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Edição:
Editora Os Puritanos
Telefax: (011)6957-3148
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e-mail: facioligrafic@osite.com.br
Impressão:
Facioli Gráfica e Editora Ltda
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CONTEÚDO
Capítulo 1 - Introdução........................................................... 7
Capítulo 2 - A Perfeição da L ei............................................... 11
Capítulo 3 - Como a Lei Deve Ser Usada.............................. 23
Capítulo 4 - As Boas Obras do Crente...................................... 33
Capítulo 5 - A Lei e o Homem Justo....................................... 39
Capítulo 6 - A Lei Escrita no Coração.................................... 45
Capítulo 7 - Capacidade Humana............................................ 57
Capítulo 8 - A Lei Moral e Sua Relação com os Crentes...... 63
Capítulo 9 - A Espiritualidade da Lei e Seu Uso Como Meio
de Conversão....................................................... 73
Capítulo 10- A Lei Não Revogada por Cristo aos Crentes .... 85
Capítulo 11 - A Lei Como um Pacto....................................... 99
Capítulo 12- A Oposição Entre a Lei e o Evangelho.............105
Capítulo 13 - Cristo Como o Fim da L ei............................... 113
Capítulo 14 - Epílogo............................................................. 117
Apêndice A - Sobre Anthony Burgess.................................. 123
Apêndice B - Uma Exposição do Décimo Mandamento por
Lancelot Andrewes..........................................129
Prefácio
No seio da igreja evangélica brasileira, onde lei e graça são en
tendidos conforme o ensino do dispensacionalismo e a lei é tida
como um elemento obsoleto do período do Antigo Testamento, o
trabalho de Kevan se toma obra de fundamental importância. Sua
obra sobre a Lei Moral esclarece qual o papel da lei de Deus para a
vida do crente, e como esta lhe serve no revelar a vontade perfeita
de Deus. A lúcida exposição de Kevan mostra ao leitor como a lei
nos auxilia no caminho da santificação.
Longe de qualquer legalismo, Kevan mostra como a lei de Moisés
é nada menos do que a lei de Cristo e que esta lei, observada debai
xo da graça, é fator de bênção para o crente, assim como, quando
não observada, resulta em censura da parte de Deus. Assim sendo,
a lei de Deus serve para a instrução do crente, para que ele saiba
como viver e agradar a Deus. Por outro lado, pela operação do
Espírito Santo, o crente ao ser confrontado com a lei descobre
suas faltas e recorre ao Senhor para o perdão.
Kevan é, no sentido mais claro da expressão, um amante da lei
de Deus conforme expressa no Antigo e Novo Testamentos (Sal
mo 119.97). Só pode amar a lei de Deus aquele que verdadeira
mente conhece a sua graça. É esta a perspectiva que o leitor vai
encontrar na obra de Kevan. É com alegria que apresentamos esta
obra ao leitor brasileiro interessado em conhecer mais sobre a lei e
a graça de Deus.
Mauro Meister
Capítulo 1
Introdução
O propósito deste volume é apresentar uma discussão do valor
da Lei de Deus na vida do crente, um assunto importante e urgente
nos dias de hoje. Em vários períodos na história da doutrina cristã,
tomou-se necessário reafirmar a verdade de que o ministério da lei
foi divinamente ordenado como um meio de graça para a
santificação e caminhada piedosa do crente. Isso, naturalmente,
não nega que o único poder suficiente para a santificação é a habi
tação de Cristo no crente por meio do Espírito Santo: isso é
santificação pela fé, e uma das grandes glórias do Evangelho Cris
tão é o fato de que ele não somente diz aos homens para serem
bons mas os capacita para assim o serem.
Mas a concessão do poder para uma vida santa precisa ser acom
panhada pela instrução no seu modelo. Em que consiste o compor
tamento santificado? Consiste em agradar a Deus. O que agrada a
Deus? Que sua sua vontade seja feita. Onde a sua vontade pode ser
discernida? Em sua santa Lei. A Lei, então, é a regra de vida do
cristão e o crente encontra o seu prazer na Lei de Deus segundo o
homem interior (Rm 7.22). O cristão não está sem lei, “mas debai
xo da lei de Cristo” (1 Co 9.21). O pecado é a ilegalidade e a
salvação consiste em levar o ilegal para sua verdadeira relação
com Deus, dentro da bênção da sua santa Lei. A Lei de Moisés é
nada menos do que a Lei de Cristo.
O fato de que pela graça um homem não rouba, não mente ou
não comete adultério, não destrói, de forma alguma, o fato de que
ele não deve fazer isso e o cristão que faz qualquer uma dessas
coisas se toma condenado pela Lei como um pecador. Visto ser ele
um crente justificado, este seu pecado não o leva à condenação
etema, mas certamente o conduz à censura do Senhor. O fato de
Deus não ver pecado no crente é verdadeiro no que diz respeito à
sua posição (justificação), mas uma proposição completamente
incorreta quanto ao seu estado (santificação). A Lei de Deus, por
essa razão, não somente instrui o crente quanto ao tipo de vida que
agrada a Deus, mas também é um instrumento de humilhação pelo
qual o Espírito Santo leva o crente a descobrir suas faltas, lasti
mar-se por tê-las cometido e a arrepender-se delas e, assim, recor
rer ao Senhor Jesus Cristo, o único no qual a graça da santificação
pode ser encontrada.
Haveria menos tragédias morais entre os cristãos professos se a
instrução salutar da Lei de Deus fosse atendida cuidadosamente.
Que o crente possa olhar exclusivamente para Cristo na busca do
poder capacitador de uma vida vitoriosa - como de fato deve -
mas que ele, ao mesmo tempo, se lembre que a vida santa não
consiste em prazer emocional, mas sim em cumprir os mandamen
tos de Deus.
Insistir nessa função da Lei de Deus na vida do crente não é se
tornar legalista. O legalismo é um abuso da Lei: é uma confiança
no cumprimento da Lei para aceitação perante Deus, e o cumpri
mento de leis, seja orgulhoso ou servil, não é elemento da graça
de Deus. No entanto, a obediência de amor rendida alegremente
é algo completamente diferente e faz parte da própria essência da
vida cristã. Não é legalismo um homem obedecer a Deus porque
ele ama agir assim; isso é liberdade: mas, lembre-se, ainda é obe
diência.
A Lei de Deus tem seu lugar na experiência cristã porque, em
bora seja por causa de um amor profundo por Deus que o crente
faz o que agrada a Deus, ele está, ao mesmo tempo, fazendo aquilo
que Deus o manda fazer. Se a má vontade de um homem em obe
decer não invalida o mandamento - e isto é admitido por todos -
então o mesmo é válido para sua prontidão. A Lei não termina
quando um homem se regozija em obedecê-la: ainda existe para
ser honrada e gozada na obediência a ela. Um soberano não é me
nos soberano porque seus súditos o amam. Deus não cessa de ser
Deus assim que seu povo é reconciliado com ele. Ele não fica pri
vado de todos os direitos de comando tão logo as pessoas come
cem a amá-lo. Conseqüentemente, não existe incompatibilidade
entre amor e obediência; pois na vida verdadeiramente santificada
existe a obediência em amor e o amor obediente.
Esta verdade talvez possa ser mais facilmente alcançada se ilus
trada com relação à Lei positiva, como distinta da Lei moral. Um
dos exemplos excepcionais da Lei positiva na vida do filho de Deus
é, naturalmente, a ordenança da Ceia do Senhor. Um crente irá
alegremente cumprir esse mandamento de Cristo, mas nunca vai
pensar em dizer que ele assim age meramente porque gosta, não
porque o Senhor mandou. Se falasse assim, ele, então, se tomaria
uma lei para si mesmo. O crente dirá que ama cumprir cada manda
mento sagrado de Cristo e, ao afirmar isso, reconhece o lugar do
mandamento. A verdadeira santidade não se detém para conside
rar meramente as qualidades intrínsecas do bem ou mal, mas dará
atenção unicamente à vontade daquele que proferiu os mandamen
tos. Não há santidade onde não há sujeição a Deus: toda bondade
deve ser por causa de Deus, não motivada por si mesma. As boas
obras do crente não são meramente boas, são boas pelo fato de
serem devidas. A obrigação da obediência é perpétua e pertence à
relação da criatura com Deus, e um dos mais ricos frutos da graça
é o fato de a alma regenerada poder dizer, “Quanto amo a tua lei!”
(SI 119.97). A doutrina bíblica da santificação, então, não é “con
fie e relaxe” mas “confie e obedeça”. O ensino puritano evita o
ativismo pelagiano de um lado e o passivismo quietista do outro, e
no lugar de ambos, afirma a necessidade da obediência da fé.
O propósito adicional deste volume é apresentar a discussão da
Lei 1 por.meio de uma das mentes mais privilegiadas do período
Puritano, a saber, a de Anthony Burgess.
Muito do bom pensamento puritano é encontrado não apenas
nos escritos de homens mais conhecidos como John Owen e Thomas
Goodwin, mas também na obra daqueles que são menos familiares
hoje em dia. Eles permaneceram desconhecidos grandemente por
causa do estilo literário de suas épocas, que os leitores modernos
encontram dificuldade em seguir, mas eles foram homens de per
cepção teológica, de intelecto brilhante, pensamento claro e argu
mento invencível. Anthony Burgess foi um desses.
O tratamento atual do assunto é baseado nos pensamentos e
material desse distinto pensador encontrados na sua notável obra
intitulada, Vindiciae Legis; ou A Vmdication of the Moral Law.
