Você está na página 1de 478

1

Topologia das Variedades

Welington de Melo

Favor enviar sugestões, correções e observações para


demelo.impa@gmail.com
Conteúdo

1 Variedades Diferenciáveis 5
1.1 Estrutura de variedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2 Aplicações diferenciáveis entre variedades . . . . . . . 7
1.3 Grupos de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.4 O Lema de Sard . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2 Partição da unidade e aplicações 31


2.1 Partição da unidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2.2 Campos de vetores em variedades . . . . . . . . . . . . 35
2.3 Métricas Riemannianas . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
2.4 Densidade das funções de classe C ∞ . . . . . . . . . . 49

3 Aplicação Exponencial 54
3.1 A equação das geodésicas . . . . . . . . . . . . . . . . 54
3.2 Vizinhança tubular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
3.3 Vizinhanças geodesicamente convexas . . . . . . . . . 64
3.4 O fluxo geodésico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

4 Variedades com bordo 73


4.1 Colagem de variedades com bordo . . . . . . . . . . . 74
4.1.1 Soma conexa de variedades . . . . . . . . . . . 82

5 Cálculo em Variedades 86
5.1 O Teorema de Stokes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
5.1.1 Álgebra exterior . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
5.1.2 Formas diferenciais . . . . . . . . . . . . . . . . 88
5.1.3 Derivada exterior e o Teorema de Stokes . . . . 91
CONTEÚDO

5.2 Cohomologia de de Rham . . . . . . . . . . . . . . . . 94


5.3 Campos de vetores como derivações . . . . . . . . . . . 99
5.4 A derivada de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
5.5 Teorema de Frobenius . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
5.6 Elementos de teoria de Hodge . . . . . . . . . . . . . . 116
5.7 Estruturas simpléticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118

6 Espaços de recobrimento e Grupo fundamental 123


6.1 Espaços de recobrimento . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
6.2 O grupo fundamental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
6.3 Recobrimentos das variedades de dimensão 2 . . . . . 142
6.3.1 Geometria hiperbólica . . . . . . . . . . . . . . 143
6.3.2 Consequências do teorema . . . . . . . . . . . . 151

7 Fibrados 160
7.1 Fibrados com grupo estrutural . . . . . . . . . . . . . 160
7.2 O Fibrado de jatos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183

8 Transversalidade 187
8.1 A topologia de Whitney em C r (M, N ) . . . . . . . . . 187
8.2 Teoremas de transversalidade . . . . . . . . . . . . . . 205

9 Grau Topológico 220


9.1 O conceito de grau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220
9.2 Índice de singularidade de campos de vetores . . . . . 229
9.3 Número de interseção . . . . . . . . . . . . . . . . . . 238

10 Cohomologia de De Rham 247


10.1 O complexo de De Rham . . . . . . . . . . . . . . . . 247
10.2 A sequência de Mayer-Vietoris . . . . . . . . . . . . . 250
10.3 Dualidade de Poincaré . . . . . . . . . . . . . . . . . . 260
10.4 Isomorfismo de Thom e a classe de Euler . . . . . . . . 265
10.5 Uma fórmula de Künneth e o Teorema de Lefschetz . . 282
10.6 Cohomologia dos grupos de Lie compactos. . . . . . . 289
10.7 Correntes de De Rham . . . . . . . . . . . . . . . . . . 297
CONTEÚDO

11 Teoria de Morse 300


11.1 Funções de Morse . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 300
11.2 Homologia singular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 307
11.2.1 Homologia relativa . . . . . . . . . . . . . . . . 315
11.2.2 Subdivisão baricêntrica . . . . . . . . . . . . . 319
11.2.3 Homologia celular . . . . . . . . . . . . . . . . 331
11.3 Desigualdades de Morse . . . . . . . . . . . . . . . . . 345
11.4 Estrutura de CW-complexo e decomposição em asas . 350
11.5 O teorema de de Rham . . . . . . . . . . . . . . . . . 360

12 Cohomologias 367
12.1 Cohomologia de Feixes . . . . . . . . . . . . . . . . . . 367
12.2 O feixe de orientação de uma variedade . . . . . . . . 385
12.3 O anel de cohomologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . 392
12.4 O produto cap e dualidade de Poincaré . . . . . . . . . 405

13 Análise e Geometria em Variedades 409


13.1 Geometria dos Fibrados e o morfismo de Chern-Weil . 409
13.2 O Laplaciano de Hodge . . . . . . . . . . . . . . . . . 429
13.3 A equação de Yang-Mills . . . . . . . . . . . . . . . . . 432

A Teorema do Coeficiente Universal 444

B O Teorema de Seifert- van Kampen 454

C O grupo fundamental π1 (X, x0 ) e o grupo de homologia


H1 (X, Z). 461

D Grupos de Homotopia- Teorema de Hurewicz 465


ı̈¿ 12 ndice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 473
ı̈¿ 12 ndice de sı̈¿ 12 mbolos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 474
CONTEÚDO 1

