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Jornalismo e construção de sentido:

pequeno inventário

Gislene Silva

Resumo Abstract
Várias são as conceituações que sugerem o jornalismo This essay searches for theoretical and historical clues
ou a mídia em geral como um lugar de: conhecimento that help to organize thoughts on journalism as a
comum, conhecimento compartilhado, consensos em construction of meaning by focusing on two branches:
construção, saber de acontecimento, senso em comum, the social construction of reality and the perception of
acervo social de conhecimento, mediação cultural da journalism as storytelling. The intertwining of these 95
95
vida cotidiana, elemento constituinte da esfera pública two branches allows journalism to be thought as an
etc. A proposta é procurar, a partir de um rastreamen- exercise to understand the world.
to dos estudos do jornalismo como produtor de conhe-
cimentos, pistas teórico-históricas que organizam as
reflexões sobre o jornalismo como construção de senti-
do, com destaque para duas vertentes, a da construção
social da realidade, incluindo os estudos sobre coti-
diano e senso comum, e a da percepção do jornalismo
como narrativa, em sua dimensão simbólico-mítica e
em sua relação com os estudos do imaginário. No en-
trecruzamento dessas vertentes, o jornalismo pode ser
pensado como exercício de entendimento de mundo.

Palavras-chave: Keywords:
Narrativa jornalística, construção de sentido Journalism as storytelling, construction of meaning
Pode-se dizer que, mesmo de modo es- “A intenção os registros da cultura e os dizeres dos
parso, tem sido construída uma história não-ditos.
que conta a investigação do jornalismo aqui é procurar,
como produtor de conhecimentos. Várias nesse trajeto Vertente 1: construção social da
são as conceituações que sugerem o jorna- realidade, cotidiano e senso comum
lismo ou a mídia em geral como um lugar percorrido, Alguns investigadores, como Michael
de: conhecimento comum, rede infor-ma- pistas para Kunczik e Mauro Wolf, consideraram um
cional na construção social da realidade, marco na investigação do jornalismo como
conhecimento compartilhado, consensos se pensar o construção da realidade ou produção de
em construção, saber de acontecimento, jornalismo sentido o clássico livro Opinião pública
senso em comum, acervo social de conheci- (1922), de Walter Lippmann, um dos pri-
mento, vetor de interesses comuns, agente
como meiros a interrogar sobre a relação entre
institucionalizador da sociedade como rea- exercício de o que diz a mídia e o que pensa o público.
lidade objetiva, mediação cultural da vida Embora interessado em demarcar proce-
cotidiana, elemento constituinte da esfera
entendimento dimentos para a objetividade jornalística,
pública etc. do mundo.” Lippmann destacou a mídia como rele-
A intenção aqui é procurar, nesse traje- vante ligação entre o mundo exterior e as
to percorrido, pistas para se pensar o jor- imagens dos acontecimentos desse mun-
nalismo como exercício de entendimento do nas mentes das pessoas. Localizados
do mundo. De largada, o caminho aparece no campo da sociologia do conhecimento,
96 bifurcado, mas uma bifurcação que rapida- também os estudos dos efeitos da mídia a
mente se arranja em paralelismo e interse- longo prazo, por mais que centrem suas
ções no terreno conceitual da produção de intenções nos objetivos do emissores,
sentidos. Uma dessas linhas sustenta-se têm vínculos históricos com as teorias
sobre o aporte da construção da realidade da construção da realidade. Wolf resume
social e, à superfície, é margea-da pelas in- essa relação.
vestigações a respeito dos reordenamentos Ao voltar sua atenção para a importância e
do senso comum. A outra se volta para a para a função dos processos simbólicos e de
percepção do jornalismo como narrativa; comunicação como pressupostos da sociabili-
uma narrativa configurada como novos dade, a sociologia do conhecimento torna-se
modos de manifestação simbólica e mítica, progressivamente uma das temáticas-guia
margeada por sua vez pela dimensão sub- na fase atual da pesquisa: sendo assim, não
é por acaso que, de modo paralelo, a temáti-
terrânea do imaginário, sempre na direção
ca dos efeitos se identifica na perspectiva dos
da produção de sentido – e, claro, esse ca-
processos de construção da realidade (Wolf:
minho é cortado por grandes transversais,
140).
