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Após o fim da arte, de Arthur Danto

After the end of art, Arthur Danto


Después del fin del arte, Arthur Danto
Francisco Fianco*

O fim da arte é uma expressão a pri- ora arte politicamente engajada. Em Após
meiro olhar assustadora, pois insinua o de- o fim da arte, uma coletânea de diversos
saparecimento de uma das expressões hu- artigos sobre a temática da arte contempo-
manas mais sublimes e que se vincula tão rânea, o emérito professor de filosofia da
fortemente à cultura e à civilização que o Universidade de Columbia e crítico de arte
seu desaparecimento nos ameaçaria com o Arthur Danto, já célebre por seu livro an-
desaparecimento dessas últimas e por con- terior, A transfiguração do lugar comum,
sequência com o fim do mundo como nós o sobre uma nova maneira de olhar a arte
conhecemos. Quando surge pela primeira que torne mais complexa a diferenciação
vez, com Hegel em suas lições de estética entre objeto artístico e objeto cotidiano, vai
no início do séc. XIX, a expressão “fim da pensá-la após a sua morte, ou seja, após
arte” significa a sua substituição pela ra- esse processo de independência em relação
cionalidade como meio de representação do aos critérios de valoração estéticos antigos,
Espírito Absoluto, de maneira que a arte bem como em relação à história e sua ca-
como sempre foi conhecida tenha podido, pacidade de se inserir em um cabedal con-
a partir de então, se desvincular da neces- ceitual de valoração e significação que lhe
sidade de representação fiel da realidade e seja próprio, fazendo da arte livre e autô-
mesmo do critério de beleza, o que fez com noma o seu próprio meio cultural reflexivo.
que a morte da arte fosse, no fundo, a sua
libertação. Mas não libertação completa, *
Doutor em Estética e Filosofia da Arte. Professor
pois ela continuou vinculada à história, ou de Filosofia na Universidade de Passo Fundo.
seja, continuou relacionada ao tempo e ao E-mail: fcofianco@upf.br
espaço no qual ocorria, continuou em firme
Recebido em: ago. 2012 - Aprovado em: nov. 2012
relação com o contexto sociocultural, tor-
http://dx.doi.org/10.5335/hdt. v.12-n.2, 2629
nando-se ora arte de vanguarda alienada,

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Ao todo o livro é dividido em onze en- estética crie sua própria autoconsciência e
saios, tendo a questão da pós-historicidade inaugurando especificamente a filosofia da
da arte como elemento aglutinador, embo- arte, que será pensada mediante critérios
ra o tema seja analisado sob diferentes as- que lhe sejam imanentes e não mediante
pectos em cada um deles. Mesmo que por critérios exteriores, criados pela filosofia
vezes sejam bastante repetitivos os argu- isoladamente e depois aplicados a ela pela
mentos dos diversos artigos, por se tratar força dos conceitos e do ambiente cultural.
de uma coletânea e não de uma obra pen- As delimitações temporais cumprem
sada como um todo coeso e único, tal fato um papel importantíssimo dentro desse
não chega a prejudicar a leitura da obra quadro conceitual: arte moderna, caracte-
como um todo; ao contrário, auxilia na rizada pela pluralidade de estilos, é aque-
compreensão de suas teses principais à luz la realizada entre 1880 e 1865, sepultada,
de diversas circunstâncias e exemplos di- então, pelo surgimento da Pop art. Afir-
ferentes. É como se sua tese principal, a do mar ser algo contemporâneo é delimitar a
fim da arte historicamente subjugada, se produção pelo momento no qual ela é rea-
refletisse em um prisma, jogando nuances lizada, e não pelo seu teor e estilo, ao passo
de cores distintas a cada capítulo. que referir-se, como se está fazendo aqui, à
Já no primeiro deles, Moderno, pós- arte pós-moderna, é tratar especificamen-
-moderno e contemporâneo, que serve de te dessa produção pós-histórica enquanto
introdução e de delimitação conceitual possibilidade de desfazer-se temporalmen-
para as demais apreciações, percebemos a te de motivos, técnicas e materiais predo-
tese central do escrito, a de que a morte da minantes na composição artística. Para
arte denuncia a morte do pensamento me- essa arte pós-moderna não há mais qual-
tafísico como um todo, inclusive na filoso- quer limite histórico, conceitual, material
fia, como vai aparecer mais longamente no ou estilístico. Na medida em que tudo é
capítulo “Pintura, política e arte pós-histó- permitido e acessível, ocorre, mediante
rica”, no qual o autor demonstra como o po- essa desordem informativa, a necessidade
sitivismo lógico sepulta o pensamento me- de se pensar a arte filosoficamente a par-
tafísico em filosofia e de que maneira isso tir da percepção de que tudo poderia ser
se reflete na produção artística do século arte, de que a arte não obedeceria mais
XX. Isso impedirá, doravante, qualquer aos limites que lhe foram historicamente
produção orientada por referências exter- reservados.
nas ao seu próprio processo, refletindo a No segundo capítulo, “Três décadas
estetização do cotidiano, pois não há mais, após o fim da arte”, o autor demonstra o
então, um modelo fora do mundo em dire- quanto esse período de indeterminismo es-
ção ao qual o fazer artístico possa orientar- tético é a consequência direta da progres-
-se. Nesse sentido, quem desaparece não é são técnica na história da arte ocidental
propriamente a arte, mas sim a sua “nar- e de seu esgotamento criativo, o que, so-
rativa legitimadora”, possibilitando que a mado aos avanços tecnológicos, empurra a