PREFÁCIO
A noção abstrata de variedades já aparecia na teoria de funções
analı́ticas de uma variável complexa. Uma série de potências conver-
gente define uma função holomorfa em seu disco de convergência que
pode ser estendida usando o princı́pio da continuação analı́tica que
produz funções multivaluadas que podem ser vistas como funções em
uma superfı́cie de Riemann.
No final do século 19 Poincaré, em uma série de artigos introduziu
o que chamamos topologia das variedades que denominou Analysis
Situs. Para êle uma variedade era um subconjunto de um espaço eu-
clideano definido por uma famı́lia de equações, isto é, subvariedades
do espaço euclideano. Conjeturou que toda variedade C r , com r ≥ 1
era triangularizável (demonstrada em 1930 por S. Cairns) e definiu os
grupos de homologia de uma variedade com respeito à uma triangu-
larização e também conjeturou que esses grupos eram independentes
da triangularização e de fato invariantes por homeomorfismos. Essa
última conjectura só foi mostrada anos mais tarde por Alexander
usando as ideias de Brouwer de aproximação simplicial Nesta época
Poincaré também introduziu a noção de grupo fundamental. Os pri-
meiros 30 anos do século 20 foram dominados pelo desenvolvimento
de métodos combinatórios e algébricos na topologia. A noção abs-
trata de variedades diferenciáveis, que já tinha sido antecipada por
H.Weyl em 2012 no seu tratado sobre superfı́cie de Riemann, só foi
desenvolvido por H. Whitney por volta de 1936 que provou que uma
variedade diferenciável abstrata é de fato difeomorfa a uma subvari-
edade de um espaço euclideano. Nascia aı́ a topologia diferencial que
teve um desenvolvimento intenso com a prova do teorema de Morse-
Sard em 1942 e os trabalhos de R. Thom, J. Milnor, S. Smale entre
outros.
Também nos anos 30 Lefschets introuduziu a homologia relativa
e a noção de homologia foi estendida para espaços mais gerais, não
necessariamente triangularizáveis. Surgiram então a homologia sin-
gular, introduzida por S. Eilenberg, a homologia de Vietoris, Alexan-
droff, Lefschets, e C̆ech. Em 1935 a cohomologia foi introduzida por
Alexander e Kolmogorov com sua estrutura de anel que também é
preservada por homeomorfismos. A noção de dualidade já estudada
por Poincaré foi generalizada usando o produto ”cup”da cohomolo-
2 CONTEÚDO

gia e o produto ”cap”relacionando homologia e cohomologia. Nessa


época surgiu também a cohomologia de DeRham e as cohomologias
de Alexander-Spanier essa última permitindo estabelecer uma dua-
lidade entre a cohomologia de um subconjunto compacto e a de seu
complementar em uma variedade compacta (dualidade de Alexan-
der). Em 1946, J. Leray introduziu a cohomologia de feixes que des-
creve obstruções para globalizar resultados locais e estende as teorias
anteriores permitindo relaciona-las.
Métodos de equações a derivadas parciais foram utilizados por
Hodge que mostrou a existência de uma única forma harmônica em
cada classe de cohomologia de deRham.
Nos anos 80 métodos geométricos e de equações a derivadas par-
ciais foram introduzidos por Donaldson no estudo da topologia de
variedades de dimensão 4.
Métodos geométricos e de equações a derivadas parciais foram
também fundamentais no estudo das variedades de dimensão 3 cul-
minando com a demonstração de Perelman da conjectura de geome-
trização de Thurston que inclui, como caso particular, a conjectura
de Poincaré: uma variedade compacta de dimensão 3 simplesmente
conexa é homeomorfa à esfera.
O material desse livro foi usado várias vezes nos cursos Topologia
Diferencial e Topologia das Variedades que ensinei no IMPA.
No capı́tulo 1 definimos a noção de variedades diferenciáveis e
aplicação diferenciável entre variedade e apresentamos vários exem-
plos. Na última seção do capı́tulo 1 demonstramos o Lema de Sard.
No capı́tulo 2 provamos a existência de partição da unidade su-
bordinada a uma cobertura. Definimos campos de vetores em vari-
edades e provamos o teorema do fluxo tubular. Definimos métricas
Riemannianas e mostramos a existência de métricas completas em
qualquer variedade e como consequência que toda variedade é um
espaço de Baire. Mostramos a densidade das funções C ∞ no espaço
das funções contı́nuas em uma variedade munido da topologia C 0 de
Whitney. Usando esse resultado e o Lema de Sard demonstrado no
capı́tulo 1 demonstramos o teorema do ponto fixo de Brouwer.
No capı́tulo 3 mostramos a existência de geodésicas de uma métrica
riemanniana e construı́mos a aplicação exponencial. Definimos ho-
motopia e homotopia diferenciável entre aplicações entre variedades
e mostramos, usando a aplicação exponencial, que duas aplicações
CONTEÚDO 3