como os estudos diversos sobre processos
discursivos, no que envolve as ciências da Em seu rastreamento, Wolf dá saltos
linguagem e as teorias da cognição, estu- de 20 anos, de Lippmann (1922) passa às
dos sobre as constituições identitárias, os contribuições de Lazarsfeld (1940), em seu
discursos de poder e de disciplinarização, estudo sobre o rádio na representação da

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realidade, e de Lang e Lang (1962), na crí- so se complexifica pelas sutis demarcações
tica aos efeitos limitados e passagem para entre as pesquisas sobre o jornalismo como
os efeitos cumulativos nos processos de co- construção de sentido e de realidade social,
municação de massa. E essa passagem im- por um público, e aquelas sobre as notí-
plicaria, segundo Wolf, o abandono do mo- cias como construções elas mesmas, cons-
delo transmissivo da comunicação para um truídas pelos jornalistas4 – e construções
modelo focado no processo de significação. igualmente sociais. São sujeitos e objetos
O pesquisador português Nelson Traqui- em permanente troca de lugar. Novamen-
na, ao discutir a problemática dos efeitos te verifica-se aqui quanto entrecruzadas
e do poder da mídia, também começa por são as abordagens sobre o conteúdo cons-
Lippmann para pensar a teoria do agenda- truído pelos jornalistas (notícia) e o con-
mento (agenda-setting), estudo de Mcombs teúdo (a mesma notícia) que, em seguida,
e Shaw (1972). Jorge Pedro Sousa igual- constrói outro conteúdo (sentido) em uma
mente retoma Lippmann, para verificar recepção. Ambos conteúdos retirados e de-
a gênese e o desenvolvimento de grandes volvidos a uma realidade social comparti-
linhas de investigação sobre os efeitos dos lhada (por jornalistas e por receptores; e
meios – quando afirma não haver respos- ainda acrescentaria pelos múltiplos tipos
tas definitivas sobre a influência dos meios de fonte). Fiquemos, por enquanto, apenas
jornalísticos sobre a sociedade (p.119). com as notícias e a leitura de mundo que a
Entretanto, o campo dos estudos dos recepção faz por meio delas.
Alguns exemplos dessa diversidade: 97
3

exposição seletiva (Lazarsfeld


efeitos, em sua maior parte desenvolvi- O pesquisador alemão Kunczik, ao tra-
e Berelson, (1944); teorias da do por pesquisadores norte-americanos, balhar para as conceituações de jornalis-
persuasão (Hovland, 1949); é muito amplo3 e, como dito anteriormen- mo, também parte de Lippmann, assim
teoria hipodérmica, two-step flow te, mesmo quando investigando os efeitos como Wolf, só que para discutir valores
(Lazarsfeld, 1955); dissonância
dessa comunicação no público, parcela sig- informativos e modos de seleção de notí-
cognitiva de Festinger (1957), efeitos
limitados, exposição das pessoas nificativa dessas pesquisas está interessa- cias, temática da década de 60. Também
às notícias, influência pessoal, da na eficiência do trabalho dos emissores ele salta algumas décadas, até Winfried
agendamento ( McCombs e Shaw, – e isso até mesmo quando os estudos dos Schulz, com seu trabalho A construção
1972), usos e gratificações (Katz,
efeitos se deslocam do interesse na mu- da realidade nos meios de comunicação
1974), espiral do silêncio (Noelle-
Neumann, 1977). dança de comportamentos e atitudes do (1976) e outros estudos seus da década
público para os efeitos cognitivos causados de 80. Antes, pára em Wilbur Schramm
4
ver Traquina (pp. 60, 86 e 122): pelas notícias. Tais referenciais teóricos (1949), em sua distinção entre gratifica-
o autor localiza na década de 70 têm como contrapeso os estudos europeus ção adiada e gratificação imediata dos
a emersão desse novo paradigma
- “as notícias como construção”- ,
sobre os discursos midiáticos, preocupa- receptores de notícias. Kunczik, mais
paradigma em contraposição às dos concomitantemente com quem fala e a adiante em seu grande compêndio, tam-
teorias da notícia como espelho quem se dirige esses discursos. A investi- bém não deixa de buscar referência an-
da realidade e como resultado da gação do jornalismo como produtor de co- terior em Max Weber, com sua tese de
objetividade profissional – uma
nhecimento e de sentidos, porém, demons- doutorado sobre o papel social do jornal,
discussão ainda do ponto de vista de
quem produz, o emissor-jornalista. tra possuir uma trajetória peculiar, que se defendida em 1910 na Universidade de
dá num caminho inter-seccional. O percur- Chicago.
Mas volta bem antes ainda, longe do Making news: a study in the construction
século XX, e retoma Daniel Hartnack, of reality (1978), quando também a pesqui-
com publicações de 1688. Para Kunczik, sadora examina as forças que influenciam
Hartnack já vislumbrava o problema da a seleção/produção das notícias, atribuin-
construção da realidade pelos meios de do aos jornalistas “o poder de criar, impor
comunicação de massa, ao identificar que e reproduzir significados sociais – de cons-
o aparecimento periódico de jornais pro- truir a realidade social” (apud Kunczik:
duz uma demanda de notícias que não 264) – necessário considerar, porém, os es-
depende do que acontece no mundo (p. tudos que, na seqüência, vinculam os jor-
241). Kunczik também recupera Tobias nalistas produtores de sentido ao próprio
Peucer, o autor da que é considerada a contexto social dessa produção, como é o
primeira tese sobre publicações de jor- caso dos estudos de newsmaking e a rele-
nais (1690), para discutir o que é notícia vância dada à cultura profissional5.
