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Aprendendo Antropologia em Sergipe PDF
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CAPA
Alana Gonçalves de Carvalho Martins
Débora Santos Santana
REVISOR TEXTUAL
Sônia Albuquerque
Aprendendo antropologia em Sergipe : experiências de pesquisa e de ensino [recurso eletrônico] / Orgs: Lorenzo Bordonaro, Ugo
A654a Maia Andrade. – São Cristovão : Editora UFS, 2017.
318 p. : il.
ISBN 978-85-7822-576-6 (online)
1. Antropologia – Sergipe. 2. Antropologia – Estudo e ensino. I. Bordonaro, Lorenzo. II. Andrade, Ugo Maia.
CDU 572.028(813.7)
UFS
Cidade Universitária “Prof. José Aloísio de Campos”
CEP 49.100-000 | São Cristóvão–SE.
Telefone: 3194–6922/6923. e-mail: editora.ufs@gmail.com
www.editora.ufs.br
Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita da Editora.
Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009.
Sumário
Introdução
A Antropologia em Sergipe, sob o
ponto de vista do Programa de Pós-
Graduação em Antropologia da UFS
06 (PPGA-UFS)
Ugo Maia Andrade
Lorenzo Bordonaro
A Antropologia em Sergipe,
sob o ponto de vista do
Programa de Pós-Graduação
em Antropologia da UFS
(PPGA-UFS)
Ugo Maia Andrade
Lorenzo Bordonaro
Aprendendo Antropologia em Sergipe: experiências de pesquisa e de ensino
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Os textos dos alunos, todos egressos nos últimos dois anos, são sín-
teses de suas dissertações, ou um capítulo significativo delas, adap-
tados a fim de fazerem parte da coletânea. Este material é bastante
heterogêneo quanto aos temas e, às vezes, metodologia, mas único
na qualidade. Como forma de produzirmos uma coletânea mista,
com autores discentes e docentes, e facilitarmos ao leitor não ini-
ciado na antropologia o acesso aos resultados das pesquisas aqui
apresentados, optou-se por textos de apresentação escritos pelos
respectivos orientadores dessas pesquisas, à exceção do texto do
Prof. Lorenzo Bordonaro que relata a experiência do projeto OcupA-
ção, por ele coordenado, desenvolvido no interior da disciplina “An-
tropologia, arte contemporânea e intervenção visual” e que contou
com a participação ativa de alunos do PPGA.
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O texto de Ruth Paes Ribeiro, “Quilombola tem que ter uma fala só”,
com uma introdução do professor Wilson José de Oliveira, orien-
tador da pesquisa, explora as agências e lideranças que atuam na
defesa dos direitos concernentes às Comunidades Remanescentes
de Quilombos no estado de Sergipe, em partícula as dinâmicas de
emergência e de funcionamento da Coordenação Estadual do Mo-
vimento Quilombola de Sergipe (CEMQS).
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RETORNAR AO SUMÁRIO
Lucas Martins Santos Melo
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Prefácio
Ulisses Neves Rafael1
Aracaju é uma cidade sui generis. Não que outras capitais do país
também não guardem suas particularidades. Poderíamos indicar de
pronto sua juvenilidade e o aspecto original de seu traçado urbanís-
tico, mas teríamos de aceitar também o contra-argumento daque-
les que reivindicam para Teresina, fundada em 1852, a primazia no
país em termos do planejamento moderno, ou o discurso de “cida-
de ideal”, aplicado a Belo Horizonte, fundada também em período
próximo, 1897, e pautado nas mesmas concepções de “Ordem e
Progresso”, características da fórmula positivista que já se anuncia-
va, ainda no auge do Segundo Reinado2.
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3 A ideia de provincianismo aqui utilizada, tanto tem a ver com horizonte geo-
gráfico, quanto com a postura intelectual, mais crítica acerca dos valores cos-
mopolitas e à ideia de progresso. A esse respeito, consultar: OLIVEIRA, 2011 e
DIAS, 2008. Retomaremos a discussão dessa categoria adiante.
4 Reservaremos a definição desta categoria ao próprio Lucas Melo que, no traba-
lho mencionado, teve oportunidade de explorá-la, tanto historicamente quan-
to à luz do debate intelectual mais profundo.
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11 Este é o nome pelo qual ficou conhecido o plano urbanístico da cidade, elabo-
rado por uma equipe de engenheiros militares, liderada por Sebastião Pirro.
Para homenageá-lo, foi assim denominada a área que substituiu os terrenos
alagadiços e os manguezais que antes da transferência da capital caracteriza-
vam o tipo de solo em que seria ela seria fundada. (Cf. Porto, 1945).
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A partir deste recorte, é possível perceber que, mesmo tendo sido fun-
dada sob o signo do progresso e da modernidade, Aracaju conservou
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dade, mas ainda sentido como artificial”13. E mais, na análise que de-
senvolve sobre o conjunto de pessoas mais cultas, cuja posição na
escala de relação com a cidade tem mais a ver com predisposições
mentais do que por localização geográfica, o estatuto de provincia-
no compreende “três sintomas flagrantes”: “o entusiasmo e admira-
ção pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e
admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental
superior, a incapacidade de ironia”.
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Introdução
Em Sergipe, temos algumas expressões peculiares, uma das quais,
provavelmente a mais conhecida de todas é “cabrunco”, uma inter-
jeição utilizada para os mais diversos fins. Esse tipo de expressão
que já se incorporou no vocabulário do sergipano, é ouvido de
norte a sul do estado, seja no litoral, seja no sertão. Reza a lenda
que surgiu da palavra carbúnculo, doença fatal que aflige o gado.
Porém, no uso corrente passou a ser utilizada para quase todas as
situações, desde elogio, expressão de espanto, ou até como um pa-
lavrão. Supõe-se que esta seja uma das várias heranças interioranas
ainda permeadas no cotidiano do aracajuano.
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18 Um exemplo disso foi observado por mim quando aluno do ensino médio em
Aracaju, no ano de 2006 ou 2007, tinha como colega de classe um ribeiropoli-
tano que possuía um problema na dicção o que acarretava, de vez em quando,
uma cacofonia cômica. Foi então que alguns integrantes da turma, por sua
vez, acabaram por apelidá-lo de Chico Bento; mesmo que no seu nome não
houvesse Francisco e nem Bento, e sim por associá-lo ao personagem matuto
dos gibis de Maurício de Souza.
19 Figura de linguagem em que há a substituição de um nome por outro em ra-
zão de haver entre eles algum tipo de relação.
