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Para inaugurar um número sobre TAV, nada mais propício do que começar com a
própria definição da área. Na introdução do volume especial do The Translator de 2003,
volume 9, número 2, intitulado Screen Translation, Yves Gambier tenta justificar a
opção por screen (tela) ao invés de audiovisual. Ele explica que os primeiros estudos na
área se referiam ao termo “tradução de filmes” ou film translation porque enfatizavam o
cinema, a tela grande. Desde o momento em que o VHS se tornou popular, no final dos
anos 1980s, e a atenção foi deslocada para a tradução realizada nesse meio, o termo
“tradução audiovisual” (TAV) ou audiovisual translation (AVT) passou a vigorar.
“Audiovisual” significava o cinema, a televisão, o vídeo e, curiosamente segundo
Gambier, até mesmo o rádio, chamando assim a atenção para a dimensão
multissemiótica de todos os programas transmitidos. Já o termo screen translation
focava no meio de exibição de programas de TV, do computador e de filmes do cinema,
a tela. O autor ainda menciona o termo multimedia translation, ou “tradução
multimídia”, como uma alternativa a “audiovisual”, mas reconhece que o mesmo é
bastante confuso porque pode ser usado para se referir a diferentes meios, gêneros e
códigos (verbal e visual), como o teatro, os quadrinhos, filmes, páginas da web, jogos de
computador etc.
O mais interessante, na verdade, é que o autor continua sua introdução do
volume “Screen”Translation usando AVT (audiovisual translation), o que reflete sua
própria indefinição terminológica. A apresentação dos tipos de TAV não é menos
confusa, e a lista é composta por: legendagem interlinguística ou legenda aberta
(interlingual subtitling ou open caption), legendagem bilingue (bilingual subtitling),
dublagem (dubbing), dublagem intralingual (intralingual dubbing), interpretação
consecutiva (consecutive interpreting), interpretação simultânea (simultaneous
interpreting), interpretação de sinais (sign language interpreting), voice-over ou meia-
1
A seção deste artigo dedicada ao modo de tradução voice-over é parte dos trabalhos publicados de
Franco (2000 e 2001) e Franco, Matamala & Orero (2010).
dublagem (voice over ou half dubbing), comentário livre (free commentary), tradução à
prima vista ou simultânea (simultaneous or sight translation), produção multilinguística
(multilingual production), legendagem intralinguística ou closed caption (intralingual
subtitling ou closed caption), tradução de roteiro (scenario/script translation),
legendagem ao vivo ou em tempo real (live or real time subtitling), supra-legendagem
ou legendagem eletrônica (surtitling) e audiodescrição (audiodescription), nessa ordem.
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2
Ele ainda continua sua taxonomia no ano seguinte (2004) à publicação do volume sobre Screen
Translation (ver referências bibliográficas).
recebem “apelidos” que mais confundem a sua definição do que explicam, tais como
half dubbing para voice-over e double dubbing para audiodescrição, e ainda outro
poderia facilmente estar fora desta lista: free commentary ou “comentário livre”, por
não se caracterizar como tipo de TAV, pelo menos para as autoras deste artigo, o que
será discutido mais tarde.
A luz no fim do túnel para essa complexa classificação é encontrada em Díaz
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Na sua acepção primária, a TAV foi usada para encapsular práticas de tradução
diferentes usadas na mídia audiovisual — cinema, televisão, VHS — nas quais há a
transferência de uma língua-fonte para uma língua-meta. A dublagem e a legendagem
são as mais populares na profissão e as mais conhecidas pelo público, mas há também
outras tais como voice-over, dublagem parcial, narração e interpretação. A tradução para
o espetáculo ao vivo foi adicionada a essa taxonomia num estágio posterior e foi assim
que a supra-legendagem [surtitling] para a ópera e o teatro também foi incluída. A
mudança de língua que acontece em todos esses casos foi um fator decisivo para nomear
essas práticas como tradução. (2005, p. 4) [tradução nossa3]
Em primeiro lugar, Díaz Cintas deixa claro que o meio audiovisual inclui todos
os espaços onde há um sinal acústico e um sinal visual, independentemente de ser
transmitido através de uma tela (que pode ser ao vivo ou não) ou de um palco (sempre
ao vivo). Desta forma, a designação screen translation limitaria o escopo da tradução
audiovisual, excluindo o que acontece fora da tela. Em segundo lugar, Díaz Cintas
diminui consideravelmente os tipos de tradução audiovisual, limitando-se aos
principais, de onde subtipos emergirão, como, por exemplo, a legendagem para ouvintes
(aberta) e a legendagem para surdos (que pode ser aberta ou fechada, como a closed
caption), que pertence à modalidade legendagem. O problema que persiste nessa
abordagem mais objetiva é a insistência por alguns tipos não característicos do meio
audiovisual apenas, como a interpretação, e de outros tipos que não constituem
modalidade de TAV, como a narração, na opinião das presentes autoras.