Dessa forma, espera-se que, em alguma extensão, a grande contri
buição feita por Anthony Burgess possa ser salva e que receba seu
lugar no pensamento de hoje.
Capítulo 2
A Perfeição da Lei
O estudo da Lei de Deus na vida do crente não tem sido feito
sem dificuldades mas, em alguma extensão, isso é devido a uma
falta de atenção a certas considerações básicas. Conseqüentemen
te, há vários princípios básicos orientadores importantes a serem
lembrados na exposição da doutrina da Lei.
O primeiro deles tem a ver com o significado da palavra “lei”. A
confusão surge se a palavra é considerada apenas no seu uso em
inglês, ou se seu significado é restrito às palavras grega e latina
nomos e lex, que significam um código autoritário de dever. A
palavra do Antigo Testamento torah inclui muito mais do que es
sas idéias e significa não somente o que deve ser feito mas também
o que deve ser conhecido. Ela representa a instrução divinamente
revelada, quer seja na forma de doutrina, exortação, promessa ou
mandamento. Esta é a razão pela qual a Lei Mosaica pode ser cha
mada de pacto e, inversamente, a razão pela qual o Pacto Mosaico
pode ser chamado de Lei. É nesse sentido amplo também que Pau
lo é capaz de usar o termo em uma expressão tão figurativa como
“lei da fé” (Rm 3.27).
Há outros significados da palavra “lei” que pertencem não à sua
derivação mas ao seu uso. Algumas vezes significa qualquer parte
do Antigo Testamento, como nas palavras de Cristo que, em uma
referência particular a um salmo (SI 82.6), diz, “Não está escrito
na vossa lei: Eu disse: sois deuses?” (Jo 10.34). Algumas vezes, a
frase “a lei e os profetas” (Mt 7.12; Lc 16.16) é usada para indicar
todos os livros do Antigo Testamento. Ocasionalmente, a palavra
“lei” é usada apenas para os aspectos cerimoniais da adoração como
na expressão, “Ora, visto que a lei tem sombra dos bens vindou
ros” (Hb 10.1). Em alguns lugares, ela é usada para a auto-revela-
ção de Deus, conforme ele deu particularmente aos israelitas, como
por exemplo, nas palavras, “Porque a lei foi dada por intermédio
de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo”.
(Jo 1.17); e ainda em outras passagens é usada como uma descri
ção dos judeus na sua condição sem Cristo, um uso que Paulo faz
nas epístolas aos Romanos (3.19) e aos Gálatas (3.10; 4.21).
Antes que qualquer discussão válida sobre a doutrina possa acon
tecer e, certamente, antes que quaisquer argumentos possam ser
levantados contra a Lei, deve ser mostrado em que sentido a pala
vra está sendo usada, uma vez que Paulo questiona a Lei em um
sentido e a defende em outro.
Um segundo princípio orientador é a necessidade de se reco
nhecer que não há contradição em se fazer algo por amor e tam
bém em obediência à Lei. Ocasionalmente é dito que a obediência
à lei é subserviência, ao passo que o crente é movido por amor e
não necessita de lei. Isso naturalmente contém uma contradição
lógica além de ser totalmente falso na experiência. E falacioso co
locar causa e efeito em oposição. Sugerir que há uma contradição
entre o motivo pelo qual o crente agrada a Deus e as coisas que em
si mesmas são agradáveis a ele é ilógico, uma vez que o Espírito de
Deus move o coração para o amor e para o prazer naquilo que ele
manda. Adão é um exemplo disso, uma vez que enquanto não ha
via caído, ele obedecia por amor e também por causa da ordem. Os
anjos obedecem aos mandamentos de Deus (caso contrário os an
jos apóstatas não poderiam ter pecado), contudo eles fazem todas
as coisas em amor.1 O exemplo supremo de tudo é o próprio Cris
to, sobre o qual um mandamento foi colocado, porém ele o cum
priu por amor.2 Por essa razão, a conclusão a ser tirada é que fazer
algo por obediência a uma ordem simplesmente porque é uma or
dem não implica necessariamente ausência de amor. A obediência
de um servo não precisa ser obediência servil.
Em terceiro lugar, deve-se observar cuidadosamente que a obe
diência completa de Cristo à Lei para a justificação dos pecadores
não isenta o crente da obediência a ela para outros fins que não a
justificação. Uma das verdades básicas do Evangelho é que ne
nhum homem pode oferecer suas boas obras como base para a sua
justificação, mas é um grande erro concluir que porque as obras da
Lei não justificam, elas são desnecessárias. Este seria um raciocí
nio razoável se um crente obedecesse à Lei pela mesma razão que
Cristo o fez, mas isso é impossível. Uma analogia pode ser feita a
partir da experiência cristã do sofrimento. Cristo sofreu enquanto
sustentou a maldição da Lei e, desse modo, libertou o crente de
todo o castigo; todavia o crente pode suportar sofrimento para
outros fins. Da mesma forma pode ser argumentado que o crente
efetua as obras da Lei de Deus para fins diferentes do que os de
Cristo, e a obrigação que jaz sobre o crente de efetuar atos de
obediência não deve ser interpretada de modo a constituir um apoio
para uma doutrina da justificação pelas obras.
1A mãe de Moisés é uma ilustração humana terna, uma vez que ela cuidou de
seu filho por causa do amor materno mas também em obediência às ordens da
filha de Faraó.
2 Algumas vezes, esta última sentença é contestada e surge a questão sobre se
o Pai havia lançado uma ordem sobre Cristo; mas a resposta completa a isso é
dada na Escritura que provê a evidência disso em várias passagens. De fato, se
a ordem não tivesse sido lançada sobre Cristo, não seria possível falar sobre a
obediência de Cristo, porque obediência se relaciona a uma ordem.
Um quarto princípio orientador na estruturação da doutrina da
Lei de Deus na vida do crente é a necessidade de se fazer uma
distinção entre o crente e seus atos pessoais. Embora seja verdade
que a Lei não condena o crente, em vista do seu ser em estado de
graça, os pecados que ele comete são condenados e merecedores
da ira de Deus. Consequentemente, é uma comparação tola dizer,
como um dos escritores antinomianos antigos, que um homem de
baixo da graça tem tanto a ver com a lei quanto um “inglês com as
leis da Espanha”. Embora cada crente esteja no estado da graça,
sendo sua pessoa justificada, enquanto comete pecados, estes são
tão condenados nele como o são em outros. Pode haver a aceita
ção da pessoa pela graça de Deus, embora ao mesmo tempo há a
reprimenda das coisas que ela pratica.
Um princípio final a ser lembrado é que a lei não deve ser rejei
tada porque o homem não tem poder para cumpri-la. Quando a
rejeição da Lei é questionada sobre esta base, freqüentemente se
esquece que o homem, similarmente, não tem poder para obedecer
ao Evangelho. O mandamento para crer é tão impossível quanto o
mandamento para obedecer e, assim, o Evangelho parece falar de
coisas tão impossíveis quanto a Lei. A ausência de capacidade não
implica ausência de obrigação.
Ao tornar claras essas importantes considerações, é possível
exibir a bondade da Lei. Se Deus é bom, sua Lei deve ser boa. Esta
é a experiência do salmista quando exclama, “Quanto amo a tua
lei!” (SI 119.97), e esta, igualmente, é a convicção de Paulo quan
do diz a Timóteo, “Sabemos, porém, que a lei é boa” (1 Tm 1.8).
A bondade da Lei de Deus se mostra de várias formas, como
um breve levantamento mostrará.
Primeiramente, a Lei de Deus é boa em seu conteúdo, isto é, no
seu significado espiritual. Não pode haver dúvida que é bom amar
a Deus e confiar nele; e isto é precisamente o que é mandado na
Lei. Toda a bondade é sumariada na Lei, e não há nada que possa
ser concebido como bom que não esteja contido nela.
Segundo, a Lei de Deus é boa na sua autoridade divina. É esta
autoridade divina que a une aos homens. A autoridade de Deus
está na Lei de duas formas: primeiro, na justiça do que ele deseja,
e segundo, no seu ato de desejar as coisas que são certas. Se as
coisas mandadas na Lei forem examinadas, será visto que a justiça
de algumas se originam do simples fato de que Deus as deseja; isto
é, as coisas, em si mesmas, podem não ter qualquer evidência de
serem intrinsecamente boas ou más, mas são assim promulgadas
por Deus. As coisas ordenadas dessa forma são usualmente descri
tas como pertencentes ao que é conhecido como Lei positiva. Há
outras coisas mandadas por Deus que são, em si mesmas, justas e
Deus as deseja por essa razão. A justiça dessas coisas, naturalmen
te, não deve ser tida como se fosse uma qualidade que se encontra
acima de Deus e fora dele; em si mesma, não é nada mais do que a
perfeição manifesta do próprio Deus. A qualidade de ser justa des
sas coisas justas que Deus deseja provém da conformidade com a
bondade e justiça eterna que estão em Deus. Por causa disso, é
impossível que essa Lei divinamente autoritária deva ser revogada,
pois isso seria negar a justiça e a bondade de Deus. A obrigação
que vem pela lei é eterna e imutável a tal ponto que se toma uma
contradição absoluta dizer que pode haver justiça no homem à par
te da submissão ao comando de Deus. A essência da bondade da
lei é a sua relação com a autoridade de Deus.
