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RESENHA / REVIEW

Epidemiologia & Saúde. M. Zélia blema de saúde: quem, quando e onde. Na se-
Rouquayrol. Rio de Janeiro: Medsi Editora gunda parte, são abordados conceitos sobre
Médica e Científica Ltda., 1994. 527 p. conglomerados, endemias e epidemias.
Os fundamentos metodológicos da Epide-
Cada vez mais o conhecimento das condi- miologia são apresentados de forma abrangen-
ções de saúde da população, seus determinan- te pelos autores, discutindo desde a elabora-
tes e tendências, constitui elemento de funda- ção do problema epidemiológico, passando
mental importância para o campo da Saúde Co- por fontes geradoras do mesmo, raciocínio epi-
letiva. Como a própria autora define, a 4o edição demiológico, variáveis e hipóteses epidemio-
do livro “Epidemiologia & Saúde”, elaborado lógicas até a arquitetura da investigação. Nesta
por Maria Zélia Rouquayrol, é resultado da seção, são apresentados os diferentes tipos
colaboração coletiva de renomados pesquisa- de pesquisa epidemiológica, com esquemas
dores da área de saúde. que permitem sua visualização e seleção ade-
Esta é uma obra técnico-científica essenci- quada a cada situação a ser investigada. Ain-
al para o estudo da Epidemiologia, tanto para da dentro do método epidemiológico, Schmidt
acadêmicos (na graduação e pós-graduação), & Duncan apresentam sua aplicação na pes-
como àqueles profissionais cujo acesso a um quisa clínica. Importante salientar a forma cla-
programa de capacitação/formação institucio- ra com que os autores abordam como ler criti-
nal é limitado. Ela assume, assim, papel rele- camente um artigo da literatura médica, práti-
vante para o desenvolvimento de ações de saú- ca identificada como análise da evidência epi-
de, especialmente aquelas específicas do cam- demiológica. Na seqüência, surge uma excitan-
po da Epidemiologia, mas também servindo te apresentação de Naomar de Almeida Filho
como instrumento para outras incursões no sobre a Clínica e a Epidemiologia, demonstran-
campo da Saúde Coletiva. do seus elementos comuns, suas discordânci-
Os temas são expostos de forma clara e exaus- as e as suas convergências.
tiva, o que lhe confere alto valor didático. Suas Abordando a estrutura epidemiológica e
527 páginas estão distribuídas em vinte e um mecanismos de transmissão de doenças, são
capítulos, possuindo um grande número de qua- apresentados dois capítulos que trazem os
dros, gráficos e figuras que facilitam a compre- conceitos fundamentais, exemplificando-os
ensão do texto, inclusive para os iniciantes no dentro de seu contexto, trazendo à tona infor-
assunto. Destes vinte e um capítulos, alguns são mações a respeito de problemas relevantes e
acréscimos à edição anterior, incluindo aqueles demostrando preocupação com o atual qua-
sobre Epidemiologia e organização dos serviços, dro epidemiológico brasileiro. Ressalte-se a
concentrados na sua relação com outras áreas constante preocupação com a contextualiza-
da Saúde Coletiva, além de apresentar as princi- ção dos tópicos abordados. A imunização me-
pais limitações desta articulação. receu um capítulo em separado, reunindo con-
Esta quarta edição surge com várias modifi- ceitos já incorporados e apresentando novos
cações e ampliações em relação à anterior. Uma avanços do conhecimento, o que assegura sua
abordagem histórica da Epidemiologia, seguida atualidade.
da apresentação conceitual da mesma e da His- Há alguns assuntos que estão intimamente
tória Natural da Doença, servem de suporte para relacionados com qualidade de vida, como sa-
ampla discussão acerca da medida da Saúde neamento, saúde e nutrição, vigilância sanitária
Coletiva, ressaltando de forma precisa a impor- e a saúde do consumidor. Embora alguns destes
tância dos principais índices, coeficientes e in- já constassem de edição anterior, e houvesse
dicadores utilizados. Com este referencial, dis- outras publicações acerca deles, ressalte-se a
cutindo a distribuição das Doenças e dos Agra- importância de serem apresentados em um livro,
vos à Saúde Coletiva (o que em edição anterior o que facilita o acesso às informações ali cons-
estava apresentado como Epidemiologia Descri- tantes. Foi incorporado a esta edição um capítu-
tiva), Rouquayrol traz, na primeira parte, uma lo sobre saúde materno-infantil, que traz infor-
exaustiva apresentação de como responder aos mações a respeito dos principais problemas que
três clássicos quesitos para descrever um pro- atingem estes grupos populacionais. Uma nova