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A relação jocosa acaba sendo uma brecha aberta entre duas pes-
soas num mundo onde cada vez mais as relações estão fundadas
na rigidez e no extremo respeito. Para se evitar uma conduta hostil,
utiliza-se o recurso da gozação, que “[...] através da sua repetição,
transforma-se numa constante expressão ou num lembrete dessa
disjunção social, que constitui uma das componentes fundamen-
tais desta relação, enquanto a conjunção social é mantida através
da amizade que não se sente ofendida pelos insultos” (RADCLIFFE-
-BROWN, 1989, p. 137). Porém, o autor de Estrutura e função nas so-
ciedades primitivas procurou considerar a relação jocosa como um
fenômeno atrelado à questão do parentesco.
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nesta ação, pode não ser muito bem aceito, talvez seja evitado. “O
tabu é simultaneamente comportamental e lingüístico; social e psi-
cológico” (LEACH, 1983, p. 172). É de suma importância não haver
nenhuma ambiguidade nas discriminações básicas: “Não deve ha-
ver absolutamente nenhuma dúvida sobre a diferença entre o eu e
isso, ou entre nós e eles” (Ibid., p. 178).
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21 Elias (2001, p. 112) traz uma breve descrição histórica do surgimento do termo
honra. Tal distinção “[...] expressava a participação em uma sociedade nobre.
Alguém tinha sua honra enquanto fosse considerado um membro segundo a
‘opinião’ da sociedade e, portanto, para a sua própria consciência individual. ‘Per-
der a honra’ significava perder a condição de membro da ‘boa sociedade’. Ela era
perdida em função do veredito da opinião dos círculos bastante fechados de
que o indivíduo fazia parte ou, em certas ocasiões, da sentença de representan-
tes desse círculo escolhidos especialmente para formar um ‘tribunal de honra’.
Esses homens julgavam segundo um ethos específico da nobreza, cujo centro
essencial estava na manutenção de tudo aquilo que servia, tradicionalmente,
para o distanciamento com relação às camadas que ocupavam níveis inferiores,
confirmando com isso a existência nobre como um valor autêntico”.
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24 Clemilda foi uma cantora de forró que teve grande destaque na mídia nacional,
apresentando-se nos programas do Chacrinha, da Xuxa e do Bolinha, por exem-
plo. Seu auge ocorreu durante as décadas de 1970 e 1980, cujo grande sucesso
foi a música “Prenda o Tadeu (Seu delegado)”. Nascida no interior de Alagoas, ela
estabeleceu residência em Aracaju no fim da carreira, vindo a falecer em 2014.
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Hoje em dia, o bairro Siqueira Campos é conhecido por ser uma região
bastante ativa economicamente, com uma presença bem evidente do
setor terciário. A referida localidade é, em sua maioria, constituída por
imigrantes rurais e de descendentes de imigrantes. Na pesquisa de Bár-
bara Freitas (2003), há a ratificação da maciça presença dos migrantes
rurais no Siqueira Campos, fato que nos levar a pensar, inclusive, que
essa presença tenha sido ampliada no decorrer dos anos com uma
forte propaganda de parentes e amigos que vieram à Aracaju, esta-
beleceram-se e divulgaram a região de forma espontânea. O efeito do
boca-a-boca se mostra benéfico para a região que, atualmente, conta
com inúmeras instalações comerciais das mais variadas finalidades. No
início, “[...] nas décadas de 1930 e 1940, a maioria dos moradores ou
eram operários, ou eram comerciantes ou eram comerciários”29.
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Ora, por que uma procissão, uma maratona ou uma micareta (o carna-
val fora de época), por exemplo, também não sofrem com esses empe-
cilhos citados anteriormente? De acordo com o que pudemos verificar
na pesquisa, tanto o que nos foi dito pelos entrevistados, quanto o que
foi averiguado juridicamente, a razão é o da incompatibilidade deste
“estilo de vida”, como falam os vaqueiros, com o ambiente urbano. No
interior de Sergipe, ainda é possível encontrar algumas cavalgadas,
como a de Itaporanga D’Ajuda, a de Nossa Senhora das Dores, a de
Nossa Senhora da Glória, a de Carmópolis, a de Santa Rosa de Lima, a
de Areia Branca, a de Estância, a de Telha, a de Cumbe, a de São Francis-
co, a de Simão Dias, a de Capela. Ou seja, independente da localização
do município, seja no sertão, agreste ou litoral, ocorrem as cavalgadas
em território sergipano. Tendo quase sempre como trajeto o percurso
entre os povoados desses municípios. No entanto, com tais ações dis-
ciplinadoras, até agora, a capital dos tabaréus é palco de apenas uma
cavalgada, a do Aribé, até o presente momento.
Conclusão
Sabemos que os homens, na maioria das vezes, querem e procuram
subterfúgios para se distinguirem dos seus pares – seja pela classe
social, pela cor da pele, pela origem , seja em razão de posse de
alguma propriedade material ou simbólica. Isto é inegável. Portan-
to, o que ocorre em Aracaju é um recurso utilizado para distinção,
proferido de uma suposta posição superior em direção a alguém
em posição inferior; isto é, o uso do termo “tabaréu” pelo “citadino”
contra alguém que, supõe-se não é possuidor de determinadas ca-
racterísticas compatíveis com o seu meio.
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na Praça Olímpio Campos, mas que oferecia música ao vivo aos seus
frequentadores. Este foi o ponto da high society na noite aracajuana
durante as décadas de 1950 e 196035. Enquanto o tradicional, para
citar alguns exemplos, aparece no falar do aracajuano, seja para se
queixar ou para elogiar; em alguns pratos da culinária cotidiana; em
algum modo de divertimento; ou seja, é quase imperceptível de se
notar, dada a inserção no cotidiano do habitante aracajuano. São
elas práticas herdadas que quase não são indagadas quanto a sua
utilização, sendo passadas despercebidas por alguns.
35 Para saber mais sobre estes dois estabelecimentos Cf. MELINS, 2007; 2015.
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Referências
ARACAJU. Ministério Público Estadual de Sergipe. Ação Civil Pública nº
201110306869. Relator: Promotores Adriana Ribeiro Oliveira; Gilton Feito-
sa Conceição. Aracaju, 29 ago. 2011.
67
______. Espaço social e poder simbólico. In: BOURDIEU, Pierre. Coisas di-
tas. Tradução de Cássia R. Da Silviera; Denise Moreno Pegorim. São Paulo:
Brasiliense, 2004.
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MAIA, Andréa Casa Nova; PEREIRA, Valnei. Belo Horizonte em três tempos:
projetos em perspectiva comparada. Revista História Comparada. Rio de
Janeiro: PPGHC/UFRJ. Vol. 3, n. 1, 2009.
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SILVA, José Calazans Brandão da. Como Nasceu Aracaju. Folha da Manhã.
