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Sociologia das Profissões

Book · February 2002

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Maria De Lurdes Rodrigues


ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa
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SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES
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Almeida, Paulo Pereira de, Banca e Bancários em Portugal: Diagnóstico e Mudança nas Relações
de Trabalho
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Apsiot (org.), O Futuro do Trabalho: Novas Relações e Competências
Carreiras, Helena, Fátima Freitas e Isabel Valente (orgs.), Profissão Sociólogo
Chandler Jr., Alfred D., e Herman Daems (orgs.), Hierarquias de Gestão: Perspectivas
Comparativas sobre o Desenvolvimento da Moderna Empresa Industrial
Clegg, Stewart R., Organizações Modernas
Filleau, Marie-Georges, e Clotilde Marques-Ripoull, Teorias da Organização e da Empresa:
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Kovács, Ilona, Metamorfoses do Emprego: Ilusões e Problemas da Sociedade de Informação
Lopes, Margarida Chagas, e Aquiles Pinto, Competitividades, Aprendizagens e Soluções
Pedagógicas
Lopes, Margarida Chagas, Estratégias de Qualificação e Metodologias de Avaliação:
Entre a Empresa, o Mercado de Trabalho e a Convergência Europeia
Madureira, Nuno Luís (org.), História do Trabalho e das Ocupações, Vol. I: A Indústria Têxtil
Madureira, Nuno Luís, e Inês Amorim (orgs.), História do Trabalho e das Ocupações,
Vol. II: As Pescas
Madureira, Nuno Luís, Nuno Gonçalo Monteiro, Conceição Andrade Martins (orgs.),
História do Trabalho e das Ocupações, Vol. III: A Agricultura
Rebelo, Glória, InAdaptação no Trabalho: Uma Perspectiva Sociorganizacional e Jurídica
Rebelo, Glória, Trabalho e Igualdade: Mulheres, Teletrabalho e Trabalho a Tempo Parcial
Reed, Mike , Sociologia da Gestão
Rodrigues, Maria de Lurdes, Engenheiros em Portugal: Profissionalização e Protagonismo
MARIA DE LURDES RODRIGUES

SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES


Prefácio de João Freire

SEGUNDA EDIÇÃO

CELTA EDITORA
OEIRAS / 2002
© 1997, 2002, Maria de Lurdes Rodrigues

Maria de Lurdes Rodrigues (n. 1956)


Sociologia das Profissões

Primeira edição: Novembro de 1997


Tiragem: 1000 exemplares
Segunda edição: Outubro de 2002
Tiragem: 800 exemplares

Prefácio: João Freire


Revisão de texto: G. Ayala Monteiro

ISBN: 972-774-151-7
Depósito legal: 184639/02

Composição: Celta Editora, em caracteres Palatino, corpo 10


Capa: Mário Vaz | Arranjo: Paula Neves
Impressão e acabamentos: Tipografia Lousanense, Lda.

Reservados todos os direitos para a língua portuguesa,


de acordo com a legislação em vigor, por Celta Editora Lda.

Celta Editora, Rua Vera Cruz, 2B, 2780-305 Oeiras, Portugal


Endereço postal: Apartado 151, 2781-901 Oeiras, Portugal
Tel.: (+351) 214 417 433
Fax: (+351) 214 467 304
E-mail: mail@celtaeditora.pt
Página: www.celtaeditora.pt
ÍNDICE

Índice de figuras ....................................................................................... vi


Prefácio (de João Freire) ........................................................................... vii

INTRODUÇÃO ..................................................................................... 1
1 DEFINIÇÃO DO CAMPO OU A PROCURA DE UM MODELO . 7
Do funcionalismo: as profissões como modelo ............................... 7
Do interaccionismo: as profissões como processo ........................... 15
O conceito de profissionalização ........................................................ 20
Profissões e organizações: os engenheiros ....................................... 23
Profissões e desenvolvimento económico ........................................ 29
2 CRÍTICA E REABILITAÇÃO DAS PROFISSÕES ............................ 35
A inadequação do modelo profissional ............................................ 36
A ideologia do profissionalismo ........................................................ 40
A a-historicidade do modelo ............................................................... 43
3 O PODER DAS PROFISSÕES ............................................................. 47
O paradigma do poder: Johnson, Freidson e Larson ...................... 47
Profissionalização e domínio das profissões .................................... 61
Desprofissionalização e proletarização ............................................. 69
Teses de tendência: comprovação empírica ..................................... 80
4 ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA .............................. 93
Abbott e a abordagem sistémica do fenómeno das profissões ..... 93
A emergência de abordagens comparativas ..................................... 106
Saber e poder: a centralidade do conhecimento científico ............ 111
O papel do Estado ................................................................................. 122
5 A SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES EM PORTUGAL ................... 129

Referências bibliográficas ......................................................................... 139

v
ÍNDICE DE FIGURAS

1.1 Tipologia analítica da segmentação profissional ............................. 19


1.2 Grelha de análise do comportamento de profissionais
em organizações .................................................................................... 28
3.1 Diagrama da tese de Johnson: divisão do trabalho, relações
profissionais e poder profissional ...................................................... 48
3.2 Diagrama da tese de Freidson: fontes do poder profissional ........ 50
3.3 Modelo de análise do poder profissional .......................................... 58
3.4 Condições para a manutenção do controlo ocupacional ................ 88
3.5 Plano de localização das teses de tendência e respectivos autores. ... 89
4.1 Situações de trabalho dos profissionais, segundo Abbott (1988) .. 100
4.2 Dimensão social e dimensão cognitiva nos processos
de construção do conhecimento ......................................................... 112

vi
PREFÁCIO

Durante cerca de vinte anos, no período em que nasceu e se desenvolveu en-


tre nós a sociologia, o ramo da sociologia das profissões, precoce e vivaz em
outros países, não encontrou qualquer eco em Portugal.
Quer no plano do ensino universitário, quer no da edição de textos teó-
ricos, quer ainda na — incipiente — investigação que então começou a ser fei-
ta, a sociologia das profissões foi praticamente ignorada pelos sociólogos
portugueses de então.
Do ponto de vista temático, os conflitos sociais, o trabalho e as classes
trabalhadoras, as questões urbanas e os processos políticos e do desenvolvi-
mento foram provavelmente os domínios que mais atracção exerceram sobre
os estudiosos e onde a procura social — por razões históricas e conjunturais
compreensíveis — era também maior.
Por outro lado, nos anos 70 predominava entre nós a influência dos au-
tores franceses, também eles desconhecedores (mas “voluntários”) do campo
das “profissões e ocupações”, e onde apenas Raymond Ledru se aventurava a
uma abordagem quantitativista do fenómeno do emprego.
Na verdade, a sociologia das profissões tinha uma história já bem anti-
ga, mas quase toda ela feita dentro dos paradigmas teóricos desenvolvidos
pela sociologia norte-americana. Ora, em França ou em Portugal, naqueles
anos, os (principais) autores americanos eram estudados, mas sobretudo
como objecto de exercício crítico académico, sendo raramente seguidas as
suas orientações.
Uma nova sociologia das profissões só desponta praticamente nos anos
80, quando novos autores, armados de conceitos e modelos analíticos mais
inovadores, redescobrem o interesse do tema. E embora quase todos fossem
também norte-americanos, desta vez encontraram uma significativa resposta
por parte de investigadores europeus, desejosos de investir em terrenos até
então quase inexplorados do lado de cá do Atlântico. Os tempos haviam, de
facto, mudado.

vii
viii SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

É do percurso desta disciplina que o texto de Maria de Lurdes Rodrigues


nos dá conta. Partindo do “quase-zero-nacional” nesta matéria quer quanto ao
conhecimento das obras fundamentais, quer quanto às problemáticas e ao de-
senvolvimento das polémicas, a autora refez, em condensado e passo estugado,
a trajectória de perto de cinquenta anos de desenvolvimento científico.
O objectivo visado era o de encontrar um enquadramento teórico fun-
damentado para a análise sociológica dos engenheiros em Portugal, adivi-
nhando-se ser aquele como o mais coerente e consistente para o efeito. A intu-
ição mostrou-se amplamente justificada, a tal ponto que, ao arguir a sua tese
em provas de doutoramento, eu próprio lhe sugeri a publicação em separado
da sua “parte teórica”, verdadeiro “manual” de inegável interesse pedagógi-
co e científico para a formação de novos (e antigos) sociólogos.
A sociologia das profissões desenvolveu-se, numa primeira fase, no
quadro das teorias sociológicas funcionalistas através de figuras destacadas
como Carr-Saunders, Parsons (sobretudo “via” Goode) e Merton. Aos olhos
destes, os “profissionais” (correspondendo ao que em Portugal se designa
habitualmente por “profissões liberais”) constituíam um modelo superior e
completo — com pontos de contacto com o modelo do ofício, para as activida-
des produtivas —, a que as restantes “ocupações” não conseguiam alcando-
rar-se. Mas contemporaneamente Hughes, entre outros, analisava os mesmos
profissionais a partir de uma abordagem interaccionista, que constituiu o pri-
meiro contraponto sério àquelas concepções iniciais.
A partir daqui, a dinâmica de desenvolvimento do processo de discus-
são e investigação científica não deixou de gerar novas aquisições conceptua-
is e de ser enriquecida com novas problemáticas e perspectivas de análise: foi,
em especial, o caso dos conceitos de profissionalização (e seus conexos: des-
profissionalização e outros), de poder e de saber; das questões da inserção
dos profissionais nas organizações e do seu papel no desenvolvimento; e da
emergência das análises sistémicas, históricas e comparativas.
O presente livro de Maria de Lurdes Rodrigues conduz-nos, com gran-
de segurança, nos meandros destes processos, preparando os leitores para os
novos desenvolvimentos e aplicações que a actual sociologia dos grupos pro-
fissionais não cessa actualmente de produzir, inclusive em Portugal.
Tive, pessoalmente, o gratíssimo prazer de introduzir a Doutora Maria de
Lurdes Rodrigues no campo largo da sociologia do trabalho, sobretudo a partir
do momento em que ela abraçou a carreira docente universitária, no ISCTE. E
pude seguir de perto o desenvolvimento de uma carreira brilhante, que já rece-
beu reconhecimentos assinaláveis no seio da comunidade científica.
Entre os seus múltiplos talentos, este livro testemunha a sua capacidade
teórica e constitui uma oportunidade para os interessados na matéria. Certa-
mente não será a última.

João Freire
INTRODUÇÃO

Este livro nasceu como enquadramento teórico de uma tese de doutoramento


sobre o processo de profissionalização dos engenheiros em Portugal, no do-
mínio da sociologia das profissões.
A sociologia das profissões não tem qualquer tradição em Portugal e o
desenvolvimento do projecto de investigação constituiu uma oportunidade de
descobrir quadros teóricos com grande potencial explicativo de novas tendên-
cias no mundo do trabalho, como a difusão do profissionalismo nas organiza-
ções e nos mais variados grupos ocupacionais, mas constituiu também um desa-
fio — inaugurar uma nova área disciplinar na sociologia em Portugal.
Mais que um enquadramento teórico do problema sociológico anali-
sado na tese de doutoramento, este trabalho reflecte duas orientações:
a procura de exaustividade que guiou a incursão de estudo e aprendiza-
gem no interior da sociologia das profissões, tendo-se ultrapassado, por-
tanto, o campo restrito dos temas e problemas relativos à profissão de en-
genheiro; e a preocupação de “devolver” à comunidade científica os resul-
tados desta aprendizagem, isto é, disponibilizar a informação recolhida e
os conhecimentos adquiridos no domínio da sociologia das profissões sis-
tematizando-os de forma didáctica.
Desta forma, Sociologia das Profissões apresenta-se como um manual de
estudo de sociologia das profissões a partir do qual se pode situar ou estabele-
cer um plano de observação e análise dos mais variados grupos ocupacionais,
dos engenheiros aos psicólogos, dos arquitectos aos médicos, advogados, etc.
Faz-se aqui uma revisão da literatura, reconstruindo a história desta
disciplina, as condições sociais e cognitivas da sua emergência e evolução, os
saltos paradigmáticos e o processo de acumulação e sedimentação de concei-
tos e noções; passam-se em revista as diferentes escolas, perspectivas e abor-
dagens, os contributos dos diferentes autores, acompanhados, na medida do
possível, dos estudos empíricos que sustentam tais escolas e abordagens, no-
meadamente os relativos aos engenheiros.

1
2 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Por razões e com objectivos diferentes, desde o final do século XIX, pen-
sadores como Spencer, Saint-Simon, Weber, Durkheim, Beatrice e Sidney
Webb reflectiram sobre o fenómeno das profissões, fornecendo importantes
contributos para o seu estudo. Os autores têm em comum o facto de atribuí-
rem às profissões um valor positivo, considerando-as formas “superiores” de
organização social, (tendo por referente as sociedades tradicionais) e, portan-
to, manifestações de desenvolvimento e modernidade.1
Contudo, só na segunda metade do século XX o fenómeno das profissões
é abordado na sociologia de forma sistemática, desenvolvendo-se um proces-
so interno de especialização científica que conduziu à constituição de um
subdomínio usualmente designado por sociologia das profissões.
Muitos autores sublinham no processo de construção deste subdomínio
variáveis extracientíficas relativas às condições sociais e políticas da sua pro-
dução, isto é, relevam o contexto socioeconómico anterior e posterior à II Gu-
erra Mundial, a cuja determinação e condicionamento a sociologia não terá
escapado, apontando como decisivas, por um lado, as alianças da sociologia
com a planificação tecnocrática e o poder e, por outro, a emergência de dife-
rentes grupos ocupacionais aspirando ao estatuto de profissão, entre os quais
os próprios sociólogos.
Como sublinha Dubar,2 a afirmação da sociologia das profissões é o re-
sultado de uma estratégia de profissionalização dos sociólogos confrontados,
por alturas da grande crise de 1929, com as questões do Governo de Hoover
sobre a evolução da sociedade, cuja compreensão o iria ajudar a definir a sua
política (1991, 136).
Fazendo-o, os sociólogos colocam-se ao serviço das agências governa-
mentais e constituem-se eles próprios em comunidade profissional e científi-
ca. A sociologia das profissões seria assim, antes de tudo, um produto de vín-
culos sociais e ideológicos, limitada por uma visão do mundo, da sociedade e
do homem, orientadora do seu desenvolvimento.3
Todavia, consideramos que para além das condições sociais e políticas
mais ou menos favoráveis, mais ou menos condicionantes da emergência e

1 Dubar (1991) afirma que o enjeu das profissões reuniu o consenso dos pais fundadores da
sociologia: as análises, reflexões e proposições dos “primeiros sociólogos” no que respei-
ta às actividades e associações profissionais inscrevem-se na continuidade da prática co-
munitária dos ofícios não por nostalgia ou conservadorismo, mas para fazer radicar as
relações dos homens com o seu trabalho numa perspectiva comunitária e tentar definir as
condições de uma organização económica e socialmente viável.
2 E antes dele outros como Jackson (1970), Heilbron (1986) e Desmarez (1986).
3 A emergência desta consciência das condicionantes sociais na produção de saberes socia-
is e na constituição da sociologia está na origem da sociologia crítica, que se constitui
como uma alternativa ao paradigma funcionalista (ver Peña Ferreira, s. d.). Este tema
será retomado e desenvolvido quando se referir o segundo período de desenvolvimento
da disciplina — “Crítica e reabilitação das profissões”.
INTRODUÇÃO 3

afirmação da sociologia das profissões, não se pode deixar de sublinhar a


existência de uma lógica cognitiva na estruturação deste domínio disciplinar.
Neste caso, a lógica cognitiva surge associada a sucessivas interrogações que
se revelaram nucleares na sedimentação do corpo de conhecimentos: o que é
uma profissão, ou seja, o que a distingue de outras ocupações definidas no
quadro da divisão do trabalho? Como é que uma ocupação se transforma em
profissão? Sob que condições ocorre essa transformação? Qual a função so-
cial das profissões, ou seja, como e porquê alguns grupos mantêm situações
de privilégio? E, por fim, qual o sentido da evolução das profissões?

É em torno destas interrogações e da busca das respectivas respostas que,


ao longo dos últimos cinquenta anos, se constituiu e sedimentou a sociologia das
profissões, se foram sobrepondo e alternando paradigmas, se desenharam mo-
delos explicativos e se pode reconstituir hoje a história da disciplina.
As interrogações e as respostas correspondem não só a diferentes níveis
de profundidade e complexidade na compreensão do fenómeno das profis-
sões, como a diferentes ângulos de observação: cada nova questão foi explici-
tamente formulada como a questão “correcta” que deveria substituir a ante-
rior, apresentando-se como núcleo de um novo paradigma. Assim, a uma
evolução descontínua marcada por rupturas, sobrepõem-se continuidades e
acumulações de conhecimento, processos de articulação entre as várias inter-
rogações e respectivas respostas, passíveis de serem apreendidas quando se
retém a totalidade das interrogações.
O principal objectivo deste trabalho é, justamente, rever todas estas
abordagens, construindo assim um guia para aqueles que se proponham es-
tudar uma qualquer profissão ou grupo ocupacional.

A maioria dos autores que fizeram revisão da literatura no domínio da


sociologia das profissões reconhece na história da disciplina dois grandes pe-
ríodos:4 um primeiro, anterior à década de 70, dominado pelas perspectivas
funcionalistas; e um segundo, após o movimento crítico, de emergência de
uma pluralidade de paradigmas. Os autores reconhecem também que ambos
os períodos são marcados por uma certa fragmentação e pluralidade de abor-
dagens, o que torna muitas vezes difícil a identificação das respectivas filia-
ções ou orientações teóricas de fundo.5
Na sistematização apresentada neste livro identificam-se quatro perío-
dos na história da disciplina:

4 Hickson e Thomas (1969); Maurice (1972); Chapoulie (1973); Roth (1974); Saks (1983);
Freidson (1994); etc.
5 Em 1973, Chapoulie considerava como uma importante dificuldade na análise das pes-
quisas sobre as profissões o carácter pouco sistemático da maior parte dos trabalhos, que
se prestariam a múltiplas interpretações (1973: 87).
4 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

1.º período definição do campo ou a procura de um modelo. Decorre desde os


trabalhos iniciais de Carr-Saunders e Wilson (1934) até ao final
da década de 60, sendo o pós-guerra o período mais produtivo.
Destacam-se figuras como Parsons, Merton, Goode, Barber e
Moore, cujos trabalhos se filiam no paradigma funcionalista,
dominante durante todo o período; ou Hughes, Strauss e Bu-
cher, desenvolvendo trabalhos numa perspectiva alternativa,
seguindo a tradição da escola de Chicago e do interaccionismo
simbólico; ou ainda Wilensky e Gross, cujos trabalhos revelam
a procura de sínteses integradoras dos dois paradigmas;

2.º período crítica e reabilitação das profissões. Tem na década de 70 o momen-


to mais produtivo e, para além das figuras ligadas à sociologia
crítica, como W. Mills e Gouldner, no campo da sociologia das
profissões destaca-se Gyarmati. A sociologia das profissões é
revista, sobretudo os contributos construídos à luz do para-
digma funcionalista, passando a ser encarada como uma deri-
vação directa das condições sociais e ideológicas da sua emer-
gência e afirmação;

3.º período o poder das profissões e a pluralidade de paradigmas, abordagens e


perspectivas. Esta fase decorre ao longo das décadas de 70 e 80 e
caracteriza-se pela emergência de uma pluralidade de orienta-
ções paradigmáticas e metodológicas. Trata-se de diferentes
abordagens, visões e interpretações de um mesmo fenómeno
— o poder das profissões. Destacam-se autores como Johnson,
Freidson, Larson, Klegon, que são simultaneamente responsá-
veis pelo movimento crítico e seus tributários;

4.º período abordagem sistémica e comparativa ou a procura de modelos comple-


xos. Reúnem-se aqui as contribuições mais recentes para o estu-
do das profissões, em relação às quais, por um lado, não se co-
nhecem ainda todos os desenvolvimentos ou decorrências e, por
outro, não é ainda possível ter o distanciamento necessário aos
exercícios críticos. Destacam-se, no entanto, desde já, os traba-
lhos comparativos desenvolvidos na Europa,6 tendo em conta o
tempo (dimensão histórica) e os espaços (dimensão local/nacio-
nal/internacional); destacam-se também os trabalhos de Abbott,
marcados pela preocupação de construção de uma teoria sisté-
mica que permita explicar a diversidade e complexidade das

6 Por exemplo, Torstendahl e Burrage (1990) e Lucas e Dubar (1994).


INTRODUÇÃO 5

situações, nomeadamente as decorrentes da consideração das


variáveis tempo e espaço, e identificar modelos.

Nos quatro primeiros capítulos que constituem este livro analisaremos sepa-
radamente estes períodos da história da sociologia das profissões, apresen-
tando os principais temas e aquisições cognitivas de cada um deles.
Capítulo 1
DEFINIÇÃO DO CAMPO OU A PROCURA DE UM MODELO

Do funcionalismo: as profissões como modelo

A primeira interrogação — o que é uma profissão? Que traços ou característi-


cas as distinguem de outras ocupações? — constitui a principal preocupação
de uma série de autores, que procurarão identificar tais características, atri-
butos ou traços e definir o tipo “perfeito” ou ideal de profissão. Encontrados
os traços e definido o ideal tipo, as profissões existentes são classificadas no
que respeita às suas características, ao seu modo de funcionamento e organi-
zação, com o objectivo de verificar em que medida se aproximam ou afastam
do modelo; e assim, num mesmo passo, surgiram associadas ao conceito de
profissão novas noções,1 como “semiprofissão”, “quase profissão” e “não pro-
fissão”, para classificar grupos ocupacionais que se afastam do tipo ideal-
mente definido, bem como escalas para medir quanto profissionalismo pos-
suíam determinadas ocupações.2
Embora os primeiros trabalhos, como o de Carr-Saunders e Wilson
(1934), sejam muitas vezes considerados sobretudo estudos sociográficos,
são lançadas desde o início as bases da abordagem funcionalista do fenóme-
no.3 Para Carr-Saunders e Wilson, cuja preocupação principal foi identificar
os atributos que permitiam distinguir as profissões, tomadas como factos

1 Etzioni (1969).
2 Hickson e Thomas (1969) constroem escalas relativas a vários parâmetros susceptíveis de
serem observados em associações profissionais, a fim de medir as diferenças entre elas no
que respeita ao grau de profissionalização.
3 Dubar (1991), tal como Desmarez (1986), Heilbron (1986) e Maurice (1972: 215), considera
que existe uma linha de continuidade iniciada por Flexner (1915), passando por Carr-
-Saunders e Wilson (1934) até Parsons (1968), sem rupturas, na qual é muito evidente a
preocupação de atribuir às profissões e à sua emergência massiva uma importância estra-
tégica crescente nos processos de desenvolvimento — as profissões representam, nesta li-
nha de continuidade, a síntese da eficácia económica e da legitimidade cultural.

7
8 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

naturais, do conjunto das ocupações, uma profissão emerge quando um nú-


mero definido de pessoas começa a praticar uma técnica fundada sobre uma
formação especializada, dando resposta a necessidades sociais:

Em todos os países civilizados o Estado regula a prática do direito e da medici-


na. A razão para tal é que os profissionais de direito e medicina prestam serviços
que, sendo vitais ou fiduciários no mais alto grau, podem ser requeridos em
qualquer altura por qualquer membro do público mesmo ignorante na matéria
(Saunders e Wilson, 1934: 479).

A constituição das profissões decorreria de: (i) uma especialização de servi-


ços, permitindo a crescente satisfação de uma clientela; (ii) a criação de asso-
ciações profissionais, obtendo para os seus membros a protecção exclusiva
dos clientes e empregadores requerendo tais serviços, isto é, estabelecendo
uma linha de demarcação entre pessoas qualificadas e não qualificadas,
fixando códigos de conduta e de ética para os qualificados; (iii) o estabeleci-
mento de uma formação específica fundada sobre um corpo sistemático de
teorias, permitindo a aquisição de uma cultura profissional.
No desenvolvimento dos conhecimentos residiria toda a explicação e dele
dependeriam as possibilidades de extensão do profissionalismo ou da emergên-
cia de profissões ou ocupações com estatuto semelhante. Neste sentido, por
exemplo, em relação à possibilidade de constituição de um grupo profissional na
área de actividade de administração e gestão de empresas, os autores declaram
que tudo depende do desenvolvimento dos conhecimentos:

Todos os atributos que caracterizam uma profissão são o desenvolvimento natural,


de facto inevitável, da aplicação de uma técnica intelectual a assuntos da vida quo-
tidiana. Por outras palavras, se, e quando, se desenvolver uma técnica intelectual
de gestão de negócios, que só pode ser adquirida por formação intelectual especia-
lizada, nascerá a profissão de administração e gestão de empresas (1934: 479).

As suas obras fazem uma clara apologia do “profissional”, considerando que


este não só concretiza uma “alternativa a empresários motivados exclusiva-
mente por ganhos financeiros”, como encarna um “ideal de serviço” fundado
sobre uma competência, representando o progresso da expertise ao serviço da
democracia.
Em 1939, Parsons elabora um texto de resposta à teoria económica do
utilitarismo — segundo a qual todo o comportamento é resultado de motiva-
ções económicas —, argumentando que as profissões são orientadas por mo-
tivações altruísticas e não por razões económicas:4

Em contraste com “os negócios”, nesta interpretação a profissão é caracterizada


pelo “desprendimento”. Não se encara o profissional como apostado apenas
DEFINIÇÃO DO CAMPO OU A PROCURA DE UM MODELO 9

em conseguir lucros pessoais, mas, sim, em prestar serviços aos seus pacientes
ou clientes ou a valores impessoais como seja o avanço da ciência. (…) O estudo
das profissões, pela eliminação do elemento “interesse próprio” no sentido vul-
gar, parecia proporcionar uma abordagem favorável para análise da [socieda-
de moderna] (1939: 458).

Parsons foi talvez o primeiro sociólogo a abordar o fenómeno das profissões


em termos teóricos, com a intenção explícita de identificar os princípios de
coerência do conjunto das características das profissões e de construir uma
teoria do seu funcionamento e da sua génese.
No pós-guerra (1951; 1964; 1968) tornará públicos alguns textos acerca
das profissões (sobretudo médicos e advogados), chamando a atenção para a
importância das profissões nas sociedades industriais avançadas.
Segundo Parsons, o papel dos profissionais exerce-se na relação com os
clientes e é a sua reciprocidade assimétrica (conhecimento/ignorância) que
permite a sua institucionalização (autoridade/confiança). Assim, parte da re-
lação profissional-cliente (decalcada da relação médico-doente) para com-
preender o fenómeno das profissões. A assimetria da relação e o potencial ris-
co de exploração são geradores de um sistema de controlo social suportado
pela ideologia e pela mística do profissionalismo. Neste sistema, o papel do
profissional é estabelecido em três dimensões específicas, nas quais se articu-
lam normas sociais e valores culturais:

4 No conjunto da obra de Parsons, os estudos das profissões são de importância secundá-


ria, apesar de terem fornecido importantes bases para a construção do seu pensamento.
Já no texto de 1939 esta instrumentalidade é muito evidente: mais importante do que a
análise das profissões é a definição do contributo específico da sociologia para a compre-
ensão dos fenómenos do mundo contemporâneo, sendo que as profissões permitem a
Parsons afirmar a abordagem sociológica face às abordagens economicistas então domi-
nantes. Tendo isto em atenção, pensamos que algumas das críticas formuladas a Parsons
não tiveram em conta o contexto teórico da elaboração dos seus contributos. No referido
texto, Parsons começa por constatar que apesar do aumento e da crescente importância
das profissões na vida social, não sendo possível imaginar cenários nos quais estas esti-
vessem ausentes, nas “grandes explicações” os cientistas sociais nunca apontam o profis-
sionalismo ou as profissões como o seu traço característico; apontam o capitalismo, a li-
vre iniciativa, o industrialismo, etc.; e mesmo quando referem a ciência e a tecnologia,
essas características não são pensadas na sua relação com as profissões (1939: 457-458).
A tendência, refere Parsons, é para concentrar no mundo económico ou no dos negócios
os traços caracterizadores da sociedade, considerando-se conceitos como acquisitive so-
ciety ou profit system, os conceitos-chave da economia moderna sustentada por um alto
grau de auto-interesse. Justamente a análise das profissões proporciona a identificação
de diferentes traços, diferentes conceitos e permite a construção de um modelo explicati-
vo alternativo. Assim, Parsons, ao contrário de Merton que ao longo da sua carreira conti-
nuará a dedicar-se ao fenómeno das profissões, apenas se interessa pelos estudos de pro-
fissões numa fase inicial da sua carreira, como instrumentos usados na construção da-
quela que viria a ser mais tarde a sua teoria da acção social.
10 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

— dupla competência, pela articulação do saber prático fundado na expe-


riência ou na ciência aplicada com o saber teórico adquirido durante
uma formação longa e sancionada;
— competência especializada, fundada numa especialização técnica que
limita a autoridade do profissional, unicamente, a um domínio legítimo
da sua actividade;
— desinteresse ou desprendimento, pela articulação da norma da neutrali-
dade afectiva com o valor da orientação para os outros, do interesse em-
pático para com o cliente.

Do equilíbrio entre motivações e necessidades do profissional e do cliente


nasce uma dinâmica de legitimação que apoia a definição de um corpo de sa-
beres, testado e controlado pelos profissionais e reconhecido pelo Estado.
Mais tarde, Parsons (1968) atribuirá às universidades um papel impor-
tante neste processo de legitimação e institucionalização da relação entre o
conhecimento e a sociedade.

A origem fundamental do sistema profissional moderno residiu, portanto, no


“casamento” entre académicos profissionais e determinadas categorias de
“práticos” (1968: 546).

O modelo parsoniano foi desenvolvido pelos seus seguidores e, embora apre-


sentando algumas diferenças, manter-se-á inalterado no essencial, quer di-
zer, no que respeita ao funcionamento das profissões a tónica continuará a ser
colocada nos mecanismos de legitimação social.
De facto, este é talvez o principal ponto de convergência das análises
inspiradas por Parsons e enquadradas pela teoria funcionalista. Desde o iní-
cio que se identificaram fenómenos como os do poder, do monopólio e dos
privilégios profissionais, no entanto o que é considerado como essencial na
compreensão e explicação da génese e funcionamento das profissões são os
mecanismos de legitimidade (integração e controlo) social.
Vejamos. Segundo Goode (1957), um dos mais importantes discípulos de
Parsons, as profissões constituem comunidades cujos membros partilham uma
mesma identidade, valores, linguagem e um estatuto adquirido para toda a
vida; têm poder de controlo sobre si e os seus membros, sobre a selecção e admis-
são de novos membros, bem como sobre a formação requerida.5
A sociedade concede às profissões autonomia em troca da capacidade de
controlo; recompensas e prestígio em troca de competência; monopólio através
de licenças em troca das melhores prestações ou serviços. É a sociedade que

5 Comunidades internamente estruturadas, partilhando os mesmos valores, objectivos,


experiência e constrangimentos; os segmentos internos a cada profissão são considera-
dos community within a community (Goode, 1957).
DEFINIÇÃO DO CAMPO OU A PROCURA DE UM MODELO 11

confere poder às comunidades profissionais, que oferecem como contraparti-


da principal uma procura constante de elevação dos níveis de formação dos
seus membros.

Estruturando a prática profissional de forma que os “de dentro” estão em van-


tagem sobre os “de fora”, apesar de julgamentos erróneos que os clientes ten-
dem a fazer sobre os profissionais. Assim, em troca da protecção contra a gran-
de sociedade de leigos, o profissional aceita o controlo social da comunidade
profissional. Como consequência, a sociedade em geral obteve um controlo so-
cial indirecto pela cedência do controlo social directo à comunidade profissio-
nal, a qual, assim, pode fazer julgamentos de acordo com as suas próprias
regras (Goode, 1957: 198).

E também para Goode o conhecimento é a variável central. Para se alcançar o


estatuto de profissão são necessários elevados níveis de conhecimento e dedi-
cação, aos quais nem todas as ocupações conseguem aceder.

O ponto crucial parece ser exigir da ocupação um corpo de conhecimentos alta-


mente desenvolvidos no campo que lhe é relevante, isto é, de quem está na pos-
se desse corpo de conhecimentos (1969: 287).

Um dos importantes contributos de Goode é a distinção, no conjunto dos traços


ou atributos das “verdadeiras” profissões, entre traços centrais e derivados, e a
identificação das interdependências sociais e relacionais entre eles:

— traços centrais das profissões, isto é, formação num corpo abstracto de


conhecimentos e código de valores.
— traços derivados, isto é, controlo sobre os padrões de educação; funções
de socialização; prática profissional exercida sob a forma de licenças;
controlo sobre as admissões; elevados rendimentos, poder e prestígio;
ausência de mecanismos de avaliação e controlo fora da profissão; iden-
tidade profissional baseada num estatuto para toda a vida.

Neste conjunto de características definem-se obrigações e direitos dos profis-


sionais entre si e na interacção com os clientes ou outras instituições.

Uma importante parte do processo pelo qual uma ocupação se torna uma pro-
fissão é a institucionalização gradual do papel das várias relações entre ela pró-
pria e outras partes da sociedade (1960: 903).

Assim, as profissões seriam definidas, de facto, por dois elementos básicos: o


conhecimento profissional — conhecimentos abstractos organizados num corpo
codificado de princípios, aplicáveis a problemas concretos, aceites como tal
12 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

pela sociedade, veiculados por uma comunidade com capacidade para criar,
organizar e transmitir esses mesmos conhecimentos, e vistos pela sociedade
como uma espécie de mistério, não banalizável; e o ideal de serviço ou orientação
para a comunidade — conjunto de normas segundo as quais as soluções técni-
cas são baseadas nas necessidades dos clientes, mas não necessariamente de-
terminadas por eles; o profissional tem poder para decidir e impor soluções;
dedica-se e sacrifica-se pela actividade; crença social de que o profissional
aceita e segue essas normas; sistema de controlo/punição e recompensas es-
tabelecido pela própria comunidade profissional.
Estes elementos essenciais geram traços derivados, reconhecidos pelo
senso comum nas profissões estabelecidas, como sejam os elevados níveis de
rendimento, prestígio, monopólio, autonomia e licenças de controlo, resul-
tantes de um processo de negociação com a sociedade no qual as profissões
podem fazer crer que possuem suficiente conhecimento e ideal de serviço e
obter, como contrapartida, autonomia, prestígio, etc.
Goode introduz ainda a noção de grau ou continuum. Uma vez que as
ocupações que aspiram ao estatuto de profissão não alcançam plenitude na
maioria das subdimensões que compõem os traços essenciais das verdadei-
ras profissões, considera que esta é uma questão de grau segundo o qual
aquelas podem ser classificadas num continuum que vai do pólo “não profis-
são” ao pólo “profissão”. A respeito de quanto uma dada ocupação pode ser
considerada no pólo profissional, a resposta não é rigorosa.

No presente não temos medidas adequadas para nenhumas destas subdimen-


sões pelo que devemos contentarmo-nos com afirmações razoáveis sobre onde
colocar [no continuum] determinado tipo de ocupação (1969: 277).

A mesma posição, marcada pela ambiguidade e falta de rigor, hesitante entre


as distinções qualitativas e quantitativas, encontra-se em outros funcionalis-
tas,6 como, por exemplo, Barber (1965):

Uma definição sociológica de profissão deve limitar-se, tanto quanto possível, à


especificação do que se entende por comportamento profissional. (…) Não há
uma diferença absoluta entre comportamento profissional e outro tipo de com-
portamento ocupacional, mas apenas diferenças relativas em certos atributos
característicos de todo o comportamento ocupacional. (…) O profissionalismo
é uma questão de grau (1965: 17-18).

Para além de Goode, numerosos autores procuraram uma definição do con-


ceito de profissão, recorrendo à identificação de traços ou características.7

6 Millerson (1964); Blumer (1969); Hickson e Thomas (1969).


DEFINIÇÃO DO CAMPO OU A PROCURA DE UM MODELO 13

Millerson (1964), analisando textos de vinte autores, identifica cerca de


catorze atributos das profissões, sendo raros os autores que citam as mesmas
características. Maurice (1972) também compara os critérios de caracteriza-
ção das profissões em oito autores e apenas encontra três critérios comuns: es-
pecialização do saber, formação intelectual e ideal de serviço. Chapoulie
(1973) defende que, apesar da extensão dos atributos identificados e da dispa-
ridade de critérios, é evidente um largo acordo entre os autores sobre o
tipo-ideal profissional,8 mesmo que abordado sob diferentes ângulos.
Assim, a abordagem funcionalista assentaria em três pressupostos defi-
nidores do conceito de profissão:

— o estatuto profissional resultante do saber científico e prático e do ideal de


serviço, corporizados por comunidades formadas em torno do mesmo
corpo de saber, dos mesmos valores e ética de serviço;
— o reconhecimento social da competência fundada sobre uma formação
longa;
— as instituições profissionais como resposta a necessidades sociais: ocu-
pando uma posição de charneira entre as necessidades individuais e as
necessidades sociais, contribuindo para a regulação e o controlo sociais
e permitindo o bom funcionamento da sociedade.9

Um conjunto de elementos estruturais ou instituições organizam os grupos


profissionais:

— escolas e instituições de formação superior que desenvolvem e transmitem


o corpo de conhecimentos e constituem importantes instituições de so-
cialização dos profissionais;
— associações profissionais que contribuem para promover os valores de
orientação para a sociedade e para a manutenção e aumento da autono-
mia e da autoridade profissionais;
— sistema de licenças que protege a autoridade e prestígio profissionais e as-
segura o controlo social.

Merton dá um impulso importante à teoria funcionalista das profissões, mas


não ultrapassa no essencial este modelo explicativo. Apenas introduzirá

7 Cogan (1955); Greenwood (1957); Kornhauser (1963); Millerson (1964); Wilensky (1964);
Moore (1970); etc.
8 Segundo o autor, mais do que o consenso, tem particular importância a extensão das dife-
rentes definições de profissão, que permitiu, nuns casos, abranger um largo conjunto de
grupos ocupacionais à procura de reconhecimento; e, noutros, tornar o conceito restriti-
vo e reservado a algumas categorias de intelectuais com a frequência de estudos superio-
res e organizados de forma a manter e consolidar o monopólio de actividades.
9 Dubar (1991).
14 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

novos conceitos com o objectivo de tornar mais claras algumas zonas nebulo-
sas do modelo funcionalista, não pondo em causa nenhum dos três principais
pressupostos definidos. Assim, põe em evidência a distinção entre funções la-
tentes (reprodução do grupo) e manifestas (realização de um ideal de serviço)
das organizações profissionais e das suas políticas de formação, bem como os
processos pelos quais uma profissão se transforma em organização fechada,
provocando um efeito perverso de segregação social e de burocratização das
carreiras. Por outro lado, explicará o funcionamento das profissões, isto é, a
relação profissional/cliente, a partir do conceito de altruísmo institucionaliza-
do — forma especial de altruísmo, na qual disposições estruturais, nomeada-
mente a distribuição de penalizações e recompensas, potencia comportamen-
tos benéficos para os outros.
Considera que as profissões estão enraizadas numa tríade de valores hu-
manos: saber, fazer, ajudar, sendo caracterizadas por um conjunto complexo de
valores e normas expressos sob a forma de prescrições, proscrições, preferências
e permissões, legitimadas pela institucionalização desses mesmos valores. O va-
lor ajudar, especificado na norma do altruísmo, é parte do ethos das profissões e
expressa-se num paradoxo aparente — os profissionais devem fazer mais do que
o que é expressamente requerido. No entanto, Merton considera, e é aqui que se
distancia dos restantes funcionalistas, que o carácter normativo associado a este
valor, ou seja, a norma do altruísmo, não requer que os profissionais sintam o al-
truísmo, mas apenas que ajam altruisticamente.

Na perspectiva da análise estrutural, não é obrigatório que os membros indivi-


duais de uma profissão estejam uniformemente motivados por sentimentos
altruístas, embora tal motivação lhes torne mais fácil agir segundo a norma de
altruísmo que é espectável (1982: 119).

O que distingue as profissões das restantes ocupações é a institucionalização


do altruísmo, realizada através do sistema de recompensas, cuja particulari-
dade consiste em fazer coincidir o “dever” com o “ter” — o prestígio, a esti-
ma, os rendimentos e a autoridade, distribuídos de acordo com o cumpri-
mento das expectativas normativas associadas ao papel.

Mediante um sistema de recompensas no qual a obrigação moral e o interesse


próprio várias vezes coincidem e se fundem, as disposições institucionais das
profissões levam a tornar numa questão de interesse próprio que os profissio-
nais individuais actuem altruisticamente (1982: 119).

Assim, o conceito permite-lhe explicar o relativo declínio da confiança públi-


ca nas profissões, bem como a hostilidade de que são alvo, apesar das imensas
realizações e do bem-estar alcançado através delas e apesar do aumento da
capacidade de fornecimento de serviços profissionais. Segundo Merton, a
DEFINIÇÃO DO CAMPO OU A PROCURA DE UM MODELO 15

descrença pública e a hostilidade não são o resultado directo de uma eventual


incompetência profissional, mas devem-se ao altruísmo institucionalizado,
isto é, ao facto de as expectativas de comportamento altruístico serem supe-
riores àquelas que, nas actuais condições (burocratização, fragmentação,
etc.), os profissionais realizam, sendo esta discrepância socialmente percebi-
da como quebra do altruísmo.