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roupagem foi conferida ao abordar a saúde men- acompanhar os serviços assistenciais, incorpo-
tal. Traz uma sucinta descrição sobre as quatro rando novas tecnologias na busca da integrali-
correntes da psiquiatria social e sobre a Epide- dade das ações, a Epidemiologia tem o seu papel
miologia psiquiátrica. Discute aspectos como o a desempenhar. Estas e outras questões são
normal e a causalidade e a prevenção em saúde abordadas nesta edição.
mental. Além disto, relaciona as principais variá- “Sem uma concepção do coletivo, do social,
veis a serem estudadas e os indicadores de saú- em suma, do político, é impossível pensar a Epi-
de mental de grupos. Conclui com uma aborda- demiologia”, como coloca Naomar de Almeida
gem sobre a determinação social do processo Filho, um dos autores desta grande contribui-
saúde/doença mental. ção da Professora Maria Zélia Rouquayrol para
O capítulo destinado para a vigilância epide- o desenvolvimento da Epidemiologia no país,
miológica é apresentado de forma clara e objeti- que tem tão poucas publicações na área, em por-
va. Traz todos os passos da vigilância, desde tuguês. É esta concepção que perpassa o livro,
informações acerca da coleta, consolidação e tornando lógica a sua organização, desde o seu
análise de dados (incluindo aí a necessidade da primeiro capítulo até o glossário. Isto é percebi-
realização de estudos adicionais), elaboração de do em toda a obra, destacando uma passagem
normas, retroalimentação e avaliação, apresen- de um dos capítulos, onde ressalta que “antes
tando os indicadores de avaliação do programa. que haja uma prevenção primária, há que haver
A reforma sanitária e os modelos assistenci- uma prevenção de caráter estrutural”, começan-
ais são apresentados diante do reconhecimento do a mesma ao nível das estruturas políticas e
da complexidade da situação de saúde no país. econômicas. Esta é, sem dúvida, uma obra es-
O autor discute intervenções gerais, como a sencial tanto para a graduação como para a
reforma sanitária, e intervenções setoriais no pós-graduação e para profissionais comprome-
âmbito da organização. de serviços e modelos tidos com a saúde da população.
assistenciais. Aborda também a distritalização e
a municipalização das ações de saúde, na pers-
pectiva da organização do Sistema Único de Saú- Ana Lúcia Escobar
de. Como a vigilância à saúde é uma questão Departamento de Ciências Biomédicas
recente, pressupondo uma nova maneira de Universidade Federal de Rondônia

Through Amazonian Eyes. The Human basicamente, sobre fatores ubiqüitos limitan-
Ecology of Amazonian Populations. E. F. tes ao desenvolvimento social na Amazônia,
Moran. lowa City: University of lowa Press, seguiu-se uma nova geração de investigado-
1993. xix + 230 p., índice, biblio., figuras res, interessados, agora, não mais numa con-
ISBN 0-87745-417-5 (capa dura) cepção de homogeneidade para a floresta tro-
ISBN 0-87745-418-3 (brochura) pical, homogeneidade essa cada vez mais con-
testada pelos estudos de ecologia de siste-
Embora a comunidade antropológica e mas. Pode-se dizer que a década de 80 teste-
arqueológica nacional tenha ficado completa- munhou uma grande mudança nas abordagens
mente à margem do pensamento ecológico sis- antropológico-ecológicas na Amazônia. Se, por
têmico que se desenvolveu nas suas respecti- um lado, os pioneiros concentraram-se sobre
vas áreas maiormente nos Estados Unidos, fatores limitantes de larga escala, a geração dos
graças ao esforço de dezenas de cientistas anos 80 investiu exatamente naquilo que a Ama-
norte-americanos, a Amazônia se tornou, por zônia tem de mais importante: na sua extrema
certo, nas décadas de 60, 70 e 80, a principal heterogeneidade de sistemas naturais e, por
região do planeta estudada sob a ótica do conseguinte, na extrema sociodiversidade apre-
materialismo cultural. Às pesquisas pioneiras sentada por suas populações nativas e tradicio-
de Meggers, Carneiro e Cross, concentradas, nais, resultado, obviamente, de respostas adap-

