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MESTRADO EM ARTE E EDUCAÇÃO

LITERATURA INFANTIL E MEDIAÇÃO LEITORA

Prof. Dra. Glória Bastos

AS ESTAÇÕES, AS FESTAS
E OS CONTOS DE FADAS

Magda Serpa n.º 905258


Julho de 2010
Literatura Infantil e Mediação Leitora
Mestrado em Arte e Educação – Universidade Aberta ||| Ano lectivo 2009/2010

ÍNDICE
pp.

INTRODUÇÃO ................................... 3

I AS ESTAÇÕES, AS FESTAS E OS CONTOS DE FADAS

1.1 OUTONO - S. MIGUEL/FESTA DAS COLHEITAS ................................... 6

1.2 INVERNO - ADVENTO/NATAL ................................... 8

1.3 PRIMAVERA - PÁSCOA/PENTECOSTES ................................... 9

1.4 VERÃO - S. JOÃO/FESTAS POPULARES ................................... 11

CONCLUSÃO ................................... 13

BIBLIOGRAFIA ................................... 15

ANEXOS ................................... 16

INTRODUÇÃO

Para que uma história possa prender verdadeiramente a atenção de uma


criança, é preciso que ela a distraia e desperte a sua curiosidade. Mas para

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enriquecer a sua vida, ela tem que estimular a sua imaginação; tem de ajudá-la a
desenvolver o seu intelecto e esclarecer as suas emoções; tem de estar sintonizada
com as suas angústias e as suas aspirações; tem de reconhecer plenamente as suas
dificuldades e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que a
perturbam.
Bettelheim (1998)

Segundo Rudolf Steiner (2002), propulsor da pedagogia conhecida por Pedagogia


Waldorf, os Contos de Fadas são um tesouro espiritual da humanidade. Estes contos surgem
de vivências primordiais da existência humana e a sua actuação tem um efeito inconsciente
na alma ao resgatar, por meio de imagens significativas, o longo percurso do
amadurecimento humano na Terra. Segundo o mesmo autor, “a fonte da atmosfera dos
contos de fadas, da poesia dos contos de fadas, encontra-se nas profundezas da alma
humana! (...) O conto de fadas expressa o mais profundo da vida espiritual do modo mais
simples possível.”
Claro que, exactamente pelo surgimento em épocas primordiais da existência do
homem, e segundo Bettelheim (1998) os contos de fadas ensinam pouco sobre as condições
específicas da vida da sociedade actual mas “podemos aprender mais coisas com estes
contos, acerca dos problemas interiores dos seres humanos e das soluções acertadas para as
suas exigências em qualquer sociedade, do que em qualquer outro tipo de história que esteja
dentro do âmbito de compreensão das crianças.” Ainda segundo o mesmo autor, os contos
de fadas actuam ao nível dos recursos interiores da criança, o que a ajudará, em cada
momento das sua vida, a lidar com as situações que se lhe depararem. Em última instância,
“a criança precisa de uma educação moral em que, em subtileza apenas, se lhe transmitam as
vantagens de um comportamento moral”.
É, por isso, importante que a criança oiça estas histórias que a alimentam ao nível
da alma e que a predispõe para um comportamento social moral, para uma acção moral,
enquanto indivíduo.
Schiller, um filósofo e poeta alemão do século XVIII dizia que “Existe um sentido
mais profundo nos contos de fadas que me foram contados em criança do que na verdade
que a vida ensina.”

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Ora, em Educação é fundamental temos presente a importância dos contos de fadas e


cabe ao professor/educador, responsabilizar-se pela transmissão dos mesmos. E este
compromisso com os contos de fadas deve ter em conta os que nos diz Betttelheim (1998:
“para se atingir o máximo das suas propensões para a consolação, os seus sentidos
simbólicos e, acima de tudo, os seus sentidos interpessoais, uma história de fadas deve ser
contada de preferência a ser lida” .

Por outro lado, o ser humano está profundamente ligado à natureza e aos seus ritmos.
Desde os tempos antigos que os povos festejam o movimento cíclico de fenómenos
da Natureza: os solstícios de Verão e Inverno e os equinócios da Primavera e do Outono.
Em cada um desses momentos as forças divinas eram manifestas na natureza, através do
clima, da vegetação visível e de como se apresenta, das colheitas... fenómenos que estão
directamente relacionados com as imagens que temos de cada uma das estações do ano e
que nos ajudam na definição das mesmas.
Estas festividades primordiais, relacionadas com estes fenómenos naturais, também
denominadas como festas pagãs, foram mais tarde associadas ao calendário festivo Cristão,
e estão presentes, até aos dias de hoje, na nossa cultura europeia.
Assim, tendo em conta o que foi dito, podemos associar o Outono à Festa de S.
Miguel, o Inverno ao Advento (a espera) que culmina no Natal, a Primavera à Páscoa e o
Verão às Festas Juninas- S. João e Santos Populares.
Tendo em conta o que cada uma das festas significa para o professor, a imagem
interna que ele tem de cada uma das festividades, assim ele pode transmitir histórias que
contenham as imagens arquetípicas que, do ponto de vista anímico, permitam à criança
vivenciar as referidas festas.
Podemos encontrar este tipo de alimento para a criança, nas imagens ancestrais dos
contos de fadas ou das histórias da natureza (histórias com a sabedoria própria do mundo
natural e das leis universais).
Estas festividades estão associadas às estações do ano, uma vez que cada uma delas
está associada a um equinócio ou a um solstício, sendo comemorada dias após acontecerem
estes fenómenos astronómicos. Assim, o ciclo anual da natureza é também vivenciado
internamente pela criança, ainda através de arquétipos.

Nas escolas com Pedagogia Waldorf, no Ensino Básico, existe por parte dos
professores, a prática corrente de contar diariamente histórias de acordo com o

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desenvolvimento da criança, de preferência sem recurso a livros, tenham ou não


ilustrações, (principalmente nos três primeiros anos de escolaridade). Existe mesmo um
currículo de histórias de acordo com o ano escolar.
Numa tentativa de resgatar a relação cósmica entre os ritmos da natureza e o ser
humano, nestas escolas, todos os anos, as festas, referidas atrás, são comemoradas e as
histórias que são contadas estão, de alguma forma, relacionadas.
Nas turmas do primeiro ano é curricular que se contem contos de fadas - importante
referir que só os irmãos Grimm fizeram uma recolha de algumas centenas de contos- o que
implica uma selecção dos contos a contar. Essa selecção é feita pelo professor e tem em
conta diferentes critérios:
- gosto pessoal (afinidade com a história);
- enquadramento de alguma situação comportamental ou emocional do grupo turma,
que se quer trabalhar;
- cenários e dinâmicas que estão de acordo com a estação do ano que se está a
vivenciar;
- imagens e valores próximas da festividade que está a ser celebrada, como recurso de
aproximação da vivência que se pretende para as crianças, e que vive no professor.

Neste trabalho vamos abordar a relação entre as quatro grandes festividades - ligadas aos
fenómenos naturais na origem das estações- e os contos de fadas, tentando sintetizar estas
relações imagéticas.
A selecção dos contos apresentados tem a ver com o gosto pessoal, já que se podem
encontrar diferentes contos utilizáveis para a mesma festividade/época do ano, e baseia-se
na prática da autora, enquanto professora com formação Waldorf.
A ordem que vamos seguir está de acordo com a ordem em que festas (e estações)
aparecem ao longo do ano lectivo.
Assim, a nossa “viagem” terá início na festa do Arcanjo Miguel e terminará nas Festas
Juninas ou, de um outro modo, começará no Outono e terminará no Verão.