Em segundo lugar, tem de ser dito que a Lei é boa em seu uso.
Ela tem um uso duplo uma vez que o Espírito Santo a usa como
um instrumento para a conversão de pecadores e como meio de
despertar o coração do crente para a sua obrigação (SI 19.7-11;
119.93). Algumas vezes se faz objeção a essa verdade sobre o uso
da Lei, baseando-se no fato de que a palavra “lei” nem sempre
significa os Dez Mandamentos e freqüentemente é usada de forma
mais abrangente para o ensino que a Palavra de Deus contém. Isso
naturalmente é verdadeiro, mas essa admissão não envolve a ex
clusão das injunções da Lei moral, uma vez que elas eram as mais
importantes de todas. A maioria das objeções levantadas contra a
utilidade da Lei é baseada no erro de se pensar na Lei como se esta
operasse sozinha e, então, obter um contraste entre o poder decla
rado do Evangelho e a fraqueza da Lei. Mas conceber a Lei à parte
do Espírito de Deus e, então, compará-la ao Evangelho é algo irra
cional uma vez que se o próprio Evangelho — mesmo as suas
promessas de misericórdia e perdão — fosse considerado à parte
do Espírito, nada alcançaria; de fato, por si mesmo, seria letra morta
tanto quanto a Lei. Mas nem a Lei nem o Evangelho são letras
mortas uma vez que o Espírito Santo usa a ambos de uma forma
salvadora.
Além disso, a Lei é boa nas sanções pelas quais é fortificada.
Ela é sustentada pelas promessas de Deus que não são apenas tem
porais, como no Quinto Mandamento, mas também espirituais,
como no Segundo Mandamento. Naturalmente ninguém irá ques
tionar que a justiça da Lei e do Evangelho diferem amplamente
entre si e que as suas delimitações são uma das tarefas mais difíceis
da teologia, mas isso não justifica a negação das bênçãos verdadei
ramente espirituais que estão sob a Lei. É um erro dizer que a Lei
possui apenas bênçãos materiais e promessas para este mundo pre
sente,3 uma vez que é evidente no Antigo Testamento que os cren
tes daqueles dias tinham, em essência, a mesma fé que o crente
cristão de hoje. Se, no entanto, Lei e Evangelho forem considera
dos de forma artificial de modo que todos os mandamentos, em
qualquer parte que sejam encontrados, sejam atribuídos à Lei, e
todas as promessas, tanto no Antigo como no Novo Testamento,
sejam atribuídas ao Evangelho, então a Lei não pode ter sanção
3 Este foi o erro dos maniqueístas e dos marcionitas.
por meio da promessa. Mas essa definição arbitrária não é vista na
Escritura, uma vez que a Lei é sempre um instrumento de graça e
suas demandas tem a sanção das promessas misericordiosas.4
Assim, a Lei é boa em suas funções. Essas funções incluem a
declaração do que é a vontade de Deus; o mandamento da obedi
ência à sua vontade; o convite por meio da promessa; a coerção
por meio da advertência; e a condenação daqueles que a transgri
dem. A Lei exerce essas funções contra o ímpio e algumas delas
não podem ser negadas até mesmo com respeito aos piedosos. No
interesse da negação das reivindicações da Lei na vida do crente,
algumas vezes é dito que a Lei deve sempre condenar e que esta é
uma condição sine qua non da Lei. Mas essa é uma afirmação
surpreendente pois como isso pode ser aplicado à Lei dada a Adão
no período da sua inocência? Os anjos também devem ter estado
sob uma Lei, doutra sorte nãò poderiam ter pecado; contudo não
era uma Lei condenatória.antes da queda. Se a condenação for tida
como potencial, então, é verdade, a Lei é sempre condenatória
mas, de fato, não é assim sempre. As funções da Lei são boas em si
mesmas e não devem, de qualquer modo, ser limitadas à condena
ção do pecador.
Finalmente, a Lei é boa em seu fim. É sua intenção conduzir a
Cristo (Rm 10.4), e encontrar seu cumprimento nele.
Esta pesquisa da bondade da lei conduz, por uma transição natu
ral de pensamento, a uma inquirição quanto aos propósitos da Lei.
Estes propósitos se relacionam tanto ao ímpio quanto ao crente.
4 Quando se fala da sanção da Lei pela promessa, a referência é quanto à
administração Mosaica evangélica e não como foi dada a Adão, com a pro
messa da vida eterna sob a condição da obediência perfeita. Expressões apos
tólicas como, “ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e sim
como dívida”, e “os que praticam a lei hão de ser justificados” devem ser
entendidas com relação à Lei dada a Adão, não ao Pacto Mosaico.
Quanto aos ímpios, a Lei tem dois propósitos: primeiro, conter
o pecado, e segundo, condenar o pecador. Quanto ao primeiro,
não é possível chegar a dizer que a Lei é capaz de mudar o coração
dos homens, todavia realiza um serviço valioso como um instru
mento exterior pelo qual eles são mantidos em um tipo de confor
midade visível ao que é certo. Por intermédio da sua instrução po
sitiva e advertência solene, ela detém os homens de muito mal fla
grante, e foi este uso da Lei que fez o apóstolo dizer que ela “foi
adicionada por causa das transgressões” (G13.19). O segundo pro
pósito da lei, quanto aos ímpios, é condená-los por sua transgres
são a ela. A maldição da Lei é o desprazer ferido de Deus, e isso
acompanha cada quebra da mesma.
O propósito da lei para o crente é quádruplo. Ela estimula a
resistência ao pecado, revela a corrupção interior, destrói a hipo
crisia e aumenta a estima a Cristo.
Embora seja verdade que “a lei não se promulga para quem é
justo (lTm 1.9), todavia, porque nenhum crente é perfeitamente
justo e porque não há quem não precise confessar a fraqueza do
seu amor por Deus e a debilidade do seu prazer pelas coisas santas,
toma-se um fato da experiência espiritual que a Lei de Deus, por
meio dos seus mandamentos, estimula o crente a uma resistência
ao mal e a uma busca zelosa pela santidade. Tanto o potro indomado
como o cavalo treinado precisam de freios e rédeas; do mesmo
modo, não só o ímpio mas também o piedoso, cujo coração foi
quebrado e humilhado, necessita de rédeas, a fim de que não rejeite
o Espírito de Deus. Qualquer um que se considere tão estabelecido
nas coisas espirituais a ponto de dizer que não precisa disso, é
ignorante sobre si mesmo. Ele fala assim, não porque não precise
da lei - sendo que ele é quem mais precisa - mas porque não está
ciente dessa necessidade.
Paulo escreve aos Romanos (7.7-25) sobre a corrupção contí
nua no coração do crente, e explica que em seu próprio caso, des
cobriu isso quando a luz da Lei brilhou nos lugares mais secretos
do seu coração. O coração pecaminoso, até mesmo do crente, é
tão cego que nunca pode chegar a conhecer a profundidade do
pecado original e de todos os desejos pecaminosos que fluem dele,
exceto por meio da Lei. Foi por essa razão que Paulo escreveu,
“Mas eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da
lei” (Rm 7.7), querendo dizer com isso que a Lei da Natureza esta
va tão obscurecida que não poderia mostrar ao homem nem a me
nor parte da corrupção do seu coração. A Lei é o espelho pelo qual
é permitido ao crente ver-se.
Os efeitos da revelação, ao crente, da pecaminosidade do seu
próprio coração são vistos em um senso profundo de vergonha e
humildade. Quando o crente percebe que o seu melhor feito não
alcança os requerimentos da Lei, que a terra não é mais distante do
céu do que ele mesmo da justiça, isso o faz abandonar toda a con
fiança no seu desempenho de boas obras religiosas. Paulo
exemplifica isso quando diz que aprova a Lei e se compraz nela,
mas que não pode alcançar a sua justiça e, assim, exclama, “Des-
venturado homem que sou!” (Rm 7.24). Quão aptos são, mesmo
os melhores dos homens, a serem orgulhosos e seguros, como Davi
e Pedro, mas uma lembrança das santas demandas da Lei irá fazer
com que o crente se mantenha humilde. É completamente errado,
então, dizer que a pregação da lei conduz os homens a confiarem
em si mesmos e a aderirem à sua própria justiça, uma vez que não
há um meio mais certo de levar os homens a verem a sua pobreza
espiritual e sua culpa do que mostrando a eles as demandas rigoro
sas e severas da Lei.
Na maravilhosa sabedoria de Deus, a Lei é um instrumento de
graça, e o Espírito Santo, por meio da Lei, reduz o crente a esta
profunda vergonha e humilhação tão somente para conduzi-lo a
valorizar ao máximo a pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo. É a
este lugar que Paulo é levado em grande agonia de luta com a
corrupção interior do seu coração, e chora triunfantemente, “Gra
ças a Deus por Jesus Cristo” (Rm 7.25). É verdade que algumas
vezes um senso avassalador do pecado parece destruir toda a espe
rança no coração condenado do crente, mas este é somente um
efeito temporário da Lei e não sua intenção final. A Lei constante
mente despe o crente da sua hipocrisia e, assim, aumenta a sua
estima pela justiça que é encontrada em Cristo (Fp 3.9).
Um verdadeiro entendimento do que é a Lei de Deus, junto com
uma apreciação da sua bondade intrínseca e de seu propósito divi
no, irá forçar o reconhecimento do valor da Lei.
