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Nunes Benedito Oswald Canibal PDF
Nunes Benedito Oswald Canibal PDF
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~ ~ EDITORA PERSPECTIVA
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1979
SUMARIO
II
Precedendo a antropofagia oswaldiana, cujo mani~
festa data de 1928, há toda uma temática do canibalismo
na literatura européia da década de 20. Essa temática,
associada a motivações psicológicas e sociais, exteriori-
zou-se por certas metáforas e imagens violentas, usadas,
como meio de agressão verbal, pela retórica de choque
do Futurismo e do Dadaísmo. Em Il Negro, de Mari-
netti, um repasto antropofágico completa o erotismo
desenfreado do personagem 10 • Edita-se a revista Canni-
bale. Picabia assina manifesto de igual nome, que se
publicou em Dadaphone.
Tais antecedentes, se bem entendemos o pensamento
de Heitor Martins, não somente constituem elementos do
contexto ideológico onde o antropofagismo nacional pode
ser situado, mas explicam, mecanicamente, a matéria, a
forma e o sentido da construção oswaldiana. Dir-se~ia que
o procedimento metodológico que leva o ensaísta a essa
conclusão obedece a uma sumária aplicação do princípio
de causalidade. Dados os antecedentes a e b de C (a
"antropofagia" oswaldiana), C é o efeito análogo de que
a e b são as causas necessárias, portanto originais, não
cabendo a C, que delas resulta, senão a categoria de reflexo
ou decalque.
10. HEITOR MARTINS, Canibais EUl'opeus e Antropófagos Brasileiros
(Introdução ao estudo das origens da antropofagia), Minas Gerais,
14 Suplemento Literário, 9 de novembro de 1968, pp. 1/3.
Esse método de explicação causalista pelos antece-
dentes, em história da literatura, é bastante traiçoeiro:
aparenta levar-nos muito longe, mas a nenhuma parte
conduz. Conceber-se os antecedentes como possíveis ou
prováveis forças a que esteve mentalmente sujeito deter-
minado autor - forças externas também chamadas in-
fluências, sem a ação das quais não teria ele produzido
o que produziu, é idéia acertada, desde que nos apressemos
a esclarecer que as influências, quando profícuas, equi-
valem a um sistema de confluências, dentro do processo
intercomunicativo que se chama história da literatura. E
foi esse o sistema que prevaleceu entre os canibais
europeus.
Como bem percebeu Heitor Martins, a imagem do
canibal estava no ar. Por isso, quem se aventura a esta-
belecer os antecedentes literários privilegiados que ela
teve, será obrigado a recuar de autor a autor, indefinida-
mente. Essa imagem, que a nenhum autor pertenceu,
fez parte de repertório comum a todos, e a todos serviu,
de acordo com as intenções específicas de cada qual.
Mas, para tirar a prova disso, pratiquemos o recuo que
nos levaria aos antecedentes causais primeiros. Já começa
a dificuldade no ponto de partida. De onde partiremos?
De Cendrars? Seja. De qual porém dos Cendrars? Do
que se interessou pelos faits divers do canibalismo em
em ação no Congo 11 , ou do autor de Anthologie Négre 12,
onde o canibalismo aparece fundido à substância mítica
dos contos africanos? Mas Cendrars leva-nos a Apollinaire:
11. !IErrOR MARTINS, idem.
12. BLAISE CENDRARS, Anthologie Nêgre (nouvelle éditiOn), AU
E·ans Paxeil, 1927. Ver sobretudo Histoire de l'oiSeau qui fait du lS
lait e Kommapa et Litaolané (!e grand cannibale).
Madame Salmajour avait appris en Océanie · à tirer
les cartes
C'est là-bas qu'elle avait eu l'occasion de participer
à une scene savoureuse d'anthropophagie
Elle n'en parlait pas à tout le monde 13,
III
IV
Não são das vertentes dadaístas que saem as águas
nutrizes dos principais conceitos estéticos empregados no
Manifesto Pau-Brasil. Dir-se-ia até mesmo que Oswald
de Andrade se voltava, nesse momento, para as alas
mais conservadoras da vanguarda européia que já consti-
tuíam uma espécie de sedimentação histórica do moderno.
Salvo Cendrars, que é expressamente mencionado, os
demais contribuintes a esse Manifesto só aparecem, ao
contrário do que se passa em A Escrava que não é Isaura,
de Mário de Andrade, por trás de certos conceitos, então
largamente difundidos.
Blaise Cendrars, com quem Oswald de Andrade
privou no período que vai de 23 a 25, aparece no Mani-
festo Pau-Brasil autenticando a experiência de síntese, na
literatura nacional, por parte dos revolucionários de 22,
do primitivo e do moderno, aspectos contrastantes da
cultura nacional 31 • O primitivo era a imprevisibilidade, o
irracional, que "ao menor descuido vos fará partir na
direção oposta ao vosso destino"; o moderno, a previsão
que ordena, a razão que organiza, a "prática culta da
vida", cujo regime a civilização técnico-industrial impunha.
Engenheiros em vez de jurisconsultos perdidos na genealogia
das idéias 32.
37
2. HOMEM DE MUITA F~
6. Ibidem, p, 139.
7. J. A. MACDOWELL, A Genese da Ontologia Fundamenta! de
Heidegger (Ensaio de caracterização do modo de pensar do Sein
und Zeit), São Paulo, Herder, 1970, p. 25.
8. FERNANDO ARRUDA CAMPOS, Tomismo e Neotomismo no Brasil,
São Paulo, Grijalbo, 1968, p. 73.
9. JOSÉ GERALDO NOGUEIRA MOUTINHO, Outra Vertente do Espírito
Violento de Oswald de Andrade, Folha de São Paulo, 23-10-64, re-
produzindo as dua.s cartas de Oswald a T. Cast1gl1one, datadas de
23 e 28 de setembro de 1914. 41
da humanidade. Oswald opõe-lhe a verdade absoluta, por
ele representada num esquema gráfico, em que se vê, de
um lado, e a partir do alto, a ordem sobrenatural, que
se irradia no mundo para reintegrar o homem em Deus,
mediante o auxílio sacramental da Igreja; e de outro,
o que teria sido, talvez, um lapso maniqueísta, a desordem
eterna, que começa em Satã e, ligando-se à história, ter-
mina às portas do inferno. Divisado do alto da ordem
sobrenatural, o destino do homem, contra o qual não
prevalecem os progressos, apenas materiais e exteriores,
da história, é eterno. Evoca seu interlocutor o caráter
fáustico do homem moderno? Deveria saber que Fausto
é personagem e não autoridade.
Contesto in totum o que se refere ao progresso da humani~
dade, ilusão em que caiu naturalmente a ciência, por querer
sair de sua esfera própria - a observação fenomenal e a afir~
mação do aperfeiçoamento material.
Igual sempre em toda parte, substancialmente o mes-
mo, o ser humano não muda e nem mudará. Civilizado,
constrói catedrais no século XII; mais civilizado, as destrói
no século XX. E assim, citando trechos de Horácio e
Luciano (em francês) e Rabelais, Oswald argumenta com
as permanentes atitudes morais do homem, que inde-
pendem da sociedade e da época, para comprovar que
há, em nossa espécie, um fundo inalterável, incólume à
ação do tempo, e que só fora do tempo pode ser resgatado.
Vou agora lhe dar alguns trechos de autores antigos, per~
feitamente demonstrativos de que a essência humana não mudou
até hoje, nem os costumes humanos e mesmo o que faz a vida
real dos povos e indivíduos.
57
4. A CRISE DA FILOSOFIA MESSIANICA
77
Col~ão ELOS