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A MULHER NA LITERATURA NATURALISTA DO SÉCULO XIX:

UMA ANÁLISE DE O CORTIÇO DE ALUÍSIO AZEVEDO

Por Carlos Henrique B. Reis

Por que a ciência nos é inútil?


Porque somos excluídas dos encargos públicos.
E por que somos excluídas dos cargos públicos?
Porque não temos ciência.(Nísia Floresta)

O presente texto busca analisar uma questão emergente,


principalmente pelos atuais movimentos feministas, por isonômia
social, espaço na política, no mercado de trabalho, liderança e por
direitos que até então preconceituosamente excluia as mulheres.
Pretendemos entender a representação da mulher na literatura do
século XIX, especificamente no Brasil, entre os anos que vivia-se o
que os historiadores, chamam de República Velha (1890 – 1920).
Nesse sentido, entendemos a literatura como reflexo social, não como
representação absoluta, mas imitação do real, ou seja, como reflexo
das relações sociais, a literatura permite a constatação de como era
comum encontrar entre as obras da nossa literatura do final do século
XIX perfis de mulheres estereotipados segundo o modelo da
sociedade patriarcal, submissas, oprimidas. A questão é estariam eles
evidenciando ou camuflando o papel que as mulheres tinham nessa
sociedade? Nesse sentido, por ser uma obra bastante rica em
representações, em especial de mulheres, escolhemos o romance O
Cortiço de Aluísio Azevedo.

Ao se pensar na representação femenina na literatura, é


impossível não recorremos aos movimentos reividincatórios que
mudaram os rumos da literatura Brasileira. O feminismo é sem
dúvida um movimento que atravessou décadas, e que mudou
decisivamente as relações entre homem e mulher. É inegável
algumas conquistas femininas, como frequentar universidades,
trabalhar fora de casa, candidatar-se ao que quiserem, receber
salários iguais aos dos homens etc.. são conquistas que são fruto de
muita luta, pois outrora tudo isso não passou de um sonho de mal-
amadas, machona, dentre outras adjetivações atribuídas as
feministas dos anos anteriores.
Historicamente no Brasil, pode-se falar em feminismo a
partir dos anos 1930, quando surge as primeiras lutas pelo direito de
voto, mas é a partir dos anos 1970 percebe-se conquistas
consideráveis. Por outro lado, se pensarmos o lugar que as mulheres
ocupavam na literatura até meados do século XIX percebe-se que
está sempre ocupou o segundo plano, quando aparece têm seu papel
bem definido, ora como esposa subserviente ou dona-de-casa/
amante-objeto sexual. De maneira que a literatura tanto reflete a
realidade, ainda que de forma ficcional, como também contribiu para
disseminação desse preconceito tão retrógrado que é o machismo.
Diante disso é preciso, ainda que sinteticamente, relembremos os
principais movimentos feministas, tomamos consciência da história
da conquista das mulheres no plano intelectual, e sobruto na
literatura, antes tão restrita ao sexo masculino.

Devemos levar em consideração que foi nas primeiras


décadas do século XIX, que as mulheres começaram a intensificar a
luta por seus direitos, ou melhor começaram o que Mariana Coelho
em A evolução do feminismo¹, chamou de despertar do ―sono
letárgico em que jaziam‖. Já diz o adágio popular ―a ocasião faz o
ladrão‖, nesse caso, o contexto histórico e o contato de algumas
mulheres com ideias inovadoras européias² foram fundamentais para
dar início a essa luta que perdura até o século XXI, e numa
perpectiva realista podemos dizer, que ainda têm muita estrada a ser
percorrida para que as feministas alcancem seus objetivos.

A MULHER NA LITERATURA DO SÉCULO XIX

A produção literária do século XIX é uma produção


exclusivamente, masculina, em especial da classe dominante.
Podemos constatar nos discursos Ocidentais e Orientais, sobretudo
nas produções literárias uma discriminação as mulheres, pois estas
sempre foram representadas como objeto sexual, com status de
submissão. Esse discurso misógamo é perceptível nas produções do
Romantismo, nas últimas décadas do século XVIII e que perdurou até
o século XIX. Os autores, fortemente ligados à burguesia e adeptos
das ideias patriarcais até então vigentes, constroem um estereótipo
da mulher ―ideal‖.