O valor espiritual da Lei de Deus não pode ser negado. Pode-se
dizer que porque a Lei não é boa para a justificação, ela não é boa,
em nenhum sentido, para qualquer outra coisa? O ouro é inútil
porque o homem não pode comê-lo? O requerimento de fé do Evan
gelho pode servir como uma ilustração disso. Se a fé for conside
rada como uma “obra”, ela não justifica; mas porque a fé conside
rada dessa forma não justifica, o ato de crer deve ser rejeitado?
Certamente não! De forma similar não deve haver destituição do
valor contínuo da Lei de Deus, embora nenhum pecador possa es
perar justificação por meio dela.
A Lei tem valor como meio de graça, e destruir a Lei é destruir
a graça de Cristo. É absolutamente errado supor que exista qual
quer tipo de oposição entre eles.5 Quem estima mais a cidade de
refúgio do que o pecador perseguido pela culpa? Quem deseja a
serpente de bronze como aquele que foi picado pela serpente furi
osa? Se Cristo é o fim da lei, no sentido do seu cumprimento, como
ele pode ser considerado contrário a ela? Além disso, se a Lei de
Deus e a graça de Deus podem coexistir sob o Antigo Pacto, por
5 A justificação pela Lei e a justificação pela graça são certamente opostas, mas
esse é um assunto completamente diferente da oposição entre Lei e Graça.
que não sob o Novo? A oposição entre a Lei e a graça só surge
quando há abuso de uma ou de ambas. Não há dúvida de que se um
homem usa a Lei de uma maneira diferente da que Deus apontou,
ele não deve se surpreender se ela se tomar prejudicial a ele; mas se
ele usa a Lei de modo que Cristo se toma mais e mais sua confian
ça, e a graça se toma cada vez mais bem-vinda a ele, então ele faz
bem.
Sem medo de contradição, portanto, pode ser afirmado que a
perfeição sublime da Lei apresenta ao crente um desafio ao seu
pensamento, uma reivindicação sobre suas afeições e um direito à
sua obediência.
Capítulo 3
Como a Lei Deve Ser Usada
É possível usar a Lei de forma errada e Paulo chamou a atenção
sobre isso quando completou sua sentença sobre a bondade da Lei
adicionando, “se alguém dela se utiliza de modo legítimo” (lTm
1.8). A bondade da Lei é experimentada somente quando ela é
usada de modo adequado e quando é vista em relação ao fim para
o qual foi dada, uma vez que ela se torna tudo menos boa quando
usada de forma errada. Ela se toma um fardo muito pesado de
carregar e finalmente uma maldição, por exemplo, para o homem
que busca justificação no esforço em cumpri-la. Por causa das con
cepções erradas do propósito da Lei, algumas vezes pensa-se que
ela é um mal do qual o homem precisa libertar-se, ao passo que
Cristo redime o crente não da Lei mas da “maldição da Lei”. Cristo
liberta o pecador não das obrigações espirituais da Lei santa de
Deus, mas do mal que ele trouxe sobre si mesmo por tê-la usado de
de forma errada.
O abuso fundamental do homem quanto à Lei é colocá-la em
oposição a Cristo para a justificação e considerar o seu cumpri
mento como uma base alternativa de aceitação diante de Deus.
Este foi o erro básico daqueles judeus nos tempos do Novo Testa
mento que se ocupavam em “estabelecer a sua própria justiça” (Rm
lO.ls). A tentação que sobreveio aos gálatas foi fazer um tipo de
compromisso confiando não somente na obra salvadora de Cristo,
mas também nas suas próprias boas obras religiosas. Mas colocar
uma alternativa ao lado daquele que é declarado como sendo o
único caminho da salvação é colocá-lo em oposição. Não pode
haver dois caminhos para a justificação do mesmo modo que não
pode haver dois sóis no céu. A Lei e Cristo não são sócios na
justificação do pecador, nem devem ser igualmente unidos uma
vez que a Lei é subordinada a Cristo. Se nos lembrarmos que a Lei
é relacionada ao Evangelho como os meios se relacionam com o
fim, então a verdadeira função da Lei será não somente vista mas o
erro de colocar a Lei acima do seu uso adequado será evitado.
O homem natural não encontra nada mais fácil do que este abu
so da Lei; na verdade, é uma das evidências da corrupção do cora
ção do homem o fato de ele ter o hábito inveterado de alterar cada.
dom de Deus para propósitos errados. Consequentemente, há a
necessidade da renovação da mente do homem para capacitá-lo a
perceber que a Lei não pode, de forma alguma, fornecer um cami
nho de aceitação do homem perante Deus.
Sérias conseqüências advêm dessa forma de abuso da Lei, umas
das principais sendo a destruição da natureza da graça. A justifica
ção pela graça exclui completamente o mérito das boas obras: ex
clui não somente as obras da Lei, as quais o homem pode tentar
realizar em sua própria condição pecaminosa, mas também aquelas
que são realizadas pelo crente por meio da graça de Deus. Há uma
incompatibilidade total entre o princípio das obras e o princípio da
graça e Paulo não permite nenhuma modificação disso mesmo no
interesse das pretensas obras meritórias da graça. Além disso, o
fato de que as obras legalistas são opostas à graça é claro a partir
do uso da palavra graça na Escritura para o favor imerecido de
Deus. A falha em distinguir entre a graça de Deus que aceita o
pecador e os efeitos dessa graça na vida do pecador, conduz ao
erro de enfatizar a santidade interior como se esta possuísse algu
ma virtude salvadora. Ao mesmo tempo, no domínio da experiên
cia espiritual, uma confusão desse tipo ocasiona muita angústia ao
crente contrito que sabe não ser tão santo como desejaria.
Uma segunda conseqüência desse uso errado da Lei é que ele
nega a suficiência da obra de Cristo. Foi dessa forma que aqueles
que perturbaram os gálatas anularam a Cristo e o abandonaram (G1
5.4). Algumas vezes é feito um esforço para enfraquecer o argu
mento de Paulo contra as obras de Lei afirmando-se que ele estava
falando apenas da Lei cerimonial; mas esse raciocínio não resiste a
um exame. É verdade que as primeiras discussões do Conselho de
Jerusalém (At 15.1-41) foram sobre a necessidade das cerimônias
judaicas tais como a circuncisão; mas nas cartas aos Gálatas (3.6-
9) e aos Romanos (4.1-8), Paulo vai além desses ritos cerimoniais
a todas as obras e prossegue excluindo da justificação até mesmo
as obras de Abraão e Davi. Cristo não seria Cristo se as obras
fossem a base da justiça; porque a justiça “que é mediante a fé em
Cristo” é colocada por Paulo contra a sua “própria justiça” (Fp
3.9) e é chamada de “justiça de Deus” (Rm 10.3). Se as boas obras
justificam o homem, qual é a necessidade de um salvador? A sufi
ciência de Cristo para a salvação é diretamente repudiada por qual
quer confiança na Lei para a justificação.
Segue-se do precedente que qualquer apelo ao mérito do cum
primento da Lei destrói a doutrina verdadeira da justificação. Este
não é o lugar para expor esta doutrina em detalhes, mas deve ser
lembrado que a Escritura fala de justificação não como uma infu
são no homem do que é perfeito, mas como uma aceitação do
homem - embora pecador em si mesmo - por causa da justiça de
Cristo. A linguagem de Davi expressa isso com perfeição e é ado
tada por Paulo: “Bem-aventurado o homem a quem o SENHOR
não atribui iniqüidade” (SI 32.2; Rm 4.7,8). Há alguma diferença
de opinião entre os teólogos sobre a imputação da justiça ativa
de Cristo ao crente, e isso não precisa sustar a discussão agora;
mas não há dúvida de que, na Escritura, a justificação, negativa
mente expressa, é o ato de Deus pelo qual ele não computa os
pecados do homem contra ele. É também perfeitamente claro, a
partir da Escritura, que a justificação não é a aceitação da santi
dade do pecador, mas a declaração por Deus ao pecador de que
seus pecados foram postos de lado. Certamente o homem não é
justificado por uma justiça própria inerente uma vez que isso le
varia a uma extremo perfeccionismo ou a um estado de coisas
nas quais um homem nunca saberia ser justificado até estar mor
to. A justificação se confunde com santificação quando se diz
que é baseada na justiça inerente; e, além disso, é completamente
errado dizer que porque o pecado é coberto pelo ato justificador
de Deus, logo não há pecado a ser achado no crente. Argumentos
como esses são completamente destruídos por Paulo (Rm 7.7-
25). O revestir do pecado na justificação se refere à sua culpa,
mas a santificação tem que ver com a quebra do seu poder domi
nante. Além disso, a justificação pelas obras ou por uma justiça
inerente de qualquer tipo deve considerar o homem justificado
como piedoso no momento do ato divino da graça ao passo que a
Escritura fala dele como ímpio (Rm 4.5).
Também é evidente que a confiança nas obras da Lei destrói o
lugar da fé na justificação. Quando a suficiência de Cristo é des
prezada e a graça nulificada, então a fé justificadora também deve
ser anulada. Há três causas essenciais de justificação que operam
juntas: a graça de Deus como eficiente, o sangue e justiça de Cristo
como meritórios, e a fé como instrumento; e embora seja errado
colocar a fé do pecador no mesmo nível do mérito do Salvador,
ambos são igualmente necessários para efetuar a justificação do
pecador. A afirmação de que a fé é causa instrumental da justifica
ção pode ser considerada verdadeira, uma vez que seria um lapso
na doutrina da justificação pelas obras considerar a fé como a cau
sa efetiva e muito mais considerá-la como a causa meritória. O
valor da fé como um instrumento de justificação é estabelecido
pelo fato de que uma preposição instrumental é usada com ela em
frases como “mediante a fé” (Rm 3.25) e “Justificados, pois, medi
ante a fé” (Rm 5.1), e requer seja observado de passagem que nun
ca é dito por causa da fé, como se houvesse dignidade ou mérito
nela; mas sempre mediante a fé.