– o pioneiro traz pequenas pistas sobre J. P. Sousa vai situar, ao lado de
utilidade ou função do jornalismo na vida Schulz, Thomas Luckmann na tarefa de
das pessoas. inserir processos sociais de interpreta-
Apesar de antecedentes de história tão ção e de leitura da mídia pelo público.
anterior, Kunczik reafirma a importância Primeiro, ao retomar a obra conjunta
de Schultz como referência nesse trajeto de dos dois autores, de 1973, Las estruturas
construção da realidade pelo jornalismo. del mundo de la vida, que trata de um pa-
98 tamar mínimo de conhecimento objetivado
Schulz fala de uma constituição, ou mes-
compartilhado. E depois, a clássica obra
mo construção, da realidade por parte dos
meios de comunicação em que os critérios de T. Luckmann e Peter Berger, A cons-
empregados são os valores das notícias. trução social da realidade (1966), quando
Mas para os receptores, que não têm acesso os autores “trouxeram as novidades neces-
primário à maioria dos assuntos noticiados, sárias para o alargamento do campo teóri-
esse mundo construído torna-se uma reali- co das Ciências da Comunicação à sociolo-
gia interpreta-tiva” (Sousa: 140).
dade “verdadeira” ( Kunczik: 250).
Comentando os estudos de T. Luckmann,
Kunczik está preocupado com o poder G. Gerbner (teoria do cultivo, 1967) e as in-
dos jornalistas, pois, como diz, as percep- vestigações de D. Altheide (Creating reality:
ções da realidade por parte de um povo how tv news distorts events, 1974), Sousa
são formadas, de modo decisivo, pelos cri- diz que, nesses marcos,
térios de seleção de um único grupo ocu- os meios de comunicação, através de seus
pacional: os jornalistas; então, a realidade conteúdos, criariam formas de compreensão
construída pela mídia noticiosa significa- compartilhadas que permitiriam às pessoas
ria a imagem do mundo criada na cabeça
5
Na década seguinte é possível
enfrentar o cotidiano, tornariam públicos
encontrar, de maneira transversal,
dos receptores pelos critérios dos jorna- determinados acontecimentos e idéias, en- aspectos dessa abordagem nos
listas (p. 250). Nesse contexto, o autor treteriam, criariam públicos, forneceriam trabalhos de Herbert Gans e Michael
alemão lembra ainda Gaye Tuchman em as bases para que a política se transformas- Schudson.

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se numa coisa pública, permitiriam a acul- ‘a mais abundante fonte reguladora e nu-
turação independente da mediação inter- tridora’” (Ponte: 52).
pessoal e moldariam normas, valores, ati- Ao passar das contribuições da Escola
tudes, gostos e preferências interiorizadas de Chicago, no início do século XX, para
pelos indivíduos (Sousa: 192). a investigação sobre a dimensão social
Voltando a Lang e Lang, temos a mesma do jornalismo, Ponte afirma que o tex-
to de Robert Park, News as form of kno-
percepção: wledge, de 1940, “é incontornável como
primeira reflexão epistemológica sobre o
Muito do que as pessoas conhecem sobre a
jornalismo”. Para Ponte, Park aponta aí
vida política é aprendido de segunda ou ter-
para um investimento afetivo por parte
ceira mão por meio da mídia. Esta estrutu-
do leitor, um conhecimento sensitivo vin-
ra um contexto político muito real, mas que
do de hábitos combinado com um conhe-
nós podemos apenas conhecer “de longe”
(...). Além disso, os meios de comunicação de cimento preciso e sistemático. As notícias
massa estruturam a realidade mais vasta, estariam num lugar intermediário entre
não local, da qual é difícil subtrair-se (...). Há o continuum desses dois tipos de conheci-
algo de invasor (obstrusive) em relação ao mento (Ponte: 55). Objetivando ler o texto
que a mídia apresenta, algo que torna sua de Park no contexto histórico em que foi
influência cumulativa (Lang e Lang apud escrito (de afirmação de uma imprensa
Wolf: 142). de massa anterior à influência do audio-
Para pensar sobre que conhecimento é vi-sual), Ponte lembra que seus estudos 99
esse apreendido pelas pessoas em sua re- ainda estão longe do percurso que leva-
lação com o jornalismo, Cristina Ponte, ria, nos anos 70, ao crescimento de uma
em seu livro Leituras das Notícias (2004), sociologia do jornalismo (newsmaking) e
começou a inventariar o jornalismo como igualmente longe da atenção a processos
produção e circulação de sentido. Entre os discursivos e cognitivos mobilizados nas
“primeiros olhares sobre o conhecimento notícias.