Aracaju, 17 de março de 1939.
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FONTES ORAIS
COSTA, Zito. Entrevista concedida ao autor. Aracaju (SE), 11 de fevereiro
de 2016.
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Ruth Paes Ribeiro
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Prefácio
Wilson José Ferreira de Oliveira
36 Este artigo é uma versão resumida dos capítulos III e IV da dissertação de mes-
trado intitulada “Porque nós não temos fala. Um estudo sobre a organização
política da CEMQS: Coordenação Estadual do Movimento Quilombola de Ser-
gipe. Texto apresentado ao PPGA\UFS-2015. No presente texto, as expressões
acompanhadas de aspas são para destacar termos nativos e as citações diretas
inseridas no corpo do texto. As expressões em itálico serão para se referir a
conceitos.
37 Considera-se remanescentes de quilombo “os grupos étnico-raciais, segundo
critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de rela-
ções territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relaciona-
da com a resistência à opressão histórica sofrida” (Artigo 2º do Decreto presi-
dencial 4887 de novembro de 2003). “Aos Remanescentes das Comunidades
de Quilombos que estejam ocupando as suas terras é reconhecida a proprie-
dade definitiva, devendo ao Estado emitir-lhes os títulos definitivos” (Artigo
68 da Constituição Federal do Brasil de 1988). Destaca-se aqui a incorporação
de novos marcos legais como o Decreto 4887 de 20 de novembro de 2003,
através do DECRETO 5051 de 19 de abril de 2004 que promulga a Convenção
Internacional do Trabalho no 169 de 27 de junho 1989.
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38 “Fala” – acepção nativa – será entendida aqui, de um modo geral, como sinô-
nimo de autorrepresentação dos quilombolas em espaços públicos voltados
ou relacionados à Política Pública para quilombos no Estado. “Ter fala” é, espe-
cificamente, poder usar da voz, perante autoridades e/ou demais lideranças
quilombolas (quando se trata da organização interna) para dizer sobre direitos
sociais e problemas vividos nos quilombos de Sergipe.
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Quanto ao título do texto “Quilombola tem que ter uma fala só” foi
uma expressão usada por liderança39 quilombola a fim de demarcar
fronteira – ou o espaço de “fala” – dos quilombolas perante outras
entidades constituídas de não-quilombolas, as quais integravam a
rede em torno da Política Pública voltada para estas populações no
estado de Sergipe e foi dita, com certo orgulho, no dia do primeiro
evento organizado pela CEMQS junto à CONAQ40.
Dizer que “quilombola tem que ter uma fala só” ilustrava grande par-
te da percepção de algumas lideranças sobre os atores não-quilom-
bolas, os quais adquiriam posição de concorrentes diante da orga-
nização de um movimento quilombola que pretendia constituir-se
apenas por quilombolas. Em um universo de disputas por autorre-
presentação política – além da disputa por diretos sociais – estava
embutida certa obrigação de não falar por influência de outras en-
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A CEMQS não existe sem aqueles outros aos quais ela se opõe e que
a ela se complementam. Gostaríamos, assim, de fazer uma breve
demonstração de parte da rede quilombola, ou, mais precisamente,
dos principais atores – e dilemas – quilombolas e não-quilombolas
que, de algum modo, influenciaram sua formatação, os quais rela-
cionam-se, direta e constantemente com o grupo.
50 Reuniões mensais.
51 Neste artigo, os vinte e quatro eventos aparecerão numerados.
52 Ministério Público Federal.
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O “movimento do padre”
Quando pedi mais detalhes, a fim de compreender melhor, a lide-
rança, como se não fizesse parte de nenhum dos movimentos, es-
clareceu: “aqui em Sergipe existiam três movimentos quilombolas,
agora são dois, mas antes eram três: um do Padre – junto da Cáritas
Diocesana de Propriá, Instituto Braços e Movimento Nacional de
Direitos Humanos e, também, junto de “Ana Lúcia” [deputada esta-
dual] –; “outro do Comitê Gestor e Associação Quilombola, de Luiz
Bonfim [liderança do quilombo urbano Maloca]; e ainda, outro, que
não existe mais: o “MSK” – Movimento Sergipano Kilombola – “de
Espaço”, que era do MST” (RIBEIRO, 2015, p. 99).
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Rose [ex-técnica da Cáritas] foi quem foi vendo que a gente tinha
características diferentes. Ela que reparou que a gente tinha uma
ancestralidade negra e a partir daí começamos a entender o que era
a política quilombola58.
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Nesse caso, o INCRA além de outras entidades com mais poder na rede
quilombola, acabava por ampliar a sua capacidade de mediar. Portan-
to, havendo o interesse em construir uma organização – um movimen-
to – capaz de interceder as relações de todas as comunidades com os
outros atores envolvidos na política pública para quilombos no estado
de Sergipe era preciso, em muito, encarar as relações das demais lide-
ranças quilombolas com os diversos agentes “exógenos”. Estes, muitas
das vezes, mediadores importantes dos processos de organização
política das respectivas comunidades quilombolas perante o Estado
brasileiro, no que tange, especificamente, à mobilização para solicitar
certidão de autorreconhecimento à Fundação Cultural Palmares, o que
eleva o agrupamento rural ao status de público da reforma agrária (ét-
nica) ou comunidade quilombola certificada.
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Formatação da CEMQS
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O momento dos “informes”, por exemplo, era onde cada uma das
lideranças podia “falar” de modo relativamente livre, ou seja, sem
que necessariamente estivesse presa às discussões em “pauta” e sem
muitas formalidades. Tratava-se, geralmente, de informações relacio-
nadas a fatos ocorridos ou que ocorreriam em suas próprias comu-
nidades: geralmente problemas a serem resolvidos ou convites para
eventos. Eram “falas” ditas no momento inicial, logo após a abertura
da reunião, feita pelo coordenador-geral. Após esta etapa, geralmen-
te, era seguida de uma oração, realizada por alguém que, esponta-
neamente, quisesse fazê-la, além, também, de uma cantoria “da luta”.
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Tal “imposição”, ora tácita, ora explícita, não parecia encontrar res-
sonância ou interesse nas demais lideranças já que isto as impeliria,
automaticamente, a romper suas relações com seus “apoiadores”,
ainda mais quando “uma fala só” poderia ser, também, a “fala única”
de outra liderança – ou a do seu próprio apoiador ou “parceiro” – e
não a de “todos” os quilombolas como se pretendia que fosse.
