225 / 283-0336 • normas na divulgação dos resultados.
Fax: (011) 283-0336 / 283-3073 (Trab.)
(011) 993-0861 / 273-1575 (Res.)
E-mail: vetor@virtual-net.com.br 5.1. Administração dos testes
http://www.vetor-editora.com.br
Os procedimentos na aplicação dos testes têm como objetivo
3. CEPA- Centro de Psicologia Aplicada (Antônio Rodrigues garantir a validade da testagem, porque um teste, mesmo sendo
ou Tereza) técnica e cientificamente válido e pertinente ao caso, pode produ­
Rua Senador Dantas, 118 - Gr. 901 a 920 - Centro zir resultados inválidos se for mal-aplicado. Mas o que tornaria uma
CEP 20031-201 - Rio de Janeiro/RJ
Fone: (021) 2220:6545 testagem inválida pela má aplicação? Uma resposta genérica seria a
Fax: (021)2262-2717 seguinte: os resultados do teste são válidos (obviamente supondo
que o próprio teste seja válido) se a sua aplicação seguiu à risca as
4. Edites Empresa Distribuidora de Testes Ltda. instruções e recomendações dadas pelo seu auto� isto é, se o aplicador
Rua Prof.º Júlio Ascarellis, 259 - Pinheiros seguiu exatamente o manual de aplicação do teste. Normalmente,
CEP 05449-020 - São Paulo/SP tais orientações irão exigir pelo menos duas condições de aplicação
Fone: (ll) 3021-2897
para que os resultados sejam válidos e confiáveis, a saber:
5. CET EPP - Centro Editor de Testes e Pesquisas em Psicologia • a qualidade do ambiente físico da aplicação .
(Udo Güntert) • a qualidade do ambiente psicológico, que tipicamente signifi­
Rua Comendador Norberto Jorge, 30 ca uma atmosfera em que a ansiedade do testando seja
04602-020 - Brooklin - São Paulo, SP reduzida ao mínimo.
Fone/Fax: (011) 543-4592
Quanto ao ambiente físico, todas as condições do ambiente físico
Estas editoras de testes possuem representações em muitas cidades
devem colocar o testando em condições ótimas de ação. Como se quer
brasileiras. Em Brasília, elas são representadas pelo CENOP, 716 sul.
TÉCNICAS DE EXAME PSICOLÓGICO- TEP TESTES PSICOLÓGICOS: CONCEITOS, HISTÓRIA, TIPOS E USOS

saber, com o teste, o nível de aptidão ou as preferências do testando, • o nível de ansiedade do testando seja reduzido: isto impli­
este deve se sentir na sua melhor forma para poder agir exatamente de ca o estabelecimento do rapport. Este é mais importante na
acordo com suas habilidades, interesses e pendores, e não influenciado testagem individual. Em que ele consiste? Existe o rapport
por fatores estranhos oriundos do meio ambiente. Assim, necessita-se quando o testando vê no aplicador um amigo e não um estra­
que o meio ambiente evite produzir distratares fisiológicos e psicológi­ nho, e menos ainda um carrasco. Significa, no fundo, que o
cos para o testando. Desta forma, é preciso tomar cuidados com testando se sinta bem à vontade ao fazer o teste, isto é, que o
• posto de trabalho: cadeira, mesa, espaço físico; examinador seja motivador e encorajador, não se irrite, não
• condições atmosféricas: iluminação, temperatura, ventilação, grite ou faça cara feia, etc.
higiene;
• condições de silêncio: isolamento acústico, ausência de in­ Agora, como proceder em situações adversas? Situações adversas
terrupções; de testagem são, por exemplo, a aplicação de testes para fins periciais e a
• apresentação do aplicador: roupas limpas e adequadas, voca­ testagem para seleção. Nestes casos, o sujeito se encontra necessaria­
bulário apropriado, uso de perfumes; mente em condições psicológicas, e, às vezes até físicas, não satisfatórias,
• evitar interrupções durante a testagem. sobretudo porque ele está ali como vítima ou numa situação de alta
competição. Onde ficou, então, o estado ideal psicológico da pessoa para
Tais requisitos podem influenciar onde e quando uma testagem poder tomar o teste de uma maneira adequada? No caso da testagem de
irá ocorrer. seleção, especialmente em concursos públicos, parece até haver uma
Quanto às condições psicológicas, é preciso que: contradição entre a situação ideal de aplicação dos testes e a exigência
constitucional da isonomia, segundo a qual todo o mundo deve ser tra­
• o testando esteja em condições normais de saúde física e psi­
tado identicamente. Quando você tem milhares de candidatos concor­
cológica; rendo para um cargo, uma testagem individual normalmente é
• o testando compreenda exatamente a tarefa a executar:
proibitivamente difícil de ser realizada; então, faz-se testagem em grupo.
isto pode implicar que as instruções do teste devam ou não Neste caso, todo o mundo deve ser tratado do mesmo modo, o que
ser lidas em voz alta; o aplicador deve responder a todas as implica mesmo horário, mesmas condições, mesmo tudo. Mas se um
questões referentes à compreensão da tarefa, sem dar dicas sujeito está doente ou de alguma forma impossibilitado de tomar ade­
de solução para as questões do teste. Esta tarefa eviden­ quadamente o teste naquele dia, que fazer? Remarcar para outro dia
temente é mais delicada na testagem de crianças e pessoas pode estar infringindo o princípio legal da isonomia, ao dar a ele
com outras dificuldades (deficientes, surdos-mudos, etc.). tratamento diferenciado; tomar o teste naquelas condições adversas
De qualquer forma, aqui é preciso atender a duas coisas: pode produzir resultados inválidos ... Na prática, o que tem prevaleci­
primeiro, o sujeito deve entender perfeitamente a tarefa do em tais situações são os princípios da isonomia. No presente, tais
que ele deverá realizar (assim, às vezes são necessárias ex­ situações de testagem são uma dor de cabeça e angústia para o psicó­
plicações ulteriores) e, segundo, mudar as instruções do logo responsável e consciente de sua profissão.
manual implica ou pode implicar mudar o próprio teste (isto
é, invalida o teste). De sorte que, no ideal, as instruções 5.2. Vieses do examinador
devem ser dadas uma única vez e iguais para todos. Tudo
isso exige que o aplicador seja profundamente familiariza­ Na situação de testagem, em especial a testagem individual, o
do com o teste; aplicador do teste é um elemento importante da situação. O modo de
42 TÉCNICAS DE EXAME PSICOLÓGICO - TEP 'fEsrEs PSICOLÓGICOS; CONCEJTOS, HISTÓRIA, TIPOS E USOS

ser e de atuar do aplicador podem afetar bastante os resultados do rado que lhe permita conhecer melhor seus fortes e fracos, e as­
teste. As pesquisas que existem sobre este assunto geralmente não sim poder lidar com eles na sua profissão.
permitem conclusões decisivas sobre a grandeza de influência que
estas variáveis do examinador têm sobre os resultados dos testes. De 5.3. O direito dos testandos
qualquer forma, seriam importantes as seguintes situações?
• O examinador deve ser familiar ao testando? Na sociedade democrática moderna, este tema se tornou algo
• Encorajar freqüentemente o testando ajuda ou atrapalha? de importância fundamental, isto é, os direitos das pessoas, garanti­
• O sexo do examinador é relevante? dos até nas normas da Constituição dos países e das Nações Unidas.
• A idade do examinador é relevante? No Brasil, a atuação do psicólogo na testagem é considerada uma
• O estado emocional do examinador é relevante? atividade pericial, isto é, atividade de perito. Por lei, os peritos de­
• As atitudes e opiniões pessoais do examinador são rele­ vem prestar serviços de qualidade à sociedade, e esta qualidade
vantes? pode ser judicialmente procurada através das leis pertinentes, como
as do PROCON, por exemplo. Isso significa que o psicólogo respon­
Enfim, são muitas perguntas para se poder dar uma resposta de até criminalmente por sua conduta nesta área dos testes. A lei
sensata. As pesquisas, como disse, nem sempre dão respostas uná­ considera o psicólogo não mais como a babá da sociedade, mas como
nimes sobre tais questões, mas simplesmente ignorar essas ques­ perito e, portanto, legalmente responsável em sua aruação de
tões seria supor que elas não têm relevância nas relações sociais, profissional.
e a situação de testagem é uma relação social. Pelo menos, o O prof. Norberto Abreu e Silva Neto (Santos & Abreu e Silva
psicólogo deve estar consciente da possível influência de tais Neto, 2000) dá as seguintes informações sobre esta questão:
fatores e procurar minimizá-la. Inclusive, dizem as más línguas,
que um dos motivos mais fortes que leva alguém se tornar psicó­ "O princípio do consentimento livre e esclarecido
logo, é porque ele ou ela quer resolver seus próprios problemas
psicológicos pessoais, e assim, ao exercer sua profissão, o psicólo-­ Em 1947, após o Tribunal Internacional de Nuremberg ter definido
os crimes contra a humanidade, um tribunal americano encarrega-­
go trás consigo todos estes problemas, deixando escapar dicas do de julgar os atos de "barbárie científica" cometidos pelos médicos
sutis, mas eficazes, que influenciam negativamente o comporta­ nazistas acabou por estabelecer o Código de Nuremberg, tendo em
mento dos outros, dos testandos no caso. Por exemplo, se o exa­ vista garantir que fossem respeitados os direitos das pessoas humanas
minador instintivamente gosta ou não gosta do testando, não irá que viessem a participar de experimentos médicos ou científicos. O
ele sinalizar, de alguma forma, através do seu comportamento, princípio essencial estabelecido por esse Código é de que toda expe-­
tal sentimento? E se o fizer, o testando não será prejudicado em rimentação com seres humanos requer o prévio consentimento livre
seu desempenho no teste? Se o testando sai de lá com a impressão e esclarecido do sujeito participante. Assim, com base nesse princí-­
de que o psicólogo foi antipático, rude, etc., então certamente pio são feitas recomendações práticas que o complementam e que
foi negativamente influenciado pelo examinador. O psicólogo é servem como normas éticas para a realização de experimentos cien�
tírlcos.
um ser humano como todos os outros, com seus problemas, mas é
também um técnico ou perito que deve ter desenvolvido algu­ No ano seguinte, surge um documento fundamental ao movimento
mas habilidades próprias da profissão, das quais obviamente ele ético. Por considerar que as democracias anteriores à Segunda Grande
deve fazer uso em situações como a testagem psicológica. A pri­ Guerra haviam sido complacentes com as ditaduras e que estas, por
meira delas, quiçá, seria a de um autoconhecimento mais elabo- seu lado, acabavam por colocar em perigo a paz internacional, a
TÉCNICAS DE EXAME PSIC'OLÓGICO - TEP TESTES PSICOLÓGICOS: CONCEITOS, HISTÓRIA, T!POS E USOS 45

Comunidade Internacional dos Juristas proclama a Declaração Uni­ quisa na área biomédica envolvendo seres humanos deverão ser
versal dos Direitos do Homem, destinada a promover sua proteção "revisados" por Comitês de Ética e de acordo com as normas
contra os regimes ditatoriais e que foi adotada pela Assembléia Ge­ estabelecidas na Declaração. Essa recomendação se estende à
ral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. publicação dos resultados de pesquisas, que, como os projetos,
deverão ser "revisados" eticamente.
Outro documento importante desse período inicial do movimento
ético é o Manifesto Russell-Einstein, lançado em 1955, em resposta De acordo com Ambroselli (1987), a Declaração de Helsinque
às monstruosidades das duas guerras e também em função das novas exerceu uma dupla influência sobre o movimento ético: primei­
ameaças trazidas pela "Guerra Fria". Esse Manifesto nos é apresenta­ ro, diz, pela instalação dos comitês de ética, notadamente nos Esta­
do por Toulouse (1998: 43) como o primeiro reconhecimento solene dos Unidos, encarregados de fazer cumprir essas diretivas pelos pro­
pelos cientistas de uma responsabilidade coletiva pelo impacto social da motores de pesquisa ou pelas revistas cientificas que publicavam es­
ciência. Ao Manifesto segue-se o estabelecimento da Conferência sas pesquisas (pp. 6-7). Em segundo lugar, ela acrescenta, sua
Pugwash para as Ciências e Questões Mundiais, fórum da comuni­ influência deu�se de modo indireto. Por pressão de financiadores
dade científica internacional para a promoção ativa dos valores uni­ de pesquisa norte-americanos, outros países começaram a desen­
versais de racionalidade e objetividade e que se propõe, diz Toulouse, volver comitês de ética.
estar ao lado e acima das divisões políticas e ideológicas (p. 34).
No final dos anos sessenta e durante os setenta, surgem novas
Todavia, apesar desse esforço ético, sabemos por experiência própria preocupações e contestações da sociedade quanto aos efeitos
que as ditaduras e as guerras não deixaram de existir nos últimos nocivos do "progresso científico" sobre a saúde humana e do
quarenta anos. De modo semelhante, o Código de Nuremb�rg mos­ planeta: os efeitos de radiações, as div�rsas formas de poluição
trou-se logo insuficiente para garantir o bem-estar dos su1e1tos de industrial, a perspectiva de esgotamento dos recursos naturais,
pesquisas contra os cientistas desejosos de uma ciência sem frontei­ a explosão demográfica etc. Outra fonte de inquietações provi­
ras ou limites. Assim, surge, em 1964, a Declaração de Helsinque, nha, nessa época, da emergência de avanços técnicos em
adotada pela 18' Assembléia Médica Mundial e depois emendada biomedicina que davam origem a fenômenos espantosos: trans­
nas Assembléias de 1975 (Tóquio) e de 1983 (Veneza), e que con­ plante de órgãos, diagnóstico pré-natal, fecundação in vitro, de­
tém recomendações destinadas a guiar os médicos nas pesquisas finição de morte legal etc. Assim, em 1975, biológos-geneticistas,
biomédicas. reunidos em Conferência por iniciativa da Royal Society britânica
e da NAS americana, decretaram a "moratória de Asilomar" refe­
rente aos organismos geneticamente modificados. De acordo com
O bem-estar dos sujeitos da pesquisa como prioridade
Ambroselli (1987), essa moratória fez surgir comissões nacionais de
e os Comitês de Ética segurança e comitês de ética criados por instâncias governamentais
para fazer frente ao perigo potencial das moléculas de DNA
A Declaração de Helsinque reafirma o princípio do consenti­ recombinadas (p. 9) denunciado no próprio título da Conferência
mento livre e esclarecido e coloca o bem-estar do sujeito como de Asilomar".
prioritário quando afirma: Na pesquisa médica os interesses da ci­
ência e aqueles da sociedade não devem jamais prevalecer sobre o Com base nestes princípios, os comitês de ética em Psicologia.
bem-estar dos sujeitos (apud Ambroselli, 1987: 8). Mas a maior inclusive no Brasil, vêm elaborando normas que devem ser seguidas.
inovação trazida por essa declaração, nos infor.!11-a Ambroselli, é ª
. na aplicação de testes. De um modo geral, estas normas podem ser
proposta do estabelecimento dos Comitês de Etica, uma tentati­
va da comunidade científica no sentido de lutar contra certos resumidas segundo as Normas para a Testagem Educacional e Psicoló­
experimentos escandalosos em execução, notadamente nos Estados gica da American Psychological Association (APA, 1985. apud
Unidos (p.6). Assim, a partir dessa data, todos os projetos de pes- Cronbach, 1996, p. 97) nos seguintes pontos:
TÉCNICAS DE EXAME Ps1coLóG1co - TEP TESTES PSICOLÓGICOS: CONCEITOS, HISTÓRIA, TIPOS E USOS