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tativas, de cunho social, a essa miríade de possi- que sua compartimentação ecológica esgota a
bilidades de sustentação material à produção e diversidade ecossistêmica da região. Na verda-
reprodução das sociedades envolvidas. de, em quase todos os capítulos, o autor enfa-
O primeiro grande avanço dessas pesquisas tiza que qualquer um desses ecossistemas apre-
voltadas para respostas adaptativas a fatores senta grande variação interna. Ocorre, entre-
locais na Amazônia foi brilhantemente esboça- tanto, que essa variabilidade “intraecossiste-
do no obra seminal de Hames & Vickers (1983). mas conhecidos” ainda está por ser melhor es-
Mas se, por um lado, os pioneiros falharam ao tudada e organizada. Falta uma tipologia acei-
assumir uma pretensa homogeneidade, esses tável sobre a qual trabalhar. Exatamente por isso,
últimos acabaram adotando uma outra extremi- o autor.prefere adotar uma postura conserva-
dade na escala analítica: concentraram suas aten- dora, porém prudente, ao restringir suas análi-
ções a pesquisas exclusivamente puntuais. Em ses antropo-ecológicas a apenas quatro gran-
outras palavras, os primeiros generalizaram a des ecossistemas.
partir de idéias preconcebidas, sem sustentação Certamente dos quatro capítulos onde a adap-
numa casuística de detalhe, enquanto que os tação e a adaptabilidade social são tratadas, o
últimos preferiram concentrar-se em estudos de mais elegante e com maior coerência intrínseca é
casos para, somente num segundo momento, o que trata dos ecossistemas de rios de águas
empreender tentativas de generalizações em es- negras, também publicado isoladamente pelo
cala e profundidade empiricamente justificadas. autor, sob a forma de artigo, em American An-
Creio que o maior mérito da obra de Moran, en- thropologist. Qualquer antropólogo, por mais
tre tantos outros, é exatamente o de preencher o ideacionista que possa ser, rende-se às evidên-
gap entre esses dois extremos da escala. Se, por cias incontestes, apresentadas por Morar, de
um lado, Moran parte de um conhecimento deta- como as características oligotróficas desses ecos-
lhado da variabilidade ecológica e social da sistemas influenciaram diretamente na morfolo-
Amazônia, e isto implica, necessariamente, num gia social das populações nativas que ali se es-
conhecimento enciclopédico da literatura ecoló- tabeleceram ao longo dos séculos. Mas o pró-
gica, antropológica e arqueológica, por outro prio autor admite que o mérito é menos seu do
tenta organizar suas correlações não mais em que da própria situação de campo. Afinal, são
espaços pontuais, mas em amplos espaços, que os ecossistemas de águas negras que apre-
poderíamos denominar os grandes ecossiste- sentam, na Amazônia, os maiores obstáculos ao
mas amazônicos já reconhecidos como tais. A assentamento humano, em termos de sustentabi-
obra é, portanto, a síntese mais completa e epis- lidade material. A Antropologia Ecológica prevê
temologicamente mais consistente sobre como claramente que é sob situações de extrema in-
as distintas paisagens amazônicas interferiram disponibilidade de recursos materiais que as
na formulação das organizações sociais de suas populações humanas apresentam menor flexibi-
populações humanas, organizações sociais aí lidade de organização social, gerando, dessa for-
entendidas como soluções adaptativas para o ma, morfologias extremamente idiossincráticas.
enfrentamento de questões de sustentabilida- Mas Moran não adota uma postura naive
de material. diante das relações entre meio ambiente e orga-
No primeiro capitulo, além do autor apresen- nizações sociais humanas. Tão pouco restrin-
tar um breve resumo da história recente das po- ge a variabilidade paisagística somente àquela
pulações nativas da Amazônia, apresenta um que foi captada pelo exercício da ciência. Du-
quadro extremamente didático sobre a variabili- rante todo o livro, Moran tenta demonstrar não
dade ecológica da região, demonstrando clara- somente como as sociedades humanas são ca-
mente que ela é bastante superior às tradicio- pazes de agir sobre ecossistemas naturais, for-
nais várzea e terra firme. A partir daí, organiza jando aquilo que William Balée denomina “flo-
seu livro em torno daquilo que denomina os restas culturais” mas também como determi-
quatro grandes ecossistemas já reconhecidos nados compartimentos reconhecidos pela
na região: os ecossistemas de rios de águas ecologia ocidental desdobram-se em nuances
negras, os de florestas altas, os de várzeas e os de diversidade, quando lidos à luz do conhe-
de savanas. Moran não assume, em absoluto, cimento nativo.

