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AULA 19: MOVIMENTOS SOCIAIS DO SÉCULO XIX (SOCIALISMO UTÓPICO X SOCIALISMO

CIENTÍFICO)

SOCIOLOGIA

Contexto Histórico

O socialismo, antes de mais nada, é um movimento social que explodiu em resposta a


grande desigualdade social instaurada perincipalmente na segunda metade do século XVIII,
após a última grande revolução burguesa se concretizar (a revolução francesa) e, logo em
seguida, aos anos que atravessaram a Inglaterra depois da primeira revolução industrial.
Esse novo mundo, constituído em função das ruínas do feudalismo anunciava a
realização das ambiciosas promessas burguesas de liberdade, igualdade e fraternidade
(liberté, égalité e fraternité) e o rompimento dos limites impostos pela organização rural
da pequena gleba feudal sobre os meios de produção e intercambio do ser humano.
Prometia-se também arquitetar um mundo pautado na razão, no qual as pessoas não
sofressem mais com os males da intolerância, do preconceito e da injustiça – mazelas
dominantes durante a Idade Média. A sociedade industrial espalhou-se incrivelmente rápido
por toda a Europa – é claro que em alguns países, tais como a Inglaterra, este processo operou
de forma assustadoramente veloz –, transformando toda a vida social, impulsionando êxodo
rural, planejamento segregacionista das cidades e invenção da máquina a vapor. Nesse
sentido, durante os últimos anos do século XVIII a maioria da população urbana
vivenciou os sonhos burgueses tornarem-se verdadeiros pesadelos, marcados pelas
jornadas de trabalho abusivas, exaustivas e pessimamente remuneradas. Na realidade, o
verdadeiro sentido das ideias presentes no baluarte das revoluções burguesas: a liberdade
não abarcava toda a população, em vez disso, era uma liberdade da propriedade, uma
liberdade de poucos, do grande burguês (do empregador, do banqueiro, do latifundiário,
etc…) a única liberdade que os trabalhadores possuíam era a de vender a sua mão de
obra para esses detentores do capital. A igualdade não propunha uma equidade das
condições econômicas, proporcionando a todos mesmas chances de competição e
desenvolvimento, muito pelo contrário, era uma igualdade perante a lei – que, digamos de
antemão, fundava-se em princípios burgueses. Por fim, a tão aclamada fraternidade entre
“irmãos”, representava talvez a mais sínica das promessas, haja vista que, no mundo da

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capital a concorrência é caracterizada principalmente pela deslealdade, pela inveja e o
dinheiro e posto acima da dignidade humana.
Frente a essa realidade, evidentemente, a indignação intensifica-se, explodindo
sob a forma de movimentos críticos à realidade vigente que abrem possíveis caminhos
para se pensar uma sociedade diferente – o anarquismo foi a alternativa estudada na aula
passada, nesta aula analisaremos outro movimento social importante: o socialismo. As
revoltas e greves operárias são as primeiras expressões de questionamento da sociedade
industrial que vinha se estruturando a partir do século XVIII. No entanto, segundo Friedrich
Engels, embora este período seja marcado pela generalização da incerteza e da miséria
em grande parte da população gerou, ainda assim, não havia nesse momento uma classe
social específica (leia-se o proletariado) na qual este sentimento pudesse se concentra,
culminando em mudanças significativas da realidade. Por isso, a crítica acabou
expressando-se através da reflexão teórica, por exemplo, a partir dos escritos de pensadores
conhecidos como teóricos do socialismo utópico que visavam, antes de mais nada, a
conquista de uma espécie de capitalismo mais humano, deixando de lado qualquer
pretensão de revolucionar violenta e radicalmente a sociedade moderna. Os grandes
fundadores dessa corrente de pensamento crítico são: Saint-Simon (1760 – 1825); Charles
Fourier (1772 – 1837) e; Robert Owen (1771 – 1858). A essência da teoria dos socialistas
utópicos era o exemplo. Eles desejavam criar uma ordem social justa e perfeita, dentro
da própria sociedade capitalista, esperançosos com a possibilidade das suas experiências
servirem de modelo para a construção de uma nova realidade social. Portanto, estavam
fadados a existir meramente como utopias, ou melhor, como sonhos vívidos provenientes das
mentes brilhantes dos seus idealizadores.

Os socialismos utópicos

O socialismo utópico, tal como discutimos, é um reflexo das penosas e explosivas


contradições sociais que surgiram com a hegemonia da sociedade industrial (desenvolvida a
partir da virada do século XVIII para o XIX). Essa manifestação teórica de crítica não
aconteceu (como a maioria dos movimentos sociais) de uma forma unânime, ou seja,
identicamente em todos os países da Europa. Na realidade, cada região europeia possuiu os
seus utopistas. No entanto, o foco dessa aula girará em torno de três grandes pensadores,

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dois franceses e um inglês, que destacam-se não somente pela sua importância histórica
como também em seu caráter didático de apresentar, de um modo geral, aquilo que significou
esse crucial movimento social.