I- AS ESTAÇÕES, AS FESTAS E OS CONTOS DE FADAS

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1.1 OUTONO - S. MIGUEL ARCANJO E COLHEITAS

“Com força e coragem no


coração
todo o medo tem seu fim.
S. Miguel vai vencer o dragão
com a luz que brilha em mim.”
Popular

Desde os tempos mais antigos que, no início do


Outono, eram feitas festas de agradecimento pelas
abundância das colheitas que eram realizadas logo após
o Verão. No nosso país temos as festas das vindimas,
como exemplo.

Fig.1- Archangel Michael - Guido Reni

Os cristãos aproveitaram essas festividades e associaram esta época ao Arcanjo


Miguel (Fig.1), atribuindo-lhe o dia 29 de Setembro como dia comemorativo, uns dias após
o equinócio de Outono.

O Arcanjo Miguel é o grande protector dos céus e tem consigo uma espada para lutar
contra as tentações do mal. Ele está imbuído de força, de coragem e de discernimento em
relação ao que o rodeia.

Estes são os grandes valores que se querem passar nesta época. Assim, escolhem-se
contos em que heróis, com uma coragem associada à bondade e à integridade, superam
obstáculos, lutam e vencem dragões e/ou gigantes.

O que se pretende, realmente, é que na criança sejam despoletadas as suas forças


interiores de coragem, força e discernimento para que possa superar as dificuldades que for
encontrando no seu caminho. Cada ser humano tem em si a potencialidade de ser um herói,
razão pela qual a criança se liga, tão fortemente, a esta imagem.

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Um bom exemplo de conto de fadas para esta época do ano é O Príncipe que não
temia coisa alguma (anexo I).

Este conto tem em si dois momentos completamente distintos:

- Uma primeira parte em que o herói vai percorrer mundo sozinho, encontra um
gigante e prova-lhe que é capaz de superar qualquer prova pois não tem medo de
nada e nessa prova encontra um fiel leão. Depois no desenrolar da narrativa o
gigante e o príncipe acabam por se confrontar fisicamente, até que o gigante “se
despedaçou no fundo do precipício”;

- E uma segunda parte em que o herói sai outra vez pelo mundo, agora acompanhado
pelo seu leal leão, e encontra uma donzela preta que lhe pede ajuda para ser
desencantada. Ele enfrenta, sem medos mais uma vez, durante três noites, demónios
que lhe batem e deixam-no quase morto, sem que ele vacile por um momento
sequer. Tendo no final a recompensa merecida, o seu casamento com a donzela, que
afinal “era uma princesa, filha de um rei muito rico e poderoso”.

Ele ultrapassa todas as provas que encontra no seu caminho, na sua viagem, quer na
primeira quer na segunda parte da história, pela sua coragem, o seu destemor, a sua auto-
confiança, alimentada pela sua boa fé, honestidade e crença no divino. E acaba mesmo por
receber a merecida recompensa, encontrar-se na sua totalidade, na imagem do seu
casamento com a princesa.

Interessante salientar a imagem da espada que, mesmo no final da história, surge


como símbolo do ponto final do encantamento. Lembremo-nos que também o Arcanjo
Miguel tem uma espada para vencer o mal.

Também interessante notar uma imagem que pode ser associada à estação do ano que
se inicia com o equinócio de Setembro “no jardim (...)crescia a árvore da vida, de cujos
galhos frondosos pendiam maças maduras, bem vermelhas.” As maçãs são um fruto
originalmente de Outono.

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1.2 INVERNO – ADVENTO E NATAL


“Advento, advento! Uma luz cintila
E brilha, brilha! De noite e de dia,
Esperando até chegar o Natal.”
Popular

Mais uma vez, a festa do solstício de Inverno era


uma tradição dos povos antigos. Era notado que o dia ia
ficando cada vez mais curto e a noite cada vez mais longa,
que culminava com este momento astronómico: o Solstício
de Inverno. Este facto era sujeito a comemorações.

Fig. 2 - Virgem e o Menino - Hans Memling

Também aqui, o Cristianismo associou a uma festa pagã já existente, a festa do


nascimento de Jesus (Fig.2). Para tal temos como data comemorativa o dia 25 de Dezembro
(uns dias após o solstício de Inverno).
Quatro domingos antes desta data, inicia-se o período do advento, da espera, da
preparação interna para o natal. É o tempo que em que se procura criar na criança o espaço
interior para que habite nela a esperança no novo, no que há-de vir. E o que vem é o
nascimento de Jesus, em amor e harmonia, associado a família, anjos, estrelas, pastores e
magos (sábios).

Os doze irmãos é uma bom conto de fadas para esta época, pois tem algumas
imagens verdadeiramente integradoras, na alma humana, dos valores associados a esta época
festiva (Anexo II).
Neste conto, tal como no anterior, temos dois momentos específicos, quase duas
histórias numa só:
- Na primeira parte da história uma rainha espera uma criança e os doze irmãos têm
que ficar vigilantes para saber se ela será menina ou menino, pois disso depende a
vida deles. E quando o sinal, vermelho, é dado, eles começam uma nova vida. A
irmã acaba por saber da existência destes irmãos, vai em busca deles e encontra-os,
sendo recebida com amor.
- Na segunda parte da história, após a princesa arrancar os doze lírios, os irmãos
transformam-se em corvos. E ela para os salvar tem que ficar em silêncio e sem rir,

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um longo tempo, na esperança de conseguir libertá-los do encantamento. O que


consegue fazer. Mais uma vez existe um encontro em amor.

Os tempos de espera quer da primeira parte, quer da segunda parte, são passíveis de
serem associados aos momentos de espera do Natal, o advento. A vivência da espera
para que algo especial é passado através da imagem dos irmãos que vigiam durante 12
dias a torre do castelo, e os sete anos que a menina não fala nem ri.
Na criança, que escuta o conto, estes tempos de espera, fazem surgir, de alguma
forma um tempo de espera interna para o que há-de vir. O culminar das esperas implica,
de alguma forma, esperança no que vem. Em ambos os momentos de espera existem
nascimentos. Na primeira parte é a própria menina que nasce e no segundo são os
irmãos que renascem na sua forma humana.
Também é interessante referir que a menina tem em si (na sua testa) um símbolo
utilizado muito nesta época festiva, uma estrela de ouro. Também o amor, ligado à
família, está muito presente em todo conto:: o amor entre a mãe e os filhos e entre os
irmãos e a irmã.

Neste conto, não encontramos nenhuma referência específica ao Inverno.

1.3 PRIMAVERA – PÁSCOA

A Páscoa era, inicialmente, uma festa pagã


celebrada no hemisfério norte, na primavera, numa
altura em que as pessoas se encontravam à mercê das
forças da natureza. Nesses tempos antigos,
sobreviver ao rigor do inverno era um grande
desafio, pois muitas vezes os alimentos eram
escassos, as vestimentas ineficientes e os abrigos
rudimentares. Por isso sobreviver ao Inverno e
chegar à Primavera era motivo de grande celebração.
E os povos antigos rendiam homenagem às Deusas
da Fertilidade.