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O último capítulo, “Human Ecology as a Criti- existe uma, uma obra gerada pelo pensamento
que of Development”, deveria ser de leitura obri- materialista publicada primeiramente no país, em
gatória àqueles que se encarregam de gestões português, já que a mesma pode ser encontrada
de políticas públicas para a Amazônia. Se perso- nas prateleiras das livrarias e bibliotecas nacio-
nalidades regionais, como Gilberto Mestrinho (só nais sob o título de “A Ecologia Humana das Po-
para citar o mais polêmico embora o mais trans- pulações da Amazônia”, editora Vozes, desde 1990.
parente deles) o lesse e fizesse um esforço ho- Ignorá-la, seja na sua versão em português, seja
nesto de entendê-lo, muitos dos erros cometi- na sua recente versão em inglês, poderá redundar
dos no passado no intento de desenvolver a num grande atraso para a produção antropológi-
região mostrar-se-iam desnecessários e, certa- ca, enquanto ciência, e em graves equívocos
mente, o futuro poderia ser poupado do vexame desenvolvimentistas para aqueles responsáveis
internacional de vê-los repetidos e da miséria pelos destinos geo-políticos da região.
social e natural por eles produzidas. Ainda que a
Ciência e a observação sistemática do etnoco-
nhecimento estejam longe de gerar soluções para Walter Neves
todos os problemas que afligem a região, longe Instituto de Biociências
estamos da ignorância completa sobre a bio e a Universidade de São Paulo
sociodiversidade amazônicas. Pelo menos sufi-
cientemente longes para evitarmos meia dúzia
Referências Bibliográficas
de erros banais, cuja ocorrência não merece ou-
tra classificação que desídia e cuja re-ocorrência
BALÉS, W., 1989. Cultura na vegetação da Ama-
não merece outra classificação que crime contra zônia brasileira. In: Biologia e Ecologia Hu-
a humanidade. mana na Amazônia: Avaliação e Perspectivas
Em síntese trata de uma grande obra, escrita (W. A. Neves, org.), Belém: Museu Paraense
por um grande especialista em assuntos amazô- Emílio Goeldi.
nicos. Certamente entrará para o futuro como HAMES. R. & VICKERS, W. (Eds.), 1983. Adaptive
uma das principais obras realizadas sobre a eco- Responses of Native Amazonians. New York:
logia das populações humanas amazônicas. Com Academic Press.
a diferença que, neste caso, poderemos nos or- MORAN, E. F., 1991. Human adaptive strategies in
gulhar de ter visto, pela primeira vez na história Amazonian blackwater ecosystems. American
da Antropologia Ecológica Brasileira, se é que Anthropologist, 93: 361-382.

As Ciências no Brasil. Fernando de Azevedo a síntese orientada pelo homem certo na hora
(organizador). 2a edição, Rio de Janeiro: certa”. Apesar do autor desse prefácio falarem
Editora da Universidade Federal do Rio de saber “desinteressado” Fernando de Azevedo
Janeiro, 1994. 2v., ilus. abre a introdução, mencionando o papel da Es-
ISBN 85-7108-067-4 cola de Sagres nas descobertas do século XVI.
Muito bem explicadas as razões do atraso
O Fórum de Ciência e Cultura da Universida- cultural do Brasil, no tempo da colônia.
de Federal do Rio de Janeiro fez uma coisa que Não sabíamos do papel do Visconde do Rio
há muito já deveria ter sido feita: reeditou As Branco, no desenvolvimento do ensino das ci-
Ciências no Brasil de Fernando de Azevedo. ências com a transformação da Escola Central
Faz muito tempo, andei lendo algumas partes em Escola Politécnica e a fundação da Escola de
desse livro na biblioteca do Instituto Oswaldo Minas em Ouro Preto.
Cruz e, quando recentemente apareceram diver- Fernando de Azevedo critica acerbamente, o
sos volumes sobre as ciências no Brasil, fiquei que chamou de “era dos tributos” que se insta-
impressionado com a diferença de padrão. Como lou no segundo império, mas essa introdução é,
diz Antônio Cândido no prefácio, o primeiro “foi na verdade, tuna bela peça oratória.