➢ Saint-Simon e a Comunidade Industrial Mundial


Claude-Henry de Rouvroy Comte de Saint-Simon foi um rico industrial francês, vindo
de uma importante família nobre, a qual vangloriava-se de ter a linhagem do famoso Carlos o
Grande, ou Carlos Magno (742 – 814)1. Segundo Engels, Saint-Simon foi um herdeiro
genuíno da revolução francesa, tento em vista que enxergou com seus próprios olhos o
terceiro estado levantar-se contra o poder arbitrário da nobreza e do clero. Percebeu
como o verdadeiro triunfo da revolução não havia sido do terceiro estado como um todo, mas,
apenas de uma classe (os girondinos, isto é, a burguesia) que estava se fortalecendo sob as
costas dos camponeses e artesãos. Isto ficou claro quando a burguesia revela sua face
oculta, aliando-se com o exército (nobreza recém-derrotada) para pôr fim aos sonhos dos
jacobinos, ou seja, levar a cabo uma revolução efetiva do terceiro estado. Evidentemente,
a burguesia a partir de 1794 fez cessar a violência imediata do processo revolucionário, no
entanto, ele condenou boa parte dos revolucionários jacobinos a uma insuportável violência
diária. Nesse sentido, Saint-Simon dedicou a sua vida e a sua fortuna para construir um
mundo menos arbitrário e opressivo dentro da realidade francesa, pretendendo como ele
mesmo dizia: “desejo escrever às abelhas, contra os zangões”. Contudo, o industrial
francês não chegou a tal conclusão imediatamente, boa parte da sua juventude foi dedicada a
defesa da sociedade industrial e das maravilhas tecnológicas engendradas nela. Seus
ensinamentos encheram os olhos do jovem Auguste Comte (1798 – 1857), o famoso
fundador da corrente filosófica do Positivismo2, mas esse é o tema para uma outra aula.
Ao amadurecer, enxergou a desumanidade da vida na sociedade burguesa, mudando sua
perspectiva (o que desagradou muito Comte e outros discípulos) e passou a criticar
ferozmente, mas de forma utópica, a sociedade francesa da época.

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Famoso imperador romano, conhecido principalmente pela importante façanha de unificar o que hoje
conhecemos como Europa Ocidental.

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Corrente de pensamento filosófico que busca se agarrar com unhas e dentes a sociedade burguesa industrial,
enxergando-a como o ponto máximo da evolução humana, negando a necessidade de qualquer mudança
significativa da realidade, aceitando somente pequenas reformas que produzam “progresso humano”.

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Embora, Saint-Simon não tenha declarado ser socialista, muito menos participado do
movimento na época, suas teorias são de suma importância para uma melhor compreensão do
socialismo utópico. Em primeiro lugar, o filósofo francês percebeu, de forma original e
logo no início do século XIX, que o conflito de classes NÃO havia deixado de existir após
a revolução do terceiro estado contra a nobreza e o clero, destacando a permanência da
desumana contradição entre a massa despossuída e a recém-formada burguesia. Nesse
sentido, sonhava com uma comunidade internacional de industriais, ou seja, uma
sociedade na qual o poder estivesse sobre as mãos daqueles que realmente produzem –
aqui precisa ficar claro que ele se refere aos trabalhadores das fábricas, aos pequenos
agricultores, aos artesãos, isto é, os verdadeiros produtores da sociedade industrial
moderna. Ao mesmo tempo, repudiava os ociosos – nessa categoria se enquadravam os
nobres, o clero e os burocratas, mas, acima de tudo, os burgueses, cuja renda é fruto do
aproveitamento do trabalho dos outros, por isso, são o pior tipo de ociosos, diga-se de
passagem. Logo, também havia descoberto um dos maiores problemas da contemporaneidade,
a tendência da economia controlar a política. Em segundo lugar, o elo de sua nova
sociedade é a noção de cooperação, segundo ele, todos os seguimentos dessa nova classe
industrial, devem cooperar entre si, suprindo as falhas ou necessidades que um campo
abre, através das virtudes e das funções que outro campo exerce. Em último lugar,
pensava em fundar uma sociedade pautada rigorosamente na hierarquia; pois, dentro
da lógica da cooperação, todos trabalham para o fortalecimento da comunidade, no
entanto, aqueles que se esforçasse mais acabavam ganhando mais. Por fim, o filósofo
francês NÃO chegou a refutar a propriedade privada, e defendia a conquista da sua nova
sociedade através do exemplo, haja vista que a considerava ser uma questão de tempo até que
o mundo adira a lógica da cooperação e a comunidade industrial tornar-se uma organização
em todo o mundo.