1. Deve ser obtido o consentimento informado dos testandos ou psicotécnico indicasse se o candidato está apto ou não para 0
de seus representantes legais antes da realização da testagem. cargo em disputa, esta é a única informação relevante e neces�
As exceções a esta regra são: (a) testagem por determinação legal sária para o empregador; todo o resto de informação que 05
(perícia) ou governamental (testagem nacional), (b) testagem testes produzem é privilégio individual do candidato, e somen­
como parte de atividades escolares regulares e (c) testagem de te ele tem direito a tais informações.
seleção, em que a participação implica consentimento.
2. O sigilo e a segurança dos resultados dos testes devem, em ge­
2. Em aplicações escolares, clínicas e de aconselhamento, os ral, seguir as normas do sigilo entre profissional e paciente, si­
testandos têm direito a explicações em linguagem que eles com­ milarmente ao sigilo médico. Assim, (a) os arquivos devem ser
preendam sobre resultados que os testes irão produzir e das reco­ seguros, de modo que ninguém possa ter acesso a um dado caso
mendações que deles decorram. sem autorização específica do profissional responsável, (b) as iden­
tidades dos indivíduos devem ser codificadas, de tal forma que
3. Em aplicações escolares, clínicas e de aconselhamento, quando somente o profissional responsável seja capaz de identificar e,
os escores são utilizados para tomar decisões que afetam os (c) em processos judiciais, o juiz pode pedir abertura de registros
testandos, estes ou seus representantes legais têm o direito de sigilosos. Como proceder em tais casos? Este problema não tem
conhecer seu escore e a sua interpretação. ainda solução satisfatória na prática e é causa de diatribes que
normalmente são resolvidas em tribunal de jusriça. Normalmen­
te, o juiz quer sempre mais do que o psicólogo está disposto a
5.4. Sigilo e divulgação dos resultados oferecer, amparando-se este no sigilo profissional... De qualquer
forma, o indivíduo não pode sair indevidamente prejudicado com a
Com respeito à divulgação do resultado dos testes, devem ser se­
exposição das informações sigilosas.
guidas as normas do sigilo profissional. Os seguintes pontos esclarecem
alguns dos princípios a serem seguidos pelo psicólogo profissional: 3. Quanto ao formato do laudo psicológico, daremos detalhes
1. Quem tem direito aos resultados dos testes? Certamente o no capítulo sobre este assunto.
candidato que se submeteu aos testes tem o direito a toda e
4. O Código de Ética do Psicólogo no Brasil (CFP, 1987) diz o
qualquer informação que desejar. Concomitante a este direito
seguinte sobre esta questão:
a todo o conteúdo dos testes, o psicólogo deve respeitar tam­
bém o princípio do consentimento infomuulo do candidato, o Art. 02 - Ao Psicólogo é vedado:
qual lhe dá o direito a que o psicólogo utilize uma linguagem b) Apresentar, publicamente, através dos meios de comunicação,
acessível com referência a qualquer informação relevante que resultados de psicodiagnóstico de indivíduos ou grupos, bem como
os testes produzem. Também tem direito aos resultados o interpretar ou diagnosticar situações problemáticas, oferecendo so�
solicitante da testagem, como o dono da empresa no caso da luções conclusivas;
seleção, ou o juiz no caso da perícia judicial. O direito destes, !) Interferir na fidedignidade de resultados de instrumentos e técni­
entretanto, não é sobre todos os resultados dos testes; eles ape­ cas psicológicas;
nas têm direito às informações estritamente necessárias à res­ m) Adulterar resultados, fazer declarações falsas e dar atestado sem
posta da solicitação. Assim, se a solicitação foi a de que o a devida fundamentação técnico�científica.
TÉCNICAS DE EXAME PSICOLÓGICO - TEP TESTES PSICOLÓGICOS: CONCElTOS, HISTÓRIA, TIPOS E USOS
49

Art. 03 -São deveres do psicólogo nas suas relações com a pessoa Art. 23 -Se o atendimento for realizado por Psicólogo vinculado a
atendida: trabalho multiprofissional numa clínica, empresa ou ínstituição, ou a
_
a) Dar à(s) pessoa(s) atendida(s) ou, no caso de incapacidade pedido de outrem, só poderão ser dadas informações a quem as
desta(s), a quem de direito, informações concernentes ao trabalho a solicitou, a critério do profissional, deritro dos limites do estritamente
ser realizado; necessário aos fins a que se destinou o exame.
b} Transmitir a quem de direito somente informações que sirvam de Parágrafo 1 - Nos casos de perícia, o Psicólogo tomará todas as
subsídios às decisões que envolvem a pessoa atendida; precau7�es, a fim de que só venha a relatar o que seja devido e
c) Em seus atendimentos, garantir condições ambientais adequadas necessarto ao esclarecimento do caso.
à segurança da(s) pessoa(s) atendida(s), bem como à privacidade
que garanta o sigilo profissional. Parágrafo 2 -O Psicólogo, quando solicitado pelo examinado, está
obngado a fornecer a este as infonnações que foram encaminhadas
Art 06 - [O Psicólogo em lnsrituições Empregadoras] -O Psicó­ ao solicitante e a orientá�lo em função dos resultados obtidos.
logo garantirá o caráter confidencial das informações que vier a
receber em razão de seu trabalho, bem como do material psicoló­ Art. 24 - O Psicólogo não remeterá informações confidenciais a
gico produzido. pessoas ou _,entidades que não estejam obrigadas ao sigilo por
Código de Etica ou que, por qualquer forma, permitam a estra­
Parágrafo 1 - Em caso de demissão ou exoneração, o Psicólogo nhos o acesso a essas informações.
deverá repassar todo o material ao Psicólogo que vier a substituí�lo.
Parágrafo 2 - Na impossibilidade de fazê-lo, o material deverá
ser lacrado na presença de um representante do CRP, para so � Sugestões para Debate em Sala de Aula
mente vir a ser utilizado pelo Psicólogo substituto, quando, então,
será rompido o lacre, também na presença de um representante do • Diferenciação entre Avaliação Psicológica e Testes Psicológicos.
CRE • As etapas componentes do processo de Avaliação Psicológica.
Parágrafo 3 - Em caso de extinção do serviço psicológico, os arquivos • A concepção de ciência e de homem orientando a compreen­
serão incinerados pelo profissional responsável, até aquela data, por
este serviço, na presença de um representante do CRP. são de Teste Psicológico.
• Os primeiros teóricos da testagem e suas influências na Avalia­
Art. 19- [O Psicólogo e a Justiça] -Nas perícias, o Psicólogo agirá
com absoluta isenção, limitando�se à exposição do que tiver conhe� ção Psicológica atual.
cimento através do seu trabalho e não ultrapassando, nos laudos, o • As limitações dos Testes Psicológicos.
limite das informações necessárias à tomada de decisão.
• Testes psicométricos e Testes impressionistas: contribuições e
Do Sigilo Profissional limitações.
Art. 21-0 sigilo protegerá o atendido em tudo aquilo que o Psicó­
logo ouve, vê ou de que tem conhecimento como decorrência do
• O computador: um parceiro necessário para o psicólogo?
exercício da atividade profissional. • Aplicação dos testes psicológicos e as situações adversas: a éti­
Art. 22 - Somente o examinado poderá ser informado dos resulta­ ca do psicólogo.
dos dos exames, salvo nos casos previstos neste Código. Contribuição de Patrícia Waltz Sche!mi e Nilton César Barbosa
.; - TESTES PSICOLÓGICOS: CONCEITOS, HISTÓRIA, TIPOS E USOS
TID\JICAS DE EXAME PSICOLÓGICO - TEP

• Respeito aos direitos dos testandos e a influência do exa- medida, fazendo uso de números para descrever os fenômenos
minador. psicológicos; já os impressionistas estão fundamentados na des­
crição lingüística. Assim, enquanto os testes psicométricos
• A quem serve a Avaliação Psicológica? medem, os impressionistas caracterizam o indivíduo. Quanto
• Todos os psiçólogos devem fazer uso de Testes Psicológicos? ao construto, os testes de capacidade avaliam a aptidão geral,
• aptidões específicas e a psicomotricidade; os testes de prefe­
Quais as críticas feitas aos Testes Psicológicos? Elas realmente
rência procuram caracterizar a personalidade, as atitudes e va­
são pertinentes?
lores e os interesses.
• Qual a sua compreensão pessoal sobre os Testes Psicológicos? Pro­
cure discutir sua visão com seus colegas e seu professor, ressai� 4. Uso dos testes: a classificação, a promoção do autodesenvolvimen­
tando os aspectos positivos e negativos da testagem psicológica. to, a intervenção, a avaliação de programas e a pesquisa científica
constituem as principais áreas em que os testes são utilizados.

5. Aplicação dos testes psicológicos: os testes psicológicos devem


Resumo ser aplicados por psicólogos, e na apresentação dos instrumentos
os seguintes cuidados devem ser tomados: os procedimentos de
1. Avaliação Psicológica: através dos mais variados métodos e padronização (instruções, formas de apresentação do material...),
técnicas, a avaliação objetiva descrever e classificar compor­ descritos nos manuais dos testes, precisam ser seguidos; o ambi­
tamento. A avaliação psicológica deve estar baseada no méto­ ente físico deve ser confortável ao examinando e isento de vari­
do científico da observação, e as inferências precisam seguir os áveis externas que atrapalhem a testagem (tais como, ruídos e
procedimentos relacionados ao teste de hipóteses. Além disso, interrupções); o testando deve estar em condições normais de
a avaliação inclui três etapas: a identificação das necessida­ saúde; o rapport precisa ser estabelecido.
des, comportamentos e processos psicológicos; a integração das
descrições e dos escores; a inferência e a intervenção.

2. Testes Psicológicos: um teste psicológico pode ser caracteri­ Bibliografia


zado como um conjunto de tarefas que o sujeito executa em
uma situação sistematizada. O teste permite que os comporta­ AMBROSELLI, C. (Org. - 1987). Comitês d'Éthique a Trauers Le Monde:
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WISSLER, C. ( 1901 ). Correlation oi mental and physical traits. Psychological 2, os testes precisam ser apropriadamente utilizados.
Monographs, 3, no. 16.
O problema do embasamento científico é discutido neste capí­
tulo e no capítulo 3, onde será demonstrado que os testes apresentam
as qualidades necessárias para se oferecerem como instrumentos váli­
dos e fidedignos de um ponto de vista da teoria científica. No capítu­
lo 4 será discutido o uso adequado dos testes, e serão expostas as
condições necessárias para garantir que o uso de testes válidos e pre­
cisos possa produzir protocolos ou resultados pertinentes e válidos.
Com respeito ao embasamento científico dos testes psicológi­
cos, devemos de início salientar o que dissemos no capítulo 1, a
5S TÉCNICAS DE EAAME Ps1cou:Xnco - TEP FUNDAMENTOS CIENTÍFIC'OS DOS TESTES PSICOLÓülCOS 59

saber, que os testes psicológicos ou os instrumentos psicológicos em se chama de medir. Assim, os testes psicológicos fazem a suposição
geral, em sua grande maioria, são testes psicométricos, isto é, medi-­ de que a melhor maneira de observar um fenômeno psicológico
das do comportamento humano que se enquadram dentro da teoria (observação é o método da ciência) é por meio da medida (postu­
quantitativista em ciências. Isso implica que eles pressupõem e se lado da Psicometria). Entretanto, ao se dizer que os testes são
fundamentam no conhecimento dos fundamentos da medida em medidas e, portanto, caírem sob os parâmetros da quantificação e
ciências, isto é, da teoria da medida e, mais particularmente, da da mensuração, deve-se igualmente dizer desde já que não será a
teoria da medida em Psicologia, ou seja, da Psicometria. Ademais, matemática, dona do sistema numérico utilizado pela ciência na
existem dois tipos de Psicometria, uma chamada a Teoria Clássica mensuração, que vai ditar o objeto nem o método científico de
dos Testes, ou a TCT, e a Teoria de Resposta ao Item ou TRI, a conhecimento da realidade psicológica. Ciência e matemática são
teoria mais moderna da Psicometria. Desta forma, para fundamen­ dois sistemas de conhecimento ou saber epistemologicamente, isto
tar epistemologicamente os testes psicológicos, neste capítulo de­ é, do ponto de vista da filosofia da ciência, distintos e irredutíveis
vemos falar sobre três questões: um ao outro. A Tabela 2-1 procura tornar esta problemática clara,
• a teoria da medida em ciência; onde se vê que, sob nenhum parâmetro epistemológico, os dois
• a teoria da medida em Psicologia: Psicometria; sistemas de conhecimento se identificam. São, conseqüentemen­
• as duas teorias da Psicometria: a TCT e a TRI. te, distintos e independentes. De fato, seus objetos de conheci-­
mento, seus métodos e seus critérios de verdade são totalmente
diferentes e irredutíveis entre si.

A. Teoria da Medida Tabela 2.1. Enfoque epistemológico de ciência e matemática


Sistema Objeto Atitude Metodologia Verdade Certeza Critério de
Teórico Verdade
Nesta parte do capítulo, vamos falar o que é medida, da sua
Ciência Fenômenos Empírica Observação Fato Relativa Teste Empírico
legitimidade e utilidade na ciência, bem como dos vários tipos possí­ {empírica) naturais e Controle
veis de medida e dos procedimentos utilizados para se fazer a medida; Matemática Símbolo Transcen� Dedução Teorema Absoluta Consistência
será também discutido o problema do erro de medida em ciências. numérico dental interna do
argumento