Do interaccionismo: as profissões como processo

Durante este mesmo período, fora do quadro do paradigma funcionalista,


E. Hughes (1958) publica uma série de ensaios a partir de trabalhos de investi-
gação empírica desenvolvidos por alunos seus que, embora se reclamem
mais da sociologia do trabalho do que da sociologia das profissões, no seu
conjunto foram desenhando uma abordagem diferente, pondo em causa
grande parte dos pressupostos do modelo dominante.
De facto, não existe no contributo de Hughes a preocupação de for-
mulação de uma teoria das profissões, mas apenas a recolocação do fenó-
meno no quadro da análise sociológica da divisão do trabalho — toda a
análise sociológica do trabalho humano deve ter como ponto de partida a
divisão do trabalho, isto é, a análise dos procedimentos de distribuição
social de actividades.10
A divisão do trabalho, objecto de conflitos sociais, implica uma hierar-
quização de funções e uma separação entre funções sagradas e profanas, sen-
do efectuada com recurso a duas operações que orientam a selecção dos pro-
fissionais: licença e mandato. Estas duas noções constituem a base da divisão
moral do trabalho, isto é, o processo pelo qual funções diferentemente valori-
zadas por uma colectividade são distribuídas entre os membros de grupos.
Licença é a autorização legal de exercício de certas actividades interditas a ou-
tros; mandato é a obrigação de assegurar uma função específica. Logo que
uma ocupação fixa o seu mandato perante a sociedade, nasceu uma profissão,
mas tal fixação é o resultado de um processo social e não de traços que teste-
munham o progresso de uma civilização.
De facto, comparando as situações de trabalho de profissionais com as
de outras actividades ou ocupações, o autor conclui que a especificidade da-
quelas reside não em atributos ou características particulares, mas nas condi-
ções de exercício:

10 Segundo a perspectiva interaccionista, a divisão do trabalho resulta de interacções e pro-


cessos de construção social, ao contrário da perspectiva funcionalista que tem implícita
uma visão naturalista do fenómeno, isto é, a divisão do trabalho como resultado da capa-
cidade técnica de responder a necessidades sociais.
16 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

— existência de autorização e mandato sobre saberes “sagrados” e secre-


tos, confiados pela autoridade;
— existência de instituições destinadas a proteger o diploma e a manter o
mandato, intermediárias entre o Estado e os profissionais, e entre estes e
o público;
— existência de carreiras, isto é, espaços de diferenciação/hierarquização
interna (nos quais o essencial do mandato é reservado aos profissionais
dotados dos traços conformes ao estereótipo dominante) e de socializa-
ção (uma vez que às licenças e mandatos estão necessariamente associa-
das uma filosofia e uma visão do mundo).11

Hughes (1971) encara a profissionalização como “uma história natural”, um


processo de afirmação de ocupações por oposição ou afastamento dos modos
amadores de desenvolvimento da actividade: mudanças tecnológicas e orga-
nizacionais e novas técnicas; o aumento dos níveis de qualificação de muitas
ocupações; mudanças na organização do trabalho das profissões estabeleci-
das e mais antigas (como a integração progressiva em organizações); a emer-
gência e desenvolvimento de actividades (como a saúde, a educação, nas
quais muitas tarefas eram desenvolvidas em regime de amadorismo) que re-
querem em número crescente os serviços de profissionais; aumento de ocu-
pações que aspiram ao estatuto de profissão — todos estes tipos de mudanças
podem produzir novos pedidos sociais e novas ocupações.
A história de muitas profissões está intimamente ligada à ocorrência de
mudanças no seio de instituições e aos conflitos que se geram entre os diferen-
tes grupos ocupacionais nelas intervenientes.
E é assim, neste novo quadro de orientação teórico-metodológica, que
Hughes considera mais importante do que definir o que é uma profissão,
identificar as circunstâncias segundo as quais as ocupações se transformam
em profissões.

Eu passei da falsa questão “é esta ocupação uma profissão?” para uma mais funda-
mental, “quais as circunstâncias pelas quais as pessoas que têm uma ocupação tentam tor-
ná-la numa profissão, e a si próprias em profissionais?” e “quais os passos pelos
quais tentam criar uma identificação com os seus modelos de valores?” (1958: 45).

Hughes identifica as escolas e os professores como instituições centrais nos

11 A abordagem interaccionista dos fenómenos do trabalho repousa teórica e metodologi-


camente sobre o conceito de “carreira” apreendido objectivamente (série de estatutos, de
deveres e privilégios claramente definidos) e subjectivamente (a forma deslizante segun-
do a qual os indivíduos consideram a sua vida e interpretam o significado dos seus diver-
sos atributos, das suas acções) — cada ocupação tem uma carreira, uma história, através
da qual deve ser analisada.
DEFINIÇÃO DO CAMPO OU A PROCURA DE UM MODELO 17

processos de profissionalização, uma vez que, nos conflitos de disputa de


áreas de trabalho entre grupos ocupacionais, o recurso mais importante é o
aumento dos níveis de qualificação, a instituição de currículo. A formação e
as escolas transformam-se, efectivamente, em instituições que atribuem li-
cenças para trabalhar numa ocupação, estabelecendo a distinção entre os ver-
dadeiros profissionais e os leigos.

Esta evolução produz, inevitavelmente, uma campanha para separar o trigo do


joio, para estabelecer categorias de verdadeiros profissionais e outros menos
que profissionais (1958: 135).

É esta perspectiva processual e relacional (não funcionalista, nem naturalista)


do fenómeno que permite a Hughes perceber a formação como um meio, um
recurso, e não como um atributo.

Afinal as pessoas foram treinadas para quê? (…) Num considerável número de
profissões, as técnicas básicas e as aptidões intelectuais estão a transformar-se
em qualquer coisa que se aprende como condição para poder continuar a ascen-
são. O engenheiro que aos quarenta sabe ainda usar régua de cálculo e tábua de
logaritmos, e fazer um verdadeiro desenho é um falhado. (…) As escolas supe-
riores são meras instituições onde as pessoas se adestram para deixar de ser [en-
genheiros] e se tornarem administradores, da mesma maneira que os departa-
mentos servem apenas para movimentar as pessoas de áreas restritas para a
grande área da administração escolar. Se o caminho para a promoção numa pro-
fissão é em direcção à administração, qual deverá ser a formação? (1958: 137).

Assim, segundo a perspectiva interaccionista, as profissões são apenas ocu-


pações que adquiriram e mantêm a posse de títulos honoríficos. O modelo
profissional corresponde a uma imagem que as profissões querem dar delas
próprias; o conceito não é abstracto nem científico, mas um folk concept, uma
parte do aparatus da sociedade.

Pode ser que o caminho para perceber o que as profissões significam na nossa
sociedade seja observar a forma como as ocupações no percurso para se torna-
rem “profissões” tentam transformar-se a si próprias ou à sua imagem, ou am-
bas (1971: 377).

A abordagem interaccionista não incide sobre a análise dos privilégios profis-


sionais, nem sobre as condições estruturais da sua existência; a ênfase é colo-
cada no processo de transformação das ocupações, nas interacções e nos con-
flitos, bem como nos meios e recursos mobilizados nesse processo, chamando
assim a atenção para o papel jogado pelas reivindicações e os discursos sobre
o saber, na transformação de uma ocupação em profissão.
18 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Desmarez (1986) considera que a abordagem de Hughes e dos seus dis-


cípulos difere da abordagem funcionalista ao nível dos objectos (escolha de
ocupações que não se encontram nas grandes organizações e que não são tra-
dicionalmente estudadas pelos sociólogos das profissões, como, por exem-
plo, pugilistas, músicos de jazz, etc.), da metodologia (abordar não apenas o
contexto institucional no qual as acções se desenrolam, mas também os pa-
péis dos actores tal como eles são formulados e interpretados) e das técnicas
(observação participante e histórias de vida).
Embora os ingredientes, quer teóricos, quer metodológicos, que distin-
guem interaccionistas e funcionalistas estivessem presentes desde os primei-
ros trabalhos, não são desde logo relevados os antagonismos e as diferenças
de perspectiva.12
As abordagens desenvolvem-se separadamente, o que não significa neces-
sariamente que se ignorem ou se excluam, como afirmam alguns autores.13 Pelo
contrário, sob uma espécie de antagonismo não declarado, reconhece-se um mo-
vimento de permanente integração de contribuições mútuas, que permite aos
autores de diferentes orientações paradigmáticas atribuírem-se visões comple-
mentares, e, portanto, considerarem, atenderem ou mesmo integrarem não ape-
nas os resultados de outras pesquisas, como até alguns dos conceitos.
Aliás, a procura de complementaridade, mais do que o sublinhar dos
antagonismos por parte de alguns autores, foi talvez um dos contributos mais
importantes para a constituição do corpo disciplinar.
Bucher e Strauss são um exemplo desta atitude de procura de comple-
mentaridade das duas abordagens.

A nossa intenção é, portanto, apresentar os passos iniciais na formulação de um


modelo baseado no “processo” de estudo das profissões. O modelo pode ser
considerado como complementar, ou como alternativa, ao modelo funcionalis-
ta dominante (1961: 326).

Na linha do interaccionismo simbólico, colocam a ênfase na diversidade e no


conflito de interesses dentro das profissões e analisam as implicações e altera-
ções decorrentes desses processos conflituais, no que respeita à situação dos
grupos ocupacionais.
Consideram, ao contrário das abordagens funcionalistas, que as profis-
sões estão longe de ser blocos homogéneos, comunidades cujos membros par-
tilham identidades, valores e interesses por força dos processos de socialização

12 Chapoulie (1973) considera que é a partir de 1958, com a publicação dos ensaios de Hug-
hes, que se assume explicitamente o antagonismo entre as duas perspectivas. Depois dis-
so, a história da disciplina está cheia de exemplos de autores e pesquisas que procuraram
sínteses de ambas as abordagens.
13 Nomeadamente, Desmarez (1986).
DEFINIÇÃO DO CAMPO OU A PROCURA DE UM MODELO 19

Relação entre segmentos

Subsidiária Independente

medicina / direito
Status contabilidade
(historicamente)
Bases
da segmentação
medicina
Emprego engenharia
(recentemente)

Figura 1.1 Tipologia analítica da segmentação profissional


Fonte: adaptado de Richardson (1987).

sofridos nas instituições de formação. Dentro das profissões existem segmen-


tos ou grupos constituídos a partir da diversidade das instituições de forma-
ção, de recrutamento e das actividades desenvolvidas por membros do mesmo
grupo ocupacional, pelo uso de diferentes técnicas e metodologias, pelo tipo de
clientes e pela diversidade de sentidos de missão, sendo que tais diferenças po-
dem até corporizar diferentes associações de interesses no interior do próprio
grupo. Tais segmentos tendem a tomar o carácter de movimento social, desen-
volvem identidades distintivas, um sentido de passado e futuro específicos, or-
ganizam as suas actividades e desenvolvem interacções por forma a garantir
uma posição institucional. Com estas interacções, que assumem a maior parte
das vezes a forma de conflitos, ocorrem mudanças, avanços, redefinindo-se
novas posições e relações dentro do grupo e fora dele, que são parte fundamen-
tal nos processos de profissionalização.
Os autores sugerem, como método de análise das profissões, o estudo
destes processos conflituais no que respeita à sua origem, recrutamento, li-
derança, desenvolvimento de estruturas organizacionais, ideologia e estra-
tégias de implantação, fazendo uma aplicação da metodologia proposta,
para o caso das diferentes especialidades existentes no interior da profissão
médica.14 Mais tarde, A. Richardson (1987) ensaiará uma aplicação da mes-
ma perspectiva, analisando o impacte da competição entre segmentos ocu-
pacionais na evolução das profissões na área da contabilidade, no Canadá.

14 Esta perspectiva será retomada por muitos outros autores: Klegon (1978), que definirá os
conflitos entre segmentos como a dinâmica interna do processo de profissionalização;
Freidson (1971) e Hall (1975) insistem sobre as diferenciações internas dos médicos, assi-
nalando os ajustamentos à procura dos clientes e as decorrentes diferenciações segundo
as classes sociais; Solomon (1968) mostra as correlações existentes entre as pertenças étni-
cas e sociais dos médicos e a sua posição na estrutura hierárquica e funcional dos hospi-
tais; enquanto Lortie (1969) mostra a correlação entre a classe social dos juristas e da sua
clientela e a posição na divisão do trabalho jurídico. Nesta linha de pesquisas, apresenta-
remos ainda, mais adiante, Begun (1986) e Abbott (1988).
20 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

O autor considera que o tipo ou a natureza da segmentação existente deter-


mina todo o processo de profissionalização e constrói uma tipologia analíti-
ca da segmentação profissional passível de ser aplicada a profissões que de-
senvolvam actividade em organizações, como é o caso dos engenheiros, a
partir de duas variáveis — base da segmentação (vertical ou horizontal) e da
relação entre segmentos (subsidiária ou independente), chegando à matriz
da figura 1.1.
No estudo histórico realizado, Richardson (1987) mostra que a competi-
ção interprofissional foi um importante factor na direcção e encaminhamento
do processo de profissionalização definido em termos dos padrões de forma-
ção, da apropriação de atributos simbólicos do profissionalismo (como o títu-
lo) e do licenciamento das actividades.

O conceito de profissionalização

O trabalho de Wilensky (1964) constituiu na época a principal tentativa de


síntese das abordagens funcionalista e interaccionista.15
Define profissão como uma ocupação que exerce autoridade e jurisdição
exclusiva simultaneamente sobre uma área de actividade e de formação ou
conhecimento, tendo convencido o público de que os seus serviços são os únicos
aceitáveis. Os critérios de distinção são: (i) o trabalho técnico — baseado no co-
nhecimento sistemático ou em doutrina;16 (ii) a adesão às normas do profissiona-
lismo. E distingue conhecimento técnico de conhecimento científico.

Tanto os sistemas de pensamento científico como os não científico podem servir


de base “técnica” para o profissionalismo, mas o sucesso das pretensões é maior
quando a sociedade evidencia consenso forte e alargado relativamente aos co-
nhecimentos ou à doutrina a ser aplicada (1964: 484).

O seu texto mais referido intitula-se The Professionalization of Everyone? e é um


contributo importante para a definição do conceito de “profissionalização”.

15 Wilensky, quase sempre “arrumado” entre os funcionalistas, foi aluno de Hughes e, apesar
de mais tarde, de facto, ter adoptado elementos da perspectiva funcionalista, mantém-se, to-
davia, crítico de alguns dos seus pressupostos, como é evidente neste seu texto.
16 Também para Wilensky a natureza e estrutura do conhecimento desempenham um papel
central, constituindo a principal barreira a ultrapassar no processo de profissionalização:
“Se a base técnica de uma ocupação consiste num vocabulário que nos parece familiar, ou
se a base é científica mas tão limitada que pode ser aprendida pela maioria das pessoas
como um conjunto de regras, então a ocupação terá dificuldade em reclamar-se do mono-
pólio pela especialização ou mesmo de uma relativa jurisdição exclusiva. Resumindo,
tem de haver uma base óptima para a prática profissional — nem muito vaga nem muito
precisa, nem muito alargada nem muito limitada“ (1964: 492-493).
DEFINIÇÃO DO CAMPO OU A PROCURA DE UM MODELO 21

Até esta altura, “profissionalização” designava, indiscriminadamente e


sem qualquer preocupação de rigor, diferentes situações relativas a níveis di-
ferentes de observação, isto é, era usado para descrever tanto situações relati-
vas aos indivíduos, como a ocupações isoladas, como à estrutura ocupacional
no seu conjunto.
Ao nível dos indivíduos, o conceito podia referir a interiorização de va-
lores, atitudes e comportamentos (como a linguagem e a mobilização de co-
nhecimentos), associados ao modelo do profissionalismo, por oposição ao
amadorismo, tal como o considera Foote.

A mão-de-obra está a torna-se profissionalizada. A profissionalização do trabalho


em Detroit é (…) o que está a acontecer aos próprios trabalhadores (1953: 372).

Ao nível das ocupações isoladas, o conceito era utilizado para referir o au-
mento do número de grupos ocupacionais, mais ou menos organizados, que
adquirem características estruturais ou organizacionais semelhantes às das
profissões já estabelecidas, como, por exemplo, uma associação profissional
(Millerson, 1964).
Situados ainda a este nível, os interaccionistas atribuem um sentido
algo diferente, desde logo realçando uma dimensão dinâmica, mais cons-
truída do que natural do fenómeno, utilizando a designação “processo de
profissionalização” para referir o meio pelo qual uma ocupação procura e
adquire um número significativo de atributos do modelo profissional,
como, por exemplo, formações mais prolongadas (Bucher e Strauss, 1961;
Hughes, 1958).
Ao nível da estrutura ocupacional, o conceito podia referir as importan-
tes mudanças na estrutura ocupacional decorrentes do aumento do número
de indivíduos classificados como profissionais e do aumento do número de
novas profissões (Moore, 1970; Goode, 1960).
Wilensky critica a extensão abusiva da noção de profissionalização,17 de-
nunciando a existência de uma cultura penetrada mais pela ideia de profissiona-
lismo do que pela sua substância, servindo ou sendo utilizada por muitas ocupa-
ções que aspiram ao estatuto de profissão. Ensaia então uma definição do concei-
to de profissionalização, largamente tributária da perspectiva interaccionista,
atribuindo-lhe um novo sentido: sequência de eventos ou etapas seguidas pelos
grupos ocupacionais até ao estádio do profissionalismo.
A sua definição resulta da análise dos processos de evolução, das eta-
pas por que passaram dezoito ocupações que conseguiram adquirir o esta-
tuto de profissão, tendo o autor verificado a existência regular de uma se-
quência de etapas:

17 Sobretudo em Foote (1953).


22 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

— passagem de actividade amadora a ocupação a tempo inteiro;


— estabelecimento do controlo sobre a formação;
— criação de associação profissional, cujas principais funções são a defini-
ção das tarefas essenciais, a gestão dos conflitos internos entre membros
com diferentes recursos de formação e a gestão dos conflitos com outros
grupos que desenvolvem actividade semelhante;
— protecção legal;
— definição do código de ética.

O conceito de profissionalização de Wilensky é ainda hoje o mais frequente-


mente citado na literatura da sociologia das profissões, mas o conceito está
longe de ter estabilizado.
Ritzer (1971) e Kerr et al. (1977), retomando Hall (1975), distinguem, no
modelo profissional, as dimensões atitudinais das dimensões estruturais,
considerando-as dois níveis conceptual e empiricamente distintos e argu-
mentando que falar de profissionalização de uma ocupação, isto é, identificar
estruturas organizativas conformes ao modelo do profissionalismo, não é o
mesmo que falar de profissionalização de indivíduos, de padrões atitudinais
conformes com o modelo profissional. Coexistem dois modelos que não va-
riam em simultâneo.

Algumas profissões “estabelecidas” apresentam atitudes profissionais pouco


desenvolvidas, enquanto alguns dos grupos menos profissionais têm atitudes
muito fortes a este respeito (Ritzer, 1971: 61).

Ritzer recupera assim o conceito de profissionalização inicialmente usado


por Foote e desenvolve uma grelha de medida do grau de profissionalismo
dos indivíduos.
O conceito de profissionalização de Wilensky, tal como a ideia de “pro-
cesso”, banalizou-se, foi integrado quase sem discussão entre as principais
aquisições da sociologia das profissões, mas continua a não ser aplicado com
grande preocupação de rigor, designando situações muito diversas.
Abbott (1991) elabora uma crítica bem fundamentada e consequente ao
conceito de profissionalização de Wilensky a partir da realização de um tra-
balho de investigação semelhante, isto é, da análise das etapas de evolução de
diferentes grupos profissionais. Abbott conclui que, para além de argumen-
tos teóricos, evidências empíricas provam que as profissões evoluem em mui-
tas direcções, a ritmos e com sequências diferentes, aos níveis local e nacional,
pelo que não fazem sentido os pólos do continuum profissionalização/des-
profissionalização.18

18 Voltaremos ao assunto no capítulo 4.


DEFINIÇÃO DO CAMPO OU A PROCURA DE UM MODELO 23

Profissões e organizações: os engenheiros

Dados os pressupostos teóricos e metodológicos dominantes na sociologia


das profissões, concentrados na formalização do modelo ou ideal tipo de pro-
fissão decalcado da realidade ou das características das profissões liberais, as
profissões não liberais, predominantemente integradas em organizações,
portanto em situação de assalariamento e dependência, constituíram desde
sempre “um problema”, cuja análise envolveu um considerável número de
sociólogos de diferentes especialidades.
Provavelmente é mesmo no campo da sociologia das organizações que
se desencadeia a polémica. Lortie, Scott, Toren e Katz (in Etzioni, 1969) havi-
am analisado a existência de diferentes tipos de autoridade, como a profissional,
baseada no conhecimento, e a hierárquica, baseada em princípios administra-
tivos, eventualmente incompatíveis e geradores de tensões ou conflitos.
Etzioni (1969) organiza então um debate, lançando o seguinte repto: consi-
derando que (i) a autoridade administrativa é a base da organização hierárquica,
que atribui aos escalões do topo o poder de controlar e coordenar as actividades
dos escalões inferiores; (ii) o conhecimento é uma propriedade individual, não
transferível de uma pessoa para outra, ao contrário dos restantes meios organi-
zacionais; (iii) a criatividade é também individual e só num grau muito limitado
pode ser coordenada e controlada administrativamente. Então estes princípios
opõem-se ao primeiro, isto é, à essência do princípio organizacional de controlo e
coordenação por superiores hierárquicos.
Mas, dada a necessidade crescente de incorporar profissionais nas orga-
nizações, coloca-se a seguinte questão: “Como criar e usar o conhecimento
sem enfraquecer a organização?”
Etzioni (1969) reconhece a existência de diferentes tipos de organizações:

— organizações profissionais (o conhecimento é produzido, aplicado e


transmitido em organizações criadas para o efeito; alta proporção de
profissionais entre os empregados (cinquenta por cento); os profissio-
nais detendo a autoridade superior;
— organizações de serviço (os profissionais fornecem serviços sem fazer
parte da organização);
— organizações não profissionais (os profissionais são empregados, apesar
de poderem ser em grande número, a sua actividade principal não é a
produção de conhecimento, mas sim de bens e serviços).

Considera que os problemas se colocam sobretudo nas organizações não pro-


fissionais, nas quais os profissionais têm predominantemente o estatuto de
assalariados.
Ao repto lançado por Etzioni, que assenta numa perspectiva funcio-
nalista e propõe uma abordagem estática do problema, respondem vários
24 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

autores,19 tendo-se instalado um debate, do qual passamos a apresentar as


principais contribuições. Alguns autores argumentarão a favor da existência de
um conflito potencial entre as duas instituições, profissões e organizações: ao
conflito decorrente dos diferentes tipos de autoridade, juntar-se-ão os decor-
rentes de diferentes tipos de orientações, valores e motivações, diferentes tipos
de objectivos e expectativas de autonomia e outros privilégios.
Sobretudo no que respeita à tensão resultante do quadro de valores dos
profissionais, é Alvin Gouldner (1964; 1970) quem lança para o centro da dis-
cussão os conceitos “local” e “cosmopolita” usados para caracterizar diferen-
tes orientações, valores e grupos de referência dos grupos ocupacionais em
organizações, podendo estes ser classificados como cosmopolita ou como lo-
calmente orientados.20 Os autores que argumentam a favor da existência de
conflito basicamente definem os profissionais como cosmopolitas, orienta-
dos pela procura de estatuto dentro do seu grupo, dedicados à especialidade,
portadores da ideologia profissional e procurando a aprovação e reconheci-
mento dos pares, enquanto os outros grupos ocupacionais localmente orien-
tados têm como primeira lealdade a organização na qual trabalham, procu-
rando subir na hierarquia, identificados com os objectivos e valores dessa or-
ganização e procurando dentro dela o reconhecimento.
Em alternativa, alguns autores procurarão mostrar a não existência de
conflito, uma vez que os profissionais nas organizações, como é o caso dos en-
genheiros, não possuem os traços de uma profissão, nomeadamente o cosmo-
politismo; por outro lado, a existência de mecanismos de articulação entre as
duas instituições anularia potenciais tensões; e, finalmente, o aperfeiçoamen-
to e operacionalização dos conceitos usados permite a alguns autores denun-
ciar a sua linearidade e inadequação para dar conta da diversidade de situa-
ções dos profissionais nas organizações.
Kornhauser (1963) centra a sua análise no conflito entre os objectivos dos
profissionais, no caso particular cientistas e engenheiros, e os das organiza-
ções, neste caso também as organizações económicas.
Considera que a primeira função do profissionalismo é a de proteger os
padrões de excelência em face de pressões de rapidez ou facilidade e esta fun-
ção cumpre-se no desenvolvimento de expertise (baseada na crença de que a
realização de determinadas funções requer conhecimento especializado e
competências adquiridas por formação prolongada), com autonomia (baseada
na crença de que os profissionais qualificados estão mais bem habilitados

19 As respostas directas a este repto lançado por Etzioni, sob a forma de artigos, foram reu-
nidas no livro The Semi-Professions and Their Organization (1969), que constitui uma refe-
rência fundamental no estudo deste tema, tendo continuado a alimentar os debates em
torno desta questão durante muito tempo.
20 Adaptando os conceitos “local” e “cosmopolita” utilizados por Merton num estudo so-
bre comunidades: Social Theory and Social Structure.
DEFINIÇÃO DO CAMPO OU A PROCURA DE UM MODELO 25

para determinar como as funções devem ser realizadas e que cada profissio-
nal deve ser livre para exercer o seu julgamento em cada caso específico), dedi-
cação (baseada na crença de que o desenvolvimento e exercício de expertise é
digno de devoção de uma vida e carreira, sendo isso a própria recompensa) e
responsabilidade (baseada na crença de que o poder conferido pela expertise
cria uma relação fiduciária com a sociedade).
Identifica os interesses dos clientes e os das organizações como as
duas maiores resistências aos valores profissionais. O choque entre profis-
sionais e organizações, resultante da pressão que as organizações exercem
sobre o trabalho profissional, respeita não só aos objectivos, mas também
aos seguintes domínios:

— controlo (as empresas tendem a ser estruturadas hierarquicamente,


sendo o controlo exercido em linha, enquanto no trabalho profissio-
nal o controlo é exercido entre colegas dentro do grupo; a determina-
ção de como o trabalho profissional deve ser desenvolvido — selec-
ção de problemas e determinação de soluções — leva a conflitos entre
a hegemonia da organização e a autonomia dos profissionais);
— incentivos (as organizações exigem lealdade e recompensam isso com esta-
tuto organizacional em oposição à lealdade à profissão e ao estatuto profis-
sional, o que pode desencadear conflitos no que respeita às motivações, in-
centivos e tipos de contribuição esperados e efectivos dos profissionais);
— influência (a autoridade na organização é uma autoridade executiva
legitimada por mandato administrativo, enquanto a autoridade pro-
fissional é técnica/staff , baseando-se na competência; da subordina-
ção de profissionais à autoridade administrativa podem resultar con-
flitos mesmo que se assista ao aumento de influência dos profissio-
nais através da sua passagem para posições executivas).

O autor apresenta uma série de medidas que podem ou têm sido tomadas nas
organizações, as quais considera reveladoras de uma tendência para a adap-
tação da organização aos requisitos do modelo profissional e dos profissio-
nais aos requisitos das organizações.
Na mesma linha, Barber (1965) argumenta em favor da existência de
conflito entre profissões e organizações e inventaria uma série de mecanis-
mos criados no interior das organizações com vista à redução do conflito:

— departamentos ou estruturas organizacionais, nas quais os profissionais


desenvolvem as suas actividades, preservando a sua autonomia;
— tipo especializado de autoridade, na qual se misturam competências
técnicas e de gestão;
— sistema diferenciado de retribuições corporizadas, por exemplo, em di-
ferentes tipos de carreira.
26 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Também Miller, num texto de apresentação dos resultados de uma investiga-


ção, abre de uma forma que sublinha o conflito.

Os cientistas e os engenheiros modernos representam exemplos dramáticos da


entrada de profissionais nas organizações (1970: 503).

Considera que o principal resultado da entrada dos profissionais nas organi-


zações é não só a existência de conflitos, como principalmente a alienação no
trabalho dos profissionais e a decorrente insatisfação. Os esforços feitos pelas
organizações no sentido de assimilarem os valores do profissionalismo, mo-
dificando a sua estrutura, proporcionando incentivos profissionais e baixan-
do o nível do controlo organizacional, como foi apontado por Kornhauser,
não atingem igualmente todos os profissionais. A canalização destas medi-
das é função da duração e do tipo de formação dos profissionais e varia com o
tipo de unidade organizacional na qual exercem actividade. Constrói uma es-
cala de medida da alienação e uma outra de medida do controlo e dos incenti-
vos proporcionados pelas organizações.

A alienação no trabalho é, para os cientistas industriais e engenheiros, uma con-


sequência do dilema profissional-burocrata. Como se podia prever, as diferen-
ças no tipo de supervisão, a liberdade na escolha do trabalho de pesquisa, o cli-
ma profissional e o encorajamento pela companhia estavam associados ao grau
de alienação no trabalho (Miller, 1970: 514).

Wilensky (1964), pelo contrário, considera não existir qualquer antagonismo


entre os profissionais e as organizações burocráticas ou complexas não só
porque as organizações estão imbuídas de profissionalismo, desde logo evi-
dente no número de profissionais que as integram e fazem funcionar, como os
próprios profissionais evoluíram, tendo integrado orientações e valores das
organizações, como ainda considera que em muitas circunstâncias esses pro-
fissionais têm mais poder, autonomia e melhores rendimentos integrados nas
organizações do que desenvolvendo a actividade como independentes.
Ritti (1968) rejeita também a possibilidade de conflito, mas com argu-
mentos algo diferentes. Procurará mostrar que, no que respeita aos engenhei-
ros, os seus objectivos são consideravelmente diferentes dos dos cientistas; os
engenheiros têm objectivos desde logo relacionados com as organizações em
que estão empregados, muito mais de acordo com as exigências dos negócios
do que com as exigências científicas de publicação, do conhecimento em si
próprio ou mesmo de independência e autonomia.

O estudo mostra claramente que não é tanto porque a socialização “profissional”


dos engenheiros seja incompleta ou deficiente, mas porque é diferente da dos cien-
tistas. Considerar o profissionalismo como conceito de organização é erróneo. (…)
DEFINIÇÃO DO CAMPO OU A PROCURA DE UM MODELO 27

A criação de tecnologia não faz sentido se a tecnologia não for comercializada ou


utilizada de qualquer outra maneira. (…) A realização tecnológica é um pré-requi-
sito para contribuir para a realização das metas dos negócios e é indispensável
para o avanço dentro da empresa. (…) a realização técnica não precisa de ser publi-
cada; precisa, sim, de ter sucesso no mercado (1968: 119-121).

Não considera que seja a experiência nas organizações que subverte os valores
profissionais dos engenheiros, por pressão ou aliciamento (como sugerem, por
exemplo, Shepherd, 1961; ou McKelvey, 1969). Argumenta que as diferentes
orientações dos engenheiros, mais localistas — altas aspirações no que respeita
às possibilidades de influência na organização —, são adquiridas nas universi-
dades; desde o início da sua formação que eles aspiram a carreiras de gestão,
não podendo, portanto, ser considerados como profissionais.
Também Becker e Carper (1966), num estudo acerca das orientações
profissionais de três grupos de estudantes, no qual aplicam metodologias e
operacionalizam diferentes conceitos numa perspectiva paradigmaticamen-
te interaccionista, encontram diferenças entre os estudantes de engenharia e
os de psicologia ou filosofia. Os engenheiros sentem que o seu futuro profis-
sional é algures no sistema industrial. Para a maior parte deles, os lugares nas
organizações são aceitáveis, incluindo posições não profissionais, como a
gestão ou a supervisão.
Partindo deste diferente pressuposto, segundo o qual os engenheiros
quando entram nas organizações são já portadores de valores e motivações
“não profissionais”, Ritti e Goldner (1970) criticam o próprio conceito de pro-
fissionalismo para compreender as grandes e complexas organizações e ana-
lisam a inadequação de medidas compensatórias21 usadas na gestão do con-
flito, ou para a integração dos profissionais em organizações, nomeadamente
a institucionalização da carreira técnica, paralela à carreira administrativa ou
hierárquica. A carreira técnica, paralela ou alternativa à carreira administrati-
va, surge nas organizações como uma das novas formas organizacionais e re-
lacionais de enfrentar o “problema” dos profissionais nas organizações eco-
nómicas. Assim, paralelamente à carreira hierárquica constituída por uma es-
cala de posições que confere autoridade sobre um número cada vez maior de
empregados à medida que se sobe, a carreira técnica é constituída por títulos
associados a maiores salários e mais elevado estatuto e, por vezes, grande au-
tonomia e responsabilidade.
Para Ritti e Goldner (1970), estas medidas baseiam-se em alguns pressu-
postos que suportam a ideologia do profissionalismo, segundo os quais a mo-
bilidade e o poder hierárquico não têm importância, quando comparados
com a autonomia, e que o sucesso para os profissionais é independente da sua

21 De que falam, como vimos, Barber (1965) e Kornhauser (1963).


28 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Posição na estrutura de poder da organização

Dominante Dominado

(b)
(a)
condutas universalistas
Fraca pressão condutas universalistas
e estratégia
do meio e estratégia de integração
Situação de não integração
e controlo centralizado
da organização e distanciação
relativamente
ao seu ambiente (d)
operativo (c)
condutas particularistas
Forte pressão condutas particularistas
e estratégia
do meio e estratégia de integração
de não integração
e controlo centralizado
e distanciação

Figura 1.2 Grelha de análise do comportamento de profissionais em organizações


Fonte: adaptado de Olgierd Kuty (1971, p. 323).

mobilidade. Mas no que respeita aos engenheiros, tais pressupostos não se


aplicam.

Os engenheiros geralmente entram na indústria com metas não profissionais.


As metas dos recém-licenciados são dirigidas para o acesso a posições de poder
e participação em tarefas da organização em vez do simples exercício das suas
especializações originais. (…) Identificam-se fortemente com a organização e os
seus objectivos e querem participar nas decisões que afectam a sua área. (…)
Mesmo quando ainda estão na escola de engenharia, parecem mais orientados
para os negócios do que para a profissão (1970: 465).

Para além disso, a própria carreira técnica, paralela à hierárquica, tal como
está organizada, só parcialmente cumpre alguns dos requisitos do modelo
profissional, como a autonomia no exercício da actividade, carreira no domí-
nio de especialidade, influência e responsabilidade, não sendo estas, portan-
to, de forma alguma equivalentes. São muito diferentes não só a autonomia,
como as posições de status, as remunerações e o poder, uma vez que não é atri-
buído na carreira técnica o poder de gerir recursos, de prosseguir objectivos
alternativos, sem dúvida importantes nas performances profissionais.
Em resumo, para os autores, a carreira técnica é um instrumento para
impor o profissionalismo como modelo de sucesso dentro da organização,
com o objectivo de manter a dedicação dos especialistas; uma vez que o mo-
delo organizativo de sucesso se define pelo movimento no sentido de posi-
ções na estrutura hierárquica, os profissionais que não acedem a estas posi-
ções podem eventualmente ser considerados mal sucedidos do ponto de vis-
ta da organização. Ser identificado como profissional na carreira técnica é um
DEFINIÇÃO DO CAMPO OU A PROCURA DE UM MODELO 29

modo de redefinir o insucesso, é um modo de gerir a imobilidade de muitos


especialistas e profissionais.
Por seu turno, Goldberg, Baker e Rubenstein desenvolveram um traba-
lho de pesquisa empírica cujos resultados revelam a fragilidade e simplicida-
de da classificação local/cosmopolita. Segundo os resultados que obtiveram,
os indivíduos não escolhem entre orientações profissionais ou organizacio-
nais, “…mas divergem na forma como buscam gratificação pessoal em geral
quer venha da organização, quer da profissão” (1965: 710). Argumentam en-
tão que os conceitos cosmopolita e local não são antitéticos ou bipolares, for-
mando uma escala ao longo da qual se ordenam ou classificam os indivíduos;
são conceitos multidimensionais, não podendo os grupos ser divididos em
locais e cosmopolitas.22
Mais tarde, dando continuidade e procurando melhorar estes conceitos,
Kuty (1971; 1971a) fará depender a orientação dos profissionais nas organiza-
ções de variáveis relativas à situação de mercado da organização, bem como
de variáveis relativas à posição dos indivíduos na estrutura de poder da orga-
nização, tendo construído a tipologia da figura 1.2.
Já mais tarde, mas ainda na mesma linha, Kerr et al. (1977), bem como
Carter (1977), fazem uma crítica de natureza técnico-metodológica a todos
estes trabalhos, considerando que o facto de as investigações empíricas
darem resultados tão diferentes no que respeita à análise do padrão atitu-
dinal de engenheiros e cientistas e da sua consistência com o modelo pro-
fissional resulta, por um lado, da forma como são construídas as amostras
e, por outro, das diferentes operacionalizações do conceito de profissão e
da arbitrariedade de critérios de identificação dos seus componentes.
Tal como Ritzer (1975) e Hall (1975) defendem a necessidade de análise dos
profissionais em organizações a um nível individual, uma vez que dentro
de um mesmo grupo, como os engenheiros, existem indivíduos mais pro-
fissionais que outros.

Profissões e desenvolvimento económico

É já clássica a afirmação de Parsons reveladora da perplexidade e do fascínio


que o fenómeno das profissões exerceu sobre os sociólogos, constituindo por
si importante motivação para, ou justificação de, trabalhos realizados no do-
mínio da sociologia das profissões.23

22 No mesmo sentido, ver Durand (1972) e Benguigui (1967).


23 Estes, aceitando quase sem discutir a centralidade do fenómeno emergente, preocu-
pam—se sobretudo com a análise das consequências ou dos seus efeitos em termos ma-
crossociais. Ver, entre outros, Bell (1976).
30 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

O desenvolvimento e a importância estratégica crescente das profissões consti-


tuem provavelmente a mudança mais importante que ocorreu no sistema ocu-
pacional das sociedades modernas (1968: 536).

Assim, paralelamente, neste mesmo período e também sob o domínio da


perspectiva funcionalista, desenvolveram-se alguns trabalhos que procura-
ram evidenciar a importância das profissões no progresso económico, com
particular destaque para a engenharia.24
Moore (1970: 23) quantifica o fenómeno do profissionalismo, constatando
que o número de profissionais no conjunto da população activa é crescente (por
exemplo, nos EUA, passa de quatro por cento em 1900, para oito por cento em
1950, doze por cento em 1960 e treze por cento em 1966), e como esse crescimento
é uma característica dos países mais desenvolvidos (atinge médias entre os seis e
os oito por cento nos países da Europa ocidental e apenas entre um e três por cen-
to nos países da Ásia e América Latina) então é evidente a associação entre pro-
fissionalismo e desenvolvimento económico.
Desta constatação retira duas conclusões: (i) uma das chaves para a mo-
dernização de países desenvolvidos é a criação de facilidades e oportunida-
des de educação em todos os níveis, com vista ao crescimento rápido de gente
altamente qualificada; (ii) os engenheiros, protagonistas na criação e desen-
volvimento de novas tecnologias que transformam a sociedade moderna, são
então um dos mais importantes agentes da mudança social.

Evan (1968), partindo também do pressuposto de que o desenvolvimen-


to económico moderno requer, e ao mesmo tempo gera, o progresso tecnoló-
gico para o qual a engenharia enquanto profissão é essencial, leva um pouco
mais longe a análise da relação profissões/desenvolvimento.
Defendendo a tese de que a engenharia constitui a profissão que media-
tiza a relação entre desenvolvimento económico e tecnológico, correlaciona o
PNB (indicador de desenvolvimento económico) com o número de patentes
registadas, e a percentagem de PNB despendida em I&D (indicadores de de-
senvolvimento tecnológico) com o número de engenheiros existentes em

24 Sob influência do próprio discurso dos engenheiros, desde o princípio do século que
vários autores os viram como predestinados ao desenvolvimento de importantes papéis
sociais. Por exemplo, Veblen (1921) vê-os como uma elite capaz de resolver problemas
sociais através da aplicação das tecnologias, capaz de constituir o soviete dos técnicos
que libertaria a indústria americana do controlo dos interesses financeiros. Por outro
lado, o taylorismo nascente atribuía aos engenheiros o papel de mediador entre trabalha-
dores e empresários ou gestores através da aplicação da “organização científica do traba-
lho”. De facto, como mostra Calvert (1967) para o caso americano, já no século XIX a ideo-
logia presente nos discursos dos engenheiros revela uma auto-imagem de grupo que,
pela sua racionalidade, objectividade e disciplina, poderia ser aplicada com sucesso à re-
solução dos problemas sociais, nomeadamente à gestão e administração.
DEFINIÇÃO DO CAMPO OU A PROCURA DE UM MODELO 31

vários países, identificando um padrão sistemático de correlação entre as va-


riáveis. E assim confirma a centralidade dos engenheiros nos processos de
desenvolvimento e modernização.

Uma sociedade altamente industrializada possui os recursos para educar um


considerável número de engenheiros, alguns dos quais, em conjunto com cien-
tistas, se ocupam da investigação e do desenvolvimento, onde se gasta uma
porção substancial dos recursos de tal sociedade; o acesso organizado a desco-
bertas científicas e invenções resulta num aumento de patentes e, por sua vez,
o processo da invenção — no qual os engenheiros têm um papel importante —
estimula o desenvolvimento económico, que confronta então essa profissão
com os novos problemas técnicos (1968: 71).

Contudo, considera que algumas características decorrentes do crescimento


e evolução da própria engenharia enquanto profissão podem ter um efeito
negativo e contrário ao desenvolvimento esperado. É o caso, por exemplo, da
tendência para a especialização, que torna a profissão mais heterogénea e
complexa, podendo levantar problemas de identidade; ou dos processos de
recrutamento em populações de origem social muito diferenciada e, portan-
to, portadora de diferentes motivações e valores no que respeita à profissão,
podendo reduzir a solidariedade e introduzir quadros de valores pouco con-
formes com o profissionalismo; ou da variabilidade de padrões de formação
de engenheiros, cujas quantidade e qualidade, afectadas pelo crescimento e
diversificação das instituições de formação, podem ter efeitos na eficiência e
nos resultados dos processos de socialização e aquisição de valores e conheci-
mentos e, portanto, na capacidade de os engenheiros contribuírem efectiva-
mente para o desenvolvimento económico dos países; ou ainda da variabili-
dade de padrões de carreira, atravessados pela diversidade de contextos
organizacionais, de funções e tipos de relações, o que gera dificuldades acres-
cidas a uma efectiva socialização profissional.
Apesar de tudo isto, Evan reconhece alguma possibilidade de protago-
nismo social aos engenheiros, assume uma posição saint-simoniana (de cren-
ça na bondade da técnica) e é claramente influenciado pelas propostas de
Veblen, ao antever a possibilidade de dois cenários opostos para o desenvol-
vimento da profissão, devolvendo aos próprios a responsabilidade da identi-
ficação com um ou com outro dos papéis:

— papel tecnocrático: engenheiros imbuídos de uma visão tecnocrática


crente na possibilidade de a tecnologia resolver todos os problemas so-
ciais, independentemente de considerações valorativas, e orientados
para integrar estruturas de poder político e económico na sociedade;
— papel profissional: os engenheiros como agentes do desenvolvimento
económico e tecnológico da sociedade, realizando principalmente
32 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

funções de staff, vendo-se a si próprios como desenvolvendo a tecnolo-


gia para o bem-estar humano.