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Considerações Finais
Não somente o anseio pelo acesso aos direitos sociais e às políticas
públicas impulsionaram as lideranças quilombolas a organizarem um
movimento “só de quilombolas”. Mas, sobretudo, pelo direito à autor-
representação pública. Ademais, ao acompanhar o processo de or-
ganização da CEMQS, foi possível notar que além da permeabilidade
entre a CEMQS e a rede quilombola, a existência de “uma fala só” – se
entendida como metáfora, a fim de impor distanciamento dos qui-
lombolas em relação aos principais mediadores não-quilombolas da
rede – enquanto antídoto para a resolução do problema de represen-
tação da causa quilombola “pelos próprios quilombolas”, não garan-
tiu o direito à voz própria em cenários e arenas políticas de Sergipe.
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Neste ponto, uma das saídas encontradas pela CEMQS para o es-
tabelecimento de um movimento de “uma fala só”, parece-nos que
pôde ser ilustrado através do dilema estabelecido entre “política
pública” e “política de beneficiamento pessoal”, onde há cessão de
direito automático a todas as lideranças quilombolas que preten-
dam estabelecer relações públicas com qualquer não-quilombola,
desde que, partidários do PT – “aqueles que historicamente defen-
deram a luta do povo negro desse país”101 – ou com pessoas que
tragam um benefício “coletivo” e não “pessoal”.
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Referências
ANJOS, José Carlos dos; SILVA, Paulo Sérgio da. A rede quilombola como
espaço de ação política. In: NEVES, D. P. (org.). Desenvolvimento social e
mediadores políticos. Porto Alegre: UFRGS, p. 155-172, 2008.
116
CEFAÏ, Daniel; MELLO, Marco Antônio da Silva; MOTA, Fábio Reis; VEIGA,
Felipe Verocan.. Introdução: Arenas Públicas: Por uma etnografia da vida
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associativa. In: CEFAÏ, Daniel; MELLO, Marco Antônio da Silva; MOTA, Fábio
Reis; VEIGA, Felipe Verocan (org.). Arenas Públicas: Por uma etnografia da
vida associativa. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2011.
LATOUR, Bruno. Crise. In: LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: en-
saio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34, pp. 7-17, 1994.
MARCON, Frank N. Quilombo urbano da Maloca. In: LEITE, Rogério P. (org.). Cul-
tura e vida urbana: ensaios sobre a cidade. São Cristóvão/SE: EdUFS, 2008.
118
RIBEIRO, Ruth Paes (2015). Porque nós não temos fala. Um estudo sobre
a organização política da CEMQS: Coordenação Estadual do Movimento
Quilombola de Sergipe. Dissertação de mestrado em Antropologia defen-
dida pelo PPGA da UFS.
119
WAGNER, Roy. Existem grupos sociais nas terras altas da Nova Guiné?
Revista Cadernos de Campo, São Paulo, n.19, p. 1-384, 2010a.
RETORNAR AO SUMÁRIO
João Mouzart de Oliveira Junior
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Prefácio
Frank Marcon
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Para tanto, Oliveira Junior (2015) buscou realizar uma revisão do cam-
po de pesquisa sobre irmandades no Brasil e em Sergipe, demons-
trando o quanto o tema se tornou uma porta de entrada significativa
sobre inúmeras questões acerca do tema da escravidão, evidencian-
do quais as questões que levaram ao desaparecimento de muitas ir-
mandades e o que fez com que em algumas cidades do País, algumas
delas se mantivessem ativas. Também destacou em sua pesquisa o
quanto as irmandades estiveram pautadas pelo crivo da distinção so-
cial de cor e de classe, aprofundando-se no caso da constituição da
Irmandade de São Benedito como um caso de etnicidade e resistên-
cia, bem como trouxe a tona a composição do perfil social dos irmãos
e o processo histórico de formação e manutenção da irmandade.
Por último, analisou o tema que será tratado neste artigo, a festa e a
morte para irmandade como referências de coesão e de identificação
religiosa, étnica e social entre os associados.
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A cor da oração:
a festa e a morte na irmandade
de são benedito102
João Mouzart de Oliveira Junior
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vos sentidos são acionados, pois a festa se reinventa a partir dos an-
tigos problemas e dos novos que surgem; ou seja, tal festejo ainda
serve para os irmãos como uma “válvula de escape” dos sofrimentos
e do julgo do dia a dia.
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de Aracaju. Mesmo assim, não foi possível identificar se todos que par-
ticipavam da comemoração pertenciam a essa irmandade.
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Souza (2002) chama a atenção para o fato de que não são todos os
compromissos de Irmandade de “homens pretos” que fazem eleições
de reis e rainhas e que, apesar da maioria dos aspectos da festa não
estarem regulamentados nos compromissos, a coroação não estava
inserida no conjunto de atividades plenamente aceitas pelas autori-
dades eclesiásticas, mas toleradas nas comemorações religiosas.
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103 Ver as pesquisas sobre Batuque: BRAGA, Reginaldo Gil. Batuque Jêje-Ijexá em
Porto Alegre. A música no Culto aos Orixás. Porto Alegre: FumProarte, Secre-
taria Municipal da Cultura de Porto Alegre, 1998. CORREA, Norton. O batuque
gaúcho. História Viva. Cultos Afro. Porto Alegre, 2007. p. 56-57. OLIVEIRA JU-
NIOR, João Mouzart de. Entre panelas e batuques: arqueologia da diáspora
e gênero no sítio da Palha. Sergipe: Laranjeiras, 2012. Monografia de História.
Universidade Federal da Sergipe
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104 DUARTE, Cabral Luciano Dom. Estatuto da irmandade de São Benedito. Ara-
caju, 1971.p.3.
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O trajeto da festa da irmandade tem seu ponto inicial na Igreja São Sal-
vador na Rua Laranjeiras. Logo após, os irmãos perpassam pelas Ruas:
Itabaiana, Divina Pastora, que dá acesso ao terminal da Rodoviária Ve-
lha, adentram a Rua Capela, seguem toda a Rua em questão que dá
acesso ao fundo da Catedral metropolitana de Aracaju – a Igreja Nossa
Senhora da Conceição e passam também pela Rua Maruim, até chegar
à Rua Capela, sentido a Igreja São Salvador, ponto final da Festa.
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lembranças para serem entregues aos fiéis, como, por exemplo, ca-
lendário e santinhos com a imagem e oração a São Benedito.
Organizam ainda a missa, que vai desde a escolha dos leitores (da
primeira leitura e da segunda, do salmo, das preces e de um comen-
tarista para conduzir a missa), até a definição do coral (que também
é outra peça fundamental para realização deste ato), passando pela
seleção dos participantes do ofertório105 (que levam os objetos litúr-
gicos da entrada da igreja até o altar para o pároco), finalizando com
a escolha dos grupos folclóricos para entrar no espaço da igreja, re-
memorando a partir da música e da dança o culto a São Benedito.