O uso da Lei para a justificação tem também más conseqüências
de um tipo prático, uma vez que a crença na justificação pelas
obras cria uma ufania pecaminosa no homem. O homem pode ex
cluir Cristo de sua alma não somente pelo que é reconhecido
comumente como pecado mas também pela autoconfiança. “Vós
sois os que vos justificais a vós mesmos” foi a acusação que Cristo
levantou contra os fariseus (Lc 16.15). É impossível não ver o quan
to Paulo temia ser encontrado em sua própria justiça, e foi isso que
fez Lutero dizer, “Cuidado, não somente com os teus pecados,
mas também com as tuas boas obras”. Paulo deixa claro que a paz
com Deus vem somente por meio da justificação mediante a fé, e
nenhuma quantidade de paciência, ou arrependimento, ou sofri
mento, ou boas obras podem obtê-la. Aquilo que condena o ho
mem não pode salvá-lo, nem aquilo que o perturba pode trazer-lhe
conforto. Destruir a fé é destruir a esperança e esperança é a base
forte de um cristão. Se a esperança for colocada em Cristo e nas
promessas, ela é tão firme quanto a fé, e por esta razão Paulo es
creve, “a esperança não confunde” (Rm 5.5); mas se a esperança
do homem for em si mesmo, quão freqüentemente ele estará
desencorajado!
Finalmente, e mais sério, este abuso autoconfiante da Lei tira a
glória devida a Deus. Foi a fé de Abraão que deu glória a Deus. O
homem não renovado não pode ver qualquer relação entre crer em
Deus e glorificar a Deus; mas a verdade é que toda a atividade
religiosa do homem reunida não pode dar mais glória a Deus do
que quando ele verdadeiramente deposita sua confiança Nele.
Há uma perfeita harmonia entre a graça salvadora de Deus e as
boas obras do crente, mas a exposição desta harmonia constitui
um dos problemas da teologia cristã. Não é fácil insistir na graça
de Deus sem dar algum tipo de fundamento à acusação de que a
doutrina é licenciosa ou antinomiana; também não é fácil afirmar a
necessidade das boas obras sem provocar o clamor de que a graça
de Deus está sendo destruída.
A primeira destas dificuldades pode ser ilustrada historicamente
por um estudo dos Cânones de Trento, que revelam um mal enten
dimento completo da doutrina da justificação mediante a fé, e que
acusam as doutrinas da graça como sendo antinomianas. Seguem-
se alguns anátemas.
Cânon 19. Se algum homem disser que os dez manda
mentos não pertencem deforma alguma aos cristãos, seja
amaldiçoado.
Cânon 20. Se algum homem sustentar que uma pessoa
justificada não está obrigada à observância dos Manda
mentos, mas somente a crer, seja amaldiçoado.
Cânon 21. Se algum homem sustentar que Jesus Cristo é
dado aos homens como um Redentor em quem devem confi
ar, mas não como um doador da Lei a quem devem obede
cer, seja amaldiçoado.
O segundo problema também pode ser historicamente ilustrado
e, neste caso, é encontrado nas visões de um dos primeiros grupos
antinomianos na Europa, chamado flacianos, que chegaram ao ponto
de repudiar as boas obras. Consequentemente, ao invés de manter
a posição escriturística de que as boas obras eram necessárias à
salvação,1 eles sustentavam que as boas obras eram perniciosas à
1 Em um sentido a ser adequadamente definido.
salvação. A má interpretação centrava-se na necessidade aqui de
clarada e foi isso que os flacianos criticaram severamente. Melancton
e outros, no entanto, não tiveram dificuldade com esta declaração
e entenderam-na como sendo uma necessidade não de mérito mas
de presença, Eles sustentavam que ninguém, em cuja vida não hou
vesse a evidência de boas obras, estaria em um estado de salvação.
Seria mais seguro dizer que se toda a controvérsia que se seguiu
foi inspirada só pelo desejo de deter os homens de colocarem sua
confiança em suas boas obras, teria havido pouca causa para ansi
edade mas, infelizmente, as declarações antinomianas atingiam
muito mais do que uma súplica excessivamente zelosa pela doutri
na da graça. Havia muito mais nas conclusões do que linguagem
imprudente e as conclusões que os antinomianos tiraram da sua
interpretação peculiar da doutrina da justificação pela fé foram in
juriosas ao extremo.
Vários princípios vitais do Evangelho estavam em jogo nessa
controvérsia, um dos mais importantes tinha a ver com o lugar da
obediência e das boas obras na vida do crente. Os antinomianos
negavam que as boas obras tinham tal lugar e usaram abundante
mente declarações paulinas como “o homem é justificado pela fé,
independentemente das obras da lei” (Rm 3.28). Eles sustentavam
que, por meio dessa declaração, Paulo não somente excluía as
obras de terem qualquer poder para justificar o pecador, mas que
ele as repudiava completamente. Essa negação dos antinomianos
era, por sua vez, ocasionalmente deturpada pelos puritanos orto
doxos que os acusavam de quererem dizer que havia um perdão
geral para os homens mesmo quando estes se propunham a conti
nuar em seus pecados. Mas esta acusação era um tanto injusta,
uma vez que um exame cuidadoso dos escritos dos autores
antinomianos revela que a sua principal preocupação era exaltar a
graça de Deus e não admitir lugar para o suposto mérito das boas
obras. Na sua correta exaltação da graça livre, eles suspeitavam de
qualquer insistência no arrependimento e na fé como pré-requisi-
tos para a justificação, e essas eram as boas obras que eles exclu
íam do ato de Deus de justificar o pecador.
Uma segunda negação antinomiana era de que qualquer ganho
ou perda pudesse sobrevir ao crente por meio das boas obras. A
doutrina antinomiana declarava que “embora houvesse pecados
cometidos, todavia não havia paz quebrada, porque a violação da
paz é quitada em Cristo; há uma reparação do dano antes que o
próprio dano seja cometido”; e novamente, “se um homem espe
ra ganhar algo por meio de seus favores, ele nada terá a não ser
repreensão”. Todos concordam, e isso não precisa ser discutido,
que se um homem espera merecer o céu ou assegurar perdão por
qualquer arrependimento ou pela sua própria virtude, isso irá
mostrar que ele é totalmente inconsciente da imperfeição de to
das as virtudes humanas e ignorante quanto à grandeza da mise
ricórdia Divina.
A raiz do problema está na possibilidade de se pensar sobre o
significado das boas obras de uma forma dupla, e os oponentes
nesta controvérsia parecem ter usado os mesmos termos em dois
sentidos. O antinomiano estava certo quando negou diligentemen
te que havia qualquer valor nas boas obras como uma causa contri
buinte da aceitação do pecador diante de Deus, e o puritano orto
doxo concordou com isso sem reservas. Ao mesmo tempo, o orto
doxo afirmou que nenhuma pessoa justificada poderia ser indife
rente às boas obras e que, embora essas boas obras não pudessem
ter lugar como a causa da justificação do pecador, eram esperadas
como resultado dela. Eles sustentavam que embora as boas obras
não dispusessem de mérito, elas davam evidência certa de que o
pecador se encontrava diante de Deus. O valor dessa evidência e o
que ela representa para quem essa evidência é submetida, constitu
em questões adicionais, mas a insistência do ortodoxo na necessi
dade das boas obras ao crente justificado foi importante por sua
própria razão. Seus protestos eram contra o que hoje poderia ser
chamado de um “creísmo” fácil. Os argumentos apresentados fo
ram encontrados primeiramente nas ameaças severas e agudas que
a Escritura expressa mesmo aos piedosos quando eles negligenci
am o arrependimento ou quando prosseguem no pecado, por exem
plo, “Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a mor
te” (Rm 8.13). Se a Escritura ameaça dessa forma os homens que
vivem no pecado, certamente é também verdade que se eles não
pecarem, podem encontrar conforto; em outras palavras, eles po
dem perceber alguma evidência da obra da graça em seus cora
ções. Isso é o que se queria dizer ao afirmar que as obras santas do
crente continham nelas uma promessa de perdão e vida eterna; não
por causa de seu próprio valor, mas por causa daquilo que sua
presença testemunhava. Por essa razão, eles sustentavam que o
piedoso podia se regozijar quando as encontrava em si mesmo.
Os antinomianos se opuseram a isso com uma terceira negação,
a saber, que as boas obras fossem sinais e testemunhos da graça.
Seu argumento era de que a única evidência que o crente poderia
ter era dupla: a revelação do Espírito Santo e o receber a Cristo
pela fé. Qualquer outra evidência de segurança buscada, diziam,
era corrompida pela possibilidade de auto-ilusão e do fato da obra
da santificação no crente ser incompleta. Mas as duas evidências
apresentadas pelos antinomianos não estavam livres do perigo da
subjetividade e, algumas vezes, a primeira delas foi tão simboliza
da que atingiu “revelações” completamente independentes da pa
lavra escrita. Quanto à evidência ser derivada do receber a Cristo
pela fé, um homem poderia também facilmente se iludir sobre isso
tão sinceramente quanto com relação às suas boas obras.