em uma vizinhança suficientemente pequena na topologia C 0 são ho-


motópicas. Usamos também a aplicação exponencial para a cons-
trução de vizinhanças tubulares de subvariedades. Mostramos também
a existência de vizinhanças geodesicamente convexas que serão fre-
quentemente usadas em capı́tulos posteriores. Concluı́mos o capı́tulo
com um exemplo do fluxo geodésico de uma métrica riemanniana
completa.
No capı́tulo 4 obtemos novas variedades colando variedades com
bordo por difeomorfismos entre os bordos. Mostramos que difeomor-
fismos isotópicos fornecem variedades difeomorfas.
No capı́tulo 5 desenvolvemos o cálculo tensorial em variedades
e provamos o teorema de Stokes e introduzimos a cohomologia de
DeRham. Provamos o teorema de Frobenius, introduzimos a teoria
de Hodge e provamos o teorema de Darboux.
O capı́tulo 5 é dedicado aos espaços de recobrimentos e sua relação
com o grupo fundamental. Introduzimos a geometria hiperbólica e
construı́mos os recobrimentos das variedades de dimensão dois.
No capı́tulo 7 discutimos a noção de fibrados, fibrados com grupos
estruturais e fibrados principais. Apresentamos vários exemplos e
demonstramos o teorema de levantamento de homotopia. Na última
seção construı́mos os fibrados de jatos.
No capı́tulo 8 definimos a topologia de Whitney no espaço das
transformações de classe C r entre variedades e mostramos o teo-
rema de transversalidade, bem como o teorema de transversalidade
de multi-jatos.
O capı́tulo 9 é dedicado ao estudo do gráu de Brouwer e suas
aplicações. Mostramos a invariância do grau por homotopia e de-
monstramos o teorema de Hopf sobre a classificação das classes de
homotopias de aplicações de uma variedade compacta de dimensão n
sobre a esfera S n . Definimos o número de interseção entre subvarie-
dades de dimensão complementares e muitas de suas aplicações.
No capı́tulo 10 começamos a introduzir ferramentas algébricas que
muito impulsionaram o poder da topologia. Oscilamos muito entre
duas possibilidades. A primeira seria via teoria de Morser, com a
óbvia conexão com transversalidade, a introdução de homologia para
descrever algebricamente a decomposição celular de uma função de
Morse. A segunda seria a cohomologia de DeRham que permitiam
uma introdução mais suave de ferramentas algébricas num contexto
4 CONTEÚDO

ainda geométrico. Finalmente optamos pela segunda possibilidade e


o capı́tulo 9 é dedicado à cohomologia de DeRham. Construı́mos a
sequência exata de Meyer-Vietoris, mostramos o teorema da duali-
dade de Poincaré o do isomorfismo de Thom.
O capı́tulo 11 é dedicado à teorı́a de Morse e introdução da ho-
mologia singular. Mostramos as desigualdades de Morse e o teorema
de DeRham.
Durante a preparação desse livro contamos com o apoio financeiro
do CNPq, bolsa de produtividade e da Faperj, Cientistas do Nosso
Estado.
Agradecemos a colaboração de Gilza de Melo e Rogério Trindade
que digitaram parte do manuscrito.
Agradecemos a partipação dos alunos dos vários cursos que ensinei
especialmente Franco Eloy Vargas Pallete e Ricardo Paleari da Silva.
Franco fez várias correções importantes. Ricardo fez uma revisão
cuidadosa de todo o livro.

Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 2014

Welington de Melo
Capı́tulo 1

Variedades Diferenciáveis

A noção de variedades como um espaço que localmente é equivalente


a um aberto de um espaço vetorial e onde podemos estender as noções
do cálculo diferenciável já aparecia nos trabalhos de Carl Friedrich
Gauss e Bernhard Riemann. A definição moderna que utilizaremos é
devida a Hassler Whitney [Wh].

1.1 Estrutura de variedade


Definição 1.1. Uma variedade topológica de dimensão m é um espaço
topológico M com as seguintes propriedades:
1. M é Hausdorff : dados dois pontos distintos p e q em M , então
existem abertos disjuntos U , V tais que p ∈ U e q ∈ V ;
2. M tem base enumerável de abertos : existe uma coleção enu-
merável de abertos de M tal que todo aberto é a união de
abertos dessa coleção;
3. M é localmente Euclidiano: para qualquer p ∈ M , existem
abertos U ⊂ M contendo p, Ũ ⊂ Rm e um homeomorfismo
ϕ : U → Ũ .
Definição 1.2. Um atlas em M é uma coleção {ϕi : Ui → Ũi }i∈I
de homeomorfismos, chamados cartas locais de M , onde Ui ⊂ M é
aberto, Ũi ⊂ Rm aberto e ∪i∈I Ui = M . Os homeomorfismos
ϕj ◦ ϕ−1
i : ϕi (Ui ∩ Uj ) ⊂ Ũi → φj (Ui ∩ Uj ) ⊂ Ũj

5
6 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

são chamados mudanças de coordenadas . Um atlas é de classe C r ,


0 6 r 6 ∞, se todas as mudanças de coordenadas do atlas são de
classe C r .

Na coleção de todos os atlas de classe C r em M temos uma relação


de ordem parcial dado pela inclusão: A ⊂ B se toda carta local do
atlas A for também uma carta local de B . Um atlas A é maximal se
para todo atlas B de classe C r com A ⊂ B vale B = A.