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A matemática está apresentada por F. M. Na geografia Costa Pereira apresenta, na rea-
Oliveira Castro. No império ela foi ensinada lidade, uma interessantíssima história do Brasil.
onde era necessária, nas escolas militares e de Uma comparação com a História das Ciências
engenharia. no Brasil editada por Mario Guimarães Ferri e Sho-
Para quem não é versado em astronomia fica zo Motoyama, fica difícil, são coisas heterogêne-
difícil fazer qualquer comentário sobre esse ca- as. A partir da criação de CNPq, da Finep e das
pítulo. Entretanto, salta aos olhos o interesse fundações estaduais, pode-se dizer. “choveu di-
que existia por essa ciência no tempo das gran- nheiro na horta da pesquisa científica”. Houve uma
des descobertas. Houve até padres jesuítas explosão de publicações e, como dizem diversos
astrônomos. autores, a qualidade não correspondeu aos recur-
A física foi apresentada por J. Costa Ribeiro e sos disponíveis. Nisso ainda interfere um outro
sua história é semelhante à das outras ciências. fator. A associação do ensino com a pesquisa le-
Acompanhou o lento desenvolvimento cultural vou à necessidade de fazer currículo. Dessa forma,
do país. é comum encontrar trabalhos de professores uni-
O estudo da meteorologia coube ao seu mai- versitários tecnicamente muito bem feitos, mas que
or entusiasta, Sampaio Ferraz. É uma história de não acrescentam uma linha ao conhecimento huma-
lutas, vitórias e derrotas, onde sobressaem as no. Publicados, portanto, unicamente para servir
contribuições individuais. como título. O que, a nosso ver, é lamentável.
Já conhecíamos a força do prof. Victor Leinz,
de modo que não nos surpreendeu o brilhantis-
mo de sua apresentação da geologia. Do mesmo Mario E. Aragão
nível é a contribuição de Othon Leonardos so- Departamento de Ciências Biológicas
bre a mineralogia e a petrografia. Escola Nacional de Saúde Pública

Aboriginal Health and History: Power and comportamento, assassinatos e suicídio na po-
Prejudice in Remote Australia. E. Hunter. pulação aborígena.
New York: Cambridge University Press, 1993. Ernst Hunter realiza cuidadoso inquérito epi-
xvi + 318 pp., índice, biblio., figuras e tabelas. demiológico, complementado pela análise de da-
ISBN 0.521.41629.9 (capa dura) dos secundários (principalmente causas de óbi-
ISBN 0.521. 44760.7 (brochura) to) disponíveis nos serviços locais de saúde.
US$59.95 Simultaneamente, o autor conduz investigação
de orientação antropológica constituída por en-
A obra em apreço, de autoria de Ernest Hun- trevistas em profundidade. Chama a atenção o
ter, médico psiquiatra australiano, constitui cuidado com o método, sempre apresentado de
uma das mais importantes contribuições recen- forma crítica. Questões de ordem ética advindas
tes à epidemiologia das populações nativas da investigação de campo são também discuti-
da Oceania. das ao longo do texto.
Trata-se de um estudo de caso que enfoca a Até a chegada dos europeus no final do sé-
população aborígena da região de Kimberley, ao culo XIX, a região de Kimberley constituiu terri-
noroeste da Austrália. O objetivo da investigação tório sagrado dos povos aborígenas por mais de
é analisar o impacto sobre as condições de vida 40 mil anos. Após este contato, suas terras fo-
e de saúde aborígena, das mudanças sociocul- ram violentamente invadidas por fazendeiros, ga-
turais, econômicas e ambientais advindas do rimpeiros e outros intrusos, o que levou a dizi-
contato com os Europeus. Hunter está particu- mação da população nativa e ursupação de seus
larmente interessado em epidemiologia e saúde territórios. O autor demonstra sem deixar dúvi-
mental, enfocando o alcoolismo, mudanças de das como que a marginalização e alienação dos

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povos aborigenas, expulsos de suas terras e for- Kimberley em particular. Para Hunter, os acenos
çados a viver na periferia de uma sociedade que recentes por parte do governo federal, através
não os aceitam, leva a um quadro de pobreza e da promulgação de legislação específica, visan-
violência generalizada. do regularizar a situção das terras aborígenas,
Chama a atenção a semelhança do quadro são um indicativo de que, no futuro próximo,
descrito por Hunter com aquele observado nas mudanças positivas poderão ocorrer para rever-
regiões mais pobres do mundo “subdesenvolvi- ter o cenário tão vivido de pobreza e exclusão
do”, o que torna ainda mais gritante os resulta- descrito pelo autor. Além disso, o amadureci-
dos deste estudo por expôr as enormes distân- mento e expansão dos movimentos étnicos na
cias que separam o “main stream” da socieda- Austrália dão voz às lideranças aborígenas, fato
de australiana de seus aborígenas. Elevadas inusitado na história do país.
taxas de mortalidade materna e infantil, altas A leitura deste livro é altamente recomenda-
prevalências de infecções respiratórias, desnu- da não somente pelas discussões metodológi-
trição infantil, doenças cardiovasculares, dia- cas e teóricas mas, principalmente, pela análise
betes mellitus, alcoolismo e acidentes somam-se meticulosa de uma realidade que, em sua essên-
às precárias condições de vida, habitação e cia, aplica-se também à realidade com a qual se
desemprego, produzindo um quadro marcado deparam as populações indígenas no Brasil.
por violência, alcoolismo e elevadas taxas de
suicídio entre jovens.
Ao final do livro, no entanto, o autor assume Carlos E. A. Coimbra Jr.
um tom otimista no que se refere ao futuro da Departamento de Endemias Samuel Pessoa
população aborígena da Austrália em geral, e de Escola Nacional de Saúde Pública