do jornalismo”, Ponte localiza o sociólogo “ ‘O jornal Mesmo apostando alto na idéia de que a
francês Gabriel Tarde, com seu livro A opi- interpretação na/da notícia compete quase
nião e as Massas, de 1910. Ao traçar um constituía assim somente ao leitor, o construtor da opinião
quadro sociológico das transformações de um espaço de pública, e ainda na idéia de que as notí-
natureza política, social e cultural decor- cias são eventos únicos e sem continuação,
rente das novas formas de comunicação, conversação Park teria antecipado, segundo Ponte, a
como a imprensa, Tarde teria introduzido, pública, atenção a critérios de noticiabilidade e de
segundo a autora, o conceito de público valor da notícia e, com isso, teria pensado
como nova forma de coesão entre indivídu- desenvolvido a pioneiramente “o contributo das notícias
os fisicamente separados, mas partilhando partir de formas para a construção de uma cultura parti-
os mesmos interesses. “O jornal constituía lhada (regional, nacional, de comunidade
assim um espaço de conversação pública,
privadas de de interesses) e de uma memória coletiva,
desenvolvido a partir de formas privadas comunicação’ ” e a aproximação entre realidade e ficção”
de comunicação e retornando a estas como
(Ponte: 57). J. P. Sousa chega a considerar Deste modo, a linguagem é capaz de se tor-
Park o precursor da Escola Canadense, no nar o repositório objetivo de vastas acumu-
que diz respeito aos estudos sobre os meios lações de significados e experiências, que
jornalísticos. Lembra ter sido Park um dos pode então preservar no tempo e transmitir
primeiros a realçar o fato de a comunica- às gerações seguintes (...) Devido a esta ca-
pacidade de transcender o “aqui e agora”, a
ção jornalística ser modela-dora da cultu-
linguagem estabelece pontes entre diferen-
ra, de a notícia ser uma forma de conheci-
tes zonas dentro da realidade da vida coti-
mento. Ao facilitar a criação de consensos,
diana e as integra em uma totalidade dota-
o jornalismo cumpriria a função de manter da de sentido (Berger e Luckmann: 52 e 59).
a coesão do grupo social; uma função que
Park considerava essencial – posição cri- Os autores seguem discutindo a acumu-
ticada pelo pesquisador brasileiro Adelmo lação seletiva dentro do campo semântico,
Genro Filho em seu livro O segredo da pi- e, em virtude dessa acumulação constitui-
râmide: para uma teoria marxista do jor- se o que denominam de acervo social de co-
nalismo, de 1987; para Genro Filho, esse nhecimento:
papel do jornalismo não seria o de garantir Vivo no mundo do senso comum da vida co-
a “sanidade do indivíduo” ou a “permanên- tidiana equipado com corpos específicos de
cia na sociedade”, mas sim de ser uma pos- conhecimento. Mais ainda, sei que outros
sibilidade concreta de intervenção social, partilham, ao menos em parte, deste conhe-
para mudanças de modo revolucionário. cimento, e eles sabem que eu sei disso. Mi-
100 Ainda entre os primeiros olhares sobre a nha interação com os outros na vida cotidia-
investigação do jornalismo como produção na é por conseguinte constantemente afeta-
de conhecimento, Ponte elege duas outras da por nossa participação comum no acervo
grandes contribuições: Berger e Luck- social disponível de conhecimento (Berger e
mann, novamente, e Erving Goffman. Os Luckmann: 62).
estudos sobre enquadramento elaborados Os autores se referem a uma competência
por Goffmann, desde 1974 (Frame analy- pragmática para a ‘localização’ e o ‘manejo’
sis), tratam de consensos em construção e na vida cotidiana. Porém, extrapolando para
6
Traquina, ao trabalhar a questão
de esquemas básicos de interpretação e lei- o que significaria isso num cotidiano expe-
da narrativa no jornalismo,
tura6. Muitas reflexões de Berger e Luck- rienciado numa metrópole ou num cotidiano identifica trabalhos mais recentes
mann em seu livro A construção social da conectado a assuntos distantes – sobre gover- sobre enquadramentos midiáticos,
realidade foram tradu-zidas, com muita no, outros povos etc – e de interesse comum entre eles, Wolfsfeld (1991), Gamsom
pertinência, para o universo dos estudos de um público, de comunidades de sentido, e Modigliani (1989). Wolf localiza
o tema da moldura interpretativa
de jornalismo. Os autores partem da corre- é possível reler a discussão dos autores no já em Galtung e Ruge (1965) e
lação entre linguagem e conhecimento da campo do consumo de notícias. O jornalis- em Shaw, E. (1979). E Cristina
vida cotidiana. mo pode ser entendido como um importante Ponte, lembrando a designação de
constituinte desse “depósito social do conhe- esquemas básicos de interpretação
Posso falar de inúmeros assuntos que não (frameworks), cita ainda Tuchman
estão de modo algum presentes na situa-
cimento” e de sua distribuição.
(1978) e Jenny Kitzinger, com o
ção face a face, inclusive assuntos dos quais Pode-se tributar também a Berger e conceito de modes midiáticos (2000).
nunca tive, nem terei experiência direta. Luckmann, com sua proposta de analisar

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sociologicamente o conhecimento na vida as notícias, entre múltiplas outras funções,
ordinária, a relevância dada ao cotidiano participam na definição de uma noção parti-
nos estudos de produção de sentido pelos lhada do que é atual e importante e do que
meios de comunicação de massa. Uma não o é, proporcionam pontos de vista sobre
a realidade, possibilitam gratificações pelo
abertura para investigadores que, nas
seu consumo, podem gerar conhecimento e
décadas finais do século XX, vão se vol-
também sugerir, direta ou indiretamente,
tar para os estudos de recepção – princi-
respostas para os problemas que quotidia-
palmente no contexto da escola britânica namente os cidadãos enfrentam. As notícias,
dos estudos culturais. É interessante, ao surgirem no tecido social existente, confi-
inspirando-se nesses dois autores, pen- guram referentes coletivos e geram determi-
sar o acervo de notícias – em constante nados processos modificadores dessa mesma
atualização, acúmulo e esquecimento realidade (Sousa: 119).