3
In this primary inception, AVT was used to encapsulate different translation practices used in the
audiovisual media – cinema, television, VHS – in which there is a transfer from a source to a target
language. Dubbing and subtitling are the most popular in the profession and the best known by audiences,
but there are some others such as voice-over, partial-dubbing, narration and interpreting. The translation
of live performance was added to this taxonomy at a later stage and that is how surtitling for the opera
and the theatre has also come to be included. The change of language that takes place in all these cases
has been a key factor when labeling theses practices as translation.
4
I would like to expand the concept and argue that, in essence, to lip-sync, to subtitle or to voice-over a
programme shares as much the idea of accessibility as SDH or AD. Only the intended audiences are
different. Whether the hurdle is a language or a sensorial barrier, the aim of the translation process is
exactly the same: to facilitate the access to an otherwise hermetic source of information and
entertainment. In this way, accessibility becomes a common denominator that underpins these practices.
nos Cadernos de Tradução (n. XVI, Edufsc, 2005/2), um número sobre tradução
audiovisual para a revista TradTerm (n. 13, 2007) e, agora, têm a honra de participar
deste número da Tradução em Revista (PUC-Rio), esperando poder contribuir para
facilitar a compreensão da terminologia na área, carente de pesquisas em nosso país.
Para tanto, as seções que se seguem discutem cada modalidade de TAV
individualmente, ou pares de modos que se intercalam ou cujo paralelismo se torna
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2. A Legendagem
2.1 A Legendagem para Ouvintes
A primeira tentativa de propor uma terminologia para a legendagem partiu de Alvarenga
(1998). Na proposta não constava a diferenciação entre legendagem para ouvintes e
legendagem para surdos. Para a autora, “legendagem” referia-se à legenda interlingual.
A nova subdivisão baseia-se na necessidade de diferenciar os dois tipos de legendagem
com fins à demarcação de áreas de estudo, já que ambas possuem características
singulares, como veremos a seguir.
As legendas para ouvintes atualmente são confeccionadas com o uso de
softwares que permitem a marcação ou divisão das falas em legendas (spotting ou
cueing), tradução, revisão e pré-visualização do filme legendado. Na época do trabalho
supracitado, os softwares de legendagem não eram muito acessíveis aos tradutores. Por
essa razão, as legendas eram produzidas no processador de textos Word, com os tempos
iniciais e finais sendo marcados com o auxílio de um Time Code Reader (TCR) presente
em toda cópia de trabalho de um filme ou programa de TV a ser legendado (Figura 1).
O objetivo é a indicação do local exato onde as legendas ficarão localizadas na
legendagem final do filme ou programa.
Figura 1: O TCR
O TCR acima mostra que o filme já rodou uma hora, vinte minutos, quarenta e
três segundos e está no primeiro quadro ou frame. Um filme de vídeo normalmente
possui, aproximadamente, a velocidade de vinte e nove quadros por segundo.
Baseada em sua experiência, Alvarenga começa propondo traduções diferentes
para a legendagem (subtitling) e para os profissionais envolvidos (1998, p. 215).
Segundo a autora, como a tarefa exige um trabalho de equipe envolvendo diversos
profissionais, é preciso nomeá-los diferentemente. Em primeiro lugar, ela cita os dois
profissionais que se dividem na tarefa de legendar, o legendador e o legendista. O
legendador é o técnico (ou pode ser um tradutor) que grava as legendas no vídeo,
enquanto que o legendista faz a tradução. Para Alvarenga, o termo “legendista” se
justifica, porque é o tradutor o protagonista da tradução. Essa diferenciação vem sendo
adotada em todos os trabalhos produzidos pelo grupo LEAD, grupo de pesquisa da
UECE e por Selvatici (2010). No entanto, há autores que preferem chamar os tradutores
para legendas de legendadores (Martinez, 2007 e Carvalho, 2010).