Pelo lema de Zorn , todo atlas A de classe C r está contido em


um único atlas maximal. Uma estrutura de variedade C r em M é
um atlas maximal de classe C r em M . Logo qualquer atlas C r em
M define uma estrutura de variedade C r em M , pois está contido
em um único atlas maximal de classe C r . Se as cartas locais de um
atlas tomam valores em abertos de Cm e as mudanças de coordenadas
são funções holomorfas, dizemos que M é uma variedade complexa de
dimensão complexa m (e portanto dimensão real 2m).

Exemplo 1.1. Sejam U ⊂ Rn um aberto e F : U → Rp uma


aplicação de classe C r , r > 1. Seja y ∈ Rp um valor regular de F , isto
é, ∀x ∈ U tal que F (x) = y temos que a derivada DF (x) : Rn → Rp
é sobrejetora.

Afirmação: ou M = F −1 (y) é vazio ou M é uma variedade de classe


C r e dimensão n − p.

De fato, pela forma local das submersões, dado q ∈ M , existe um


aberto W ⊂ U contendo q e um difeomorfismo ϕ : W → V × Z, de
classe C r , onde V ⊂ Rn−p é um aberto e Z ⊂ Rp é uma vizinhança
aberta de y tal que a restrição de F a W é igual à composição da
projeção (x, z) ∈ Rn−p ×Rp 7→ z ∈ Rp com ϕ. Logo a restrição de ϕ a
U = W ∩ M é um homeomorfismo de U em Ũ ⊂ Rn−p e as mudanças
de coordenadas são claramente da classe C r .

Analogamente, se F : U ⊂ Cn → Ck é uma função holomorfa e


y é valor regular de F , então F −1 (y) ou é vazio ou é uma variedade
complexa de dimensão complexa n − k.
[SEC. 1.2: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS ENTRE VARIEDADES 7

Pn+1
Se F : Rn+1 → R é dada por F (x) = i=1 x2i e y = 1, então a
esfera S n definida por
( )
X
n n+1 2
S = x∈R ; xi = 1
i

é uma variedade de dimensão n.


Um outro caso particular: o espaço de configurações de um sólido.
Um sólido é um sistema de N partı́culas em R3 submetidas ao se-
guinte vı́nculo: a distância entre duas quaisquer das partı́culas é
constante. Para caracterizar a posição das partı́culas em um dado
instante precisamos de três coordenadas para a posição da primeira
partı́cula, portanto um ponto de R3 . Para determinar a posição da
segunda partı́cula necessitamos do vetor unitário que aponta da pri-
meira partı́cula na direção da segunda partı́cula, portanto mais duas
coordenadas. Se as partı́culas estiverem todas alinhadas, o vı́nculo já
determina a posição de todas as partı́culas. Caso contrário existe uma
terceira partı́cula que determina um plano com a primeira e a segunda
partı́cula. Basta então conhecer um segundo vetor unitário ortogo-
nal ao primeiro e apontando para o semi-plano que contém a terceira
partı́cula. O produto vetorial do primeiro vetor pelo segundo forma
um terceiro vetor unitário e portanto uma transformação unitária de
R3 que leva a base canônica de R3 nessa base ortogonal. Portanto
o espaço de configurações do sólido é R3 × SO(3), uma variedade de
dimensão 6.

1.2 Aplicações diferenciáveis entre variedades

Sejam φ : U ⊂ Rm → Ũ ⊂ Rm e ψ : V ⊂ Rn → Ṽ ⊂ Rn difeomorfis-
mos classe C r entre abertos euclidianos. Uma aplicação f : U → V
é diferenciável em um ponto x0 se, e somente se, ψ ◦ f ◦ φ−1 é di-
ferenciável em φ(x0 ) e, se s ≤ r, f é de classe C s se, e somente se,
ψ ◦ f ◦ φ−1 é de classe C s . Como essas duas noções são invariantes
por mudanças de coordenadas, elas se estendem naturalmente para
variedades.
Definição 1.3. Sejam M uma variedade de dimensão m e classe
C r e N uma variedade de dimensão n e classe C r . Uma aplicação
8 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

f : M → N é de classe C s , s 6 r, se para todo p ∈ M existem cartas


locais ϕ : U ⊂ M → Ũ ⊂ Rm e ψ : V ⊂ N → Ṽ ⊂ Rn tais que

1. p ∈ U , f (p) ∈ V ;

2. f (U ) ⊂ V ;

3. ψ ◦ f ◦ ϕ−1 : Ũ ⊂ Rm → Ṽ ⊂ Rn é de classe C s .

Observação: Sejam {ϕi : Ui ⊂ M → Ũi ⊂ Rm } um atlas C r


em M e {fi : Ũi → Rk } uma famı́lia de funções C s , s 6 r. Se ∀i, j,
fi |ϕi (Ui ∩Uj ) = fj ◦ (ϕi ◦ ϕ−1
j )|ϕj (Ui ∩Uj ) , então existe uma única função
f : M → R de classe C tal que f ◦ ϕ−1
k s
i = fi para todo i.