De repente, fica inicialmente estranho que, se a matemática


1 • Ciência e Matemática não tem nada a ver com a ciência como sistema de saber, se defenda
Os testes psicológicos são medidas de processos psicológicos. a medida em ciências, quando esta é definida precisamente como o
Isto quer dizer que os testes psicológicos são operações empíricas, uso dos números, objeto da matemática, no conhecimento dos fenô­
isto é, científicas, através das quais a Psicologia estuda cientifica­ menos naturais, estes sendo o objeto das ciências empíricas. De sor-­
mente seu objeto de estudo, ou seja, os processos psíquicos e o te que aparece como necessário ter que se demonstrar que este
comportamento deles decorrente. Contudo, eles descrevem estes procedimento, isto é, a medida em ciências, é um procedin1enro
processos fazendo uso dos números em lugar da linguagem, e isto legítimo e útil. É o que pretendemos fazer a seguir.
TÉCNICAS DE EXAME PsIC'OLÔGICO - TEP FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS DOS TESTES PSICOLÓOICOS ói:

ser organizados numa seqüência invariável ao longo de uma escala


2. Legitimidade da Medida: linear crescente. Diz-se, então, que eles podem ser organizados numa
O Princípio do Isomorfismo seqüência monotônica crescente: o 2 é maior que o 1, o 3 é maior que
o 2, e assim por diante. Esta categoria também contém vários axiomas:
Será legítimo e, portanto, válido ·o uso de números na observa­ • assimetria: se a > b, então b te a. A ordem dos termos não
ção dos fenômenos naturais se e somente se, ao se proceder de tal pode ser invertida. O a é diferente de b, na verdade, ele é
forma, sejam salvas a natureza, a especificidade e as propriedades maior que b, pois a diferença entre eles é de grandeza;
estruturais tanto da ciência quanto da matemática; isto significa • transitividade: se a > b, e b > c, então a > c;
afirmar que, ao se proceder à medida, sejam salvos tanto os axiomas • conectividade: ou a > b ou b > a. Somente uma das duas
do número quanto os dos fenômenos naturais que as ciências estu­ pode ser verdadeira: ou a é maior que b ou este é maior
dam. que a; são afirmações que se excluem mutuamente;
• ordem--denso: os números racionais são tais que entre dois
números inteiros há sempre um número racional, isto é, o
2.1. Os axiomas dos números intervalo entre dois inteiros não é vazio.
Russell, emseuPrincipiaMathematica (3 vols., 1910-1913, 1937),
elencou nada menos do que 2 7 axiomas que definem a natureza dos
Axiomas da Aditividade
números. Destes axiomas, serão aqui mencionados os que têm direta-­ Os números podem ser somados de tal forma que dois números
mente a ver com o nosso problema da medida. Estes axiomas podem produzem um terceiro número, que é exatamente a soma das gran­
ser categorizados sob três grandes vertentes: os axiomas da identida­ dezas dos. dois números somados. Assim, se somarmos a 4 o número
de, da ordem e da aditividade. 3, estes dois números somados produzirão um outro número que é
exatamente a soma das grandezas deles, a saber, o 7. Os números se
Axiomas da identidade criam uns aos outros. Frege (1884) dizia que, para definir todos os
números, basta definir o que é o O, o 1 e a regra de continuação.
Estes axiomas dizem respeito ao conceito de que uma coisa é
Note que a operação de adição inclui as outras operações (mul-
igual a si mesma e somente e la é idêntica a si mesma, e que se
tiplicação, divisão e subtração). Assim,
distingue de todas as outras coisas, sendo o número uma dessas
adição: 4+2=6
coisas. Sob esta categoria se situam os axiomas de
subtração: 6 - 2 = 4 é o mesmo que 6 + (-2) = 4
• reflexividade: se a = a, então b te a. Isto é, os números ou são
multiplicação: 2 X 4 = 8 é o mesmo que 2 + 2 + 2 + 2 = 8
idênticos ou são diferentes; divisão: 6 + 2 = 6 X 1 + 2 = 3 é o mesmo que 1 + 2 +
• simetria: se a = b, então b = a; 1+2 + 1+2 + 1+2 + 1+2 + 1+2.
• transitividade: se a = b, e b = c, então a = e. Duas coisas iguais
a uma terceira são iguais entre si. Esta categoria apresenta dois axiomas:
Comutatividade: a + b é idêntico a b + a. A ordem dos termos
Axiomas da ordem
não altera o resultado da soma.
Os números não somente são diferentes entre si sob qualquer Associatividade: (a + b) + c é igual a a + (b + c). A ordem de
a,-pecto, mas esta diferença o é em termos de quantidade, de grandeza, associação ou de combinação dos termos não altera o resultado.
de magnitude. Assim, os números, quando diferentes entre si, podem
fUNDAM.ENTOS ClENTil'ICOS DOS TESTES PSICOLÓGICOS
TÉCNICAS DE E}(,'\ME PsICOLÓGICO - TEP

rabiscos torna-se rapidamente difícil, porque eles começam a se tor­


2.2. Axiomas da medida nar semelhantes demais e confundem a identifkação, ao passo que
Sendo uma operação empírica em cima da realidade, a medi­ há um número infinito de números diferentes e claramente distin­
da, ao utilizar os números para descrever esta realidade, deve sal­ tos uns dos outros. Por exemplo, se tenho 100 objetos para diferenci­
var, nesta sua operação, os axiomas dos números. Se nesta operação ar, posso usar 100 rabiscos diferentes, mas seria uma tarefa mais fácil
se salvar pelo menos um dos axiomas dos números, a medida já se fazer tal discriminação com os números. Agora, imagine se tenho
torna logicamente legítima. Claro é que se apenas um axioma dos 100 mil objetos para distinguir, como vou inventar 100 mil rabiscos
números é salvo, a medida não se torna muito útil para o propósito diferentes? Pois os números estão ali para isso.
de descrevermos vantajosamente os fenómenos naturais. De fato,
quanto mais axiomas dos números forem salvos na medida, mais útil 2) Axiomas de ordem. Estes axiomas afirmam que, na medi­
esta se torna para a descrição da realidade empírica. Vejamos, en­ da, a ordem dada pelos números ao serem atribuídos aos vários
tão, que axiomas dos números a medida pode salvar. objetos expressa uma ordem igual nestes objetos ou, em outras
palavras, a ordem dada pelos números corresponde exatamente à
1) Axiomas da identidade. Não é difícil demonstrar que os ordenação dos objetos feita empiricamente. Assim, se tenho três
axiomas de identidade dos números encontram similares isoformos pedaços de p aus de tamanhos diferentes, posso ordená-los
na realidade empírica. Estes axiomas simplesmente dizem que um manipulativamente do pequeno ao grande, de sorte que temos a
número é idêntico a si mesmo e somente ele o é, sendo diferente de ordem empiricamente estabelecida de pequeno, grande, grandão,
todos os outros números. Ora, isto também é verdade para qualquer que poderia ser expressa como 1, 2 e 3, ou qualquer outra seqüên­
fenómeno natural, pois cada um deles é único no cosmos; nada é cia de números, desde que o segundo número da série seja maior
idêntico a uma coisa senão a si mesma. Quando se fala de identida­ que o primeiro e o terceiro maior que o segundo, para assim salvar
de, fala-se de identidade total, isto é, não se fala de semelhança ou a ordem, tanto dos números quanto dos objetos ordenados pelo
parecença, mas de igualdade total. Então, uma coisa pode ser se­ seu tamanho. No caso de termos apenas três tamanhos, o uso dos
melhante a outras coisas, mas ela e somente ela é idêntica a si mes­ números não parece trazer muita vantagem sobre a descrição ver�
ma. Conseqüentemente, temos aqui já um isomorfismo completo bal do fenómeno. Mas imagine se queremos falar de 10 objetos de
entre números e a realidade empírica, legitimando a medida. Claro tamanhos diferentes, como iríamos descrever sua ordenação? Co­
que, neste caso, a medida está utilizando os números apenas no seu meçaríamos com o menor deles dizendo que ele é pequeníssimo, o
caráter de unicidade exclusiva; assim, para descrever dois objetos segundo. chamaríamos de um pouco menos pequeníssimo, até che­
empíricos, utilizamos dois números diferentes. Nesta situação, basta garmos a descrever o décimo como grandíssimo mesmo. Seria uma
que os números sejam diferentes para designar dois objetos diferen­ tarefa confusa e, quando os objetos aumentarem (imagine mil ob­
tes; para tanto, aliás, quaisquer dois rabiscos diferentes servem, in­ jetos de tamanhos diferentes), uma tarefa impossível. Pois, os nú­
clusive dois números diferentes. A vantagem, neste caso, de utilizar meros nos facilitam a vida nesta tarefa.
números em lugar de quaisquer outros .rabiscos consiste no fato de Quando os objetos têm tamanhos diferentes, basta colocá-los
que a natureza do número é bem mais conhecida; aliás, ela é co­ uns ao lado dos outros e ordená-los de tal forma que aquele que
nhecida nos seus íntimos detalhes, mais do que a natureza de qual­ aparece acima de todos será o último da fila, e o que aparece abai.xo
quer outro rabisco, o que vem trazer .maior precisão e menos ambi­ de todos será o ptimeiro da fila, e fazendo o mesmo com os restantes
güidade na descrição dos objetos empíricos. Além disso, diferenciar entre si, obteremos empiricamente uma ordem crescente de objetc,s.
TÉCNICAS DE EXA.ME PSICOLÓGICO - TEP FUNDAMENTOS ClENTfFK,--OS DOS TESTES PSICOLÓGICOS 65

ordenados pelo tamanho. Coisa similar posso fazer com o peso dos 3) Axiomas de Aditividade. A demonstração empírica destes
objetos e mesmo com a dureza deles por meio da prova do arranhar (o axiomas já é bem mais problemática. Contudo, ela é viável com cer­
objeto que arranha outro e não é por ele arranhado, é mais duro, tas propriedades das coisas, como no caso das propriedades extensi­
etc.). Mas você poderá argüir: sim, isto é verdade com comprimento, vas, a saber, tamanho, peso, duração temporal e também no caso das
peso e propriedades parecidas. Mas e com propriedades mais sutis probabilidades disjuntivas. Estes axiomas dizem respeito ao fato
como a cor, e com propriedades psicológicas? Bem, em primeiro lugar, de que grandezas podem ser somadas para produzir uma grandeza
para provar a legitimidade da medida, não preciso provar que ela maior, que é exatamente a soma das duas originais. Como posso
pode ocorrer em todas as instâncias possíveis, isto é, que ela seja pos­ demonstrar que isso ocorre com as propriedades das coisas? Imagi­
sível com respeito a todas as propriedades de todas as coisas. Para ne o seguinte: tenho um pedaço de giz de comprimento X. Eu
provar a legitimidade, basta provar uma única instância. E isso foi quebro este pedaço em dois e tenho o pedaço A com tamanho R e
feito já para mais de uma instância, a saber, tamanho, peso, dureza. tenho o pedaço B com tamanho S. Se concatenar A com B, estou
Além disso, posso mostrar que em outras instâncias mais sutis tam­ somando o tamanho R com o tamanho S e produzindo exatamente
bém se pode demonstrar a existência de ordem nas propriedades das o tamanho X, isto é, R + S = X. Pois isso é adiúvidade: duas grandezas
coisas. Imagine o seguinte: tenho 20 tarefas de solução de problemas menores concatenadas produzem uma grandeza não somente mai;
de aritmérica. Cinco sujeitos tentaram resolver estes problemas: ape­ or e de mesma natureza, mas maior no sentido de ser exatamente
nas um conseguiu resolver um problema, um resolveu 5, outro 10, a soma das duas grandezas menores e da mesma natureza, porque
outro 15 e um conseguiu resolver todos os 20. Está na cara que o duas grandezas menores de comprimento produzem uma grandeza
sujeito que resolveu os 20 problemas tem mais habilidade para resol­ maior de comprimento. Então, existe aditividade nas proprieda­
ver tais problemas que qualquer dos outros. Conseqüentemente, existe des das coisas, exatamente como existe a aditividade dos números.
diferença de "tamanho" na habilidade para resolver esses problemas.
Assim, posso ordenar estes sujeitos em termos de magnitude desta 2.3. Níveis da medida (escalas de números)
habilidade numa ordem crescente que vai do sujeito que respondeu
corretamente a apenas um problema, até àquele que respondeu todos Foi dito que quando aplico os números para descrever os fenôme­
corretamente; e, para facilitar minha tarefa, posso utilizar os números nos naturais, estou medindo, e que basta salvar um dos axiomas do
para descrever esra ordenação, por exemplo, de 1 a 5 e dizer que o número para que ra1 procedimento seja considerado legírimo. Foi dito,
sujeito a quem atribuí valor 5 tem mais habilidade que aquele a quem ainda, que, se forem salvos neste processo apenas um dos axiomas do
arribuí 4, etc. Posso fazer isso porque a ordem dos números correspon­ número (por exemplo, a identidade), não se sai ganhando muito em
de exatamente à ordenação que empiricamente fiz dos 5 sujeitos em utilizar os números para a descrição da realidade com relação a utilizar
termos de resolução dos 20 problemas. Há isomorfismo completo (1 simplesmente a linguagem. Se neste processo, porém, puder salvar mais
por 1) entre estas duas ordenações. Elas não são análogas, são idênti­ axiomas do número, mais útil se toma a descrição do fenômeno natural
cas, isoformas. Assim, as propriedades das coisas apresentam ordem através do número. Disso segue diretamente que existem níveis dife­
de grandeza, como os números têm por natureza esra ordem. Agora, rentes de medida: umas muito primitivas e outras mais sofisticadas, e a
todas as propriedades da realidade empírica possuem grandeza? Den­ distinção entre elas depende precisamente de quantos axiomas do nú­
tro deste modo de pensar, diríamos que sim. Pelo menos este é um mero são salvos quando eles são utilizados para descrever a natureza.
postulado da Psicomerria; todos os atributos da realidade são dimen­ Assim, podemos concluir que, para que seja legitimada (logicamente
St.,�S isto é, possuem magnitude.
._ válida), não é necessário que a medida salve todos os axiomas dü nú-
66 TÉCNICAS DE EXAME Ps1cmóo1co - TEP FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS DOS TESTES PSICOLÓOICOS 67

mero. Basta salvar um deles para que ela seja justificada. Contudo, mas dos números. Assim, temos vários túveis na medida, a saber, me�
quanto mais axiomas do número ela salvar,. melhor, mais adequada, dida ordinal (salva os axiomas de ordem), medida intervalar (além
será a medida, donde surge a questão dos níveis ou das escalas de dos axiomas de ordem, ela salva o aspecto da distância igual dos in­
medida, a saber, o nível da medida depende do número e do tipo de tervalos, característica dos axiomas de aditividade) e medida de ra­
axiomas do número que ela salva. Os axiomas de identidade do núme­ zão (a medida salva todos os axiomas de identidade, de ordem e de
ro são facilmente salvos pela medida, dado que qualquer coisa, como aditividade). A Figura 2-1 ilustra como surgem os vários níveis de
vimos, possui esta característica de ser igual a si mesma. Na verdade, se medida e a Tabela 2-2 mostra as conseqüências que eles apresentam
a medida somente salvar os axiomas de identidade dos números, não se para o uso das estatísticas com os números que se enquadram dentro
trata exatamente de mensuração, dado que o número é apenas utiliza­ de um nível específico de medida.
do para identitlcai; etiquetai; objetos. Neste caso, qualquer rabisco pre­
enche a função de discriminar categorias ou classes de objetos, pois se Origem
trata simplesmente de identificar e diferenciar uma classe da outra,
trata-se de classificação e não de mensuração. Pode-se chamar a isto Não-natural Natural
de medida, uma vez que medir, num sentido muito amplo, significa
utilizar os números para descrever as coisas empíricas. Medir, contudo, Não-igual Ordinal Ordinal
significa atribuir números às propriedades dos objetos e não aos próprios Intervalo
objetos, como se faz na classificação, em que são os objetos e não suas Igual Intervalar Razão
propriedades que estão sendo classificados. Segue, como conseqüência
disto, que a medida começa quando se salvar, pelo menos, algum axioma Figura 2-1. Origem das escalas de números
de ordem dos números. Como você se lembra, as categorias de axiomas
do número são identidade, ordem e aditividade. Então, para podermos Tabela 2-2. Características das escalas numéricas de medida
falar em medida em sentido estrito, deve-se salvar, pelo menos, os axi­
omas de ordem. Disso segue também que a diferenciação em níveis da Escala Axiomas lnvariân- Liberdades Transformações Estatísticas
Salvos cias Permitidas Apropriadas
medida não surge dos axiomas de ordem, pois toda a medida deve
possuir tal característica. Eles devem surgir dos axiomas de aditividade. Nominal - identidade - ordem Permutação Fr eqüências:
- intervalo (troca 1 por 1) f, %, p, Mo. qui2, C
Será útil, para esta argumentação, distinguirmos dois aspectos impor­ - origem
tantes dos axiomas de aditividade, a saber: estes axiomas implicam que - unidade
a escala (de números) possui uma origem natural (o número O) e um Ordinal - identidade - ordem - intervalo Monotônica Não-paramétricas:
intervalo igual (distância) entre os números. Desta forma, a medida se - ordem - origem crescente Md, rs. LI, etc.
aprimora quanto mais características ela salvar dos números, além ob­ - Unidade (isotonia)
viamente de salvar a ordem, também salvar a origem e o intervalo. Se Intervalar - identidade - ordem - origem Linear de tipo Paramétricas:
ela não salvar nem a origem natural, nem o intervalo constante que os - ordem - intervalo - unidade Y = a+bx M, DP, r, t, f, etc.
- aditividade
números naturalmente apresentam, a medida não passa de ordinal,
p;:,is ela salva apenas os axiomas de ordem dos números. Na medida em Razão - identidade - ordem - unidade Linear de tipo M geométrica,
- ordem - intervalo y = bx Coef. de variaçãc.
que ela salva o intervalo ou a origem, ou ambos, a medida se toma de - aditividade - origem (similaridade) Logaritmos
maior nível. Disse de maior nível precisamente porque salva mais axio-
TÉCNtCAS DE EXAME PSICOLÓGICO - TEP FUNDAMENTOS CIENTfFICOS DOS TESTES PSICOLÓGICOS 69