Já a diferenciação entre legendação (o trabalho de tradução) e legendagem (o
processo completo até a gravação) não se sustenta nos dias atuais, pois é possível
realizar uma legendagem completa com o auxílio de softwares livres. Aqui não serão
discutidos os termos referentes aos parâmetros de legendagem (condensação,
segmentação, quebra de linha, redução, adição e velocidade de legenda), porque os
mesmos serão abordados em outros artigos sobre o tema nesse volume.
pessoas pensam, closed caption não é sinônimo de “legenda para surdos”. Esta consiste
em um sistema de legendagem fechada ou oculta (o espectador precisa acessá-la no seu
controle remoto do aparelho de TV ou DVD) em oposição à legendagem aberta. Closed
caption é um modelo norte-americano de legendagem usado em muitos países, inclusive
no Brasil. Na Europa, o sistema utilizado é o teletexto. Mais detalhes de como funciona
esse sistema podem ser encontrados neste número no artigo de Araújo e Nascimento.
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Essa técnica ainda causa muitos erros na produção das legendas, especialmente quando
se trata de palavras homófonas (ex.: censo X senso) ou de palavras que – juntas –
formam o som de uma terceira palavra ou de uma expressão (ex.: ela tinha X é latinha),
mas, à medida que a tecnologia se desenvolve, esses erros tendem a diminuir. Além
disso, o custo de formação de um profissional que trabalha com reconhecimento de voz
é muito inferior ao de um estenotipista, o que pode contribuir para a disseminação da
técnica no Brasil.
estudos sobre essa modalidade no nosso país, apesar de ser uma prática corrente na
tradução de peças de teatro, musicais, óperas e mostras de cinema.
apesar de ter sua origem no rádio, foi o modo escolhido e amplamente divulgado pela
televisão brasileira para divulgar a importação de filmes estrangeiros, especialmente os
americanos, outros programas de ficção — como os sitcoms, e mais recentemente até
programas que não se encaixam no rótulo ficcional.
Diferentemente de alguns países europeus que elegeram a dublagem por motivos
ideológicos, como a Espanha na época de Franco que usou essa modalidade como meio
de censura (Ballester, 1999), ou a Alemanha e a França, que ainda lançam mão da
dublagem para promover sua língua e cultura, a escolha pela dublagem na televisão
brasileira teve um cunho social, ou seja, fazer com que filmes e programas pudessem ser
entendidos também pelo público analfabeto, numeroso no país.5 Por também se
caracterizar pela baixa renda, esse público dificilmente frequenta as salas de cinema,
que elegeram a legendagem como principal meio de tradução audiovisual, com exceção
dos filmes para crianças, em sua maioria dublados, mas em alguns casos também em
versão legendada, para o frequentador adulto que gosta de ouvir o filme na língua fonte.
A dublagem pode ser definida por três características básicas:
1. É uma tradução interlingual de um discurso oral para outro discurso oral, das
falas dos personagens de um filme ou programa de ficção pré-gravado. Por
esse motivo, é também chamada de “revocalização”.
2. Elimina a presença do discurso oral estrangeiro.
3. É regida pelo sincronismo labial, fundamental para fazer com que o público-
alvo acredite na ilusão de que o personagem esteja falando na sua língua. Por
causa disso, a dublagem é às vezes chamada, em países de língua inglesa, de
lip-sync translation ou simplesmente de lip-sync (tradução de sincronismo
labial).
5
Para recentes estatísticas sobre o analfabetismo no Brasil, acesse
http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/analfabetismo+cai+pouco+e+atinge+97+da+populacao/n12377
70936261.html. Acessado em 21 nov. 2011.
A tradução para a dublagem segue, então, duas etapas: a tradução do roteiro com
especial atenção ao sincronismo labial e a gravação do roteiro traduzido, no qual
adaptações no texto que não distorçam o significado do discurso são feitas pelo diretor
de dublagem em prol do sincronismo labial.