Qualidade de Vida: Compromisso Histórico tanto com características dinâmicas, trabalhos


da Epidemiologia. Maria Fernanda F Lima e rigorosamente escritos do ponto de vista edi-
Costa & Rômulo Paes de Sousa torial se entremeiam com versões preliminares
(organizadores). Belo Horizonte: de artigos ainda com bibliografia parcial ou ine-
Coppmed/Rio de Janeiro: Abrasco, 1994. xistente, além de alguns deslizes de citação e
290 p. de ortografia. Não importa, é justamente na
ISBN 85-85002-11-5 agregação de textos heterogêneos, que se pode
apreender a força das idéias, a expressão das
Organizado por Maria Fernanda F. Lima e “inteligências”, as peculiaridades das contri-
Costa e Rômulo Paes de Sousa, o livro “Quali- buições individuais e de grupos, e, principal-
dade de Vida: Compromisso Histórico da Epi- mente, a rede de interações geradas durante o
demiologia” constitui-se nos Anais do II Con- Congresso de Epidemiologia.
gresso de Epidemiologia, realizado em Belo Ho- A obra dividida em 13 partes, incluindo rela-
rizonte, 1992. A variedade de tópicos abor- tórios de grupos de discussão e sumário das
dados nas conferências, mesas-redondas, pa- publicações cientificas dos dois primeiros Con-
inéis e grupos de discussão propicia, a nosso gressos de Epidemiologia, apresenta, no capí-
ver, um apanhado compreensivo da teoria e da tulo de abertura, os artigos: “Qualidade de vida:
prática corrente da Epidemiologia, particular- compromisso histórico da epidemiologia”; “Re-
mente no Brasil e nos países da América Lati- pensando a associação entre indicadores de
na. É uma produção científica benvinda, que saúde e de qualidade de vida”, “Quantitativo e
demonstra o sucesso e vigor deste evento, com qualitativo em indicadores de saúde: revendo
os textos agrupados por grandes temas, con- conceitos”. Ruffino Netto faz uma retrospecti-
forme explicitam os próprios organizadores. va histórica correlacionando a qualidade de vida
Por se tratar de uma coletânea que reúne com o conhecimento em diferentes períodos, e
apresentações em um fórum de discussão, por- exemplifica através de indicadores econômicos