– como uma produção de sentido que nos
Em vários de seus trabalhos, na década
ajuda a dar conta de motivos pragmáti-
de 80, Stuart Hall procurou compreender
cos rotineiros, numa apreensão da rea-
as relações da mídia com cultura, lingua-
lidade pelo senso comum, e também dar
gem e ideologia. Para o autor, os meios de
conta de responder a demandas mais
comunicação atuariam na construção sele-
subjetivas, aquelas que a partir desse
tiva do conhecimento social pelo qual per-
capital social de conhecimento, constituído
cebemos o mundo, as realidades vividas
de e pela linguagem, nos elevem para além
de outros e assim construiríamos imagi- 101
do imediato diário e nos situem dentro de
nariamente um mundo global inteligível.
“imensos edifícios de representação simbó-
Eles proveriam um inventário constante
lica”, como bem fazem a arte ou a ciência.
dos léxicos, estilos de vida e ideologias aí
Como disseram Molotch e Lester, no ano
objetivadas, classificariam e ordenariam
de 1974, pensando, para além do curso da
os diferentes tipos de conhecimento social,
vida diária, na vida público-política,
providenciando contextos referenciais que
toda a gente precisa de notícias. Na vida contribuem para dar sentido ao mundo.
quotidiana, as notícias contam-nos aquilo a “os meios de Além disso, eles organizariam essa classi-
que nós não assistimos diretamente e dão
como observáveis e significativos happenin-
comunicação ficação seletiva, produzindo assim consen-
sos e legitimidades (apud Sousa: 151).
gs que seriam remotos de outra forma (... ) o atuariam na No Brasil, dois livros investem na in-
conteúdo das concepções de um indíviduo da
história e do futuro da sua comunidade vem
construção vestigação do jornalismo como forma de
conhecimento. O já citado O segredo da
depender dos processos através dos quais os seletiva do pirâmide, de Genro Filho, de 1987, discu-
acontecimentos públicos se transformam em
recurso do discurso nos assuntos públicos conhecimento te a distinção entre o conhecimento da ci-
(Molotch e Lester apud Traquina: 22) social pelo qual
Sousa, comentando a importância da co- percebemos o
municação jornalística no cotidiano, tam-
bém afirma que, de alguma forma, mundo”
ência e do jornalismo em função das cate- “Mais do The power of news, pergunta logo na in-
gorias universal (própria das teorias cien- trodução: “why do people feel a need for
tíficas), particular e singular (próprias do que meio de journalism?” E responde: querer saber das
jornalismo). Se tomarmos o conhecimento, comunicação notícias provavelmente é uma necessida-
diz Genro Filho, como “a dimensão sim- de que vai além do costume da fofoca, da
bólica do processo global de apropriação o jornalismo vontade de ter informação sobre pessoas e
coletiva da realidade”, podemos conceber passa a ser lugares, do desejo de ter registro dos mis-
o jornalismo como uma das modalidades térios e as maravilhas do mundo. É querer
de conhecimento, sendo que, assim como considerado um produto, ordenado, editado, comparti-
qualquer gênero de conhecimento, o Jor- uma importante lhado. O autor sugere que reconheçamos
nalismo se constituiria duplamente “como que a notícia é uma forma de cultura, uma
revelação e atribuição de sentido ao real”
e diferente via força social, apesar de não ser uma ação
(Genro Filho, 1987: 60 e 66). de acesso à política. Notícia, para Schudson, é um
O outro livro é O conhecimento do jorna- produto cultural, é conhecimento público.
lismo, de Eduardo Meditsch, ano de 1992.
realidade.” Como dito anteriormente, há cruzamentos
Inspirando-se em Genro Filho, Meditsch constantes entre pensar o produto jorna-
também entende o Jornalismo como forma lístico como conhecimento e pensá-lo como
diferenciada de conhecimento: “O Jornalis- forma de construir o conhecimento de um
mo não revela mal nem revela menos a re- público, seu entendimento da realidade. E
alidade do que a Ciência: ele simplesmen- esse conhecimento das pessoas por meio
102 te revela diferente. E ao revelar diferente, das mídias transita entre a proposta mais
pode mesmo revelar aspectos da realidade política, para uma participação pública e
que os outros modos de conhecimento não democrática, e a idéia de um imaginário
são capazes de revelar” (p. 4). Concorrendo comum, igualmente compartilhado.