Em termos conceituais, podemos entender por


―representação‖, segundo Rose Prado:
a palavra vem do latim e é um termo recheado de
significados sendo, portanto, de grande relevância para o
desenvolvimento dos Estudos Culturais e Literários. De
acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, a
―representação‖ é conceituada como: ―conteúdo concreto
apreendido pelos sentidos, pela imaginação, pela
memória ou pelo pensamento (PRADO, 2000, p.02).

Seguindo essa linha de raciocínio podemos inferir que a


literatura, não é a descrição fidedigna da realidade social em si, mas
que é uma representação imaginada, subjetiva de um determinado
autor, seguidor de uma corrente ideológica, que segundo sua visão
de mundo faz uma representação da realidade social.
Complementando esse raciocínio Roger Chartier, conceitua
representação em sua obra História Cultural: afirma que o papel das
representações na História Cultural é importante para ―identificar o
modo como, em diferentes lugares e momentos, uma determinada
realidade social é construída, pensada, dada a ler‖ (Chartier, 1990
p.17).

Podemos destacar como exemplos dessa produção


machista, obras como A Viuvinha (1857), Lucíola (1862), Iracema
(1865), Senhora (1874), Romance Diva (1864), O Cortiço (1890)
entre outras. Considerando os vários estudos da produção literária do
século XIX, que as produções ainda conservavam uma visão
conservadora e patriarcal.

Durante muito tempo a produção literária marginalizou a


mulher em seus escritos. No entanto ainda no século XIX, surgirem
produções literárias de autoria feminina, contestando essa homogenia
na literatura. São grandes exemplos de contestação dessa
dominação: Nísia Floresta (Direito das Mulheres e Injustiça dos
Homens no século XIX), Rachel de Queiróz (Caminho de Pedras,
século XIX). Não é especificamente um feminismo literário, mas uma
escrita que dar voz as mulheres, que até então estavam silenciadas.

Durante séculos foi considerado como um objeto, um ser


submisso por natureza, destinada a obedecer os comandos de seu
marido e das regras vigentes na sociedade. Com a evolução das
idéias, temos visto, ainda que em pequena e lenta proporção, um
crescimento de movimentos reivindicatórios por parte das mulheres.
Tendo em vista essa questão, propomos então analisar como a
literatura brasileira, reagiu a estes pequenos insurgimentos
reivindicatórios no século XIX.

NATURALISMO NO BRASIL

Neste tópico vamos abordar especificamente o surgimento


do naturalismo e/ou realismo no Brasil do século XIX, tendo como
seu principal expoente Aluísio Azevedo,e sua célebre obra O Cortiço,
objeto de estudo desta pesquisa. De fato, no século XIX a sociedade
Brasileira estava passando por grandes transformações socio-
economicas. De sociedade agrária-latifundiária passa a ser uma
civilização burguesa e aos poucos urbanizada, a substituição da mão-
de-obra negra pelos imigrantes europeus, intensificação da campanha
abolicionista, queda da monarquia e estabelecimento da República.
Além do contexto Brasileiro, as mudanças ocorridas na europa, em
virtude da segunda fase da Revolução Industrial também são fatores,
que contribuiram para o desenvolvimento do pensamento cientifico e
surgimento de algumas doutrinas filosoficas e sociais, a exemplo o
método de Hegel, o positivismo de Augusto Comte, o socialismo
científico de Marx e Engels, o evolucionismo de Darwin. Diante desse
cenário, não havia mais espaço para as exageradas idealizações
românticas. Realismo/Naturalismo é a denominação a reação aos
ideias românticos da segunda metade do século XIX.