Fig. 3 - Ressurreição de Cristo- Rafaello Sanzio

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Era nesta época do ano que a vida recomeçava, tudo desabrochava e as cores
apareciam por todo o lado. Era a vitória da vida sobre a morte.
Posteriormente, as culturas judaica e cristã acabaram por absorver estas festividades
pagãs:
- Para os judeus é um período que os remete para a sua libertação da
escravidão a que eram sujeitos no Egipto, através de Moisés. Foi uma
passagem da Morte (escravidão) para a vida (libertação). Em hebreu
PESSACH- de onde deriva a palavra Páscoa- quer dizer isso mesmo.
- E para os Cristãos, o domingo de Páscoa é a comemoração da glória da
Ressureição de Cristo (Fig. 3), que deixa como legado uma nova vida após
a morte. Temos, mais uma vez, a passagem da morte para a vida.

No calendário cristão, a Páscoa é uma festa de data móvel, por se ter decidido, no
ano 325 d.C. no Concílio de Nicéia, que esta festa seria sempre comemorada no primeiro
domingo a seguir à lua cheia, após o equinócio da Primavera, que acontece no dia 21 de
Março.

O Capuchinho Vermelho (Anexo III) é um bom conto de fadas para esta época pois
a morte é superada, a vida vence a morte.
O capuchinho vermelho é uma história que nos fala de um percurso de uma menina,
figura central da história, desde sua casa até à casa da sua avó, para lhe levar bolo e vinho
com o intuito da avó recuperar forças. Estes dois alimentos que o Capuchinho Vermelho
leva para a avó, podem associar-se ao pão e ao vinho, símbolos da última refeição de Cristo.
A mãe pede-lhe para não se desviar do caminho. Mas o lobo, com quem ela
conversa, convida-a a olhar em volta, a ver os raios de sol que penetram na floresta, assim
como a enorme quantidade de flores que se vêem. E a menina desvia-se do seu caminho,
para apanhar flores. E ela afasta-se cada vez mais, em busca de flores cada vez mais bonitas,
que lhe parecem sempre um pouco mais distantes.
Esta imagem da saída do caminho e do embrenhar na floresta é muito forte se ligada,
internamente, pelo consumismo exacerbado da nossa sociedade actual que nos afasta do
nosso verdadeiro propósito. Podemos ver nela a imagem do homem a ser tentado pela
matéria :“Então ela saiu do caminho e começou a apanhar flores. Apanhava uma e parecia-lhe que

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mais adiante havia outra ainda mais bonita, e ela lá ia para colhê-la, depois via outra ainda mais
adiante e lá ia ela para a colher. Cada vez estava mais embrenhada na floresta.”
Depois, o Capuchinho Vermelho regressa ao seu caminho, mas entretanto o lobo já
tinha comido a sua avó e acaba por comê-la também. Vale às duas ter passado o caçador que
consegue trazê-las à vida, de novo, cortando a barriga do lobo.
O Capuchinho Vermelho exclama então: “Como estava escuro dentro da barriga do
lobo!” logo seguida de uma afirmação, com uma outra consciência: “ Nunca mais sairei do
caminho e seguirei sempre os conselhos da mãe.”
A Páscoa é um tempo de transformação, de retorno à vida, de superação da morte, de
uma nova oportunidade, de um recomeço, elementos, como se pôde constatar, presentes
nesta história.

Também podemos ter a imagem da Primavera como estação na qual decorre a


história pela presença de muitas flores na floresta. A Primavera é a estação das flores, do
desabrochar da vida, das muitas cores.

1.4 VERÃO – FESTAS JUNINAS /S. JOÃO E SANTOS POPULARES

“S. João à minha porta


E eu sem ter que lhe dar
Dou-lhe uma caninha verde
para pôr no seu altar”
Popular
As Festas Juninas (por ocorrerem
em Junho) ou Festas dos Santos Populares
são celebrações que acontecem em vários
países e estão historicamente relacionadas
com a festa pagã do solstício de Verão, que
se celebrava no dia 24 de Junho.

Fig.4 –S. JoãoBaptista-Bartolomeu Ordoñez

Na noite desta festa acendiam-se fogueiras, para que a noite fosse iluminada.
Também estava presente o conceito do fogo como elemento transformador. Transformador

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do homem e das suas forças para o futuro, onde o elemento coragem está muito presente.
Daí o saltar da fogueira, o passar pelo fumo.

Novamente o cristianismo liga uma festa pagã com uma figura bíblica, S. João
Baptista (Fig. 4) (cujo dia de comemoração é a 24 de Junho). O profeta percursor de Cristo,
o seu anunciador, o que tinha vindo preparar o caminho, o profeta da verdade é um homem é
que surge com um caminho individual, único e que tem como traços da sua personalidade a
força e a coragem..
A tradição de se fazerem fogueiras, nestas festas de Junho, agora com o cunho
cristão, mantém-se até aos dias de hoje.

Uma boa história para esta época é O Burrinho (Anexo IV).


Este conto de fadas fala-nos do nascimento e da vida de um príncipe, filho muito
desejado por um rei e por uma rainha, que tinham tudo menos um filho. Mas ele nasceu com
um aspecto tão estranho, “tinha uma orelhas alta e pontiagudas, e o corpo todo coberto de
pêlo. Mais parecia um burrinho” que quase é morto, a mando da rainha. Contudo, o rei, seu
pai, não o permite e educa-o, assumindo-o como seu herdeiro.
O príncipe cresce bom, alegre e muito bem educado, com um dom especial- toca
alaúde como um grande mestre, muito embora os seus “dedos muito grossos e desajeitados”..
Quando se apercebe do seu aspecto, ele resolve fugir e correr mundo, levando como
única companhia o seu alaúde.
É importante salientar que é no reflexo da água que ele se vê pela primeira vez, o
que impulsiona todo o seu caminho até si próprio- pode ver-se isso como uma iniciação.
Também João Baptista baptizava as pessoas com água, no rio Jordão, podendo este
momento ( o baptismo) ser encarado como uma iniciação.
No seu caminho iniciático, o burrinho acaba por encontrar quem o veja
verdadeiramente, podendo ele próprio mostrar-se tal como é, primeiro junto da princesa e
depois para todos. Para isso é fundamental a acção do rei, feita durante a noite, enquanto o
príncipe dormia: “O rei apanhou a pele de burro, foi até ao grande pátio do seu castelo, fez uma
enorme fogueira e jogou lá para dentro a pele do burrinho, que ardeu completamente.”
O fogo surge, assim , como elemento transformador, como o que abre a possibilidade
para mostrar algo novo, o verdadeiro príncipe.
A fogueira é, até aos dias de hoje, elemento fundamental nestas festas que destacam
a figura de S. João, como já foi referido.