É ainda no quadro da perspectiva funcionalista que emerge a crítica mais ra-


dical aos engenheiros enquanto profissão e à possibilidade de protagonismo
social. A crítica é feita por Perrucci (1971), num texto com o sugestivo título
“Engineering: professional servant of power”.
O autor considera que as visões, como a de Evan, que atribuem aos en-
genheiros alguma possibilidade de protagonismo partem de dois pressupos-
tos: (i) a existência de uma elite homogénea dedicada a valores profissionais e
motivada por nobres objectivos; (ii) e que tal elite tem acesso aos recursos de
poder que lhe permitem aplicar o seu conhecimento e controlar as decisões
políticas e económicas. Ora, segundo Perrucci (1971), vários factores relacio-
nados com as características motivacionais e com a segmentação e diversida-
de internas impedem a concretização de tais pressupostos no caso dos enge-
nheiros. Por um lado, a crescente especialização e fragmentação disciplinar, a
diversidade de origens sociais dos engenheiros (de estratos sociais mais bai-
xos que outros grupos profissionais, como os médicos), favorecem o desen-
volvimento de expectativas de mobilidade social e económica e reforçam os
valores e as motivações económicas. Por outro lado, a crescente participação
em organizações económicas privadas e instituições governamentais limi-
ta-lhes igualmente a capacidade enquanto profissionais — no que respeita à
determinação do conteúdo e da forma do seu trabalho, são os empregadores,
a quem servem, que determinam os usos dos seus talentos.
Assim, o crescimento da importância numérica e da centralidade dos
engenheiros nas organizações corresponde ao declínio das possibilidades de
se desenvolverem como profissão dedicada ao serviço do homem.

Os engenheiros servem agora os interesses dominantes da indústria e do gover-


no e não tentam averiguar se o seu trabalho contribui ou não para a poluição,
para a tensão internacional, para a decadência urbana, ou para a criação de um
sistema social totalitário.
A existência da profissão de engenheiro com forte sentido de responsabi-
lidade social e empenhamento no bem-estar humano não garantirá que a nossa
sociedade tecnológica seja dirigida para objectivos mais humanos (Perrucci,
1971: 132).

Pode concluir-se que a visão estritamente funcionalista de estudo dos enge-


nheiros enquanto profissão se debateu com o dilema de, apesar de toda a evi-
dência de senso comum apontar para o facto de eles constituírem uma profis-
são, não poderem ser classificados como tal, porque em muitos dos seus atri-
butos se afastavam do tipo ideal do modelo profissional. As principais dife-
renças surgiam ao nível dos processo de recrutamento, dos padrões de
DEFINIÇÃO DO CAMPO OU A PROCURA DE UM MODELO 33

formação e qualificação, dos padrões de carreira, associações profissio-


nais, prestígio da profissão, mas sobretudo ao nível do quadro de valores e
motivações e da diversidade interna do próprio grupo.

Como reconhece Roth, alguma coisa falta no modelo de análise funcionalista.

Se se empregar um modelo funcionalista de profissões, os engenheiros não se


qualificam, mas a engenharia é uma profissão — como todos sabemos. Assim,
o modelo funcionalista deve estar errado. Daqui se conclui que, quando domi-
nam definições acríticas de senso comum, surgem discussões circulares e homi-
nem (1974: 16).
Capítulo 2
CRÍTICA E REABILITAÇÃO DAS PROFISSÕES

A partir do final da década de 60, a sociologia das profissões, sobretudo os traba-


lhos tributários do paradigma funcionalista que foi dominante durante todo o
período anterior, é atingida por um movimento crítico, largamente influenciado
por forças internas e externas à própria sociologia das profissões. Externamente,
foram sem dúvida importantes o contexto social e ideológico da época, marcado
por um acentuado antiprofissionalismo, como assinala P. Halmos.

O clima contemporâneo da opinião pública é radical e fortemente antiprofissio-


nal. (…) Este antiprofissionalismo é uma das facetas do radicalismo contempo-
râneo e consiste em vários argumentos interligados. (…) O primeiro destes afir-
ma que a chamada “ética profissional”, específica dos profissionais, é uma mis-
tificação absoluta da reivindicação de estatuto e um modo de silenciar a crítica
das situações de monopólio, privilégio e poder às quais se alega que os profis-
sionais se agarram. (…) O segundo argumento afirma que os profissionais, e espe-
cialmente os dos serviços, perpetuam sistemas injustos e preservam o status quo de
uma ordem social exploradora (1973: 6).

Também a afirmação das abordagens económicas do fenómeno das profis-


sões, salientando sobretudo os efeitos económicos das práticas monopolistas
das associações profissionais, lançaram as primeiras dúvidas acerca da bon-
dade do modelo profissional e dos benefícios do profissionalismo.1 Pondo em
evidência que as comunidades profissionais, para além de subculturas e luga-
res de aprendizagem, são também um elemento essencial de delimitação do
mercado de trabalho (constituindo monopólios sobre áreas de conhecimento

1 Ver S. Kuznets e M. Friedman (1945), Income from Independent Practice. Mais tarde, Begun
(1986), num texto em que sintetiza as principais abordagens económicas e sociológicas
do fenómeno das profissões, refere que, apesar disso, os economistas também identifica-
ram particulares condições de mercado, justificando funcionalmente o profissionalismo.

35
36 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

susceptíveis de serem aplicados na prática, e sobre mercados de serviços pro-


fissionais), com efeitos económicos, nomeadamente ao nível dos preços pa-
gos pelos consumidores/clientes de tais serviços.
Todavia, no âmbito deste trabalho, interessa-nos reter as críticas decor-
rentes da emergência da sociologia crítica, bem como da evolução do para-
digma interaccionista, que se constituiu, de facto, como a primeira crítica ao
modelo funcionalista.
Os autores mais paradigmáticos são Gyarmati (1975) e Roth (1974), os
quais, analisando um a um os pressupostos do modelo funcionalista, põem
em evidência a sua base ideológica, mais do que científica; mas reteremos
aqui, também, Johnson (1972), Jamous e Peloille (1970), Chapoulie (1973) e
Freidson (1971), entre outros, cujas críticas fundaram a base de novas aborda-
gens e, portanto, da reabilitação das profissões.

A inadequação do modelo profissional

Chapoulie (1973), num exame crítico das teorias que procuravam apreender
de maneira geral os grupos profissionais, identifica uma importante dificul-
dade resultante do emprego de vocabulário e de interferências entre a termi-
nologia sociológica e a vida quotidiana, também ela muitas vezes imprecisa
apesar de relacionada com a terminologia jurídica ou administrativa.
Em algumas pesquisas o termo profissão designa uma categoria estatística
utilizada nos recenseamentos da população activa — e se na tradição europeia o
termo profissão pode ser equivalente a ofício e pode designar qualquer ocupa-
ção, na tradição inglesa professional é aplicado apenas a trabalhadores que possu-
em um nível elevado de qualificação, o que na prática significa apenas a diplo-
mados do ensino superior. Mas nas pesquisas desenvolvidas no quadro das teo-
rias funcionalistas das profissões, o termo profissão designa um conceito — um
tipo-ideal das profissões — construído e justificado pela existência real de asso-
ciações profissionais, desempenhando um papel sobre a esfera política, com
uma ideologia específica e regras de conduta codificadas.
Na abordagem interaccionista, as profissões são encaradas como objectos
da prática quotidiana, produto da vida social, não podendo, portanto, ser con-
fundidas com um conceito construído segundo as regras do raciocínio científico.
Nesta linha, Dingwall (1976), por exemplo, não reconhece aos sociólogos legiti-
midade para fixar uma definição de profissão e defende que estas devem ser
abordadas a partir das representações que os membros de dadas ocupações,
nomeadamente as que reivindicam a designação, fazem do conceito de profis-
são. Propõe assim a sua conceptualização através de uma abordagem etnometo-
dológica centrada nas representações que os membros de determinado grupo
ocupacional têm de si enquanto profissão, que interpretação fazem do seu traba-
lho e do trabalho desenvolvido por “outros”.
CRÍTICA E REABILITAÇÃO DAS PROFISSÕES 37

Chapoulie (1973) e Freidson (1971) criticam também esta orientação,


considerando que na vida quotidiana o termo profissão aparece associado
tanto à designação de categorias jurídicas (médicos e engenheiros) e de cate-
gorias administrativas (professores do ensino secundário), como de catego-
rias de facto (por exemplo, os informáticos, reconhecidos como tal e que se
reconhecem, mas cujas fronteiras são ambíguas); categorias por sua vez asso-
ciadas a representações ideológicas das categorias de facto, objectivadas, por
exemplo, nas associações profissionais; e nesta amálgama confundem-se as
categorias da vida quotidiana com as formas da sua ocorrência na vida social,
isto é, com os grupos reais, conjunto de profissionais que são actores sociais
em situações concretas e que constituem suportes das propriedades ou carac-
terísticas, dos interesses específicos dum grupo profissional.
Para além das dificuldades terminológicas e de definição do conceito de
profissão,2 constitui também um problema a operacionalização do conceito e
de algumas das suas dimensões, todas elas centrais no modelo funcionalista:

— conhecimento teórico/prático/técnico/complexo/esotérico;
— interesse/desinteresse;
— autonomia/dependência.

As dificuldades de operacionalização e aplicação a situações concretas podem


ser ilustrada com a dimensão mais frequentemente mencionada: o corpo de
conhecimentos teóricos e sistematizados.
Assim, por exemplo, Wilensky (1964), apesar de considerar o corpo de
conhecimento sistematizado e baseado numa longa formação o mais impor-
tante critério de definição de profissão, deparou-se com problemas de opera-
cionalização do conceito, de identificação dos limites que separam as “profis-
sões” das “não profissões”, e de quanto conhecimento, e de que natureza,
seria necessário para ultrapassar esse limite. O autor resolve estes problemas
de forma imprecisa.

Resumindo, haverá uma óptima base para a prática profissional — nem dema-
siado vaga nem demasiado precisa, nem alargada de mais nem limitada de
mais. (…) A base óptima de conhecimento ou doutrina para uma profissão é a
combinação do saber intelectual com o saber prático, quer explícito quer implí-
cito. Os aspectos teóricos do conhecimento profissional e os elementos tácitos,
do saber intelectual e prático, conjugam-se para tornar necessária uma longa
formação e persuadir o público dos mistérios da arte (1964: 493).

2 Se, como vimos no modelo funcionalista, a extensão das listas de traços definidores não
reunia o consenso dos autores, dificultando a definição do conceito, na abordagem inte-
raccionista a recusa de uma definição e a redução das profissões ao conjunto das ocupa-
ções retira ao conceito qualquer especificidade e valor heurístico.
38 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Também Hall (1975), perante semelhante dificuldade, distingue professions e


crafts, considerando que as primeiras se baseiam em conhecimento teórico e
desenvolvem actividade intelectual, enquanto os segundos se baseiam em
conhecimento técnico e requerem destreza manual. Mas então, como subli-
nha Klegon (1978), de acordo com tal critério os cirurgiões seriam classifica-
dos como craft, tal como os advogados, dada a sua destreza verbal, e até mes-
mo os engenheiros. E pode ainda perguntar-se, com base em tal critério, qual
é o denominador comum dos conhecimentos mobilizados pelo clero, médi-
cos e advogados? Se os primeiros tratam com matéria sagrada, muito longe
do conhecimento científico, os saberes dos últimos são relativos à manipula-
ção de normas e regras, nada tendo de abstracto ou teórico.
Esta dificuldade leva autores como Greenwood (1957), Perrucci e Gerstl
(1969), Moore (1970) e Hall (1975) a considerarem que a definição de profissão e
dos seus atributos é uma questão de grau ou de escala, uma diferença quantitati-
va mais do que qualitativa, medida pelo número de anos de formação.3
Todavia, e tal como já havia sido apontado por Hughes (1958), Freidson
(1971: 79-80) argumenta que o conteúdo e a duração da formação de uma ocu-
pação, incluindo o conhecimento abstracto, é frequentemente o produto de
acções deliberadas daqueles que são tentados a mostrar que a sua ocupação é
uma profissão e assim adquirir uma maior autonomia; e quando não há um
corpo organizado de teoria elabora-se ou cria-se com o objectivo de se dizer
que existe.
Assim, as formações longas e as práticas selectivas repousariam não ex-
clusivamente sobre exigências técnicas, mas permitiriam evitar a divulgação
dos saberes entre os não profissionais e modificar as identidades sociais dos
candidatos à profissão, garantindo ideológica e praticamente a possessão de
saberes e de competências particulares em certa área de actividade.
Jamous e Peloille (1970) criticam também a inadequação dos conceitos
profissão e profissionalização para compreender as transformações verifica-
das nos grupos ocupacionais, cuja definição e função social consideram ser,
antes de tudo, o resultado final (i) do rácio indeterminação/tecnicalidade carac-
terístico dos processos de produção; e (ii) da forma como, em cada situação
histórica, o equilíbrio das forças sociais e o sistema de legitimação correspondente
usam e expressam esse rácio. O rácio indeterminação/tecnicalidade (I/T) ex-
prime a possibilidade de transmitir, por meio de aprendizagem, o domínio de
instrumentos materiais e intelectuais usados para realizar ou conseguir
determinados resultados: T é a dimensão que no processo de produção é re-
presentada por meios que podem ser dominados e comunicados sob a forma

3 Ver, por exemplo, Hickson e Thomas (1969), que, para efeitos de construção de um coefi-
ciente de profissionalismo das associações profissionais, consideram o número de anos
de formação; ou Pym (1969), em cuja investigação a duração da formação dos engenhei-
ros se revela uma importante variável no tipo de experiência e realização profissional.
CRÍTICA E REABILITAÇÃO DAS PROFISSÕES 39

de normas; I são os meios que escapam a normas e são atribuídos às virtuali-


dades dos praticantes ou produtores (1970: 112).
Profissões são aquelas ocupações ou actividades nas quais o rácio inde-
terminação/tecnicalidade intrínseco ao sistema de produção é geralmente
elevado. Portanto, estes autores, partindo também da centralidade do conhe-
cimento, da sua natureza, tomam-no como um recurso passível de ser mani-
pulado pelos membros das ocupações que aspiram ao estatuto de profissões,
isto é, que aspiram a aumentar a componente de indeterminação na sua área
de conhecimento/actividade. Os membros de qualquer ocupação estão cons-
tantemente perante o dilema: por um lado, a necessidade de um controlo
cada vez maior sobre a prática, tornando-a mais técnica, mais codificada, mas
com isso facilitar a intervenção e o acesso de leigos; ou, por outro lado, conti-
nuar a monopolizar o seu campo através de racionalizações ideológicas sobre
a natureza do seu trabalho e das suas funções, afastando as possibilidades de
intervenção de estranhos à profissão (1970: 117).

É esta dualidade e contradição no processo de produção que nos permite compre-


ender que a legitimidade do monopólio, a definição e a função de uma profissão,
devido às mudanças técnicas, lutas sociais e divisões, são perpetuamente objecto
de confronto e conflito. Mas também nos permitem perceber que a evolução e as
mudanças numa profissão normalmente não ocorrem continuadamente e de acor-
do com um processo auto-regulado, mas pela sucessiva formação de sistemas que
procuram fechar-se em si próprios, manter-se e perpetuar-se; conseguem-no du-
rante um certo período, após o que eles próprios se questionam através dos mes-
mos elementos que ajudaram a construir (1970: 118).

Em resumo, a abordagem funcionalista privilegiou, na explicação das práti-


cas profissionais, a estrutura social do profissionalismo, separadamente das
suas estruturas cognitivas. Apesar de o conhecimento esotérico ser conside-
rado um traço distintivo das profissões em todas as listas definidoras do
ideal-tipo, o conteúdo e a natureza do conhecimento profissional não foi
objecto, nem de análises teóricas, nem empíricas; foi tomado como uma cons-
tante do modelo, uma “caixa negra”.4
Como vimos, as primeiras críticas resultaram da inadequação do mode-
lo funcionalista às características empiricamente observáveis em muitos dos
grupos profissionais, como, por exemplo, os engenheiros. Mas como refere
Chapoulie (1973), não é suficiente apontar a inadequação do modelo funcio-
nalista, ou pôr em causa apenas algumas das proposições deduzidas da teo-
ria, considerando mais ou menos excepcional a situação dos profissionais em
situação de assalariamento.

4 Ver Downey, Donovan e Elliott (1989).


40 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

É exactamente o princípio de raciocínio dos estudos funcionalistas que deve ser


criticado para que seja ultrapassada a interrogação sem fim sobre as caracterís-
ticas essenciais das profissões e os dois problemas que daí derivam: o do desvio
em relação ao modelo ideal de diversos grupos profissionais e o da tendência
(ou não tendência) para a profissionalização (1973: 95).

Assim, as dificuldades do modelo profissional de inspiração funcionalista re-


sultariam (i) do método de construção do modelo — empiricista —, (ii) e do
conjunto de afirmações sobre a realidade social passíveis de serem postas em
causa empiricamente. De facto, muitos dos estudos empíricos desenvolvidos
estão longe de comprovar as teorias funcionalistas, nomeadamente nos pres-
supostos relativos ao quadro de motivações e valores culturais, nos quais as-
sentaria o modelo profissional:

— crença partilhada na capacidade de a ciência para responder a necessi-


dades essenciais;
— ajustamento entre motivações de profissionais e clientes, permitindo a
validação da sua autoridade e a justificação dos privilégios;
— crença de que, pelo facto de se tratar de necessidades essenciais e fun-
ções sociais, a actividade profissional escaparia à lógica comercial e fi-
nanceira do mundo dos negócios, sendo orientada para a colectividade.

É justamente esta relação e articulação entre motivações, valores e sistema


cultural, como base do funcionamento e legitimidade do modelo profissio-
nal, fundamental na teoria funcionalista, que será abordada criticamente e
posta em causa por sucessivas investigações empíricas.

A ideologia do profissionalismo

Uma componente importante do movimento crítico, classificado de revisionista


por alguns autores, consistiu na revisão dos estudos sobre profissões e suas insti-
tuições, salientando não apenas as suas motivações económicas dos membros
das profissões, como o facto de as suas actividades facilitarem o controlo político
e social (Platt, 1969; Rothman, 1971; Auerbach, 1976, in Freidson). Foi lançado
um novo olhar sobre os principais pressupostos do modelo profissional, à luz do
qual os atributos ou características são vistos, em primeiro lugar, como preten-
sões ou crenças das próprias profissões, ou mesmo argumentos utilizados para
legitimar e justificar a situação de relativo privilégio. Os primeiros sociólogos
das profissões teriam aceitado ou tomado como características objectivas os ele-
mentos de uma ideologia, fazendo a sua defesa e apologia e participando dela.
Gyarmati (1975) dá-nos um bom exemplo deste tipo de exercício. Como
dissemos, analisa um a um os pressupostos do modelo das profissões inspirado
CRÍTICA E REABILITAÇÃO DAS PROFISSÕES 41

no paradigma funcionalista, concluindo que as profissões constituem um sis-


tema de mandarinato com duas características:

— autonomia para organizar e regular as respectivas actividades;


— monopólio profissional, ou seja, a faculdade jurídica de impedir todos
os que não são oficialmente acreditados de oferecer serviços no domínio
definido como exclusivo de uma profissão.

O poder de que usufruem e as prerrogativas que têm são superiores a todas as


outras ocupações, permitindo-lhes escapar ao controlo da sociedade que é su-
posto servirem. E, justamente, a razão pela qual as profissões são alvo de críticas
relaciona-se com o facto de o poder acumulado e as prerrogativas especiais de
que usufruem serem utilizados em proveito próprio e não em proveito da colec-
tividade. O autor formula mesmo a hipótese de que o lugar que lhes é atribuído
na divisão social do trabalho não só não é indispensável ao bom funcionamento
e à realização das actividades, como constitui um obstáculo que impede a maio-
ria da população de ter normal acesso aos serviços que prestam.
Segundo o autor, a sociologia das profissões tradicional, funcionalista,
transformou em teoria uma doutrina, a doutrina das profissões, isto é, trans-
formou em teoria um conjunto de estereótipos usado pelas próprias profis-
sões para criarem e manterem intocável o sistema de mandarinato. Assim, a
doutrina das profissões, o sistema de crenças, representações e normas são o
principal recurso que permite às profissões manter o mandarinato (autono-
mia e monopólio); a sociologia das profissões, ao transformar esta doutrina
em teoria, cumpriu uma função ideológica, ajudando a legitimar e perpetuar
o status quo.
A doutrina das profissões assentaria, segundo o autor, em duas premis-
sas cuja validade não teria sido comprovada pela teoria funcionalista, nem na
sua lógica interna, nem empiricamente. Essas premissas são as seguintes:

— as profissões realizam tarefas essenciais à vida, à segurança e bem-estar


dos membros da sociedade;
— só os membros das profissões podem realizar tais tarefas, porque, atra-
vés de longos períodos de formação, adquiriram conhecimentos com-
plexos e teóricos; e porque colocam o interesse colectivo à frente do seu
próprio interesse.

Os corolários decorrentes (autonomia, controlo sobre recrutamento, forma-


ção, títulos e monopólio) mais não seriam do que prerrogativas de poder,
extensivas às profissões estabelecidas.

Há, sem dúvida, dentro destas profissões as que exigem conhecimentos muito
complexos, mas, em numerosos casos também, o saber requerido para certas
42 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

profissões mais poderosas e mais prestigiadas é menos difícil de adquirir do


que o que é preciso aprender para exercer as profissões que não agregam ne-
nhumas das prerrogativas devolvidas aos profissionais ditos liberais. Mesmo
assim, uma boa parte do saber ensinado durante a formação tem de facto pouca re-
lação com o serviço efectivamente fornecido posteriormente, mas, por outro lado,
está estreitamente ligado à luta levada a cabo para assegurar uma maior autono-
mia e um monopólio mais exclusivos ainda. Enfim, não devemos esquecer que a
razão pela qual a bagagem intelectual é tão particular é porque as profissões em
questão, graças ao monopólio e ao controlo que exercem sobre a política de admis-
são e de promoção praticada pelas universidades, conseguem manter o círculo de
“iniciados” em limites bastantes restritos (Gyarmati, 1975: 681).

Assim, as premissas seriam exortações morais e a doutrina, no seu conjunto,


uma “tese científica” destinada a legitimar o poder excepcional que as profis-
sões liberais conseguiram obter, retirando a sua eficácia da relação de simbio-
se e perfeita consonância que mantêm com a ideologia dominante da socieda-
de. Esta ligação entre a doutrina das profissões e a ideologia dominante seria
assegurada pela instituição universidade.
Nesta mesma linha, também Jamous e Peloille (1970) consideram que
muitas das características ou traços do modelo profissional são parte da ideo-
logia do profissionalismo, nomeadamente o conhecimento, podendo ser ma-
nipulado, modificado (na relação tecnicalidade/indeterminação) a fim de
melhor servir as necessidade dos membros das profissões, usada pelos mem-
bros dominantes como um meio de defesa, exclusividade e autoperpetuação
em face de ameaças de inovação e racionalização de tarefas da ocupação e
também como instrumento nas lutas entre grupos ocupacionais disputando a
mesma área de actividade.

Todos estes elementos, que a sociologia das profissões apresenta como os crité-
rios que definem a profissão, tornam-se — por vezes sem que os agentes envol-
vidos estejam disso conscientes — num meio de defesa, de exclusividade e de
autoperpetuação. Tornam-se o apoio de todo um sistema de crenças que pode
ser chamado de ideologia profissional. E nesta ideologia, a mais estratégica e a
mais útil linha divisória a desenhar não é tanto a que separa o especialista do lei-
go — embora esta também desempenhe o seu papel na ideologia profissional
por causa do elemento esotérico, de exclusividade e subordinação —, mas a que
tem por objectivo distinguir entre os que fundamentam a sua autoridade no
reconhecimento, embora controverso, de uma expertise, e os que detêm as
potencialidades da inovação e da racionalização (1970: 116-117).

Também Chapoulie (1973) considera que o modelo profissional, adoptando o


ponto de vista das classes médias sobre a divisão do trabalho — relevância do
saber institucionalizado, da ética profissional e da profissão na definição da
CRÍTICA E REABILITAÇÃO DAS PROFISSÕES 43

posição social —, funciona como uma ideologia passível de ser utilizada não
apenas por grupos profissionais à procura de um espaço de referência sob o
modelo profissional.
Roth (1974) é talvez o autor que faz a mais dura crítica aos sociólogos
das profissões e ao seu papel na defesa da ideologia do profissionalismo.

O problema com a abordagem centrada nos atributos é que esta não foca o pro-
cesso mas o seu produto, focagem essa contaminada pela ideologia e interesses
dos grupos profissionais em vez de ser uma avaliação independente do seu de-
sempenho. (…) Os sociólogos que se centram na definição de listas de atributos
não estudam o processo de profissionalização, mas participam nele. Tornam-se
nos procuradores das profissões estabelecidas (…) e em árbitros das suas dispu-
tas [pelo prestígio] em vez de observar e interpretar os comportamentos envol-
vidos nesse processo (1974: 17).

Mas, como o mostram Goldner e Ritti (1970), no estudo sobre os engenheiros


que apresentámos atrás, tal ideologia é passível de ser utilizada também nas
políticas de pessoal, de gratificações simbólicas associadas ao reconhecimen-
to de estatuto profissional.

A a-historicidade do modelo

A principal crítica relativa à a-historicidade dos estudos das profissões é for-


mulada por Johnson (1972), que considera que, mesmo com o conceito de pro-
fissionalização introduzido por Wilensky, a abordagem funcionalista do
fenómeno das profissões sugere um processo cronológico, evolucionista, mas
que é a-histórico uma vez que ignora variações nas condições históricas sob
as quais se desenvolvem diferentes formas de ocupações. Ora, as variações
dos processos de profissionalização no tempo e no espaço justamente permi-
tem contrariar o conceito de profissionalização.

Não existe um processo de profissionalização uniforme e unilinear de aplicação


universal. (...) Variações no papel do governo e das organizações académicas
afectarão substancialmente o controlo e as formas institucionais das activida-
des ocupacionais (1972: 29-30).

O interaccionismo é também uma abordagem a-histórica na medida em que


“as circunstâncias…” a que Hughes se refere nos processos de transformação
de uma ocupação em profissão são relativas à tomada de consciência “profis-
sional” do grupo ocupacional e à sua mobilidade, assumindo que as preten-
sões de status profissional são elas próprias a principal condição para a referi-
da transformação.
44 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Jamous e Peloille (1970), com a análise histórica da medicina em França,


e Richardson (1987) demonstram a importância das abordagens históricas na
compreensão da situação actual dos grupos profissionais. De facto, estudar as
profissões fazendo abstracção da sua história, como pressupõem as aborda-
gens funcionalistas e interaccionistas, é condenar-se a dar conta do modo de
existência das profissões na realidade social apenas por intermédio de variá-
veis como a divisão técnica do trabalho.
Roth (1974) considera que o melhor antídoto das abordagens clássicas é
justamente a abordagem histórica do desenvolvimento das ocupações.

Se observarmos com algum pormenor o desenvolvimento das actuais profis-


sões, ficaremos menos inclinados a pensar que existe uma lista de característi-
cas para que converge esse desenvolvimento, reconhecendo, em vez disso, a
existência de um longo processo de negociações (1974: 18).

Deste movimento crítico resultam duas consequências metodológicas es-


senciais:5

— em primeiro lugar, as profissões deixam de ser estudadas pelas suas


funções macrossociais, numa abordagem estática de identificação dos
seus atributos e de medida do desvio em relação ao ideal-tipo; os traços
constitutivos do modelo funcionalista de profissão passam de dados a
objecto de análise, introduzindo-se uma análise dinâmica relativa ao pro-
cesso de obtenção do estatuto de profissão;
— em segundo lugar, os discursos sobre a profissão passam a ser analisados
como argumentação passível de se transformar em crenças socialmente par-
tilhadas por públicos internos e externos às ocupações, e essencial ao movi-
mento de organização material e simbólica do estatuto profissional.

Assim, como refere Paradeise (1988), o objecto da sociologia das profissões


deixa de consistir na “separação do trigo e do joio” e passa a centrar-se na
questão do estatuto e nos jogos sociais que permitem, na interacção com um
conjunto de partenaires, a sua conquista e protecção.

Nesta perspectiva, o jogo da organização e o jogo do discurso são analisados como dois
registos independentes dum trabalho social de construção e estabilização das inte-
racções que ajudam uma ocupação a conquistar e manter um estatuto (1988: 12).

As características das profissões, encaradas na abordagem funcionalista


como consequências necessárias das suas funções macrossociais, passam a

5 Cf. Paradeise (1988).


CRÍTICA E REABILITAÇÃO DAS PROFISSÕES 45

ser perspectivadas simultaneamente como produto e como condição do pro-


cesso de construção e desenvolvimento da profissão.
Com este movimento crítico, e no seu âmbito, são dados os primeiros
passos de novas abordagens e perspectivas centradas na análise do poder,
isto é, das condições que permitem às profissões ou a certos grupos ocupacio-
nais desenvolverem e manterem situações de privilégio; condições que per-
mitem que se distingam pelo elevado estatuto, grau de controlo, organização
e influência, e, por isso mesmo, potenciam a reificação do fenómeno profis-
sões no imaginário social.
Capítulo 3
O PODER DAS PROFISSÕES
Abordagens e perspectivas

Como já vimos, esta fase decorre ao longo das décadas de 70 e 80 e caracteri-


za-se pela emergência de uma pluralidade de orientações paradigmáticas e
metodológicas. Trata-se de diferentes abordagens, visões e interpretações de
um mesmo fenómeno — o poder das profissões. No domínio estrito do para-
digma do poder destacam-se autores como Johnson, Freidson e Larson, que
são simultaneamente responsáveis pelo movimento crítico e seus tributários.
Todavia, a discussão estende-se a muitos outros autores, que se interrogam
acerca de qual o sentido de evolução das profissões e se, perante as mais re-
centes transformações sociais e económicas, elas mantêm os seus poderes e
privilégios, abrindo-se um debate em torno das teses da dominação e das
teses do declínio do poder profissional.
A explicação do fenómeno das profissões na perspectiva funcionalista
repousa sobre critérios de legitimidade social; na perspectiva interaccionista,
nas relações de negociação e conflito desenvolvidas pelas ocupações; agora
as explicações alargam-se a critérios relacionados com o poder: o poder pro-
fissional, económico, social e político dos próprios grupos.

O paradigma do poder: Johnson, Freidson e Larson

Johnson é o primeiro autor a defender a necessidade de centrar a análise nas


relações de poder.

Sublinhar os valores funcionais da actividade profissional em todos os grupos e


classes (…) exclui da análise a dimensão do poder, a qual, por sua vez, explica
variações nas formas institucionais de controlo das actividades ocupacionais
(1972: 37).

Considera que as actividades ocupacionais, na sua essência ou natureza, são

47
48 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Divisão do trabalho
(especialização)

Relações de dependência Relações de distância social

Autonomia / Controlo / Poder


PROFISSIONAL

Profissional Cliente
(produção) (consumo)

Incerteza
Tensão
Exploração

Figura 3.1 Diagrama da tese de Johnson: divisão do trabalho, relações profissionais


e poder profissional

uma consequência geral da divisão do trabalho, e que a emergência, em qual-


quer sociedade, de saberes ocupacionais especializados na produção de bens
ou serviços, cria relações de dependência social e económica e relações de dis-
tância social — à especialização da produção corresponde a desespecializa-
ção dos consumidores.
A distância social cria uma estrutura de incerteza ou indeterminação1 na re-
lação entre produção e consumo, da qual resulta uma tensão determinada
pela potencial exploração.
O grau de incerteza ou indeterminação é variável, podendo ser reduzi-
do com custos imputáveis às profissões ou aos consumidores em função do

1 Como vimos, o conceito de incerteza ou indeterminação é introduzido nos estudos das


profissões por Jamous e Peloille (1970), incidindo sobre o conhecimento e as possibilida-
des de aplicação na identificação e resolução de problemas na prática profissional. Mais
tarde é retomado por muitos outros autores; genericamente, estes procurarão sustentar
que é o controlo sobre os vários tipos de incerteza (Baer, 1986) que permite às ocupações a
criação de expertise profissional (Atkinson, Reid e Sheldrake, 1977), bem como alcançar e
manter situações de monopólio e autonomia (Nilson, 1979).
O PODER DAS PROFISSÕES 49

contexto social e das relações de poder geradas. Mas o nível de indeterminação


tem consequências importantes para a relativa autonomia e recursos de que
as ocupações dispõem para se impor face a outras ocupações e para imporem
as suas definições na relação com os consumidores dos seus serviços.
A incerteza não é inteiramente cognitiva, tem uma componente de com-
plexidade do conhecimento, de esoterismo, mas também de mistificação delibe-
radamente desenvolvida pelas profissões com vista a aumentar a distância, a au-
tonomia e o controlo sobre a prática ou actividade profissional.2
O profissionalismo é assim redefinido por Johnson como um peculiar
tipo de controlo ocupacional; não como um tipo de ocupação ou uma expres-
são da natureza de particulares ocupações, mas um meio de controlo de uma
ocupação. O autor constrói uma tipologia na qual identifica três tipos de con-
trolo ocupacional:

colegial no qual se inscreve o profissionalismo e que se caracteriza pelo


facto de o produtor/profissional possuir a capacidade de defi-
nir as necessidades do consumidor (disperso, fragmentado e
heterogéneo), bem como a forma de as resolver;
patrocinato que se caracteriza pelo facto de ser o consumidor a definir as
próprias necessidades e a forma de as resolver; o consumidor
pode ser corporizado, por exemplo, nas sociedades tradicio-
nais, em oligarquias aristocráticas que eram o principal ou
único consumidor de determinados bens ou serviços, ou na
sociedade industrial, pelas grandes organizações que empre-
gam profissionais;
mediado que se caracteriza pelo facto de a relação produção-consumo
ser mediada, por exemplo, pelo Estado, podendo a definição
das necessidades e a forma de as resolver assumir diferentes
modalidades.

Johnson (1972), com a identificação destes três tipos de controlo ocupacional,


desafia a noção de continuum (presente até aqui nos conceitos de profissão e
profissionalização), inaugurando a ideia de modelos resultantes da configu-
ração de diferentes combinações dos elementos constituintes do controlo
ocupacional.
Para Johnson, o principal recurso ou fundamento do poder profissional
resulta da contribuição do grupo profissional para as funções globais do capital,
quer dizer, a posição de uma ocupação na divisão do trabalho é função da sua
contribuição para as funções globais do capital, à produção de lucro, à realiza-
ção do capital e à reprodução das relações sociais que asseguram a manutenção

2 Como haviam já defendido Jamous e Peloille (1970).


50 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Expertise

PODER PROFISSIONAL

Autonomia Credencialismo

Figura 3.2 Diagrama da tese de Freidson: fontes do poder profissional

do modo de produção capitalista, devendo a explicação do domínio de


umas ocupações sobre outras ser procurada nos laços que a unem à classe
dominante.

A autoridade dos “profissionais” nos contextos burocráticos será determinada


pela forma como as suas actividades se articulam ou se relacionam com estes
processos duais: realizar as funções do capital ou as do colectivo dos operários
ao nível da apropriação ou da realização. Assim, qualquer análise do relaciona-
mento entre a organização do conhecimento ocupacional e a formação das clas-
ses sociais deve ter em conta o resultado complexo destes processos duais:
contribuição que não pode ser conceptualizada nem com base no modelo unidi-
mensional da coordenação burocrática, nem pela simples dicotomia proprieda-
de ou não propriedade da produção (1980: 361).

Com a contribuição de Johnson pode dizer-se que se inicia uma nova fase
marcada pela preocupação de alargamento do campo de observação,3 isto é,
passar da visão internalista das profissões para o estudo em simultâneo das
interacções estabelecidas com o exterior, a estrutura de classes da sociedade
envolvente e, sobretudo, o Estado.
Mas é com o contributo de Freidson (1994),4 desenvolvido ao longo de
décadas, que se consolida o paradigma do poder.

3 Jackson (1970) é quem permite este passo a Johnson quando num trabalho anterior intro-
duz uma nova questão: “…What are the means by which an occupational status becomes reified
and expanded into wider social significance?” (Que consequências advêm do facto de um sta-
tus ocupacional ganhar significado social?).
4 Embora os textos de Freidson aqui referenciados apresentem a data de 1994, os seus
trabalhos vêm a ser publicados desde 1970 e a referência é relativa a um livro no qual se
reúnem as suas principais publicações anteriores.
O PODER DAS PROFISSÕES 51

Para este autor, profissionalização pode ser definida como um processo


pelo qual uma ocupação — organizada formalmente ou não, através da rei-
vindicação ou afirmação das suas competências especiais e esotéricas, da par-
ticular qualidade do seu trabalho e dos benefícios que com isso proporciona à
sociedade — obtém o direito exclusivo de realizar um determinado tipo de
trabalho, o controlo sobre a formação e o acesso, bem como o direito de deter-
minar e avaliar a forma como o trabalho é realizado; e identifica profissão
com um princípio ocupacional de organização do trabalho.
A análise de Freidson sobre o poder profissional centra-se nas vanta-
gens (autonomia e poder sobre o próprio trabalho) conferidas por monopólio
do conhecimento (expertise) e por gatekeeping5 (credenciais), que são os princi-
pais recursos ou fontes de poder profissional, isto é, criam a base de grande
parte dos poderes profissionais, incluindo o mais fundamental deles, que é a
capacidade de definir a forma como o trabalho deve ser realizado — este con-
trolo sobre o trabalho, ou autonomia técnica, é o mais amplo e fundamental
dos poderes dos profissionais.
A autonomia técnica cria uma esfera de actividade na qual o trabalha-
dor individual, e não a hierarquia organizada, é soberano, e a situação de
expert em áreas particulares de actividade permite-lhe muitas vezes con-
trolar também importantes informações, o que faz alargar o âmbito do po-
der profissional.
Gatekeeping, a segunda maior fonte de poder profissional, é entendida
por Freidson como o controlo institucionalizado sobre os recursos desejados,
assumindo a forma do credencialismo, isto é, constitui o mecanismo que per-
mite às profissões deter posições e controlar o acesso aos domínios da inter-
pretação, julgamento e solução de problemas que clientes/público preten-
dem ver resolvidos.
Autonomia, expertise e credencialismo são os três conceitos que consti-
tuem um espaço analítico que permite definir e identificar o poder das
profissões.
O espaço analítico assim constituído pode ser apresentado em seis
enunciados:

1) o princípio ocupacional de organização do trabalho materializa-se no


exercício de autoridade sobre o próprio trabalho pelos membros das
ocupações, com o apoio do Estado, que aprova licenças e jurisdições
exclusivas — opondo-se ao princípio administrativo de controlo sobre o
trabalho exercido por organizações burocráticas;6

5 O conceito de gatekeeping não tem uma tradução linear em português, podendo significar
protecção/fechamento/controlo de entrada no mercado de trabalho. Neste trabalho
tomou-se a opção de manter este termo, tal como o de expertise e outros, na lingua original
por considerarmos ser assim mais inteligível.
52 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

2) o princípio ocupacional de organização do trabalho supõe autoridade im-


putada ao expert, uma vez que um trabalhador só pode controlar o seu
trabalho se os outros estão persuadidos de que só ele é competente para
o fazer — e a autoridade do expert significa autoridade para coordenar a
divisão do trabalho;
3) a autoridade do expert é estabelecida por processos sociais e políticos, tal
como a autoridade administrativa, mas o que é mais importante no
princípio ocupacional é a autonomia na direcção do trabalho, autono-
mia comum a profissionais assalariados e independentes;
4) o conhecimento, cuja existência concreta se expressa em actividades
humanas de criação, comunicação e aplicação, é parte essencial do
princípio ocupacional de organização do trabalho; mas o conheci-
mento em si não confere especiais poderes: só a exclusividade, traduzi-
da no controlo sobre o recrutamento, a formação e realização do
trabalho de criar, divulgar e aplicar conhecimento, confere poder aos
que o possuem;
5) o conhecimento abstracto, aprendido em instituições formais de educação
superior, constitui a principal condição no processo de reivindicação de
privilégios; tais privilégios são organizados legalmente e têm um funda-
mento político, quer dizer, é o poder do Estado que garante aos profissio-
nais o direito exclusivo de usar e avaliar um certo corpo de conhecimentos
e saberes-fazer, e, garantindo o exclusivo, garante o poder, e neste sentido
as profissões estão intimamente conectadas com um processo político for-
mal, implicando a manutenção e desenvolvimento da profissão uma cons-
tante e contínua actividade política por parte das profissões;
6) as profissões transportam uma dimensão ideológica, conjunto de cren-
ças sobre qual a melhor maneira de resolver os problemas, que tende
a ser imperialista e que pode ser analisada nos conflitos com outras
ocupações.

Assim, as características essenciais das profissões estão inteiramente basea-


das na ligação entre tarefas, para as quais existe procura num mercado, formação
fornecida pelo sistema de educação para a realização de tais tarefas e acesso
privilegiado de trabalhadores formados para o desempenho de tais tarefas;
ligação esta que institucionaliza a relação entre sistema de ensino superior e o
mercado de trabalho.
O primeiro suporte institucional das profissões são as instituições de
credenciação e o corpo de conhecimento formal ao qual os profissionais são

6 Freidson tem do fenómeno das profissões uma visão humanista, apesar do seu olhar crí-
tico; faz dele uma apologia que radica no facto de o considerar por oposição a outros po-
deres e controlos, nomeadamente o administrativo, que, sendo heterónomo, é avaliado
negativamente pelo autor.
O PODER DAS PROFISSÕES 53

expostos nas instituições de formação. A combinação de credenciais e for-


mação permite o acesso ao mercado de trabalho profissional protegido.
Existem dois tipos de credenciais: ocupacionais (envolvem licenças,
graus, diplomas e certificações para permitir o acesso ao mercado) e institu-
cionais (instituições de acreditação de educação superior e outras instituições
profissionais que forneçam formação teórica ou prática).
Os corpos ou estruturas organizacionais que desempenham o principal
papel no sistema de credenciação são as universidades, as associações profis-
sionais e o Estado.
O acesso privilegiado ao mercado, ou seja, a definição de um mercado
protegido, envolve um complexo processo de negociação:

1) definição como essencial de uma particular tarefa/actividade na divi-


são do trabalho;
2) reivindicação de que, dada a natureza e características das tarefas/acti-
vidades, só os trabalhadores com particulares competências (expertise)
as podem realizar adequadamente;
3) negociação com outros grupos ou segmentos ocupacionais que realizem
tarefas/actividades situadas em zonas de fronteira ou sobreposição, por
forma a definir e estabelecer os campos e o tipo de relações sociais;
4) desenvolvimento de estruturas formais que envolvam instituições de
formação e de credenciação.