A necessidade de make believe produzida pela dublagem não é apenas
promovida pelo sincronismo labial, mas também pela voz escolhida para representar
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cada personagem na cultura de chegada, que deve se assemelhar à voz do ator/atriz que
o representa, e pela interpretação que lhe é dada no contexto fílmico. Por causa disso, os
dubladores são atores credenciados, uma vez que a ficção exige uma encenação de voz,
a mimetização da dramaticidade do texto-fonte e não apenas uma locução do texto
traduzido. A ilusão fabricada pela dublagem de que tal voz feminina ou masculina no
português brasileiro pertence a tal ator/atriz estrangeiro(a) se reflete no choque que já
sentimos ao ouvir uma voz diferente vinda da boca desse ator ou atriz, o que geralmente
provoca reações negativas de ardorosos fãs e espectadores.
Apesar de, por longos anos, a dublagem ter sido associada a produtos
audiovisuais estritamente de ficção, a televisão paga brasileira tem introduzido um
quadro diferente recentemente, em que programas classificados como de não-ficção,
como alguns reality shows e reportagens, estão sendo dublados ao invés de legendados,
e outros são ainda dublados e legendados. O canal Fox Life é um dos que mais têm
introduzido essa prática desde 2007. A dublagem chega a exagerar no sotaque do
falante, mas é menos exigente quanto ao sincronismo labial, fazendo com que, por
vezes, o personagem pareça um tanto caricato. Dois exemplos desse novo cenário são
programas de viagem, no qual o guia/apresentador é quase uma atração à parte, e
programas adultos com tema sexual, que passam tarde da noite. Um dos principais
motivos dessa mudança, discutida em matéria recente na Folha de São Paulo (outubro
de 2011) é o aumento do poder aquisitivo da classe C no Brasil, que começou a
consumir a TV paga. Outro motivo não menos importante é o apelo do público com
deficiência visual pelo maior acesso aos canais da TV paga, tradicionalmente
legendados.
Preferências por um ou outro modo à parte, a melhora da qualidade de vida das
classes mais baixas da população e a questão da acessibilidade que agora vigora nos
meios de comunicação parecem desestabilizar um quadro que se apresenta há muito
tempo na televisão: a associação da modalidade de tradução dublagem ao gênero ficção.
Talvez esse novo quadro represente também uma nova demanda por pesquisas sobre a
dublagem, bastante escassas tanto no Brasil quanto no exterior. O grande marco dos
estudos sobre dublagem veio com o primeiro livro sobre o assunto, de autoria de
Candice Whitman (1992), seguido por Agost (1999) e Chaume (2004), que parece ser o
grande e único nome na área no momento. No Brasil, a dissertação de mestrado de
Franco (1991) e a tese de doutorado de Araújo (2000) marcaram um novo tema de
interesse, mas pesquisas sobre dublagem se mantiveram limitadas a estudos de caso que
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3.2. O Voice-over
Assim como a dublagem, o voice-over é pré-gravado, o que também representa a
revocalização de um discurso oral em língua estrangeira para um discurso oral na língua
da tradução, mas sob uma perspectiva completamente diferente, o que não permite que
seja subordinado à dublagem ou classificado como um subtipo desta. O voice-over se
caracteriza:
1. por ser uma tradução audiovisual interlingual usada para produtos
audiovisuais estritamente pertencentes ao gênero de não-ficção, tais como
documentários, noticiários com entrevistas pré-gravadas, programas de
entrevistas pré-gravados, debates políticos etc. Tradicionalmente, os países
que costumam usar a dublagem para a ficção tendem a usar o voice-over para
programas de não-ficção. O objetivo principal dessa tradição é dar prioridade
à língua da cultura receptora, como acontece na Alemanha e França;
2. pela ausência de sincronismo labial, embora seja de extrema importância a
sincronia com a duração do discurso em língua estrangeira e com a imagem.
Em relação à imagem, podemos falar em sincronismo cinético, quando o
discurso deve combinar com os movimentos do corpo (por exemplo, quando
o falante está apontando para algo) e sincronismo de ação, que impõe uma
certa ordem no discurso do falante, limitando inversões sintáticas que
poderiam ocorrer para uma melhor fluidez na língua-alvo; e
3. pela co-presença do discurso em língua estrangeira, em volume baixo, ao
qual se sobrepõe o discurso em língua de chegada.
Bem menos conhecido entre o público brasileiro por sua pobre divulgação na
televisão, que se resume a poucos programas sobre viagens e documentários nos canais
pagos, essa modalidade de TAV nunca recebeu a devida atenção de pesquisadores nem
no Brasil nem no exterior até os trabalhos pioneiros de Franco (2000, 2001) e Franco,
Matamala & Orero (2010)6, que vieram elucidar o termo, tão confundido com seu
conceito originado nos Estudos Fílmicos, e demonstrar quão equivocadas eram suas
definições dentro dos Estudos da Tradução, que teimavam em reduzi-lo à tradução
literal do conteúdo informativo de programas de não-ficção.