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CONCLUSÃO

Não existe idade ou situação humana que nos possa afastar do que
emana do contos de fadas, pois teríamos de nos desligar do que há
de mais profundo relacionado à natureza humana se perdêssemos
toda a sensibilidade para aquilo que, sobre a natureza humana,
sendo tão incompreensível para o intelecto, expressa-se,
naturalmente nos contos de fadas e na atmosfera natural, simples,
primária dos contos de fadas.
Steiner (2002)

É importante referir que este tema de trabalho foi muito desafiante e enriquecedor,
pois permitiu uma reflexão mais objectiva sobre uma prática da autora, no sentido da
coerência e solidez do seu trabalho, enquanto profissional do ensino e contadora de
histórias, tendo em conta a sua formação e prática em Pedagogia Waldorf, nomeadamente
no que concerne ao currículo de histórias.
Tentou-se fazer uma ligação entre as imagens presentes nos contos de fadas e as
quatro festividades, coincidentes com o início das quatro estações – Arcanjo Miguel,
Advento e Natal, Páscoa e Festas Juninas- S. João e santos populares
Ao serem contadas histórias é fundamental ter consciência que elas criam imagens,
em quem as ouve. Por isso, é importante existirem critérios para as escolhas que são feitas,
principalmente quando é a criança o ouvinte.
Na criança é fácil percepcionar o efeito que as imagens produzem nela, e estas
acabam por se reflectir:
- no comportamento- do saber ser e estar, do valores integrados, intrínsecos
ao ser humano, como os da coragem, da confiança, da rectidão, da
honestidade, do amor, da partilha, mas que precisam ser trazidos à
consciência;
- na expressão, seja escrita, falada, plástica... pois quanto mais viva e rica, a
criança, estiver dentro, maiores possibilidades tem de se expressar, de
mostrar o que tem e o que se passa dentro de si, fundamental para uma
comunicação clara e para a saúde global do indíviduo.

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Deste trabalho constatou-se que existem, realmente, contos que podem ter maior
ligação com determinada época, como se tentou mostrar com os contos escolhidos. Contudo,
também é importante referir que esta ligação tem muito a ver com o que vive internamente
no contador que escolhe o conto; do que é a festividade, para ele.
Foi sentida alguma dificuldade em escolher os contos, (um por festividade), pois, por
um lado, encontram-se alguns contos que podem ser enquadrados em diferentes épocas
festivas e, por outro, existem vários contos, com o mesmo tipo de imagens e símbolos, que
podem ser bons contos para a mesma época.
Assim, era possível como outros temas de reflexão, cada uma das partes do
desenvolvimento deste trabalho, com maior grau de aprofundamento e com análise de várias
histórias para a mesma época. Quer isto dizer, existir a possibilidade como temas de
reflexão, a partir de diferentes histórias para S. Miguel ou para Natal ou para Páscoa ou para
S. João, fazer um trabalho de encontro entre as várias histórias seleccionadas (dos símbolos,
dos personagens, dos elementos comuns...).
Também foi sentida como outra possibilidade de continuação desta busca entre
estações, festas e contos, o encontrar histórias da natureza, ou seja, a partir das imagens do
mundo natural, fazer a relação com as festividades.

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BIBLIOGRAFIA

• GORGULHO, G. Et al (Coord) (1995) A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus.


• UDO DE HAES, Dan (1984) El Nino y los Cuentos. Madrid: Editorial Rudolf Steiner.
• BOTTELHEIM, Bruno (1998) Psicanálise dos Contos de Fada. Venda Nova: Bertrand
Editora.
• PASSERINI, Sueli Pecci (2004) O Fio de Ariadne, um caminho para a narração de
histórias. São Paulo: Antroposófica.
• RAWSON, Martyn et al (1999) Steiner Waldorf Education in the UK- aims, methods
and curriculum. Forest Row: Steiner Waldorf schools Fellowship.
• STEINER, Rudolf (1996) A Educação da Criança. São Paulo: Antroposófica.
• STEINER, Rudolf (2002) Os contos de Fadas. São Paulo: Federação das Escolas
Waldorf no Brasil e Antroposófica.
• GRIMM, Jacob e Wilhelm (2000) Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Editora Itatiaia.
• GRIMM, Jacob e Wilheim (2006) Novos Contos. Rio De Janeiro: Editora Itatiaia.

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ANEXOS

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ANEXO I
O PRINCÍPE QUE NÃO TEMIA COISA ALGUMA

Era uma vez um príncipe que não temia coisa alguma e como não se sentia
satisfeito de permanecer, pacatamente, na casa paterna pensou: “Irei viajar pelo vasto
mundo, onde não acharei que o tempo custa tanto a passar e onde verei coisas
maravilhosas.”
Assim, despediu-se de toda a família e partiu. Viajou sem descanso e sem se
preocupar para onde se dirigia, até que um dia chegou à casa de um gigante. Como estava
muito cansado, sentou-se junto da porta para descansar. Olhou à sua volta e viu, no pátio
da casa, duas enormes bolas e nove paus, que o gigante usava para jogar boliche. Os paus
de boliche eram da altura de um homem, mas, apesar disso, o príncipe resolveu divertir-se
um pouco com eles, empurrando as bolas e gritando entusiasmado quando conseguia
acertar. O gigante ouviu o barulho, olhou pela janela e viu um homem de tamanho normal
a brincar com os paus de boliche.
- Desprezível verme! – gritou - porque estás a jogar com o meu boliche?
Quem foi que te deu força suficiente para isso?
- Achas, grandalhão, que só tu tens força nos braços? – retorquiu o
príncipe. – Posso fazer tudo o que tenho vontade de fazer.
O gigante desceu ao pátio e, ainda estupefacto, disse:
- Se é assim, homenzinho, traz-me uma fruta da árvores a vida.
- O que queres fazer com ela? - perguntou o príncipe.
- Não quero a fruta para mim mesmo - disse o gigante- é a minha noiva
que a deseja. Tenho viajado muito pelo mundo mas não ainda não
encontrei a árvore da vida.
- Em breve a encontrarei – afirmou o jovem príncipe.
- Pensas que é fácil? - replicou o gigante - o jardim onde se encontra a
árvore da vida é cercado por uma grade de ferro, diante da qual há feras ,
que o guardam, e não deixam pessoa alguma entrar.
- Pois então terão que me deixar entrar!- exclamou o príncipe.
- Mas fica sabendo que, ainda que consigas entrar, as dificuldades
continuarão. Podes ver a fruta pendendo da árvore da vida mas ela ainda
não será tua. Em frente dela há um anel através do qual todo aquele que
quiser colher a fruta terá que enfiar a mão, coisa que até hoje ninguém
teve a sorte de conseguir.

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- Pois eu terei essa sorte!- afirmou o príncipe.


Despediu-se do gigante e caminhou através de montes e vales, de campos e
florestas, até chegar ao jardim maravilhoso.
As feras estavam realmente em torno dele, mas todas de cabeça baixa dormindo. O
príncipe não as acordou quando caminhou no meio delas e conseguiu saltar a grade de
ferro e entrar no jardim em cujo centro crescia a árvore da vida, de cujos galhos frondosos
pendiam maças maduras, bem vermelhas.
Quando estendeu o braço para colher uma das frutas , viu que em frente dela havia
um anel. Sem qualquer dificuldade estendeu a mão e colheu a maça. O anel fechou-se no
seu braço e ao mesmo tempo sentiu uma energia prodigiosa espalhar-se pelo seu corpo e
correr pelas suas veias. Quando desceu da árvore com a fruta, não precisou saltar a grade.
Agarrou o portão e não precisou sacudir mais do que uma vez para que ele se abrisse, com
um barulho muito forte.
Quando saiu do jardim o leão que estava deitado em frente do portão acordou e
ergueu-se de um salto. Mas em vez de atacar o príncipe, começou a segui-lo
humildemente, como se ele fosse o seu dono.
O príncipe entregou ao gigante a fruta que havia prometido e disse-lhe:
- Como estás a ver, trouxe-a sem dificuldade alguma.
O gigante ficou satisfeito por ver o seu desejo satisfeito em tão pouco tempo e
rapidamente foi entregar, à sua noiva, a maçã que ela tanto queria. A noiva, uma linda
donzela, não vendo o anel à volta do braço do noivo, disse:
- Não acreditarei que conseguiste fazer isso enquanto não vir o anel à volta
do teu braço.
- Nada mas fácil – disse o gigante- é só ir a minha casa buscá-lo.
Estava convencido, com efeito, que seria facílimo tirar a um homem tão mais fraco
do que ele o anel, caso ele se recusasse a entregar por sua livre e espontânea vontade.
Assim, pediu ao príncipe que lhe entregasse o anel, mas ele recusou a atendê-lo.
- Onde está a fruta tem que estar o anel- disse o gigante- se não entregares
a bem termos que lutar para ver quem vence.
Os dois lutaram durante muito tempo, mas o gigante não conseguiu vencer o
príncipe, que estava fortalecido pelo poder mágico do anel. O gigante pensou então e
vencer o adversário com um ardil, e disse-lhe:
- Vamos tomar banho no rio para nos refrescarmos, depois prosseguiremos
a luta.