O modelo proposto pelo autor contém uma série de pressupostos inter-


dependentes:

— a divisão do trabalho entendida como o resultado de processos de interac-


ção social no decurso dos quais os participantes estão continuamente em-
penhados na tentativa de definir, estabelecer, manter e renovar as tarefas/
/actividades que desempenham, bem como as relações de trabalho com os
outros grupos ou segmentos. As interacções não são inteiramente livres,
uma vez que na realidade têm lugar no quadro da organização social;
— os membros das profissões não constituem um agregado homogéneo,
mas sim diferenciado por especialidades, segmentos, circunstâncias de
prática profissional, por diferentes posições na hierarquia interna, pela
sua relativa proeminência cultural, política e intelectual dentro da pro-
fissão e fora dela, como líderes, etc. Estas diferenças corporizam-se,
muitas vezes, em associações separadas ou em segmentações no inte-
rior de associações existentes;7

7 É por esta razão que o autor considera que caracterizar as profissões como dominantes,
hegemónicas, proletarizadas, corporatizadas, burocratizadas, racionalizadas, desprofis-
sionalizadas, etc., e discutir desta forma genérica o sentido da sua evolução, é entrar num
54 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

— a definição de profissão, a sua identificação como objecto empírico, obe-


dece a critérios relativos ao grau e à forma como as ocupações adquiri-
ram poder organizado para controlar o seu trabalho, para determinar os
termos, as condições e o conteúdo do seu trabalho;8
— o foco de análise é colocado nas circunstâncias segundo as quais as ocu-
pações se organizam como grupos sociais, classificando-os segundo a
fonte, o tipo e o grau da sua organização, analisando como e porquê a
sua forma de estruturação se concretiza e pode ser mantida, e, finalmen-
te, que consequências tem para a divisão do trabalho produtivo na qual
toma parte.

Quase uma década depois dos primeiros trabalhos de Freidson, Larson


(1977) tenta uma síntese das teses marxistas e weberianas na sua análise das
profissões — estuda-as como grupos de interesses ligados ao sistema de clas-
ses da sociedade capitalista e analisa a profissionalização como um projecto
de mobilidade colectiva no qual as ocupações tentam conseguir não apenas
posições económicas, mas também estatuto social e prestígio.
Enquanto Johnson elegeu como principal enjeu do poder profissional o
controlo da relação com o cliente (controlo da relação produção /consumo) e
Freidson, como acabámos de ver, a autonomia ou controlo na organização do
próprio trabalho, só possível com o monopólio do conhecimento e a protec-
ção do mercado, Larson põe em evidência que as comunidades profissionais,
para além de subculturas e lugares de aprendizagem, são sobretudo um ele-
mento essencial de delimitação do mercado de trabalho. O seu traço caracte-
rístico é o monopólio: monopólio e o fechamento sobre um mercado de serviços
profissionais.
Os meios utilizados para definir e manter a segmentação monopolista e
fechada do mercado de trabalho são o controlo do acesso à profissão (controlo do sis-
tema de ensino) e a protecção do mercado (sistema de licenças) (Larson, 1977).
A profissionalização seria, então, um processo de fechamento social pelo
qual os grupos procuram maximizar os seus resultados e os seus recursos, limi-
tando o acesso a um círculo restrito de candidatos. Tais processos implicam a ex-
clusão, a oposição a outros grupos, e são justificados pelo interesse colectivo de
serviço à comunidade, tendo toda a legitimidade jurídica e apoio político.

debate estéril. É no mínimo necessário indicar a que segmento da profissão, qual o nível
de análise e a que área de actividade se referem as tendências apontadas.
8 O autor considera que se pode ser induzido em erro e levado à elaboração de teses impro-
váveis ao identificar as profissões a partir das suas definições oficiais, que constituem
meras classificações da força de trabalho, assentes em características como o número de
anos de escolaridade formal e/ou a posse de um conjunto de conhecimentos (abstractos e
teóricos) e saberes práticos (exercício de decisões complexo). A principal deficiência de
tais critérios é justamente usar o termo profissão para uma tão grande variedade de ocu-
pações, tornando-o analiticamente difuso.
O PODER DAS PROFISSÕES 55

Realça-se assim, de novo, o papel do poder político, configurando-se


nas situações concretas modalidades mais negociadas, protegidas ou defini-
das pela intervenção do Estado.
O seu mais referido livro — The Rise of Professionalism. A Sociological
Analysis — não é, na opinião da autora, um modelo teórico, mas uma maneira
de ler o fenómeno das profissões. Reporta-se à origem do actual profissiona-
lismo. E entre a origem e a actual situação das profissões, a autora identifica
um gap que introduz no paradigma do poder as teses do declínio, que aborda-
remos mais adiante. Por agora, vejamos as suas teses em relação ao poder das
profissões.
Naqueles que são os elementos essenciais da sua análise das profissões,
a autora não se afasta muito de Freidson. Entende os processos de profissio-
nalização como projectos de grupos ocupacionais:

— projectos de criação de mercados de trabalho ou de serviços institucionais


fechados, desencadeados por indivíduos cuja competência deve ser
previamente também demonstrada;
— projectos de mobilidade social, isto é, movimentos saídos da sociedade ci-
vil para os quais os mercados protegidos têm enorme importância, pelo
que requerem do Estado a garantia de mecanismos monopolizadores,
justificando as suas pretensões com princípios não económicos, como o
altruísmo, os comportamentos, o estilo de vida, etc.

Envolvem-se neste projecto motivações económicas e não económicas,


ra-zões intelectuais e ideológicas.
As profissões são, assim, ocupações produtoras de serviços “especiais”,
que conseguiram alcançar controlo sobre o mercado para as suas competências.
O processo de profissionalização ou de controlo do mercado é a trans-
formação de uma ordem de recursos escassos (conhecimento e competência)
em outros (recompensas económicas e sociais). Mas para manter o valor des-
tes recursos é necessário conservar a escassez, o que explica a tendência para
o fechamento.
Como a “mercadorização” de competências é um elemento crucial na
estrutura da moderna desigualdade, a profissionalização é, simultaneamen-
te, uma afirmação colectiva de um estatuto especial e um processo de mobili-
dade social colectiva.
Diferentemente de Freidson e Johnson, Larson coloca a ênfase do poder
profissional no controlo do mercado e nos processos de monopolização/fecha-
mento, sublinhando os mecanismos de diferenciação e exclusão social.
É sobretudo por referência a esta primeira parte do trabalho de Larson,
que dá visibilidade aos mecanismos de aquisição do monopólio de compe-
tências, que outros autores desenvolveram as suas pesquisas neste domínio.
Referiremos o caso de Paradeise (1988), a título de exemplo.
56 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Esta autora, na linha dos trabalhos de Hughes mas integrando a análise


de Larson, defende a necessidade de definir e abordar o fenómeno das profis-
sões como uma espécie de um género mais geral que a autora designa por
mercados de trabalho fechados, uma vez que o enjeu das profissões mais não é
que o da monopolização de um segmento do mercado de trabalho, visando o
controlo da incerteza das relações de troca.
Todos os mercados fechados possuem o traço comum que funda e justi-
fica o fechamento — eles definem, constroem e realizam a qualificação de
uma mão-de-obra para tarefas determinadas. O fechamento manifesta-se
pela restrição do acesso aos postos que selecciona os candidatos em função de
qualidades (título, antiguidade, etc.) consideradas como necessárias ao exer-
cício da actividade profissional; a criação do monopólio do mercado de traba-
lho está subordinada ao reconhecimento social de uma competência específi-
ca incorporada por certos trabalhadores num dado momento e universo de
produção. A escassez da competência assim definida gera e justifica as vanta-
gens materiais e simbólicas ligadas à monopolização do segmento de merca-
do de que beneficia certa mão-de-obra.
Paradeise (1988) identifica como principais protagonistas no processo de
definição dos segmentos de mercado fechados, os produtores, os empregado-
res e o Estado, cuja interacção determina o funcionamento concreto do siste-
ma profissional que se estabelece em torno de dois eixos: a organização buro-
crática, ou seja, o conjunto de regras de acesso ao mercado; e o enquadramen-
to tecnológico e económico, o estado de desenvolvimento, estabilização ou
expansão do mercado de produtos.
Introduz uma perspectiva dinâmica e aberta (não determinística) na
abordagem, considerando ainda que o funcionamento concreto de um mer-
cado de trabalho fechado é portador de dilemas permanentes, resultantes da
diversidade das expectativas em relação às regras e aos constrangimentos
cristalizados.

Incertos e sempre frágeis são os compromissos entre os interesses particulares


nos contextos que definem as diferentes capacidades de cada negociador para
impor as suas soluções. Soluções que, em certos casos, perpetuam os princípios
fundamentais da organização do mercado e, noutros, conduzem a uma deses-
truturação radical do jogo construído pelas regras e consequentemente a uma
desestabilização das identidades colectivas suportadas por estas regras. Assim
podem ser destruídas ou remodeladas as fronteiras de mercado (1988: 20).

Freidson (1994), apesar de reconhecer que Larson foi talvez quem deu o melhor
contributo para a compreensão dos monopólios profissionais exercidos sobre o
mercado de trabalho, critica globalmente as suas teses. Considera que o facto
de Larson usar a designação de monopólio/fechamento de mercado, e não,
por exemplo, mercado protegido, é revelador das influências extremadas da
O PODER DAS PROFISSÕES 57

teoria marxista e da teoria clássica do capitalismo — ambas têm, da divisão do


trabalho, uma visão idealizada ou perfeita no que respeita quer à mobilidade,
quer à fluidez, sendo os grupos ocupacionais vistos como conspiradores e in-
desejáveis por constituírem constrangimentos a tal fluidez —, em ambas é difí-
cil ver como o trabalho complexo, que requer longos períodos de formação e de
prática para a efectiva realização de tarefas, pode ser socialmente viável.
Assim o autor opta pela expressão mercados protegidos, visualizando,
em teoria, o mercado de trabalho como um conjunto de ocupações protegi-
das. Ocupação representa a organização do trabalho produtivo em papéis
sociais; uma vez que, nas economias de mercado, os trabalhadores entram
nestes papéis sociais através do mercado de trabalho, é essencial ganhar al-
gum controlo sobre a oferta, isto é, a aquisição de posições mais fortes, trans-
formando-se em grupos estáveis e organizados com relativa autonomia.
Segundo Freidson a autonomia é o principal recurso do poder profissional.
Um mercado de trabalho protegido representa controlo ocupacional sobre a
oferta, bem como sobre o conteúdo da procura.9
Assim, se Larson destaca os mecanismos de exclusão e diferenciação
social decorrentes do estabelecimento de protecções ou monopólios de mer-
cado, Freidson realça os mecanismos de aquisição de autonomia e poder
alternativo.
Na linha de Freidson, Segrestin (1985), por exemplo, releva os mecanis-
mos de integração social, argumentando que o corporativismo, sendo um
fenómeno social que se refere a sistemas fechados, tem os seus incluídos e
excluídos;10 solidário de um processo de segmentação e estratificação, define
um território, e ao mesmo tempo a sua periferia e margens. Mas, porque não
há sociedade sem estrutura social e não há processos de socialização sem
comunidades restritas, é inútil o esforço de fazer a apologia de grupos fecha-
dos ou movimentos sociais abertos. O modelo de mercado perfeito não existe,
será sempre uma utopia, porque a vida económica apela à fragmentação do
corpo social. E conclui que historicamente o corporativismo profissional é
característico das condições que permitiram o desenvolvimento económico e
técnico.

9 A institucionalização destes mecanismos e a criação de estruturas formais que assegu-


rem o seu funcionamento traz novos problemas: “é imprescindível à análise do sucesso
ou insucesso de uma ocupação para ganhar e manter o seu ‘escudo’, a análise da sua
estratificação e segmentação interna e o efeito destas clivagens na estrutura da sua orga-
nização formal e na capacidade efectiva de os seus líderes conduzirem negociações com-
pulsivas no que respeita ao seu lugar no mercado do trabalho” (1994: 85).
10 Segrestin estuda o neocorporativismo de operários altamente qualificados. Ora, as carac-
terísticas de fechamento, monopólio e auto-regulação conferem às profissões particulari-
dades próximas de outras formas de corporativismo de base ocupacional como o dos
operários de ofício, fazendo aproximar as associações profissionais das organizações
sindicais.
58 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Relacionais/ Culturais/
Recursos Políticos /organizacionais Cognitivos /ideológicos

(Johnson) (Johnson) e (Larson) (Freidson) (Larson)

Autonomia / Controlo / Poder


PROFISSIONAL

Relação Organização Mercado


Incidências com clientes de trabalho de trabalho Conhecimento

(Johnson) (Freidson) (Larson) (Freidson e Larson)

Figura 3.3 Modelo de análise do poder profissional

Em síntese esquemática pode representar-se da forma indicada na figu-


ra 3.3 o essencial do paradigma do poder, assinalando as contribuições dos
autores aqui apresentados.
O poder profissional seria, então, definido ou identificado pela capaci-
dade de transformação de determinada ordem de recursos (cognitivos, políti-
cos, relacionais/organizacionais, culturais e ideológicos) numa outra ordem
(acesso privilegiado ao mercado, autonomia sobre o trabalho, controlo sobre
o acesso à profissão e outros privilégios profissionais), que no seu conjunto
constituem áreas de incidência do poder profissional, mas também recurso
de manutenção e alargamento desse mesmo poder.11
Larson (1977), na segunda parte do seu trabalho, envolve-se no debate

11 Veja-se Brint (1992) que, num estimulante artigo, inventaria, para além dos recursos
essenciais, outros factores de poder e consequente valor económico das profissões no
mercado de trabalho; tais factores, como a possibilidade de exercício da actividade pro-
fissional de forma independente, a contribuição para a produção e eficácia das organiza-
ções, o desenvolvimento de actividade no sector público ou privado, como as diferencia-
ções internas e a composição dos grupos profissionais por sexo e idade, tais factores
explicariam diferenças de posição na hierarquia social entre várias profissões e entre seg-
mentos de uma mesma profissão.
O PODER DAS PROFISSÕES 59

das teses do declínio do poder profissional. Considera que hoje as condições


para o trabalho profissional mudaram muito: assistiu-se à passagem do pro-
fissional livre num mercado de serviços para o especialista assalariado em gran-
des organizações. No entanto, mantém-se o conceito de profissão para desig-
nar grupos ocupacionais nestas novas condições.
Com esta modificação, o modelo profissional passa de uma função predo-
minantemente económica de ligação entre educação e lugares no mercado de
trabalho para uma função ideológica de justificação da desigualdade de estatuto
e do fechamento do acesso na ordem ocupacional (1977: xvi-xviii). Quer dizer, a
persistência do conceito de profissão para designar uma outra categoria da práti-
ca social, sugere que o modelo se transformou em ideologia.

[O modelo profissional é actualmente ] não só uma imagem que consciente-


mente inspira esforços colectivos ou individuais, mas uma mistificação que
inconscientemente escurece a estrutura e relações sociais reais (1977: xviii).

Assim, no século XX, sob diferentes condições objectivas, as profissões emer-


gentes no século XIX transformam-se em ideologia.

A pretensão da universalidade do serviço e a preocupação desinteressada pelos


clientes, progressivamente, transformaram-se em mistificações, uma vez que
as profissões ficaram subordinadas às relações capitalistas de produção (tor-
nando-se produtores assalariados de mais-valia) e directamente envolvidas na
produção e acumulação capitalistas (1977: 94).

Segundo a autora, a história recente das profissões está intimamente conecta-


da com a origem do capitalismo das grandes organizações: com o crescimen-
to em dimensão e complexidade, as unidades produtivas experimentaram
uma grande necessidade de administração e planificação burocrática. As teo-
rias de organização científica desenvolveram-se em resposta a esta necessida-
de, fornecendo à subordinação e dominação capitalista uma máscara, uma
aparência de objectividade e necessidade científica. Os profissionais foram
importantes instrumentos na imposição de normas de eficiência no compor-
tamento dos outros dentro das organizações, mas, ao mesmo tempo, foram
eles próprios sujeitos a tais normas. A estrutura das profissões contemporâ-
neas é complementar, mais do que antagónica, com formas burocráticas de
organização, tendo estas transformado aquelas.
A actual simbiose entre profissionais e grandes organizações faz com que as pro-
fissões operem num mercado subordinado ou mesmo fora de mercado.

A oposição profissões-organizações burocráticas, partindo do pressu-


posto de que às primeiras correspondem organizações democráticas e autori-
dade baseada no conhecimento e às segundas uma organização hierárquica e
60 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

a autoridade administrativa, é um erro. As profissões hoje não são antitéticas


da organização burocrática, mas dependentes de incorporação nela. A autora
considera os profissionais como funcionários proletarizados, mesmo que
estes acreditem que têm autonomia (1977: 237). Ao contrário de Johnson e
Freidson, que sublinham o poder dos profissionais, Larson desvaloriza-o
— considera-o uma miragem.
A tese da autora pode ser sintetizada no seguinte paradoxo: o estatuto
profissional constitui uma barreira a uma sociedade igual e justa; só que a
causa não está no poder das profissões sobre clientes ou sobre o mercado, mas
na ideologia do profissionalismo, que seduz os profissionais e os faz acreditar
nas instituições burguesas. Segundo Larson, os profissionais têm em comum
não o conhecimento, não a autonomia, mas a ideologia (1977: 219). E concen-
tra a sua atenção na análise dos processos de subordinação das profissões pelas
grandes e complexas instituições do capitalismo e na forma como a ideologia
do profissionalismo pacifica os próprios profissionais.
Os profissionais nas organizações — subordinados — procuram legiti-
mar a sua autoridade para realizar funções técnico-burocráticas, reivindican-
do expertise profissional e invocando uma eficiência realizada por organiza-
ções privadas através do uso de padrões de autoridade similares. A compe-
tência profissional é, na realidade, apenas um argumento contra a subordina-
ção e a resistência dos profissionais à subordinação burocrática tende a ser
neutralizada de duas formas: através da socialização durante a formação na
universidade, por inculcação de valores organizacionais; e através da sobre-
especialização, que diminui o seu poder no mercado, isto é, a variedade
de oportunidades de mercado para serviços profissionais excessivamente
especializados.
Larson, tal como outros autores (Johnson, por exemplo), desenvolve
uma análise estrutural da relação entre as profissões enquanto monopólios
de competência e outras estruturas sociais, nomeadamente do capitalismo
avançado. Um primeiro passo que contribuiu para a estreita identificação
entre capitalismo e profissões foi, do seu ponto de vista, a padronização
dos serviços profissionais, possível com a padronização da formação,
igualando competência técnica a número de anos de escolaridade e a cre-
denciais formais.

Os anos de escolaridade funcionam mais como uma justificação ideológica


para o preço da mercadoria profissional do que como determinante do seu va-
lor no mercado (1977: 93).

A questão pertinente à qual Larson tenta responder é a seguinte: como é que


afinal, apesar da subordinação, as profissões realizam a unidade organizacio-
nal e a acção comum necessária à manutenção do controlo do mercado contra
competidores externos e clientes?
O PODER DAS PROFISSÕES 61

Também neste caso as profissões seguem a ideologia dominante: os profissio-


nais interiorizam o valor intrínseco do trabalho durante a sua continuada
socialização; entendem a profissão como uma vocação, porque, ao contrário da
maioria dos trabalhadores, a escolheram e, sem dúvida, despenderam conside-
rável esforço para a obter; vêem o seu trabalho como uma carreira que lhes trará
benefícios contínuos, cumulativos e previsíveis; aprenderam a aceitar a hierar-
quia, a deferência e a subordinação como consequências inevitáveis do profis-
sionalismo, através do exercício destas relações durante a formação profissio-
nal; e são recompensados por assim procederem pela sua extraordinária autori-
dade sobre os leigos (1977: 95).

Considera, portanto, que, para além da componente coerciva e normativa


presente sob a forma de licenças e de disciplina profissional, há também uma
dimensão de consentimento.
Mas esta segunda parte do trabalho de Larson remete já para uma ou-
tra discussão ou debate suscitado em torno das respostas às questões do
poder das profissões: têm ou não têm poder, as profissões? Como tem sido
este poder afectado pelas mudanças sociais, económicas e culturais mais
recentes?

Profissionalização e domínio das profissões

A observação de modificações nos subsistemas sociais, culturais e económi-


cos das sociedades mais desenvolvidas fez emergir um debate estruturado
em torno das seguintes questões: as profissões mantêm actualmente o seu po-
der e centralidade, bem como os privilégios decorrentes ? Qual o sentido da
evolução das profissões ?
O debate separa aqueles que tendem a considerar a importância cres-
cente da ciência e do conhecimento científico nas sociedades mais avançadas,
e, portanto, das profissões enquanto forma de organização social, daqueles
outros que prospectivam a sua erosão.
Na tradição das teorias funcionalistas, que, como vimos, colocam em des-
taque o fenómeno das profissões,12 as teses do pós-industrialismo (Bell, 1976;
Galbraith, 1973; Touraine, 1970) relevam a crescente importância do conheci-
mento e o domínio de uma elite que controla o monopólio do conhecimento
científico, de uma classe profissional e técnica em termos gerais mais proeminen-
te, bem como a emergência de uma sociedade mais profissionalizada.

12 No capítulo 1, nomeadamente no texto já citado de Halmos (1973: 14), que observa a


expansão do ethos profissional, do humanitarismo, do desinteresse, do estilo de trabalho,
e a sua generalização a toda a sociedade, vendo as profissões como um veículo de integra-
ção social e de renovação moral, como uma força moral universal e integradora.
62 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Galbraith (1973) faz notar que o poder sobre a empresa produtiva — e,


por derivação, sobre a sociedade em geral — se deslocou radicalmente do fac-
tor de produção capital para um outro factor produtivo que é a tecnologia e o
planeamento sustentados na informação organizada.

Na realidade, o poder passou (…) para homens possuidores de diversos conhe-


cimentos e competências técnicas, requeridos pela tecnologia moderna e o pla-
neamento industrial. Estende-se desde a chefia da moderna empresa industrial
até bem próximo da força de trabalho, abrangendo grande número de pessoas e
grande variedade de conhecimentos. É da eficiência desta organização (…) que
depende o sucesso da unidade industrial (1973: 84).

Constituiu-se, assim, uma nova fonte de poder nas empresas e na sociedade


que o autor designa por tecnoestrutura. Neste mesmo sentido, Goldthorpe
(1982) refere a emergência de uma classe de trabalhadores de confiança na
qual é delegada autoridade e responsabilidade por determinadas funções e
que, por força dessa confiança, beneficiam de discrição e autonomia. Desta
classe fazem parte, por exemplo, os engenheiros.

O crescimento do que é aqui chamado como “classe de serviços” — a classe de


empregados profissionais, administrativos e dirigentes — é uma evolução nas
sociedades avançadas do Ocidente (1982: 162).

Esta nova classe tem em comum não apenas o capital cultural, isto é,
as elevadas qualificações e formação superior, como é assinalado pela
maior parte dos autores, mas uma específica forma de relação de trabalho
assente na confiança, na delegação de autoridade e assunção de respon-
sabilidades.

A estes empregados, aos quais é delegada autoridade, ou aos quais é atribuída


responsabilidade por funções específicas, são-lhes concedidas, portanto, algu-
mas áreas legítimas de autonomia e discrição. E deve então ser, por isso, num
clima de confiança que eles actuarão — isto é, que tomarão decisões, escolhe-
rão, julgarão, etc. — de forma consistente com as metas e valores da organiza-
ção. Ou seja, a forma como estes empregados actuam mais ou menos correcta-
mente do ponto de vista da organização dependerá, em aspectos cruciais, mais
do seu grau de compromisso moral para com a organização do que da eficácia
de sanções e recompensas “externas” (1982: 168).

Touraine (1980) identifica também uma classe dominante de tecnocratas, buro-


cratas e racionalizadores na sociedade pós-industrial que prefere designar de
sociedade programada, cujo recurso principal é o conhecimento e a informa-
ção, mas cujo poder lhes advém do uso que fazem do saber, isto é, da sua
O PODER DAS PROFISSÕES 63

participação no processo de modelização da sociedade, das alianças que vão


estabelecendo com o poder político dominante.

O organizador, o engenheiro são figuras centrais da sociedade industrial (…),


mas permanecem figuras subordinadas aos financeiros e aos dirigentes de
partidos. O tecnocrata é a figura central da sociedade programada e já não está
subordinado a quem quer que seja, pelo menos no nosso tipo político de socie-
dade. (…) O domínio tecnocrático arrasta uma transformação da estratificação
profissional, que deverá assim traduzir-se um dia por uma modificação das
categorias de descrição da população activa. (…) Na sociedade programada,
não é o estatuto profissional que é determinante, mas a relação com a organiza-
ção e a sua gestão (1980: 134-135).

Touraine salienta também que o progresso económico já não é determinado


pela acumulação do capital e a organização do trabalho.

Mas, cada vez mais pela investigação científica e técnica, pela formação e pelo
aperfeiçoamento profissionais, pela mobilidade das informações e dos factores
de produção, pelas capacidades de acção prospectiva (1970: 180-181).

Todavia, faz notar os perigos de uma ameaça tecnocrática, decorrentes do facto


de o seu poder ser um poder político que impõe ao conjunto dos outros acto-
res a sua concepção de sociedade, os seus objectivos e modos de evolução,
fazendo crer tratar-se do interesse geral.
Mas é sobretudo Bell (1976: 30) quem mostra a mudança de papel na
vida económica e o significado social do conhecimento na sociedade pós-
-industrial, em cujo conceito identifica cinco componentes:

— uma economia essencialmente produtora de serviços;


— a proeminência das classes profissionais e técnicas na distribuição
ocupacional;
— o princípio axial que é o conhecimento teórico, devido à sua centralida-
de nos processos de inovação e na formulação política da sociedade;
— o controlo da tecnologia e dos avanços tecnológicos que constitui a prin-
cipal orientação;
— e, finalmente, as tomadas de decisão assentes em novas metodologias
de raciocínio, numa nova “tecnologia intelectual”.

O autor considera que alguns destes componentes têm evidente suporte em-
pírico: na passagem da população activa da agricultura e indústria para os
serviços; no aumento das profissões científicas e técnicas, cujo desempenho
requer uma educação universitária; e ainda na alteração da relação entre ciên-
cia e tecnologia que actualmente domina a indústria moderna.
64 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

O conhecimento foi sempre necessário para o funcionamento de qualquer socieda-


de. O que caracteriza a sociedade pós-industrial é a mudança do carácter do pró-
prio conhecimento. O que passou a ser relevante para a organização das decisões e
da direcção da mudança foi o carácter central do conhecimento teórico — a prima-
zia da teoria sobre o empirismo e a codificação do conhecimento em sistemas
abstractos de símbolos que, como em qualquer sistema axiomático, se podem utili-
zar para iluminar áreas muito variadas e diferentes da experiência.
(…) Qualquer sociedade moderna subsiste agora pela inovação e o con-
trolo social da mudança e antecipa o futuro com o intuito de o planificar. Este
apego ao controlo social implica a necessidade de planificação e prognóstico na
sociedade. É a simples consciência da natureza da inovação que converte o
conhecimento teórico em algo tão crucial (1976: 34, 37).

Assim, considera o conhecimento o traço distintivo da sociedade pós-industrial,


e sublinha o crescente significado do conhecimento teórico: a primazia da teoria
sobre o empiricismo e a codificação do conhecimento num sistema abstracto de
símbolos; a emergência de novas indústrias muito dependentes do desenvolvi-
mento de conhecimento teórico; os homens da ciência como figuras dominantes
e os profissionais como uma nova classe emergente na nova sociedade legitima-
da pelo conhecimento e não pela propriedade, prevalecentemente orientada pe-
las normas do profissionalismo e não do auto-interesse económico.
Bell não antecipa a possibilidade de esta nova classe constituir um desa-
fio ou uma alternativa à autoridade burocrática industrial, sobretudo porque
considera que a sua fragmentação em quatro estratos (científico, tecnológico,
administrativo e cultural) inibe o desenvolvimento de identidades e solida-
riedades, apesar de partilharem o ethos marcado pelo princípio do altruísmo e
da valorização da aprendizagem ou do conhecimento. Não reconhece, por-
tanto, a existência do conflito profissões/organizações porque considera que
não só as áreas de gestão e administração se profissionalizaram, como argu-
menta que os estratos tecnológico e administrativo partilham o interesse pelo
planeamento, eficiência e racionalidade funcional; por outro lado ainda, con-
sidera que a centralidade do conhecimento teórico altera o relativo poder da
gestão, governo e ciência, residindo o poder mais em locais de interacção do
que em estratos (1976: 377).
Freidson critica Bell e outros autores que fazem decorrer a tendência
para a profissionalização e para o aumento de profissionais nas sociedades
actuais apenas do aumento do número de diplomados pelo ensino superior
na população activa, por considerar que tal critério é um mero artefacto ofi-
cial e não um fenómeno social concreto.

Este crescimento pode não reflectir mudanças significativas na verdadeira edu-


cação e qualificação requeridas para uma efectiva produtividade, pode não tra-
duzir, em suma, as necessidades tecnológicas de “centralidade do conhecimento
O PODER DAS PROFISSÕES 65

teórico” tão importantes na conceptualização, por Bel, de sociedade pós-indus-


trial. A definição de “profissional” pode assim referir-se mais à maneira como os
poderes na sociedade ou em organizações produtivas classificam tarefas do que
a natureza das próprias tarefas e a experiência de trabalho daqueles que as
executam (1994: 113).

E defende que o aumento ou diminuição das profissões apenas pode ser apre-
endido pelo aumento ou diminuição da difusão do princípio ocupacional de
organização do trabalho, isto é, pelo aumento ou diminuição de membros de
grupos ocupacionais com capacidade e com autonomia para organizarem o
seu trabalho.
Freidson (1994) salienta assim os efeitos da expansão do conhecimento e
do crescimento do número de profissionais capazes de aplicarem competên-
cias especiais e conhecimentos na resolução de mais problemas. Observa nas
sociedades mais desenvolvidas a crescente proporção de trabalhadores pro-
dutivos com elevados níveis de formação científica (knowledge-based workers)
e saberes abstractos, adquiridos através de longos períodos de formação em
instituições especializadas; a educação superior vocacional que proporciona
não apenas conhecimentos, mas constrói também identidades ocupacionais,
das quais resultam solidariedades ocupacionais entre os membros de uma
mesma competência especializada.
Estes trabalhadores desenvolvem um tipo de trabalho que responde a
necessidades organizacionais e têm capacidade de resistência à simplifica-
ção, fragmentação, mecanização ou outros modos de racionalização adminis-
trativa. Esta capacidade de resistir às pressões administrativas é reforçada
pelo grau de domínio monopolístico do mercado de trabalho da ocupação,
conseguido através do controlo sobre o recrutamento, a formação e o licencia-
mento dos membros. O seu poder estende-se à definição das tarefas, à deter-
minação das condições de qualificação para as realizar, bem como ao controlo
e avaliação das actividades.
Definindo as profissões de acordo com este princípio do poder e mono-
pólio ocupacional, analisar o futuro das profissões ou o sentido da sua evolu-
ção passa por identificar as variáveis que em cada caso podem afectar o grau
de controlo da ocupação sobre o seu próprio trabalho, e estas são: o grau de
especialização dentro da profissão e o aumento da complexidade na divisão do
trabalho.
De resto, Freidson considera que é difícil prever quantas mais ocupa-
ções adquirirão o estatuto de profissões.

Nas sociedades industrializadas, a tendência tem sido, de facto, licenciar, regis-


tar e certificar as profissões, dotando-as de monopólio no mercado de trabalho,
embora pareça não haver uma tendência para que as ocupações assumam
novas posições de domínio absoluto na divisão do trabalho (1994: 120).
66 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Ou até mesmo antecipar uma significativa expansão no número e funções das


profissões já estabelecidas:

A tendência parece conduzir à redefinição de ambos: função e jurisdição. (…)


A ocorrer uma a reorganização da jurisdição e das tarefas, o tema essencial de
análise do futuro das profissões consistirá na forma como isto vai acontecer,
quem guiará o processo e especificará as opções e quem o controlará (1994: 121).

Neste debate entre Freidson e os autores das teses do pós-industrialismo, é


muito evidente que estes últimos, para além das diferenças de perspectiva, se
situam em níveis de abordagem do fenómeno muito diferentes.
A partir das teses do pós-industrialismo e do paradigma do poder, que,
como vimos, têm em comum o facto de apontarem a centralidade do conheci-
mento na sociedade pós-industrial, vários autores, como Gouldner (1979) e
Perkin (1989), defenderão a emergência de uma nova classe, a classe profissio-
nal numa sociedade profissional.
Segundo Perkin (1989), esta nova classe não se limita a substituir a “plu-
tocracia de proprietários e capitalistas”, mas, de uma forma radical e subtil,
introduz novas formas de organização e estruturação social, impregnando
toda a sociedade:

[Uma sociedade profissional] baseada em capital humano e perícia especializa-


da, pode tornar-se tão extensa quanto o conjunto das pessoas aptas a prestarem
serviços qualificados e especializados. (…) O proprietário de capital humano
seria pois capaz, pelo menos em teoria, de afectar mais a estrutura social do que
o proprietário de terra ou de capital, podendo assim transformar a sociedade,
não de cima para baixo, mas a partir de dentro (1989: xii-xiii).

Assim, uma sociedade profissional é mais do que uma sociedade dominada


por profissionais — é uma sociedade imbuída do profissionalismo na sua
estrutura e no seu ideal, identificando o papel das profissões e do ideal profis-
sional — valorização da expertise e da selecção pelo mérito —, e o ideal de
cidadania — igualdade de oportunidades — como a origem do Estado-provi-
dência, cuja participação na economia e na vida social levou também à expan-
são das profissões.
Perkin, tal como Bell ou Gouldner, avalia o conhecimento e a expertise
como “capital” humano, cultural ou intelectual, considerando os processos
de aquisição de conhecimento e aprendizagem como “investimentos”. Mas,
enquanto estes autores atribuem ao “capital-conhecimento” um valor intrín-
seco, Perkin defende que este valor só é adquirido no mercado através de me-
canismos que o transformam num recurso escasso. Só o mercado permite
transformar o conhecimento ou expertise em resultados, retribuições ou ren-
dimentos. E, tal como Larson, argumenta que o mecanismo pelo qual as
O PODER DAS PROFISSÕES 67

profissões transformam um serviço em retribuições e privilégios é o controlo


profissional do mercado: quando uma ocupação profissional, por persuasão
activa do público e do Estado, adquiriu suficiente controlo do mercado de um
particular serviço, ficou criada uma escassez artificial na oferta, a qual tem o
efeito de aumentar os rendimentos, isto é, o pagamento pelo uso de um servi-
ço escasso.

A importância de tal bem para o profissional é que lhe dá tudo o que os ren-
dimentos da produção proporcionam aos seus possuidores: independência,
segurança, o direito a criticar sem medo das consequências e, portanto, uma posi-
ção segura a partir da qual pode defender o seu lugar na sociedade ou, se o quiser,
uma posição de influência a partir da qual pode mudar a sociedade ou uma parte
dela que lhe diga respeito. Sobretudo, dá-lhe segurança psicológica e autoconfi-
ança para incutir nas outras classes o seu ideal social, a sua visão da sociedade e
da forma como esta deveria ser organizada. O triunfo gradual do ideal profissio-
nal nos últimos cem anos (…), cimentou o caminho para a hegemonia do capital
humano e a emergência da sociedade profissional (1989: 8).

Outros autores, colocando também grande ênfase na raiz da intelligentsia cul-


tural, técnica e profissional, cuja ideologia e interesses reflectem a posse de
formação credenciada, mais do que a propriedade, inspirados no paradigma
marxista, apontarão a emergência (não de uma classe profissional, mas) de
uma nova classe trabalhadora.
Serge Mallet (1975), talvez o mais citado destes autores, considera que
aos trabalhadores em sectores de alta tecnologia, mais qualificados, com
maior segurança no trabalho e mais bem remunerados do que os de sectores
tradicionais (como os operários especializados da indústria de série), depa-
ram-se, nas situações de trabalho, maiores desafios, pelo que adquiriram
também maior autonomia, e realizam o seu trabalho em pequenos grupos ou
equipas que subvertem as distâncias hierárquicas tradicionais. Ora, sendo es-
tas novas formas de organização do trabalho medidas que visam o desenvol-
vimento de mecanismos de integração nas organizações capitalistas, têm o
efeito contrário de acentuar a experiência dos trabalhadores no que respeita
às contradições inerentes ao capitalismo. A mais importante contradição é
entre o posto e a organização; outra é a posição estratégica dos técnicos nas
indústrias muito dependentes do conhecimento científico e dos seus avanços
(science-based). Os técnicos, constituindo um staff indispensável e central no
processo de produção, podem conduzir todo este processo sem necessidade
do enquadramento burocrático, e a consciência deste facto transforma-os na
vanguarda da nova classe operária radicalizada.13
Neste quadro, a questão do conflito que opõe os profissionais à orga-
nização centra-se nos valores de que são portadores os protagonistas e na
legitimidade dos diferentes tipos de autoridade: por formação e cultura,
68 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

os profissionais seriam anticapitalistas; a subordinação da investigação,


do desenvolvimento e da difusão do conhecimento à lógica capitalista do
lucro seria vivida pelos profissionais como violação dos princípios de ele-
vada racionalidade e de orientação altruística implícitos no trabalho técni-
co e profissional e divulgados no período de formação destes estratos de
trabalhadores.
Mas se todos estes autores, defendendo a expansão da profissionaliza-
ção, da emergência de uma classe profissional ou de uma nova classe operá-
ria, têm em comum o facto de reconhecer o poder das profissões, nem todos
valorizam positivamente tal poder; alguns autores, dentro e fora do domínio
da sociologia das profissões, na linha de Touraine, que alerta para a ameaça
tecnocrática, destacam os efeitos negativos de tal dominação.
Ivan Illich (1975), por exemplo, salienta o efeito de expropriação de sabe-
res provocado pela concentração/monopólio do conhecimento no domínio
particular da saúde e dos médicos; Larson (1977), como vimos, aponta o poder
dos profissionais como gerador de exclusão e desigualdade social; Foucault
(1975) identifica a ciência como um dos elementos do aparelho de controlo e
disciplina e, portanto, instrumento de dominação; Derber e Schwartz (1988),
tal como Johnson (1972), encaram os profissionais, como partenaires juniores
dos capitalistas, num capitalismo “logocrático”, que contribuem para criar e
gerar a divisão do trabalho capitalista, defendendo os seus próprios interesses
de classe, retirando aos trabalhadores competência e autoridade, sendo assim
o seu domínio explicado pelos laços que os unem à classe dominante.
Também P. Bourdieu (1989a) considera que, sendo a designação de pro-
fissão tradicionalmente utilizada para referir conjuntos homogéneos de pes-
soas no que respeita à sua actividade, estatuto, formação e associação, o soció-
logo deve, na sua utilização como sistema de classificação, ter presente que se
trata de uma construção social de um grupo e de uma representação dos gru-
pos: apreende simultaneamente uma categoria social e uma representação
mental. Ora, enquanto classificação oficial, o sistema de profissões fixa hie-
rarquias e, ao fazê-lo, sanciona e consagra uma relação de forças entre os
agentes a respeito das normas de profissão e de ofício, componente essencial
de identidade social. Assim, o sistema de profissões constitui um campo de
poder simbólico, estruturado e estruturante, que cumpre a função política de
legitimação da dominação, contribuindo para assegurar a dominação de uma
classe sobre outra.

13 Sublinha-se a proximidade das teses de Veblen, que defendia também que os engenhei-
ros se revoltariam e tomariam o comando da vida económica não apenas pela sua capaci-
dade, mas também pela sua formação.
O PODER DAS PROFISSÕES 69

Desprofissionalização e proletarização

A questão do poder dos profissionais é, pois, atravessada por visões contradi-


tórias. Opondo-se às teses da profissionalização e da dominação, que atri-
buem aos profissionais um poder decorrente da crescente importância da
ciência e do saber profissional (Bell e Galbraith) ou um poder sobre a divisão
do trabalho no seu próprio domínio (Freidson), outros autores não só consi-
deram tal poder excessivo, como, em alguns casos, encaram os profissionais,
na esteira de Larson, como meros instrumentos passivos do capital, do Esta-
do, ou dos seus clientes, não lhes reconhecendo, de facto, a capacidade de
exercerem ou influenciarem a vida política e as instituições.

Foram Haug (1973) e Oppenheimer (1973), com as teses da desprofissio-


nalização e da proletarização, respectivamente, que suscitaram o debate, bem
como o desenvolvimento de alguns estudos empíricos tendentes a testar o
poder das profissões.
Segundo Haug (1973; 1975; 1977), fenómenos como a emergência de
actores/consumidores menos passivos e com maiores expectativas de parti-
cipação, a escolarização generalizada e universal, implicando uma melhoria
dos níveis educativos e informacionais dos indivíduos, a tendência para a
divisão do trabalho profissional (especialização) e para uma certa erosão
resultante da rotinização e codificação da informação, teriam como principal
consequência a perda, por parte dos profissionais, da confiança dos clientes,
a perda do poder, da autonomia e da autoridade — ou seja, uma tendência para
a desprofissionalização.
Haug constrói a sua tese da desprofissionalização, explicitamente, por
oposição às teses dominantes da profissionalização, que a autora considera que
se sustentam numa visão humanista da aplicação do conhecimento (são os
casos, nomeadamente, de Bell e de Freidson). Uma série de interrogações sobre
as sociedades actuais e a evolução das suas formas de organização levam-na a
colocar a hipótese alternativa, isto é, a desprofissionalização, mais do que a pro-
fissionalização, como um traço do futuro.

[Desprofissionalização seria] a perda, pelas ocupações profissionais, das suas


qualidades únicas, particularmente do seu monopólio do conhecimento, da
crença pública no ethos de serviço e das expectativas de autonomia no trabalho e
de autoridade sobre o cliente (1973: 197).