A base para a negação do valor evidenciai das boas obras foi
buscada em várias passagens da Escritura tais como a epístola aos
Romanos, por exemplo, onde é dito que Deus justifica os ímpios
(Rm 4.5). A resposta à inferência antinomiana desta sentença foi
que o homem que é justificado está sendo considerado no estado
em que Deus o encontra, não no estado ao qual ele o conduz. O
homem que em si mesmo é ímpio, é justificado baseado no mérito
de Cristo e, então, é também feito piedoso; apesar de essa piedade
não o justificar. O adjetivo “impiedoso” se relaciona ao crente como
ele é na sua própria natureza corrupta, mas nada indica com rela
ção à obra da graça de Deus: ele meramente realça a verdade de
que o objeto da santificação é o pecador. Quase a mesma resposta
foi dada ao argumento baseado nas palavras, “nós, quando inimi
gos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Fi
lho” (Rm 5.10), porque é claro que quando um pecador crê, ele
não mais permanece em inimizade com Deus. Novamente, é dito
em outra parte que o Salvador recebe “homens por dádivas, até
mesmo rebeldes” (SI 68.18); mas aqui, também, é óbvio que o pro
pósito das palavras é mostrar que até mesmo os homens mais re
beldes podem ser convertidos.
Que a Lei de Deus seja usada “legitimamente”, e não somente
que Deus seja glorificado em todos os seus caminhos, mas que o
filho de Deus também possa encontrar conforto e força.2
3 Mesmo entre os cristãos há uma grande diferença entre boas ações pratica
das em obediência à ordem de Deus e aquelas praticadas por razões naturais.
esta razão que Paulo expressamente chama o pecado de Adão de
“desobediência” (Rm 5.19), não no sentido geral no qual cada pe
cado é desobediência, mas no específico porque, usado no sentido
estrito, o seu foi, incomparavelmente, o pecado da desobediência.
Por aquele ato, Adão deliberadamente rejeitou o domínio que Deus
tinha sobre ele; e embora houvesse orgulho e incredulidade nesse
pecado, “desobediência” é o que ele propriamente foi.
A Lei positiva dada por Deus nessa época deve ser entendida
como tendo sido universal, isto é, ao ser dada a Adão, foi dada a
toda a raça nele. Esta é a razão pela qual Paulo diz que todos os
homens pecaram no primeiro homem. A aplicação dessa Lei posi
tiva aos descendentes de Adão encontra prova adicional primeira
mente na ameaça, “porque, no dia em que dela comeres, certamen
te morrerás” (Gn 2.17), e, então, no evento subsequente em que
toda a posteridade de Adão, de fato, morreu. Naturalmente, as
mesmas razões que provam a adequabilidade de uma Lei positiva
em adição à Lei natural para Adão, a mantém, igualmente, para a
raça descendente dele.
Tão claramente como a Lei de Deus gravada no coração forne
ce a base da congruência entre a revelação e a razão verdadeira,
assim também a Lei positiva serve para estabelecer a base do direi
to de Deus para comandar e a obrigação de todos os homens de
obedecer.
Capítulo 7
Capacidade Humana
É muito fácil chegar a extremos ao avaliar a capacidade moral
no homem caído: algumas vezes pensa-se que é maior do que real
mente é e, em outras, é negado que haja qualquer vestígio rema
nescente. Não pode haver dúvida de que o homem possui o poder
do livre-arbítrio, embora isso deva ser entendido em relação à fun
ção natural e não à capacidade moral. Constituído como o homem
é, dotado de personalidade, ele tem livre-arbítrio, mas sendo este
um poder derivado e sustentado por Deus, é, em todo o tempo,
dependente da ajuda de Deus. Até onde se relaciona com as coisas
espiritualmente boas, o livre-arbítrio do homem não tem desejo
por elas e, assim, não pode querê-las. Consequentemente, embora
possua uma liberdade que pode ser chamada de psicológica para
propósitos de distinção, o homem é moralmente uma pessoa limi
tada: ele é um escravo do pecado.
Não é contradição ao que foi dito afirmar que, a despeito de
toda a corrupção que se encontra no coração do homem, ele ainda
pode realizar a forma exterior do que foi comandado por Deus e
nominalmente se abster do que é proibido. Porque o homem tem a
capacidade de obedecer à Lei na sua forma exterior, ele é, desse
modo, indesculpável quando falha em assim agir. O homem é ca
paz, pelo poder da natureza, de refrear-se de muitos atos de peca
dos torpes e, na verdade, o fato de Deus não ter abandonado com
pletamente o homem deve ser considerado como uma das suas
misericórdias com respeito à raça humana.
Tendo reconhecido isso sobre o poder natural do homem, isto
é, sua capacidade de realizar atos exteriores de obediência, agora
precisa ser dito que tudo o que faz é pecado diante de Deus. Quais
quer que sejam os atos do homem não- regenerado, embora apa
rentemente gloriosos, são apenas pecados gloriosos, e a
pecaminosidade dessas coisas surge de várias razões óbvias. Tais
obras não são originárias da fé, ou de alguém reconciliado com
Deus; e a pessoa deve primeiramente ser aceita antes da ação. “Sem
fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11.6). Tais obras não têm a
sua origem numa natureza regenerada; e, consequentemente, se a
árvore não é boa, o fruto não pode ser bom. Tais obras nao podem
ser aceitáveis a Deus, porque não foram realizadas por causa do
objetivo correto. O homem não regenerado não é capaz de fazer
qualquer coisa para a glória de Deus, uma vez que mesmo as suas
boas obras são apenas a substituição de um mal por outro. Mesmo
que o seu alvo seja algum bom objetivo particular, tal como ajudar
o pobre, isso não é suficiente, uma vez que o objetivo final e prin
cipal a ser sempre procurado em tudo o que se faz é a glória de
Deus.
O fato de o ser humano ser incapaz de fazer qualquer obra mo
ralmente boa levanta um grupo de problemas, e o primeiro desses
é se a negação do poder do homem em fazer qualquer coisa para a
sua salvação não o transforma meramente numa pedra ou, no má
ximo, em alguma forma de criatura irracional. A resposta, natural
mente, é que essa negação da capacidade humana não faz nada
disso. O grande e diferenciado fato sobre o homem é que nele há
uma potencialidade passiva para a conversão, embora não haja poder
ativo para se virar para Deus. Diferentemente das formas da natu
reza e das criaturas irracionais, o homem é um ser criado de tal
forma que não tem, uma mera propensão, nem mesmo uma incli
nação espontânea para fazer quaisquer ações propriamente suas,
mas uma inclinação que pertence à função da vontade. Esta, por
sua vez, é acompanhada pela razão e pelo julgamento. Porque o
homem é assim constituído, a obra divina da conversão, embora
seja uma obra do novo poder criador, é efetuada por meio de argu
mentos ou súplicas à mente. Admite-se que o homem tenha perdi
do a integridade da mente e da vontade, mas não as próprias facul
dades; por essa razão, embora ele esteja espiritualmente morto para
as coisas de Deus, é vivo na sua vontade e é um ser capaz de ser
influenciado por argumentos. Consequentemente, pode-se admitir
a objeção de que se um homem não tivesse esta função do livre-
arbítrio, não poderia haver conversão ou obediência; porque a obra
do Espírito de Deus não é destruir a natureza do homem mas
aperfeiçoá-la.
O segundo problema levantado pela incapacidade humana é a
aparente contradição de forçar uma tarefa sobre o homem e, ao
mesmo tempo, reconhecer o dom da graça de Deus para fazê-la.
Em resposta, deve ser dito que se esse é o dilema do teólogo, ele é
primeiramente o dilema das Escrituras. Isso aparece, por exemplo,
no sermão de Cristo feito na sinagoga de Cafamaum, onde ele diz,
“Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para
a vida eterna” (Jo 6.27) e, ao mesmo tempo, declara, “Ninguém
pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer” (Jo 6.44).
A mesma aparente contradição ocorre nos escritos de Paulo que
diz, “desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque
Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segun
do a sua boa vontade” (Fp 2.12,13). A razão que o apóstolo dá na
segunda parte poderia, de acordo com a objeção agora sendo res
pondida, destruir completamente a exortação na primeira. Mas
considerar contraditório forçar uma tarefa e, ao mesmo tempo,
reconhecer que Deus capacita o homem para efetuá-la, é criar uma
discórdia perpétua entre ordenanças e promessas; uma vez que as
mesmas coisas que Deus manda o crente fazer, ele também prome
te fazer por ele. Agostinho responde a esse problema com a excla
mação, “Ó homem, nos preceitos de Deus reconhece o que tu tens
a obrigação de fazer; em suas promessas reconhece que tu não
podes fazê-las”.
Um terceiro problema levantado pela incapacidade humana, e
que é usado como um argumento contra ela, é que Deus comandar
o homem é o mesmo que escarnecer dele. Seria como se fosse
ordenado a um homem cego ver, ou como se fosse dito a um ho
mem que se ele tocasse o céu com o seu dedo, receberia uma re
compensa; e fatores circunstanciais e físicos como esses, afirma-
se, destruiriam completamente a natureza de um mandamento. Em
resposta a essas objeções, deve ser observado que há três modos
nos quais pode-se dizer que algo é impossível, (a) Há a simples
impossibilidade. Todas as coisas que envolvem uma contradição
são logicamente impossíveis; e esta impossibilidade surge da natu
reza desse algo. Tais coisas são impossíveis mesmo para o poder
de Deus, porém não expressam qualquer defeito nele. (b) Há a
impossibilidade natural. Algo pode ser impossível de acordo com
sua natureza, tal como um homem tocar o céu ou trabalhar além
das causas naturais, (c) Há a impossibilidade moral. Coisas que
não têm impossibilidade simples ou natural vinculada a elas, algu
mas vezes tomam-se moralmente impossíveis pelo erro do homem.