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O príncipe que tinha muito boa fé, por ser ele próprio tão honesto, aceitou a
sugestão e, chegando à margem do rio, ao tirar a roupa, também tirou o anel, antes de
entrar na água. Imediatamente o gigante apoderou-se do anel e começou a correr, mas o
leão, que observara o furto, persegui-o, arrebatou-lhe o anel e devolveu ao seu dono.
O gigante , então, escondeu-se atrás de um carvalho e enquanto o príncipe estava
a vestir-se, atacou-o de surpresa, pelas costas, e arrancou-lhe os dois olhos.
O príncipe ficou cego, desesperado, sem poder sequer andar. Então o gigante foi
ter com ele, tomou-o pelo braço e levou-o até ao cume de um alto rochedo e deixou-o ali,
pois sabia que se ele desse mais um passo teria tal queda que morreria, e ele poderia
tirar-lhe o anel.
O fiel leão, contudo, não o abandonou o seu dono e segurou-o pela roupa, com
força e com cuidado, e levou-o para longe do perigo.
Quando o gigante voltou, para tirar o anel do cadáver, viu que o seu ardil tinha sido
inútil.
- Será possível que eu não consiga destruir um homenzinho como este?-
disse para si próprio.
Então o gigante voltou a pegar no braço do príncipe e levou-o por outro caminho
para a beira do precipício. Mas o leão entendeu as intenções do Gigante e quando este ia
largar o cego o leão empurrou o gigante e foi este quem se despedaçou no fundo do
precipício.
O leão voltou a ajudar o príncipe e levou-o com cuidado até a uma árvore, da qual
escorria uma água cristalina. O príncipe sentou-se ao lado da árvore e o leão, com as suas
patas jogou a água que escorria da árvore para os olhos do príncipe. Bastaram poucas
gotas para que os olhos do príncipe começassem a ver alguma coisa e quando o príncipe
os lavou, abundantemente, ficou a ver como via antes.
Depois de agradecer a Deus pela misericórdia, o príncipe saiu em viagem com os eu
fiel leão, pelo mundo.
Após algum tempo chegou perto de um castelo encantado. No portão estava uma
donzela, linda de rosto e de corpo, mas negra.
- Ah!- disse ela ao príncipe - se podesses livrar-me do encantamento de que
fui vítima!
- O que terei de fazer?- perguntou o príncipe.
- Terás de passar três noites no salão deste castelo – informou a donzela. –
não poderás, contudo, permitir que o mais leve temor penetre no teu
coração. Se resistires, sem te queixares. Sem deixares escapar o menor

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gemido, aos tormentos que te impuserem, serei desencantada. Eles não


se atreverão a matar-te.
- - Não tenho medo- disse o príncipe- vou tentar , com a ajuda de Deus.
Entrou, muito animado, no castelo e quando anoiteceu, sentou-se no grande salão
e esperou.
Reinou a maior tranquilidade até à meia noite. Ouviu-se, então, uma barulheira
terrível e de todos os cantos e todas as fendas saíram diabinhos que pareciam ignorar
totalmente a presença do príncipe. Acenderam o fogo e começaram a jogar.
Um deles perdeu no jogo e exclamou:
- Não é justo! Deve estar aqui alguém que não faz parte do nosso grupo.
Foi por culpa dele que eu perdi!
- Espera, então, o senhor que está aí atrás da fogueira!- gritou outro- vou
apanhar-te agora mesmo.
A gritaria tornou-se cada vez mais alta mas o príncipe manteve-se calmo, sem
sentir medo. Até que os diabinhos o atacaram mesmo. E eram tantos que ele não
conseguia defender-se.
Foi arrastado pelo chão e espancado mas não deu um gemido, nem disse uma
palavra. Quando amanheceu, os diabos foram-se embora, deixando o príncipe exausto e
sem se conseguir mexer.
Pouco depois a donzela negra apareceu, trazendo uma garrafa com a água da vida,
com a qual ela o banhou, o que fez com que todas as suas dores desaparecessem e que
voltasse a ter, de novo, vigor no seu corpo.
- Conseguiste ser plenamente bem sucedido na primeira noite – disse a
donzela – mas ainda tens mais duas noites para ultrapassar.
Retirou-se, depois, mas o príncipe notou que os seus pés se tinham tornado
brancos.
Na noite seguinte, os diabos voltaram e maltrataram o príncipe ainda mais
brutalmente que na noite anterior. Ele resistiu sem um gemido e sem uma queixa e a
donzela voltou, na manhã seguinte, com a água da vida para lhe revigorar o corpo. E
quando ela se retirou o príncipe notou que as pontas dos seus dedos das mãos já se
tinham tornado brancas.
Só restava ao jovem enfrentar mais uma noite de sofrimentos. Aquela, porém, foi a
pior de todas. Os diabos pareciam decididos a matá-lo. Mas nem assim o príncipe gemeu
ou disse uma palavra ou respirou mais fundo. De manhã os demónios desapareceram mas

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o príncipe estava tão mal tratado que não conseguia mexer-se, nem abrir os olhos. Por isso
não viu a donzela entrar com a água da vida.
De repente, ele sentiu-se livre de todo o sofrimento, cheio de ânimo e saúde, como
se tivesse despertado de um longo sono. E quando abriu os olhos, viu uma linda jovem,
branca como a neve e loura como o sol.
- Levanta-te - disse ela - e roda a tua espada três vezes sobre a escadaria e
então todos estarão livres.
E quando o príncipe girou a espada, todo o castelo foi desencantado. A donzela era
uma princesa, filha de um rei muito rico e poderoso.
Apareceram criados, anunciando o jantar já servido, no grande salão e o príncipe e
a princesa sentaram-se à mesa.
E, pouco tempo depois, realizou-se o casamento dos dois, com toda a pompa e
muito regozijo.