O contexto no qual ocorre a desprofissionalização do trabalho é o da crescente


divisão e especialização; o da erosão do monopólio sobre o conhecimento por
sucessivos processos de codificação, corporizados na tecnologia de computa-
dores; o ataque de paraprofissionais à existência de credencialismo; a cres-
cente visibilidade ou tomada de consciência de que os profissionais são, na
70 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

prática, menos humanistas e liberais e mais burocratas e tecnocratas; a cres-


cente crítica e responsabilização por parte dos clientes.
Haug considera que o papel reservado ao cliente por alguns autores,
nomeadamente Parsons, na relação cliente / profissional é demasiado silen-
cioso, de um mero recipiente passivo ou beneficiário dos serviços profissio-
nais, e vai tentar mostrar os efeitos combinados da acção dos clientes/consumidores
e da evolução tecnológica num contraprocesso de desprofissionalização que
envolve (i) a erosão do monopólio do conhecimento, (ii) a (des) confiança no
ethos humanitário dos profissionais, (iii) a perda de autonomia e autoridade,
bem como do respectivo estatuto.

1) O monopólio do conhecimento detido pelos profissionais estaria a ser


afectado por:
— difusão do conhecimento na sociedade e rápidas mudanças nos níveis
educacionais da população em geral;
— revalorização da componente do conhecimento profissional decorrente
da experiência empírica, passível de ser apreendida por indivíduos sem
formação académica e sobre a qual é difícil exercer qualquer monopólio,
dada a sua natureza fragmentada;
— processos de codificação dos conhecimentos decorrentes da necessida-
de de padronização das aprendizagens ou das aplicações.14
— a divisão do trabalho que emerge em muitos domínios profissionais no
sentido da especialização, constituindo uma outra ameaça ao exclusivo
do controlo profissional da informação.

2) A confiança e a imagem humanitária dos profissionais estaria a ser pos-


ta em causa devido a diversos movimentos de consumidores e outros
tipos de associativismo, reivindicando a responsabilização de profissio-
nais pelos seus erros, contestando a liberdade de experimentação e exi-
gindo regulamentação para experiências e ensaios de aplicação, e criti-
cando os profissionais pelo seu elitismo.

3) a autonomia e a autoridade dos profissionais estariam a ser postas em


causa por um movimento no sentido da maior participação dos clientes
nas decisões de profissionais, correspondendo este movimento à maio-
ridade dos clientes, à sua passagem de clientes a consumidores, dos

14 “O computador electrónico revoluciona o acesso ao conhecimento e a utilização deste,


devido à progressão geométrica da sua capacidade de armazenagem e da velocidade de
consulta. Não mais será necessário armazenar o conhecimento apenas na cabeça dos pro-
fissionais ou em bibliotecas especializadas, onde estão relativamente inacessíveis. Os co-
nhecimentos podem estar acessíveis não só aos que sabem, mas também aos que sabem
como consegui-lo” (1975: 205).
O PODER DAS PROFISSÕES 71

quais se espera que questionem, comparem e ouçam todos os conselhos


com cepticismo; mas correspondendo também a uma sociedade mais
igualitária, na qual as distinções entre profissionais e outros trabalha-
dores deixe de ter sentido.

Para Haug, o desaparecimento das “profissões” não significa o desaparecimento


de experts. Aautora reconhece que nas sociedades industriais complexas é neces-
sária uma divisão do trabalho e diferenciadas competências distribuídas pela
população, mas estabelece uma diferença conceptual entre expert e “profissio-
nal” em termos de poder e autonomia: pode solicitar-se a opinião, as recomenda-
ções e o parecer de experts e depois decidir, tomando ou não em consideração o
parecer dado, o que é muito diferente no caso dos profissionais, em que se sente
compulsão social para aceitar o seu ponto de vista como a última palavra. Com o
tempo os profissionais poderão dar lugar a experts, com os clientes em posição de
seleccionar alternativas, encarados mais como consumidores do que como pa-
cientes ou clientes passivos (Haug, 1977).
Apesar deste salto final em que Haug parece repor a centralidade do co-
nhecimento e da expertise, a sua tese de tendência para a desprofissionaliza-
ção assenta naquilo a que se pode chamar mecanismos de desqualificação dos
profissionais, de perda ou transferência de conhecimentos e saberes, seja para
os consumidores, o público em geral, os computadores ou os manuais.
Os saberes tradicionais estariam a ser atingidos internamente (explosão
do saber e aparecimento dos especialistas, provocando uma crescente codi-
ficação e estandardização do conhecimento — o uso de informação compu-
tadorizada, por exemplo — e podendo ser dispensado o poder profissional)
e externamente (revalorização também crescente da experiência face ao
saber), pondo em causa os grupos que detêm monopólios de conhecimento
e actividade.
Resumindo, segundo a autora, vários factores se conjugam para a desqua-
lificação dos profissionais e decorrente perda de poder e protagonismo:

— a massificação e aumento numérico de diplomados, associados à perda


de qualidade do ensino (menos abstracto e esotérico), ao excesso de
oferta, à ocupação de posições de menor complexidade técnica e menor
autonomia;
— o desenvolvimento das especialidades e a aplicação de novas tecno-
logias associadas a processos de codificação do conhecimento, a uma
maior divisão, rotinização e perda de controlo dos processos de
trabalho;
— por outro lado, o aumento da participação política e dos níveis de co-
nhecimento da população em geral associado à redução das diferenças
de conhecimento entre os profissionais e os clientes, ao decréscimo da
confiança absoluta nos princípios científicos, ao desenvolvimento de
72 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

reacções à autoridade baseada no conhecimento, generalizando-se o


desejo de controlo sobre as profissões.

Vários são os autores que tecem críticas a Haug e às teses da desprofissionalização.


Chauvenet (1988) precisa que os efeitos dos fenómenos que afectam a organi-
zação do trabalho dos profissionais em grandes organizações não são a des-
qualificação e a desprofissionalização, mas antes a introdução de uma hierar-
quia de status no próprio grupo profissional, ou seja, a sua estratificação e hie-
rarquização internas. Por outro lado, Greer (1982) e Couture (1988) salientam
que sobrequalificação e desqualificação são as duas faces da mesma moeda.
Os efeitos são diferenciados dentro da mesma profissão, sendo necessário ob-
servar o conjunto da divisão do trabalho na área profissional. Assim, as alte-
rações ao nível técnico e de evolução dos conhecimentos implicam processos
de negociação, de reposição da relação de forças, e as repercussões sobre os
membros da profissão em diversos meios de trabalho serão multiformes.
Por outro lado, segundo Bourdieu, a vulgarização dos conhecimentos
não produz o efeito de reapropriação social em detrimento do monopólio dos
profissionais, nem tem o efeito de deslocar a fronteira entre leigos e profissio-
nais. Estes, impelidos pela lógica da concorrência no seio do campo, tendem a
aumentar a cientificidade para conservar o monopólio e escapar à desvalori-
zação social, tendem a reforçar a autonomia e a separação dos profanos au-
mentando a tecnicidade das suas intervenções (1989: 235).
Freidson tece também acesas críticas a Haug, apontando como princi-
pais falhas da sua tese o facto de a autora:

— enfatizar a importância dos consumidores, dos seus movimentos e ex-


pectativas, sem que isso seja acompanhado da análise e observação
efectivas do trabalho dos profissionais;
— identificar os fenómenos culturais e políticos, ignorando os económicos
e organizacionais;
— assumir que a realidade do início dos anos 70 persiste e é uma realidade
estática, quando, por um lado, grande parte dos movimentos de consu-
midores entraram em colapso e, por outro, o público tem mais conheci-
mentos gerais e não especializados, mas uma vez que os conhecimentos
especializados dos profissionais aumentaram também muito, man-
tém-se, no geral, uma distância grande entre profissionais, leigos e
consumidores.

Nós acrescentaríamos que, sobretudo, falta comprovação empírica para gran-


de parte dos pressupostos apresentados por Haug. Mas desde já se pode con-
cluir que, de facto, decorridos quase 20 anos sobre a elaboração das suas teses
se verifica que vários grupos profissionais, nomeadamente os médicos, exem-
plarmente referidos pela autora, no geral mantiveram o monopólio sobre
O PODER DAS PROFISSÕES 73

vastos campos do conhecimento, bem como os saberes práticos. No que respei-


ta ao prestígio e respeito, bem como à aura humanista, faltam não só os factos,
como os argumentos.
Outra das teses de tendência é, como vimos, a da proletarização. O au-
mento do assalariamento e a entrada dos profissionais em organizações teri-
am como principal consequência a proletarização técnica — perda de controlo
sobre o processo e o produto do seu trabalho — e/ou a proletarização ideológica
— que significa a expropriação de valores a partir da perda de controlo sobre
o produto do trabalho e da relação com a comunidade.
Oppenheimer (1973) descreve os profissionais como estando a transfor-
marem-se num novo proletariado: o assalariamento, num contexto em que as
novas tecnologias e as condições de trabalho não favorecem o labor liberal,
implicaria a perda de privilégios e a aproximação dos profissionais, em ter-
mos de atitudes, valores e comportamentos, ao mundo dos operários.
O autor importa das teorias marxistas o conceito, defendendo a tese
segundo a qual, nos mais elevados estratos de emprego técnicoprofissional,
os trabalhadores profissionais autónomos estão a ser substituídos por tra-
balhadores proletarizados. Por trabalho proletarizado, no contexto dos
estudos sobre profissões, o autor entende uma forma de trabalho “ideal
tipo” (um modelo ao qual os casos concretos se podem aproximar mais ou
menos, isto é, ocupar uma posição num continuum em direcção ao tipo
ideal), na qual ocorre uma extensiva divisão do trabalho, realizando o traba-
lhador apenas uma ou um pequeno número de tarefas, no total do processo.
As características do posto de trabalho, a natureza do produto e as condi-
ções são determinadas por autoridades exteriores ao grupo profissional, públi-
cas ou privadas. A principal fonte de rendimento do trabalhador é o salário
que é determinado em larga escala pelas condições do mercado e os proces-
sos económicos, incluindo a negociação.
Por profissional, o autor designa o outro pólo do continuum com caracte-
rísticas opostas à do trabalho proletarizado.

O trabalho profissional é aquele no qual há discrição e julgamento pelo traba-


lhador, que não é facilmente padronizado e para o qual são requeridos elevados
níveis de formação. Só estes continuam como memória do critério primeira-
mente associado ao significado de “profissional” (1973: 214).

Segundo o autor, as profissões estabelecidas, como os médicos, os engenhei-


ros e os advogados, mas também as semiprofissões, como, por exemplo, os
enfermeiros, por força da sua existência num contexto burocrático, estão a ser
atingidas por este processo de proletarização. Os principais factores incenti-
vadores do assalariamento seriam a excessiva oferta e a massificação do ensi-
no, mas também o crescimento do aparelho de Estado com correspondente
capacidade de absorção de profissionais.
74 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

O conceito de proletarização designa também o declínio de competências


e qualificações e da autonomia do trabalho dos profissionais, resultante dos
esforços administrativos e burocráticos para melhorar o controlo sobre o pro-
cesso produtivo (e não da acção dos consumidores ou dos processos internos
de especialização e evolução tecnológica, como era suposto no conceito de
desprofissionalização).
Nas teses da proletarização, o acento é colocado na fragmentação,
desqualificação e rotinização provocadas pela acção do poder burocrático-
-administrativo capitalista: os profissionais, por força do assalariamento,
transformam-se em trabalhadores especializados incapazes de escolher os
seus próprios projectos ou tarefas e forçados a trabalharem a ritmos e com
procedimentos institucionalizados na descrição de postos ou funções ou nos
padrões de operação das organizações.
Uma permanente e importante referência dos autores que defendem
tais teses é Braverman (1974), que estabelece um paralelo entre os processos
de proletarização dos operários de ofício no início do século e o actual proces-
so de proletarização de profissionais. Defende que, então como agora, o po-
der administrativo/burocrático criou uma crescentemente especializada e
fragmentada divisão do trabalho, cujo controlo é assumido pela gestão, alie-
nando conhecimento e poder sobre o processo de produção dos profissionais.
Argumenta que o desenvolvimento das sociedades modernas capita-
listas tem desqualificado os trabalhadores qualificados e degradado os seus
valores, a dignidade das suas tarefas e a identidade e autonomia que o ca-
racterizavam. O resultado é a alienação no trabalho. O controlo sobre as ta-
refas é retirado aos trabalhadores, recolocado nas máquinas e subordinado
ao controlo administrativo e gestionário. Braverman considera que são três
os princípios da lógica capitalista presentes nestes processos de organiza-
ção do trabalho:

— o aumento da produtividade por divisão da produção em sucessivas fases


e tornando cada uma das fases em postos de trabalho realizados por di-
ferentes trabalhadores;
— os custos do trabalho e o imperativo capitalista de transformar, dividin-
do o trabalho complexo em simples e rotinizado, por forma a baixar os
seus custos;
— a procura de maximização do controlo sobre os trabalhadores minimi-
zando a dependência deles.

Assim, a gestão retém o conhecimento do processo de produção, reduzindo


os trabalhadores a meros executantes do trabalho. Reorganizando o trabalho
em postos de baixo perfil e sem conteúdo conceptual, a maioria dos trabalha-
dores fica dependente da gestão, resultando de todo este processo a degrada-
ção e alienação do trabalho.
O PODER DAS PROFISSÕES 75

Em Braverman (1974), a tendência para a desqualificação é dominante


no conjunto da economia capitalista, uma vez que mesmo os postos altamen-
te qualificados que são criados até por força do próprio processo de desquali-
ficação, do processo de separação entre execução e concepção, são em núme-
ro muito reduzido e tendem com o tempo para ser eles próprios atingidos por
processos de desqualificação.
Derber (1982), partindo dos contributos de Oppenheimer acerca da perda
de privilégios económicos tradicionais por parte dos profissionais, contesta que
estes se constituam como uma nova classe de trabalhadores assalariados sem au-
tonomia e sem poder. O autor explica que os actuais contextos de trabalho de
profissionais, sejam eles públicos ou privados, em situação de independência ou
de assalariamento, são ambientes híbridos nos quais se mistura o poder formal
do capital com os poderes informais baseados no conhecimento. Os profissiona-
is parecem-se cada vez mais com os outros trabalhadores assalariados, legal-
mente submetidos ao controlo administrativo e sem contestar a legitimidade do
capital mesmo em nome do saber.
O conhecimento, tal como o capital e o trabalho, é um dos três elementos
ou recursos económicos essenciais a toda a produção e quando, como o capi-
tal, é concentrado e monopolizado, os trabalhadores ficam na dependência
dos seus monopolizadores. Assim, a monopolização do conhecimento dá ori-
gem ao surgimento de um poder de classe “logocrático”, poder baseado no
conhecimento a partir do qual os experts estruturam a divisão do trabalho em
seu benefício ou segundo os seus próprios interesses e exploram os trabalha-
dores não qualificados política e economicamente.
Dado que a maior parte dos profissionais trabalha em grandes em-
presas ou organizações burocráticas,15 a sua dependência face aos empre-
gadores limita a sua capacidade de agir de maneira autónoma — os profis-
sionais aceitam o conjunto do quadro capitalista, incluindo o controlo pelo
empregador.16
Os profissionais procuram colonizar as organizações criando as “logo-
firmas” internas e, ainda que não controlem a organização, tendem a parti-
lhar entre si uma autonomia considerável, um poder de supervisão sobre a
própria organização do trabalho e a direcção da empresa: são em parte traba-
lhadores e em parte administradores; perdem o controlo dos fins, mas man-
têm o dos meios numa espécie mitigada de proletarização ideológica.

15 Derber designa as organizações de profissionais por logofirmas, nas quais aqueles se reú-
nem; estas transformam a hierarquia capitalista tradicional, mas não criam uma demo-
cracia organizacional, porque os não profissionais não têm o poder na logofirma, tal
como não têm nas outras organizações. Nelas substitui-se a direcção capitalista por uma
direcção de profissionais.
16 O autor considera que um profissionalismo mais ambicioso e consciente da sua posição
de classe poderia ter procurado mais explicitamente a afirmação de uma nova ordem na
qual o conhecimento, mais do que o capital, possuiria o controlo económico.
76 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

A entrada maciça de profissionais nas organizações sugere a emergên-


cia de um eixo paralelo de dominação de classe nas empresas capitalistas: o
conhecimento desenvolve-se paralelamente ao capital, como uma segunda
fonte de poder e de exploração num capitalismo logocrático. No interior do
sistema, o conjunto tradicional dos poderes, direitos e privilégios associados
à classe dominante são repartidos entre duas classes.
Assim, apesar da semelhança dos profissionais com os outros emprega-
dos, os primeiros utilizaram o monopólio do conhecimento para alcançar
posições de classe e, ainda que não detenham um controlo formal sobre o
capital, partilham com capitalistas a autoridade nos níveis inferiores e mé-
dios das hierarquias. Os profissionais não constituem uma ameaça potencial
à autoridade do capitalismo, são os seus partenaires que, prosperando, refor-
çam as relações de classe existentes.
Finalmente, ainda nesta linha de pensamento, Boreham (1983) actua-
liza as teses da proletarização e apresenta o quadro conceptual mais elabo-
rado, construído a partir da crítica directa às teses da profissionalização
em geral e ao trabalho de Freidson em particular. Em primeiro lugar, o au-
tor contesta as teses da centralidade do conhecimento, fazendo depender o
poder das profissões da congruência dos seus saberes com as necessidades
do capitalismo e dos processos de controlo social. Em segundo lugar, con-
testa alguns dos pressupostos das teses da crescente profissionalização,
socorrendo-se de quadros interpretativos dos estudos das organizações.
Vejamos então.
Recordando que Freidson faz depender a autoridade profissional da
institucionalização do conhecimento, da qual decorre a organização dos pri-
vilégios profissionais, entre os quais, o controlo sobre o próprio trabalho,
Boreham argumentará que a institucionalização do conhecimento está rodea-
da, à partida e no processo da sua construção, de um sistema de crenças, atitu-
des e valores dos quais não pode ser isolada.17 E tal como havia já sido defen-
dido por Jamous e Peloille (1970) e por Johnson (1972), o autor considera que a
margem de indeterminação presente nos processos de conhecimento e nas
possibilidades de aplicação não é inteiramente cognitiva.

17 Segundo o autor, as competências e propriedades técnicas estão imbuídas na matriz do seu


próprio processo social, que faz com que os profissionais acreditem no carácter complexo do
seu trabalho e na necessidade de arbítrio/discrição na aplicação de padrões ou normas,
reclamando, por isso, níveis elevados de independência, desenvolvendo mecanismos de
incerteza sobre o conhecimento-base e negando, portanto, a possibilidade de rotinização e
codificação. Por outro lado, é a própria aplicação do conhecimento que é também envolvida
em processos sociais: (1) as características sociais dos membros que determinam como o
conhecimento deve ser utilizado, inclusões e exclusões, normas de comportamento profissi-
onal, etc.; (2) áreas insusceptíveis de estandardização, através da articulação entre o génio
individual, as competências não transferíveis e a indeterminação cognitiva.
O PODER DAS PROFISSÕES 77

É importante sublinhar que a indeterminação não é, na origem, inteiramente


cognitiva. É uma dimensão subjectiva da ideologia profissional que pode ser
desenvolvida e enfatizada na medida em que a racionalização e a especializa-
ção corroem a autonomia de certas profissões (1983: 698).

Mas o facto de a margem de indeterminação na actividade dos profissionais


estar ela própria imbuída numa matriz de forças sociais, assim como o de as
instituições de formação e de selecção serem também produto de forças
sociais, faz com que o valor da produção esperada dos profissionais seja
garantido por uma mistura de competências técnicas e qualidades sociais,
conduzindo a actividade das profissões a uma contradição central.

As diligências contraditórias em que tanto as pressões para a racionalização como


a ênfase na indeterminação estão em conflito, reflectindo dinâmicas sociais alarga-
das no âmbito dos quais o processo de produção profissional é cada vez mais codi-
ficado e tornado mais acessível na base de procedimentos técnicos, enquanto, em
simultâneo, há pressões em sentido contrário para manter o controlo apelando a
valores exteriores ao domínio da racionalidade cognitiva (1983: 699).

Esta dialéctica/tensão/conflito entre indeterminação e tecnicalidade man-


tém-se aberta e intensifica-se sob o processo de produção capitalista, uma vez
que é acompanhada de:

— tentativas de exercer controlo administrativo ou burocrático sobre a


produção profissional através de intervenções técnicas;
— conflitos internos na profissão resultantes da competição de paradig-
mas e da imposição das inovações às elites:18

O poder das elites profissionais reside na monopolização de símbolos de legiti-


midade e estes são, precisamente, os símbolos menos abertos a contributos ino-
vadores que se localizam em áreas definidas pela racionalidade cognitiva e
técnica (1983: 700).

Assim, contestando a tese de Freidson acerca da institucionalização do co-


nhecimento, Boreham (1983) conclui que a legitimidade reclamada pelas eli-
tes profissionais depende das estruturas de poder, do contexto social que con-
diciona o sucesso do processo de indeterminação, existindo nas sociedades
capitalistas a necessidade de congruência do conhecimento aplicável com as
exigências do capital. E defende 19 que são estas condições que devem ser

18 A este propósito veja-se Gouldner (1979), cujo trabalho de investigação analisa justamen-
te o confronto de paradigmas no interior das profissões, bem como os processos de inte-
gração das inovações por parte das elites.
78 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

analisadas, uma vez que permitem identificar as profissões como elemen-


tos-pivô, como suporte dos mecanismos de regulação capitalista no processo de
trabalho, bem como nos processos de controlo das estruturas sociais e políticas.
Especifica então que as pré-condições sob as quais as profissões adqui-
rem poder para se proteger da autoridade administrativa e estabelecer um
grau de controlo sobre a divisão do trabalho são: (i) o papel das profissões na
sociedade capitalista e (ii) a aplicação do conhecimento especializado ao ser-
viço das estruturas de poder social.
Na crítica que desenvolve em relação às teses da profissionalização, que
elegem as profissões como formas de poder alternativas às formas de poder
administrativo-burocrático e que lhes reconhecem capacidade para resistir
aos processos de racionalização, o autor recorre a outros quadros teóricos do
domínio das organizações: (i) as organizações são elementos da estrutura
mais vasta, os quais reflectem e da qual derivam a sua existência; são o locus
de contradições sociais entre a relação e meios de produção, o processo da
divisão social de trabalho e dos mecanismos de reprodução de classe dentro
do processo de produção; (ii) a estrutura formal de autoridade em determina-
da organização que reparte poder administrativo e poder profissional tem
causas nas quais deve repousar a análise do poder nas organizações.
Considerando estes dois princípios, o autor não reconhece às profissões
nem a capacidade de criar efectivos obstáculos aos processos de racionaliza-
ção que o poder administrativo tenta implementar, nem a capacidade para
constituir um poder alternativo à autoridade administrativo-burocrática,
pela autoridade do conhecimento institucionalizado.
Por outro lado, no que respeita às teses que apontam o aumento do número
e da influência dos grupos profissionais, bem como a crescente penetração nas
estruturas de poder social desta nova classe, como indicadores da tendência
para a profissionalização, Boreham (1983) considera que o tantas vezes propala-
do aumento do número e da influência das profissões mais não é que um artefac-
to estatístico, a criação e manipulação de categorias nas estatísticas oficiais de
emprego, das quais não se pode deduzir que todos os indivíduos que cumprem
determinados níveis de formação beneficiam ou possuem todos os outros traços
que permitam classificá-los como profissionais.
Isto não só porque os requisitos das performances do sistema produtivo
são escassamente contemplados no sistema educativo, como também o facto
de o aumento da profissionalização baseado em dados dos censos reflectir,
mais do que a realidade, as tentativas de controlo das ocupações profissio-
nais. E dá o exemplo de profissões como a de engenharia, na qual o sucesso
profissional depende mais de carreiras burocráticas do que de carreiras ou da
realização de trabalho técnico.20

20 Tal como Johnson (1972).


O PODER DAS PROFISSÕES 79

Nestas circunstâncias, as hierarquias profissionais constituem uma estrutura de


recompensas simbólicas imposta pela gestão, que muitas vezes serve para obscu-
recer a realidade de carreiras bloqueadas ou sem sucesso de profissionais/
/gestores (1983: 708).

Para concluir, Boreham identifica no fenómeno das profissões uma dupla


dinâmica entre a profissionalização e a proletarização: as profissões podem
desenvolver estratégias de controlo alternativo selectivamente; a dimensão
de tecnicalidade tende a ser aplicada àqueles indivíduos que são periféricos
às funções centrais da organização, enquanto o processo de indeterminação é
localizado naqueles níveis da organização que são mais contingentes estrate-
gicamente para o processo de produção. E assim se distancia das teses mais
lineares, apontando já para um quadro de complexidade e diversidade no
interior das profissões que potencia a multidireccionalidade dos processos de
evolução das profissões.
Freidson (1994), num texto recente, critica tanto as teses do declínio pro-
fissional, que sublinham o poder dos profissionais, como as da dominância,
que desvalorizam e avaliam negativamente esse mesmo poder. Na sua opi-
nião, as mudanças que ocorreram nas profissões nas últimas décadas não po-
dem ser adequadamente percebidas com conceitos como os de proletarização
e desprofissionalização.
O autor considera que as instituições básicas utilizadas pelos profissio-
nais para manter o controlo sobre a formação e sobre as condições da activida-
de se mantêm intactas e que a natureza do poder profissional não foi grande-
mente afectada; as mudanças respeitam, sobretudo, à estrutura de poder den-
tro das profissões, tendo-se gerado uma maior formalização nas relações es-
tabelecidas no interior e exterior da profissão, com consequências ao nível da
estratificação e segmentação formal do grupo profissional — elite adminis-
trativa, elite do conhecimento, executores.
A integração de profissionais em organizações em situação de assala-
riamento condiciona a possibilidade de exercício profissional indepen-
dente, de forma diferente nas várias profissões. Isso mesmo é muito evi-
dente no facto de grande parte dos membros de profissões ocuparem cor-
rentemente posições de supervisão, gestão e execução; muitos profissio-
nais em organizações têm na sua hierarquia empregados com credenciais
profissionais e acontece o trabalho de profissionais ser delineado e progra-
mado por membros da mesma profissão. Pode concluir-se que a integra-
ção dos profissionais em organizações apresenta quadros muito diferen-
ciados entre si, de grande complexidade, que está longe de poder ser apre-
endida de forma linear.

20 Exemplo que vai buscar ao estudo de Ritti (1968).


80 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Por outro lado, o estatuto formal de auto-emprego não pode ser toma-
do, por si só, como um indicador da capacidade de as profissões dominarem
os termos, as condições e os objectivos do seu trabalho. O facto de se ser assa-
lariado ou independente não é uma medida do poder profissional, nem do
controlo sobre o próprio trabalho.
A estrutura do mercado e a organização das empresas varia na forma
de determinar o conteúdo, as condições e os objectivos do trabalho dos
profissionais.

O facto de as competências profissionais terem carácter discricionário e serem


transferíveis de um contexto de trabalho para outro, em vez de serem firm-
-specific em si próprias, reduz a dependência de uma única instituição de em-
prego, particularmente quando o credencialismo e os esforços para limitar a
oferta de profissionais mantêm a procura elevada, e quando os recursos são
abundantes (Freidson, 1994: 42).

Mais do que o poder das profissões, o que de facto pode ser afectado é o seu
lugar no mercado, a sua relação com este e a importância ou centralidade dos
produtos ou serviços produzidos pelos profissionais, afectados não só pelos
recursos disponíveis na economia em geral, mas também por decisões econó-
micas do Estado ou da economia privada. Todavia, Freidson considera que,
mesmo neste domínio, são muitos os casos em que as profissões têm elas pró-
prias capacidade de influência nas decisões de investimento.

Teses de tendência: comprovação empírica

As principais críticas às teses de tendência, sejam as relativas à dominação ou


as relativas ao declínio das profissões, incidem sobretudo na falta de compro-
vação empírica dos seus principais pressupostos. Na realidade, os autores
proponentes das teses não desenvolveram, no geral, investigação empírica;
no entanto, muitos estudiosos das profissões aprofundaram o debate e procu-
raram comprovar, contestar e até desenvolver as teses de tendência.
Em primeiro lugar, referiremos alguns dos trabalhos de investigação
empírica centrados nas teses de tendência para a desprofissionalização, pro-
letarização ou profissionalização dos engenheiros21 e, em segundo lugar,
aqueles que contribuem para a discussão da tendência, com o estudo da si-
tuação de outros profissionais em organizações.
Carchedi (1977) (Inglaterra), Bauer e Cohen (1980, 1982) e Lasserre
(1984, 1989) (França) procuram confirmar as teses da desprofissionalização,
ou seja, a perda de poder dos engenheiros decorrente da crescente tayloriza-
ção do trabalho intelectual, da modificação e fragmentação de tarefas de en-
quadramento, da redução dos seus conteúdos e da degradação das condições
O PODER DAS PROFISSÕES 81

de trabalho; referem ainda, como indicador dos estreitos limites do saber pro-
fissional, a cristalização do conhecimento em manuais e em “bíblias” existen-
tes nas grandes organizações, em todas as áreas, que especificam com grande
precisão como devem ser formulados e resolvidos os problemas e conside-
ram que o crescimento do sindicalismo entre os profissionais é também um
indicador importante. Na linha de Larson, tanto Bauer e Cohen como Lasser-
re22 concluem que, nas grandes organizações, resta aos engenheiros apenas
uma ilusão de saber e de poder.
Mas no que respeita à questão do poder profissional dos engenheiros,
cuja actividade é predominantemente desenvolvida em organizações em
situação de assalariamento, o que, como vimos, inspirou algumas das teses
de tendência, os mais recentes estudos empíricos foram desenvolvidos por
Derber e Schwartz (1988; 1990; 1992), Meiksins (1982), Watson e Meiksins
(1989, 1991) e Smith (1987), mas também Crawford (1984; 1987; 1989), Whal-
ley (1984), Zussman (1984),23 Duprez (1993a) e Duprez et al. (1991) e, apesar,
das diferenças de abordagem, estes observadores são unânimes em criticar a
linearidade e inadequação dos conceitos das teses de tendência, consideran-
do que, seja por razões decorrentes da persistência de zonas de indetermina-
ção na actividade profissional, ou decorrentes da necessidade de as empresas
terem trabalhadores de confiança, ou ainda, da sua dependência do conheci-
mento esotérico detido pelos profissionais, os engenheiros mantêm nas orga-
nizações largas margens de poder e autonomia que lhes permitem algum
protagonismo.

21 Não se dá neste trabalho grande relevo à comprovação das teses da formação da “tecno-
estrutura”, da emergência de uma “classe profissional” ou de uma “nova classe trabalha-
dora” pelo facto de as mesmas, embora constituindo uma referência permanente, se
terem mantido, no geral, mais ao nível da especulação teórica e política do que como
objecto de investigação sociológica. A questão da “nova classe trabalhadora” ficou prati-
camente restringida à Europa, mais exactamente à França, tendo sido alimentada por
alguns estudos sobre os quadros (cadres), categoria social da qual os engenheiros são o
principal esteio: “Os engenheiros constituirão o núcleo duro à volta do qual os outros
[quadros] se vão agregar e construir a sua identidade” (Boltanski, 1982: 6). E, apesar da
sempre assinalada heterogeneidade do grupo, Bachy (1971) detecta entre eles a tomada
de consciência de comunidade de interesses mais global entre o conjunto de assalariados
e de simples produtores de que fazem parte; tal como Groux (1983; 1988), que considera o
aumento do sindicalismo, bem como as práticas sociais dos sindicatos de quadros, um
indicador dessa mesma tendência. Pelo contrário, Benguigui e Monjardet (1968; 1970;
1973) relevam justamente as tendências para a profissionalização deste grupo social.
Mas o mais completo trabalho é realizado por Boltanski (1982), que mostra como, em que
condições sociais, políticas e económicas, os quadros se transformaram em grupo social
(1982: 476-489), constituindo eventualmente uma “terceira força”, cujo potencial é sobre-
tudo conservador/integrador.
22 Lasserre (1984) considera que este processo de erosão do poder profissional dos engenheiros
conduziu alguns deles, em sectores de actividade de ponta, a uma integração crescente no
universo social e ideológico dos assalariados e ao desenvolvimento de atitudes e comporta-
mentos de oposição em relação às organizações e ao poder administrativo.
82 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Derber e Schwartz (1988; 1992) realizaram estudos empíricos, junto de


profissionais integrados em organizações, destinados a medir certos parâme-
tros de profissionalização, como a autonomia, a autoridade, a satisfação no
trabalho, o conflito e a identificação com os objectivos da organização. A con-
clusão geral do estudo aponta o facto de a proletarização dos profissionais
não ser uma consequência necessária do assalariamento e ocorrer em parale-
lo com processos de concentração de poder em alguns dos seus segmentos.
Vejamos.
Os resultados obtidos no estudo junto de cerca de setecentos profissionais,
mostram que, quanto à autonomia, os profissionais em organizações ou assala-
riados sentem que mantêm um alto grau de controlo sobre a selecção de casos ou
clientes, horas e ritmo de trabalho, técnicas e procedimentos empregues. Mas, se
o seu estudo não detectou perdas importantes de autonomia e autoridade, dá
conta da perda de prerrogativas importantes como a avaliação do trabalho e do
rendimento; o número de tarefas e tempo de realização. É a partir destes resulta-
dos que Derber distingue os dois conceitos derivados do conceito marxista de
proletarização, a proletarização técnica e a proletarização ideológica, conside-
rando que é esta última que atinge os profissionais assalariados, traduzindo-se
na perda de valores e de sentido do próprio trabalho, de controlo sobre o produ-
to do seu trabalho e do contacto com os clientes.
Mesmo Meiksins (1982), talvez o mais crítico das teses do poder profis-
sional, num texto em que procura analisar os efeitos das mudanças ao nível
dos processos de produção na situação de trabalho dos engenheiros, sublinha
sobretudo a ambiguidade que continua a caracterizar tal situação.

Entendo que não devemos cair na aceitação acrítica do argumento de que os


engenheiros estão lentamente a ser “proletarizados”, isto é, a desqualifi-
car-se e a ser assimilados pela classe trabalhadora tradicional. Apesar da evi-
dência real que pode ser aduzida como suporte a este ponto de vista, deve-
mos ser sensíveis à ambiguidade da posição socioestrutural do engenheiro,
uma ambiguidade que, por várias razões, é provável que persista por mais
algum tempo (1982: 122).

23 Os trabalhos de Zussman, Whalley e Crawford inserem-se num vasto projecto de investi-


gação elaborado e dirigido pelo sociólogo norte-americano Allan Silver. Trata-se de uma
pesquisa comparativa entre países altamente industrializados — EUA, Inglaterra e Fran-
ça —, cujo objectivo é verificar a validade de teorias sociológicas acerca das consequên-
cias da evolução tecnológica e da emergência de indústrias de base científica sobre a
estrutura social e a estabilidade das sociedades avançadas, tomando como objecto o
grupo profissional dos engenheiros e quadros técnicos. Os autores seguem metodologias
e técnicas de investigação similares, tendo cada um deles publicado os resultados relati-
vos ao país que estudou. Embora estejam já publicados alguns artigos contendo análises
comparativas sobre temas parciais incluídos na pesquisa, não está ainda disponível
nenhuma publicação que dê conta dos resultados globais do projecto.
O PODER DAS PROFISSÕES 83

E, mais tarde, Watson e Meiksins (1989, 1991) utilizam os resultados de um


inquérito junto de oitocentos engenheiros de Nova Iorque, com o objectivo de
avaliar a capacidade dos profissionais para manter a autonomia em contextos
organizacionais e, por outro lado, analisar a relação entre diferentes níveis de
autonomia e a satisfação no trabalho. As conclusões confirmam a importân-
cia da autonomia profissional, embora levem os autores a distanciarem-se
das teses de Freidson, uma vez que identificam também uma excessiva docili-
dade na aceitação dos constrangimentos organizacionais.

Os engenheiros são capazes de definir como “legítimos” os constrangimentos


com que vivem. (…) os engenheiros aceitam a necessidade de algum grau de
autoridade administrativa se a direcção for vista como permissiva e coor-
denadora em vez de coerciva. Isto pode explicar a boa vontade em aceitar os
constrangimentos que não afectam directamente a sua expertise, por exemplo,
constrangimentos de tempo ou limitações aos projectos.
Contudo, a nossa análise também sugere que os engenheiros aceitam
alguns constrangimentos porque a autonomia profissional per se pode não ser
um tema tão crucial como muitos observadores parecem pensar. Uma questão
mais importante, pelo menos para eles, pode ser a “tecnologia organizacional”
e o facto de o trabalho ser ou não interessante. Embora a autonomia do processo
de trabalho tenha efeitos significativos, a satisfação dos engenheiros depende
mais de estes acharem o seu trabalho interessante (1989: 577).

A docilidade na aceitação dos constrangimentos, juntamente com o facto de o


conteúdo do trabalho ser o factor de satisfação mais importante, explicaria a
ausência de oposição por parte dos engenheiros relativamente às organiza-
ções e ao poder administrativo (1991: 164).
Smith (1987), também tributário das teses marxistas, reconhece a ambi-
guidade e complexidade do papel dos engenheiros nas organizações (entre os
operários e a gestão), mas sublinha a dependência em que se encontram as
organizações industriais de trabalho técnico altamente qualificado e a impos-
sibilidade da sua desqualificação.
Por seu lado, Whalley (1984) que observa o caso dos engenheiros em
Inglaterra, contraria mais explicitamente as teses da desprofissionalização,
defendendo que o aumento dos profissionais em engenharia nas organiza-
ções revela dois movimentos: a ampliação do seu poder e influência, a sua
capacidade de conquista de espaço profissional e afirmação das suas compe-
tências nas organizações mas também revela as necessidades dos emprega-
dores e das organizações em trabalhadores de confiança:

Em primeiro lugar, uma vez que a principal função dos engenheiros é servir como
força de trabalho credível, é improvável que os empregadores os desqualifiquem
ou retirem competências por questões de controlo, pelo menos enquanto a
84 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

educação em engenharia estiver fortemente influenciada pelas necessidades dos


empregadores. De facto, os empregadores podem precisar de manter a autonomia
e a complexidade do trabalho, (...) uma vez que estas características do trabalho são
em parte recompensa pela lealdade dos engenheiros (1984: 119).

Crawford (1984), tal como Meiksins, descreve, para o caso dos engenheiros
em França, as condições de aceitação da autoridade organizacional.

De uma maneira geral, estas observações mostram que os engenheiros se sen-


tem dependentes uns dos outros para desempenhar as suas tarefas e, conse-
quentemente, que esperam a presença de uma direcção eficaz para coordenar e
estimular as actividades do grupo. (…) Os engenheiros são especialistas que
dependem de outros engenheiros e de numerosos não engenheiros para torna-
rem os seus esforços produtivos. Em resumo, o engenheiro tem boas razões
para considerar que uma autoridade bem exercida facilita o seu trabalho, direc-
tamente, por um lado, e contribui para o sucesso da organização, por outro
(1984: 251).

Contra as teses da proletarização, Crawford (1987) assinala sobretudo a


dependência das organizações de conhecimentos esotéricos insusceptíveis
de serem rotinizados.

Convém sublinhar as razões por que o trabalho do engenheiro pode resistir à


desqualificação. Primeiramente, exige por natureza a utilização de conheci-
mentos técnicos para resolver problemas industriais e estes problemas são, por
definição, o oposto da rotina (…) Em segundo lugar, as tecnologias e os merca-
dos, que estão em constante evolução, contribuem para gerar um fluxo perma-
nente de novos problemas de que não se consegue imaginar o desaparecimento
num futuro próximo. Em terceiro lugar, uma boa parte do trabalho do enge-
nheiro é baseado em projectos e é difícil reduzir tais actividades a uma rotina,
porque os projectos evoluem e são geralmente diferentes dos que os precede-
ram (1987: 216).

Duprez (1993a) afirma também que, apesar do crescimento do número de diplo-


mados, os engenheiros continuam a ser em França um grupo singular entre os
assalariados: protegidos pelo título, confortados por um estatuto e apoiados nas
instituições que os formam e os representam, eles apresentam-se como assalaria-
dos privilegiados, como é visível nas condições gerais da sua inserção profissio-
nal e na análise das funções e carreiras profissionais.
Com o estudo de muitas outras profissões se debateram as teses de tendên-
cia. Um trabalho que importa referir é o de Mckinlay e Arches (1985). Os autores
procuram comprovar as teses da proletarização, analisando o caso excepcional
da profissão médica, que, através do uso de uma grande variedade de tácticas ao
O PODER DAS PROFISSÕES 85

dispor de alguns grupos de elite, conseguiu até agora obstaculizar e minimizar o


processo de proletarização. Mas justamente agora, como resultado da burocrati-
zação (consequência lógica da expansão capitalista), os médicos estão lentamen-
te reduzidos a funções proletárias e as suas actividades subordinadas aos requi-
sitos do controlo capitalista de elevados lucros na produção médica.
Os autores usam o conceito de proletarização para designar o processo
pelo qual uma ocupação é destituída de controlo sobre certas prerrogativas
relacionadas com o desenvolvimento da actividade e submetida ou subordi-
nada aos requisitos da produção de um capitalismo avançado (1985: 161).
As prerrogativas perdidas são: (i) controlo sobre os critérios de recruta-
mento ou entrada na profissão, bem como sobre o conteúdo da formação;
(ii) autonomia relativamente aos termos e conteúdo, aos objectos, aos instru-
mentos, aos meios de trabalho e níveis de remuneração.
Este processo de proletarização resulta essencialmente dos processos de
burocratização que envolvem hoje as práticas profissionais, burocratização
esta que deve ser olhada como uma manifestação da presença de interesses
do capitalismo em áreas particulares de actividade (1985: 164).
Tradicionalmente são dadas como razões da burocratização a necessi-
dade de centralização, supostas economias de escala, avanços técnicos, quali-
dade e eficiência. Por exemplo, Larson considera que o que legitima e torna
dominante o modelo burocrático de organização é a eficiência funcional e a
possibilidade de manipular problemas sociais em larga escala. Todavia,
segundo Mckinlay e Arches (1985) o verdadeiro motivo da burocracia não é a
eficiência técnica mas a acumulação capitalista; a burocracia é a forma de
organização que melhor serve a função de controlar a força de trabalho, tendo
sido a mais racional e eficiente para a acumulação ao serviço do capital, pois
permite manter a disciplina tanto quanto a lealdade.
Nesta mesma linha, os autores concluem que existem três ordens de
razões pelas quais a burocracia é funcional ao capitalismo.