Qualquer escala de medida pode ser transformada numa outra medir todas as propriedades das coisas. Certas propriedades da rea­
equivalente se forem respeitados os elementos da invariância nesta lidade são tais que permitem uma mensuração direta, como, por
transformação. A invariância expressa aqueles axiomas que devem ser exemplo, o comprimento, o peso e outras (chamadas propriedades
salvos para que a escala transformada seja de mesma natureza que a extensivas); outras propriedades, no entanto, não permitem tal pro­
original. Assim, uma escala ordinal do tipo: cedimento, como cores, habilidades (propriedades não-extensivas
ou propriedades intensivas). De fato, se pudéssemos descobrir uma
1 2 5 9 20 unidade-base para cada propriedade empírica, então a tarefa de
pode ser transformada em qualquer outra que comece com qual­ medir seria sobremodo simplificada, pois bastava utilizar esta unida­
quer número, mas que os números a seguir sejam sucessivamente de para ver quantas delas seriam necessárias para cobrir toda a ex#
maiores que o anterior. Neste caso, não importa o número de origem tensão (magnitude) da propriedade em questão de tal e tal objeto.
e nem o intervalo entre os números; interessa apenas que se salve a Acontece, porém, que tais unidades-base praticamente apenas ocor­
ordem dos números. Assim, seriam transformações legítimas (esca­ rem com propriedades extensivas. Como conseqüência, devemos
las equivalentes) da escala acima as seguintes: admitir que existe mais de uma maneira ou forma de se proceder à
mensuração das propriedades das coisas, se elas são mensuráveis.
O 5 8 90 99
-10 -5 1 1000 10000
3.1. Formas de medida
Note que é permitido o uso de estatísticas paramétricas, como a
Há aqui diferentes maneiras ou taxonomias com respeito às
média, o desvio padrão, a correlação de Pearson etc., somente com
formas de medida. Distingue-se entre medida direta e indireta ou
escalas intervalares ou de razão, dado que somente estas salvam os
entre medida direta e derivada, ou outra forma qualqueL Contudo,
axiomas de aditividade, os quais permitem que os números sejam
somáveis, produzindo, portanto, escalas métricas. As escalas ordinais parece mais ilustrativa a taxonomia que distingue três formas de
mensuração: a medida fundamental, a medida derivada e a medida
(não-paramétricas) não produzem números somáveis; elas apenas fa­
zem os números expressarem pontos ou postos numa seqüência cres # por teoria (esta última chamada de medida per fiat por Campbell,
cente de valores, os quais podem estar a distâncias diferentes entre si,
1928, 1938).
não permitindo serem assim somados.
A Medida Fundamental
Este tipo de medida ocorre praticamente apenas com proprie­
dades extensivas da realidade ou para as propriedades para as quais
3. Procedimentos de Medida dispomos de unidades-base de medida (sobre estas, trataremos mais
Se for legítima a medida, isto é, utilizar os números para des­ adiante). Isto ocorre, por exemplo, com os atributos de comprimen­
crever os fenômenos naturais, como ficou demonstrado acima, pode­ to, massa e duração temporal. O que aparece como característico
se, então, perguntar como é que se aplicam concretamente estes nesta medida, é que o objeto utilizado para medir (o mensurante, o
números às propriedades das coisas? Trata-se do problema dos ins­ instrumento) possui a mesma propriedade que se quer medir no
trumentos que precisamos para efetuar este procedimento. objeto a medir (o mensurado). Neste caso, é suficiente emparelhar
O processo empírico de atribuir números às propriedades das coi­ o mensurante com o mensurado para ver com qual dos pontos do
sas não é simples nem é único, isto é, não há uma forma única de mensurante coincide o ponto final (extremo) do mensurado. Esta
FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS DOS TESTES PSICOLÓGICOS
70 TÉCNICAS DE EXAME PSICOLÓGICO - TEP

coincidência de pontos determina a grandeza do mensurado. Veja, (metros cúbicos), ou seja, D= k&, . A maioria dos atributos da realicia­
m
por exemplo, 0 caso do comprimento. Este é medido pelo metto, que de física é medida assim, através da medida derivada.
constitui um analógico composto de unidades-base de compnmento
e vai medir nada menos que comprimento no mensurado, isto é, o A Medida por Teoria
mensurante possui a mes ma propriedade que vai medir no Quando uma propriedade não permite medida fundamental nem
mensurado: comprimento. Razão pela qual a coincidência de pon­ derivada, pode-se recorrer à medida por teoria. Neste caso, procura-se
tos define a medida neste caso. Isto ocorre igualmente no caso da medir propriedades outras do objeto ou propriedades de outro objeto,
balança com a medida da massa e do relógio com a medida da du- que permitam medida fundamental ou derivada, com as quais a proprie­
ração temporal. , . dade em questão mantém algum tipo de relação, sem serem compo­
Contudo mesmo se podendo teoricamente proceder a medida nentes dela. Esta relação é estabelecida através de demonstração
fundamental �em sempre é isto praticamente factível. Imagine, por empírica (medida por lei} ou através da pura teoria (medida por teoria
exemplo, co�o é que se poderia medir com o metro as distâncias quase propriamente dita). O crucial nesta medida, e que a distingue da me­
infinitas entre as galáxias? Ou como medir a sua massa? Em talS �os, dida derivada, consiste no fato de que os atributos com os quais a pro­
é preciso que haja e é preciso recorrer a outras form�s ou estrategias priedade sendo medida está relacionada não são componentes dela,
para se poder proceder à medida, por exemplo, a medida denvada. mas apenas se mostrou empiricamente que há uma relação constante
entre eles ou ele e a propriedade sendo medida. Como é o caso com a
A Medida Derivada lei da viscosidade em Física e a lei do reforço em Psicologia. Neste
Muitos atributos da realidade que não permitem uma medida fun­
damental podem ser abordados por meio da medida deriva�a. Esta é .ª último caso, por exemplo, diz-se que a resposta do sujeito depende do
estímulo (expressa por meio de uma função de potência), mas o estí­
medida de uma propriedade de um objeto conseguida atraves da medi­ mulo não é um componente da resposta no sentido dado na medida
da fundamental de duas ou mais propriedades outras da realidade com derivada em que o componente é parte integrante da nature.:a da pro­
as quais a propriedade que estamos medind� tem rel�ção. Melhor, a priedade medida. Entretanto, ficou empiricamente demonstrado que
propriedade sendo medida é resultante de dolS ou ma1S c�mponent�s. tal relação existe. Assim, medindo (fundamental ou derivadamente} o
Se estes componentes permitem medida fundamental, entao a propne­ 'componente", obtemos uma medida da propriedade que nos interessa.
dade pode ser medida indiretamente, medindo os seus co'.'.'ponentes, No entanto, quando não existe uma tal demonstração empírica entre a
sendo assim a medida da propriedade uma função de potencia qual­ propriedade e os atributos outros que podemos medir, pode-se estabe­
quer entre as medidas dos seus componentes. Deve-s�, contudo, sali­ lecer tal relação através de uma teoria científica, o que é procedimen­
entar que O fato de os componentes comporem a propnedade_ em que�­ to trivial em ciência. Isso ocorre também em Física, por exemplo, com a
tão deve ter sido empiricamente demonstrado. Ele constltUI uma lei, medida das distâncias galácticas através da mensuração das linhas
isto é, uma hipótese empiricamente demonstrada, e não simplesmente espectrais. O argumento vai no seguinte sentido: medindo-se o afasta-
uma suposição teórica. Por exemplo, sabe-se (isto é, foi empiricamente • mento das linhas espectrais para o vermelho, está-se medindo a distân­
demonstrado) que a massa tem como componentes o volume e a densi­ \m entre as galáxias, dada a teoria que afirma que existe uma relação
dade: massa = volume x densidade. Desta forrria, densidade = massa ,!!istemática entre a distância de uma galáxia e, a velocidade do seu
por volume. Como para massa temos medida fundame:'tal, o quilogra­ ento. O mesmo vale para o efeito Doppler, ao afirmar de que
rna, e para volume igualmente, o metro (ao cubo), entao podem?s me­ luz que se afasta tende a espalhar as ondas espectrais, redUcindo
dir densidade em função de massa (quilos} pelo cubo do compnmento
TÉCNICAS DE EXNvlE PSICOLÓGICO - TEP FUNDAMENTOS CIEITT!Frcos DOs TESTES PSICOLÓGICOS 73

sua freqüência. Nestes casos, o importante é possuir instrumentos cali­ um padrão físico mais estável, por exemplo, o comprimento de ondas
brados para medir os atributos relacionados com a propriedade de inte­ espectrais de um elemento específico da tabela periódica. Klein (1974)
resse. Em ciências do comportamento, a maioria das medidas é do tipo conta toda esta história (veja também Luce e Suppes, 1986), sumarizada
medida por teoria, isto é, medimos uma propriedade de um objeto para na Tabela 2-3.
falar da propriedade de um outro objeto, sendo a relação entre estas
propriedades de objetos diferentes fundamentada numa teoria. Assim, Tabela 2-3. Unidades-base da Física
por exemplo, o escore num teste psicológico é a medida do comporta­
Atributo Unidade Sigla Padrão Físico (Definição do SI)
mento de um sujeito (número de respostas cortetas, por exemplo), mas
que diz estar representando ou medindo uma coisa chamada inteligência. Comprimento metro m "O metro é o comprimento igual a 1.650.763,73
comprimentos de onda no vácuo da radiação
correspondente à transição entre os níveis 2
3.2. Unidades de Medida pi O e 5 d 5 do átomo do Krypton-86.�
Massa quilograma kg �o quilograma (unidade de massa) é a massa
Os atributos ou propriedades da realidade podem assumir dife­ de um cilindro es pecial feito de liga de platina
rentes magnitudes, isto é, eles são dimensões. Se eles têm magnitudes e de irídio, que é considerado como o protótipo
diferentes, poder-se-ia perguntar por que não procurar qual é a magni­ internacional do kilograma, e é conservado sob
os cuidados do Bureau lntemational des Poids
tude mínima que tal atributo pode possuir? Esta magnitude mínima et Mesures num cofre-forte em Sevl'es, França."
seria a unidade-base deste atributo e, assim, todas as suas magnitudes
Tempo segundo s "O segundo é a duração de 9.192.631.770
poderiam ser definidas como múltiplos desta unidade-base. Em Física, períodos (ou ciclos) da radiação correspondente
esta procura tem sido uma constante na história da medida, inclusive à transição entre dois níveis hiperfinos do átom o
por causa de finalidades muito práticas da vida no âmbito do comércio de césio-133."
(peso de mercadorias, medidas de terras, etc.), mas, sobretudo, por Corrente elé trica ampere A "O ampere, unidade de corrente elétrica. é a
razões de precisão na pesquisa científica. A história desta procura é corrente constante que. se mantida em dois
condutores paralelos de comprimento infinito,
cheia de episódios anedóticos, nos quais as unidades de medida eram de uma grossur a neg1igível, e colocados a t metro
definidas como características físicas do próprio corpo humano, por exem­ de distância num vácuo, produzirá, entre estes
plo, as unidades de medida do comprimento das coisas por meio do condutores, uma força igual a lx 1 07 newtons
por metro de comprimento (cerca de O, 1 kg)."
tamanho do pé direito ou do dedo polegar do pé direito do rei tal e tal.
Contudo, foi não muito além dos últimos 200 anos que a procura por Temperatura Kelvin K "O kelvin, a unidade de temperatura
termodinâmica, é a fração 1/273,16 da
unidades-base mais consistentes se tomou sistemática, procura esta que temperatura termodinâmica do triplo ponto
culminou com o estabelecimento das 6 ou 7 unidades-base da Física na da água" (no qual gelo, água e vapor estão em
11th General Conference 0n Weights and Measures em Paris em 1960, equilíbrio - igual a -273,16º()."
criando o Systeme lntemational des Unités (abreviado SI), procuran­ intensidade da luz c andeia cd "Luminosidade de 1/600.000 de um metro
do descobrir na natureza um fenômeno, o mais estável possível, que quadrado de pura platina fundida no ponto
de se solidificar. Isto corresponde a uma
,iudesse se!Vir de \)adtão imutável \)ata estas unidades. As unidades de tempetatura de 2.045º\<.."
medida utilizadas na prática, entretanto, são expressas por uma das
Massa atômica mole mol Montante de substância que corresponde a
unidades mais conhecidas que surgiram arbitrariamente na história da soma dos pesos atômicos de todos -os
humanidade, como o metro, o quilo, etc.; mas agora definidas como átomos que compõem uma molécula.
TÉCNICAS DE ExAM:E Ps1coLóo1co - TEP FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS DOS TESTES PSICOLÓGICOS

A grande maioria das medidas em Física é expressa através da tica com . ele. Assim, podendo-se medir um deles, é possível estabele­
medida derivada, mas esta resulta de medidas fundamentais. Estas cer a medida também do outro. Duas condições devem ser demons­
são expressas em termos das unidades-bas e, enquanto aquela resul­ tradas nesta situação: 1) primeiramente, os atributos em questão são
ta da medida fundamental dos componentes que constituem o atri­ estruturalmente diferentes, isto é, um não é relacionado ao outro
buto do qual queremos uma me dida derivada. Assim, por exemplo, como componente ou qualquer outra forma de relacionamento de
a densidade é expressa em termos do peso pelo volume (D = kg/ estrutura. Por exemplo, o estímulo e a resposta no caso da lei do refor­
m3 ), a luminância através da intensidade da luz por área, esta em ço não são da mesma natureza, pois um é elemento ambi ental (da
termos de distância (L = cd/m2), etc. A procura de tais unidades­ natureza física) e a outra é um evento de um organismo vivo. Embora
base em ciências psicossociais parece inexistente no momento, se é possam ter ele mentos em comum, enquanto estímulo e resposta ele s
que ela faz algum sentido em primeiro lugar nestas ciências. são duas propriedades distintas, porque pertencem a objetos diferen­
tes, ou, em outras palavras, o estímulo não faz parte da estrutura da
resposta. Igualmente, cor e distância são dois atributos distintos dos
3.3. A Medida em Ciências Psicossociais fenômenos fisicos, ao nos referirmos ao caso do desvio para o verme­
É difícil conceber medida funda mental em ciências lho das linhas espectrais dos objetos na medida das distâncias
psicossociais, dado que as propriedades aqui avaliadas não são de galácticas. 2) Em segundo lugar, est es atributos, e struturalmente dis­
caráter extensivo. Isto implica, como conseqüência, que também tintos, mantêm uma relação sistemática e ntre ele s, a qual foi de­
não são viáveis medidas derivadas. Resta, como solução, a possibili­ monstrada empiricamente, isto é, esta relação não é apenas assumi�
dade da medida por teoria. De fato, há nestas ciências este ripo de da, ela foi demonstrada cientificamente, ela é uma lei, enfim.
medida, que pode ser distinguida em dois níveis, a saber: a medida
por lei e a medida por teoria propriamente dita. As duas formas Medida por Teoria
caem sob medida por teoria, dado que a lei constitui uma hipótese Quando a relação a que nos vimos referindo entre dois atribu­
derivável de uma teoria e que foi empiricamente demonstrada. tos distintos não tem demonstração empírica, mas é estabelecida
unicamente por meio de alguma teoria científica, falamos então de
Medida por Lei medida por teoria. Alguns comentários se fazem aqui nec essários.
Este tipo de medida é comum nestas ciências. No caso da Psi­ Primeiramente , trata�se de uma teoria científica e não filosófica,
cologia, ela ocorre como norma na psicofísica e na análise experi­ pois ela dev e s er composta de axiomas ou postulados que permitam
mental do comportamento, onde encontramos as l eis psicofísicas dedução de hipóteses qu e possam ser empiricamente verificadas
que vão desde a lei da constante (Weber), lei logarítmica (Fechner) (hipóteses testáveis pelo método científico da observação). Em se­
até a lei da potência (Stevens) e outras mais modernas. Na análise gundo lugar, trabalhar com teorias não nos leva ao mundo da fanta­
experimental do comportamento temos a famosa lei do reforço, por sia, pois o processo científico se sustenta em teorias, das quais são
e xemplo. deduzidas hipóteses que, em seguida, são atacadas através da
Fala-s e de medida por lei quando se possui uma relação entre testagem empírica. Pelo menos, este é o processo da lógica da pes­
dois atributos estruturalmente distintos (como, por exemplo, estímu­ quisa científica (Popper, 1972, 1974).
lo e resposta na lei do reforço em Psicologia), mas que foram demons­ Este tipo de medida ocorre mesmo em Física, como ficou visto
trados de modo empírico estarem sistematicamente relacionados, de anteriormente, mas ele é mais comum em ciências psícossociai.s.
sone que ao se manipular um deles o outro varia de maneira sistemá- Pode -se, na verdade , d elinear nestas ciências três grandes verten-
TÉCNICAS DE EXAME PsICOLÔGICO - TEP FUNDAMENTOS CIENTÍFJCOS DOS TESTES PSICOLÓGICOS
77