Afirmação: Se f : M → N e g : N → P são aplicações de classe C s


entre variedades de classe C r , r ≥ s, então g ◦ f é de classe C s .

De fato, sejam y = f (x) e z = g(y). Como g é de classe C s ,


existem cartas locais ψ : W ⊂ P → W̃ ⊂ Rp e φ : V ⊂ N → Ṽ ⊂ Rn
com V 3 y e W 3 z tais que g(V ) ⊂ W e ψ ◦ g ◦ φ−1 : Ṽ → W̃ é de
classe C s . Por outro lado, como f é de classe C s , existe carta local
θ : U ⊂ M → Ũ ⊂ Rm com x ∈ U e f (U ) ⊂ V e tal que φ ◦ f ◦ θ−1 é
de classe C s . Logo ψ ◦ (g ◦ f ) ◦ θ−1 = (ψ ◦ g ◦ φ−1 ) ◦ (φ ◦ f ◦ θ−1 ) é
de classe C s .

Para definir a derivada de uma aplicação diferenciável vamos as-


sociar a cada ponto x ∈ M um espaço vetorial T Mx , chamado o
espaço tangente a M no ponto x, e mostrar que se f : M → N é
uma função diferenciável, então existe uma aplicação linear natural
Df (x) : T Mx → T Nf (x) , chamada de derivada de f no ponto x. Os
elementos de T Mx são os “vetores tangentes” às curvas diferenciáveis
passando pelo ponto x.

Dizemos que duas curvas α, β : (−, +) → M que passam por x


em t = 0 tem o mesmo vetor tangente em x se para alguma carta
local ϕi : Ui → Ũi em torno de x vale (ϕi ◦ α)0 (0) = (ϕi ◦ β)0 (0).
Observamos que essa propriedade não depende da escolha da carta
[SEC. 1.2: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS ENTRE VARIEDADES 9

pois se ϕj : Uj → Ũj é outra carta, então

(ϕj ◦ α)0 (0) = D(ϕj ◦ ϕ−1 0


i )(ϕi (x))(ϕi ◦ α) (0)
e
(ϕj ◦ β) (0) = D(ϕj ◦ ϕi−1 )(ϕi (x))(ϕi ◦ β)0 (0).
0

Nesse caso, duas tais curvas são ditas equivalentes. Esta relação é de
equivalência no conjunto das curvas diferenciáveis que passam por x
e a classe de equivalência de α, denotada por [α], é chamada o vetor
tangente a α em x, também denotado por α0 (0). O espaço tangente
a M no ponto x, denotado por T Mx , é o conjunto de tais vetores
tangentes.

Uma carta local ϕi : Ui → Ũi com x ∈ Ui , estabelece uma bijeção


entre T Mx e Rm . Essa bijeção associa a cada classe de equivalência
[α] o vetor (ϕi ◦α)0 (0) ∈ Rm . Por definição de classe de equivalência, o
vetor (ϕi ◦α)0 (0) não depende da escolha do representante α na classe
de equivalência [α]. Para verificar que a aplicação é sobrejetora basta
observar que se v ∈ Rm , então α(t) = ϕ−1 i (ϕi (x) + tv) é uma curva
diferenciável passando por x e a imagem de [α] é v. Denotamos essa
bijeção por Dϕi (x) : T Mx → Rm . Observamos que se ϕj : Uj → Ũj
é outra carta local com x ∈ Uj , então

Dϕj (x) = D(ϕj ◦ ϕ−1


i )(ϕi (x)).Dϕi (x).

Logo, definindo a estrutura de espaço vetorial em T Mx de modo


que Dϕi (x) seja um isomorfismo, concluı́mos que Dϕj (x) também
é um isomorfismo, uma vez que D(ϕj ◦ ϕ−1 i )(ϕi (x)) é um isomor-
fismo. Assim, a estrutura de espaço vetorial não depende da escolha
da carta.

Seja agora f : M → N uma aplicação C s entre duas variedades,


com s ≥ 1. Se α : (−, +) → M é uma curva diferenciável com
α(0) = x, então f ◦ α é uma curva diferenciável em N , passando por
f (x). Definimos então

Df (x) : T Mx → T Nf (x)
[α] 7→ [f ◦ α].
10 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

É fácil verificar que a definição não depende da escolha de α na classe


de equivalência e que dadas cartas locais ψ : W ⊂ N → W̃ ⊂ Rn e
ϕ : U ⊂ M → Ũ ⊂ Rm , com f (x) ∈ W e x ∈ U , então Df (x) é a
composição das transformações lineares

Df (x) = (Dψ(f (x)))−1 ◦ D(ψ ◦ f ◦ ϕ−1 )(ϕ(x)) ◦ Dϕ(x)

e, consequentemente, Df (x) é uma aplicação linear. Dizemos que


Df (x) é a derivada de f no ponto x .