– o capitalismo fixa os objectivos de uma organização (lucros) e a ideologia


capitalista prevalecente cria o contexto cultural que fixa a maneira como
determinadas tarefas organizacionais devem ser realizadas;
– o comportamento individual dos empregados numa organização formal é
severamente restringido (apesar do seu nível de formação, competências e
especialização) por estruturas hierárquicas preexistentes e por um conjunto
de normas reguladoras;
– as actividades dos utilizadores de serviços (clientes) são bastante restringi-
das pelos processos que ocorrem nos outros dois níveis, dos quais aqueles
estão muito provavelmente inconscientes (1985: 165).

No caso da medicina, o processo de proletarização é activado pelo Estado


com diversos tipos de intervenções, que vão desde a definição da natureza
86 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

da formação, ao sistema de funcionamento da actividade e exercício da


profissão.
Os autores contestam o, pode dizer-se, excessivo optimismo das teses
de Haug. Embora aceitando a ocorrência de alguns dos efeitos anunciados
nas teses da desprofissionalização, como a introdução de novas tecnologias e
o aumento de conhecimentos da população em geral, consideram que o po-
der de controlo passa a ser exercido pelo capitalismo e não por consumidores
mais informados.

Há razões para acreditar que a tecnologia terá um impacte dramático na auto-


nomia do médico, embora seja mais provável o exercício do controlo pelo capi-
talista monopolista do que pelo consumidor (1985: 180).

Todavia, muitos outros autores contribuem para a contestação das teses da


proletarização. Desde logo Freidson (1986), com o seu estudo do poder das
profissões, evidencia a distância a que os profissionais das organizações se
encontram dos proletários: salários, controlo do acesso à profissão, valores
adquiridos com a formação universitária, posição de privilégio nas negocia-
ções e relações industriais.24
Forsyth e Danisiewicz (1985), seguindo de perto Freidson, consideram o
poder profissional no exercício da actividade como central ao conceito de
profissão, definindo-o em termos de duas dimensões da noção de autonomia:
autonomia face ao cliente a autonomia face à organização empregadora.
Os autores estabelecem então uma hierarquia de profissões segundo o nível
da atitude dos seus membros face à autonomia, realçando a possibilidade de
efeitos diferenciados para um mesmo fenómeno.
No mesmo sentido, Couture (1988a) contesta as teses da desprofissio-
nalização, proletarização ou desqualificação dos profissionais com um
trabalho de investigação empírica, no qual procura analisar os efeitos de
introdução de novas tecnologias nas práticas médicas sobre a qualificação
e o estatuto do grupo profissional. Considera que as profissões estão numa
situação particular no que respeita às inovações técnicas. Estas são objecto
de negociação e a seu propósito os diversos grupos e segmentos dentro de
um mesmo grupo desenvolvem relações dinâmicas que lhes permitem
reposicionarem-se. As repercussões sobre a posição dos membros de gru-

24 Já Gouldner e Ritti (1970), como vimos atrás, defendiam, com base em trabalhos de inves-
tigação empírica, que, pelo contrário, a ética do profissionalismo nas organizações fun-
ciona como uma ideologia integradora, que compensa os quadros do facto de terem na
organização uma carreira bloqueada, isto é, em funções técnicas e fora da linha hierárqui-
ca de decisão. Autores do domínio das organizações, como vimos também, relevam o fac-
to de as organizações em que trabalham os profissionais variarem quanto à sua natureza,
tipo e grau de burocratização, não sendo possível fazer generalizações.
O PODER DAS PROFISSÕES 87

pos profissionais em diversos contextos de trabalho estão longe de ser


uniformes.
Também Legault (1988), numa investigação empírica guiada por idênti-
cas preocupações, defende que, dada a heterogeneidade dos grupos e a
complexidade das situações, os conceitos como desprofissionalização, prole-
tarização e desqualificação são inadequados para dar conta do sentido de
evolução dos grupos profissionais e dos efeitos das transformações internas e
externas.
Baer (1986) constrói um modelo para distinguir diferentes tipos de
incerteza sustentada pelas profissões colectivamente e pelos profissionais
individualmente, defendendo que a tecnicalidade ou padronização do co-
nhecimento e da actividade, se facilita processos de proletarização como
defendem alguns autores, constitui um mecanismo através do qual as profis-
sões podem ser avaliadas e verem reconhecida a sua competência no exterior,
reforçando a sua legitimidade.
Child e Fulk (1982) contestam as teses da tendência para a proletariza-
ção, analisando cada uma das condições apontadas pelos diferentes actores.
No que respeita ao monopólio sobre o conhecimento base e ao aumento da
padronização e rotinização introduzida nomeadamente pela computadori-
zação, os autores referem a necessidade de retomar a dualidade tecnicalida-
de/indeterminação proposta por Jamous e Peloille (1970) e de especificar
mais precisamente qual das dimensões é afectada por esses processos, verifi-
cando-se se o rácio se mantém; de verificar paralelamente a produção de no-
vos conhecimentos esotéricos, bem como a capacidade de as ocupações man-
terem proibições legais de acesso a não membros para a aplicação de conheci-
mentos codificados e técnicas; de analisar a receptividade por parte de clien-
tes à realização dessas tarefas ou fornecimento desses serviços por parte de
não profissionais. Identificam ainda outras variáveis passíveis de condicio-
nar o controlo ou autonomia profissional — capacidade dos membros de uma
ocupação para preservarem a autoridade exclusiva na definição, comporta-
mento e avaliação do seu próprio trabalho e determinarem as condições de
entrada e saída da ocupação — como os contextos de trabalho, o exercício de
poder e autoridade na relação com os clientes e as relações com o Estado.
Finalmente, os autores retiram a conclusão de que o principal efeito des-
tas variáveis sobre o controlo ocupacional se traduz no acentuar das diferen-
ciações internas (verticais e horizontais) que tantos autores apresentam como
resultado dos conflitos e negociações nos processos de desenvolvimento pro-
fissional; estas diferenciações constituem assim, também, mecanismos de de-
fesa da erosão do poder e da autonomia.

A capacidade dos grupos ocupacionais para gerirem a diferenciação vertical e a


possível invasão das fronteiras estabelecidas, no que respeita às competências e
direitos laborais, por grupos menos qualificados, constitui um importante
88 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Área

A) Conhecimento B) Contexto C) Poder e autoridade D) Relações entre


profissional de base do emprego nas relações entre ocupações e Estado
clientes e membros
do grupo
ocupacional

1) capacidade 1) grau de 1) grau de organização 1) grau de intervenção


para manter heteronomia; dos clientes do Estado
o equilíbrio entre dependência (indivíduo versus na definição
a indeterminação de emprego organização); dos padrões
e a tecnicalidade nas organizações de trabalho
nas actividades (principalmente da ocupação;
da ocupação; as heterónomas)
sobre as quais
a ocupação não
exerce controlo
estratégico;

2) possibilidade 2) diferenciação 2) possibilidade 2) grau de intervenção


de aplicação hierárquica entre os de transferência do Estado sobre
da tecnicalidade membros do grupo de expertise para o mercado;
no controlo ocupacional gerada instrumentos/
da indeterminação; pelo emprego /equipamento de uso
em organizações; generalizado;

3) grau de garantia 3) amplitude 3) disponibilidade 3) volume de emprego


do monopólio legal do emprego de indivíduos com no sector público dos
sobre a aplicação no Estado. qualificações membros
de elementos técnicas passíveis da ocupação;
técnicos rotinizados. de substituir
os membros do
grupo ocupacional;

4) impacte 4) financiamento estatal


dos serviços/ do sistema
/actividades de educação
da ocupação e formação dos
na melhoria do bem- novos membros do
-estar pessoal; grupo ocupacional.

5) grau de
“consciencialização
dos direitos
de cliente” criada
por situações de
emprego profissional
em organizações
burocráticas;

6) nível de instrução e
educação do cliente.

Figura 3.4 Condições para a manutenção do controlo ocupacional


Fonte: Child, Fulk (1982).
O PODER DAS PROFISSÕES 89

Figura 3.5 Plano de localização das teses de tendência e respectivos autores.

pré-requisito para salvaguarda do controlo sobre o mercado de trabalho. Isto


significa limitar a possibilidade de os subespecialistas exteriores à ocupação se
apropriam de tarefas que se tornaram rotineiras, bem como preservar o direito
de avaliar e supervisionar a realização dessas tarefa (1982: 180).

Por outro lado, as diferenciações horizontais, que reflectem a extensão das


divisões do conhecimento, podem reforçar o controlo profissional sobre de-
terminados domínios. O interesse deste trabalho reside sobretudo no facto de
o autor chamar a atenção para a pluralidade de efeitos sobre o poder do grupo
profissional resultante de uma mesma ocorrência, isto é, a multidireccionali-
dade do desenvolvimento das profissões, antecipando as teses de Abbott e do
seu modelo sistémico, como veremos adiante.
Para concluir o tema relativo às teses de tendência, construímos um pla-
no sintético de localização das diferentes teses discutidas (figura 3.5).
Identificámos duas dimensões em torno das quais os autores constroem
as suas teses e contributos: o poder das profissões, discutindo-se se as profissões
efectivamente detêm ou não poder (declínio vs. dominação) independente-
mente dos lugares da sua incidência — o mercado, os clientes, o controlo do
próprio trabalho, ou um nível social e político mais vasto; e a função social deste
mesmo poder (positiva vs. negativa). Isto é, considerando a estrutura de poder
do contexto social em que se integram as profissões, os autores interrogam-se
sobre se estas constituem um poder alternativo mediador ou se servem os
90 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

poderes económicos e políticos dominantes, cumprindo também uma função


de dominação e/ou de reprodução das relações sociais dominantes.
A construção de um plano cruzado das duas dimensões permite projec-
tar as diferentes teses, observando o facto de reconhecerem o poder dos pro-
fissionais e de o valorizarem positivamente (tese da tendência para a profis-
sionalização e tese da constituição de uma nova classe profissional); ou de
reconhecerem o poder dos profissionais, mas valorizarem-no negativamente
(teses do poder tecnocrático e da dominação); finalmente as teses que consi-
deram o declínio do poder dos profissionais associado a processos de domi-
nação capitalista (teses da proletarização) ou associado aos processos de
maior democratização e participação de outros agentes na vida económica e
social (teses da desprofissionalização).
Esta é obviamente uma classificação muito simplificada que só faz sen-
tido no quadro da análise mais aprofundada e da discussão das referidas
teses. Como vimos, os autores distinguem-se ainda em outras dimensões de
análise do poder das profissões, desde logo a montante — o que é que o sus-
tenta? — e a jusante — sobre que incide este poder? Quais os efeitos da acção
do poder das profissões, nos diferentes níveis de análise, micro e macro?
Estas dimensões articulam-se em complexas reflexões sobre o fenómeno das
profissões na sociedade contemporânea e que apenas para efeitos de exposi-
ção sintética é legítimo apresentar tão esquematicamente.
Concluindo, a questão da positividade ou negatividade do poder das
profissões, se se relaciona com o reconhecimento que os diferentes autores fa-
zem da possibilidade de protagonismo social e político que elas mantêm, não
é uma questão de mero humanismo, apesar de ser muitas vezes seja sob essa
forma que emerge25; a questão está fortemente relacionada com discussões
que, embora ocorrendo em outras sedes, se reflecte, mesmo que implicita-
mente, nos estudos das profissões.
E se, como veremos, reflecte directamente o debate suscitado pelos es-
truturalistas franceses Bourdieu e Foucault acerca do funcionamento da so-
ciedade e do papel desempenhado por algumas das suas principais institui-
ções (nomeadamente as escolas) na reprodução da estrutura social e dos
poderes dominantes, reflecte também um debate que ultrapassa largamente
este domínio, envolvendo sociólogos, filósofos e teóricos da modernidade
como Marcuse, Habermas, Lyotard, em torno das questões da modernidade,
isto é, da racionalidade e da centralidade da ciência e da técnica nas socieda-
des modernas.26
Mas relaciona-se também com o posicionamento político-ideológico
dos autores, isto é, a medida em que aceitam as instituições de tipo corpo-
rativo, os grupos de interesse e as profissões, como formas legitímas de

25 Como é muito evidente em Larson (1988), ou mesmo em Freidson (1994).


O PODER DAS PROFISSÕES 91

participação na vida política, como forças de mediação entre os indivíduos


e o Estado ou, pelo contrário, as consideram obstáculos a uma mais ampla
participação dos indivíduos na vida social. São visões que opõem o corpo-
rativismo ao pluralismo, mesmo no interior dos regimes democráticos.

26 Debate que não vamos aqui apresentar nem desenvolver. Refira-se apenas que enquanto
Marcuse, em A ideologia da Sociedade Industrial. O Homem Unidimensional (1982), critica a
racionalidade científica, apontando a impossibilidade de esta se constituir como liberta-
dora, e defende a necessidade de uma nova ciência e de uma nova técnica, Habermas
(1987) considera que a ciência e a técnica nas sociedades contemporâneas obedecem a
uma lógica que corresponde à estrutura da acção racional teológica, colocando-se os proble-
mas apenas ao nível das suas utilizações políticas; Lyotard (s. d.) nega a possibilidade do
conhecimento científico, isto é de conhecimento objectivo, nas sociedades
pós-modernas, dada a sua natureza de metadiscurso, em face da emergência de discur-
sos plurais e subjectivos.
Capítulo 4
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA

Neste capítulo apresentam-se as contribuições mais recentes para o estudo


das profissões, em relação às quais, por um lado, não se conhecem ainda
todos os desenvolvimentos e, por outro, não é ainda possível ter o distancia-
mento necessário aos exercícios críticos. Destacam-se, no entanto, desde já,
os trabalhos de Abbott, marcados pela preocupação de construção de uma
teoria sistémica que permita explicar a diversidade e complexidade das
situações no domínio das profissões e identificar modelos; destacam-se
também os estudos comparativos desenvolvidos na Europa,1 tendo em con-
ta o tempo (dimensão histórica) e o espaço (dimensão internacional/nacio-
nal/local — analisam a evolução de diferentes profissões numa mesma for-
mação social, ou as mesmas profissões em diferentes países).

Abbott e a abordagem sistémica do fenómeno das profissões

Autores dos diferentes paradigmas são unânimes em considerar o livro de


Abbott (1988), The System of Professions: An Essay on Division of Expert Labor,
um marco na história da disciplina.2 Isto porque, ao mesmo tempo que procu-
ra construir um novo paradigma teórico-metodológico, incorpora os anterio-
res paradigmas3 e ilustra a formulação proposta com análises empíricas.4

1 Por exemplo, Torstendahl e Burrage (1990) e Lucas e Dubar (1994).


2 Ver, por exemplo, DiMaggio (1989); Turner (1993); Johnson (1994); Freidson (1994) e Mac-
Donald (1995).
3 Apesar de, logo na introdução, o autor visitar e contestar conceitos como o de profissão e
de profissionalização, procurando demarcar-se das abordagens anteriores, é muito evi-
dente a incorporação no seu modelo de conceitos quer das teorias funcionalistas, quer
das teorias interaccionistas como do paradigma do poder. Mais adiante, procuraremos
comprovar esta afirmação.
4 Os últimos capítulos são dedicados à apresentação de três estudos de casos: o primeiro

93
94 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Os cinco principais pressupostos da sua formulação resultam justamen-


te da crítica que faz aos conceitos de profissão e de profissionalização, na tra-
dição da disciplina:5

1) o estudo das profissões deve centrar-se nas áreas de actividade sobre as


quais detêm o direito de controlar a prestação de serviços — jurisdições
—, isto é, no tipo de trabalho que desenvolvem e nas condições de exer-
cício da actividade, e não apenas nas suas características culturais e
organizativas;
2) as disputas, os conflitos e a competição em áreas jurisdicionais constituem a
dinâmica de desenvolvimento profissional, pelo que a história das pro-
fissões é a história das condições e consequências da apresentação de re-
clamação de jurisdição, por parte dos grupos ocupacionais, sobre áreas
de actividade que já existem, são criadas ou estão sob o domínio de
qualquer grupo;
3) as profissões existem no conjunto do sistema ocupacional e não como
entidades isoladas, pelo que a sua abordagem deve considerar o siste-
ma de interdependência que caracteriza as relações entre os grupos
profissionais.;
4) o principal recurso na disputa jurisdicional, e a característica que me-
lhor define profissão, é o conhecimento abstracto controlado pelos grupos
ocupacionais: a abstracção confere capacidade de sobrevivência no
competitivo sistema de profissões, defendendo de intrusos, uma vez
que só um sistema de conhecimento governado por abstracção permite
redefinir e dimensionar novos problemas e tarefas;

analisa o conflito entre vários grupos profissionais tão diferentes como bibliotecários e
programadores informáticos para a definição de uma área de jurisdição sobre “informa-
ção”; o segundo apresenta um estudo comparativo sobre advogados nos EUA e em Ingla-
terra; o último caso analisa a evolução da jurisdição que designa por “problemas pessoa-
is”, dando especial atenção ao declínio do clero e à emergência da psiquiatria.
5 Para além de apontar dificuldades de comprovação empírica, o autor considera que na
base dos conceitos de profissão e de profissionalização estão cinco proposições discutíve-
is: (i) mudança unidireccional; (ii) a evolução das profissões não é explicitamente depen-
dente da evolução de outras profissões, cada uma é estudada isoladamente; (iii) a estru-
tura social e as pretensões culturais têm mais importância do que o trabalho desenvolvi-
do; (iv) as profissões são unidades homogéneas, cujas diferenças internas são considera-
das como reflexos contingenciais do projecto de profissionalização; (v) a profissionaliza-
ção como um processo que não muda com o tempo. Assim, o autor propõe uma teoria
alternativa, começando por transferir o focus das estruturas organizacionais das profis-
sões para grupos com trabalho comum — focus no trabalho e não na estrutura dos grupos
profissionais. O fenómeno central da vida profissional é a ligação entre a profissão e o seu
trabalho, ligação que o autor designa por jurisdição. Analisar o desenvolvimento profis-
sional é analisar como esta ligação é criada no trabalho, como é ancorada em estruturas
sociais formais e informais, e como o jogo das ligações jurisdicionais entre profissões de-
termina a história das próprias profissões.
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA 95

5) os processos de desenvolvimento profissional são multidireccionais,


não se podem sustentar as teses de tendência (profissionalização ou
desprofissionalização).

A proposta teórico-metodológica de Abbott (1988) desenvolve-se em três


níveis de análise do fenómeno:

1) o processo e as condições do estabelecimento efectivo e da manutenção


de jurisdição, de que são elementos fundamentais a natureza do traba-
lho profissional e as estruturas que suportam as pretensões de jurisdi-
ção, através das quais estas são apresentadas, avaliadas e estabelecidas;
2) as fontes de mudança no interior do sistema: as profissões são interna-
mente diferenciadas e mudanças na sua composição interna podem
afectar ou introduzir transformações no poder e na legitimidade dessas
mesmas profissões;
3) as fontes de mudança localizadas no exterior do sistema, isto é, no
contexto sociocultural, nomeadamente as mudanças macrossociais no
conhecimento, nas tecnologia e nas organizações.

Vejamos, então, o primeiro nível de análise.


Segundo Abbott, a própria natureza do trabalho profissional ajuda a de-
terminar a vulnerabilidade das jurisdições perante a interferência dos grupos
competidores.
A actividade das profissões incide sobre problemas humanos, passíveis
de resolução pelo serviço de peritos/experts. Os problemas podem ser indivi-
duais ou colectivos, relativos a distúrbios ou perturbações que é necessário
resolver, ou ao domínio da criação; podem ser objectivos (dados por impera-
tivos naturais ou tecnológicos), ou subjectivos (impostos culturalmente), e a
principal diferença entre as qualidades objectivas ou subjectivas dos proble-
mas reside na possibilidade da sua resolução através do trabalho cultural.

As qualidades subjectivas de uma tarefa surgem durante a construção do pro-


blema pela profissão que correntemente “detém a jurisdição” da tarefa. As qua-
lidades subjectivas do alcoolismo (…) são criadas pelo trabalho das profissões
médicas e psicológicas. Investigar as qualidades subjectivas da jurisdição é as-
sim analisar os mecanismos do próprio trabalho profissional.
Nos seus aspectos culturais, a afirmação da jurisdição exige que a criação
destas qualidades subjectivas tenha três partes: classificar o problema, anali-
sá-lo e actuar sobre ele, ou seja, em termos mais formais, diagnosticar, inferir e
tratar (1988: 40).

Diagnóstico, inferência e tratamento constituem para o autor, teoricamente, os


três actos da prática profissional, cuja sequência corporiza a lógica cultural
96 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

essencial da prática profissional.6 É dentro desta lógica que as tarefas rece-


bem qualidades subjectivas que são a estrutura cognitiva de uma pretensão
jurisdicional.
O diagnóstico e o tratamento são actos de mediação, isto é, de mera ges-
tão de informação, tendo na base sistemas de classificação de problemas que
vão do comum ao esotérico; e neste sentido, se por um lado ajudam a clarifi-
car e simplificar o trabalho profissional por outro tornam-no mais compreen-
sível para os outsiders, permitindo mais facilmente a sua degradação. Assim, a
vulnerabilidade da jurisdição profissional pode ser afectada por algumas
características do sistema de classificação de diagnóstico e tratamento.
A inferência, pelo contrário, é um acto puramente profissional, actua
quando a conexão entre diagnóstico e tratamento é obscura, por exclusão ou
por construção.
O mais importante aspecto da inferência na determinação da vulnerabi-
lidade jurisdicional é actualmente exterior à inferência; de facto, a vulnerabi-
lidade jurisdicional resulta do grau de predominância de inferência versus
rotina na conexão do diagnóstico com o tratamento, sendo que tal conexão ou
equilíbrio depende, ou é afectada, pela emergência dos grandes clientes, pela
transferência do trabalho profissional para grandes organizações, mas sobre-
tudo pelo desenvolvimento do conhecimento académico.
Neste quadro, o conhecimento académico é um elemento-chave do siste-
ma; o carácter abstracto do sistema de classificação, do sistema de conheci-
mento que formaliza o saber-fazer profissional é ditado pelos académicos,
cujo critério não é o da clareza prática e da eficácia, mas o da consistência lógi-
ca e da racionalidade.

A capacidade de uma profissão manter a sua jurisdição apoia-se parcialmente


no poder e prestígio do seu conhecimento académico. Este prestígio reflecte a
convicção pública errónea de que o conhecimento profissional é contínuo com o
conhecimento prático da profissão e, portanto, o prestigiado saber abstracto
implica trabalho profissional efectivo. De facto, o verdadeiro uso do saber pro-
fissional académico é menos prático do que simbólico. O conhecimento acadé-
mico legitima o trabalho profissional através da clarificação das suas funda-
mentações e traça os mais elevados valores culturais. Na maioria das profissões
modernas, estes são os valores da racionalidade, da lógica e da ciência. Os pro-
fissionais académicos demonstram o rigor, a clareza e o carácter cientificamente
lógico do trabalho profissional, legitimando, portanto esse trabalho no contex-
to de valores mais amplos (1988: 53-54).

6 DiMaggio (1989) critica Abbott, considerando que esta transposição do modelo de activi-
dade médica (diagnóstico, inferência e tratamento) não é completamente adequada para
a análise da actividade, por exemplo, de professores, músicos ou bibliotecários.
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA 97

Mas, para além desta função de legitimação do trabalho dos profissionais, o


conhecimento académico cumpre uma outra: o desenvolvimento/produção
de novos diagnósticos, tratamentos e métodos de inferência.

Resumindo, o sistema de conhecimento académico de uma profissão realiza ge-


ralmente três tarefas — legitimação, investigação e instrução — e em cada uma
delimita a vulnerabilidade da jurisdição profissional à interferência externa
(1988: 56-57).

No modelo sistémico, a ênfase é, portanto, colocada no sistema de conhecimento


e no grau de abstracção do mesmo, elemento fundamental na competição entre
profissões, sendo, todavia, sempre respeitante a um tempo e um espaço no siste-
ma de profissões e portanto, relativo. Isto é, à pergunta sobre qual o grau de abs-
tracção necessário e suficiente para ser profissão, a resposta é: depende do tempo
e do espaço; não existe um padrão absoluto, é o grau de abstracção necessário e
suficiente para competir num particular contexto histórico e social.7
Diagnóstico, tratamento, inferência e conhecimento académico consti-
tuem a maquinaria cognitiva da jurisdição: definem tarefas dentro do conhe-
cimento, “problemas profissionais” que são potenciais objectos de acção e in-
vestigação. Mas construir actos de expertise, de saber-fazer, e justificá-los cog-
nitivamente não é suficiente para a definição da jurisdição; é necessário o re-
conhecimento social da estrutura cognitiva, através de direitos exclusivos, os
quais podem incluir o monopólio da prática profissional, o pagamento públi-
co dos serviços, o direito de autodisciplina, o controlo da formação, do recru-
tamento e das licenças.
São três os campos de processamento das pretensões ou de disputa de
jurisdição (audiências): o sistema legal, a opinião pública as situações de traba-
lho (mercado aberto ou em organizações).
É profunda a contradição entre os dois campos formais de reclamação
de jurisdição (legal e pública) e o campo informal (situação de trabalho):

7 O equilíbrio necessário e suficiente varia de área para área — o médio óptimo, na escala de
abstracção, foi conseguido por advogados e médicos, profissões dominantes com níveis de
abstracção diferentes, mas, de acordo com a cultura pública em cada uma das áreas, “forças
opostas empurram então o nível de abstracção do conhecimento profissional para um equilí-
brio entre a extrema abstracção e a extrema concretização. Uma vez que o aumento da forma-
lização tem geralmente efeitos benéficos, a principal forma de abstracção envolvida neste
equilíbrio é a liberdade do conteúdo. O nível de equilíbrio do conteúdo varia consoante as
áreas gerais das tarefas envolvidas. Nas áreas das tarefas principais — doença, conflitos,
finanças e coisas parecidas —, ideias públicas sobre legitimidade serão combinadas com per-
cepções de eficácia para criar um nível óptimo de abstracção, que se situa entre o extrema-
mente geral e o extremamente concreto. Dado que a legitimidade em diferentes áreas se pode
referir a diferentes valores — racionalidade, lógica, auto-actualização, eficiência, justiça,
beleza, sucesso —, e uma vez que os critérios do sucesso podem variar com a tarefa, o nível
óptimo da abstracção que determinam irá naturalmente variar” (1988: 104).
98 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

existe uma imagem pública continuamente reafirmada nas situações de tra-


balho. Mas a enorme inconsistência entre a realidade pública e a das situações
de trabalho, sobretudo quando estas ocorrem principalmente em organiza-
ções, tem graves implicações não só na vida profissional, como na estrutura
da jurisdição.
A fixação de jurisdição — proibição legal de outros grupos ou indivíduos
desenvolverem o trabalho — pode ser total, por subordinação, interdepen-
dência de grupos ou controlo de parte do trabalho por outro grupo. A jurisdi-
ção total é normalmente baseada no poder do conhecimento abstracto que a
profissão tem para definir e resolver certos problemas.
A subordinação apresenta vantagens para o grupo com jurisdição total
(permite delegar ou transferir o trabalho de rotina), mas é difícil de gerir.
Desde logo, os processos de assimilação (os subordinados assimilam os mo-
dos de fazer do grupo dominante) tendem a subverter a fixação da jurisdição;
depois, o sucesso da prática profissional depende em absoluto da participa-
ção dos subordinados; finalmente, a sua manutenção requer o uso de uma
ordem simbólica complexa (uso de títulos, uniformes, outros símbolos de au-
toridade que permanentemente afirmam que todos os subordinados sabem
menos que os profissionais sobre todos os assuntos), de actos de exclusão
(os subordinados não precisam de saber tudo) e de coerção.
A interdependência de grupos e outras formas de divisão de jurisdição ou
divisão do trabalho entre profissões estabelecidas reflecte o desenvolvimento
complexo de tarefas, sendo a sua manutenção também difícil devido, de
novo, aos processos de assimilação entre os grupos.
A estrutura interna ou organização social de uma profissão tem três com-
ponentes: os grupos ou segmentos (com diversas formas e características);
as instituições de controlo (escolas, licenças, códigos de ética); e as situações
de trabalho.
A ligação dos membros de uma profissão à estrutura varia considera-
velmente: existem membros centrais (elites dos locais de trabalho, das escolas
ou das associações) e periféricos; por outro lado, os grupos são estratificados
vertical e horizontalmente (a estratificação interna é muitas vezes confundi-
da com especialização, contudo dentro das especializações há também hie-
rarquias internas).
O objectivo de fixar jurisdição é, entre outras, uma forma de identificação
e de convergência dos membros de um grupo profissional, podendo assim as
profissões serem identificadas por grupos de reclamações, analisando-se de-
pois a estrutura social que os suporta, ou por realidade funcional.
Os diferentes tipos de organização social das profissões (mais forte e
mais extensiva; única e nacional, etc.) afectam o tipo de reclamação jurisdicio-
nal e o seu sucesso na realização destas pretensões. Por vezes, profissões
menos organizadas têm vantagens nos locais de trabalho porque a ambigui-
dade da estrutura cognitiva deixa-as livres para tarefas disponíveis.
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA 99

Em síntese, a fixação de jurisdição por parte dos grupos profissionais


incorpora controlo social e cognitivo. O controlo cognitivo actualiza-se no
trabalho com o desenvolvimento das tarefas, sendo legitimado pelo conheci-
mento formal que segue valores fundamentais; o controlo social actualiza-se
em reivindicações activas apresentadas nos campos da opinião pública, legal
ou nos locais de trabalho.
Passemos, então, aos outros dois níveis de análise propostos no modelo de
Abbott, relativos à dinâmica e ao equilíbrio do próprio sistema das profissões.
Forças internas (desenvolvimento de novos conhecimentos ou sabe-
res—fazer, e mudanças na estrutura social das profissões, como grupos novos
ou já existentes que procuram desenvolver-se)8 e forças externas (decorrentes
de alterações na tecnologia ou nas organizações, de factos naturais ou de fac-
tos culturais), abrindo e fechando, fortalecendo ou enfraquecendo áreas de
jurisdição, introduzem mudanças que provocam uma cadeia de distúr-
bios/perturbações que se propagam através do sistema até serem absorvidos
pela profissionalização e pela desprofissionalização ou absorção na estrutura
interna dos grupos já existentes.
A estrutura mediatiza os efeitos nas profissões individualmente consi-
deradas não só através da criação de vazios e abolições, mas também por
meio de mudanças no locus da competição (público ou legal) e nos critérios
públicos de eficácia e de legitimidade.
As diferenças internas são um dos principais mecanismos da dinâmica do
sistema. Sendo as profissões grupos organizados de indivíduos que fazem
diferentes coisas em diversos locais de trabalho, para diferentes clientes e
com diferentes carreiras, estas diferenças geram e absorvem perturbações,
afectam a interconexão entre profissões e constituem uma mediação para o
desnível existente entre as relações entre profissões nos locais de trabalho
(flutuantes) e as relações entre profissões nos domínios público e legal (relati-
vamente estáveis). Sem as diferenciações internas, a décalage entre o formal e o
informal, no mundo das relações interprofissionais, não podia ocorrer.
Existem quatro grandes tipos de diferenças internas: estatuto intrapro-
fissional; por clientes; organização do trabalho; padrões de carreira.

O estatuto intraprofissional e a estratificação no interior dos grupos pro-


fissionais é largamente determinado pela regressão, ou seja, a tendência para o
afastamento das tarefas do espaço de jurisdição pública: os profissionais que
recebem dos pares mais alto estatuto são os que trabalham no mais puro meio
profissional, mais próximo do conhecimento aplicado: académicos, consulto-
res, etc.; inversamente, situam-se no fim da escala os que estão mais afastados

8 Como veremos, a estrutura interna das profissões é uma, entre muitas, das determinantes da
contestação jurisdicional e do sistema de posições. A estrutura de cada profissão é importan-
te não em si própria, mas pelos efeitos que provoca na posição jurisdicional relativa.
100 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Tipo de organização Estatuto jurídico Dimensão


da organização

— ambientes heterónomos
— (organizações dirigidas
— por não profissionais);
— ambientes autónomos
— (organizações dirigidas
— por profissionais).

— com estatuto de assalariado;


— isolado;
— com estatuto de independente.

— pequena;
— média;
— grande.

Figura 4.1 Situações de trabalho dos profissionais, segundo Abbott (1988)

do conhecimento, do meio profissional puro e mais próximos dos clientes,


com os quais são necessários compromissos.
A regressão profissional é irreversível e constitui um dos meios de con-
trolo da jurisdição, cujas alternativas são estruturar a carreira profissional ou
criar uma divisão de trabalho interna. Se a regressão gera distúrbios no siste-
ma, as diferenças com base no estatuto interno absorvem as perturbações
externas. Por exemplo, quando a procura de profissionais é insuficiente,
a estratificação permite relegar segmentos do grupo para áreas menos profis-
sionalizadas, mantendo a procura suficiente ao nível da elite.
A diferenciação por clientes reforça as diferenças de estatuto intraprofis-
sional: o alto estatuto do cliente reflecte-se sobre o profissional e permite-lhe
ajudar, ele próprio, no diagnóstico e tratamento e profissionalizar os seus
problemas, afectando, portanto, também a prática profissional.

O problema central é que os profissionais orientados para “clientes específicos”


são vulneráveis ao destino dos seus clientes, o qual é estabelecido fora do siste-
ma. Esta ligação é particularmente forte quando a diferenciação do cliente con-
duziu à diferenciação de tarefas. (…) Nestes casos, a especialização do cliente é
tão completa que a mobilidade entre os subgrupos profissionais é mínima, mes-
mo que as forças demográficas regularmente mudem o equilíbrio da procura,
com efeitos catastróficos (1988: 124).

Tal como o estatuto intraprofissional, a diferenciação por clientes facilita a déca-


lage entre a imagem pública das relações interprofissionais e a da situação de
trabalho. A existência de diferenciação significa que podem ocorrer mudanças
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA 101

consideráveis na realidade dos locais de trabalho, sem que se requeiram ou


ocorram mudanças na imagem pública.
As situações de trabalho dos profissionais podem variar quanto ao tipo de
organização, quanto à relação profissional ou estatuto jurídico estabelecido e
quanto à dimensão da organização, constituindo também uma fonte de dife-
renciação interna (ver figura 4.1).
Abbott considera que a variável mais importante na situação de traba-
lho não é a dimensão da organização ou o controlo, mas aquilo que ambas
possam indicar, isto é, o grau da divisão do trabalho na actividade profissio-
nal. Esta divisão do trabalho pode reflectir forças de estatuto intraprofissio-
nal (as actividades profissionalmente “impuras” são deixadas para segmen-
tos particulares da profissão), mas também uma divisão do trabalho profis-
sional em elementos de rotina e elementos de não rotina, e provocar a sua de-
gradação, conduzindo à segmentação do grupo profissional em dois grupos
com diferentes posições no ranking de status e poder.
A degradação do trabalho não é uma tendência recente, é um processo
familiar e tão antigo quanto as próprias profissões, e está muitas vezes asso-
ciada à carreira, servindo de iniciação, socialização nos valores de autoridade
profissional, reforço da dominação e retenção formal de áreas de trabalho que
poderiam ser desenvolvidas por outros grupos, constituindo um mecanismo
essencial para absorver as mudanças na procura, nas organizações e na tecno-
logia que podem afectar a profissão.
Os padrões de carreira são outra fonte de diferenciação interna: muitas
profissões têm carreiras típicas; existem padrões de carreira oficiais e uma
grande variedade de outras não oficiais; diferentes carreiras reflectem diver-
sos estatutos e podem estar associadas à necessidade de maiores ou menores
períodos de formação.
No essencial, constituem um mecanismo de resposta às flutuações na
procura e de gestão demográfica dos grupos: a saída de uns permite a entrada
de outros; muitos vão para a administração e gestão, serviços de governo,
outros aguardam no ensino.
Profissões mais permeáveis manuseiam as flutuações no sistema de
procura através de flexibilização da idade de recrutamento e da duração da
formação. Nas profissões demograficamente rígidas, cuja dimensão corrente
e mecanismos de reprodução impedem respostas rápidas às flutuações da
procura, as respostas ao embate desta são organizadas em torno de padrões
de carreira mais ou menos estabelecidos.
Assim, as diferenças internas criadas pela carreira, pelo contrário,
muitas vezes prejudicam a capacidade das profissões para enfrentar as flu-
tuações da procura: profissões com estruturas de carreira e reprodução do
sistema rígidas recorrem à migração quando o número de profissionais é
insuficiente para a procura e não podem responder rapidamente com o
crescimento; profissões com estruturas de carreira flexível enfrentam estas
102 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

matérias mais facilmente, eventualmente com custos ao nível do estatuto.


No modelo de Abbott, estrutura, actos, abstracção do conhecimento e
grau de diferenciação interna são factores que fortalecem ou enfraquecem a
jurisdição. São necessários recursos — poder — para conservar e fortalecer a
jurisdição quando forças do sistema pressionam para o seu enfraquecimento.
O poder não é assim, no modelo sistémico, um elemento essencial.
Para o sucesso da fixação jurisdicional, o essencial é, como vimos, o sis-
tema de conhecimentos, a eficácia e eficiência das suas aplicações, com base
nas quais se fundamentam as escolhas dos clientes. Abbott aceita os princí-
pios clássicos da economia de mercado e da concorrência pura: os clientes
conhecem os serviços alternativos, os serviços são intermutáveis, etc. E ape-
sar de o sistema possuir qualidades conservadoras (profissões dominantes),
que destroem este tipo de concorrência, Abbott acredita na bondade e na
capacidade de realização do conhecimento, assim como na eficiência e eficá-
cia como principais mecanismos reguladores do mercado.9

A existência de um poder dominante e de um sistema conservador não pode ser


posta em dúvida; a questão depende do seu grau. Como qualquer modelo com-
petitivo e equilibrado, este reconhece as forças que retardam o equilíbrio a curto
prazo. Mas acredita-se que a longo prazo as forças de equilíbrio prevalecem,
pressupondo que nenhuma profissão proporcionando maus serviços possa
aguentar-se indefinidamente contra competidores externos, por muito podero-
sa que seja. A correcção deste pressuposto depende, em parte, do que se define
como curto e longo prazos (1988: 135).

O poder profissional tem muitas fontes. A jurisdição subjectiva constitui ela


própria uma fonte de poder, conferindo prerrogativas que ajudam nos confli-
tos jurisdicionais. Mesmo fora do sistema pode haver recursos de poder,
nomeadamente a protecção do Estado, muitas vezes requerida sob a retórica
do afastamento de perigos e da criação de disciplina profissional; um outro
meio é o da aliança com particulares classes sociais, estratégia usualmente
seguida pelas elites profissionais.
O poder é exercido nos três campos de jurisdição: legal, público e situa-
ção de trabalho.

9 Abbott designa a sua abordagem como modelo de equilíbrio, opondo-se ao modelo


do poder por detrás do qual aponta distinções políticas: “Escolhi aqui um modelo
estrutural do equilíbrio porque tomei em consideração uma dada classe de fenóme-
nos (os conflitos interprofissionais) que outros sempre trataram como acidentais. (…)
Ao considerar estes conflitos como algo a ser explicado, vejo-me obrigado a renunciar
ao poder explicativo contido em cada um dos outros modelos. A (…) discussão da
questão do poder pode, então, ser vista como a análise do como e quanto o sistema
conservador atrasa os processos já discutidos e, por outro lado, como defesa razoável
dos meus pressupostos“ (1988: 135-136).
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA 103

Perante o Estado, o poder é exercido através de pressões legislativas para


que sejam estabelecidas entidades licenciadoras, usando-se essas entidades
contra as profissões concorrentes, pressionando para que sejam estabeleci-
dos monopólios, estatutários ou judiciais, de prestação de ou de pagamento
de serviços, e para que sejam controlados legalmente os praticantes sem
licença ou sem princípios éticos. Perante o público, o poder é exercido atra-
vés de várias formas de intervenção na comunicação social (…). Nos locais
de trabalho, o poder é exercido através de acções para reforçar a jurisdição
legal, do controlo da linguagem profissional e da subordinação directa e
simbólica. As diversas fontes de poder interprofissional afectam as várias
áreas do exercício da actividade profissional. As alianças e outras formas de
cooptação externa têm claramente o seu maior efeito na área legal, onde pro-
tagonistas externos ajudam directamente uma profissão a pressionar o apa-
relho de Estado. Nas esferas pública e do trabalho, é o [desempenho do] car-
go que tem mais efeitos, dado que a capacidade para definir os problemas e
as medidas do sucesso permite a uma profissão fazer com que o seu trabalho
pareça mais coerente e dedicado do que aparentaria numa apreciação impar-
cial (1988: 138-139).

Neste modelo, o poder não é absoluto e é insuficiente enquanto esteio de mo-


nopólio absoluto, e isto porque há a presença de outros actores no mundo das
profissões: as outras profissões dominantes, os clientes/empregadores e o
Estado, cada um dos quais restringe o poder das profissões individuais.
Assim, apesar de este jogar um importante papel na competição interprofis-
sional a longo prazo, o desenvolvimento profissional reflecte um equilíbrio
de forças. Durante algum tempo, as profissões têm diferentes graus de domi-
nação que reflectem a força da sua jurisdição, a conversão da jurisdição em
poder público ou legal e a cooptação de forças externas. Este poder ajuda nos
conflitos jurisdicionais de pequena escala e na mudança jurisdicional de lon-
go prazo, mas não imuniza de sobressaltos no caminho e não pode ser usado
em diferido.
Em síntese, Abbott conceptualiza uma abordagem dinâmica do fenómeno
das profissões.
Num quadro de crescente especialização e divisão do trabalho, a relação
entre as ocupações é assumida como uma dimensão importante na análise do
sistema ocupacional: se idealmente a harmonia e o equilíbrio existem, rea-
lizando cada uma das ocupações um conjunto particular de tarefas distintas
e complementares, na realidade ocorrem inúmeros conflitos de disputa de
áreas de actividade, sendo através da resolução de tais conflitos que se redefi-
nem as relações entre as ocupações.
Partindo de tal pressuposto, o autor, no seu livro, centrar-se-á na identi-
ficação das condições gerais e dos recursos usados nos processos de fixação e
de mudança jurisdicional dentro do sistema das profissões.
104 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Numa primeira parte, modeliza o processo e as condições do estabeleci-


mento efectivo e da manutenção das áreas jurisdicionais pelas ocupações:

— a natureza das tarefas (diagnóstico, tratamento e inferência) e a estrutu-


ra intelectual que articula diagnóstico e tratamento, que é o centro da
aprendizagem profissional;
— as estruturas que suportam as reclamações e através das quais são
desenvolvidas ou avançadas, avaliadas e fixadas as jurisdições;
— factores históricos e culturais que podem fazer variar as características
do sistema ocupacional e afectar a extensão da competição.