tes na medida por teoria, a saber: a teoria da detecção do sinal em dentro de um intervalo e não há alinhamento exato de ponto com
Psicofísica, a teoria dos jogos em Psicologia Social, Sociologia, Eco­ ponto. O ponto extremo do objeto cai dentro de um intervalo de
nomia e outras, e a teoria dos testes psicológicos em Psicometria. pontos do instrumento. Este intervalo, por sua vez, também não pos­
A teoria do sinal trabalha com dois parâmetros: a relação sinal­ sui pontos definidos que se possam indicar; assim, o ponto extremo
ruído (o parâmetro "d") e a disposição do sujeito em ver o sinal quando cai entre um intervalo cujos extremos são por sua vez indefinidos
este está presente (parâmetro "beta"). (extremos de condensação, como diz Popper, 1972). Conseqüente­
A teoria dos jogos trabalha com os conceitos de probabilidade e mente, a medida produz um número que não é exatamente o nú�
utilidade, este introduzido pela ciência da Economia. Esta variável re­ mero matemático, pois este é um ponto sem dimensões. O número
presenta a preferência do sujeito na escolha de uma alternativa de da medida é um número estatístico, isto é, ele representa um ponto
ação entre várias possíveis, e ela é definida não somente pela probabi­ como a média ou o ponto mais provável entre os pontos contidos no
lidade de resultados favoráveis dos eventos (das alternativas), mas, intervalo de condensação. O número estatístico, então, é um inter­
sobretudo, por alguma disposição subjetiva do sujeito, que faz com valo, e vem, por isso, expresso sempre acompanhado de um "cão de
que ele ordene as alternativas às vezes até contrariamente ao que as guarda", o desvio padrão, que representa o erro provável que come­
probabilidades estatísticas de ocorrência de benefícios associadas às temos ao produzir este número da medida do atributo de um objeto.
várias alternativas lhe parecem mostrar. Isto não é uma fatalidade, apenas a situação da condição falível do
A Psicometria trata da medida dos traços latentes expressos ser humano. O erro somente não ocorre na matemática, uma vez
em comportamentos verbais ou motores. A medida é feita ao nível que o homem inventou o número que se adapta exatamente ao
dos comportamentos. Estes são, contudo, entendidos como repre­ poder da racionalidade humana. O erro que pode ocorrer na ma­
sentação física dos traços latentes e, conseqüentemente, a medi­ temática é o erro de lógica ou de falta de lógica no argumento da
da deles vai definir a medida do próprio traço latente. Esta teoria dedução. Mas os números são tomados em seu conceito puro, eles
trabalha com os parâmetros de dificuldade e discriminação dos não são representação de algo diferente deles mesmos, como é o caso
itens, além da questão da validade e da precisão do instrumento na medida, em que eles representam a realidade e não a si mesmos.
de medida (sobre esta teoria falaremos mais longamente em outro
capítulo deste manual).
4. 1 . Tipos de Erros de Medida
As fontes de erro na medida são múltiplas, mas podem ser re­
4. O Problema do Erro na Medida duzidas a duas fontes principais: 1) erros devidos ao próprio método
da ciência, isto é, a observação e 2) erros devidos à amostragem.
Medir é uma operação empírica, e não existe procedimento
empírico isento de erro. Como vimos acima, medir consiste final� Erros de Observação
mente na coincidência de pontos, a saber: o ponto no instrumento Estes erros são aqueles que ocorrem no próprio ato de observar,
de medida com o ponto extremo do objeto medido. Tal coincidên­ isto é, no próprio método típico das ciências, a observação. Eles po­
cia de pontos, contudo, não é fisicamente viável no sentido de que dem ser devidos ao seguinte:
dois pontos se fundem num único. Há apenas uma justaposição de
pontos (Popper, 1972). Na verdade, aumentando-se ao infinito es­ (1) às diferenças individuais (erro pessoal), pois as pessoas têm rea­
sas dimensões, ver-se-ia que a justaposição de pontos se faz de fato ções diferentes entre si e em momentos diferentes, acarretando
FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS DOS TESTES PSICOLÓGICOS
TÉCNICAS DE EXA>\ffi PSICOLÓGICO� TEP
75

que nos interessam na pesquisa com referência a todos os elementos


que a medida produzida por diferentes sujeitos ou pelo mesmo
da população estariam presentes na amosrra. Ora, é exatamente isto
sujeito em ocasiões diferentes será sempre um pouco diferente;
q �e quase nunca dá para satisfazer, isto é, selecionar toda a popula­
'7) eles podem ocorrer também porque os instrumentos de observa­
l- �º· Quer dizet; mesmo que desse, tal procedimento apresentaria uma
ção utilizados não estão totalmente calibrados (erro instrumen­ sene de mconvenientes de custos de pessoal, recursos financeiros, de
tal). Aliás, eles nunca estão exatamente cem por cento calibra­ tem?o, etc., que tornariam muita pesquisas praticamente inviáveis.
dos; como conseqüência, sempre provocarão erros de medida; Entao se recorre a amostras menores da população, procurando fazer
com que sejam as mais r epresentativas possíveis da população, e com
elas se fazem as medidas. Mesmo quando bem-feitas, você logo vê
(3) podem ainda ser devidos a algum fator sistemático interveniente que as amostras deixam sempre algo a desejar no sentido de serem
(erro sistemático) que interfere na observação, por exemplo, me­
dir a temperatura da água a um nível diferente do nível do mar; perfeitamente representativas da população. O problema, neste caso
de vieses ou desvios da amostra, não é tanto de se estudar a amostra
(4) finalmente, erros podem ser devidos a uma série de fatores que e tirar conclusões sobre ela. O problema consiste no fato de que se
simplesmente não conhecemos ou não temos condições de verificar quer, a partir dos resultados obtidos da amostra, generalizar para toda
e controlar (erro aleatório), pois suas causas são desconhecidas. a população da qual a amostra foi retirada. A teoria estatística do
erro procura dar solução também a esta fonte de erros.
Algumas dessas fontes de erro podemos descobrir e controlai; redu­
zindo, assim, seu impacto na medida. Desta forma, podemos aumentar a
qualidade dos nossos instrumentos através de uma calibração aperfeiço­ 4.2. A Teoria do Erro
ada; podemos igualmente exercitai; treinar os sujeitos para serem melho­
O erro evidentemente constitui uma ameaça à tomada de deci­
res observadores; podemos até descobrir alguns fatores sistemáticos e
sões sobre a verdade das coisas e, conseqüentemente, também sobre
eliminá-los da observação. Contudo, estes controles serão sempre imper­
a vida das pessoas. Por isso, todos os esforços em eliminá-lo ou, pelo
feitos e, assim, o erro vai continuar a ocorrer. Não bastando isto, os erros
menos, em reduzir seu impacto são necessários. Mesmo envidando
aleatórios nunca são passíveis de controle efetivo na observação. Sobre­ todos os esforços para controlar o erro experimentalmente, isto é, em­
tudo para estes, foi preciso desenvolver alguma teoria que permitisse o
pregando técnicas de controle na hora de fazer a observação e a me­
seu controle, uma teoria estatística, da qual logo mais falaremos.
dida, ele nunca é controlado inteiramente, sobretudo em se tratando
do erro aleatório, que não é possível ser controlado experimental­
Erros de Amostragem mente, uma vez que suas causas são totalmente desconhecidas. Para
A pesquisa científica normalmente não pode ser feita com todos estes casos recorre-se à teoria do erro, na qual este é postulado ser
os elementos de uma população, o que seria necessário se quisésse­ um evento casualóide e, conseqüentemente, pode ser abordado atra­
mos afirmar algo de verdadeiro sobre a população. Então, o que se faz vés da teoria da probabilidade dos eventos casualóides.
é selecionar alguns elementos da população (uma amostra), estudar Popper (1974: 190) diz dos eventos casualóides que "uma seqüên­
estes elementos e generalizar os resultados para toda a população da cia-evento, ou seqüência-propriedade, especialmente uma alternativa,
qual eles foram extraídos. Acontece, porém, que esta seleção de su­ •,e diz 'casualóide' ou 'aleatória' se e somente se os limites das freqüências
jeitos, para ser exatamente representativa de todos os elementos da <:ie suas propriedades primárias forem 'absolutamente livres' isto é indi-
1 '

população, deveria conter todos os elementos, isto é, a po pulação ,,,_


�rentes a qualquer seleção que se apóie nas propriedades de qualquer
inteira, porque de outra forma nunca saberíamos se todos os aspectos
TÉCNICAS DE EX-A.ME PSICOLÓGICO - TEP FUNDA.t.\iENTOS CIEN1ÍFICOS OOS TFSfES PSICOLÓGICOS

ênupla de predecessores". Com palavras mais simples, esta frase compli­ ca de 30 graus de liberdade (entenda, 30 casos) é suficientemente
cada significa que um evento-propriedade, isto é, um evento empírico, é grande para se aproximar substancialmente de uma distribuição nor­
dito aleatório se sua ocorrência não puder ser predita a partir dos eventos mal (vide Guilford & Fruchter, 1973: 126-127). Igualmente, na práti­
que ocorreram antes dele; ele é totalmente independente (livre) com ca da pesquisa, o erro da medida é expresso pelo erro padrão da me­
relação ao que aconteceu antes com ele. Por exemplo, ao se lançar um dida (EPM), o qual é o valor médio da variância, a saber,
cubo de seis lados (dado), qualquer que tenha sido o resultado anterior,
não dá para predizer qual será o resultado no próximo lançamento. EPM
✓82 = DP
A teoria do erro assume que o erro é um destes eventos: ele ocorre ✓N-1 ✓N-1
aleatoriamente. Ao se proceder a uma série de medidas do mesmo atri­ onde
buto, estas às vezes superestimam e outras vezes subestimam a magnitu­ N-1 são os graus de liberdade (número de sujeitos menos 1)
de real do atributo. E isto ocorre de uma forma fortuita, significando s2 é a variância.
que, se a medida anterior subestimou a magnitude, a próxima não ne­
cessariamente superestimará a mesma magnitude. Assim, ao se proce­ Este erro padrão afirma que a medida verdadeira de um atri­
der a esta série de medidas, produzimos uma seqüência de eventos que buto se situa em torno da média, isto é, média mais um erro padrão
não parece irracional considerá-los eventos aleatórios. e média menos um erro padrão.
Sendo isto plausível, então a curva normal, que define a distribui­
ção de eventos aleatórios, pode ser utilizada para o controle ou a deter­
minação do erro médio provável que tal série de medidas produz. De 5. Importância da Medida
fato, sabemos, pela curva normal, que a ocorrência mais provável e que
melhor expressa o valor dos eventos de uma série casualóide é a moda ou No final desta exposição sobre a medida, alguém poderia, frustra­
a média; e sabemos, também, que esta tem valor zero (0). Assim, o valor do, perguntar: mas, afinal, para que a medida, se ela mesma apresenta
O é o que melhor representa a valor do erro numa seqüência de medidas tantos problemas e questionamentos? De fato, a medida não é uma
de um mesmo atributo. Entretanto, isto é verdade somente se a série se panacéia para a ciência; entretanto, ela deve apresentar algum aspecto
aproxima do infinito, segundo define o teorema de Bernoulli. Este teorema que a torna não somente válida, mas também útil. Na verdade, pode­
afirma que um segmento 'x' de elementos de uma série aleatória infinita se aventai; e de fato o foi, uma série sem fim de vantagens que a medida
'A: possui os mesmos parâmetros desta quando ele se aproxima de 'A' (x tem sobre a técnica puramente descritiva da realidade. Estas vanta­
➔ A). Conclui Popper (1974: 198): "Assim, o teorema de Bernoulli asse­ gens são todas uma argumentação de conveniência, pois nenhuma delas
vera que os segmentos mais curtos de seqüências casualóides mostram, terá força lógica de argumentação, uma vez que, como vimos no início
muitas vezes, grandes flutuações, enquanto os segmentos longos sempre deste capítulo, não é a matemática nem a medida que fundamentam o
se comportam de modo que sugerem constância ou convergência; diz o saber científico. Entretanto, seria talvez irracional não se aproveitar
teorema, em suma, que encontramos desordem e aleatoriedade no pe­ das vantagens que a medida traz para o conhecimento científico da
queno, ordem e constância no grande. É a este comportamento que se realidade. Podíamos simplesmente argumentar que onde a medida pre­
refere a expressão 1ei dos grandes números"'. dominou no estudo da realidade, a ciência progrediu a passos de gigan­
Na prática da pesquisa, o teorema de Bernoulli afirma que as te, como na Física e em outras ciências, inclusive, ditas exatas; e onde
amostras devem ser grandes. Quando uma amostra é grande? ela é esporádica, a ciência claudica, como é o caso de grande parte das
Empiricamente, tem-se observado que uma amostra aleatória de cer- ciências psicossociais. Este argumento histórico é, obviamente, apenas
TÉCNICAS DE EXAiviE PS[COLÓGICO - TEP FUNDAMENTOS CffNTfFICOS DOS TESTES PSICOLÓCi!COS