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ANEXO II
OS DOZE IRMÃOS

Era uma vez um rei, que vivia feliz com a sua rainha e tinha doze filhos, todos
homens. E o rei disse à rainha:
- Se a criança que estás à espera for mulher, os nossos doze filhos terão
que morrer, a fim de que a herança seja grande, e que o reino fique
somente para ela.
E mandou fazer doze caixões, acolchoados e, cada um, com o travesseirinho dos
defuntos. Trancou-os num aposento e deu a chave à rainha recomendando-lhe que não
falasse sobre isso a quem quer que fosse.
A rainha, contudo, não se resignava à ideia. Isolou-se e chorou durante o dia
inteiro, até que o filho mais novo, que era o seu predilecto e se chamava Benjamim,
vendo-a tão triste, perguntou-lhe:
- Por que estás assim tão triste?
- Não te posso dizer o motivo, meu querido filho- respondeu ela.
O jovem príncipe, porém, tanto insistiu, que ela abriu a porta do aposento onde
estavam os caixões e explicou:
- Meu filho, o teu pai mandou fazer estes caixões para ti e para os teus
onze irmãos, pois se eu der à luz uma menina todos vós sereis mortos e
enterrados neles.
E não cessou de chorar, enquanto falava com o filho. O filho consolou-a, dizendo:
- - Não chores querida mãe. Nós vamo-nos embora e assim salvar-nos-
emos.
Então a mãe teve uma ideia:
- Vai para a floresta com os teus irmãos, e encontrem a árvore mais alta de
onde se possa ver o castelo. Vão-se revezando de modo que haja sempre
um de vigia à torre do nosso castelo. Se eu der à luz um menino, uma
bandeira branca será hasteada, e poderão voltar. Se nascer uma menina
será hasteada uma bandeira vermelha. Então têm mesmo que fugir e que
Deus vos proteja. Todas as noites eu levantar-me-ei e rezarei por vós: no
inverno para que se possam aquecer junto a uma fogueira e no verão para
que o calor demasiado não vos atormente.

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E assim, ela abençoou os filhos e eles foram para a floresta, onde, no mais alto
carvalho que encontraram, se iam revezando para observar a torre do castelo.
Depois de passarem doze dias, chegou a vez do Benjamim ocupar o posto e ele viu
a bandeira vermelha ser hasteada, que anunciava que todos os irmãos tinham que morrer.
Quando souberam disso os irmãos ficaram enfurecidos e disseram:
- Teremos que ser mortos por causa de uma menina? Juramos vingança!
Seja onde for que a encontremos, o seu sangue será derramado.
E penetraram mais profundamente na floresta. Na sua parte mais sombria,
encontraram uma cabana que era encantada e decidiram:
- Vamos morar aqui. Tu, Benjamim, que és o mais novo e mais fraco,
tomarás conta da casa, enquanto nós sairemos a fim de providenciar
alimentação.
E assim era. Saiam todas as manhãs para caçar lebres, veados, aves e tudo o que
servisse para comer, que o Benjamim tratava de cozinhar para matar a fome dos doze
jovens.
Entretanto, a menina que a rainha dera à luz, tinha crescido; era boa de coração,
bela de rosto e tinha uma estrela na fronte. Certa vez, num dia de lavagem geral da roupa
do palácio, a princesinha viu entre a roupa lavada doze camisas de homem e perguntou à
mãe:
- De quem são aquelas camisas muito pequenas para o meu pai?
- São dos teus doze irmãos, minha filha – respondeu a mãe.
- Onde estão os meus doze irmãos?- perguntou a donzela- nunca ouvi falar
deles.
- Só Deus sabe onde se encontram agora- disse a Rainha.
E levou a filha ao quarto secreto e mostrou-lhe os doze caixões.
- Estes caixões – explicou – foram destinados aos teus irmãos que fugiram
antes do teu nascimento.
E, em pranto, contou tudo o que se passara.
- Não chores, querida mãezinha- pediu a donzela- irei procurar os meus
irmãos.
E, levando as doze camisas, a princesa foi para a floresta.
Caminhou o dia todo e, ao anoitecer, chegou à cabana encantada. Entrou e
encontrou um jovem que lhe perguntou:
- De onde vens e o que fazes?

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Estava espantado por ser tão bela, trajar vestes reais e ter uma estrela de ouro na
testa.
- Sou uma princesa – respondeu a rapariga – e estou procura dos meus
doze irmãos. Caminharei até onde o céu for azul, para encontrá-los.
E mostrou ao jovem a doze camisas. Benjamim viu que era a sua irmã, e disse:
- Sou Benjamim, o teu irmão mais novo.
A princesa começou a chorar de alegria e Benjamim chorou também e os dois
abraçaram-se e beijaram-se com muito amor.
- Ainda há uma dificuldade, minha irmã – disse Benjamim depois –
combinamos que mataríamos que matariamos todas as raparigas por
termos sido obrigados a sair do nosso reino por causa de um a mulher.
- Morrerei de boa vontade, se isso salvar os meus doze irmãos – disse a
princesa.
- Não! - protestou Benjamim- não morrerás. Esconde-te debaixo deste barril
até que voltem os nossos onze irmãos e não tardarei a chegar a um
acordo com eles.
A princesa assim fez, e quando escureceu, os irmãos voltaram da caçada e, tendo
encontrado o jantar pronto, sentaram-se à mesa e começaram a comer.
- Que aconteceu de novo? – perguntaram, então.
- Não sabem de nada? – retorquiu Benjamim.
- Não – responderam eles.
- Vocês estiveram na floresta e eu não saí de casa. No entanto sei mais do
vocês sabem – disse Benjamim.
- Então , diz – pediram os outros.
- Só digo se me prometerem que não matarão a primeira donzela que
encontrarem.
- Prometemos! – disseram os onze- será perdoada. Mas conta.
- A nossa irmã está aqui! –disse Benjamim.
Levantou o barril e a princesa apareceu, com as suas vestes reais, a sua grande
beleza e a estrela de ouro na fronte. Ficaram todos felizes, e abraçaram e beijaram a irmã,
com muito amor.
A partir de então, a princesa ficou em casa com Benjamim, ajudando-o nos seus
trabalhos domésticos, enquanto os outros onze iam à floresta e voltavam trazendo muita
caça., que Benjamim e a princesa preparavam para se alimentarem.

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Certa dia, em que todos estavam à mesa a comer, a princesa, querendo agradar os
seus irmãos , resolveu ir colher os doze lírios brancos que cresciam no jardim da casa
encantada. E nesse momento os doze irmãos foram transformados em doze corvos e a
casa e o jardim desapareceram.
A pobre donzela viu-se então sozinha na floresta, tendo os doze corvos voado para
longe. Vagava desesperada quando encontrou uma velha que lhe disse:
- O que fizeste minha filha? Porque não deixaste crescer em paz os doze
lírios brancos? Agora os teus irmãos transformaram-se em corvos para
sempre.
- Não há forma de os salvar? – perguntou a jovem, em pranto.
- Não- disse a velha – bom, na verdade há uma maneira, mas tão difícil que
não conseguirás salvá-los. Terias que ficar sete anos sem falar e sem rir,
pois se dissesses uma só palavra durante os sete anos de espera, teus
irmãos morreriam nesse mesmo momento.
“Hei-de libertar os meus irmãos.”- pensou a princesa e, depois de encontrar uma
árvore alta, acomodou-se e lá ficou séria e calada.
Ora, certo dia, um rei andava a caçar na floresta e um dos seus cães, um grande
galgo, farejou a jovem que se escondera na árvore, e pôs-se a ladrar e a rosnar,
chamando a atenção do rei. O rei ficou fascinado ao ver alinda princesa com a estrela de
ouro na testa, apaixonou-se por ela e pediu-a em casamento. Ela não respondeu mas fez
uma ligeira inclinação com a cabeça.
O rei subiu à arvore, ajudou-a a descer, pô-la no seu cavalo e levou-a para o
palácio.
O casamento foi realizado com grande solenidade, mas a noiva não falava nem ria.
Õ casal viveu feliz durante alguns anos, mas a mãe do rei , que era muito má,
começou a caluniar a nora:
- Esta mulher que trouxeste para aqui não passa de uma bruxa. Quem sabe
que malefícios ela pratica secretamente! Ainda mesmo que fosse surda-
muda, poderia rir de vez em quando. Quem não ri é porque tem muito
mau coração e a consciência pesada.
A princípio o rei não acreditou nas acusações, mas tanto a sua mãe insistiu, que
ele acabou por se convencer e condenou a esposa à morte.
Foi feita uma grande fogueira no pátio do palácio, para que nela fosse queimada
viva a suposta bruxa. O rei, da janela , assistia ao doloroso espectáculo, vedo, com as