6
A discussão apresentada aqui é parte dos três trabalhos mencionados, a saber, a tese de doutorado de
Franco (2000), seu artigo na Target (2001) e seu livro em co-autoria com Anna Matamala e Pilar Orero
(2010), todos listados nas referências bibliográficas.
7
[…] any spoken language not seeming to come from images on the screen. [tradução nossa]
empréstimo da área dos Estudos Fílmicos para se tornar uma modalidade de TAV na
nova área de interesse, a ser aplicado em produtos audiovisuais de não-ficção, uma vez
que é comumente usado em documentários, nos quais a narração em voice-over suscita
um apelo à credibilidade e veracidade do produto audiovisual.
Uma vez importado para a área da TAV, o voice-over passou a significar uma
voz não sobre imagens, como nos Estudos Fílmicos, mas sobre outra voz, ou seja, a voz
da tradução sobre a voz do discurso original de entrevistados ou de falantes solitários na
tela. A co-existência dos discursos em língua-fonte e língua-alvo na tela se dá através da
sobreposição da voz da tradução na voz traduzida, esta última em volume baixo, quase
inaudível, para não comprometer o entendimento da primeira. Outra característica é o
atraso de um a dois segundos sempre observado na voz da tradução, que corrobora com
o efeito de credibilidade desejado e produzido pela gravação, influenciando o
espectador, de forma bem sutil, a acreditar que o que se diz na língua estrangeira é
exatamente o que está sendo reproduzido na sua língua.
A co-existência da mesma denominação para dois conceitos diferentes em duas
áreas distintas, mas relacionadas, resultou numa confusão terminológica entre os
estudiosos da tradução audiovisual, que sempre demonstraram certo grau de dificuldade
ao tentar definir a nova modalidade e suas características, e por isso sentiram
necessidade de comparar o termo a outros tipos de tradução ou até a outros discursos
narrativos.
Em um levantamento sobre o termo voice-over na literatura em Tradução
Audiovisual (Franco, 2000 e Franco, Matamala & Orero, 2010) foi possível obsevar
diferentes abordagens, as quais refletem a indefinição teórica sobre o termo por parte de
estudiosos e profissionais da área, que ora tende para o processo tradutório do voice-
over e ora tende para o processo de gravação e apresentação da tradução em voice-over.
Para eles, a tradução em voice-over é definida como ou comparada com: uma categoria
de revocalização, assim como a dublagem; um tipo de dublagem, seja ela dublagem não
sincronizada ou sem sincronismo labial, meia-dublagem ou até dublagem sincronizada;
8
Kaufmann (1995), intérprete experiente para a televisão, faz distinção entre os modos de tradução ao
vivo usados na transmissão in situ (interpretação consecutiva e simultânea) e os modos de tradução
gravados, usados em programas en aval, ou gravados antes de sua exibição.
voz traduzida, que permanece audível, não há como aceitar que comentários ou
narrações sejam exemplos de tradução em voice-over. A ausência da co-existência do
discurso original nos comentários de programas traduzidos não deixa claro se esses
comentários em particular são traduzidos ou não. Na prática, os comentários de
programas traduzidos podem ser originados de três formas distintas: a) uma tradução
mais literal do comentário original; b) uma tradução mais adaptada ou domesticada do
comentário original; e c) uma criação de um comentário que não existe no programa
original. Em todos esses casos, o comentário continua sendo apresentado como um tipo
de discurso diferente do conteúdo das entrevistas, por exemplo, que é o verdadeiro
material submetido à tradução em voice-over.