 Charles Fourier e os Falanstérios


François Marie Charles Fourier era um filho de grandes comerciantes francês que
vivenciou o “período do terror francês”. A experiência revolucionária foi responsável pelo
arruinamento da fortuna de sua família e pela condenação do socialista ao trabalho que ele
mais odiava, o de comerciante. Ficou muito conhecido devido a sua escrita satírica que
expunha sem censura as mazelas e a hipocrisia do capitalismo e ironizava as promessas

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do iluminismo, do enciclopedismo, bem como da revolução francesa, considerando-as
piadas (digamos de passagem, de muito mau gosto) em meio a “civilização” capitalista
moderna, na qual a “pobreza floresce com abundância”. A originalidade do comerciante
francês, não está presente somente em seu estilo de escrita, mas também em sua grande
perspicácia de perceber um dos principais problemas estruturais do capitalismo: as crises de
superprodução e subconsumo, surgidas em função do baixo poder de compra do
proletariado no século XIX. Por isso, denominou a economia de mercado como uma
verdadeira “economia do roubo sob a máscara de legalidade”. Além do seu espírito jovem e
sarcástico de Fourier destaca-se frente aos teóricos do socialismo utópico, por causa da
sua crucial defesa da emancipação das mulheres, pois, segundo ele, nenhuma sociedade
pode se considerar livre e emancipada, caso não conquiste a liberdade e emancipação da
mulher.
Sua principal teoria é a construção dos falanstérios (comunidades organizadas de
formas semelhante as falanges3 espartanas), onde a vida adquiriria um caráter e um
sentimento coletivo de autoproteção, semelhante ao que existia nas formações militares
em forma de falange no mundo antigo. Dentro dos falanstérios a produção agrícola,
industrial e o comércio estão fortemente interligados e organizados de uma forma
coletiva, de forma que um complete e sana as deficiências do outro. O trabalho era
coletivo e remunerado conforme a dureza do serviço (mais duro e difícil, mais
remunerado), o desejo principal de Fourier era retomar o caráter prazeroso e livre do
trabalho humano. Marx vai dedicar toda a sua crítica da alienação do trabalho,
desenvolvendo a ideia do trabalho livre, autônomo e criativo – duplamente fruído. O
comerciante francês era um reformista, acreditava, do mesmo modo que a maioria dos
socialistas utópicos, na força da mudança por meio de exemplos e de pequenas reformas
que, com o tempo, engatinham grandes mudanças.

 Robert Owen e as Colônias Comunistas


O rico industrial inglês Roberto Owen pode ser o último da nossa lista de socialistas
utópicos dessa aula, no entanto, talvez seja o mais importante, pois foi aquele que levou a
3
Estratégia muito usada pelos exércitos da Antiguidade Clássica, consistindo em um a espécie de formação
militar triangular, na qual os homens da das fileiras frontais empunhavam ferozmente seus escudos e lanças,
enquanto os soldados da retaguarda levantavam suas lanças em 45° para evitar ataques aéreos. Na verdade, a
falange embora seja uma das formações mais intransponível do mundo antigo, ainda era muito frágil a ataques
nos flancos, por isso, necessitava sempre da cavalaria para superar tal vulnerabilidade. O filme 300 (2006) ilustra
bem esse tipo de estratégia em falange.