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lágrimas nos olhos, porque ainda a amava, a jovem rainha a ser amarrada ao poste e a
fogueira à sua volta acesa.
E quando as chamas já se aproximavam dela, também estava no último momento
dos sete anos em que ela tivera de ficar muda e não rir.
Ouviu-se , então, vindo do alto um grande silvo e doze corvos apareceram voando
velozes como setas e , quando pousaram no chão, transformaram-se nos doze irmãos, que
prontamente salvaram a irmã das chamas e apagaram a fogueira.
E a jovem princesa pôde falar e o rei ficou a saber porque ela tinha ficado muda e
sem rir durante tanto tempo. O rei rejubilou-se com a sua inocência e os dois viveram
felizes para o resto dos seus dias.
A malvada rainha mãe foi julgada, e tendo sido condenada à morte, foi metida num
barril cheio de cobras venenosas e de azeite fervendo. Assim terminou a sua vida cheia de
maldades e falsidades.

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ANEXO III
CAPUCHINHO VERMELHO

Era uma vez uma menina, a quem todos amavam. Mas a sua avó era quem mais a
amava.
Ela já não sabia o que dar a esta neta e um dia deu-lhe, como presente, um
capuchinho de veludo vermelho, e como este lhe ficava tão bem, a menina usava-o
sempre. Por isso, começaram a chamar-lhe Capuchinho Vermelho.
Certo dia a sua mãe disse-lhe:
- Capuchinho Vermelho, aqui tens um pedaço de bolo e uma garrafa de
vinho. Leva isto para a tua avó. Ela está doente e fraca e ficará forte com
isto. Vai agora, que é cedo, e vai directamente para a casa da tua avó,
com calma e bem comportada e sem saíres do caminho. Quando
chegares, , não te esqueças de dizer bom dia e não te ponhas a vasculhar
pela casa toda.
O Capuchinho Vermelho prometeu que faria tudo como ela disse e saiu.
A avó morava lá na floresta, a meia hora da aldeia. E quando o Chapeuzinho entrou
na floresta um lobo começou a acompanhá-la no caminho. A menina não teve medo. E o
lobo começou a conversar.
- Bom dia, Capuchinho vermelho- disse ele- onde vais tão cedo?
- Vou a casa da minha avó- respondeu o Capuchinho Vermelho.
- E que levas aí contigo, debaixo do avental?
- Bolo e Vinho, para a avó se fortificar.
- E onde mora a tua avó- voltou a perguntar o lobo.
- A quarto de hora daqui, debaixo dos três grandes carvalhos , junto às
moitas de avelãs.
O lobo pensou consigo: “Esta menina é muito tenra, é ainda mais saborosa que a
avó. Tenho que ser muito esperto para apanhar as duas.” E continuou a andar ao lado do
Capuchinho Vermelho. Mais adiante, voltou a falar:
- Capuchinho Vermelho, olha só para as lindas flores que crescem aqui à
volta. Estás a ouvir o canto dos passarinhos? Porque não levas um ramo
de flores para a tua avó?
A menina arregalou os olhos, e olhou em volta. Viu, então, os raios de sol dançando
de lá para cá, por entre as árvores, e como havia tantas flores pensou: “ Se eu levar um

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raminho de flores frescas para a avó, ela ficará contente. Ainda é tão cedo... chegarei lá no
tempo certo.”
Então ela saiu do caminho e começou a apanhar flores. Apanhava uma e parecia-
lhe que mais adiante havia outra ainda mais bonita, e ela lá ia para colhê-la, depois via
outra ainda mais adiante e lá ia ela para a colher. Cada vez estava mais embrenhada na
floresta.
Entretanto, o lobo foi directamente para a casa da avó e bateu à sua porta.
- Quem é? –perguntou a avó.
- É o capuchinho Vermelho que te traz bolo e vinho. Abre!
- Roda a maçaneta, - disse a avó- eu estou muito fraca e não me posso
levantar.
O lobo rodou a maçaneta, a porta abriu-se e ele foi, sem dizer uma palavra, até à
cama da avó e engoliu-a. Depois, vestiu uma camisa da avó, pôs a sua toca na cabeça,
fechou os cortinados e deitou-se na cama, à espera.
O Capuchinho Vermelho apanhou flores até não poder levar mais, até que se
lembrou da sua avó e pôs-se a caminho da sua casa.
Quando lá chegou, admirou-se ao encontrar a porta aberta e, quando entrou sentiu
que algo estava estranho. Pensou:” Ai meu Deus! Sinto-me tão assustada, e eu gosto
sempre tanto de visitar a avó.” E disse:
- Bom dia!
Mas não recebeu resposta. Então ela aproximou-se da cama e abriu as cortinas. Lá
estava a avó deitada. Com a touca bem afundada na cabeça e um aspecto muito esquisito.
- Ai avó, que orelhas grandes que tens!
- É para te ouvir melhor!
- Ai, avó, que olhos grandes que tens!
- É para te ver melhor.
- Ai, avó, que mãos grandes que tens!
- É para te abraçar melhor.
- Ai, avó, que boca que tens!
- É para te comer melhor.
E o lobo deu um salto da cama e engoliu a pobre menina. A seguir voltou a deitar-
se na cama e adormeceu, começando a ressonar bem alto.
O caçador passou perto da casa e pensou: “Como a avó está a ressonar hoje! Será
que está doente? Vou ver se precisa de alguma coisa.” E entrou em casa. Quando viu o
lobo deitada na cama, disse:

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- É aqui que te encontro, lobo malfeitor. Há muito tempo que te procuro!


Apontou a sua espingarda , mas lembrou-se que o lobo podia ter comido a avó e
que esta ainda poderia ser salva. Então pegou na tesoura e começou a abrir a barriga do
lobo. Quando deu algumas tesouradas, a menina saltou para fora, dizendo:
- Como estava escuro dentro da barriga do lobo!
Logo a seguir, o caçador retirou a avó, ainda viva, mas que mal conseguia respirar.
Depois o Capuchinho Vermelho trouxe umas grandes pedras, com as quais encheu
a barriga do lobo.
Quando o lobo acordou e se levantou, as pedras eram tão pesadas que ele caiu
morto no chão.
Então, o caçador, arrancou a pele do lobo e levou-a para casa, a avó comeu o bolo
e o vinho que a neta tinha trazido e ficou muito melhor e o Capuchinho Vermelho pensou:
“ Nunca mais sairei do caminho e seguirei sempre os concelhos da mãe.”