Não é escárnio para um homem fazer algo que, pelo seu próprio
erro, se fez incapaz de realizar. Se um credor requer seu débito de
uma pessoa falida que gastou dispendiosamente tudo e se fez inca
paz de pagar, quão irracional será esse requerim ento?
Consequentemente, é completamente irrelevante introduzir ao ar
gumento impossibilidades como pedir ao homem para tocar os céus
ou mandar o homem cego ver; uma vez que a impossibilidade sob
discussão é a moral, e a impossibilidade de cumprir o mandamento
é algo que o homem atraiu para si mesmo.
Um problema adicional neste contexto vincula a repreensão de
Deus ao homem por causa dos seus pecados. Algumas vezes se
pergunta, Como Deus pode reprovar os homens por causa de suas
transgressões se eles não podem agir de forma contrária? Mas a
resposta a isso vem da mesma direção da última questão, uma vez
que ainda permanece que qualquer que seja o pecado cometido
por um homem, é propriamente sua culpa e verdadeiramente seu
pecado. Qualquer que seja esse algo no qual o homem peca, ele
assim age voluntariamente e com grande prazer; e quanto mais ele
se deleita em seu pecado, mais liberdade ele tem em assim agir.
Nenhum homem é forçado ao pecado: ele age assim com toda a
sua inclinação e desejo.
Ao lidar com um quinto problema, pode-se dizer que é irrelevante
perguntar qual o propósito existente na exortação e advertência.
Porque embora Deus trabalhe cada boa obra no crente, ele não faz
isso nele como se este fosse uma pedra; mas ele lida com o homem
de forma adequada à sua natureza, isto é, por meio de argumentos
e razões. Se isso for contestado com a alegação de que isso é o
mesmo que segurar uma vela para um homem cego, a resposta
adicional é que essas exortações e a leitura ou pregação da Palavra
de Deus são os instrumentos usados por Deus para trabalhar essas
coisas. A pregação, por essa razão, não deve ser considerada como
mera exortação, mas como um meio santificado, ou instrumento,
pelo qual Deus trabalha no homem as suas exortações. A pregação
é o meio prático e operante pelo qual Deus realiza a sua vontade
naqueles que crêem, mesmo quando disse: “Haja luz; e houve luz”;
ou quando Cristo disse, “Lázaro, vem para fora! Saiu aquele que
estivera morto” (Gn 1.3; Jo 11.43,44). A graça operante de Deus
no crente não substitui a necessidade da exortação.1
1Isso deveria impedir o homem de planejar até mesmo o mais claro ministério
ou pregação porque um sermão não influencia o coração do homem por causa
da sua elegância, mas simplesmente porque é um instrumento de Deus desig
nado para tal fim.
Na solução de um problema adicional, pode ser dito que o reco
nhecimento da necessidade pela obra da graça na alma não nega
que os atos espirituais resultantes também são verdadeira e peculi
armente do próprio crente. A razão e a liberdade qualificam o pe
cador para ser passivamente apto para a graça: mas quando capa
citado pela graça, ele também é feito ativo. Não há, na verdade,
uma negação de que crer e se voltar para Deus são atos do próprio
pecador, uma vez que é impossível crer sem a mente e a vontade:
mas isso não faz com que o homem seja uma causa conjunta com
Deus na sua própria salvação. É incorreto falar do pecador como
se ele fizesse qualquer coisa para obter sua salvação mas, ao mes
mo tempo, ele é ativo ao receber a salvação. Arrependimento, con
versão e fé são verdadeiramente atos do crente.
Finalmente, deve ser dito que a soberania de Deus em sua graça
não suporta uma atitude fatalista. Algumas vezes têm sido errone
amente admitido que porque a salvação é toda de graça e é sobera
namente conferida por Deus, não há nada que o pecador possa
fazer. Em resposta a esse ponto de vista fatalista, é necessário lem
brar que há dois tipos de ação que, por falta de palavra melhor,
podem ser chamadas de santas: há aquelas que são íntima e essen
cialmente assim, e aquelas que pertencem ao domínio das ações
exteriores. Nenhum homem pode realizar as primeiras sem Deus,
mas estas ações exteriores, tais como ouvir e ler a Palavra de Deus,
estão dentro dos poderes naturais do homem. Deus converte o
pecador pelo uso desses meios. Ele não influencia o coração como
um artesão usa um instrumento; mas ele comanda ao homem que
leia e escute, e este é o meio pelo qual Deus mudará seu coração.
Não é desculpa dizer que mesmo essa leitura e oração são pecami
nosas não devendo, por essa razão, ser cultivadas, uma vez que o
homem, embora pecador, tem o dever de orar a Deus e buscá-lo.
Será visto, então, que nenhum grau de incapacidade humana
para cumpri-la pode anular a Lei de Deus ou, de alguma forma,
reduzir a autoridade de suas asserções.
Capítulo 8
A controvérsia sobre a relação da Lei moral com os crentes é
centrada na lei dada por Deus por meio do ministério de Moisés ao
povo de Israel. Que relação os crentes têm com essa Lei de Moisés?
Para responder a essa questão, primeiramente é necessário deter
minar em que sentido a palavra “lei” está sendo usada na expressão
“a Lei de Moisés”. Algumas vezes ela é usada num sentido amplo
e em outras num sentido mais limitado. Pode ser tomada para toda
a dispensação e promulgação dos mandamentos, moral, judicial e
cerimonial; ou pode ser usada mais estritamente para a parte que é
chamada de Lei moral, junto com o prefácio e as promessas adici
onadas a ela; ou pode ser entendida mais estritamente ainda pelo
que consiste em meros mandamentos, sem qualquer promessa. A
maioria das visões sustentadas sobre a diferença entre a Lei e o
Evangelho, assume a palavra Lei neste último e mais estrito senti
do. Mas é claro que se todos os mandamentos e ameaças dispersos
por toda a Escritura forem admitidos como sendo propriamente a
Lei, e se todas as promessas graciosas, onde quer que sejam en
contradas, forem admitidas como sendo o Evangelho, não será
surpresa se muitas coisas severas forem ditas a respeito da Lei.
Tem sido comum dividir o corpo das leis Mosaicas em moral,
cerimonial e judicial e, embora se levantem questões quanto a essa
divisão, elas não têm conseqüência particular e o agrupamento pode
ser seguramente aceito. A porção da Lei de Deus na qual estudo
presente está interessado é a Lei moral.
No entanto, nem todas as questões são respondidas pela elimi
nação desses outros aspectos da Lei de Moisés, uma vez que a
palavra “moral” tem sido, ela mesma, usada em vários sentidos.
Esses diferentes significados têm, por sua vez, provocado vários
problemas adicionais, não somente na exposição da Lei, mas tam
bém em outros aspectos da doutrina cristã. A questão que deman
da uma resposta, consequentemente, é o que faz com que a lei seja
moral. Embora não haja coisa alguma na conotação do termo que
implique uma obrigação permanente, esse é o significado que per
tence à idéia da Lei moral; e é essa permanência da obrigação que
faz a distinção entre o que é moral e as obrigações que estão nas
outras categorias.
É amplamente admitido que a Lei da Natureza e a Lei moral são
idênticas; mas isso é um erro, uma vez que há pelo menos duas
diferenças importantes entre elas. Primeiramente, a Lei moral dada
por Deus causa uma nova obrigação a partir do fato de que é for
malmente comandada. Assim, embora a substância da Lei da Natu
reza e da Lei moral concordem em muitas coisas, o homem que
quebra os Dez Mandamentos em sua forma promulgada é culpado
por pecar de forma mais hedionda do que o homem que nunca os
recebeu. Em segundo lugar, embora a Lei moral requeira muitas
coisas que também estão contidas na Lei da Natureza, tem também
muito mais nela do que jamais poderia haver naquela Lei primitiva.
Um exemplo disso pode ser encontrado na confissão de Paulo de
que ele não saberia que a cobiça era um pecado se a Lei não lhe
dissesse isso, embora ele tivesse a Lei da Natureza para convencê-
lo do pecado.
A Lei moral foi dada ao povo de Israel quando este estava no
deserto no Monte Sinai, e talvez haja duas razões para que Deus
tenha dado essa Lei naquele tempo, nem antes nem depois. A pri
meira razão era que o povo de Israel havia caído em idolatria e,
assim, a Lei foi dada a fim de restringir sua idolatria e reprimir sua
rebelião. Este parece ser o significado da declaração de que a lei
“foi adicionada por causa das transgressões” (G13.19). A outra, e
talvez a mais importante, razão pela qual Deus deu a Lei naquela
época, e não em outra, era que os israelitas estavam se tomando
uma nação. Eles estavam prestes a entrar em Canaã e a estabelecer
uma vida, assim Deus fez leis para eles; porque era seu rei de um
modo especial e de tal forma que todas as suas leis, mesmo as
políticas, eram divinas.