Nós vimos acima como a partir da segunda métade do


século XIX, cresceu o interesse pela ciência e pelos problemas
sociais. A princípio o Realismo desenvolve-se em Portugal.
Considerando os últimos anos da década de 60, onde existiu uma
grande agitação política, social e cultural, refletindo o
descontentamento da população portuguesa a monarquia. Nesse
clima, surge a polêmica Questão Coimbrã em 1865 (considera-se o
marco inicial do realismo em Portugal), quando se defrontam, de um
lado, os jovens estudantes de coimbra, enganjados as ideias vindas
da Fraça, Inglaterra e Alemanha, em oposição os velhos românticos
de Lisboa. Em 1970, em Lisboa, o antigo grupo de coimbra promove
diversos encontros, surgiu como destaque um jovem que aderindo ao
realismo produziu uma das mais destacadas obras da literatura
portuguesa: Eça de Queirós. A Escola Realista em Portugal estendeu-
se até 1890.
Acompanhando as mudanças e transformações políticas,
sociais e ecônomicas ocorridas na Europa, o Brasil, também sofre
mudanças radicais. No Brasil considera-se 1881 o ano inaugural do
Realismo. Duas publicações marcaram a literatura brasileira nesse
período: O Mulato, primeiro romance naturalista brasileiro de Aluísio
Azevedo, e Memórias póstumas de Brás Cubas, o primeiro romance
realista de nossa literatura, de Machado de Assis. A Ciência do século
XIX influênciou ou autores da nova estética, principalmente os
naturalistas, pode-se falar em um cientificismo nas obras desse
período. Os autores desse período são de defesa clara ao ideal
republicano, como pode-se observar em obras como O Mulato e O
Cortiço de Aluísio Azevedo, e O Ateneu de Raul Pompéia. O
nacionalismo e a volta ao passado são deixados de lado, o realismo
só se preocupa com o presente e com o contemporâneo. Em vez de
exaltar os sentimentos eles queriam retratar objetivamente a
realidade. A arte devia ser como os positivistas comcebiam a ciencia:
fria e imparcial. O escritor não devia expressar seus sentimentos
pessoais, mas analisar as questões sociais (crime, prostituição, a
miséria etc.).

O Realismo abrange as seguintes tendências: romance


realista e o romance naturalista. No romance realista destaca-se no
Brasil, Machado de Assis, é uma narrativa voltada a uma análise
psicológica e que critica a sociedade. Os realistas nesse sentido,
analisam a sociedade a partir das classes dominantes. Já o romance
naturalista, é uma narrativa de análise social a partir de grupos
humanos marginalizados, em que se valoriza o coletivo. Por outro
lado, o naturalismo apresenta romances experimentais: a influência
de Darwin se faz sentir na máxima naturalista, que enfatiza a
natureza animal do homem; isto é, antes de usar a razão, o homem
deixa-se levar pelos instintos naturais, não podendo ser reprimido
pela moral da classe dominante. Existem várias coicidência entre o
romance realista e o naturalista; diríamos até que ambos partem de
um mesmo ponto, e chegam a um mesmo ponto, só que percorrendo
caminhos diferentes. Ambos repudiam a monarquia, o clero e a
sociedade burguesa.

Aluísio Azevedo é considerado o iniciador do naturalismo na


literatura brasileira.O naturalismo como já foi exposto acima, foi uma
tendência do realismo na procura de enganjar a literatura no
movimento científico do século XIX.
Sobre essa questão discutiram Antonio Candido e José
Aderaldo Castelo, em Presença da Literatura Brasileira:

Num sentido restrito, Naturalismo significa o tipo de


realismo que procura explicar cientificamente a conduta
e o modo de ser das personagens por meio dos fatores
externos, de natureza biológica e sociológica, que
condicionam a vida humana. Os seres aparecem, então,
como produtos. Como consequências de forças pré-
existentes, que limitam a sua responsabilidade e os
tornam, nos casos extremos, verdadeiros joguetes das
contradições. (Antonio Candido e José Aderaldo Castelo.,
1974, p. 95.)

Segundo um romancista francês Émile Zola (1840-1902) o


naturalismo queria fundamentar-se num método cientifico, por meio
de uma observação minuciosa da realidade, tornando-se então o que
o romancista chavama de ―documentos humanos‖.

REPRESENTAÇÃO DAS MULHERES EM O CORTIÇO

Historicamente, a mulher sempre foi representada na


literatura de várias formas. No romantismo foi idealizada, no
realismo/ naturalismo objetiva, ou seja, passa a ser representada de
forma real. A obra literária de Aluísio Azevedo se inscreve em um
cronotopo bastante complexo, cobrindo as duas últimas décadas do
século XIX no Brasil. Podemos localizar, nesse período histórico, uma
infra-estrutura mental e cultural progressista e ilustrada que consistia
em criticar as políticas públicas do Segundo Império. Neste último
capítulo faremos reflexão sobre as representações da mulher em O
Cortiço, analisando as personagens: Bertoleza a mulher subordinada,
Rita Baiana.