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arte forçosamente ao período pós-histórico, Clement Greenberg, especificamente em
no qual se dá sua desvinculação com os va- relação às divergências de opinião sobre
lores definidores da arte do passado, como a superação do modernismo pelo pós-mo-
a capacidade técnica de representação mi- dernismo, esse último duramente criticado
mética realista ou o compromisso com a por Grrenberg. É o caso do capítulo “Mo-
beleza. Até a arte moderna, era fácil saber dernismo e a crítica da arte pura: a visão
o que era uma obra de arte, agora a ques- histórica de Clement Greenberg”, no qual
tão é definir o que pode ser uma obra ou Danto faz uma análise crítica da concep-
não e quando. O fim da arte é o fim de uma ção de história da arte daquele enquanto
narrativa histórica que colocava o critério substituição de um sistema de símbolos
de arte ou não arte na vinculação da obra por outro mediante uma mera ilusão de
a um determinado estilo predominante, o progresso, sem, obviamente, propor a su-
que será substituído por esse período de premacia do pós-modernismo sobre o mo-
pluralidade de estilos e de universalida- dernismo, o que Danto defende é que não
de de produção artística. Extrapolando o se possa fazer o movimento contrário, ou
campo da filosofia da arte, resta a esperan- seja, como queria Greenberg, continuar
ça de que essa pluralidade da arte possa se usando os critérios inerentes ao modernis-
tornar pluralidade de pensamento na cul- mo para julgar e teorizar a arte do período
tura ocidental, o que teria consequências pós-moderno e pós-histórico, definidos me-
não apenas culturais, mas também políti- diante os critérios que já expusemos aci-
cas, insinuando que o rigorismo da crítica ma. Enquanto a arte moderna aceita, ou,
de arte é um tipo de dogmatismo estético. melhor dito, precisa de referenciais exter-
A importância dessa pluralidade é te- nos para se afirmar, papel cumprido pelos
matizada no capítulo “Narrativas mestras diversos manifestos de cada um dos quase
e princípios críticos”, no qual essa multipli- infinitos movimentos da vanguarda mo-
cidade de estilos é entendida como um im- dernista, que valiam como um ponto firme
pedimento para que se continue a pensar em meio às diversas convulsões culturais
em termos de uma narrativa mestra, ou da primeira metade do séc. XX, a arte pós-
seja, um critério e um estilo correto para -histórica prescinde e só floresce a partir
avaliar e classificar o que seria ou não arte da eliminação dessa necessidade obsessiva
e para diferenciar arte boa de arte ruim. de definição e autodefinição em forma de
Isso cria, então, a verdadeira necessidade rótulos e movimentos de estilo rígido.
de uma reflexão filosófica sobre arte, que Danto seguirá argumentando que
não seja apenas a reprodução de um dis- essa exigência de pureza de estilo é o equi-
curso ideológico alheio, mas que seja capaz valente cultural da limpeza étnica e do to-
de transitar por entre seus critérios ima- talitarismo político na história recente da
nentes. Europa, o que fundamenta a necessidade
Em vários de seus capítulos, o autor de uma perspectiva pós-histórica e, por-
polemiza com o também crítico de arte tanto, pluralista em arte. Enquanto crítico