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ideia do socialismo utópico mais adiante, esforçando-se para tentar concretizar sua
sociedade ideal. Antes de mais nada, precisamos mencionar o fato dele ter adquiro a grande
fábrica de algodão da Escócia, a New Lamark, a qual representou o palco principal das
suas tentativas de organização fabril fora dos moldes do capitalismo. Nesse sentido, ele foi
capaz de pôr em prática a sua tese fundamental: a importância essencial da educação.
Owen acreditava que os seres humanos eram formados parte por questões inatas, parte
por conta do meio em que viviam, logo, ao evidenciar a miséria, a pobreza e a ignorância
em larga escala nas cidades inglesas, pensou imediatamente que uma revolução na
educação, teria consequências significativas na sociedade. Inspirado nessa ideia, foi o
precursor da educação no jardim da infância, que se localizava dentro da própria New
Lanark, onde as crianças a partir dos dois anos já poderiam começar a serem educadas. Além
da educação, o industrial inglês esforçava-se para que os seus trabalhadores tivessem a melhor
qualidade de vida possível, pois, enquanto a maioria das fábricas inglesas forçava os
operários a trabalharem catorze horas diárias, Owen mantinha um regime de serviço de
dez horas e meia. Aliás, quando a crise econômica assolou a Inglaterra, os trabalhadores
demitidos continuaram a receber seus salários até que a empresa voltasse a empregá-los.
Mesmo assim, sua empresa se mantinha lucrativa. Isso o fez refletir que, apesar das
condições humanitárias proporcionadas em sua empresa, ele ainda explorava seus
trabalhadores e estes estavam deveras muito longe de desenvolver um trabalho livre e
autônomo.
O industrial inglês defendia a união necessária da felicidade individual com a
felicidade coletiva, e também deixou claro duas de suas maiores aspirações críticas: destruir
o sistema de trabalho com lucro e elaborar uma realidade de pleno empego na
sociedade. Para tanto, comprou a colônia norte-americana de New Harmony, levando a cabo
o seu sonho de construir comunidades comunistas onde o lucro inexistia e os operários
trabalhariam em função da lógica do dinheiro trabalho, ou seja, o trabalhador faz a sua
jornada de trabalho, estipula o valor do seu serviço e recebe de acordo com o tempo que
dispendeu na produção4. Embora as primeiras tentativas tivessem fracassado, Owen não
desistiu e fundou o Banco de Trocas (Labour Exchange Bank), responsável por emitir as
notas do dinheiro trabalho. A partir de então, Owen deixou de ser citado na imprensa e foi
isolado comercialmente. Por conta disso e da concorrência com outras instituições bancárias,
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Essa forma de pensar é uma traduzirão que surgiu das interpretações socialistas da teoria do valor desenvolvida
pelo economista burguês clássico, David Ricardo.

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bem como a dificuldade de atender a demanda selvagem do capitalismo nessa época, seu
banco de troca faliu. Contudo, o industrial inglês não ficou famoso apenas pelos seus sonhos
visionários e por seu caráter combativo e prático que foi responsável pela conquista, em
1819, da lei de limitação a exploração do trabalho infantil e da mulher nas fábricas de
Londres.

O socialismo científico

Os fundadores da ideia de socialismo científico são o filósofo alemão Karl Marx e


filósofo inglês Friedrich Engels. Para tais pensadores, as revoluções sociais NÃO se
realizam por causa da subjetividade das mentes dos seres humanos isolados, mas, em vez
disso, são resultados das relações estabelecidas por conta dos modos de produção de cada
sociedade, da foram como cada grupo produz sua realidade por meio de seu trabalho. O modo
de produção capitalista, por exemplo, era incompatível com a ordem e os privilégios
feudais, por isso, a burguesia erigiu seu domínio sobre as ruínas do feudalismo,
levantando as bandeiras da liberdade e da igualdade de direito dos proprietários de
mercadorias. Em síntese, o conflito que surge da transformação das forças produtivas de
uma sociedade não emerge da mente de sujeitos isolados, ao contrário, é fruto de um
processo histórico objetivo e material, independente da vontade daqueles que o levam a
cabo. Contudo, a expansão desordenada e sem limites do capital não acompanha a
expansão dos mercados. Aqui nos deparamos com o problema das crises cíclicas de
superprodução e subconsumo do capital. As forças produtivas atuais se rebelarem
contra o modo de produção na qual elas se originaram. Ou melhor, o modo de produção se
rebela contra o modo de troca. Nos períodos de crise cíclica do capital, o Estado assume as
rédias da economia, assumindo alguns empreendimentos do capital, o que comprova o
caráter dispensável da burguesia. Quando o Estado organiza a economia para salvar os
burgueses da falência, ele prova que a sociedade NÃO precisa ser dominada apenas pela
burguesia. Como o modo de produção capitalista, paulatinamente transforma a maioria
da sociedade no proletariado, chega-se a hora de que a sociedade seja organizada pelo
proletariado. Isso acontece por meio da revolução comunista. O socialismo científico é a
compreensão deste movimento histórico e dialético da realidade. Quando o proletariado
toma o Estado e organiza a economia, ele fica no poder durante um período temporário até

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que a propriedade privada, a divisão social do trabalho, o mercado, o Estado e as classes
sociais deixem de existir. Essa transformação não acontece do dia para a noite como
desejavam os anarquistas.

O proletariado assume o poder do Estado e transforma os meios de produção


primeiramente em propriedade do Estado. Desse modo, ele próprio extingue
como proletariado, dese modo ele extingue todas as diferenças e
antagonismos de classes e, desse modo, ele também extingue o Estado
enquanto Estado (ENGELS, 2015, p. 316).

Referências Bibliográficas

ENGELS, F. Do socialismo utópico ao socialismo científico. Escrito entre janeiro e março


de 1880. Versão online disponível em: http://pcb.org.br/portal/docs/dosocialismoutopico.pdf
[consultado em 04-08-2018]

______. Anti-Dühring. São Paulo: Boitempo, 2015. 384p.

Referências Filmográficas

300. EUA. 2006. Direção: Zack Snyder. Duração: 117 min.

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