Existe uma justificativa para tal escolha, pois consideramos


que por ser uma obra repleta de personagens femininas, seria preciso
então selecionarmos, as principais. Ou seja, escolhemos as
representações que conseguem unir a ficção-realidade, não só do
Brasil do século XIX, mas da atualidade. Aluísio Azevedo, como desde
o início vinhamos afirmando, consegue em sua obra ―pintar‖ esse
Brasil oitocentista, onde existe um constante confronto/adeptos as
ideias vindas da Europa capitalista industrializada. Percebemos com
isso que Aluísio nesse romance consegue, como afirma SCHWARCZ,
L.M.:

Aluísio Azevedo fixou em sua obra literária esse


incipiente universo do trabalho e das classes sociais,
pintando o escravo, o trabalhador braçal livre
(cavoqueiros, ferreiros, cocheiros, mineiros etc), a elite
(os comerciantes portugueses, os barões do café, os
traficantes de escravos) e as classes intermediárias
(professores, jornalistas, literatos, tipógrafos, pequenos
comerciantes, contabilistas, funcionários públicos,
caixeiros etc). Desse universo do trabalho surge também
o elemento feminino oriundo de estratos sociais médio e
baixo (a lavadeira, a engomadeira, a costureira, a atriz,
a professora, a proprietária de casa de pensão). Temos
também uma grande leva de cortesãs que faziam da
prostituição um meio de vida. E, ainda, as moças de
família, filhas dos comendadores e barões do café,
casadoiras, pertencentes, na grande maioria, à elite.
(SCHWARCZ, L.M, 1998).

Em O Cortiço essa questão do trabalho é notório, são várias


as cenas que dão voz aos trabalhadores e as trabalhadoras. E as
mulheres então, entre esses excluidos aparecem com seus papeis
bem definidos, lavadeira, amante, adultura, mãe solteira.. São várias
mulheres que preconceituosamente, não o autor, mas a sociedade as
definem sendo assim:

Esse universo reduzido do trabalho, limitava-se ainda


mais para o elemento feminino em virtude de uma
matriz patriarcal e machista que exercia um domínio e
uma disciplina maiores sob a mulher, confinando-a em
casa, censurando-lhe a educação, restringindo sua ação
social e mal remunerando os ofícios praticados pelas
mulheres. (SCHWARCZ, L.M, 1998).

No demais, nossa análise não é especificamente ao trabalho


em si, mas a construção social do papel da mulher. É notorio que as
relações entre homens e mulheres, ao longo dos séculos, mantêm
caráter excludente. Percebemos isso, como acima já dissemos, com o
naturalismo onde quebra-se a visão ideal da mulher tão trabalhada
no romantismo, no naturalismo a mulher passa a ser representada,
com seus defeitos, muitas vezes considerados patológico, a exemplo,
em O Cortiço existem as adulteras, a lésbica, a sensual etc., são os
elementos que corroboram ainda mais para o crescimento do
preconceito as mulheres. Tornamos a dizer, não é o autor que cria o
preconceito, mas o reproduz.

Como discutimos nos capítulos anteriores, e cabe para fins


de entendimento, reforçarmos que o período que culminou com o
alvorecer da República no Brasil trouxe consigo movimentos sociais e
ideológicos que gradualmente foi mudando a mentalidade da
sociedade brasileira. Como sabemos, a história da humanidade é
perpassada por mudanças. Sendo assim a mulher que desde tempos
remotos vivia sob o jugo do estigma de portadora e culpada do
pecado original, essa era submetida as regras impostas por uma
sociedade patriarcal, no entanto essa situação começa a mudar entre
os anos 20 e 30 em que surgiram alguns movimentos feministas.
Estas mudanças – claro, incomodaram aos conservadores da época
deixando-os perplexos.