Deixamos como exercı́cio ao leitor verificar que a regra da cadeia


se estende para aplicações entre variedades: dadas aplicações dife-
renciáveis f : M → N , g : N → P de classe C 1 , então

D(g ◦ f )(x) = Dg(f (x)) ◦ Df (x).


Como a composição de aplicações holomorfas entre abertos de
espaços vetoriais complexos é também holomorfa, podemos esten-
der a noção de aplicação holomorfas para variedades complexas. É
também fácil verificar que o espaço tangente em cada ponto de uma
variedade complexa tem uma estrutura de espaço vetorial sobre C e
que a derivada de uma aplicação holomorfa é C-linear. Reciproca-
mente, se uma aplicação entre variedades complexas é de classe C 1 e
sua derivada em cada ponto é C-linear, então a aplicação é holomorfa.

Observemos que um subconjunto aberto de uma variedade dife-


renciável tem também uma estrutura de variedade diferenciável in-
duzida pelo atlas da variedade e o espaço tangente a um ponto do
aberto pode ser identificado com o espaço tangente à variedade, isto
é, a inclusão é uma aplicação de classe C r . Se ϕ : U ⊂ M → Ũ ⊂ Rm
é uma carta do atlas C r de M , então ϕ é uma aplicação de classe
C r de U em Rm e sua derivada em cada ponto é exatamente a trans-
formação linear que consideramos acima.

Uma aplicação f : M → N de classe C s , s ≥ 1, é uma imersão


se a derivada Df (x) : T Mx → T Nf (x) é injetiva para todo x ∈ M .
Dizemos que f é uma submersão se Df (x) é sobrejetiva para todo x.
Dizemos que f é um mergulho se é uma imersão injetiva e um homeo-
morfismo sobre sua imagem (considerando a imagem com a topologia
[SEC. 1.2: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS ENTRE VARIEDADES 11

induzida por N ). Finalmente, dizemos que f é um difeomorfismo se


f tem uma inversa diferenciável, que, pelo teorema da função inversa,
é também de classe C s .

Seja M uma variedade de dimensão m de classe C r e S um subcon-


junto de M . Dizemos que S é uma subvariedade de classe C s , s ≤ r,
de dimensão k se para todo ponto x ∈ S, existe uma vizinhança
W ⊂ M de x e um difeomorfismo C s , φ : W → U × V ⊂ Rk × Rm−k
com U ⊂ Rk , 0 ∈ V ⊂ Rm−k abertos e φ(S ∩ W ) = U × {0}. A
restrição de φ a W ∩ S é um homeomorfismo sobre o aberto U e a
coleção desses homeomorfismos é um atlas C s para S, de modo que
a aplicação de inclusão de S em M é um mergulho de classe C s .

Um subconjunto S ⊂ M é uma subvariedade de classe C s e di-


mensão k se, e somente se, para todo x ∈ S existe uma vizinhança
W ⊂ M de x e uma submersão C s de W em um aberto de Rm−k
tal que S ∩W seja a imagem inversa de um ponto por essa submersão.

Se f : M → N é uma aplicação de classe C s , então a restrição de


f a S é uma aplicação de classe C s de S em N e sua derivada em
cada ponto é a restrição da derivada de f ao espaço tangente a S, que
é um subespaço do espaço tangente a M . Por exemplo, a restrição da
projeção (x1 , . . . xn+1 ) 7→ xn+1 à esfera S n é uma aplicação C ∞ e sua
derivada se anula em exatamente dois pontos. Também a aplicação
x 7→ −x se restringe a uma aplicação a : S n → S n de classe C ∞ ,
chamada aplicação antı́poda. Como a ◦ a é a identidade, a aplicação
antı́poda é um difeomorfismo.

Seja f : M → N uma aplicação de classe C s entre variedades de


classe C r . Dizemos que y ∈ N é valor regular de f se para todo
x ∈ M tal que f (x) = y temos que Df (x) : T Mx → T Nf (x) é sobre-
jetiva. O exemplo 10.1 se generaliza: se y é valor regular de f então
ou S = f −1 (y) é vazio ou cada componente conexa de S é uma subva-
riedade de M de dimensão igual à dimensão de M menos a dimensão
de N , isto é, de codimensão igual a dimensão de N .

No capı́tulo 7 mostraremos que um atlas maximal de classe C r ,


r ≥ 1, em uma variedade M contém um subatlas de classe C ∞ que
12 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

define uma estrutura de classe C ∞ no mesmo espaço topológico e,


portanto, a aplicação identidade é um difeomorfismo de classe C r en-
tre as duas estruturas. Em outras palavras, toda variedade de classe
C r , com r ≥ 1, é C r difeomorfa a uma variedade de classe C ∞ .
Portanto muitos dos resultados que enunciaremos para variedades de
classe C ∞ são também válidos para variedades de classe C r . Um
fato conhecido, que no entanto não demonstraremos nessas notas, é
que toda variedade topológica de dimensão d ≤ 3 é homeomorfa a
uma variedade C ∞ e que, se d ≥ 4, existem variedades topológicas
de dimensão d que não tem estrutura diferenciável ( veja Kirby, R.C.
e Siebermann, L. C., Foundational Essays on Topological Manifolds.
Smoothing and Triagulations, Princeton University Press, 1977).