Numa segunda parte, analisa as fontes de mudança no sistema:

— diferenciação interna, mudanças tecnológicas e organizacionais que


criam e destroem novas actividades sobre as quais as profissões preten-
dem exercer o controlo;
— mudanças culturais que afectam a forma pela qual a pretensão jurisdi-
cional é avançada e legitimada.

E, finalmente, termina com a apresentação de estudos de casos.


Esta perspectiva de análise é intrinsecamente histórica e comparativa,
propondo a análise da formação e transformação de clusters de ocupações
profissionais em relação com a construção e erosão de tarefas ou domínios de
actividade. A dimensão histórica da análise é claramente evidenciada nos es-
tudos de caso analisados por Abbott, mas também em dois outros trabalhos
de investigação empírica inspirados neste modelo.
Begun e Lippincott (1987) ilustram este tipo de abordagem com o caso
do conflito que envolveu os optometristas e os oftalmologistas nos EUA, pre-
tendendo os primeiros expandir as fronteiras da sua área de actividade,
incluindo nelas a prescrição de medicamentos para os olhos.
Também Halpern (1992) oferece uma ilustração empírica destas aborda-
gens, examinando a variação no controlo exercido pela medicina americana
sobre outras quatro ocupações que intervêm no domínio da saúde: radiolo-
gistas; tecnologia de laboratório, terapia física e enfermeiras anestesistas,
dando assim conta de um conflito que se arrastou desde 1920.
Para terminar, resta-nos ainda uma observação. Como referimos já, esta
abordagem realiza uma síntese integradora dos vários paradigmas presentes
na sociologia das profissões. E embora o autor se reclame tributário sobretu-
do de Hughes e do interaccionismo simbólico,10 é muito evidente a presença
de contributos de outras escolas.
Das teorias funcionalistas, Abbott recupera a importância e centrali-
dade do conhecimento como atributo ou traço característico das profis-
sões: analisa o papel do conhecimento abstracto na fixação, manutenção e
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA 105

fortalecimento de jurisdições; inversamente, analisa os processos de rotini-


zação e codificação como factores facilitadores do acesso de outros grupos
ao conhecimento de base de determinado grupo dominante; demonstra
como mudanças nos currículos, ou mesmo no sistema de ensino, permitem
usar a posse de conhecimentos de base como argumento para justificar as
invasões de jurisdição.
Do paradigma interaccionista, para além daquilo que é explicitamente
assumido, o autor recupera os conceitos de segmentação intraprofissional e
de processo, analiticamente pertinentes para compreender a base social dos
conflitos interprofissionais. As clivagens e segmentações intraprofissionais
levam ao desenvolvimento de expectativas diferenciadas e de estratégias de
alargamento de áreas de influência por parte dos segmentos que se acham
com mais recursos para desencadear tais acções, invadindo as fronteiras ou
os limites que os separam de outros grupos ou segmentos.
Finalmente, do paradigma do poder11 recupera o próprio conceito de
poder, os de auto-interesse e de acção política, mais do que sugestivos para a
análise da resolução de conflitos. De facto, se o sucesso da jurisdição ao nível
da situação de trabalho depende da capacidade de evidenciar a competência
do grupo profissional, ao nível legislativo depende, sobretudo, do envolvi-
mento político.
A questão do poder, no modelo de Abbott, torna-se mais evidente na
análise da fixação de jurisdição nas arenas pública e legal; nestes níveis, os
atributos possuídos pelas profissões, tal como o conhecimento para realizar
determinadas tarefas competentemente, podem ou não ser um facto; o que é
importante é que a elite social, bem como os legisladores, esteja convencida
da realidade de tais atributos.

10 Abbott explicita claramente a influência do paradigma interaccionista na construção do


seu quadro teórico-metodológico. Considera que a mais antiga tradição que pôs em causa
o modelo estrito da profissionalização foi a de Hughes e dos seus seguidores, os quais ten-
taram concentrar-se em estudos dos locais de trabalho dos profissionais e realçar o carácter
negocial do poder ou domínio profissional. O presente modelo surge essencialmente por
extensão da lógica de Hughes ao seu limite e focalizado nas interacções jurisdicionais.
Os interaccionistas das profissões continuavam a tratar a profissão como unidade de análi-
se, contudo fizeram-no com mais flexibilidade e investigaram as interacções nos locais de
trabalho. O autor tenta dar mais um passo. Aborda a jurisdição não apenas ao nível do am-
biente de trabalho, mas também nos ambientes formais, público e legal. Tentou ultrapassar
o que considera ser o problema clássico do interaccionismo — a incapacidade para explicar
a evidente estabilidade de muitas interacções ao longo do tempo. A solução proposta foi
demonstrar que existiam diferentes estratos, camadas de interacção, cada uma delas ope-
rando a diferentes velocidades, tal que a mais lenta oferece estabilidade a elementos que
são negociados nas camadas mais rápidas (1988: 113).
11 Que Abbott, se não ignora, certamente marginaliza, designando tais abordagens por
“monopolistas”, não relevando nenhuma das diferenças que separam os autores que aí
inclui, como, por exemplo, Freidson e Larson.
106 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

A emergência de abordagens comparativas

Na Europa, durante muito tempo, foram considerados pouco pertinentes


tanto o conceito de profissão como o seu estudo devido não só à ausência de
um termo com similares implicações nas linguagens do continente europeu,
como, mais importante ainda, devido ao proeminente papel do Estado na
definição das fronteiras dos grupos profissionais. O modelo profissional da
teoria funcionalista, muito marcado pela situação das profissões liberais, não
tinha aplicação, nem aparentemente equivalente, na realidade do lado de cá
do Atlântico.
De facto, o conceito de profissão originário nos países de língua inglesa,
nos quais tem um significado preciso, esteve na base da construção do mode-
lo funcionalista de estudo das profissões, como vimos atrás. Gispen (1988)
sugere que o contraste entre a ausência de teorias e estudos relativos às profis-
sões em países do continente europeu, como a França e a Alemanha, e por
outro lado, a sua abundância nos Estados Unidos e Inglaterra, é uma conse-
quência de variações culturais na estrutura social dos diferentes países:

Existem diferenças, de país para país, no poder político e independência dos


grupos ocupacionais. Em Inglaterra, e especialmente nos Estados Unidos, as
profissões são em grande medida reconhecidas como grupos de pressão legíti-
mos, ou mesmo como “governos privados”, com poder para influenciar ou
ajustar a legislação e capazes de competir com o Estado em áreas que lhes dizem
respeito. Em França e na Alemanha, onde historicamente o grau de burocratiza-
ção e o poder do Estado têm sido maiores do que no mundo anglo-americano,
os grupos ocupacionais não lograram dispor das mesmas oportunidades de
exercício do poder e de evolução para formas de organização profissional
(1988: 554).

A partir destas alegadas diferenças, muitos autores relacionam a existência


ou não existência de profissões com a existência de economias de mercado
versus governos burocráticos; por exemplo, Larson considera o desenvolvi-
mento das profissões nas sociedades europeias menos espontâneo devido à
intervenção dos Estados burocráticos e centralizados. Assim, a ausência de
estudos de profissões na Europa continental devia-se essencialmente ao facto
de se considerar que na realidade não existiam “verdadeiras” profissões, sen-
do o próprio conceito rejeitado por inúmeros autores.
Em certa medida, ao realçar o controlo do mercado de competências no
processo de constituição das profissões, o contributo de Larson reforça estas
posições, da mesma forma que confirma todas as teses que negam o estatuto
de profissão aos engenheiros ou outras ocupações assalariadas, fazendo resi-
dir no mercado as principais dificuldades na concretização dos projectos de
profissionalização.
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA 107

Repete-se com Larson o equívoco já criticado nos funcionalistas que


consiste na construção do modelo ou na definição de profissão a partir de tra-
ços ou características das profissões liberais, deixando de fora, de forma de-
masiado expedita, formas de organização de ocupações passíveis de serem
compreendidas à luz dos princípios do modelo de organização profissional.
A queda do paradigma funcionalista e a reificação do processo de cons-
trução do fenómeno das profissões traduziu-se, entre outras coisas, no desen-
volvimento de uma série de estudos históricos, procurando situar institui-
ções culturais, condições sociais, políticas e económicas relativas à origem
das profissões e do profissionalismo, sendo generalizada a convicção de que
as formas de organização profissional contemporâneas, as diferentes modali-
dades e os padrões encontrados são de alguma forma determinados pela sua
história, pelas suas origens.
É assim que na Europa,12 a partir do final dos anos 80, se desenvolvem
inúmeros estudos comparativos, procurando distinguir diferentes padrões
de profissionalização em diferentes profissões e em diferentes países,13 criti-
cando-se as conceptualizações dos países de língua inglesa e chamando a
atenção para o importante papel do Estado nestes processos.
A perspectiva estática é substituída por uma perspectiva dinâmica da
profissionalização como processo; as questões históricas tornaram-se urgen-
tes, não apenas as decorrentes da descrição dos diferentes processos de pro-
fissionalização, mas também as resultantes da procura de explicação para
diferentes situações, como, por exemplo, porque é que umas ocupações eram
bem sucedidas nesse processo e outras não.
O que muitos dos estudos históricos permitem observar e concluir é que as
formas de organização profissional resultam de processos históricos contingen-
tes, quase sempre envolvendo processos de negociação e conflito, diferentes
agentes, segmentos, etc., assumindo particular relevo a diversidade interna e a
estratificação do próprio grupo ocupacional; por outro lado, sob a capa do pro-
fissionalismo esconde-se uma grande variedade de ideologias ocupacionais
que, por exemplo, no caso dos engenheiros, opõem a defesa do estatuto ocupaci-
onal à defesa de papéis sociais de intervenção e de responsabilidade política;
por outro lado ainda, um elemento importante na concretização de projectos de
profissionalização é a sua ligação às elites através da presença de membros da
elite política e económica nos grupos profissionais.
Em França14 desenvolveu-se uma vasta historiografia de instituições de
formação, associações científicas e profissionais, de instituições económicas
que, apesar do seu carácter disperso e fragmentado, têm hoje acumulado um
vasto património científico que muito contribui para a história das profissões

12 Também por influência da ciência política e da sociologia política.


13 Estudos comparando diferentes grupos profissionais no mesmo país, ou comparando o
mesmo grupo em diferentes contextos nacionais.
108 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

naquele país. Isto é particularmente interessante no caso dos engenheiros,


porque, dado o conhecimento acumulado em relação ao país, começa-se a
assistir ao esforço de dinamizar estudos similares em outros países da Euro-
pa, tendo-se já realizado encontros internacionais e promovido algumas
publicações que oferecem perspectivas comparativas do desenvolvimento
profissional dos engenheiros.
No próximo subcapítulo, a propósito da relação entre saber e poder,
referiremos alguns destes estudos sociohistóricos desenvolvidos em França,
nomeadamente os relativos ao grupo profissional dos engenheiros. Mas, a tí-
tulo de exemplo, muitos outros podem ser apresentados.
Weiss (1982; 1985) contribui para a compreensão das origens da forma-
ção de engenheiros em França, com o estudo histórico da École Centrale,
cujos diplomados, maioritariamente empresários e gestores, tiveram um
papel vital no desenvolvimento industrial do país. No conjunto dos seus
trabalhos, apresenta uma visão global do sistema de ensino de engenharia no
país, da sua evolução, dos seus conflitos e tensões, dos diversos agentes
envolvidos no processo da sua estruturação.
Day (1984; 1987; 1991) estuda o caso das Écoles d’Arts et Métiers, na sua
origem vocacionadas para a formação de técnicos médios, largamente marca-
das pela origem social dos alunos e pelas ocupações dos seus diplomados,
mas que no final do século XIX adquirem a possibilidade de atribuir diplomas
de engenheiros. O autor analisa a evolução dos currículos, mas também o pa-
pel das associações de antigos alunos no processo de mobilidade ascendente
destas escolas.
Cuche (1988) e Grelon (1982) analisam como as instituições de formação
de engenheiros formam não só técnicos, como homens. Para além de infor-
mação técnica, transmitem um quadro de valores, uma forma de pensar e
uma competência social fortemente influenciados pela ideologia militar:
os princípios de hierarquia, uma escala de valores que vai do científico ao tec-
nológico, o que, segundo Grelon, é muito evidente nas estruturas e no funcio-
namento das próprias organizações industriais, nas quais os engenheiros
exercem a sua actividade.
A história das instituições de formação é particularmente importante
porque se trata de uma história social, não internalista, na qual as institui-
ções são percepcionadas como agentes activos de transmissão de conheci-
mentos/formação a determinados indivíduos aos quais atribui certifica-
dos e credenciais; são estudadas como agentes activos, nos processos de

14 Os estudos históricos na tradição inglesa raramente tentaram analisar o trabalho e as prá-


ticas dos membros-base das profissões, centrando-se na elite e nos seus corpos de gover-
no: por exemplo, em relação aos engenheiros não existem trabalhos incidindo sobre as
carreiras, estilos de vida e de trabalho; as investigações são dominadas pelas biografias
de grandes engenheiros ou de instituições.
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA 109

desenvolvimento económico, como nos processos de estratificação social,


veiculando valores e normas de comportamento.
Numa outra linha, Thépot (1985) reúne um vasto conjunto de estudos
históricos sobre os engenheiros franceses, de diversos autores, que revelam a
estrutura da profissão na segunda metade do século XIX, procurando estabe-
lecer uma articulação entre a formação dos engenheiros e o desenvolvimento
industrial do país. Destacam-se deste conjunto os textos de Moutet e de Bol-
tanski. O primeiro analisa como, no início do século XX, a organização científi-
ca do trabalho desempenhou um papel na construção da identidade do gru-
po profissional em torno de uma ideologia própria e de uma acção política
comum, não sem a oposição dos industriais, o apoio do Estado e divisões
entre os próprios engenheiros; o segundo descreve a situação dos engenhei-
ros autodidactas, defendendo a tese de que estes são um sintoma da comple-
xidade das características e da direcção dos fluxos que ligam o sistema de
ensino à estrutura sociocupacional.
Kessler (1986; 1986a) estuda a constituição dos grandes corpos do Esta-
do, nos quais se incluem os corpos técnicos de engenharia, que, nascidos da
ideia de necessidade técnica, se transformam em estruturas de autoridade
conferida pelo sistema político, cultural e social, as quais participam do siste-
ma de poder conquistado ao longo de um processo de autonomização e de
jogos de influências externas.
Também Grelon (1986) reúne uma série de estudos históricos relativos
ao período de entre as duas grandes guerras, nos quais se analisam sobretudo
as condições sociais, económicas e políticas e os conflitos internos e externos
que conduziram à lei de 10 de Julho de 1934, que define as condições de uso
do título de engenheiro. Reúne ainda alguns estudos sobre a história dos en-
genheiros em outros países da Europa, no mesmo período, proporcionando
uma interessante perspectiva comparativa.
Já mais recentemente é publicada, sob a direcção de Fox e Guagnini,
(1993) uma outra série de estudos históricos (relativos ao período que vai de
1850 a 1939) sobre a formação e o desenvolvimento dos sistemas de educação
e de ocupação dos engenheiros, em vários países da Europa, procurando
cumprir dois objectivos.

O primeiro era mostrar como a tarefa comum de proporcionar instrução técnica


avançada em universidades e outras instituições foi equacionada em diferentes
contextos económicos, políticos e sociais. Desta forma, houve consciência, por
parte dos autores, da armadilha em que se cai quando a interacção entre educa-
ção e indústria é analisada em termos de simples relacionamento causal. Procu-
rou-se antes — e esse era o segundo objectivo — insistir na complexidade das
circunstâncias nas quais a educação e a indústria se relacionaram entre si desde
meados do século XIX e realçar os frequentes papéis conflituais dos corpos pro-
fissionais, autoridades governamentais e outras agências mediadoras (1993: 1).
110 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Ainda na Europa, também o colóquio coordenado por Lucas e Dubar (1994) é


indicativo deste esforço de estabelecer parâmetros de comparação entre dife-
rentes grupos, em diferentes contextos socioespaciais, a partir dos quais se
torne possível ultrapassar as limitações decorrentes de modelos e de genera-
lizações sobre profissões e profissionalização, sustentados pelo método do
estudo de caso dentro de específicos contextos culturais que tradicionalmen-
te caracteriza as abordagens em sociologia das profissões.

As condições de génese, de desenvolvimento e mesmo de desaparecimento dos


grupos profissionais em diferentes países comportam características que ultra-
passam as fronteiras nacionais. Existem suficientes traços de base comuns que
tornam possível estabelecer comparações entre dados diferentes. Deste modo
se constitui uma sociologia “internacional” dos grupos profissionais tendo por
base os modos de funcionamento inerentes às nossas sociedades industriais
quer sejam industriais há séculos, como nos países europeus, quer tenham sido
englobadas neste fenómeno mais recentemente… (Grelon, 1994: 41).

Simultaneamente, Grelon (1994) chama a atenção para uma importante difi-


culdade da teorização sociológica que reside na armadilha e paradoxo das
comparações internacionais: como conciliar a necessidade de evidenciar os
traços específicos relativos à génese e dinâmica dos grupos profissionais, com
a procura ou identificação de características gerais ou universais da sua cons-
trução e da sua transformação.

Não podemos compreender nada da dinâmica de um grupo profissional sem


entender a sua génese e mesmo a sua genealogia. Porém, este procedimento
acentua a análise das especificidades, constituindo os processos na base de his-
tórias nacionais, de particularidades regionais, de culturas de empresa, de tra-
dições industriais locais. Conduz, por isso, a relativizar a pertinência dos
esquemas gerais (1994: 53).

Como lidar com este paradoxo, doravante clássico, segundo o qual quanto mais as
comparações internacionais se desenvolvem, mais as especificidades nacionais,
regionais ou locais se revelam importantes? Será que a crítica dos esquemas apa-
rentemente universais da “teoria funcionalista das profissões” não pode conduzir
senão à constatação de uma pluralidade irredutível de lógicas profissionais estrei-
tamente dependentes dos contextos nacionais? (1994: 379-380).

No colóquio coordenado e editado por Lucas e Dubar (1994) assinalam-se


três grandes evoluções transversais aos diferentes contextos nacionais de
desenvolvimento das profissões: a tendência para a globalização; o indivi-
dualismo crescente das trajectórias e estratégias profissionais; e, por último,
a crescente feminização (1994: 380-381).
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA 111

Um outro testemunho importante deste esforço de desenvolvimento de


estudos comparativos são os livros editados, em 1990, por Torstendahl e Bur-
rage. Os autores identificam como elementos comuns a todos os processos de
formação das profissões:

1) o sistema de conhecimento com tradução na resolução de problemas,


numa fase inicial definidos por clientes ou empregadores individuais e
actualmente definidos sobretudo pelos clientes ou empregadores no
contexto de organizações;15
2) os projectos de profissionalização, isto é, estratégias desenvolvidas por
grupos profissionais, constituídos por referência ao sistema de conheci-
mento, com vista a fortalecer a sua posição no mercado de trabalho.
Uma das mais importantes características é a autonomia, se bem que
não são os grupos mais autónomos os mais tipicamente profissionais.
Consideram ainda que muitas variáveis podem determinar a concreti-
zação dos projectos profissionais: a forma de transmissão dos conheci-
mentos; o tipo de conhecimento-base — organizado, muitas vezes, em
subespecialidades e numa hierarquia que reproduz o sistema de ocupa-
ções (ver médicos e enfermeiros; engenheiros e engenheiros técnicos);
o tipo de clientes ou entidades empregadoras; etc.;
3) o Estado é uma das variáveis importantes: não apenas reconhece e rati-
fica ou certifica a posição dos grupos na sociedade, como incorpora em
si competências dos profissionais; mas a principal influência do Estado
faz-se sentir ou materializa-se na definição e organização do sistema de
educação.

Saber e poder: a centralidade do conhecimento científico

O saber, os saberes, as competências e o conhecimento científico são um ele-


mento essencial em qualquer das abordagens das profissões. Vimos como na

15 “A característica fundamental dos sistemas de conhecimento dos profissionais (…) é até


que ponto eles obedecem ao propósito efectivo de capacitar para resolver problemas,
sendo o prestígio e o poder contrapartidas para os que detêm essas capacidades, ou até
que ponto o conhecimento é um valor simbólico que serve o propósito de ser qualquer
coisa que se pode invocar aos olhos dos outros como importante, mas que não tem uma
clara relação com a capacidade dos profissionais para resolver problemas (Torstendahl e
Burrage, 1990: 3).” Collins (1990) é um dos que defendem que o sistema de conhecimen-
tos serve, sobretudo, propósitos simbólicos, com uma função primordialmente ideológi-
ca, em ordem a conferir elevados status aos profissionais; embora sem excluir a possibili-
dade de os profissionais na realidade possuírem a capacidade de resolver problemas,
mostra como o prestígio e os privilégios não dependem directamente da capacidade de
resolver problemas, mas da posse de outros recursos.
112 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Figura 4.2 Dimensão social e dimensão cognitiva nos processos de construção do conhecimento

tradição funcionalista da sociologia das profissões lhe foi atribuído um lugar


central no processo de desenvolvimento profissional, sendo sempre, no en-
tanto, encarado como uma “caixa negra”, como um dado com um valor
intrínseco e de uma bondade inquestionáveis, do qual se decalcavam directa-
mente os poderes e privilégios profissionais (ver capítulo 2).
A partir das contribuições do interaccionismo simbólico e do movimento
crítico do modelo profissional, torna-se evidente que, se o conhecimento científi-
co é uma condição necessária e indispensável nos processos de profissionaliza-
ção, não é uma condição suficiente. Trata-se, então, já não de medir quanto de
conhecimento teórico/abstracto possuem determinadas ocupações ou profis-
sões, avaliado pelo número de anos de formação, mas perceber as condições so-
ciais que levaram ou permitiram que uma ocupação reivindicasse, alcançasse e
depois mantivesse ou perpetuasse uma particular competência/expertise.
Em propostas tão distintas como as de Freidson, Derber ou Abbott, o
conhecimento é o principal recurso de poder profissional. Abbott (1988)
considera que só o sistema de conhecimento abstracto pode definir os proble-
mas e tarefas dos profissionais, defendê-los dos competidores e ajudá-los a
conquistarem soluções novas para problemas novos — o conhecimento é
assim a peça fundamental da autonomia profissional, das posições de poder e
privilégio na sociedade e nas organizações, assegurando a sobrevivência no
sistema de profissões competitivo.
Freidson (1971), há 25 anos, faz um clarividente diagnóstico da situação
que mantém ainda hoje actualidade.

É possível identificar dois grandes problemas de análise com que se confron-


tam os sociólogos ao estudar as profissões. O primeiro é a necessidade de
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA 113

entender como as profissões se auto-orientam ou como a autonomia é desen-


volvida, organizada e mantida. O segundo é a necessidade de entender a relação
do conhecimento e procedimentos das profissões com as organizações profissio-
nais e com o mundo leigo. O primeiro é um problema de organização social; o se-
gundo é um problema da sociologia do conhecimento (1971: xvii-xviii).

Contudo, esta definição de campos disciplinares introduziu uma clivagem,


uma distinção conceptual pouco favorável aos estudos das profissões, uma
vez que contorna a questão central, à qual escaparam a maior parte dos soció-
logos das profissões: é o essencial da actividade profissional um fenómeno
social ou cognitivo?
De facto, a sociologia das profissões, seja qual for o paradigma, é maiori-
tariamente dominada por uma percepção essencialmente social do fenómeno
das profissões, sendo a dimensão cognitiva considerada uma variável cons-
tante e contornando-se de forma sistemática a análise das condições que pre-
sidem à produção de conhecimentos e da sua aplicação.
Segundo Goldstein (1984), o fenómeno das profissões é simultanea-
mente social e cognitivo, mas os sociólogos das profissões, mesmo os das
abordagens interaccionistas, apenas relevam a dimensão social dos processos
de profissionalização.
Considerando que faltam à sociologia das profissões instrumentos con-
ceptuais para ultrapassar esta questão central, Downey, Donovan e Elliott
(1989), bem como Jasanoff et al. (1995), defendem o recurso à contribuição da
sociologia da ciência e da educação que permitem analisar não apenas as con-
dições sociais de produção e transmissão do conhecimento científico, mas
também as condições da sua institucionalização. Neste sentido, Goldstein
(1984), para a compreensão tanto da dimensão social como cognitiva, defen-
de o recurso a autores como Foucault, cujas teses, construídas a partir do estu-
do da história e dos sistemas de pensamento das sociedades contemporâ-
neas, reflectem sobre a relação entre saber e poder e relatam a transformação
do conhecimento científico em instituições, em funções ou papéis sociais
concretos (isto é, em sistemas de interesses).

As profissões são mantidas através de um processo circular: a dimensão não


discursiva serve como base para a dimensão discursiva, a qual, publicamente
representada como conhecimento ou ciência, legitima a não discursiva. É a
segunda metade do círculo que os sociólogos das profissões sempre têm reco-
nhecido ao salientarem que o papel social e o status dos profissionais são legiti-
mados pela sua expertise esotérica. Mas a primeira metade do círculo, a constitu-
ição do conhecimento profissional através da prática profissional, constitui a
contribuição teórica específica de Foucault (1984: 183-184).

Os trabalhos de Paradeise (1987; 1988), claramente tributários do paradigma


114 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

interaccionista, são um exemplo de tentativa de ruptura com o tipo de abor-


dagem dominante na sociologia das profissões: defende que os principais
recursos nos jogos em torno do fechamento de segmentos do mercado de tra-
balho seriam a qualificação — que para a autora não designa uma capacidade
intrínseca da mão-de-obra, mas o produto de um acordo estabilizado sobre a
relação entre as potencialidades reconhecidas à força de trabalho e os lugares
atribuídos — e a argumentação que os candidatos à profissionalização sejam
capazes de desenvolver junto de públicos diversos, uma vez que a argumen-
tação baseada numa retórica da verdade, da necessidade e da relação necessi-
dade/ciência constitui o principal trabalho de construção das competências.
O conhecimento científico, as qualificações e as competências são encarados
como um enjeu de lutas tanto no campo da educação, como no campo do tra-
balho, envolvendo diferentes agentes que procuram construir as suas compe-
tências e valorizá-las nos seus postos ou domínios de actividade.
O poder deixa de ser decalcado directamente do saber. Este é analisado
considerando as condições concretas da sua aplicação, da construção social
da sua oferta e procura. Centra-se a análise nas mediações entre os saberes e
os poderes, na transformação do valor intrínseco do conhecimento em valor
de uso reconhecido socialmente.
Também Larson (1988), inspirada nas teses institucionalistas de Fou-
cault, virá argumentar que o saber em si não é suficiente para constituir recur-
so e que para demonstrar a superioridade de um grupo é necessário desen-
volver um processo de construção e de apropriação de um discurso científico,
autorizado e autorizante (“verdadeiro”). O sucesso deste processo dependerá
do contexto político, da eficácia dos profissionais e dos recursos intelectuais,
ideológicos e sociais dos seus membros.
Larson utiliza o conceito de “campo de discurso” construído por Fou-
cault para abordar a relação entre o conhecimento científico e o poder dos
profissionais.

A profissão — elo estrutural entre o ensino superior e a divisão social do traba-


lho — tornou-se um meio quase omnipresente de construir a competência, quer
dizer de criar, organizar e apresentar aos actores e aos espectadores (ou aos exe-
cutantes e aos clientes) o cenário seguinte: eis uma pessoa identificada por sina-
is particulares que põe à vossa disposição um saber superior ao de outras pes-
soas que podem perfeitamente possuir mais conhecimentos e uma excelente
formação, mas noutros domínios (1988: 33).

Define-se assim a existência de um público profano que, todavia, compreen-


de os sinais da competência, partilhando um quadro sociocognitivo no qual
se inscreve a superioridade dos especialistas e dos profissionais, quadro for-
necido essencialmente pelo sistema de instrução público e obrigatório, bem
como pelo sistema de informação e dos média.
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA 115

No seguimento daquelas que são as grandes linhas do seu trabalho, a


autora define profissão como a forma organizada da aquisição e da aceitação
de uma competência em vastos campos funcionais, sob a base dos títulos e
diplomas oficiais detidos por grupos de indivíduos, e identifica, como parte
essencial do trabalho de expert, dois níveis da produção de saber: a produção
de discursos científicos para a justificação das práticas e códigos de conduta;
e a apropriação desses mesmos discursos.
As ligações estruturais entre um nível de instrução relativamente ele-
vado e os postos ou recompensas relativamente desejáveis na divisão
social do trabalho podem assumir diferentes formas e são historicamente
estabelecidas. Nas actuais sociedades, desiguais mas orientadas por uma
ideologia igualitária/democrática, a justificação dos privilégios, e sobre-
tudo da autonomia, está estreitamente articulada com a institucionaliza-
ção e a produção dos saberes. Como refere Larson, a organização do siste-
ma de ensino público obrigatório e hierarquizado sustenta o argumento
do mérito como explicação das desigualdades e confere-lhe uma objectivi-
dade institucional (1988: 29).
A aceitação, que é o mecanismo-chave nos processos de profissionaliza-
ção, exige um corpo de conhecimentos homogéneos e normalizados, conheci-
mentos que serão aplicados num mercado de trabalho cujas exigências de
formação também aumentam. Assim, a codificação e a normalização dos
conhecimentos permite a sua acessibilidade e torna possível a definição de
um campo de discurso ao qual têm acesso todos aqueles cujos conhecimentos
são sancionados. No entanto, nos grupos estratificados e hierarquizados, a
apropriação e produção dos discursos é muito diferenciada.

Num campo discursivo coexistem vários discursos, mas raramente podem


estes ser considerados igualmente válidos. Graças ao elo estrutural que as
sociedades modernas estabelecem entre saber e prática, instrução e ocupação,
escola e trabalho, os peritos “diplomados” tendem sempre a ocupar o centro
dos campos discursivos. Entende-se por “centro” o lugar social concreto e
concretamente protegido (…) donde provém o discurso mais verdadeiro (…)
destinado a defender os códigos de prática dominantes, quer dizer os códigos
preferidos pelos agentes sociais que têm o poder ou a influência necessária para
os fazer aceitar (1988: 33-34).

No centro, os sujeitos diferenciam-se pela sua relação com o verdadeiro dis-


curso, pela autoridade conferida à sua posição ou ao seu nome. No caso das
profissões, o centro corresponde ao sistema de investigação e formação; é o
núcleo dos que criam, ensinam e, na periferia, difundem o saber e dão visibili-
dade à profissão mas existem ainda os administradores, directamente encar-
regues da promulgação dos códigos e da defesa do equipamento institucio-
nal, fornecendo o apoio tanto ao centro, como aos sectores excêntricos.
116 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Mas se a estruturação interna do campo do discurso se reflecte na estrutura


interna do grupo profissional e permite interpretar a desigual participação no
poder dos diferentes segmentos em função do seu afastamento do centro do
campo do discurso, permite também circunscrever os conflitos internos.

Também é possível ver onde se localizam os diversos combates e conflitos, no


interior das disciplinas profissionais, sobre a produção de discursos verdadei-
ros. Antes de tudo, os enunciados dos participantes revelam que códigos de
prática são postos em causa e em que sectores do campo discursivo (1988: 35).

Por outro lado, Goldstein (1984) utiliza o conceito foucaultiano de disciplina,


que recobre, em múltiplos sentidos e simultaneamente, uma realidade social
e cognitiva: método de manutenção e controlo do cumprimento de regras e
normas, instrução formativa ou direcção moral; corpo de conhecimentos.
Segundo o autor, esta polissemia permite estabelecer um paralelismo entre os
dois conceitos — “disciplina” e “profissões” —, paralelismo confirmado tan-
to no que respeita às suas origens, como às actuais configurações.

Se as disciplinas são de alguma forma as profissões dos sociólogos, elas são


também algo mais. (…) Foucault não centra a sua análise nos “profissionais”,
nem no porquê e como adquirem um estatuto particular na sociedade, mas nos
atributos estruturais gerais da sua prática tal como esta é vista por aqueles sobre
os quais essa prática é exercida e cujos corpos são por ela “domados” e “treina-
dos”. O profissionalismo, como é recriado por Foucault, tornou-se uma nova
“microfísica do poder”, o modo moderno de exercer o poder. Portanto, não é
surpreendente que as disciplinas/profissões tenham crescido em estreita cola-
boração com o Estado, utilizando as redes burocráticas e “policiais” que se têm
expandido desde os primórdios do Estado moderno para, sistematicamente,
controlar, observar e conter a população (1984: 176-177).

Segundo Foucault (1975), as disciplinas/profissões como prática social respon-


dem, na sua origem, a condições históricas marcadas pelo crescimento demográ-
fico do século XVIII e ao crescimento das instituições de produção económica,
crescimento este que mudou a escala quantitativa dos grupos a serem manipula-
dos e supervisionados. As disciplinas foram desenvolvidas como novas modali-
dades de exercício do poder mais eficazes que os modos feudal ou monárquico.

E a chave, o instrumento utilizado pelas disciplinas para instituírem


novos procedimentos e uma nova modalidade de poder, é o olhar — a obser-
vação, o exame —, o qual permite não só a produção de uma informação acu-
mulada, constitutiva de novos ramos de conhecimento,16 mas também a
manutenção de indivíduos disciplinados — constantemente observados — e,
portanto, a institucionalização de relações de poder.
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA 117

O conhecimento científico, assim como outras instituições modernas,


constitui-se como um dos elementos de um aparelho de controlo, de discipli-
na e de regulação que asseguram a ordem, já não por meio da vigilância, mas
através de uma micropolítica de disciplina, na qual as pessoas são moralmen-
te reguladas para a conformidade e as profissões surgem como uma espécie
de administradores de tal disciplina.17
É agora evidente que uma outra questão atravessa estas reflexões: o desen-
volvimento das profissões é determinado pelas estruturas sociais existentes que
reflecte e reproduz ou é o resultado de práticas contingenciais? O binómio social
versus cognitivo cruza-se com um outro, estrutura versus prática.
Este não é um debate novo, pois surge repetidamente nos diferentes
domínios da investigação sociológica. E no domínio específico da sociolo-
gia das profissões tem sido alimentado pelo desenvolvimento de trabalhos
empíricos centrados, sobretudo, nas instituições de formação e nos estabe-
lecimentos de ensino superior, com contributos da sociologia da educa-
ção18 e daquilo a que alguns autores chamam a sociologia do currículo.
Embora partindo do conceito de construção social do saber importado da
sociologia da educação, Forquin (1984) procura justamente analisar as ba-
ses sociais e os enjeux sociais da organização, da estratificação e da legiti-
mação dos saberes escolares. É feito um esforço no sentido de ultrapassar a
ambiguidade e os diferentes sentidos que esta contem, salvaguardando,
em particular, o princípio segundo o qual, apesar de todo o saber ser cons-
truído e transmitido na base de condições sociais determinadas, tal não
permite negar o valor objectivo do saber, nem concluir que os critérios de
validação e de classificação dos saberes são puras convenções e que o lógi-
co se pode reduzir a mera ideologia (Forquin, 1984: 225).
Por exemplo, Kahane e Starr (1987) analisam os currículos do ensino
técnico através de um exame ao conteúdo de uma série de manuais de forma-
ção usados em escolas técnicas, com o objectivo de revelar como diferentes ti-
pos de conhecimentos ministrados são passíveis de se converter em papéis ou
funções sociais concretas, tornando mais visível, em relação a cada matéria, o
potencial de utilização prática. Segundo estes autores, a eficácia e a legitimi-
dade dos currículos técnicos eram tradicionalmente avaliadas em termos das

16 No mesmo sentido, Fores, Glover e Lawrence (1991), numa crítica cerrada ao profissiona-
lismo, consideram que a “ciência moderna” newtoniana, totem sagrado da “modernida-
de”, não constituiu nenhuma verdadeira revolução e o início de uma nova era, mas ape-
nas a concretização de novas condições de observação que permitiram introduzir a ordem
na moderna indústria: “Assim, a glorificação do newtonianismo não representativo
aponta para a necessidade humana de ordem e certeza, em vez da omnipresença latente
daquelas, no mundo à volta do homo” (1991: 94).
17 Ver também Graça Carapinheiro (1989) que utiliza o quadro conceptual foucaultiano na
sua análise dos poderes e saberes no hospital.
18 Ver Bourdieu e Bernstein.
118 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

competências práticas ou cognitivas que geravam, mas actualmente tais cri-


térios de avaliação são inadequados.

Tais critérios, contudo, parecem inapropriados em currículos tecnológicos pois


não só as competências são insuficientes, por si só, para suprir as necessidades
complexas do moderno desenvolvimento tecnoeconómico, como o estudante
médio pode ser incapaz de adquirir um conhecimento abstracto aplicável. (…)
Quanto mais o currículo é orientado em função dos papéis (por oposição às
competências ou ao conhecimento puro), tanto maior é a probabilidade de ser
articulável com o mercado de trabalho e maior será a sua eficácia e legitimidade
(1987: 538).

O conceito de papel é dividido por Kahane e Starr em seis componentes analí-


ticos: compromisso (justificação e significado dos objectivos do papel), normati-
vidade (princípios e regras de realização), comunicação (padrões e formas de
comunicação, terminologia e léxico associado ao papel), interactividade (prin-
cípios de relacionamento com outros papéis no interior da organização), inte-
ligência (a capacidade de aplicações apropriadas de conhecimento na resolu-
ção de problemas novos) e proficiência (os aspectos ou competências sensomo-
toras e psicológicas na realização dos papéis), considerando que esta aborda-
gem é particularmente apropriada na avaliação dos currículos técnicos.

Tal abordagem é especialmente válida para currículos tecnológicos que aspi-


ram a resultados pragmáticos. De facto, a própria legitimidade do conhecimen-
to tecnológico depende do seu “valor do uso”, isto é, da sua articulação com o
desempenho dos papéis (1987: 538).

Bauer e Cohen (1981) apresentam um estudo da evolução curricular em duas


escolas superiores de engenharia, mostrando como em torno da sua elabora-
ção se desenvolvem conflitos, negociações e alianças, cujos enjeux não são me-
ramente científicos, mas revelam também a existência de diferentes concep-
ções da mesma disciplina científica, da sua organização interna, ou do seu
uso social, bem como diferentes representações da mesma profissão.

De facto, estas análises permitem descrever certas “resistências à mudança”,


ou, pelo contrário, constatar uma difusão rápida das inovações científicas;
permitem também inscrever o funcionamento dos estabelecimentos de ensino
superior no processo de reprodução social, seja no círculo vicioso da ordem bu-
rocrática ou no aparecimento de uma sociedade meritocrática (1981: 184).

Muitos outros estudos incidindo sobre a história de instituições de ensino supe-


rior, a origem social dos seus alunos, as saídas profissionais e carreiras dos profis-
sionais formados, bem como a evolução dos currículos, procuram contribuir
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA 119

para estes debates. E se, nuns casos, se confirmam as teses da reprodução do sis-
tema social, noutros ilustra-se a participação das instituições de ensino na que-
bra dos círculos viciosos e nos processos de mobilidade e mudança social.
Refiram-se apenas três exemplos de estudos deste tipo relativos à for-
mação de engenheiros em França. Terry Shinn (1978; 1980) que desenvolveu
importantes estudos de sociologia histórica sobre a École Polytechnique e a
formação dos engenheiros dos corpos do Estado, demonstra como, quer se
considerem as origens sociais dos alunos, as saídas profissionais, bem como a
composição dos currículos, estas instituições de formação participam na for-
mação/reprodução das elites políticas francesas.

A orientação da École Polytechnique constitui sobretudo uma base de legiti-


mação para a classe dominante no sentido em que criou enclaves que reser-
vam um monopólio de Estado aos seus diplomados. Eles assumem também
um papel social e político e servem directamente os interesses da alta bur-
guesia, formando uma elite culta e compacta capaz de usar o seu saber como
instrumento de controlo e consequentemente como mecanismo para garan-
tir e perpetuar a sua hegemonia durante três quartos do século XIX. Quanto
ao conteúdo do curso, ele favorece igualmente a burguesia à qual parece
completamente adaptado: matemáticas avançadas e saber científico, mas
também conhecimentos clássicos e aristocráticos, para além do latim…
(1980: 179-180).

C. Day (1987) que também estuda o sistema de ensino técnico em França, no


seu trabalho sobre as écoles d’arts et métiers, demonstra justamente a tese con-
trária: estes estabelecimentos de ensino reflectem a existência de fissuras no
sistema de ensino monolítico, as quais não só forneceram um importante con-
tributo para o progresso tecnológico da indústria francesa, como através
delas se formaram novos grupos de técnicos e dirigentes, tendo-se realizado
verdadeiras promoções sociais e profissionais.

Apenas uma pequena minoria dos seus alunos (dez por cento) ficara, no século
XIX, nas funções inferiores de contramestres, operários qualificados ou dese-
nhadores. Pelo contrário, quase metade dos seus antigos alunos terminaram a
sua carreira no topo da hierarquia industrial. A esta vitória colectiva é preciso
adicionar as brilhantes conquistas individuais dos inúmeros gadzart que inscre-
veram o seu nome na história da indústria francesa (1987: 351-352).

O autor atribui o sucesso profissional dos diplomados por estas escolas a


vários factores, desde a abertura da indústria privada ao equilíbrio entre
formação científica e prática, bem como ao regime de internato que sofreram
e às solidariedades aí geradas e, mais tarde, desenvolvidas nas associações de
antigos alunos.
120 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Estes resultados permitem ao autor responder às teses de Foucault, que,


como vimos, estabelecem uma associação estreita entre saber e vontade de
poder, realizada através de técnicas sofisticadas de controlo ideológico e polí-
tico, técnicas estas desenvolvidas (também) em instituições de ensino e
postas em prática pelos (e para a formação de) profissionais. Segundo Day, o
regime disciplinar duro e repressivo que sofreram os gadzarts teve o efeito
contrário do desenvolvimento da solidariedade e da organização colectiva,
de oposição fundada sobre a indisciplina.