Percebemos então na obra literária O Cortiço, de Aluísio


Azevedo, rica em detalhes, comparando a mulher real desta época
com a descrita por Aluísio, que irá retratar de certa forma a realidade
existente no período da República Velha, principalmente a esfera que
se destina a mulher na sociedade, fazendo um contraste das
personagens da classe alta e das da classe mais pobre, focando a
vida privada destas menos favorecidas que habitavam especialmente
os cortiços. E cabe nesse capítulo enquadrar esta obra em um
contexto histórico, atribuindo assim uma análise científica a esta
literatura tão minuciosamente trabalhada por Aluízio Azevedo.
Enfocaremos agora em análisar algumas personagens que são
retratos significativos, para o nosso trabalho. Ao fazermos à análise
levamos em consideração à carga ideológica de Aluísio Azevedo pois
estava inserido no contexto em que se propõem a retratar, e também
por estarmos trabalhando com uma obra literária. Considerar-se-á,
com isto, os traços fictícios da narrativa.

Não criando o preconceito, antes o reproduzindo


percebemos em o O Cortiço que o autor acaba seguindo a mesma
tendencia de tornar a mulher um ser selvagem, promiscua, e
instintivamente primitiva, assim o mesmo autor caracteriza as
mulheres em sua obra, o que podemos de chamar de Zoomorfismo,
ou seja, redução das criaturas aonível animal, percebemos isso nas
expressões: “Leandra...a Machona; portuguesa feroz,berradoura,
pulsos cabeludos e grossos,anca de animal do campo”... e “Rita
baiana...uma cadela no cio”.. Com isto percebemos uma necessidade
por parte do mesmo em caracterizar as mulheres como um objeto de
futilidade, e ela como um animal, sem espírito e consciência dos seus
próprios atos.

Em toda a obra podemos constar diversas mulheres


figurando aspectos que vai sendo retratado a partir da realidade
objetiva. Percebemos assim, as lavadeiras, prostituras, amas-de-
leite, ex-escravas que continuavam vivendo em condição de
escravidão, como a Bertoleza. Começaremos assim, nossa análise a
partir de Bertoleza e logo após Rita Baiana.

BERTOLEZA, A MULHER SUBMISSA

O naturalismo, a corrente literária a qual Aluísio Azevedo,


tem forte ligação, se desenvolveu em um contexto histórico marcado
pelo apogeu da revolução industrial do século XIX, as mudanças
radicais na ideologia vigente. A literatura nesse período também
acabou sendo influenciada por essas transformações, a obra em
questão, está a serviço de um argumento: o meio é capaz de
influenciar o homem e o leva a corrupção.

A personagem a qual nos detemos na análise é Bertoleza, a


sua representação basicamente é sintetizada, como crioula trintona,
escrava de um velho cego, amancebada com um português. Após a
morte dele, amasia-se com João Romão:

Então há de uma criatura ver entrar ano e sair ano, a puxar


pelo corpo todo o santo dia que Deus manda ao mundo, desde pela
manhãzinha até pelas tantas da noite, para ao depois ser jogada no
meio da rua, como galinha podre?!(...) (ALUÍSIO AZEVEDO, O
cortiço, XXI p.195).

Mulher na condição de inferioridade, é representada na obra


como mulher submissa. Bertoleza representava agora ao lado de João
Romão o papel tríplice de caixeiro, de criada e de amante. Mourejava
a valer, mas de cara alegre; às quatro da madrugada estava já na
faina de todos os dias, aviando o café para os fregueses e depois
preparando o almoço para os trabalhadores de uma pedreira que
havia para além de um grande capinzal aos fundos da venda. (p.17).

Nessa época havia a crença, da superioridade, de ―RAÇA‖


que era o argumento utilizado para defender, a exploração e
desigualdade social, porém Paulo Freire discorda:

Não me venha com justificativas genéticas, sociológicas ou


históricas ou filosóficas pra explicar a superioridade da branquitude
sobre a negritude, dos homens sobre as mulheres, dos patrões sobre
os empregados. (FREIRE. 1996, p.60).

Já em relação à Cientificidade, que é outra característica da


época , pode-se notar que " o factualismo científico ou simples coleta
de fatos dominou as ciências" (Coutinho 2002,p.23),assim como as
ciências sociais foram influenciadas por essa concepção , também o
naturalismo assim foi, por isso essa preocupação em Azevedo
caracterizar Bertoleza de forma detalhada e científica isenta de
emoções.