com outras formas/modos sociais de conhe-
cimento mais prestigiados na nossa cultu- Vertente 2: dimensão simbólico-
ra, como é o caso do conhecimento científi- mítica, relação com o imaginário
co, o Jornalismo não apenas reproduziria o Vários dos autores já mencionados tenta-
conhecimento que ele próprio produz, como ram nomear o que seria esse conhecimento
reproduziria também o conhecimento ela- compartilhado pelo jornalismo. Schulz fa-
borado por outras instituições sociais; ser- lava em mapa cognitivo do público (apud
vindo, então, para conhecer e reconhecer. Kunczik: 251), Wolf em patrimônio cogni-
Mais do que meio de comunicação o jorna- tivo dos destinatários (p. 142), Sousa em
lismo passa a ser considerado um meio de ecossistema simbólico (p. 199). Há nessas
conhecimento; uma importante e diferente tentativas um encaminhamento da refle-
via de acesso à realidade. xão para a dimensão do simbólico – eles
Há, por fim, vários estudos que inserem próprios, Berger e Luckmann, deixaram
o debate sobre o jornalismo como constru- pistas, quando demonstraram a legitima-
tor de sentidos no campo do conhecimento ção do simbólico no ordenamento da his-
público. Michael Schudson, no seu livro tória, na localização dos acontecimentos

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coletivos em uma certa coerência, com O conhecimento do senso comum foi até
passado, presente e futuro (p.140). Para bem pouco tempo desprezado pela teoria,
Hall, mesmo quando se verificam os estu- uma vez que toda a ciência moderna se
dos sobre valores-notícia, apreendidos dos constituiu com base na sua negação. Mas,
acontecimentos selecionados como notícia, na medida em que as ciências humanas
passaram a valorizar a observação do coti-
pode-se entender que os valores-notícia se-
diano para o desvendamento das relações
jam mapas culturais do mundo social, ma-
sociais, o que era visto como ‘irrelevante,
pas construídos pelos próprios jornalistas
ilusório e falso’ começou a aparecer não só
(apud Traquina: 115). Ou seriam os jorna- como objeto digno de consideração pela te-
listas comunidades interpretativas, como oria do conhecimento mas, em última aná-
sugere Barbie Zelizer? Segundo Ponte, Ze- lise, como o seu objeto principal (Meditsch,
lizer, década de 90, propõe a compreensão 1997: 8)
de que os jornalistas possuem um repertó-
O senso comum se referiria, então, ao
rio de acontecimentos do passado, de uma
mundo que é comum a muitos, e o seu co-
cultura, que se constitui como modelo de
nhecimento seria esse conhecimento com-
apreciação do presente. Centrais no pro-
partilhado – muito embora, como diz Me-
cesso noticioso, para Zelizer, seriam tam-
ditsch, o senso comum não seja tão demo-
bém os conceitos de performance, ritual e
crático quanto parece, pois como todo co-
narrativa.
nhecimento também ele é repartido social-
Mas, mantendo a intenção de olhar
mente, dependendo das particularidades
para a recepção como o lugar desde 103
dos auditórios. De qualquer modo, como
onde pensar todo o processo comunicati-
diz o jornalista Alberto Dines (p.90), sa-
vo, como recomenda Jesús Martin-Bar-
ber o que acontece à sua volta, assegurar-
bero, os leitores de notícias poderiam
se dentro dos acontecimentos é possível
ser pensados eles próprios como comu-
para o leitor/ouvinte/telespec-tador quan-
nidades interpretativas. Primeiro, re-
do a notícia traz “a dimensão comparada,
cuperando a discussão sobre o lugar do
a remissão ao passado, a interligação com
conhecimento do senso comum. Como
outros fatos, a incorporação do fato a uma
produto de consumo cultural, o jorna-
tendência e a sua projeção para o futuro”.
lismo produziria e organizaria sentidos,
Geralmente até mesmo a mais sim-
quase sempre conectados ao senso co-
ples matéria jornalística pede os qua-
mum. Martin-Barbero prefere falar em
tro pontos cardeais: informação que
sentido em comum, resgatado da vida
vem do leste (direita, do principal en-
cotidiana, que é lugar e tempo de con-
volvido, da circunstância originária do
formação, criatividade, iniciativa, de
fato, do sujeito principal, da afirmação),
troca de sensibilidade e racionalidade 7.
do oeste (da esquerda, dos demais en-
De acordo com Meditsch, o Jornalismo
volvidos, das circunstâncias afetadas,
opera no campo lógico do senso comum,
7
In: Mauro Wilton de Souza (org). das testemunhas, da negação, da opo-
Sujeito, o lado oculto do receptor, da realidade dominante – o que lhe traz
sição, do lado contrário), do sul (da re-
p.60. fragilidade e força.
missão ao passado, da comparação, das
situações ou sujeitos precedentes) e do nor- uma mesma estrutura” (p.30). E concorda
te (da projeção para o futuro, para a pos- também Ciro Marcondes Filho: “o jornalis-
sível solução, para novos efeitos). É o que mo não age só no plano imediato. A soma
venho chamando de jornalismo cardinal. de todos os imediatos diários constrói um
Um exercício que “produz sentido em du- contínuo sedimentado na extensão do tem-
plo sentido”: o de direção, localização nos po. Se a essência da técnica é algo de natu-
debates, de tomada de decisões e opções reza não técnica, a essência do instantâneo
diversas, inclusive no que diz respeito a é algo, necessariamente, de natureza não-
valores; e o de entendimento, compreensão passageira”8.