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111 Ato litúrgico da celebração da missa que são apresentados as oferendas mate-
riais e são colocados os objetos litúrgicos no altar .
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Ela continuou:
“O Batuque me faz requebrar ao ritmo religioso, ao ritmo
de São Benedito que venha o barulho dos músicos nesse
ar livre. Gosto da chamada rabada é lá que desfilo, longe
do meu querido padre. Lá pega fogo!”(VERÔNICA, 2013).
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Segundo Reis (1991), no século XIX, a morte foi tomando novas formas
e novos sentidos, estimulando a preocupação com uma boa morte.
As concepções sobre o mundo dos mortos e dos espíritos, a maneira
como era esperada, o local da sepultura, o destino da alma, e a rela-
ção entre vivos e mortos eram todas questões sobre as quais muito
se pensava, falava, e escrevia; e em torno das quais se realizavam ritos,
criavam-se símbolos, movimentavam-se devoções e negócios.
143
113 Essas modificações não foram aceitas ao mesmo tempo em todas as regiões bra-
sileiras, tendo em vista que as suas particularidades (condições econômicas, cul-
turais, sociais) contribuíram para que fossem aceitas ou não. Inicialmente, como
na Europa a construção de cemitérios não foi aceita, em Salvador aconteceram
sucessivas revoltas, já em São Paulo e no Rio de Janeiro eram notáveis cemitérios
com características similares aos da Europa, com construções que enalteciam as
condições sociais e principalmente a crença cristã dos mortos.
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117 DUARTE, Cabral Luciano Dom. Estatuto da irmandade de São Benedito. Ara-
caju, 1971, p.3.
118 DUARTE, Cabral Luciano Dom. Estatuto da irmandade de São Benedito. Ara-
caju, 1971, p.3.
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Tais sinais podiam ser notados por alguns aspectos como a “previ-
são” do momento da morte e a aceitação com resignação do fim
próximo. As ideias de prestígio podem ser visualizadas nas artes
tumulares, dentro dos espaços de enterramento. No caso do cemi-
tério Santa Izabel, visualiza-se com maior expressividade, já no ce-
mitério São Benedito, são inexistentes tais elementos.
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Existia toda uma preocupação com a alma dos falecidos, por isso
todos tinham o dever de cumprir a obrigação de rezar por todos
que morressem.
119 DUARTE, Cabral Luciano Dom. Estatuto da irmandade de São Benedito. Ara-
caju, 1971, p.3.
120 OLIVEIRA, Batista João. Carta dispensa do cargo de administrador do cemitério
São Benedito. Aracaju, 1971. Cúria Metropolitana. Pacotilha.8. Aracaju, 1971.
Aprendendo Antropologia em Sergipe: experiências de pesquisa e de ensino
153
Outro dado importante, que esta carta de João Batista traz, são as
informações da sua atuação dentro de outros cargos da referida ir-
mandade, como de tesoureiro, escriturário e administrador do ce-
mitério. Continuo a analisar seu discurso: “Dentro de um programa
de trabalho procurei melhorar as condições da parte térrea do ce-
mitério, calçando, plantando algarobas, dando uma nova feição”.121
Exemplo disso foi a atuação do coveiro Manoel dos Santos, que mora-
va na Rua São Mateus, no bairro Olimar, na Barra dos Coqueiros (SE).
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veres dos irmãos ao receber o pecúlio deixado por eles, é tanto que
o parente continuou a pagar as taxas deixadas para seus pais, em
busca de garantir para ele e seus familiares uma boa morte.
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Considerações finais
Ao concluir esta análise, destaco que as estratégias de sobrevivência
da irmandade de São Benedito no universo católico aracajuano per-
duraram-se em função da etnicidade. A referência da cor se tornou
um elemento aglutinador de um grupo religioso, reconhecido como
pretos. Os discursos étnicos ativados pela irmandade também ajuda-
ram a redimensionar algumas discussões sobre a questão racial no
Brasil, durante o século XX – fato que evidencia que a irmandade re-
fletia as regras sociais estabelecidas no século XIX e que foram trans-
postas para o universo sagrado, perdurando após a Abolição.
158
Referências
ENTREVISTAS
CARLA Entrevista concedida a João Mouzart de Oliveira Junior.
Aracaju 6 de jan. 2013.
159
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FONTES DOCUMENTAIS
ALMEIDA, Marco Eugênio Galvão Leite de. Ata de posse da diretória da
irmandade. Cúria Metropolitana. Aracaju. Cx.03. Aracaju, 2001.
161
BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Martha. O Império do Divino: Festas religiosas e cultura popular
no Rio de Janeiro: 1839-1900. São Paulo: Nova Fronteira, 1999.
ANDRADE, Maria Lucelia de. Vitrine das Virtudes: a irmandade das Filhas
de Maria em Limoeiro-CE (1915-1945). X Encontro Estadual de História:
Experiências e Saberes 24 a 28 de julho de 2006, Uece/Campus do Itaperi.
162
DANTAS, Beatriz Góis. Vovó Nagô e Papai Branco: usos e abusos da África
no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
DEL PRIORE, Mary. Festas e Utopias no Brasil Colonial. São Paulo. Editora
Brasiliense. 1999.
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RETORNAR AO SUMÁRIO
Lorenzo Bordonaro
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Reparei nos barracos da ocupação Nova Liberdade III por acaso. Es-
tava a sair de Aracaju de ônibus em direção a João Pessoa. Da rodo-
viária de Aracaju até a BR101, o percurso – protegido e higienizado
dentro do veículo, poltronas confortáveis, wifi e ar condicionado –
parece uma viagem virtual no tempo, uma simulação que permite
ver, longe do calor e da poeira, as recentes fases da expansão da
periferia de Aracaju. Longe, muito longe, dos prédios da Av. 13 de
Julho, dos shopping, da praia da Atalaia, as casas de tijolo e as ruas
recentemente urbanizadas atravessadas por nauseabundos canais
de saneamento abertos, cedem o espaço de repente aos barracos,
que chegam até à margem da rodoviária BR235.
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Figura 7 Chegar lá: o ônibus 305 faz ligação entre o terminal rodoviário e Nova Liberdade III.
Fonte: Acervo particular do autor.
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Figura 10 Nova Liberdade III surge entre os municípios de Aracaju e de Nossa Senhora do Socorro.
Fonte: Acervo particular do autor.
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Figura 12 O Sr. João foi o único que quis ser fotografado e identificado
em sua casa e perto dos objetos para ele mais importantes.
Fonte: Acervo particular do autor.