As restrições para a existência de uma estrutura complexa são


ainda mais fortes. Em primeiro lugar, a variedade tem que ter di-
mensão real par. Como o jacobiano de um isomorfismo C-linear é
sempre positivo, a variedade tem que ser orientável, como veremos
mais tarde. Como veremos na seção 3 do capı́tulo 6, toda variedade
orientável de dimensão real dois possui uma estrutura complexa. No
entanto, em dimensões maiores existem outras obstruções tanto de
natureza topológica quanto analı́tica. Em particular sabe-se que as
esferas S 2n não tem estrutura complexa se n é diferente de 1 e 3 e a
existência de estrutura complexa em S 6 é ainda um problema aberto.

Exemplo 1.2. Produto cartesiano de variedades

Sejam M, N variedades C r , {ϕi : Ui ⊂ M → Ũ ⊂ Rm } um atlas


C em M e {ψj : Vj ⊂ N → Ṽj ⊂ Rn } um atlas C r en N . Então
r

a famı́lia de funções {ϕi × ψj : Ui × Vj → Ũi × Ṽj ⊂ Rm × Rn }, em


que, para cada i, j, ϕi × ψj (x, y) = (ϕi (x), ψj (y)) é um atlas C r em
M × N , que é portanto uma variedade C r de dimensão m + n. As
projeções M × N → M e M × N → N são submersões de classe C r .

Exercı́cio. Sejam M, N variedades de classe C r e f : M → N uma


aplicação o de classe C r . Mostre que a aplicação F : M → M × N
definida por F (x) = (x, f (x)) é um mergulho de classe C ∞ .

Exemplo 1.3. O fibrado tangente T M


[SEC. 1.2: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS ENTRE VARIEDADES 13

Definição 1.4. Seja M uma variedade diferenciável. Definimos o


fibrado tangente de M como o conjunto

T M = {(x, v); x ∈ M, v ∈ T Mx }.

Seja π = T M → M a projeção (x, v) 7→ x. Vamos definir uma


topologia e uma estrutura de variedade em T M tal que π seja uma
submersão C ∞ se M é de classe C ∞ (e classe C k−1 se M é C k ). Para
tanto, consideremos um atlas {ϕi : Ui ⊂ M → Ũi ⊂ Rm , i ∈ I} em
M e definimos

Φi : π −1 (Ui ) ⊂ T M → Ui × Rm

por
Φi (x, v) = (x, Dϕi (x).v).
É claro que Φi é uma bijeção e

Φj ◦ Φ−1 m
i : (Ui ∩ Uj ) × R → (Ui ∩ Uj ) × R
m

(x, w) 7→ x, D(ϕj ◦ ϕ−1



i )(ϕi (x)) · w

é um difeomorfismo.

Colocamos a topologia em T M declarando que W ⊂ T M é aberto


se, e somente se, Φi (W ∩ π −1 (Ui )) é aberto para todo i. É claro que
deste modo as aplicações Φi são homeomorfismos e o conjunto das
aplicações

Φ̃i : π −1 (Ui ) −→ Ũi × Rm


(x, v) 7−→ (ϕi (x), Dϕi (x).v)

é um atlas C k em T M . A projeção π é claramente uma submersão


C ∞ e o diagrama abaixo é comutativo:

π −1 (Ui )
Φ̃i
/ Ũi × Rm
ϕi ◦π π1

" {
Ũi
14 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

Para cada par i, j com Ui ∩ Uj 6= ∅, defina

δij : Ui ∩ Uj → GL(m, R)
x 7→ D(ϕj ◦ ϕ−1
i )(ϕi (x)).

j
Assim, as mudanças de cartas são Φj ◦ Φ−1 i (x, v) = (x, δi (x).v). Pela
regra da cadeia, temos que se x ∈ Ui ∩Uj ∩Uk , então δji (x) = (δij (x))−1
e
δik (x) = δjk (x) · δij (x),

onde o produto denota a composição das duas transformações lineares


(a multiplicação no grupo GL(m, R)).
Se f : M → N é uma aplicação de classe C s entre variedades de
classe C r , 1 ≤ s ≤ r, então a aplicação

Tf : TM → TN

definida por T f (x, v) = (f (x), Df (x)v) é de classe C s−1 .