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e epidemiológicos as desigualdades sociais no Filho, tem o grande mérito de ser provocador
Brasil. C. G. Victora F. C. Barros apresentam ao distinguir a Epidemiologia inferencial da
criativas pesquisas recentes sob o perfil epide- Epidemiologia referencial, fatores de risco e
miológico da mortalidade infantil, utilizando os cenários de risco, questionando conceitos já
clássicos indicadores de saúde adaptados às estabelecidos. Traz ao final da mesa-redonda
novas condições de urbanização. M. C. S. Mi- a transcrição da fala dos participantes, que
nayo discute com vigor a complementarieda- parecem atraídos pelas possibilidades de
de entre o quantitativo e o qualitativo em saú- incorporação de uma Epidemiologia com po-
de, bem como os equívocos de compreensão der de transformação na prática dos serviços
arraigados nesta área.
de saúde.
As doenças infecto-contagiosas e crônicas,
Abrindo a parte intitulada As Concepções do
tradicionalmente objeto de estudo da
Coletivo em Epidemiologia, o cuidadoso e fun-
Epidemiologia, compõem os dois capítulos
damentado artigo de M. L. Barreto e P. C. Alves
seguintes. Doença de Chagas, AIDS/HIV e
Cólera são abordadas no seu aspecto históri- – “O coletivo versus o individual na Epidemiolo-
co, na complexidade da dinâmica da popula- gia: contradição ou síntese?” – tem como objeti-
ção e no processo de disseminação infra-urba- vo central analisar a concepção de coletivo utili-
no pelos textos: “Doença de Chagas no Brasil zada na epidemiologia e a influência de outras
– situação atual e perspectivas”, J. C. P. Dias; disciplinas na construção deste conceito. Em
“Epidemiologia da AIDS/HIV no Brasil”, M. “Dialectiea de lo colectivo en Epidemiologia”,
D. C. Guimarães; “Cólera – situação atual e autor estrangeiro, J. Breilh, resgata na poesia do
tendências”, M. Libel. Sobre o tópico – Epide- grande poeta brasileiro Carlos Drummond de
miologia das Doenças Crô-nico-Degenerativas Andrade, a metáfora atual de um marxista que
– o artigo “Câncer no Brasil: um risco crescen- compreende os novos tempos, mas lembra que
te”, G. A. S. Mendonça enfatiza a expressão as desigualdades no terceiro mundo podem não
do câncer no quadro nosológico dos países ser resolvidas com os modelos políticos neoli-
em transição demográfica, demonstrando as berais tão em moda.
diferenças regionais através das taxas de inci- Reunidos sob o tema “Epidemiologia no ter-
dência dos seis registros brasileiros. Discor- ceiro mundo”, os artigos de três especialistas
re; ainda, sobre fatores de risco, incluindo o de países latino-americanos vão do âmbito
acidente radioativo ocorrido em Goiânia. Em mais geral dos conceitos e da produção cien-
“Bases epidemiológicas para o controle do di- tífica recente, ao particular da Epidemiologia
abetes mellitus”, L. J. Franco traça o perfil epi- da velhice enquanto desafio adicional neste
demiológico no Brasil e registra o despreparo contexto. S. Franco, da Colômbia, discute em
do sistema de saúde como um todo para aten-
“para estudiar la slaud del tercer mundo. Ano-
dimento da demanda e controle.
taciones preliminares” as categorias tradicio-
Abordando os temas de nutrição e
nalmente utilizadas para dividir os países e
morbimortalidade são incluídos os artigos: “O
critica a inadequação de tais definições eco-
estado nutricional das crianças brasileiras: a
trajetória de 1975 a 1989”, C. A. Monteiro et al. nômicas que camuflam as desigualdades soci-
e o “The impact of vitamin A supplementation ais internas de cada região do mundo. H. P. P.
on child mortality and morbidity”, D. A. Ross. Zuñiga, em “Epidemiologia no terceiro mun-
Trazem os resultados de pesquisas epidemio- do”, analisa a produção científica da América
lógicas, conduzidas dentro do rigor metodo- Latina, em 1991, comparando-a com a interna-
lógico e com implicações práticas, ressaltan- cional e incluindo um perfil do Chile em rela-
do o impacto de deficiências nutricionais na ção à Epidemiologia nos serviços de saúde e
população infantil no Brasil e países de tercei- no ensino. R. P. Veras, em “Envelhecimento –
ro mundo. desafios e perspectivas: um estudo de preva-
Isolado no capítulo – Causalidade na Epide- lência na cidade do Rio de Janeiro”, congrega
miologia – e polêmico no conteúdo, o artigo resultados de pesquisas de campo, com ex-
“Caos e causa da Epidemiologia”, N. Almeida tenso e atual referencial teórico, inovando por