João Ramão representava o pensamento masculino da


época da condição feminina. Nesse trecho fica bem explicito seus
interesses:

(...) Bertoleza devia ser esmagada, devia ser suprimida,


porque era tudo que havia de mau na vida dele! Seria
um crime conservá-la a seu lado! Ela era o torpe balcão
da primitiva bodega; era o aladroado vintenzinho de
manteiga em papel pardo; era o peixe trazido da praia e
vendido à noite ao lado do fogareiro à porta da taberna;
era o frege imundo e a lista cantada das comezainas à
portuguesa; era o sono roncado num colchão fétido,
cheio de bichos; ela era a sua cúmplice e era todo seu
mal— devia, pois, extinguir-se! Devia ceder o lagar à
pálida mocinha de mãos delicadas e cabelos perfumados,
que era o bem, porque era o que ria e alegrava, porque
era a vida nova, o romance solfejado ao piano, as flores
nas jarras, as sedas e as rendas, o chá servido em
porcelanas caras; era enfim a doce existência dos ricos,
dos felizes e dos fortes, dos que herdaram sem trabalho
ou dos que, a puro esforço, conseguiram acumular
dinheiro, rompendo e subindo por entre o rebanho dos
escrupulosos ou dos fracos. (...). (ALUÍSIO AZEVEDO, O
cortiço, XXI p.187).
Como ―animal superior‖, João Romão é aquele que, em vez
de ser dominado pelo meio, submete o meio a seus interesses: ele
constrói o cortiço, ele o reconstrói, ele usa Bertoleza e depois a
descarta, ele entrega o velho Libório à morte certa para roubá-lo, ele
despreza ou elimina moradores que – como Marciana, ou o Piedade –
não lhe convêm mais.

A oposição entre a escrava Bertoleza – legítima


representante das origens do cortiço - e o ―novo‖ João Romão ao
final, quando ela pela primeira vez eleva a voz na narrativa é,
simbolicamente, a resistência dos explorados brasileiros à exploração
dos portugueses.

Bertoleza, ―crioula trintona‖ (AZEVEDO, 2004, p.15), que


conseguiu reunir certa quantia em dinheiro a partir das vendas que
cozinhava para fora. Desta quantia passava uma porcentagem ao seu
dono, um velho cego residente em Juiz de Fora, outra parte era
destinada para a compra da alforria e uma terceira parte para sua
sobrevivência. Com a morte de seu primeiro companheiro, com o
qual vivia amigada, passa a viver com João Romão que administra
suas economias e as transforma em considerável fortuna. Esta união
torna-se benéfica para ambos, pois para João, ―Bertoleza
representava o papel tríplice de caixeiro, de criada e de amante‖
(AZEVEDO, 2004, p 17), e para ela no momento em que ―ele propôs-
lhe morarem juntos, e ela concordou de braços abertos, feliz em
manter-se de novo com um português, porque, como toda a cafuza,
Bertoleza não queria sujeitar-se a negros e procurava instintivamente
o homem numa raça superior à sua.‖ (AZEVEDO, 2004, pg.16).

RITA BAIANA, A REBELDE

Em todo lugar e em todos os períodos sempre houve as


rebeldes. Não podemos ser ingênuos e pensar que as mulheres
sempre foram submissas totalmente e nunca fizeram nada para
mudar sua situação. Pelo contrário, sempre houve as rebeldes como
é o caso de Rita Baiana, representada por Aluísio Azevedo. A
personagem Rita Baiana de Aluízio Azevedo, lavadeira é uma mulher
independente. Independencia essa que pode-se notar nesse trecho da
obra: ―- Casar? Protestou Rita. Nesta não cai a filha de meu pai!
Casar? Livra! Para quê? Para arranjar cativeiro? Um marido é pior
que o diabo; pensa logo que a gente é escrava! Nada! Qual! Deus te
livre! Não há como viver cada um senhor e dono do que é seu‖
(AZEVEDO, 2004, pg.62).
Rita vive suas paixões, sem contudo abrir mão de sua
autonomia. Mas também fica evidende na obra como a sociedade a
ver: objeto sexual, ―cachorra no cio‖ etc.. adjetivações
preconceituosas, as mulheres que construiam uma vida separadas de
um Homem. Essa visão que o autor tem de Rita Baiana, segue a
visão da sociedade da época.