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A alternativa não foi casual: como no projeto Ghetto Six que realizei
em Lisboa, baseado na pesquisa no bairro Cabo-verdiano 6 de Maio
(Bordonaro, 2013a; 2013b), um dos objetivos da intervenção/insta-
lação foi questionar a segmentação espacial do território urbano:
levando a periferia para o centro, a instalação visou proporcionar
uma meditação sobre o quotidiano, a precariedade habitacional, a
estética da autoconstrução, a cultura material e o próprio processo
etnográfico na ocupação Nova Liberdade III.
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Figura 21 Lorenzo Bordonaro recuperando materiais para a instalação “Nova Liberdade III”.
Fonte: Acervo da aluna Rhaiza Bomfim do Nascimento
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192
193
Referências
BISHOP, Claire. The Social Turn: Collaboration and Its Discontents. Artfo-
rum, 2006.
BISHOP, Claire. Artificial Hells: Participatory Art and the Politics of Specta-
torship. London: Verso Books, 2012.
194
HANSEN, Karen Tranberg; DALSGAARD Anne Line (orgs.) Youth and the
City in the Global South. Bloomington e Indianapolis, Indiana University
Press, 2008.
LACY, Suzanne. Mapping the Terrain: New Genre Public Art. Seattle, Bay
Press, 1995.
MILES, Malcolm. Art, Space and the City: Public Art and Urban Futures.
London, Routledge, 1997.
RAVEN, Arlene. Art in the Public Interest. Ann Arbor, UMI Research Press,
1993 (1989).
195
RETORNAR AO SUMÁRIO
Josué Felipe Silva Maia
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Prefácio
Ugo Maia Andrade123
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124 Em “Totem e Tabu”, versão Jivaro (LÉVI-STRAUSS, 1986), o autor mostrará que
a codificação sexual adotada por Freud é insuficiente para produzir inteligi-
bilidade, tendo o complexo de Édipo como referência, a mitos ameríndios e
mesmo a versões originais do mito de Édipo.
125 Defendida em 30 de março de 2016, no PPGA/UFS, sob o título Claude Lévi-Strauss
e suas relações com a obra de Sigmund Freud e diante de banca examinadora cons-
tituída pelos professores Daniel Menezes Coelho (Departamento de Psicologia e
PPGPS/UFS), Hippolyte Brice Sogbossi (Departamento de Ciências Sociais e PPGA/
UFS) e eu, na qualidade de orientador.
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Foi para defender e desenvolver este ponto de vista que ele dedi-
cou-se a escrever uma obra como O pensamento selvagem, publica-
da treze anos após a primeira edição de As estruturas elementares
do parentesco, encerrando um ciclo de diálogo com Freud que teria
ainda em textos como “Totem e Tabu” versão jivaro (1986) e História
de lince (1991) importantes desdobros.
Josué Maia descreve muito bem este ponto capital nas oposições
entre Lévi-Strauss e Freud, acentuando o fato de o inconsciente do
primeiro ser “vazio” e, assim, não definido por conteúdos funda-
mentais socialmente reprimidos por meio da regra da proibição do
incesto e outros artefatos morais. Esta regra é o avatar do princípio
do dom (vide a última citação) e não se reporta a nenhuma outra
situação que não seja à sentença de organizar toda e qualquer re-
lação social humana com base nele, aspecto sintetizado por Josué
Maia ao concluir que:
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Foi no Ensaio sobre a dádiva: forma e razão das trocas nas sociedades
arcaicas que Lévi-Strauss encontrou o ensejo para pensar os inú-
meros atos de reciprocidade de forma sintética, uma vez que reco-
nhece em Mauss o primeiro a buscar atingir “realidades mais pro-
fundas” que permitissem reduzir a diversidade empírica a algumas
126 Inúmeras vezes Lévi-Strauss chamou a atenção para o fato dos parentes con-
sanguíneos não constituírem uma classe natural, posto que “sangue” – en-
quanto definidor de consanguinidade – é classificação cultural e não dado
biológico. Por conseguinte, em vários sistemas terminológicos, como no dravi-
diano, o primo paralelo (filho da irmã da mãe ou do irmão do pai) é interdito ao
matrimônio, ao passo que o primo cruzado (filho da irmã do pai ou do irmão
da mãe) é o conjugue preferencial.
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Eu arriscaria dizer que o único motivo pelo qual logra êxito é por-
que é familiar ao paciente, embora ele não saiba disso, pois se tra-
ta, no caso dos delírios, do inconsciente agindo sobre um núcleo
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Referências
FOUCAULT, Michel. História da loucura na idade clássica. São Paulo:
Perspectiva, 1978.
MAUSS, Marcel & HUBERT, Henri. “Esboço de uma teoria geral da magia”.
In: MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify,
2003 [1904], p. 47-181.
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A Versão Freudiana
Em 12 de maio de 1913, Sigmund Freud lê para a Sociedade Psicanalíti-
ca de Viena o quarto e último ensaio que compunha seu Totem e Tabu,
obra que dialoga diretamente com a antropologia social, baseando-se
em dados etnográficos presentes em trabalhos de autores como Frazer
e Morgan, bem como nas ciências sociais, mais amplamente.
Deve-se ratificar, como o fez Domiciano (2014), que este caráter comu-
nicacional que é inaugurado a partir de tal obra entre a psicanálise e
outros saberes amplia a dimensão de uma fértil abordagem do homem,
na qual o que há de inconsciente, tanto em foro individual, quanto no
âmbito cultural é passível de uma abordagem que põe ambas as instân-
cias em relação.
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rania paterna pela fraternidade orientada pelo totem foi uma ideia
inspirada pela Antropologia de Robertson Smith. Por fim, o animal
totêmico que remetia ao pai morto era então cerimonial e coletiva-
mente devorado por estes irmãos.
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Note-se que a seleção de teses que fez Freud com o objetivo de dese-
nhar sua hipótese de origem do totemismo e da interdição do incesto
não veio sem antes, ainda no âmbito dialógico destes ensaios, refutar
explicações que ele mesmo classificou como nominalista, sociológica e
psicológica. A primeira derivaria – cada versão com suas variações mais
ou menos particulares – o totemismo da necessidade dos grupos de
se diferenciarem entre si através de nomes de animais que figurariam
como “insígnias heráldicas” passadas dos pais aos descendentes.
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Isto estaria ilustrado por uma série de mitos que afirmaria ainda o an-
cestral costume de se efetuar casamentos no interior do clã totêmico.
Freud (2006a), partindo de observações de Durkheim, objeta a afir-
mação colocando os aruntas como um povo deveras sofisticado no
contexto das tribos australianas, relegando os mitos de consumo no
interior do clã a projeções geradas pelo desejo que estimularia o ima-
ginário a uma volta ao passado “tal qual o mito de uma idade de ouro”.