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apresentar a discussão da mudança do perfil de conduta, nas ações do Estado, nas pesqui-
demográfico no contexto terceiro-mundista. sas e nas atividades de .prestação de servi-
Enfatiza que estes novos desafios de ativi- ços, devido à natureza coletiva da epidemio-
dades e pesquisa em saúde em relação ao ido- logia. A preservação dos direitos humanos sem
so, devem ser incorporados no compromisso nigligenciar o dado local, a busca do bem-estar
histórico da Epidemiologia com a qualidade social e o respeito ao indivíduo são os pontos
de vida. comuns aos artigos: “Etica de 1 desarrolo y
“A Epidemiologia na organização dos servi- papel del sector salud” R. Rodriguez, “Ética
ços de saúde” é tema de mesa-redonda. As sanitária”, S. G. Dallari; “Ética e epidemiolo-
discussões sobre os marcos teóricos e sobre gia”, M. B. Debert-Ribeiro.
os efeitos das políticas institucionais na A análise da produção científica dos dois
organização social dos serviços é introduzido primeiros Congressos de Epidemiologia, feita
por G. R. Silva que aponta o modelo proposto em “Temas e métodos de Epidemiologia: análi-
por Castelhano como uma boa aproximação se da produção científica dos congressos
para este tipo de análise. Segue-se a exposi- brasileiros de epidemiologia, 1990 e 1992” evi-
ção sobre “A reforma sanitária e os modelos dencia o número crescente de participantes e
assistenciais: a epidemiologia na organização de trabalhos. Vale destacar o que diz M. L. S.
dos serviços de saúde”, J. S. paim que apre- Souza et al.: “participar em Congresso repre-
senta, de forma didática, as mudanças dos senta a oportunidade para exposição de expe-
modelos assistenciais vigentes e as propos- riências que estavam escondidas no dia-a-dia
tas alternativas, bem como os fundamentos do do trabalho institucional. Por isso pode signi-
processo de municipalização e distritalização ficar, não somente expressão de interesses in-
em saúde na atual conjuntura brasileira. O en- dividuais, mas de reflexos do clima de priori-
foque da estratificação epidemiológica como dades e incentivos que predominam no campo
instrumental metodológico para avaliar o im- da Epidemiologia”. Como parte final do livro,
pacto das desigualdades de vida sob as con- quatro relatórios: “Fundamentos conceituais
dições de saúde é abordado por N. Nuñes em em epidemiologia”, “Repensando a vigilância
“Perfiles de mortalidad según condiciones de epidemiológica”, “Epidemiologia na pós-gra-
vida en Venezuela”. P. J. N. Chequer, em “Epi- duação stricto sensu” e “Utilização de gran-
demiologia e serviços de saúde”, discore so- des bancos de dados” representam a opinião
bre a importância da criação de um Centro de especialistas de diferentes situações.
Nacional de Epidemiologia do Ministério da Os congressos de Epidemiologia, através
Saúde como locus de formulação de propos- de seus rituais de confraternização, possibili-
tas nacionais no campo da epidemiologia. tam a discussão de idéias inovadoras e polê-
O tema ecologia e sua relação com os modelos micas e o reconhecimento de conceitos e ban-
de crescimento econômico é contemplado na con- deiras que irão frutificar e influenciar a produ-
ferência de P. M. Buss, “Desenvolvimento, ambi- ção científica e a prática de saúde nos próxi-
ente e saúde”. Traça um panorama da América mos anos. Este livro, por disseminar tais de-
Latina nas últimas décadas, incluindo desde as- bates, merece ser lido e utilizado como fonte
pectos relativos à organização do espaço, migra- de consulta na área acadêmica e nas ativida-
ção rural-urbano, mobilidade continuada e pau- des de saúde.
perização a exemplos específicos sobre o uso de
agrotóxicos, mercúrio e poluição do ar.
Embora sob ângulos diferentes, os artigos Celina Maria Turchi Martelli
incluídos no item – Ética e Epidemiologia – Departamento de Saúde Coletiva
reforçam a necessidade de definição de regras Universidade Federal de Goiás

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Principais Mosquitos de Importância epidemiológico. Termina dedicando o Capítulo 5
Sanitária no Brasil. Rotraut A. G. B. Consoli à descrição de técnicas de estudo.
& Ricardo L. de Oliveira Rio de Janeiro: Obviamente, não se pode dizer que se trata
Editora Fiocruz, 1994. 228 p. de texto largamente abrangente, mas sim
ISBN 85-85676-05-5 especializado em populações vetoras
R$ 19,00 epidemiologicamente significantes no Brasil.
Dentro do objetivo a que se propôs; constitui
Trata-se de livro que objetiva, para os que se texto aproveitável e útil para estagiários de nível
interessam em iniciar-se na especialidade, apre- médio que se destinem à operacionalização de
sentar os elementos fundamentais do estudo dos campanhas sanitárias de controle. Nesse senti-
mosquitos Culicidae. Nesse sentido preocu- do recomenda-se para laboratórios de saúde
pa-se, de início, com a morfologia externa e a pública e mesmo para novos cursos de parasito-
biologia e a morfologia interna desses animais. logia de escolas médicas.
A partir do Capítulo 3 e no total de cinco que
compõem o livro, o texto é dedicado a classifi- Oswaldo Paulo Forattini
cação, identificação e o fornecimento de alguns Faculdade de Saúde Pública
dados sobre a biologia de espécies de interesse Universidade de São Paulo

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