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de arte, Greenberg seria tão dogmático e pluralismo, sugerindo que podem coexistir
intolerante quanto os manifestos artísti- como arte simultânea e paralelamente pe-
cos do séc. XX, chegando a ser comparado ças vanguardistas americanas e estatuá-
a um tipo de fascismo estético no capítulo rias africana cerimonial, por exemplo. Isso
“Pintura política e arte pós-histórica”. Se nos mostra o quanto é complexa e possivel-
fossem eles a definir os critérios do fazer mente arbitrária qualquer tentativa de de-
artístico, não haveria inovação ou mudan- limitação entre a arte e a realidade, tema
ça, pois certamente aqueles que inaugu- sobre o qual se debruça toda a produção
ram um movimento artístico não sabem estética pós-moderna e que segue sendo,
o que estão fazendo no exato momento de sem dúvida, um dos principais motivos de
sua ação. É a posteridade que lhes atribui inquietação para todos os que se debruçam
essa significação: por si mesmo se sentem, sobre a filosofia da arte ainda hoje.
muito provavelmente, inseridos em um No capítulo “Pop art e futuros passa-
fluxo de continuidade. Esse lapso temporal dos”, o autor retoma o fenômeno da arte
anuncia o descompasso de duas instâncias pós-moderna enquanto temporalmente
cujo distanciamento nunca foi tão grande circunscrita ao qual já havia feito menção
como em relação ao período pós-moderno, na introdução para, através da análise de
o abismo entre os critérios de avaliação diversos artistas específicos e suas obras,
estética e os da arte que está sendo reali- inclusive dos infinitos movimentos e ten-
zada, o que é retomado tanto no capítulo dências que a compuseram, através de
“Da estética à crítica de arte” quanto em uma floresta obscura de designações, de-
“A pintura e o limite da história: o desapa- finir a pop art como o momento inicial da
recimento do puro”. arte pós-histórica, da mesma forma como
Nesses, percebe-se o quanto a avalia- vai analisar a pintura monocromática e
ção estética da arte, considerada enquanto sua importância no contexto pós-histórico
dentro da história, dependerá necessaria- no capítulo “O Museu Histórico da Arte
mente de uma perspectiva de futuro do crí- Monocromática”. Retomando ainda sua
tico, que vai enquadrar determinada obra oposição ao modernismo de Clement Gre-
de acordo, inclusive, com aquilo que ele enberg, postula a arte pop como o encerra-
acredita ser o “futuro” da arte, de maneira mento da narrativa histórica da arte, pois
que as categorias históricas se transfor- é ela que, em termos hegelianos, pode “tra-
mem em molde de avaliação de produções zer à autoconsciência a verdade filosófica
e categorias estéticas. O que a arte pós-his- da arte” (p. 135). Ela não é apenas mais
tórica faz é romper com essa dependência um movimento estético que segue e é se-
e reivindicar a estruturação de critérios guido por outros e sim uma ruptura e uma
que sejam alheios a essa historicidade as- reviravolta no modo mesmo de se pensar o
sim entendida. Essa discussão é a mesma fazer artístico. Seu anarquismo conceitual
do universalismo ante relativismo à qual denota o desejo de toda uma cultura por
o autor claramente coloca como resposta o maior liberdade e autonomia em aspectos