das coisas do mundo. O que deveria ser Mas, ao pensarmos a ação cumulativa das
mais avaliado hoje, e já há estudos com tal notícias na vida das pessoas e observarmos
inclinação, é como pensar o jornalismo em também os leitores como comunidades inter-
contextos de acumulação de sentidos e de pretativas, poderíamos religar nos estudos
conhecimentos. Tratar da recepção das no- de jornalismo os produtores de notícias e os
tícias cumulativamente: como se dá o en- leitores/ouvintes/telespectadores de notícias.
tendimento de um mesmo acontecimento No campo dos estudos antropológicos encon-
pela leitura/audiência assídua de um úni- tramos hoje boas indicações de como prosse-
co veículo, pela combinação do informativo guir no trajeto da investigação sobre jornalis-
com o opinativo, ou pela soma de informa- mo e produção de sentido. Trata-se de pensar
ções recebidas de diferentes meios? considerando, ao mesmo tempo, o sujeito que
104 Novamente, como uma grande transver- produz a notícia e o sujeito que faz a leitura
sal, os estudos jornalísticos no campo da da notícia, identificando suas simbologias e
cognição cortam esse inventário sobre a imagens míticas comuns. O universo simbó-
relação entre o jornalismo e a produção de lico, tão caro à Antropologia, ainda é pouco
sentido e conhecimento. O holandês Teun explorado nos estudos dos processos comuni-
Van Dijk argumenta que a notícia envol- cativos midiá-ticos, mais especificamente nos
ve o processamento de grandes quantida- estudos de jornalismo. Os imaginários, por
des de informação estruturadora, repeti- onde transita a recepção de produtos cultu-
da e coerente, que servem como base para rais mas-sivos, atuam em variadas demandas
ampliações mínimas e outras mudanças da subjetividade humana. Como investigado
em nossos modelos de mundo (apud Me- na tese sobre o “O imaginário rural do leitor
ditsch, 1997: 9). Rosana Soares endossa urbano: o sonho mítico da casa no campo”,9
essa posição: “ao contrário do que se pro- os imaginários de tempo e espaço e diver-
paga, o jornalismo não está ligado à bus- sas outras imagens míticas cumprem tanto
ca do “novo todo dia”, mas a algo que se uma necessidade psicológica como são apre- 8
Ciro Marcondes Filho,
repete e, ao se repetir, torna-se uma re- endidos como salvaguarda contra a medio- Comunicação e jornalismo: a saga
ferência permanente àquilo que faz o co- cridade da rotina, como função mítica e de dos cães perdidos, 2000, p.67.
mum de todos. É portanto redundância e transcendência, fator de equilíbrio psicosso- 9
de Gislene Silva, defendida em
novidade, repetição não do mesmo mas do cial, exercício de dimensão cósmica e onírica 2000, no programa de Ciências
diverso que, diferente a cada vez, repete e de fabulação. Nessa pesquisa, com leito- Sociais/Antropologia da Puc-SP.

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res metropolitanos da revista Globo Rural, uma construção narrativa. Assim como os
da Editora Globo, foi verificado ainda que a mitos, as notícias nos informariam sobre
leitura ou audiência de produtos simbólicos o mundo que vivemos, nos tranqüilizando,
de massa, como é caso das notícias, é capaz nos dando contornos normativos de certo
de organizar significados e coisas e, mesmo e errado, parâmetros para nos aventurar,
de forma precária, provocar sensações es- nos apaziguando ou colocando em conflito
téticas ricas e nutrir espíritos desejosos de com nossos heróis e santos (Bird e Dar-
transcender no tempo e no espaço. Se antes denne: p. 266). Dizem os autores ainda
o papel de conservatório de símbolos e mi- que, na dimensão mitológica, as pessoas
tos cabia à religião e depois foi transferido tendem a acreditar nos ‘especialistas’ na
às grandes artes e mais tarde ao cinema e narram a estória e que têm acesso à ver-
à própria ciência, hoje alguns programas dade – relação semelhante teria o público
de televisão ou publicações jornalísticas com o contador de notícias (p. 274).
conseguem – obviamente, dentro das limi- Os jornalistas norte-americanos Bill Ko-
tações que lhe são próprias e de intenções vach e Tom Rosenstiel, autores de um li-
outras – alimentar em sujeitos-receptores vro muito divulgado no Brasil em 2004, Os
o imprescindível luxo da fantasia e da ex- elementos do jornalismo, recorrendo ao
periência estética e poética. Notícias, tais historiador Michell Stephens, lembram
quais os mitos, podem atuar como narrati- da troca de informações ao longo da histó-
vas, e serem estudadas como conformadas ria e através das culturas e, referencian-
por matrizes mitológicas e conformadoras do Molotch e Lester, assinalam que as 105
de sistemas simbólicos. notícias satisfazem um impulso humano
Luiz Gonzaga Motta, que vem traba- básico, uma necessidade de saber o que
lhando para uma antropologia da notícia, acontece além da nossa própria experiên-
organiza a comunicação jornalística em cia direta; as pessoas precisariam de in-
três dimensões: a pragmática, a cogniti- formação por causa de um instinto básico,
va e a simbólica. Baseado na narratologia que chamam de instinto de percepção. Em
como metodologia, Motta considera como duas passagens do livro, explicam o con-
segmento narrativo um conjunto de no- ceito.