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A Versão Estruturalista
Já em 1949, Lévi-Strauss publica As Estruturas Elementares do Paren-
tesco, e em seu primeiro capítulo o autor faz uma busca pela passa-
gem da ordem natural à ordem cultural.
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Ora, este indivíduo oferece o seu vinho como abertura de uma relação
em que se espera a reciprocidade e sua consequente e potencial mini-
mização de possíveis tensões, o que caracteriza este fato como, bem
além de meramente econômico, social e psicológico, de modo que:
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Psicanálise e Fatos
Mi única explicación es que así como los hechos reales se
olvidan, también algunos que nunca fueron pueden estar
en los recuerdos como si hubieran sido (García Márquez,
Memoria de mis putas tristes.
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ção seria algo como entregar ao paciente uma estória como história
buscando um desenvolvimento da clínica em que, emergindo suas
resistências e negações ou seus falsos e verdadeiros consentimen-
tos, o analista pudesse então lograr a substituição do conteúdo re-
primido por “reações de um tipo que corresponda a uma condição
psiquicamente madura” (FREUD, 2006b).
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Com esta citação, vemos retornar uma chave para situar a impor-
tância, para Freud e a composição de seu Totem e Tabu, que teriam
os fatos e a sua sistematização em sequência como foi reclamado
por Lévi-Strauss no sentido de validar a “explicação de certos tra-
ços atuais do espírito humano”. Esta chave seria a noção de verdade
histórica. Aliás, como bem pontua Danelinck: “la verdad histórica ra-
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Assim sendo, é por se dar num estágio pré-linguístico que tais “im-
pressões primtivas” se vinculam menos à rememoração que à re-
produção, uma vez que está sujeita às mais diversas deformações
devidas à inexistência atual de seu passado contexto de produção,
podendo voltar então com ares alucinatórios.
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ca, baseada numa série de fatos sociais que deem sustento a uma
explicação, e sim como continuidades entre uma materialidade
epistemologicamente intangível para a psicanálise e os aparelhos
psíquicos individuais. As construções afirmam, dentro da teoria psi-
canalítica, que há uma maneira de se reconstituir uma verdade de
modo que ela passe a ser histórica, e não necessária. Se esta surte
efeito dentro da experiência clínica, entendemos que se tem a sa-
tisfação de um empreendimento intelectual e prático, como a psi-
canálise. Assim, confirmam-nos novamente as palavras de Brauer:
A diferencia de lo que sucede en las ciencias naturales,
una “construction”, aún siendo parcialmente incorrecta
puede tener um efecto heurístico disparador en su objeto:
dado que ella contiene una serie de interpretaciones
interdependientes, el rechazo de una de ellas por parte
del paciente puede traer consigo su corrección parcial y la
confirmación en líneas generales del marco conjetural en
que se inscribe. Es precisamente su efecto de interpelación
y por lo tanto de intervención fundamentalmente en los
mecanismos mnémicos y reactivos, en las asociaciones y
analogías, en los sueños y actos fallidos que despierta en el
paciente, que “complementan y amplían la construcción” y
no el rechazo o aceptación de la propuesta en su conjunto,
lo que sirve de criterio de distinción entre construcciones
que Freud califica de “correctas” o “incorrectas”. Las
consecuencias observacionales, repito, no son inferidas
sólo a partir de las hipótesis de trabajo, sino que surgen
como efecto de la provocación que suscita en el paciente
la interpretación sugerida (2010, p. 113).
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Não foi à toa que, quando convocado pelo historiador francês Ma-
xime Leroy para a interpretação de três sonhos do filósofo René
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Referências
BIRMAN, J. Freud e a Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
258
______. O Ego e o Id. In: Edição standard brasileira das obras psico-
lógicas completas de Sigmund Freud Vol. XIX. Rio de Janeiro: Editora
Imago, 2006e.
259
260
SANSONE, L. Verbete “Raça”. In: Sansone e Furtado. Dicionário crítico das ci-
ências sociais dos países de fala oficial portuguesa. Salvador: EDUFBA, 2014.
RETORNAR AO SUMÁRIO
Priscila de Souza Viana
Do silêncio à libertação:
aspectos morais em
narrativas de abortamento
Prefácio de Luiz Gustavo P.S. Correia
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Prefácio
Silêncio, segredo e
anonimato: o aborto
voluntário e os dilemas de
uma pesquisa antropológica
Luiz Gustavo P. S. Correia
DCS/PPGA/PPGCINE – UFS
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Silêncio e segredo
Para o texto aqui publicado, Viana selecionou a primeira interlocu-
tora de sua pesquisa, Laura (nome fictício), para tratar mais detida-
mente a questão do silêncio e as dinâmicas do segredo, bem como
o papel performatizador ou “libertador” da fala (VIANA, 2015, p. 55).
Da maneira como se fez notar na pesquisa, o silêncio pode ser inter-
pretado à luz da perspectiva simmeliana do segredo e a dinâmica
que envolve os processos de ocultação e revelação, o estabeleci-
mento da confiança e o receio da traição entre aqueles que compar-
tilham determinada informação.
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Uma das faces da discussão levada a cabo por Viana foi o dilema
de ter acesso às narrativas marcadas pela dor e pelo sofrimento
solitário, a empatia que envolveu pesquisadora e interlocutoras
durante o contato em campo devido às suas experiências com-
partilhadas e o seu próprio silenciamento, suas próprias angústias
contidas, resguardadas, decorrentes da discrição necessária por
Aprendendo Antropologia em Sergipe: experiências de pesquisa e de ensino
268
Não à toa, portanto, uma das interlocutoras tem seu nome real apre-
sentado. A justificativa apresentada por Viana é o posicionamento po-
lítico da própria entrevistada, feminista de reconhecida militância, para
quem deve haver não apenas um questionamento dos discursos bio-
médicos, religiosos e jurídicos a respeito do aborto, mas que a proble-
matização de tais arranjos de poder surja da escuta das falas femininas
sobre o seu corpo, os sentidos da maternidade e os direitos reproduti-
vos. Ou melhor, que as vozes das mulheres possam deslocar e recon-
figurar tais discursos, mostrando a legalidade da opção pelo aborto
como uma “necessidade da mulher” (VIANA, 2015, p. 116), fazendo
coro com pesquisadoras e militantes feministas sobre a importância da
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269
Referências
BONETTI, A. “Etnografia, gênero e poder: antropologia feminista em ação”.
Revista Mediações. Londrina, v. 14, n. 02, p. 105-122, jul/dez, 2009.