A narração (mais usada para o gênero de ficção) e o comentário (mais usado
para o gênero de não-ficção) são definidos por estudiosos do cinema como sequências
de discurso por falantes invisíveis sobre imagens do programa (Rabiger, 1998). Ainda
hoje definidos como modalidades de tradução audiovisual por importantes nomes da
tradução audiovisual, a narração se caracteriza como um voice-over estendido (Luyken
et al. 1991) que deve ser aplicado a monólogos por entrevistados de um programa, com
um estilo mais formal e com a possibilidade de uso da terceira pessoa, ou seja, de ser
apresentado em discurso indireto. Já o comentário apresenta um estilo menos formal e
pode adaptar o conteúdo original, sendo apresentado em discurso direto. Não importa
exatamente a diferença entre um e outro, a questão aqui é que é infrutífero
diferenciarmos a modalidade em voice-over e em voice-over estendido porque ambos se
referem à versão traduzida de uma entrevista sendo lida sobre a versão original, com o
número de vozes e o estilo sendo os elementos que diferenciam entre o monólogo e o
diálogo traduzidos. No caso do uso de discurso indireto para respostas na forma de
monólogos na tela, este deve ser visto como uma estratégia da tradução em voice-over,
que permite que a resposta do entrevistado seja mais manipulada e até resumida se
introduzida por “a testemunha disse que...” ou “todos responderam da seguinte forma”.
literal do comentário será apresentada como uma voz única, ainda como um discurso em
voice-over, mas na língua de chegada. Franco, Matamala & Orero (2010) sugeriram
nomear o processo tradutório de comentários e narrações de off-screen dubbing, ou
dublagem off-screen, que remete a um processo de adaptação com um determinado grau
de proximidade do original (desde extremamente próximo a um comentário inventado)
e que é apresentado exclusivamente na língua-alvo.
10. pode personificar o falante original através da primeira pessoa ou reportar suas
palavras através do discurso indireto ou da terceira pessoa;
11. reproduz características miméticas da fala do texto fonte até um certo ponto
(sotaque, idade, emoção, entonação, gênero, ênfase);
12. mantém o dono da voz invisível.
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4. A Audiodescrição (AD)
A audiodescrição (audiodescription) é a tradução em palavras das impressões visuais de
um objeto, seja ele um filme, uma obra de arte, uma peça de teatro, um espetáculo de
dança ou um evento esportivo. O recurso tem o objetivo de tornar esses produtos
acessíveis a pessoas com deficiência visual. A AD pode ser pré-gravada ou ao vivo. A
AD pré-gravada é geralmente usada em filmes, programas de TV e obras de arte,
enquanto a AD ao vivo é acontece em eventos e no teatro.
A AD pré-gravada pressupõe um roteiro, o qual será gravado por um locutor. No
caso de filmes e programas de TV, a audiodescrição é normalmente inserida no
intervalo entre os diálogos, evitando, sempre que possível, a sobreposição com as falas
do texto fonte. Tanto o roteirista quanto o locutor são chamados de audiodescritores. Os
elementos a serem audiodescritos seriam, segundo Jiménez (2010, p. 70), em três
níveis: a) o narratológico (elementos visuais verbais, como os créditos e o logo dos
produtores do filme, e não verbais, como os personagens, os ambientes e as ações); b) o
cinematográfico (a linguagem da câmera); e c) o linguístico (a linguagem usada). Não
há um padrão de formato de roteiro estabelecido, mas o roteiro de AD para a televisão e
o cinema é geralmente confeccionado contendo os seguintes itens: a) o TCR, que indica
a entrada e saída do texto da audiodescrição; b) o texto da audiodescrição; c) as deixas,
que são as últimas falas antes de entrar a AD; e d) as rubricas, que são as instruções para
a locução (falar rápido, leve sobreposição etc.).9 Uma amostra desse roteiro pode ser
vista na Figura 2.
9
O grupo TRAMAD (Tradução, Mídia e Audiodescrição), da UFBA, por exemplo, nunca incluiu o
número sequencial no roteiro e deixou de incluir as “deixas” após sugestão de um estúdio de dublagem
em São Paulo, para o qual realizou audiodescrições de três longas-metragens. O TCR de entrada e saída
do texto da AD aparece, por sua vez, em linhas diferentes, e não na mesma linha, como a Figura 2 ilustra.
Tais modificações foram sugeridas para que o roteiro de audiodescrição fique parecido com o roteiro de
dublagem, o que facilita o trabalho de locutores dos estúdios, já acostumados com o formato deste último.
TCR Descrição
Nº ordem
114 00:26:58,726=>00:27:05,547 - Vamo vê quem joga a pedra mais longe?
5. Considerações Finais
A discussão terminológica e conceitual no âmbito da TAV aqui realizada não pretendeu
ser exaustiva e nem dar a última palavra sobre a questão, mas propor um ponto de
partida para o debate sobre o assunto entre pesquisadores e profissionais da área,
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