É um erro pensar na Lei moral como algo novo, uma vez que é
tão primitiva quando a Lei natural. A Lei moral existia muito antes
da sua administração por Moisés. Assassinato era pecado desde o
princípio, como aparece pelas palavras de Deus a Caim; na verda
de, assim também era com o próprio ódio que precede o assassina
to. Os homens, consequentemente, nunca estiveram sem a Lei, nem
nunca estarão, e há um senso no qual pode ser verdadeiramente
dito que o Decálogo pertence a Adão, a Noé, a Abraão, a Cristo,
aos Apóstolos, assim como a Moisés. Como foi observado acima,
existiu, naturalmente, uma razão histórica pela qual no tempo de
Moisés deveria haver uma promulgação especial e solene repeti
ção dela, mas mesmo assim a Lei foi perpetuamente ouvida entre
os homens desde o princípio. Esta consideração contribuirá
grandemente para uma avaliação correta do valor da Lei, sendo ela
o instrumento constante de Deus para a definição do dever do ho
mem, para a convicção do pecado e para exortação à santidade.
Rejeitar o uso da Lei, assim, é rejeitar a direção universal de Deus
tanto no Antigo quanto no Novo Testamentos.
A dádiva da Lei a Israel foi um ato da infinita misericórdia e
graça de Deus. No discurso de Moisés ao povo (Dt 7 e 9), Deus
imprime nos israelitas a grandeza do seu amor ao dar-lhes os seus
mandamentos. Ele enfatiza mais de uma vez que não foi por causa
deles, ou por qualquer mérito deles, mas puramente porque ele os
amava. O salmista percebe essa bondade de Deus ao dar a Lei
dizendo, “Não fez assim a nenhuma outra nação” (SI 147.20), e
Oséias, da mesma forma, enfatiza essa misericórdia nas palavras,
“embora eu lhe escreva a minha lei em dez mil preceitos...” (Os
8.12). Todos os benefícios que os salmistas e profetas consideram
como advindos da Lei de Deus devem, assim, ser remontados à
graça e misericórdia de Deus ao dar a Lei, e quando a Lei de Deus
é depreciada de qualquer forma, isso evidencia uma profunda con
cepção errônea dos seus caminhos.
Não há discussão quanto ao fato de que, no Evangelho, Deus
concedeu expressões maiores do seu amor ao homem, mas isso
não significa qualquer depreciação da graça contida na Lei. A Lei
pertence aos crentes no presente para os mesmos objetivos evan
gélicos de quando foi originalmente dada aos israelitas. Nem um
mandamento pode ser lido em seu significado espiritual - que é o
seu verdadeiro significado - sem que se descubra alguma causa
para louvar a Deus. Por essa razão, não é suficiente que o crente
não despreze ou negligencie a Lei: ele antes deve agradecer a Deus
por sua Lei ser lida e exposta. Que o homem piedoso possa se
deleitar em ter essa pureza comandada que irá fazê-lo detestar a si
mesmo, prezar mais a Cristo e à graça, o que será um estímulo vivo
a toda santidade. Além disso, é um falso pensamento até mesmo
contemplar uma diversidade entre a Lei e o Evangelho, porque
quando colocados juntos, dão gosto e sabor um ao outro.
Uma consideração sobre os acompanhamentos da promulgação
da Lei moral servirá para exibir a sua dignidade excelente. Esses
acompanhamentos revelam que Deus colocou grande glória nela; e
embora o Novo Testamento mostre que a ministração da graça
pelo Evangelho deva ser mais altamente estimada do que a
ministração Mosaica dela, porém de forma absoluta e em si mes
ma, a Lei foi grandemente honrada por Deus. Seria correto con
cluir que Deus deu a Lei dessa forma impressionante e solene a fim
de que a sua autoridade e majestade pudessem ser mais pronta
mente reconhecidas. Essa dignidade pertence peculiarmente à Lei
moral, em distinção da judicial e cerimonial; porque embora as Leis
judicial e cerimonial tenham sido dadas na mesma época que a moral,
há, todavia, uma grande diferença entre elas. Naturalmente reco-
nhece-se que esses três tipos de leis concordam em muitos particu
lares. Elas concordam na causa eficiente comum, que é Deus; no
ministério do mediador, que era Moisés; no destinatário, que era o
povo de Israel; também concordam nos efeitos comuns, que eram
constranger o povo à obediência e punir aqueles que as transgredi
am. Mas a Lei moral é preeminente e isso é visto primeiramente no
fato de que ela é a base para as outras Leis, e elas são redutíveis
nela; em segundo lugar, no fato de que ela deve sempre subsistir,
enquanto as outras não; e em terceiro lugar, no fato de que a Lei
moral é distinta das outras por ter sido escrita por Deus e ordenada
a ser mantida na arca.
Algumas vezes se faz exceção à relevância de qualquer discus
são sobre a Lei dada por meio de Moisés, e se pergunta: o cristão
é judeu? A Lei de Moisés pertence aos crentes? Cristo não aboliu a
Lei? Moisés e seu ministério não estão agora já concluídos? Essas
questões são freqüentemente levantadas, o que faz com que valha
a pena perguntar se os Dez Mandamentos, como dados por Moisés,
pertencem ou não agora aos cristãos.
Em primeiro lugar, é necessário investigar o sentido no qual é
dito que a Lei, na sua forma Mosaica, obriga o crente. Algumas
vezes se entende que isso significa que a Lei obriga por causa de
Moisés; sendo assim, o que pertence à administração Mosaica,
pertence também aos cristãos. Mas tal visão é falsa e completa
mente contrária ao curso total da Escritura, uma vez que, então,
não somente a Lei moral, mas também a cerimonial, obrigaria o
cristão. Outro modo de entender a relação com Moisés é dizer que
é puramente por causa de ele ter sido o escritor inspirado. Isso,
naturalmente, não pode ser negado por qualquer um que sustente
que o Antigo Testamento pertence aos cristãos, por que, então, os
livros de Moisés não deveriam pertencer a eles assim como os li
vros dos profetas? Mas há um modo adicional de se entender essa
relação do crente com a Lei de Moisés. Quando Deus deu os Dez
Mandamentos por meio de Moisés ao povo de Israel, embora eles
fossem o povo a quem, então, falava, ele pretendia que a obrigação
de manter esses mandamentos recaísse não somente sobre os
israelitas mas também sobre todas as pessoas que, no devido tem
po, fossem levadas a conhecê-lo. A expressão adequada da ques
tão, então, não é se Moisés foi um ministro aos cristãos assim como
o foi para Israel (uma vez que isso é claramente incorreto), mas se,
quando Deus entregou os Dez Mandamentos pelas mãos de Moisés,
ele tinha em mente somente os israelitas ou se todos os outros seus
verdadeiros adoradores foram previstos como incluídos dentro da
sua autoridade. Esta última alternativa é a verdadeira e, ao mesmo
tempo, define o sentido no qual a lei obriga o crente em sua forma
Mosaica.
Para que isso possa ser esclarecido, deve-se observar que a Lei
moral obriga em duas formas. Em primeiro lugar, ela obriga com
respeito à sua substância. Na extensão de que muito dessa substân
cia também é encontrada na Lei da Natureza, ela aplica-se univer
salmente e, assim, obrigava os israelitas mesmo antes da sua pro
mulgação no Monte Sinai. Em segundo lugar, ela obriga com res
peito à autoridade e ao comando que são exercidos nela, uma vez
que uma Lei é promulgada por meio de uma proclamação e, então,
uma obrigação adicional recai sobre ela. Assim, quando Moisés,
como o servo de Deus, entregou essa Lei a Israel, ele, desse modo,
trouxe uma obrigação adicional sobre eles. A principal questão a
ser respondida, no entanto, é se essa obrigação era temporária ou
perpétua.
O problema principal é o da perpetuidade da Lei Mosaica e al
guma luz é jogada sobre isso pela revogação da parte da lei Mosaica
que era puramente cerimonial. É óbvio que a obrigatoriedade des
sa Lei cerimonial não teria cessado a não ser que a própria Lei
tivesse sido revogada; e, assim, usando o mesmo argumento, a Lei
moral dada por meio de Moisés deve ainda obrigar a não ser que se
mostre que ela foi revogada.
Além disso, a Lei cerimonial cessou porque continha apenas as
sombras do real e quando Cristo veio, não houve mais necessidade
das sombras; similarmente, a Lei judicial cessou porque quando o
estado de Israel chegou ao fim, não havia mais razão para tais Leis.
Essas Leis se tornaram obsoletas por causa de sua própria nature
za. No entanto, isso não pode ser dito sobre a Lei moral, uma vez
que a sua substância é perpétua e não há lugar na Escritura que a
revogue.
A perpetuidade da Lei Mosaica pode ser demonstrada por meio
de vários argumentos, o primeiro deles sendo uma resposta à obje
ção levantada em conexão com a abolição da Lei cerimonial. A
opinião apostólica era que, se as formas da adoração cerimonial
fossem necessárias para a justificação, isso iria, com efeito, excluir
Cristo completamente, ou uni-lo à Lei cerimonial.1 É verdade que
quando os apóstolos demoliram esse erro, mostraram claramente
não somente que as obras da Lei cerimonial não tinham poder para
justificar, mas também que as obras da Lei moral eram igualmente
incapazes de fazer isso; mas, ao reconhecer esse fato, deve ser
lembrado que quando os apóstolos colocaram a Lei moral em dis
cussão, eles assim o fizeram somente com respeito à justificação,
não à obrigação.
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