Representando-a fisicamente, particularmente, Aluísio se


deixa levar pela visão da sociedade as mulheres mestiças, notamos
que ela é representada fisicamente marcada por muitos adjetivos,
utilizando a sinestesia como figura de linguagem para descrever as
sensações provocadas pelos gostos, cheiros e imagens emanados
pela mulata:

[...] seria preciso o talento de Leví-Strauss para o


inventário de cheiros,gostos e cores evocados nas frases
nas quais a mulata é sujeito.", mas em geral, lhe é
atribuídas qualidades tais como: bons sentimentos e
solidariedade humana, gosto pela vida, alegria, beleza,
vigor físico, graça, senso estético, habilidades
domésticas/culinárias, higiene pessoal e uma facilidade à
musicalidade/canto/dança; já seus defeitos, os mais
recorrentes são sensualidade, amoralismo, infidelidade,
um comportamento instintivo, arrebatador, pouco
domesticado e cheio de ardor e a irresponsabilidade,
principalmente com os seus trabalhos já que resiste a
uma "pândega‖ (CORRÊA, 1996. p. 35-50).

Rita Baiana consegue ser a legitima representantes das


mulheres rebeldes, que viviam segundo suas próprias convicções sem
se importar com os comentários e críticas da sociedade conservadora.
Se do outro lado tinhamos e temos muitas Bertolezas, por outro
também temos muitas Ritas que não aceitam jugo sob si. E são
exatamente essas Ritas que contribuiram para as conquistas das
mulheres tanto no século XX quanto XXI. Atualmente temos
observado esse movimento e constante crescimento e logrando cada
vez mais êxitos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pretendeu-se com esse texto, contribuir para erradicação do


preconceito as mulheres, talvez essa seja a nossa bandeira, tão
defendida aqui. Observou-se que a literatura a tempos tem servido
como instrumento de reprodução de preconceito as mulheres. No
romantismo percebeu-se uma criação de uma mulher ideal, já no
naturalismo ou realismo, corrente a qual Aluísio Azevedo está
enganjado, o romance era visto como ―experiência‖ em torno do
comportamento individual e social. Os naturalistas eram
deterministas, porque acreditavam que o comportamento humano
fosse determinado por um triplo condicionamento: o condicionamento
de raça (o fator biológico, genético), de meio (o fator social) e de
momento (o fator histórico). Se a realidade fosse observada com
precisão e os fatores determinantes fossem equacionados com rigor,
o romance valeria como um experimento cientifíco.

Isso também explica por que O Cortiço procura ser uma


representação precisa, fotográfica, da realidade que toma como
tema. (A fotografia, uma técnica nova na época, era apreciada pelos
naturalistas, que a tomavam como um ideal de representação
objetiva e precisa). A obra que analisamos pôs em prática os
princípios naturalistas, em que acreditava, e toda a sua capacidade
artística.

Entendemos que a obra é um recorte sociológico,


representando o papel social das mulheres na sociedade oitocentista.
Também podemos perceber uma carga ideologica presente na
narrativa, influênciando inclusive na reprodução de preconceitos as
mulheres. Para encerrramos nada melhor que essas palavras: “O
Cortiço Trata-se de um Romance, E um Romance de grande
importância no Naturalismo " (...) O Romance (...) espelho dum
povo, a imagem fiel duma sociedade" (Moisés, 1976.p.159).

NOTAS:

¹ Mariana Coelho. A evolução do feminismo. Subsídios para a sua


história, p. 44.

² Nesse contexto surge o socialismo científico de Karl Marx e Engels,


a filosofia Positivista de Comte, a europa estava em plena
transformação.

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ROZNIESKI, Clarisse Ismério. A Mulher na República Velha: o
imaginário e a realidade do RS (1889-1930). Rio Grande do Sul,
Dissertação de Mestrado em História, Orientador Professor Dr.
Moacyr Flores, 1995.

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