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que ultrapassam a própria arte. Isso cor- ção da maioria dos acervos dos maiores
responde ao fim de um pensamento meta- museus da Europa se deu por espólios de
físico e transcendental que se faz presente guerra, muitos museus foram construídos
em diversos campos do agir humano e, ob- ou criados especificamente para abrigar
viamente, não seria diferente em relação essas obras no momento de sua conquis-
à produção artística, que não reconhece ta ou mesmo de sua devolução, fazendo
mais um elemento exterior que fundamen- do museu não uma estrutura cultural
te sua produção, ao qual se projetar, e sim mas uma estrutura política, de competi-
surge de forma autônoma e espontânea, ção entre nações. Isso é muito discrepan-
sedimentando esteticamente a exigência te da justificativa do museu enquanto um
contemporânea de pluralidade. espaço de democratização da experiência
Ainda falando sobre museus, o capí- estética, independentemente da erudição
tulo “Museus e milhões de sedentos” anali- relativa à história da arte ou da sensibi-
sa as relações entre estes, entendidos como lidade elaborada da crítica de arte, o que
espaços referenciais da arte e de manifes- não é exclusividade do museu, obviamen-
tação da “verdade-pela-beleza”, a tarefa de te. Acompanhando as conclusões do autor,
levar a beleza democraticamente a todos percebemos que, em meio ao caleidoscópio
os homens comuns, na esperança de que a da pluralidade estética pós-histórica, o de-
beleza poderia melhorar a vida como um sinteresse pelos museus não corresponde
todo, e a sociedade na qual estão inseridos ao desinteresse pelas artes, pois as pesso-
fisicamente. Segundo Danto, embora as as não deixam de frequentar museus por
pessoas sejam verdadeiramente sequiosas não ter mais interesse em arte, e sim por-
de sentido, que pode ser dado tanto pela que a arte na qual elas têm interesse não é
religião quanto pela filosofia ou ciência, ou aquela oferecida pelo museu.
mesmo, como no caso em questão, na estei- O último capítulo, escrito à guisa de
ra do pensamento hegeliano, pela arte, sua conclusão, do qual igualmente nos valere-
sede se refere não especificamente à arte mos, é “Modalidades da história: possibili-
dos museus, pelo menos para a maioria dade e comédia”, que retoma a discussão
da população, e sim a uma “arte propria- que perpassou o livro como um todo, a da
mente sua”, que será a do museu apenas impossibilidade ou pelo menos dificuldade
se o grupo em questão for o seleto grupo de estabelecimento de um critério firme
com condições financeiras e culturais para que possa ser utilizado para a definição do
identificar-se com aquelas obras, fazendo que possa ou não ser considerado arte. No
do museu um reduto de estratos sociais es- caso, se a arte tem uma essência universal
pecíficos e, por consequência, um ambiente que transparece nas obras particulares, o
de sedimentação e reprodução de relações que dificilmente pode ser defendido quan-
de poder. Isso se liga à invenção do museu do se pensa nos Ready-Mades como obras
como espaço político, invenção recente, de de arte, dos quais Danto usa exaustiva-
alguns séculos apenas. Como a composi- mente The Fountain de Marcel Duchamp

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e Brillo Box de Andy Warhol como exem- diversas possibilidades do fazer artístico
plo. A crítica ao essencialismo reforça sua pós-histórico: “Não há mais uma direção
argumentação inicial, sobre o período pós- única. Na verdade, não há mais direção.
-histórico da arte ser aquele que possibilita E foi isso o que pretendi dizer com ‘o fim
efetivamente uma filosofia da arte a partir da arte’, quando comecei a escrever sobre
de critérios imanentes, pois a grande tota- esse fim em meados da década de 1980.
lidade de filósofos, ao se debruçarem sobre Não que a arte morreu ou que os pintores
a estética, usa critérios que tendem a um deixaram de pintar, mas sim que a história
essencialismo por tentarem definir aquilo da arte, estruturada narrativamente, che-
que na arte seria eterno e imutável, à ex- gara ao fim” (p. 139).
ceção honrosa de Hegel, que, em suas li-
ções de estética, demonstra o quanto a arte
Referência
pode ser entendida mediante critérios his-
tóricos. Isso reforça o argumento de Danto DANTO, Arthur C. Após o fim da arte: a
de que um objeto considerado arte em um arte contemporânea e os limites da história.
momento não seria necessariamente assim [After the end of art: contemporary art and
considerado em outro período qualquer da the pale of history]. Trad. de Saulo Krieger,
história humana, pois sua definição como Posfácio à edição brasileira de Virgínia H. A.
Aita. São Paulo: Odysseus Editora, 2006.
obra depende de sua vinculação histórica,
ou, para usar um termo hegeliano, espírito
de seu tempo.
Por fim, a pós-historicidade em arte
não é apenas uma produção desse campo
específico nem mesmo suas consequências
se restringem a ele; a necessidade de auto-
crítica e autorreflexão de todas as áreas do
conhecimento humano é um dos fenôme-
nos mais interessantes e promissores da
pós-modernidade, na qual a criatividade,
a flexibilidade e a tolerância são valores
cada vez mais importantes. Arthur Danto,
mais uma vez, nos possibilita refletir sobre
a arte de agora para pensarmos o mundo
que queremos para o futuro, tornando essa
obra, Após o fim da arte, leitura obrigató-
ria a todos aqueles que se interessem por
temas relativos à recente produção artísti-
ca e cultural. Só nos resta concluir com as
próprias palavras do autor a respeito das

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