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ANEXO IV
O BURRINHO

Era uma vez um rei e uma rainha, donos de muitas riquezas. Tinham tudo o que
podiam desejar excepto uma criança.
A rainha dizia:
- Sou como um campo onde nada cresce.
Mas, passado algum tempo, a rainha deu à luz um menino.
Só que o pequeno príncipe tinha uma orelhas alta e pontiagudas, e o corpo todo
coberto de pêlo. Mais parecia um burrinho. A rainha pediu às suas aias para o irem deitar
ao rio, mas o rei que passava por perto, ouvindo isso disse:
- Nem pensar! Se tivemos este filho, vamos educá-lo muito bem. Ele é o
nosso príncipe e o nosso herdeiro.
Assim, o burrinho foi crescendo forte e saudável. Gostava de sair saltando e
correndo pelos jardins do palácio e era tão bem educado que todos se habituaram ao seu
aspecto estranho e às suas orelhas grandes e pontiagudas.
Tinha um gosto especial pela música e quando alcançou a idade de estudar foi ter
com o mestre de alaúde e pediu-lhe para o ensinar a tocar. Mas o mestre ao olhar para os
seus dedos disse-lhe:
- Sua alteza, creio que não poderei ensiná-lo a dedilhar o alaúde pois tendes
os dedos muito grossos e desajeitados.
Mas o menino insistiu dizendo-lhe que ele não teria melhor aluno que ele e o
mestre aceitou ensiná-lo. E ele treinou com tal empenho e dedicação que ao fim de pouco
tempo tocava tão bem quanto o seu mestre.
Certo dia, já ele era um rapaz, quando se debruçou para beber água da fonte, viu a
sua imagem reflectida na água e pensou:
- Como sou feio! Mais pareço um burrinho, com tantos pêlos e estas
orelhas pontiagudas. Os meus pais devem ter um desgosto.
E resolveu fugir, ir pelo mundo levando consigo o seu alaúde.
Depois de viajar longo tempo, o burrinho, chegou a um país de um poderoso
monarca que tinha apenas uma filha , uma donzela de excepcional formosura. Ele
resolveu ir até ao palácio real, colocou-se diante do portão e falou em voz alta:
- Abri e deixai entrar neste palácio um visitante que acaba de chegar de um
país distante.

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Como os guardas não lhe deram atenção e o portão não foi aberto, ele sentou-se
nos degraus da escadaria, e começou a tocar o seu alaúde. Tocava tão bem que os
guardas repararam nele e foram ter com o Rei dizendo:
- Está lá fora um burrinho que toca alaúde como um grande mestre.
- Façam entrar o músico!- ordenou o rei.
O guarda cumpriu a ordem e quando o viram toda a corte riu do aspecto do
músico. O rei quis ouvi-lo e ficou impressionado com a técnica do burrinho. Depois de o
ouvir disse-lhe:
- Podes ir comer para junto dos criados da cavalariça.
- Eu não sou um burrinho qualquer. Aí não é o meu lugar. – respondeu o
burrinho
- Então podes ir para a cozinha – voltou a falar o rei
- Esse também não é o meu lugar. Pelo que sou o meu lugar é ao lado do
rei. – respondeu o burrinho.
O rei ao ouvi-lo, sorriu, e como era um rei bem disposto, acabou por dizer:
- Já que fazes tanta questão, está bem. Comerás ao meu lado.
O burrinho não se fez rogado e o rei, ainda com um ar brincalhão, perguntou-lhe:
- E que achas da minha filha?
O burrinho, virou-se para o lado, olhou-a atentamente e disse:
- Ela é a donzela mais linda que eu vi em toda a minha vida.
- Já que pensas assim- prosseguiu o rei- podes sentar-te a seu lado, se
assim quiseres.
- Pois esse é realmente o lugar que mais me agrada- disse ele sentando-se
ao lado da princesa.
Os dois ficaram a conversar e ele usou palavras tão gentis, demonstrando tanta
educação, que a princesa passou a apreciar muito a sua companhia.
E o burrinho ficou pelo castelo, tocando para o rei e seus convidados, sendo
companhia para a princesa, por muito tempo.
Mas certo dia acordou e pensou: “Que estou a fazer aqui? Estou com saudades dos
meus pais. Vou voltar para casa.” E saiu apressado. O rei vendo-o perguntou:
- Onde vais com tanta pressa? Estás com uma cara tão azeda...
- Vou me embora, tenho saudades da minha casa.
O rei, que já se tinha afeiçoado e não queria perdê-lo, disse:
- Queres dinheiro e ouro para ficar?
- Não – respondeu o burrinho.

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Literatura Infantil e Mediação Leitora
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- Queres jóias e roupas? – insistiu o rei.


- Também não.
- E se eu te der metade do meu reino, com a condição de que permaneças
aqui?
- Isso nem pensar.
- E se eu te desse a mão da minha filha? Talvez gostasses de casar com
ela...
Ao escutar isso o burrinho alegrou-se e disse:
- Oh Majestade, nada me daria mais prazer.
O casamento não tardou a realizar-se com grande pompa e esplendor. E os noivos
recolheram-se para a noite de núpcias, tendo o burrinho trancado com o trinco a porta do
quarto.
Mas o rei estava preocupado, pois tinha receio que a sua filha estivesse a sofrer por
ele lhe ter pedido para casar com um burrinho e na manhã seguinte perguntou-lhe se a
filha estava feliz. Ao que a princesa respondeu:
- Não podia estar mais feliz, meu pai, com o meu príncipe.
O rei ficou desconfiado e pediu a um criado que se escondesse no quarto dos
noivos, durante a noite.
Os noivos voltaram a entrar, o burrinho trancou a porta com um trinco, despiu a
sua pele de burrinho e deixando-a no tapete e deitou-se ao lado da princesa. Na manhã
seguinte, vestiu de novo a sua pele, e foi alegremente andando rumo aos jardins do
palácio. O criado contou ao rei o que tinha visto e sugeriu-lhe que fosse lá ele e
queimasse a pele do burrinho..
Na terceira noite os recém casados foram para o quarto mas o burrinho esqueceu-
se de trancar o quarto.
Quando o rei entrou no quarto viu a pele de burro no tapete, enquanto na cama,
ao lado da princesa, um jovem muito belo dormia.
O rei apanhou a pele de burro, foi até ao grande pátio do seu castelo, fez uma
enorme fogueira e jogou lá para dentro a pele do burrinho, que ardeu completamente.
A seguir foi colocar-se junto à porta do quarto do príncipe e da princesa.
De manhã, quando o burrinho acordou e não viu a sua pele, ficou muito assustado
e resolveu fugir, mas o rei que o esperava perguntou-lhe:
- Porque foges? És tão belo que não te quero perder.
O príncipe olhou para o rei e respondeu-lhe:
- O que teve um bom princípio que tenha um bom fim.

Magda Cristina Serpa, n.º 905258 32


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E resolveu ficar.
Quando o rei morreu, foi ele que assumiu a governação e quando os seus pais
também morreram ele juntou e governou os dois reinos.
O príncipe e a princesa viveram por longos anos, com felicidade, riqueza e
sabedoria.

Magda Cristina Serpa, n.º 905258 33

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