de conveniência, mas incide sobre o que podemos considerar ser a 1 . O Modelo da Psicometria
grande vantagem da medida sobre a pura descrição, a saber: a precisão.
De fato, embora a medida não seja nunca destituída de erro, ela é Embora em seu sentido etimológico Psicometria signifique toda
capaz de definir limites dentro dos quais os reais valores dos atributos medida que se faz em Psicologia, ela é mais comumente entendida
medidos se situam. O conceito de pontos de condensação ou de extre­ como uma das formas de medida por teoria em Psicologia, em que se
mos impreciso (Popper, 1974) nos indica a solução para o conceito de encontram igualmente as teorias dos jogos e da detecção do sinal,
precisão na medida. Fazer pontos coincidirem significa que o ponto como vimos ao tratar da Teoria da Medida. Neste sentido mais estri­
extremo do atributo cai dentro de um intervalo, este definido por ex­ to, Psicometria, além de assumir os postulados discutidos no capítulo
tremos imprecisos, mas que serão cada vez menores, de sorte que se sobre a teoria da medida, trabalha com o modelo da estrutura latente
pode finalmente definir um intervalo suficientemente pequeno, ainda ou do traço latente (latent modeling). Para melhor entendermos e en­
que com pontos extremos imprecisos, dentro do qual o real valor da quadrarmos a Psicometria, alguns conceitos preliminares necessitam
magnitude do atributo mais provavelmente se encontra. A medida vem, de apr esentação, em particular os conceitos de traço latente, magni­
finalmente, dada por um valor numérico qualquer expresso dentro de tude e representação comportamental da estrutura latente.
um intervalo pequeno, este expresso pelo erro padrão. A redução ao
mínimo deste intervalo de pontos de condensação depende, evidente­ 1 . 1 . Traço latente
mente, de avanços tecnológicos no instrumental de medida, que, aliás,
foi a própria medida que o tornou possível. Talvez traço latente não seja a expressão mais feliz neste contexto,
Talvez, uma outra grande vantagem da medida em ciências dado que ele está por demais contaminado com o conceito de traços de
seja a possibilidade de simulação que permite manipular a natureza personalidade, abusivamente empregados na história das teorias da per­
através de modelos matemáticos, que de outra forma seriam inviáveis sonalidade. Entretanto, é a expressão utilizada, inclusive pela teoria
ou eticamente condenáveis. Por exemplo, para descobrir de quantas moderna da resposta ao item (TRI), no campo da Psicometria. Este
bombas atômicas são necessárias para destruir uma cidade. Mas esta conceito de traço latente cobre todo o mundo do propriamente psicoló­
simulação é possibilitada porque há precisão na informação que a gico, dos processos mentais em oposição aos processos fís icos ou
medida produz da realidade. Conhecendo-se com precisão (dados comportamentais. Popper (Popper & Eccles, 1991) chama a este mundo
mensurados) os componentes de um sistema, podemos simular seu psicológico de mundo 2, o mundo das experiências subjetivas, em con­
desenvolvimento e predizer seu desenlace. traposição ao mundo 1, o mundo dos objetos ftsicos, materiais, onde se
situa também o comportamento observável de um ser humano.
A primeira questão que se põe aqui se refere ao estatuto de

B. A Medida Psicométrica realidade dos estados mentais (do traço latente), isto é, sua nature­
;ra ontológica. São eles reais como são aceitos como reais os estados
i&icos, ou são puras conjeturas ou etiquetas, como querem os filóso­
Um dos modelos do uso dos números para descrever os fenô­ ' materialistas e os behavioristas em Psicologia? Acredito ser cor­
menos que a Psicologia estuda é chamada de Psicometria; os outros a posição de Popper (Popper & Eccles, 1991: 59) quando diz
são a teoria dos jogos e a teoria da detecção do sinal, como menci­ ''Além dos objetos e estados ftsicos, suponho que existam esta-

,\ptna
onamos anteriormente. Vamos aqui considerar a teoria psicométtica, -mentais, e que eles são reais, já que interagem com nosso cor­
que é aquela na qual se situam os testes psicológicos. mais: não somente são reais no mesmo sentido que o são
ToCNICAS DE EXAME PSICOLÓGICO - TEP FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS DOS TESTE.e; PSICOLÓGICOS 85

as coisas físicas, mas que eles são o objeto privilegiado da ciência Além desta controvérsia com referência ao traço latente, exis­
psicológica. Como se pode fazer ciência sobre estados mentais, será tem diferenças quanto às maneiras de conceber este conceito quando
mais bem entendido na seção sobre a representação comportamental se trata de definir sua estrutura elementar ou os seus processos ele­
do traço latente, mais adiante. Sobre a realidade dos estados psico­ mentares. Há os que tendem a uma concepção mais holística, e
lógicos, Popper (Popper & Eccles, 1991: 27-28, 59) diz mais: outros a uma mais elementatista, reducionista. A figura 2.2 ilustra
estas tendências.
n••• não há razão para que não possamos dizer, por exemplo, que
átomos, elétrons e outras partículas elementares são agora acei...
tas como realmente existentes. Isto é devido aos seus efeitos cau ... Processo elementar de informação (eip) Processamento da
Elemento • informação
sais em emulsões fotográficas. Aceitamos as coisas como sendo '-Componente cognitivo Sternberg
'reais' se elas podem agir causalmente sobre ou interagir com coisas
materiais reais comuns.
Aptidão Spearman, Piaget
Holística { Emoção Tipologias
Deve ... se então admitir que as entidades reais podem ser concre,
Motivação Tipologias
tas ou abstratas em vários graus. Em física, aceitamos forças e campos Estrutura •
de força como reais, pois agem sobre coisas materiais. Mas essas enti... Aptidões diferenciais Habilidades (fatores)
dades são mais abstratas e, talvez1 também mais conjeturais ou hipo ... Diferencial { Emoções Traços de personalidade
téticas do que são as coisas materiais comuns. '- Motivações Necessidades básicas

Forças e campos de força são ligados a coisas mate�ais, a át?mos e a Figura 2.2. Visões elementarista e estrutural de traço latente
_
partículas. Têm um caráter dispositivo: são tendências para mteragrr.
Podem assim ser descritos como entidades teóricas altamente abstra ...
tas, nós as aceitamos como reais, quer elas ajam de forma direta ou Como se vê, alguns autores entendem traço latente como uma
indireta sobre as coisas materiais." (p. 27-28) • única grande estrutura psicológica global, seja constituindo toda a psi­
E mais adiante: nAs entidades do mundo físico-processos, forças, que do ser humano, seja grandes conjuntos dela. No caso das apti­
campos de forças - interagem entre si, e, portanto, com corpos dões humanas, por exemplo, Spearman defende a teoria do fator
materiais. Assim conjeturamos que eles são reais... , mesmo que esta intelectual geral e único, o fator G (Spearman, 1904). Algo sinúlar
realidade permaneça conjetural. defende Piaget (1952) quando fala do desenvolvimento das estru­
Além dos objetos e estados físicos, eu suponho que existam esta... turas cognitivas em sucessivos estágios (pré-operatório, operatório,
dos mentais, e que eles são reais, já que interagem com nosso concreto, etc). Temos concepções paralelas no campo da personali­
corpo" (p. 59). dade com as tipologias de Jung (1921), de Kretschmer (1925) e de
Sheldon (1940, 1942) e mesmo nas tipologias mais modernas do tem­
Esta controvérsia é ainda atual. Em Psicometria, por exemplo, peramento, em que a tendência é de considerar os traços latentes
uma tendência forte é ainda (pelo menos na prática) a do behaviorismo como grandes estruturas que variam de sujeito para sujeito. Pode­
crasso, 0 positivismo, para o qual o único real em Psicologia é o com­ mos também situar dentro desta tendência a tradição fatorista em
oortamento, isto é, processos materiais e físicos. Entretanto, creio que Psicometria. Embora esta considere os traços latentes de uma forma
�om a visão cognitiva estejamos ultrapassando esta fase da filosofia mais diferenciada do que os autores acima citados, pois falam de
,naterialista da Psicologia. fatores, habilidades, traços, etc., enfim, de variáveis-fonte que s,ão
S6 TÉCNICAS DE EXA...v!E PSICOLÓGICO - TEP FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS DOS TESTES PSICOLÓGICOS 87

responsáveis pela qualidade e forma da execução das tarefas imediato de interesse dentro de um delineamento de estudo , não
comportamentais. Embora pareçam já elementares, os fatores apre­ e, uma estrutura ontológica monolítica e única.
sentam ainda um caráter globalizante, urna vez que não expressam
processos mentais ou cognitivos elementares como são concebidos 1.3. Propriedade
por Stemberg (1977) e Newell e Simon (1972). A Psicometria tra­
balha mais com o conceito fatorista de traço latente. Na verdade, a Um sistema apresenta uma série de atributos ou características
Psicometria clássica não tem muita clareza sobre este conceito, como que o distingue de outros sistemas e sob os quais ele é percebido,
veremos mais adiante; e a moderna teoria de resposta ao item, ain­ estudado, analisado, compreendido. Por exemplo, o sistema físico se
da que teorize especificamente sobre este conceito de traço laten­ apresenta sob os aspectos ou propriedades de massa, comprimento,
te, denominando de 0 (theta), ela está ainda sob a influência et�. De modo similar, os sistemas psicológicos se apresentam sob pro­
positivista para conceituá-lo como estamos fazendo aqui, além de pnedades que os definem e que são o interesse imediato e direto de
ser idealizada e, talvez, dominada por estatísticos, que trabalham com observação e estudo. Na verdade, nós não conhecemos os sistemas
conceitos de parâmettos abstratos e não com realidades naturais. em si, mas suas propriedades, sendo o sistema na realidade uma con­
jetura, uma teotia. A inteligência, como sistema, por exemplo, se apre­
senta sob as propriedades de raciocínio numérico, raciocínio verbal,
1.2. Sistema etc. Assim, o sistema se constitui como objeto hipotético que é abor,
A ciência estuda propriedades de sistemas naturais. Sistema dado e conhecido através dos seus attibutos ou propriedades.
significa algum objeto organizado, uma coisa, uma entidade. Não
é preciso entender sistema como algo substancial, uma essência 1-4. Magnitude
(como o faz a filosofia essencialista}, mas pode ser entendido sim­
plesmente como um processo. Assim, uma pedra é um sistema, A Física concebe seus sistemas como quantidades ou dimen­
pois constitui um objeto organizado e subsistente. Assim também sões, isto é, as propriedades dos seus sistemas possuem magnitude.
são, por exemplo, os processos psicológicos (traços latentes}, bem O mesmo faz a Psicometria com respeito às propriedades dos seus
como processos cognitivos, motivacionais, etc. Um sistema pode sistemas psicológicos ou mentais. Evidentemente, este é um postu­
ser concebido em níveis de universalidade maiores ou menores. �ado que nem todos os estudiosos da Psicologia admitem, mas que é
Assim, existem o sistema universal e os sistemas locais. No caso da tundamental em Psicometria. Quantidade ou magnitude é um con­
Psicologia, o sistema universal seria a própria estrutura psicológi­ ceito matemático que se define em função dos axiomas de ordem e
ca, a psique, se quiser, e os processos locais seriam tantos quantos de aditividade dos números. Estes são concebidos não somente como
você puder imaginar. O nível do sistema depende do interesse do diferentes uns dos outros, mas ainda que um é maior ou menor que
investigador. Desta forma, por exemplo, para quem estiver interes­ outro, de sorte que eles podem ser ordenados numa série monotõnica
sado em estudar o raciocínio verbal, poderia considerar como sis­ crescente de magnitude. Ao falar de magnitude com respeito aos
tema o objeto do qual este raciocínio é propriedade, como a inte­ sistemas psicológicos, nós nos referimos, pelo menos, a esta ordem
ligência ou, em sentido mais amplo ainda, os processos cognitivos monotõnica crescente. Digo pelo menos, porque nem sempre na
ou as aptidões. Similarmente, quando quero falar da doçura da medida é possível salvar os axiomas de aditividade dos números, os
maçã, a maçã é o sistema e a doçura o atributo que quero estudar. quais permitem o escalonamento dos números em intervalos ou dis­
Sistema, portanto, se constitui em sistema, em função do objeto tàncias iguais, resultando na medida intervalar ou, mesmo, de ra-
&S TÉCNICAS DE EXAME PsrcoLóoico - TEP FUNDAMENTOS CIENTfFICOS DOS TESTES PSICOLÓGICOS
89

zão. Aliás, é esta suposição de magnitude das propriedades dos sis­ cada caso, é preciso demonstrar a legitimidade da representação
temas psicológicos que torna interessante e útil a utilização do mo­ comportamental do traço latente do qual ela se diz representante.
delo matemático na observação destes fenômenos da Psicologia. Como a Psicometria procede nesta demonstração? É toda a problemá­
tica da teoria psicométrica. Ela analisa uma série de características
1.5. O Problema da Representação Comportamental dos comportamentos (tipicamente chamados de itens) para decidir
se eles são ou não representantes válidos, legítimos e adequados de
Além do postulado das dimensões (propriedades com magni­ tal ou tal traço latente. Este capítulo da Psicometria vem apresentado
tude) dos processos psicológicos (entenda, mentais), a representa­ sob o título de os "Parâmetros psicométricos da medida", onde se faz a
ção comportamental constitui outro problema básico da Psicometria. análise dos itens e o estudo da validade e da precisão ou fidedignida­
Esta pretende estudar, via medida, os processos psicológicos, ou de da medida psicológica, como veremos a seguir'.
melhor, psíquicos. Entretanto, estes processos são inacessíveis à ob­
servação empírica, que é definida como o método típico da ciência.
Conseqüentemente, se queremos conhecer (medir) os processos
psicológicos (o traço latente), teremos que expressá-los em te�os 2. Parâmetros Psicométricos da Medida
observacionais. Estamos aqui diante do problema da representaçao,
a saber, qual é a forma ou maneira legítima e adequada de repre­
sentarmos O traço latente para que ele possa ser cientificamente 2.1. Introdução
abordado? Embora o problema pareça grave, e de fato o é, ele não é
Fala-se de parâmetro para designar uma característica funda­
específico da Psicologia ou outras ciências psicossociais, pois ocorre
mental de uma coisa ou sistema. O parâmetro fundamental da medi­
na própria Física com a teoria quântica, por exemplo, ou onde quer
da psicométrica (escalas, testes ... ) é a demonstração da adequação
que se trabalhe com entidades ou processos (mais) abstratos.
. _ da representação, isto é, a demonstração do isomorfismo entre a or­
A resposta à questão colocada é a seguinte: os processos ps1colo­
denação nos procedimentos empíricos e a ordenação nos procedi­
gicos (traços latentes) são abordáveis cientificamente somente atra­
mentos teóricos do traço latente. Significa demonstrar que a
vés de sua representação comportamental; isto é, eles devem ser ex­
operacionalização do atributo latente em comportamentos (itens) de
pressos em comportamentos (verbais, motores), porque é ��icamente
fato corresponde a este atributo. Esta demonstração é tipicamente
neste nível que se pode trabalhar cientificamente (empmcamente)
tentada através de análises estatísticas dos itens individualmente e
em Psicologia. Um traço latente que for impossível de ser representa­
do teste em seu todo. Infelizmente, a literatura neste particular não
do em comportamentos se torna um traço metafísico, não um traço
mostra muita preocupação com a formulação de uma teoria clara, e
psicológico. Na representação comportamental, na verdade, está si­
muito menos ainda axiomatizada, sobre o atributo que permitisse uma
tuado o problema fundamental da Psicometria, que consiste em de­
elaboração mais bem delineada e planejada de uma escala de com­
monstrar a legitimidade do isomorfismo traço latente e comportamento.
jX)rtamentos pertinentes ao atributo. Possivelmente, esta situação se
A teoria que fundamenta este isomorfismo é o fulcro epistemológico
deve (1) à predominância de um enfoque positivista baseado quase
da Psicometria, juntamente com a concepção de processos latentes
· ,exclusivamente na análise de um elenco de itens, coletado mais ou
como dimensões, isto é, atributos possuidores de magttltude e, por­
tanto, mensuráveis. Postula-se, de fato, que ao operar sobre os com­ 7
Para uma exposição mais técnica deste assunto. veja o livro "Psicometria: teoria e a.piica,;,õ-:s
portamentos, estamos operando (medindo) os traços latentes. Para :,�v mesmo autor.
TÉCNICAS DE EXAME Ps1coL001co - TEP
FUNDAMENTOS CIENTfFICOS DOS TESTES PSIOOLÔGICOS 91