tícias publicadas ou divulgadas dias ou Precisamos de notícias para viver nossas
semanas seguidas sobre um mesmo as- vidas, para nos proteger, para nos ligarmos
sunto. E é nesses segmentos que busca uns aos outros, identificar amigos e inimi-
identificar elementos míticos. Em texto “Assim como gos. O jornalismo é simplesmente o siste-
de 1988, Elizabeth Bird e Robert Darden- os mitos, as ma criado pelas sociedades para fornecer
ne publicaram no livro Media, Myths and essas notícias (Molotch e Lester apud Ko-
narratives: television and the press, de notícias nos vach:.18)
W. Carey, um texto sobre narrativas das informariam Elas [as pessoas] precisam sa-
notícias e mito, no qual apontavam como
é possível perceber tanto nas soft news
sobre o mundo ber o que acontece do outro lado do
país e do mundo, precisam estar a
como nas hard news sinais mitológicos de que vivemos” par de fatos que vão além da pró-
pria experiência. O conhecimento do des-
“A intenção (não sensacionalistas), no caso o The New
conhecido lhes dá segurança, permite-lhes York Yimes, no qual são identificados mi-
planejar e administrar suas próprias vidas desse tos subjacentes no noticiário de forma ge-
(...) para criação da comunidade, propician-
do as ligações entre as pessoas. Notícia é
inventário é ral – a boa vítima, o bode expiatório, a boa
mãe, o castigo diluviano, o herói, a criança
aquela parte da comunicação que nos man- prosseguir na abandonada etc (Ponte: 45).
tém informados dos fatos em andamento,
temas e figuras do mundo exterior (Molotch investigação, A intenção desse inventário é prosseguir
na investigação, teórica e empírica, sobre o
e Lester apud Kovach:.36). teórica e jornalismo como exercício de entendimen-
Na mídia, diz Christa Berger, quem empírica, sobre to do mundo, tal qual Berger e Luckmann
falam são os jornalistas, alçados a nar- imaginam atuar o conhecimento do coti-
radores da era tecnológica, da idade mí- o jornalismo diano.
dia. E continua: como Meu conhecimento da vida cotidiana tem a
Em todos os tempos, as histórias foram exercício de qualidade de um instrumento que abre ca-
contadas por narradores com sensibilida- minho através de uma floresta e enquanto
des próprias do seu tempo, e estas histórias entendimento faz isso projeta um estreito cone de luz so-
forneceram as instruções essenciais para
as pessoas viverem ou sobreviverem. O que
do mundo” bre aquilo que está situado logo adiante e
imediatamente ao redor, enquanto em todos
os jornalistas contam, com as tecnologias os lados do caminho continua a haver escu-
disponíveis, com as palavras e as imagens ridão (Berger e Luckmann: 66).
106 propiciadas pela sensibilidade e consciên-
Talvez seja mesmo uma intenção ilu-mi-
cia possível é o relato, essencial ou, talvez,
apenas suficiente para se viver, neste tempo
nista, mas que quer compreender, mais do
(Berger, C: 156). que explicar, se e como as notícias ilumi-
nam de alguma forma nossas vidas.
A proposta de estudos recentes é não fe-
char a investigação sobre a dimensão sim-
bólica-mitológica no noticiário soft, como
aliás já sugeriram Bird e Dardene. Ao ana- Sobre o texto
lisar a relação do jornalismo com melodra-
Trabalho apresentado no III Encontro da
ma, Cristina Ponte também defende que
SBPJor – Sociedade Brasileira de Pesqui-
se estude o conjunto das notícias. Por um
sadores em Jornalismo, Florianópolis, no-
lado, divulgar (e estudar) o fait-divers ou
vembro de 2005 (Comunicação Coordenada:
notícias de interesse humano com proble-
Narratividade Jornalística).
matizações do ponto de vista social; e dei-
xar que notícias sérias ou pesadas ganhem
com os recursos da narratividade – mesma Sobre a autora
direção para que tende o estudo de Afon- Gislene Silva é professora do Departa-
so de Albuquerque, que propõe pensar a mento de Jornalismo da Universidade
narrativa jornalística para além do fait-di- Federal de Santa Catarina (UFSC), a
vers. Ponte explora ainda o estudo de Jack pesquisadora defendeu em 2000 a tese
Lule (2000) sobre jornais de referência

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“O imaginário rural do leitor urbano: o so- MARCONDES FILHO, Ciro. Comunicação e
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