270
Referências fílmicas
DINIZ, D. À margem do corpo. Brasília: ANIS, 2004, VHS-NTSC, son., color.
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Introdução
Polêmico e controverso, o debate a respeito da prática do aborto no
Brasil envolve uma série de questões delicadas, que incluem desde
aspectos éticos e morais até discursos nos âmbitos da saúde e da
legislação. No Brasil, o aborto é regulamentado pelo Código Penal e
considerado um “crime contra a vida” desde a década de 1940, nos
artigos 124 a 128 (SARMENTO, 2006), com exceção de três permis-
sivos legais: quando a gravidez é resultante de estupro; quando o
aborto é considerado necessário, ou seja, quando a gestante cor-
re risco de morrer; e nos casos de anencefalia fetal diagnosticada.
Entre os impactos dessa ilegalidade estão a estigmatização (GOF-
FMAN, 1982) das mulheres que recorrem à prática; a subnotificação
da quantidade de mulheres que abortam e das condições estrutu-
rais e de higiene em que a prática é realizada; e os altos índices de
morte por aborto, que representam cerca de 12% dos casos de mor-
talidade materna no Brasil (DOMINGOS; MERIGHI, 2010).
272
129 A FPE tem ganhado cada vez mais força nas últimas eleições. De acordo com
o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), após as
eleições de 2010, a bancada evangélica aumentou sua participação no Con-
gresso Nacional em quase 50%. Se antes a composição era de 78 deputados
federais, após as eleições de 2014 o número aumentou para 82 membros.
Disponível em: <http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/poli-
tica/2014/10/12/interna_politica,535569/bancada-evangelica-fica-maior-na-
-camara-federal.shtml>. Acesso em: 20 nov. 2014.
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130 A Portaria nº 415, de 21 de maio de 2014 não alterava a lista de serviços de saúde
credenciados para a realização de procedimentos relacionados ao abortamento
legal, tampouco modificava as situações já previstas pela legislação. “Ela apenas
criava uma categoria própria de registro para o procedimento, que deixava de
ser marcado na categoria mais ampla de curetagem (método usado em outras
situações para além do abortamento) e passava ser registrado como interrupção
da gestação ou antecipação do parto”. (APÓS CRÍTICAS..., 2014).
131 CORTÊZ, Natacha. Precisamos falar sobre aborto. Revista TPM, São Paulo, Ano
13, n. 148, p. 40-49, nov. 2014.
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sine qua non para que uma pesquisa sobre essa temática possa ser
realizada” (VALPASSOS, 2013, p. 466). Além disso, “em uma pesquisa
que visava recuperar narrativas sobre abortos, com suas dimensões
públicas e, sobretudo, privadas, não caberia, pois, a revelação da
identidade das personagens” (Ibid.). Manter em sigilo as identida-
des das entrevistadas e, acima de tudo, fazer com que as pessoas
próximas a nós não percebessem a realização das entrevistas, era
uma medida necessária, mas que ocasionou uma série de obstácu-
los à condução do trabalho de campo.
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Do silêncio à libertação
“Um aborto e emudeci. Não perdi a voz, nem o direito
de falar, mas me tranquei por medo e por julgamento.
Não era o que deveria ser, mas foi, pois quando tudo
aconteceu (porque eu quis) estava tão trancada em falar
do meu “erro”, do meu “pecado”, da minha “falta de amor”
que preferi emudecer ao ser julgada.
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Falar disso não é fácil, não foi simples, mas foi libertador.
Alguém que não podia me julgar, que eu podia falar a verdade
sem ter que montar uma história que agradasse porque não
teve nada de agradável em nenhuma situação que passei.
Surpreendentemente contei e pronto, ponto. Então é assim,
eu sou normal mesmo tendo acontecido isso comigo?
Tive febre alta o resto do dia 39° - 40°, meu corpo tremia
de frio e esquentava as roupas, diarreia, náuseas, dor de
cabeça, dor no estômago. Meu corpo entrou num colapso
da libertação de tirar uma capa de “mulher de ferro” que
pesava muito mais do que eu podia suportar, do que eu
segurava sozinha e eu senti que a ferida estava exposta e
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Laura
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Laura decidiu abortar, mas não sabia como fazer. Através “da amiga de
uma amiga”, descobriu que poderia comprar misoprostol134 em uma
farmácia da cidade, onde seria instruída “por um farmacêutico” sobre
como tomar a medicação. Laura foi à farmácia indicada com o então
namorado, que comprou o remédio enquanto ela o esperava no carro.
Ele chegou lá e disse que queria um remédio pra resolver
um problema. O farmacêutico já entendeu logo e voltou
com o remédio embalado. Cada comprimido foi R$ 80,
então ao todo ficou R$ 300. Ele disse pra tomar dois e
colocar dois por baixo e que se não tivesse efeito, tinha
que tomar mais dois e enfiar mais dois (Laura).
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Considerações finais
Diante dos fatos elencados, os discursos e práticas adotados por
Laura após a sua experiência particular de aborto, principalmente
no tocante ao percurso que enfrentou ao entrar no hospital para
a realização da curetagem, não podem ser analisados e interpre-
tados sem que se leve em consideração as relações de poder es-
tabelecidas nesse percurso, a força das práticas discursivas bio-
médicas para a sua subjetivação enquanto “pecadora”, “criminosa”,
“irresponsável” e, em consequência disso, a sujeição a mecanis-
mos de poderes e, finalmente, à reprodução de um silenciamento
à qual ela mesmo fora submetida – ao negar a si mesma o direito
de repouso físico e mental, “ignorando” o atestado que ela havia
solicitado ao médico que a havia oprimido e, em uma situação de
debate coletivo acerca de experiências de aborto, ter se recusado
a falar sobre sua experiência.
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Por sua vez, a relação que a mulher estabelece com o corpo médico
também é um elemento presente na narrativa e que se torna deter-
minante para configurar a maneira pela qual ela passa a interpretar
sua experiência de aborto, destacando elementos como “trauma”,
“silêncio” e “culpabilização”. A narrativa nos mostra, portanto, que
embora o contexto de ilegalidade ajude a elaborar discursos e signi-
ficados controversos quanto à questão do aborto, os impactos emo-
cionais de “tristeza”, “trauma”, “sofrimento” e “culpa” estão associados a
aspectos morais e aos sentidos subjetivamente construídos sobre a
gestação indesejada, demonstrando a complexidade da relação en-
tre os aspectos morais/filosóficos acerca do aborto e da percepção
atribuída ao feto/embrião. As relações familiares e conjugais também
foram destacadas nas narrativas como fatores que se refletem direta-
mente não só no processo de decisão que culmina no aborto como
também no processo de elaboração sobre o acontecimento.
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Referências
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