de construto, dado que precisamente procura verificar a adequabilidade


menos ao acaso ou intuitivamente, em vez de uma pesquisa dos ele­
da representação comportamental do(s) atributo(s) latente(s).
mentos cognitivos envolvidos nos processos do atributo psicológico, e
No caso da análise semântica, duas preocupações são relevantes:
também (2) ao fato de que o desenvolvimento da Psicometria tem
(1) verificar se os itens são inteligíveis para o estrato mais baixo (de habi­
sido preponderantemente viabilizado por pesquisadores, cuja forma­
lidade) da população-alvo e, por isso, a amostra para esta análise deve ser
ção e preocupações eram mais de estatísticos do que de psicólogos. O
f':tta co°'. este estrato e (2) objetivando evitar deselegância na formula­
desenvolvimento da pesquisa da Psicologia Cognitiva, particularmente
çao dos itens, a análise semântica deverá ser feita também com uma
do tipo Stemberg (1977, 1979, 1980) e das pesquisas feitas no centro
amostra mais sofisti�ada (de maior habilidade) da população-alvo (para
d e Pittsburgh (Mulholland, Pellegrino & Glaser, 1980; Pellegrino,
garantrr a chamada validade aparente' do teste). De qualquer forma , a
Mumaw & Shute, 1985; Carpenter, Just & Shell, 1990), bem como de
dificuldade na compreensão dos itens não deve se constituir em fator
Ricardo Primi na Universidade São Francisco, SP (Ptimi, 1995), de­
complicador na resposta dos indivíduos, já que não se quer medir a com­
verá auxiliar substancialmente para remediar ou resolver este proble­
preensão deles (a não set; obviamente, que o teste queira medir precisa­
ma. Os trabalhos de Guilford (1959) também devem ser mencionados
mente tsto), mas snn a magnitude do atributo a que os itens se referem.
neste particulai: No momento, em Psicometria, se insiste ainda de
Na análise de conteúdo, os juízes devem ser peritos na área do
maneira abusiva numa solução estatística. Por outro lado, as dicas , construto, pois sua tarefa consiste em ajuizar se os itens estão se
que a Psicologia Cognitiva tem a dar nesta área da instrumentação . referindo ou não ao traço em questão. Uma tabela de dupla entra­
psicométrica são ainda muito precárias para servir de base na elabora­
ção e análise dos instrumentos psicológicos, embora já haja instru­ . da, com os itens arrolados na margem esquerda e os traços no cabe­
çalho, serve para coletar esta informação. Uma concordância de,
mentos elaborados com base em tais dicas (Tellegen, Wijnberg, Laros pelo menos, 80% entre os juízes pode servir de critério de decisão
& Winkel, 1992; Laros & Tellegen, 1991; Primi, 1995).
sobre a pertinência do item ao traço a que teoricamente se refere.
De qualquer forma, a comunidade científica desenvolveu uma
série de parâmetros mínimos que a medida psicométrica deve apresen­ .b. Análise empírica dos itens
tar para se constituir em instrumento legítimo e válido. Os parâmetros
mais básicos se referem à análise dos itens (dificuldade e discrimina­ A análise da dificuldade e da discriminação dos itens se faz a
ção), que será tratada neste capítulo, e à validade e confiabilidade do :�r dos dados coletados de uma amostra de sujeitos, utilizando­
instrumento, que serão tratadas no capítulo 3. análises estatísticas .

• DIFICULDADE DOS ITENS


2.2. Análise dos Itens A dificuldade do item é definida em termos da percentagem (pro­
_
Há dois tipos de análise de itens de um teste psicológico, que çao) de suJe1tos que dão respostas corretas (testes de aptidão) ou de
poderíamos chamar de análise teórica e análise empírica ou estatística. do / preferência (testes de personalidade) ao item. Assim, um item
é respondido corretamente ou aceito por 70% dos sujeitos é consi­
o mais fácil que um que recebeu 30% de respostas corretas.
a. Análise teórica dos itens Qual a dificuldade ideal dos itens de uma escala ou teste? A respos-
Esta análise é feita por juízes e visa estabelecer a compreensão dos depende da finalidade do teste. Se for desejado um teste para selecionar
itens (análise semântica) e a pertinência destas ao atributo que pre­ •melhores ou para determinar se um patamar 'x' de conhecimento foi
tendem medir (análise dos juízes). Esta última é, às vezes, chamada de ·
(como nos testes de referência a critério), então os itens dev
análise de conteúdo, mas propriamente deve ser chamada de análise
TÉCNICAS DE EXAME PSICOLÓOICO - TEP FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS DOS TESTES PSICOLÓOICOS

todos apresentar o nível de dificuldade do patamar que se quer como


critério de seleção. Assim, se se deseja selecionar somente os 30% melho­
res candidatos, os mdices de dificuldade dos itens devem ser em tomo de
30%. Se, entretanto, o interesse consiste em avaliar a magnitude diferen­
cial dos traços nos sujeitos, como geralmente é o caso, então uma distri­
buição mais equilibrada dos itens em termos de dificuldade é requerida.
Neste caso, o interesse se centra sobre o poder de um teste discriminar
""'
40%
20%
diferentes níveis de habilidades, atitudes, etc. nos sujeitos e, por conse­ 10%
guinte, os itens devem poder avaliar tanto os que possuem pouca quanto
muita habilidade. Entretanto, é bom saber que itens que todos os sujeitos
II m IV V

acertam ou igualmente aceitam e itens que ninguém acerta ou aceita


são itens inúteis para fins de diferenciar indivíduos; de futo, tais itens não
trazem nenhuma informação. Os itens que trazem maior informação são Figura 2.3. Distribuição percentual dos
aqueles cujo mdice de dificuldade se situa em tomo de 500/4, pois neste itens em 5 faixas de dificuldade
caso 50% dos sujeitos acertam e 50% erram, resultando 50x50 = 2.500
comparações possíveis, ao passo que um item com dificuldade 30% teria
700/4 de erros e 300/o de acertos, resultando num nível de 30x70 = 2.100
bits de informação. Obviamente, um item com dificuldade 100% ou 00/o
produzirá zero informação. Conclui-se daí que todos os itens de um teste
devam ter dificuldade 50%? Embora grande parte dos itens deva apre­ 2. DISCRIMINAÇÃO DOS ITENS
sentar tal mdice de dificuldade, nem todos o deverão, pois que assim Discriminação se refere ao poder de um item em diferenciar
poder-se-ia discriminar apenas dois níveis da magnitude do traço medi­ sujeitos com magnitudes diferentes de traço do qual o item consti­
do, já que itens com o mesmo nível de dificuldade terão altas intercorre­ tui a representação comportamental. Quanto mais próximas forem
lações, determinadas pela circunstância de que serão os mesmos sujeitos as magnitudes do traço que o item puder difer enciar, mais
que sempre acertam ou sempre erram os itens todos. Haveria, então, discriminativo ele é. Assim, poder-se-ia dizer que discriminação se
uma distribuição mais adequada dos itens de um teste em termos de refere ao poder que o item possui de diferenciar sujeitos com mao­
dificuldade? Considerando que eles devem cobrir toda a extensão de nitudes próximas do traço a que se refere. Para estabelecer a discri­
minação dos itens existem alguns problemas e várias técnicas esta­
magnitude do traço e que os itens de dificuldade 50% são os que produ­
tísticas, como veremos a seguir.
zem maior informação, pode-se sugerir que uma distribuição destes mais
ou menos dentro de uma curva normal seria o ideal. Assim, se represen­ 2.1. GRUPOS-CRITÉRIO
tamos a amplitude de um atributo ou traço numa escala de 100 pontos, A dificuldade envolvida na tarefa de avaliar o poder discriminativo
podemos dividir essa escala em cinco túveis de magnitudes: O a 20, 20 a dos itens consiste na escolha dos sujeitos que servirão de base como
40, 40 a 60, 60 a 80 e 80 a 100, distribuindo os itens assim: 10% deles em grupos- critério que o item deve diferenciar. A escolha dos critérios
cada uma das duas faixas extremas, 20% em cada uma das duas faixas para efetuar a análise da discriminação dos itens tem dependido. na
seguintes e 400/4 na faixa média (vide Figura 2.3). prática, dos objetivos do teste. Assim existem critérios externos e
TÉCNICAS DE EXAME Ps1coL6o1co - TEP FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS DOS TESTES PSICOLÓGICOS

critérios internos ao próprio teste cujos itens se quer analisar. Crité­ Tabela 2.4. Computação do índice D
rios externos para estabelec.er os grupos-critério podem ser, por exem­
% dos que passaram
plo, sujeitos psiquiátricos e sujeitos não-psiquiátricos para avaliar o Item
Índice D
poder de discriminação dos itens em testes psiquiátricos, ou sujeitos Grupo Superior Grupo Inferior
que tiveram êxito e sujeitos que fracassaram num curso de treina­ 1 80 40 40
mento, ou, ainda, tipos de ocupações, etc. Enfim, trata-se de esta­ 2 100 90 10
3 30 50
belecer grupos que se diferenciam em algum comportamento defi­ -20
4
nido como relevante com referência aos objetivos do teste e verificar 5
55 55 o
75 40 35
se os itens do teste são capazes de, individualmente, diferenciá-los.
Utilizam-se também critérios internos ao próprio teste para de­
finir estes grupos-critério. T ipicamente é escolhido o escore total O índice D tem que ser positivo, e quanto maior for mais discri­
no próprio teste para determinar os grupos extremos de sujeitos: minativo será o item. Obviamente, um D nulo ou negati;o demonstra
grupo superior e grupo inferior. Em amostras grandes, selecionam-se ser o item não--discriminativo.
os 27% superiores e os 27% inferiores para comporem os dois grupos
- (Kelley, 1939). Evidentemente, em amostras menores, este percentual b) O teste "t"
será maior, visto que os grupos de comparação devem apresentar um
Um índice de discriminação mais exato, embora mais trabalhoso de
número suficiente de sujeitos para permitir análises estatísticas vá-­
se conseguir, consiste na análise da diferença entre as médias obtidas
lidas. De modo geral, algo em tomo de 30% será adequado; contu­
pelo grupo superior e inferiot Neste caso, é necessário o cálculo das res­
do, em amostras normais e grandes, costuma-se utilizar a "regra 27%",
pectivas médias e de suas variâncias. O nível de signmcância do teste 't'
como ficou conhecida.
pode ser verificado com exatidão em tabelas estatísticas próptias.
2.2. ÍNDICES DE DISCRIMINAÇÃO
e) Coeficientes de correlação
Existem dezenas de técnicas estatísticas para estabelecer o ín­
dice de discriminação do item (Anastasi, 1988), que produzem ba­ O coeficiente phi trabalha com dados dicotômicos, numa tabela
sicamente resultados similares (Oosterhof, 1976). As mais utiliza­ de quatro caselas, e produz um valor que vai de -1 a + 1, como qual­
_
das são a análise da diferença de médias ou de percentagens dos quer coeficiente de correlação. O cálculo deste coeficiente pode ser
sujeitos que passaram (testes de aptidão, em que há respostas certas conseguido por meio das tabelas de Jutgensen (1947), para o caso em
e ertadas) ou aceitaram (testes de personalidade, atitude) o item que o número de sujeitos for o mesmo nos dois grupos de sujeitos, ou
no grupo superior vis-à-vis o grupo inferior, bem como coeficientes das tabelas de Edgerton (1960), o caso deste número ser diferente.
de correlação, especialmente o coeficiente phi e a correlação bisserial. O coeficiente bisserial de. correlação (rb) utiliza as médias dos
': cores dos sujeitos que passaram ou que não0passaram o item. Os
a) O índice D livros de estatística apresentam várias formas de cálculo deste coe­
É um dos mais fáceis para ser computado, porque consiste .ficiente (Guilford & Ftuchter, 1973).
simplesmente na diferença de percentagens de acerros no grupo .. O cálculo do índice de discriminação com base no escore total
superior e no grupo inferior, isto é, S - I ou U - L (ULI ou ULD) em do teste apresenta um problema .teórico. Na verdade, procura-se
inglês. Veja exemplo na Tabela 2.4. :analisar a adequação do item (em termos de discriminação) basea-
_
TÉCNICAS DE EXAME PSICOLÓGICO - TEP FUNDAMENTOS CJEi"ITÍFICOS DOS TESTES P5!COLÓGICOS

da nas informações obtidas de todo o elenco de itens (escore rotai). A teoria supõe que o sujeito possui um certo nível de magnitude
_
Tal procedimento parece incongruente, já que a adequaçao dos do traço latente, designado por theta (8), o qual é determinado
demais itens também está por ser demonstrada, mas a esta altura
_ através da análise das respostas dos sujeitos por meio de diversas
das análises do teste ainda não se sabe se os itens do teste sao h�­
funções matemáticas. A função do modelo completo de três
mogêneos, isto é, se o teste é unidimensional, suposição necessána
parâmetros é:
para se poder obter um escore total. Tenta-se resolver este pr �ble"'.a
procedendo-se a uma análise fatorial dos itens antes da propna ana­
lise individual destes. Da(S-b-) ,
P; (0) = C; + (1-c;) e ,
l+e Da ' (8-b)
3. TEORIA DA RESPOSTA AO ITEM (fRI)
A probabilidade de resposta correta, que define a posição (8)
Esta teoria de análise dos itens possui uma longa história (des­
de os anos 50), mas só bem recentemente está sendo utilizad�, do indivíduo no traço medido, é função de três parâmetros: "a" cor­
dadas as dificuldades das análises estatísticas envolvidas que exi­ responde ao índice de discriminação do item e é determinado pela
gem O poder de avançados softwares e micros de c,'.'rto porte. A curvatura da ogiva no ponto de inflexão; "b" é o parâmetro da difi­
TRI é uma teoria e statística, mas de ut1ltzaçao direta na culdade/preferência e é expresso pelo valor no eixo dos X no ponto
Psicometria, inclusive com grandes vantagens sobre outros méto- de inflexão da curva; "e" é o parâmetro que determina as respostas
dos tradicionais de análise de itens. acertadas/preferidas por acaso, sendo o D uma constante usualmente
Os modelos matemáticos envolvidos nesta teona . sao _ bas­ com valor 1. 7.
tante complexos e, embora seu conhecimento constit�� uma gran­ Os três modelos de TRI mais conhecidos são os seguintes: 1)
de vantagem, não parece ser indispensável seu �omm10 par_" uso o modelo logístico de um parâmetro ou o modelo Rasch (1960).
_
inteligente por parte do usuário. A compreensao da sua log1ca, Rasch faz a suposição de que os itens possuem o mesmo nível de
entretanto, é indispensável. discriminação e que não há respostas dadas ao acaso, ficando como
Primeiramente, há vários modelos matemáticos envolv1�os na parâmetro a ser avaliado somente a dificuldade dos itens. 2) O
TRI. Na verdade, há três deles principais, dependendo do numero modelo logístico de dois parâmetros (Birnbaum, 1968), que avalia
_
de parâmetros que pretendem avaliar dos itens. Os parametros e� ; a dificuldade e a discriminação dos itens, assumindo que não haja
,
questão são a dificuldade, a discriminação e a resposta alearona respostas dadas ao acaso. 3) O modelo de três parâmetros de Lord
(ou melhor, a resposta correta dada ao acaso}. Assim, temos o mo-
(1980), no qual os três parâmetros dos itens são avaliados.
delo logístico de 1, 2 ou 3 parâmetros.
. , . Exemplificando com o modelo de Lord: Os valores 8 são ex­
Todos os modelos trabalham com traços latentes, tsto e, teonzam
essos em coordenadas cartesianas, tendo na ordenada a probabili­
sobre as estruturas latentes, como faz a teoria psicométtica. Entendem
os sistemas psicológicos latentes como possuindo dünensões, isto é, e de resposta correta, isto é, o Pi(8), e na abscissa o traço laten-
_ _ o próprio 8. Este procedimento produz, para cada item, uma ogiva,
propriedades de diferentes magnitudes ou mensuravets. Por tsso, es'.a
teoria rambém é conhecida como a teoria do traço latente ou a teona ada de curva característica do item (Item Characteristic Cur­
da curva característica do item (Item Characteristic Curve - ICC) • ou ICC), como na Figura 2-4.
TÉCNICAS DE EXAME PsJCOLÓGICO - TEP FUNDAMENTOS CIENTfFICOS DOS TESTES PSICOLÓGICOS 99

1.0,---------=---===---, fatotial e somente após ela seria justificado o uso de uma análise de
tipo TRI. Isto evidentemente vale também para a análise dos itens
�.9
.8 baseada no escore total. A TRI tem uma vantagem sobre a úlrima
técnica porque, pelo menos, analisa os parâmetros do item indepen­
dentemente um do outro. O que fica de problemático neste contex­
to é que a análise fatorial se fundamenta em equações lineares e, ao
que parece, as correlações entre os itens seriam normalmente de
caráter curvilíneo. Conseqüentemente, a prova da unidimensionalidade
do teste, que mede um e um só traço, fica difícil de ser cabalmente
demonstrada. Hoje em dia, existe uma série de técnicas para defi­
mr a unidimensionalidade de uma escala, todas elas apresentando
bl h2 seus problemas, tornando esta questão algo ainda em discussão en­

e
b3
tre os estudiosos.