Os rigores da strass, os vigilantes desconfiados e a dura atmosfera do internato


levaram-nos, sem dúvida, a desenvolver uma cultura de oposição clandestina,
como na maior parte dos internatos, mas os gadzarts, metade operários, metade
soldados, não eram, de modo algum, como os outros: a sua capacidade pessoal
de resistência provinha da sua cultura artesanal anterior, sendo possível encon-
trar nos seus rituais, na sua linguagem codificada e no seu culto pelo trabalho,
muitas das tradições das antigas corporações (1987: 358).

Weiss (1982), ainda com o exemplo dos engenheiros em França, desta vez a
partir da análise do conflito histórico que opôs os condutores aos engenheiros
dos corpos do Estado na disputa pelo acesso a determinados lugares e postos
de trabalho, entra também em debate directo com os estruturalistas franceses
da sociologia da educação.

Os investigadores têm argumentado que as instituições educacionais (…) ser-


vem de facto para reproduzir e solidificar hierarquias sociais através do favore-
cimento de certos estilos de pensamento e de discurso determinados pela classe
(…) e da facilitação da transformação do capital económico em capital social e
cultural. Ao mesmo tempo, os sociólogos e historiadores americanos começa-
ram a reexaminar a história das profissões (…) e adoptaram o ponto de vista
que as estruturas e funções sociais das profissões podem ser entendidas, em ter-
mos mais úteis, (…) como resultados de conflitos entre classe e etnias, de lutas
pelo domínio político e cultural em diversas sociedades, de tentativas de mono-
polização de mercados inicialmente concorrenciais por serviços profissionais e
da procura do controlo desses mercados pelos estratos de elite das profissões.
(…) O caso da profissão de engenharia, na primeira metade do século XIX, ilus-
tra o valor explicativo destas linhas de interpretação — as funções conservado-
ras da educação na manutenção das classes sociais e as origens conflituais das
estruturas e ideologias profissionais (1982: 3-4).

O autor comprova, com o caso apresentado, que questões como a da relação


entre saber e poder, entre qualificação e actividade, ou do sistema de hierar-
quias estabelecido com base na credenciação e na modificação das estruturas
sociais, podem ser mais bem apreendidas se encaradas como o produto de
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA 121

conflitos/negociações/alianças entre grupos particulares, mobilizados por


interesses e valores particulares em contextos históricos particulares, do que
se encaradas como um resultado inevitável, predeterminado, seja do pro-
cesso de modernização, da diferenciação estrutural ou da racionalidade
tecnológica.
Ainstitucionalização da hierarquia de saberes versus hierarquia de poderes
no caso dos engenheiros é, a este título, exemplar. Ao nível do saber, o principal
factor estratificador, em torno do qual se desenvolvem conflitos, negociações e
alianças, é a oposição ciência-técnica, que contém em gérmen um paradoxo raras
vezes analisado no domínio da sociologia das profissões. Vejamos.
Os argumentos e critérios utilizados nos conflitos em torno da hierar-
quia das instituições de formação centraram-se, em muitos casos, no número
de anos de formação, no tipo de vias e condições de acesso e no tipo de conhe-
cimento transmitido — mais abstracto, com ênfase nas matemáticas e na
física; mais prático, com ênfase nas disciplinas de aplicação, na especialização
e nos laboratórios.
E as discussões, bem como a evolução das próprias escolas de formação
de engenheiros (no caso alemão, como no caso francês), revelam uma escala
de valores que valoriza o abstracto versus aplicado, a ciência versus técnica, o
que é, talvez, contraditório ou paradoxal com a própria essência e origem da
engenharia, que se afirma como uma ciência aplicada por oposição às ciên-
cias abstractas.19
Shinn (1981), num dos seus trabalhos em que analisa a evolução da
École Supérieur de Physique et Chimie, entre 1882 e 1970, assinala a passa-
gem do domínio das ciências industriais para as ciências fundamentais, suge-
rindo uma relação dessa evolução com a elevação de estatuto da escola e das
carreiras dos seus diplomados. Os saberes operatórios, relativos à produção e
às tarefas estritamente técnicas, teriam um reconhecimento social moderado;
pelo contrário, os saberes teóricos em ciências fundamentais e em matemática
têm um valor instrumental nas estratégias para a realização de objectivos
socioeconómicos, isto é, facilitam o acesso a funções de gestão e de elevados
cargos na administração das empresas industriais.

O estudo das ciências fundamentais pode proporcionar — e é aí que reside a sua


dimensão instrumental — um estatuto socioeconómico elevado. Mas isso im-
plica que elas sejam dissociadas da componente operatória do seu universo.

19 Biezunski, M. (1986), faz um interessante relato do processo de introdução, interrupção e


posterior reintrodução, tardia, do ensino da relatividade numa escola de formação de
engenheiros, constituindo um exemplo das discussões, dificuldades e tensões da defini-
ção dos currículos, mas também da forma como a engenharia se relaciona com a ciência.
Ver também Grelon (1992) e Baudet (1994) a propósito da oposição entre engenheiros e
engenheiros industriais na Bélgica.
122 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

Nesta situação, o estatuto elevado das ciências fundamentais é o símbolo da


superioridade do detentor desse tipo de saber, símbolo que lhe facilita deste
modo o acesso a postos que estão ao mesmo tempo dissociados da ciência pro-
priamente dita (1981: 181).

A persistência desta clivagem até aos nossos dias, a sua ligação a factores ins-
titucionais e sociais, mas também o paradoxo em que assenta, levam o autor a
interrogar-se: porquê este primado e supremacia das ciências fundamentais,
numa ordem social que repete incessantemente a sua adesão aos valores utili-
tários? E avança quatro possibilidades de resposta: o facto de (i) a dominação
das ciências fundamentais ser apenas aparente; (ii) de o campo de actividade
das ciências fundamentais permitir maiores margens de autonomia do mun-
do económico; (iii) de as escolas mais prestigiadas estarem historicamente
ligadas às ciências fundamentais, obrigando aquelas outras que pretendem
melhorar a sua posição na escala de prestígio dos estabelecimentos de ensino
a utilizarem as ciências fundamentais como instrumento de realização da sua
estratégia; (iv) de as ciências fundamentais poderem ser mais favoráveis aos
processos de dominação social e económica, dado que permitem a produção
de uma elite conservadora que, para se distinguir de outras classes e manifes-
tar a sua superioridade, tem tendência para se apoiar sobre um sistema de
símbolos geradores de prestígio (Shinn, 1981: 182).
Os estudos históricos e comparativos centrados nas instituições de ensi-
no, na origem social dos alunos e nas saídas profissionais dos diplomados
permitiram deslindar parte do sentido de muitos conflitos e tensões em torno
do sistema de formação, neste caso dos engenheiros, bem como iluminar as
articulações entre o sistema de credenciação e o de ocupação, ou seja, aspec-
tos centrais no processo de desenvolvimento das profissões.
Pode, talvez, concluir-se que este encontro de disciplinas, isto é, as abor-
dagens históricas inspiradas pelo paradigma interaccionista, ao deslocar a
perspectiva de análise das profissões da estrutura para o processo confirmam
a existência de uma dimensão socialmente construída no conhecimento,
identificada pela corrente construtivista da sociologia da ciência, podendo
contribuir, senão para a dissolução das clássicas distinções entre social versus
cognitivo, estrutura versus prática, pelo menos para o estabelecimento de
pontes que tornem mais inteligíveis tais clivagens.

O papel do Estado

E se o conhecimento é o elemento essencial na construção do poder profissional,


em muitas abordagens a articulação com projectos políticos que utilizam esse
mesmo conhecimento para a definição de problemas e para a sua solução é um
elemento imprescindível para a sua ampliação ou manutenção.
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA 123

Assim, é consensual entre todos os autores, apesar de defenderem dife-


rentes teses, que a relação política com o Estado, o papel das profissões no
processo político, a sua dinâmica e estrutura política, a análise das suas redes
de influência e acção colectiva são centrais para a compreensão das profissões
nas sociedades contemporâneas.
O Estado, já presente nas abordagens funcionalistas, era visto como res-
pondendo, de uma maneira relativamente passiva, a pressões para aprovar
os direitos competências das associações profissionais (Carr-Saunders e Wil-
son, 1934; Willensky, 1964; Millerson, 1964).
O tão fraco relevo atribuído ao papel do Estado nas teorias funcionalis-
tas, mas também no paradigma do poder (Freidson) levou a que, na Europa,
onde os estudos sobre profissões se desenvolvem mais tarde, se considerasse
a literatura norte-americana sobre as profissões irrelevante para o estudo das
profissões na Europa, uma vez que aqui o Estado jogou um largo papel na
vida das profissões, como na de todas as outras ocupações.
MacDonald e Ritzer (1988) explicam que o menor interesse da sociolo-
gia norte-americana pelas relações entre o Estado e as profissões se deve, so-
bretudo, a razões de natureza cultural. Em primeiro lugar, nos EUA, embora
também fosse incluída na noção de profissão uma larga escala de possibilida-
des que vai desde a profissão liberal ao funcionário, é à primeira (profissão li-
beral) que toda a literatura dá maior relevo. Por outro lado, nos EUA, a fase de
maior desenvolvimento das profissões ocorre durante o período do laisser-
-faire, o que pode ter induzido um menor interesse pelo papel do Estado.
Mas após o período crítico, quando as profissões passam a ser aborda-
das tendo em vista o contexto social, nomeadamente com Johnson (1972) e
Larson (1977), a conexão Estado-profissões começa a ser equacionada e
analisada.
Neste novo quadro paradigmático existe um crescente reconhecimento
do papel activo que o Estado pode jogar na determinação do conteúdo e da
forma das práticas profissionais, seja como empregador, seja mesmo na for-
mação dos novos membros das profissões.
Esta “descoberta” do papel do Estado no processo de formação das
profissões no continente europeu leva a que autores como Ramsey (1988), que
analisa os processos de constituição dos monopólios da actividade médica
em França, defendam que os monopólios profissionais são fenómenos políti-
cos. A sua origem (no século XIX) foi mais determinada pelo tipo de liberalis-
mo económico e da intervenção do Estado do que por outros factores, nomea-
damente as realizações intelectuais e técnicas ou mesmo o seu poder organi-
zacional (1988: 240).
Johnson (1972), por exemplo, identifica três tipos de controlo profissio-
nal, sendo a mediação do Estado a determinar um deles. O papel do Estado é
percebido como activo ultrapassando a mera legalização dos privilégios pre-
tendidos. De facto, nos exemplos apresentados pelo autor, o Estado constitui
124 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

e assegura clientelas, constitui-se como empregador, inicia e implementa


políticas com claras consequências para as ocupações que, se, por um lado,
permitem ao Estado o controlo social de diferentes áreas, são também elas
beneficiárias neste processo.
Fielding e Portwood (1980), tal como Johnson (1982), acentuam a con-
tribuição das profissões para a formação do Estado moderno, ao contrário
de outros autores (Larson), que acentuam a contribuição do Estado para a
constituição dos monopólios e privilégios das profissões. Contestam tam-
bém as teses segundo as quais profissão e burocracia são formas de organi-
zação antagónicas, que se excluem mutuamente, considerando-as concei-
tos interdependentes, sendo esta interdependência não só evidente no
caso das profissões burocráticas, como vantajosa no caso das relações des-
tas com o Estado.
Os autores elaboram o conceito de profissão burocrática e, embora
considerem que todas as profissões têm uma relação crucial com o Estado,
analisam em particular o papel deste na construção das profissões buro-
cráticas, procurando especificar a forma, e medir a extensão, da heterono-
mia do Estado perante as diferentes profissões. As profissões burocráticas
são ocupações cujos objectivos, valores-base e idealismo estão em conso-
nância com os objectivos ideológicos do Estado, o qual garante à profissão,
licenças, clientela pública e o respectivo pagamento, e esta fornece os
serviços eficientemente, aceitando limitações à autonomia profissional,
sobretudo no que respeita à escolha e definição dos clientes, bem como à
possibilidade de ter clientes privados.
As profissões podem assim ser classificadas de públicas, semipúblicas,
semiprivadas e privadas, com diferentes graus de autonomia, em função
também da posição na hierarquia ocupacional e do grau de heteronomia do
Estado. Num outro trabalho, Portwood e Fielding (1981) analisam os privilé-
gios das profissões (rendimento e bem-estar, estatuto legal e social e poder
— controlo do conhecimento e de recrutamento, definição das necessidades
dos clientes, escolha destes, negociação com o Estado na definição de políti-
cas de formação, interpretação e execução, estabelecimento padrões morais,
isto é, influência ideológica e cultural) não como atributos estáticos, mas
como resultado das estratégias desenvolvidas pelos grupos e alianças com o
poder político, nomeadamente a participação activa das elites profissionais
nos interesses das elites políticas, económicas e culturais, através de estrutu-
ras de organização profissional e da ideologia.
Na esteira de Larson, estes autores sustentam que os privilégios das
profissões são o outro lado da desigualdade social, e as elites das profissões
são parte integrante das elites da sociedade, considerando que o estudo dos
privilégios profissionais contribui para a compreensão dos privilégios em
geral e da desigualdade social. Mas, ao contrário de Larson ou até de Baritz
(1975), para quem o poder dos profissionais é uma mera ilusão, reconhecem
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA 125

que aqueles usufruem na realidade de privilégios de poder e são parte inte-


grante da elite.
Consideram que poucas profissões têm menor estatuto, posição social e
autonomia em virtude da heteronomia do Estado e que, para grande parte
delas, o processo interdependente de burocratização e profissionalização foi
benéfico tanto para as profissões, como para o Estado.
A primeira grande dificuldade que encontram relaciona-se com a própria
definição de Estado que, nas várias abordagens, ora é apresentado como imbuí-
do de uma homogeneidade e omnicompetência, ora cumprindo contraditórias
funções de legitimação e acumulação de capital, não sendo nunca resolvida a
questão de quem constitui o Estado e quais são as suas fronteiras.
Também Halliday (1983; 1985) procura analisar o espectro e a intensida-
de das relações das diferentes profissões com o Estado, identificando a exis-
tência de recursos cognitivos (fundamento epistemológico de carácter cientí-
fico ou normativo), institucionais e organizacionais na determinação desta
mútua influência.
Numa outra perspectiva, Krause (1988) analisa o processo de desenvolvi-
mento (profissionalização e desprofissionalização) de diferentes profissões (mé-
dicos, advogados e engenheiros) em vários países (EUA, Reino Unido, Itália e
França), ao longo de um período de tempo que vai de 1930 a 1980. E, embora re-
conhecendo um lugar e um poder de primeiro plano às forças do capitalismo
que agem directamente sobre as profissões, constituindo estas verdadeiros indi-
cadores dos processos de racionalização capitalista nos diversos países e, dentro
destes, nos diferentes sectores de actividade, o autor procurará perceber o papel
do Estado enquanto intermediário desta relação principal. Independentemente
da tese que o autor procura comprovar, dos resultados que obtém e das conclu-
sões que retira,20 é importante o seu esforço de operacionalização de variáveis
que sintetizem as acções do Estado enquanto agente ou actor interveniente nos
processos de profissionalização, ao longo do período de tempo definido. Assim,
retém uma série de parâmetros susceptíveis de revelarem a eficácia, a legitimida-
de e o desenvolvimento do poder do Estado nos diversos países: o grau de cen-
tralização; o poder do Estado sobre as profissões; o seu grau de unificação; o grau

20 Esta observação relaciona-se com o facto de que, no que respeita às profissões propria-
mente ditas, o autor se mantém num nível macro de observação, o qual encobre ou não
revela a diversidade interna dos próprios grupos profissionais, e, apreendendo apenas
superficialmente o fenómeno, faz generalizações deficientemente fundamentadas.
126 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

de aceitação e legitimidade das suas intervenções; o grau de desenvolvimento


do Estado-providência; a orientação ideológico-partidária do Estado e o tipo de
poder legislativo; o tipo de intervenção sobre os sistemas de ensino e formação;
os mecanismos e estratégias de regulamentação das profissões.
Freidson (1994), por sua vez, assinala justamente que os estudos com-
parativos podem mostrar como diferentes contextos são mais ou menos
marcados pelo grau de controlo centralizado, exercido pelo Estado sobre
as instituições económicas e sociais; todavia, não provam que o poder dos
profissionais depende da maior ou menor intervenção do Estado.

Sob condições de high stateness, quando as profissões não têm associação formal
independente do Estado e as agências estatais são responsáveis pela legitimação e
direcção dos seus assuntos, falta-lhes poder para influenciar a política do Estado
respeitante à selecção e formação dos profissionais, a sua posição na divisão do tra-
balho e na força de trabalho, os seus rendimentos e prestígio, as suas condições de
trabalho e as suas relações com os clientes em particular e com o público em geral.
Porém, tal conclusão apenas pode ser sustentada ignorando o modo de funciona-
mento do Estado em grandes e complexas sociedades industriais. Mesmo sob cir-
cunstâncias de high stateness, pelo menos algumas profissões, como por exemplo a
medicina, podem deter importantes poderes (1994: 37).

Johnson (1982) argumenta que o desenvolvimento profissional das ocupações


não pode ser visto em termos da oposição entre a intervenção do Estado e a auto-
nomia profissional, relevando a complexidade das relações e articulações que
podem ser estabelecidas: as profissões emergem como uma condição de forma-
ção do Estado, que é a principal condição da autonomia profissional (1982: 189).
O autor precisa que isto é válido, pelo menos em Inglaterra, que apresenta algu-
mas especificidades no desenvolvimento do capitalismo.

A transição para o capitalismo em Inglaterra não foi marcada pela separação


entre as instituições económicas e políticas, mas pela articulação historica-
mente única que envolveu os processos inter-relacionados da constituição do
Estado e da profissionalização (1982: 188).

A necessidade de contextualizar histórica e espacialmente as relações que se


vão estabelecendo e as diferentes formas e efeitos que podem resultar das re-
lações entre o Estado e as profissões é muito bem ilustrada no estudo de Araú-
jo (1985) acerca do processo de profissionalização dos professores primários
em Portugal, que mostra como as profissões, podendo constituir modalida-
des de resistência a um individualismo excessivo, se tornam também modali-
dades de resistência à expansão do poder do Estado e aos processos de buro-
cratização, na defesa da autonomia e do controlo do processo de trabalho.
Dussault (1988) chama a atenção para a necessidade de considerar que,
ABORDAGEM SISTÉMICA E COMPARATIVA 127

se a distribuição de privilégios ocupacionais reflecte sempre a distribuição do


poder numa sociedade e a sua legitimação se faz em termos das ideologias
dos grupos dominantes. E se o Estado protege os interesses da classe domi-
nante, também é seu objectivo regular os conflitos entre produtores para evi-
tar perturbações sociais e assegurar a continuidade do sistema. Propõe, as-
sim, uma explicação da regulação em termos de uma análise estratégica das
relações de força entre os actores em presença, que permita evidenciar a fun-
ção do Estado — que joga um papel não apenas regulador, mas de entidade
pagante e gestionária —, bem como o papel e os interesses dos outros actores
e a forma como estes evoluem.
As abordagens de Dussault (1988) e de Johnson (1982) das relações Esta-
do-profissões são as que, de forma mais evidente, sofrem a influência da sociolo-
gia política e das análises do corporativismo, como forma de organização social e
política. De facto, à luz desta perspectiva, as profissões, devido às suas caracte-
rísticas — monopólio, auto-regulação, defesa de interesses, posição e poder dos
seus membros, e a orientação por valores altruísticos —, constituem um tipo de
corporativismo porque, ao mesmo tempo que participam do Estado (pelos luga-
res que ocupam os seus membros no aparelho e agências estatais, bem como pela
autonomia que detêm na implementação de políticas), são uma instituição fora
dele, instituição esta que estabelece uma mediação entre o Estado e os indiví-
duos, desenvolvendo mecanismos organizativos mais ou menos formais que lhe
permitem influenciar as políticas públicas.21

21 Um desenvolvimento desta perspectiva é apresentada por Williamson (1989), no seu


guia introdutório à teoria corporativista. Outros textos que relevam a dimensão corpora-
tivista do fenómeno dos grupos profissionais são os de Benguigui e Monjardet (1968) e de
Segrestin (1985).
Capítulo 5
A SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES EM PORTUGAL

Ao concluir este livro, retomo uma afirmação inicial: a sociologia das


profissões não tem qualquer tradição em Portugal tanto ao nível dos pro-
gramas de ensino, como do desenvolvimento de investigação empírica.
O estudo do processo de profissionalização dos engenheiros em Portugal
(Rodrigues, 1998) foi uma primeira experiência, isolada e sem outros para-
lelos no sentido estrito.
Todavia, ao terminar esta revisão de literatura não posso deixar de fazer
referência a alguns trabalhos sobre a realidade portuguesa que se destacam
justamente pelo facto de os seus autores se terem socorrido dos quadros teóri-
cos da sociologia das profissões, embora lateralmente, buscando neles contri-
butos para a clarificação das problemáticas abordadas nos seus estudos.1

No trabalho de António Nóvoa (1987), que estudou a emergência e conso-


lidação do grupo ocupacional dos professores primários, o contributo da socio-
logia das profissões é lateral; todavia, os resultados da sua profunda investiga-
ção ilustram com particular evidência não só a importância das estratégias dos
grupos profissionais, como do contexto político e ideológico e do papel do Esta-
do nos processos da sua construção. Helena Araújo (1985, 1990, 1991), que se
move também no domínio da sociologia da educação e dos estudos femininos,
oferece com os seus trabalhos uma base larga de informação passível de ser ana-
lisada sob o ponto de vista da sociologia das profissões. É particularmente inte-
ressante um estudo sobre o processo paralelo de profissionalização e de femini-
zação do grupo dos professores primários, no final do século XIX e princípio do
século XX. No trabalho dá-se conta de como com a intervenção do Estado, acom-
panhada da construção de “discursos” e de uma ideologia de referência, cria um

1 Referirei aqui apenas alguns trabalhos de investigação cujos resultados (mesmo que par-
celares) foram já publicados em livro ou artigos de revista.

129
130 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

quadro favorável à entrada das mulheres nesta profissão. A autora, de certa for-
ma, contribui para o debate das teses que associam a feminização dos grupos
profissionais à sua desprofissionalização, perda de poder e de prestígio, fornecen-
do elementos para demonstrar que tal associação não é linear.
Trabalhos como o de Noémia Lopes (1994), sobre a construção da identi-
dade profissional das enfermeiras, ou de José Luís Garcia (1994), sobre os
jornalistas, são outros exemplos de investigação empírica que recolhem late-
ralmente o contributo da sociologia das profissões.

O trabalho de Carlos Gonçalves (1996) constitui neste contexto uma ex-


cepção, uma vez que mobiliza directamente os quadros teóricos da sociologia
das profissões para desenvolver uma análise sociohistórica do processo de
institucionalização dos economistas, isto é, do lento movimento, “permeado
por uma multiplicidade de contradições e conflitos sociais”, que conduziu à
definição da identidade, afirmação de autonomia e reconhecimento social de
um grupo ocupacional distinto de outros. Do ponto de vista teórico o autor
orienta a sua investigação considerando os seguintes parâmetros:

— em primeiro lugar, a debilidade do modelo das profissões liberais “para


interpretar as situações profissionais características do capitalismo mo-
nopolista”, isto é, predominantemente assalariadas, obriga a equacio-
nar a relação entre a dinâmica dos processos de profissionalização e o
desenvolvimento do capitalismo;
— em segundo lugar, o autor atribui particular destaque aos “processos de
produção dos saberes e da circulação e apropriação desses mesmos
saberes”, bem como aos processos de produção e apropriação de discur-
sos simbólico-ideológicos fundadores de uma ideologia do profissiona-
lismo, por parte dos grupos no desenvolvimento de estratégias de
profissionalização, uma vez que os grupos profissionais podem ser per-
cebidos também como “protagonistas de lutas sociais ocasionadas pela
defesa ou pela conquista de mercados e poderes” indissociáveis dos
saberes profissionais;
— finalmente, o autor realça a acção do Estado na determinação da confi-
guração do grupo profissional.

Definidos estes parâmetros teóricos, o desenvolvimento do trabalho de in-


vestigação empírica sobre o grupo profissional dos economistas em Portugal
processa-se num jogo de articulação entre os níveis macro e micro de observa-
ção e análise sociohistórica.

Mas a referência mais importante no quadro dos estudos sobre a reali-


dade portuguesa neste domínio é Graça Carapinheiro, com o seu livro Saberes
e Poderes no Hospital (1993). Alongar-me-ei na sua apresentação porque me
A SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES EM PORTUGAL 131

parece que a investigação que nele se apresenta participa efectivamente na


discussão das mais importantes e actuais teses da sociologia das profissões,
fornecendo, portanto, contributos a esta área de conhecimento.2
Em primeiro lugar, pode falar-se de um contributo teórico-metodológi-
co que se materializa na confirmação da importância e da possibilidade do
estudo de instituições nos processos de construção social das profissões.
De facto, tradicionalmente, no estudo das profissões, são frequentes
duas abordagens muito diferentes nos seus pressupostos, temas ou proble-
máticas, objectivos e metodologias, constituindo, por assim dizer, duas gran-
des tendências, que muitas vezes mutuamente se opõem e ignoram: são as
abordagens centradas na estrutura, por um lado, e, por outro, as que colocam
a ênfase no processo.
Reúnem-se de forma simplista, no primeiro caso, os trabalhos que atri-
buem particular atenção aos atributos ou características dos grupos profissio-
nais, às etapas de evolução, à estrutura e formas de organização e à função
social das profissões.
As profissões são consideradas como uma espécie particular de ocupa-
ção, distinguindo-as o facto de constituírem comunidades unidas por valores
e a mesma ética de serviço à comunidade, cujo estatuto resultaria de um saber
científico e prático aplicado na identificação e resolução de problemas.
Tais comunidades (entendidas como grupos reais) seriam sustentadas por
estruturas constituídas por instituições de formação de nível superior, por as-
sociações de pares e por sistemas de credenciais.
Neste quadro teórico, a divisão do trabalho ou a estrutura ocupacional
são produto de um processo de diferenciação funcional, determinado pelo
estado da técnica e pelas condições materiais de realização das tarefas, reflec-
tindo, portanto, uma anterior estrutura de conhecimento, que resultaria da
capacidade de responder a necessidades sociais essenciais.
Mas a investigação apresentada neste livro inspira-se num outro tipo de
abordagens que enfatizam as práticas profissionais. Mais exactamente, pode
considerar-se que actualiza a corrente interaccionista, a qual reclama o carác-
ter de construção social do fenómeno das profissões e que, estando na origem
da segunda perspectiva atrás referida, tem na base o conceito de processo de
profissionalização.
As profissões são então abordadas não como grupos reais, mas como
folk categorias, sendo os atributos, os elementos da estrutura, os discursos e as
práticas considerados instrumentos utilizados no processo de profissionali-
zação e o profissionalismo analisado como uma ideologia.

2 O trabalho de Graça Carapinheiro tem a intenção explícita de contribuir para o preenchi-


mento de uma lacuna na produção de conhecimento sociológico em domínios como o da
saúde, da doença e da medicina, fornecendo inegáveis contributos ao conhecimento da
sociedade portuguesa nesse domínio.
132 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

A divisão do trabalho é agora um facto social que precisa ele mesmo de


ser explicado e cuja configuração resulta da distribuição de papéis diferente-
mente valorizados pela sociedade. Tal processo de distribuição de papéis não
é “natural”, pelo contrário, é objecto de conflitos e negociações, de que resul-
tam hierarquizações e segmentações, devendo constituir o ponto de partida
de toda a análise sociológica do trabalho.
Assim, o que distingue as profissões das restantes ocupações não são os
seus traços característicos, a orientação para o serviço à comunidade, etc.,
mas o facto de serem constituídas por grupos que obtiveram, por estratégias
diversas, uma posição de força (monopólio e exclusividade) sobre o mercado
de trabalho, posição essa que lhes permite maximizar vantagens económicas
e sociais.
Tradicionalmente, os estudos orientados por estes pressupostos procu-
ram analisar os processos — constituídos fundamentalmente por “jogos de
organização” e “jogos de discurso” — de construção e estabilização das inte-
racções que possibilitam e ajudam uma ocupação a conquistar e perenizar o
estatuto de profissão. Uma particular atenção é dada, por exemplo, aos meca-
nismos de socialização profissional, de transmissão das aprendizagens so-
ciais e culturais.
Contribuições mais recentes a esta perspectiva argumentam que o
saber, isto é, o corpo de conhecimentos formal e abstracto em torno do qual se
ancoram as profissões, juntamente com as instituições que asseguram a sua
transmissão e protecção, estão na base dos “jogos de organização” e dos
“jogos de discurso”, são o elemento essencial e o suporte último do estatuto e
do poder das profissões.
Como referimos já, o livro Saberes e Poderes no Hospital insere-se nesta
linha de abordagens: no quadro das profissões médicas e no contexto das
situações e dos quotidianos de trabalho desenvolvidos no serviço hospita-
lar, analisa o processo de transformação dos saberes formais em poderes
profissionais.
As práticas, a organização do trabalho, as formas e modalidades de inte-
gração na organização constituem-se em indicadores do processo de constru-
ção dos poderes médicos, na sua manutenção e reagrupamento social. O quo-
tidiano das práticas médicas surge como um “lugar simbólico e de aprendiza-
gem dos comportamentos para saber estar no hospital”, um espaço de sociali-
zação marcado pela divisão hierárquica do trabalho. A autora encontra e
explicita uma “racionalidade social dissimulada na racionalidade científica e
técnica”.
À medida que se avança na leitura, a autora introduz-nos no serviço
hospitalar, recriando, ao nível do discurso, o ambiente propício ao entendi-
mento pelos sentidos de tudo o que ali se passa. À entrada é-nos fornecida a
chave de código elaborada com conceitos como negociação, saber formal,
saberes, poderes, autoridade, actor, instituição.
A SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES EM PORTUGAL 133

E, posteriormente, somos convidados a olhar o serviço hospitalar nas


suas dimensões de organização do espaço, organização do trabalho, circula-
ção de agentes, interacções e comportamentos, etc., com novas lentes, que nos
permitem visualizar um palco em cujo cenário se desenrola uma peça para a
qual temos o privilégio de conhecer o fim e o sentido.
Este trabalho de iniciação de leigos e observadores no mundo do serviço
hospitalar permite a apreensão do sentido e finalidade de um “drama” que
escapa aos próprios actores envolvidos. O drama é o da construção de um
fenómeno social — poderes profissionais — cuja essência reside nos saberes
profissionais. É da passagem, da transformação dos saberes em poderes que a
peça nos fala.
O uso de “poderes” no plural, na linha do Professional Powers de Fried-
son, encerra todos os pressupostos da abordagem: as profissões não têm um
poder monolítico, nem são aplicáveis ao seu estudo noções como hegemonia,
dominação e monopólio de discurso; nem se trata de uma nova classe no sen-
tido de possessão de um conjunto de interesses comuns; as profissões for-
mam grupos heterogéneos, internamente estratificados, que exercem “pode-
res concretos e específicos que, não sendo ilimitados, são historicamente
variáveis, estruturalmente dispersos necessitando de ser delineados em
termos das instituições que os possibilitam”.
Em segundo lugar, Graça Carapinheiro, ao estudar um grupo profissio-
nal cujo quotidiano de trabalho se desenvolve num contexto organizacional,
contribui para o debate centrado no conflito inerente à integração de profis-
sionais em organizações.
Segundo alguns autores, os traços característicos (burocráticos), como
os objectivos (económicos), das organizações seriam incompatíveis com os
traços característicos (autonomia) e os objectivos (desenvolvimento do saber
e serviço à comunidade) das profissões. A oposição da racionalidade burocrá-
tica à racionalidade profissional, da autoridade formal à autoridade do
conhecimento, desencadearia reacções, por parte das organizações, com vista
à obtenção de maior controlo e integração; e, por parte dos profissionais, com
vista à manutenção da autonomia.
No outro extremo do debate, alguns autores defendem que não existe
qualquer conflito, pelo contrário, as profissões encontram nas organizações
complexas um ambiente favorável: estruturas orgânicas flexíveis e policên-
tricas, culturas organizacionais favoráveis aos valores do profissionalismo
(como a competência e a motivação individual), sendo os profissionais em
organizações compensados por largas margens de autonomia na identifica-
ção e resolução de problemas, na execução das tarefas e na margem de incer-
teza a elas associadas.
Ora justamente, os autores que relevam a incompatibilidade entre pro-
fissões e organizações associam a entrada maciça dos profissionais em orga-
nizações e o aumento do assalariamento, como é hoje o caso dos médicos, a
134 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

uma significativa perda de controlo do processo e conteúdo de trabalho;


perda dos valores do profissionalismo centrados no ideal de serviço à comu-
nidade, na autonomia, etc.
Neste trabalho de investigação descrevem-se e analisam-se os mecanis-
mos desenvolvidos pelo poder administrativo, no sentido de alcançar uma
maior racionalidade que passa evidentemente por medidas de controlo do
trabalho médico, como as práticas e estratégias desenvolvidas pelos profis-
sionais no sentido da manutenção do estatuto e do poder profissional.
Assim, através da análise das relações entre os poderes-saberes médicos
e o poder administrativo, demonstra-se a compatibilidade entre os dois
poderes, com domínio dos poderes médicos. Por outro lado, mostra-se tam-
bém como o emprego em organizações é muitas vezes combinado com o exer-
cício profissional em regime liberal, desta articulação resultando um reforço
do prestígio e dos privilégios.
Finalmente, este trabalho de investigação contribui para a discussão
acerca do sentido de evolução das profissões: enquanto alguns teóricos ten-
dem a considerar a importância crescente da ciência, do conhecimento e da
informação, e, portanto, das profissões enquanto forma de organização social
(teses da dominância), outros prospectivam a erosão do fenómeno das profis-
sões (teses do declínio).
As teses do relativo declínio das profissões partem da observação
de modificações ocorridas nos sistemas sociais, culturais e económicos das
sociedades contemporâneas, desenvolvendo-se em torno de conceitos como
o de proletarização e desprofissionalização.
Assim, tendências como a da divulgação dos conhecimentos junto de
populações potencialmente mais informadas e instruídas e a familiarização dos
leigos com as actividades dos profissionais favoreceriam atitudes de desafio da
autoridade profissional; o conhecimento dos efeitos perversos das aplicações da
ciência e da técnica teria como consequência a convicção da necessidade de con-
trolo das profissões; o desenvolvimento de novas áreas de conhecimento e a
emergência de novos grupos profissionais poriam em causa os monopólios pro-
fissionais estabelecidos; por outro lado, as tendências de evolução interna no
sentido da especialização e fragmentação dos grupos profissionais implicaria a
perda de capacidade colectiva de negociação, o desenvolvimento das activida-
des profissionais em organizações burocráticas e consequente assalariamento,
subordinação e perda de autonomia por parte dos profissionais no controlo do
seu trabalho e na relação com os clientes; por último, alterações na composição
demográfica das profissões, nomeadamente a entrada maciça de mulheres em
actividades anteriormente desenvolvidas por homens, constituiria também um
factor de perda de prestígio e privilégios.
A situação actual das profissões seria marcada por uma evolução no
sentido da perda de protagonismo, manifestada a um nível macro e a um
nível micro.
A SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES EM PORTUGAL 135

As teses da dominância são umas mais pessimistas (prospectivando


uma sociedade dominada por tecnocratas) e outras mais optimistas (acredi-
tando na bondade e superioridade do conhecimento científico), mas relevam
sobretudo a centralidade da ciência e da técnica nas sociedades contemporâ-
neas, os processos de reprodução e de alargamento do espectro do poder pro-
fissional e domínios de influência.
Este livro fornece uma contribuição a esta discussão. Embora não
entrando no debate acerca do valor social positivo ou negativo do poder pro-
fissional e do papel actual das profissões, centra-se na análise e explicação
dos processos da sua construção ao nível micro (o quotidiano de trabalho),
contestando as teses do declínio do poder profissional.
Mostra como as variáveis internas e externas a que está hoje sujeita a
profissão médica, nomeadamente os mecanismos de controlo do poder pro-
fissional pelo poder administrativo e as estratégias de doentes e outros acto-
res envolvidos no processo, são superadas, deixando incólume aquilo que é a
essência do poder, isto é, o saber formal institucionalizado no sistema de edu-
cação superior e transformado e actualizado no quotidiano de trabalho em
saberes instrumentalizados e instrumentalizáveis em poderes.
Para terminar, uma observação apenas. O livro Saberes e Poderes no Hos-
pital contribui para a análise do processo de profissionalização, situando-se a
um nível de análise micro, centrado nas práticas do quotidiano de trabalho,
privilegiado tradicionalmente pela corrente interaccionista que defende a ne-
cessidade desta colocação para a apreensão directa da construção e funda-
mentação dos fenómenos sociais.
No entanto, é largo o espectro do poder profissional e são não apenas
sociologicamente legítimas como necessárias, para um entendimento mais glo-
bal do fenómeno profissão, abordagens de nível macro que permitam apreender
os grupos profissionais em toda a sua complexidade e estratificação. De resto, as
abordagens fenomenológicas centradas nos processos não são incompatíveis
com as abordagens que relevem as formas de organização social.
Não é só ao nível micro do quotidiano de trabalho que os actores se
organizam e desenvolvem estratégias para obter poderes e os corresponden-
tes privilégios. Outros níveis de actuação protagonizados por actores colecti-
vos (associações profissionais e sindicais, etc.) ao nível do poder económico e
administrativo, e mesmo o papel do Estado nestes processos, não são consi-
derados, porque esse não era, de facto, o objectivo da autora. Todavia, estes
outros níveis de análise, bem como a perspectiva histórica de evolução do
grupo, revelam-se de grande importância para uma apreensão sociológica da
profissão médica.

Concluindo, pode dizer-se que em Portugal faltam estudos sobre o pro-


cesso de institucionalização de muitas profissões, como os advogados, os mé-
dicos, os farmacêuticos, os arquitectos, para falar apenas de algumas das
136 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

mais antigas; faltam estudos sociohistóricos sobre a génese e desenvolvimen-


to de instituições de ensino e formação, bem como sobre as organizações pro-
fissionais; faltam estudos que esclareçam o contributo dos grupos profissio-
nais para a construção do Estado e as suas relações com o poder político e as
elites; faltam ainda estudos sobre as estratégias de profissionalização desen-
volvidas pelos grupos profissionais.
E o fenómeno das profissões não se restringe às ocupações mais antigas.
Actualmente muitos grupos ocupacionais aspiram à institucionalização e de-
senvolvem estratégias com esse objectivo, seja no seu relacionamento com o
Estado ou com outros grupos ocupacionais, seja a partir de organizações pro-
fissionais ou mesmo de instituições de ensino.

Em Portugal vive-se hoje um paradoxo, cuja análise importaria apro-


fundar. Entre 1926 e 1974 vigorou no país um regime político autoritário cor-
porativo. O Estatuto do Trabalho Nacional, documento jurídico de 1930,
constituiu uma das peças basilares do Estado Novo que reconhecia de forma
explícita e institucionalizada o poder de grupos de base ocupacional ou pro-
fissional organizados e estruturados em grémios, sindicatos nacionais ou or-
dens. Estes eram organismos de representação instalados em regime de
monopólio e, para o exercício efectivo da profissão ou actividade, a inscrição
era obrigatória.
A relação do Estado com os cidadãos era mediada por este tipo de insti-
tuições, nas quais o Estado delegava importantes poderes de regulação e de
implementação de políticas, mantendo todavia algum domínio sobre o seu
funcionamento, através do poder de ratificação dos dirigentes.
Associado a este pilar, o regime do condicionamento industrial e um sis-
tema de ensino superior elitista e de reduzida dimensão, garantiram ao Esta-
do Novo o “fechamento” da sociedade portuguesa, bem como o controlo das
tensões sociais e económicas.
Depois do 25 de Abril de 1974, o processo de democratização política
abalou e renovou estas estruturas. Em síntese são instaurados os princípios
de pluralidade e liberdade sindical e associativa; são difundidos os valores
liberais e meritocráticos no acesso ao ensino superior e às profissões e assis-
te-se à sua diversificação, crescimento e abertura; finalmente, concretiza-se a
integração na UE e a adopção de um modelo económico baseado na abertura
dos mercados e na livre concorrência. Dir-se-ia que os fundamentos, a essên-
cia do corporativismo e a ideologia do Estado Novo estavam mortos e
enterrados.
Todavia o fenómeno do corporativismo (re)emerge na sociedade portu-
guesa: por um lado, as “velhas” ordens viram reforçado o seu poder; por ou-
tro, alguns grupos profissionais a que o Estado Novo havia negado a possibi-
lidade de se constituírem como ordens acabaram por obter este reconheci-
mento do regime democrático. Desde 1998 foram aprovadas pela Assembleia
A SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES EM PORTUGAL 137

da República autorizações legislativas para a criação de várias ordens profis-


sionais: dos biólogos, arquitectos, economistas, enfermeiros, médicos dentis-
tas, médicos veterinários e revisores oficiais de contas. Para além das onze
ordens profissionais, existem actualmente mais três câmaras: dos solicitado-
res, dos técnicos oficias de contas e dos despachantes oficiais.
Como explicar a aspiração de outros inúmeros grupos ocupacionais
(dos engenheiros técnicos aos jornalistas) à criação de ordens profissionais,
ao fechamento e controlo dos mercados de trabalho e à regulação e fechamen-
to dos sistemas de formação?
Como explicar que ao nível do Estado, em regimes democráticos, se
aceite generalizar esta forma de mediação e regulação, criando situações de
potencial confronto institucional (de que são exemplo as situações de conflito
entre as instituições do ensino superior e as ordens profissionais com poderes
para acreditação dos cursos ministrados)?
Como explicar a emergência e a força da manifestação destes fenóme-
nos? Estarão eles relacionados com tendências profundamente inscritas na
sociedade portuguesa? Ou, pelo contrário, constituem justamente efeitos não
esperados dos processos de desregulação e abertura dos vários mercados
— económico, de trabalho e de ensino?
Em que medida (1) o facto de a UE ser efectivamente um espaço de
negociação administrativo (e não democrático) e (2) o facto de os processos de
massificação conduzirem à procura de diferenciação, actuam de forma com-
binada neste movimento pró-corporativista?
Encontrar respostas para estas (e eventualmente outras) interrogações no
espaço da sociologia das profissões é o desafio que procuro lançar com este livro.
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