4. V!ESES DE RESPOSTA
Figura 2-4. ICC para três itens Independentemente da qualidade dos itens, a resposta a eles pode
ser desvirtuada por fatores relativos ao sujeito que a eles reage. Estes
Na ilustração da Figura 2-4, os três parâmetros aparecem nas vieses na resposta falseiam os dados, introduzindo correlações espúrias,
mesmo se tratando de bons instrumentos psicológicos. Podemos classifi­
seguintes posições: o "a" é representado pela curvatura da curva na
car estes erros em três categorias quanto a suas causas: cultura e rúvel
altura do ponto de inflexão, isto é, onde a curva corta a linha que
socioeconómico, resposta aleatória e resposta estereotipada.
representa a probabilidade 0,50 de resposta correta (50%); quanto
a) A cultura como causa de erros de resposta se relaciona ao
mais íngreme esta curvatura, mais discriminativo é o item. O "b" é
problema da transferência de instrumentos psicológicos para outras
representado pela distância na linha dos X (abscissa), que corres­
ponde ao ponto determinado pela perpendicular que vem do ponto populações p;i.ra as quais eles não foram especificamente construídos
e validados. E o caso da utilização destes instrumentos para minorias
de inflexão da curva. O "c" é definido pela assíntota inferior da
e adaptação dos mesmos a outras culturas (tradução de testes).
curva; quando esta assíntota não atinge a abscissa, há respostas dadas
O uso dos testes psicológicos com minorias populacionais tem
ao acaso e o tamanho destas respostas é definido pela distância que
vai do ponto O na abscissa até o ponto onde a curva corra a ordenada. recebido grande atenção nos Estados Unidos, sobretudo com a mi­
noria negra. A TRI também vem se preocupando com esta ques­
A adequação do uso da TRI depende de uma suposição que
ela própria não pode verificar, a saber, a unidimensionalidade do tão no contexto do uso de instrumentos para estudos transculturais
teste, isto é, a homogeneidade do conjunto de itens que suposta­ (Hambleton, 1991). O problema que se observa ali é a dificuldade
mente devem estar medindo um mesmo traço. Este problema é bas­ relativa de certos itens para grupos de indivíduos com tradições
tante grave, uma vez que ele atinge algo de crucial na Psicomerria, culturais e de experiência diferentes das dos grupos para os quais
que é a representação comportamental do traço latente e incide os testes foram elaborados. Isto significa que pessoas de habilida­
diretamente sobre a questão básica da validade dos testes. Tipica­ des similares num dado construto psicológico, mas de culturas di­
mente, a dimensionalidade do teste é verificada através da análise ferentes, apresentam diferentes probabilidades de êxito.
TÉCNICAS DE EXAME PSICOLÓGICO - TEP fUNDAM.ENTOS CIENTÍFICOS DOS TESTES PSICOLÓGICOS

Vários métodos estatísticos foram apresentados para lidar com Esta análise ·contém um problema, que consiste. no fato de que
este problema, problema este chamado viés do teste (test bias), sali­ itens bem discriminativos tendem a se mostrar. outliers e, com isso,
entando-se o enfoque que analisa a proporção dos sujeitos que res­ correndo o risco de serem eliminados como desviantes. Este proble­
pondem corretamente ao item em cada grupo (Angoff, 1982) e a ma é evitado com o uso do enfoque da TRI para analisar os itens em
TRI (Ironson, 1982; Hambleton, 1991; Ellis, 1991; Jackson, 1991). termos de desviantes quando aplicados a uma população cultural­
A técnica de Angoff (1982) consiste em transformar as per­ mente diferente da original, já que ela analisa ós parâmetros de
centagens de acertos nas duas populações em valores delta e plotá­ cada item independentemente uns dos outros.
los em coordenadas cartesianas. No caso de as populações serem Esta técnica pennite analisar a equivalência dos itens quando apli­
cados a populações culturalmente distintas, identificando os itens que
similares, esperam-se altas correlações entre as respostas dos sujei­ não apresentam tal equivalência, isto é, itens que apresentam um funcio­
tos de ambas as amostras, isto é, os itens se apresentam com dificul­ namento diferencial (Differential Item Functioning - DIF - Ellis, 1991).
dades similares, resultando em um agrupamento dos itens em cima A TRI produz os parâmetros de dificuldade (b) e de discriminação (a)
ou ao longo da linha de 45 º que passa pelo ponto de origem das dos itens para as duas amostras culturalmente diferentes, e estes
coordenadas. Quando estas populações forem culturalmente dife­ parâmetros podem ser comparados para verificar se são ou não estatisti­
rentes, o índice geral de dificuldade dos itens pode aparecer mais camente equivalentes ou diferentes. Esta hipótese é testada através do
forte em uma que na outra. Neste caso, os valores delta não se qui-quadrado de Lord (1980; Hulin, Drasgow & Parsons, 1983).
agrupam junto à linha de 45° , mas os pontos (que definem os itens) Ao se plotar os índices de dificuldade (b) assim calculados das
aparecem mais afastados desta linha, isto é, aparece uma série de duas amostras em coordenadas cartesianas, os "b" se alinham ao
longo de uma linha paralela à linha de 45 º, que não passa pela ori­
itens longe da linha, parecendo estranhos aos demais ("outbers").
gem das coordenadas, mas corta, por exemplo, o eixo dos X, indi­
Estes itens são mais difíceis para a amostra de sujeitos onde eles
cando que o teste como um todo é mais difícil para a amostra
aparecem plotados (vide Figura 2-5). indicada neste eixo (vide Figura 2-6). Os itens mais difíceis para
uma ou outra amostra aparecem indentados em direção ao eixo da
amostra para a qual tais itens são particularmente difíceis. Assim,
por exemplo, o item # 1 é mais difícil para a amostra A, aparecendo
16 o item #2 como mais difícil para a amostra B.

.,
10 12 14 16 IS
· Deltas da PrimoiraAmos1ra

Figura 2-5. Distribuição hipotética da dificuldade dos itens em


amostras de culturas diferentes
., .J 1
Dificuldade dos itens para amostra A

Figura 2-6. Distribuição dos b de duas amostras


TÉCNICAS DE EXA.\1E PSICOLÓGICO� TEP FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS DOS TESTES PSICOLÓGICOS lCJ

Uma grande vantagem do enfoque da TRI neste particular eia é tão comum que parece um traço universal do ser humano.
consiste em possibilitar a descoberta das causas de desvio de certos Ela é, igualmente, um problema praticamente sempre presente
itens (o fato de serem mais difíceis para uma amostra do que para em inventários de personalidade. A maneira de controlar esta
outra) e, assim, se poder corrigir esta causa e tentar recuperar o tendência tem sido a elaboração de uma escala de desejabilidade
item para o teste (Ellis, 1991). e incluí-la no inventário. Assim, um traço a mais é mensurado
pelo inventário; mas fica difícil saber o que fazer com tal dado
b. A resposta ao acaso que alerta sobre o fato de que o sujeito pode bem ter utilizado a
Os fatores que determinam a resposta ao acaso não são mesma tática ao responder aos demais traços medidos pelo in­
determináveis, pois são, por definição, aleatórios. Tal ocorrência pode ventário. Pelo menos, fica o alerta para a interpretação dos re­
ser devido a inúmeros fatores não sistemáticos, como a má disposição sultados do inventário, quando índices elevados de desejabilidade
do sujeito em responder ao teste, incompreensão das instruções, go­ social estão presentes nos respondentes.
zação e outros. A TRI identifica este tipo de resposta através do
parâmetro "c'1• c.2. A resposta sistemática, por outro lado, representa erros de jul­
gamento. Há uma série frustrante deste tipo de erros de res­
e. A resposta estereotipada posta: efeito de halo, leniência, tendência central, contraste,
Trata-se realmente de erros ou de respostas tendenciosas em proximidade, e outras. O controle destes erros tem se mostra­
razão de peculiaridades do sujeito que responde, sobretudo ocor­ do ainda bastante falho na utilização de escalas de avaliação.
rendo em testes de personalidade e de atitude. São devidos a uma O efeito de halo foi cunhado por Thorndike (1920) e ocorre
estereotipia na resposta. Dois tipos aparecem salientes: a quando "um avaliador tende a avaliar um indivíduo de modo
desejabilidade social e as respostas sistemáticas. semelhante sobre todas as dimensões" (Guilford, 1959: 146).
Este erro é inversamente proporcional à variância nas respostas
c. l. A desejabilidade social corresponde a um traço de personalida­
(Borman, 1975), acarretando altas correlações entre diferen­
de, mas afeta negativamente a objetividade nas respostas de auto­
tes fatores (Gillinsky, 1947; Taylor & Hastman, 1956) e reduzi­
relato. Esta questão foi amplamente discutida por Edwards (1957,
dos desvios padrões (Bemardin & Walter, 1977).
1959; Edwards & Walker, 1961; Edwards, Diers & Walker, 1962;
Edwards & Walsh, 1963), que inclusive construiu uma escala O erro de leniência consiste em dizer 11 apenas coisas boas a
para avaliar esta tendência nos sujeitos (Heineman, 1952; respeito de todo o mundo" (Dunnette, 1983). Estatisticamen­
Messick & Jackson, 1961). Edwards (1957: vi) define a te, esta tendência é definida como "uma mudança significati­
desejabilidade social como "a tendência dos sujeitos em atribuir va na média das avaliações na direção favorável, de uma con­
a si mesmos, em caso de autodescrição, afirmações de personali­ dição de avaliação para outra" (Sharon & Bartlett, 1969:252).
dade com valores socialmente desejáveis, e em rejeitar aquelas A tendência central ocorre quando um avaliador tende a colo­
com valores socialmente indesejáveis". Essa atitude não repre­ car todos os sujeitos no centro da escala. É uma tendência na
senta uma vontade de falsear os dados, mas é um desejo (in­ qual "avaliadores hesitam proferir julgamentos extremos... e tal­
consciente) de se apresentar bem diante dos outros. O sujeito vez ocorre mais comumente quando avaliadores não conhecem
não procura intencionalmente mentir sobre si mesmo (neste caso, suficientemente bem os avaliandos" (Guilford, 1954: 278).
seria mentira), mas o faz sem dar-se conta disso: quer simples­ Erro de contraste consiste na tendência das pessoas avaliarem
mente aparecer com bons olhos diante dos outros. Esta tendên-
TÉCNICAS OE EXAME PSICOLÓGICO - TEP FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS DOS TESTES PSICOLÓOICOS

os outros ao oposto do que se avaliam a si mesmas. Os outros se ANGOFF, W.H. (1982). Use of dffficulty and discrimination índices for
tomam o contraponto da auto-avaliação. Quem é organizado acha detecting item bias. ln R.A. Bérk (ed;), Handbook of methods for
o outro desleixado (Murray, 1938). detecting test bias. Baltimore, MD: Toe Johns Hopkins University Press.
O controle destes e outros erros da resposta se apresenta difí­ BERNARDIN, H.J. & WALTER, C.S. ( 1977). Effects of rater training and diary
cil, já que eles têm origem na própria personalidade do sujeito keeping on psychometric errar in ratings. Joumal o[Applied PsYchology,
que responde, tratando-se, portanto, de outros traços da pró­ 62( 1 ), 64-69.
pria personalidade. Tem-se inventado maneiras de contornar
BIRNBAUM, A. ( 1968). Some latent trait models and their use in inferring a
tais erros, eliminando, por exemplo, o ponto central (neutro)
examinee's ability. ln f.M. Ford & M. Novick, Statistical theories o[
da escala para inviabilizar a tendência central ou eliminar a mental test scores. Reading, MA: Addison-Wesley.
parte inferior da escala para descaracterizar a leniência, mas
tais investidas não têm surtido efeitos suficientes e claros e, BORMAN, W.C. ( 1975). Effects of instructions to avoid halo errar on reliabilíty
assim, estas tendências ainda continuam sendo um problema and validity of performance evaluation ratings. Joumal af Applied
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substancial na medida da personalidade e das atitudes.
CAMPBELL, N.R. (1928). An account of the principies o[ measurement and
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Conclusão CARPENTER, P.A., JUST, M.A., & SHELL, P. ( 1990). What one intelligence
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Os testes psicológicos são medidas de processos psicológicos que Progressive Matrices Test. Psychological Reuiew, 97(3), 404-431.
se baseiam nos fundamentos da medida em ciência. A teoria que DUNNETTE, M.D. (Ed. - 1983). Handbook of industrial and organizatianal
explicita o uso da medida em Psicologia se chama de Psicometria. A psychology. New York: Wiley.
Psicometria tradicional se chama de Teoria Clássica dos Testes (TCT),
e ela trabalha com o escore total de um teste, enquanto a teoria EDGERTON, H.A. ( 1960). A table for computing the phi coefficient.Joumal
moderna dos testes, a Teoria de Resposta ao Item (TRI), trabalha ofApplied Psycholagy, 69, 174-181.
diretamente com os itens. Estas teorias são detalhadamente ensina­ EDWARDS, A.L. ( 1957). The saciai desirability uariable in personality
das na disciplina Psícometria. Ambas as teorias têm como preocupa­ assessment and research. New York: Dryden.
ção garantir a legitimidade dos testes psicológicos, sendo sua preocu­
EDWARDS, A.L & WALKER, J.N. ( 1961 ). Social desirability and agreement
pação garantir aos mesmos os parâmettos ditos psicométricos de vali­ response set.Joumal ofAbnormal and Social Psychology, 62, 180-183.
dade e fidedignidade. Estes parâmetros dos testes são tratados no
capítulo 3. EDWARDS, A.L. & WALSH,J,A.(1963). Toe relationship between the intensity
of the social desirability keying of a scale and the correlation of the
scale with Edwards' SD scale and the first factor loading of the scale.
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