Exemplo 1.4. Transformações lineares de posto constante

O espaço Pk ⊂ L(Rm , Rn ) das transformações lineares de posto


k é uma subvariedade de codimensão (m − k) × (n − k), isto é, a
dimensão de Pk é m × n − (m − k) × (n − k).
De fato, se T0 é uma transformação linear de posto k, existem
bases de Rm e de Rn tais que a matriz de T0 nessas bases é formada
por quatro blocos, sendo que o primeiro é a identidade k × k e os
demais são nulos. Nessa mesma base a matriz de uma
 transformação
A B
linear T próxima a T0 se escreve como C D
,onde A é uma
matriz  k ×−1
 inversı́vel k. Como  
A−1 B

A B A I 0
=
C D 0 −I ∗ CA−1 B − D
e a segunda matriz do primeiro membro é inversı́vel, temos que o
posto da primeira matriz é igual ao posto da terceira matriz, que
é igual a k se, e somente se, CA−1 B − D = 0. Por outro lado,
a aplicação (A, B, C, D) 7→ CA−1 B − D é uma submersão, pois a
derivada parcial em relação a D já é sobrejetiva. Logo Pk é uma
subvariedade de codimensão (m − k) × (n − k).
[SEC. 1.2: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS ENTRE VARIEDADES 15

Exemplo 1.5. Os espaços projetivos reais RPn

Definimos RPn como o conjunto das retas que passam pela origem em
Rn+1 . Claramente também podemos ver RPn como o conjunto das
classes de equivalência da relação em Rn+1 \{0} definida por x ∼ y
se, e somente se, existe λ ∈ R \ {0} tal que y = λx. Denotamos a
classe de equivalência de x por [x] = {λx, λ ∈ R\{0}} e consideramos
a aplicação quociente

q : Rn+1 \{0} −→ RPn


x 7−→ [x].

Colocamos em RPn a topologia quociente, isto é, U ⊂ RPn é aberto


se, e somente se, q −1 (U ) é aberto.
O subconjunto Ui = {[x] ∈ RPn ; xi 6= 0} está bem definido e é um
subconjunto aberto. A aplicação φi : Ui → Rn dada por
 
x1 xi−1 xi+1 xn+1
φi ([x]) = ,..., , ,...,
xi xi xi xi

está bem definida, isto é, não depende da escolha de x em sua classe
de equivalência, e é um homeomorfismo. Temos também que nas
interseções Ui ∩ Uj , com i 6= j, vale
 
−1 x1 xj−1 xj+1 1 xn
φj ◦ φi (x1 , . . . xn ) = ,... , ... ,...,
xj xj xj xj xj
se j < i e
 
x1 1 xj xn
φj ◦ φ−1
i (x1 , . . . , xn ) = ,... ,... ,...,
xj−1 xj−1 xj−1 xj−1

se j > i. Logo {φi : Ui → Rn } é um atlas C ∞ para RPn (de fato


analı́tico real). A aplicação q é de classe C ∞ bem como sua restrição
π à esfera S n . Se a : S n → S n , a(x) = −x, a qual é chamada de
aplicação antı́poda, então π(x) = π(y) se, e somente se, y = a(x)
ou y = x. Se U é um subconjunto aberto da esfera S n tal que
a(U ) ∩ U = ∅, então V = π(U ) é um subconjunto aberto de RPn tal
que π −1 (V ) tem duas componentes conexas, U e a(U ), e a restrição de
π a cada uma delas é um difeomorfismo sobre o aberto V . A aplicação
16 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

π é um exemplo do que mais tarde será chamada de aplicação de


recobrimento. Como a esfera é compacta e π é contı́nua temos que o
espaço projetivo real é também compacto. Se n ≥ 2, o subconjunto
{[x] ∈ RP n ; xn+1 = 0} é uma subvariedade de RP n difeomorfa a
RP n−1 e seu complemento, {[x] ∈ RP n ; xn+1 6= 0} é difeomorfo a
Rn . Portanto RP n é uma compatificação de Rn .

Exemplo 1.6. Os espaços projetivos complexos CPn

Analogamente ao exemplo anterior, definimos CPn como o conjunto


de retas complexas em Cn+1 que passam pela origem. Como an-
tes, isto é o mesmo que o conjunto das classes de equivalência da
relação em Cn+1 \{0} definida por z ∼ w se, e somente se, existe um
número complexo λ não nulo tal que w = λz. Também consideramos
a aplicação quociente q : Cn+1 \ {0} → CPn e CPn com a topologia
quociente e os abertos Ui = {[z] ∈ CPn ; zi 6= 0}, com cartas locais
φi : Ui → Cn definidas por
 
z1 zi−1 zi+1 zn+1
φi [z] = ,..., , ,..., .
zi zi zi zi

Como as definições são semelhantes ao caso real, as mudanças de


coordenadas são análogas as de RPn . Por exemplo, se i > j temos
 
z1 zj−1 zj+1 1 zi zn
ϕj ◦ ϕ−1
i (z1 , . . . , zn ) = ,..., , , ..., , , . . . , .
zj zj zj zj zj zj

Assim as mudanças de coordenadas são aplicações holomorfas, em


particular de classe C ∞ . Logo CPn é variedade complexa de di-
mensão complexa n.

Como no exemplo anterior, a aplicação quociente q é uma aplicação


C ∞ (de fato holomorfa) e se restringe a uma aplicação πPde classe
C ∞ (de fato real analı́tica) da esfera S 2n+1 = {z ∈ Cn+1 ; i |zi |2 =
1} sobre CPn . Isto implica, em particular, que CPn é uma varie-
dade compacta. A imagem inversa de cada ponto de CPn por q é
difeomorfa a um cı́rculo na esfera S 2n+1 .
[SEC. 1.2: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS ENTRE VARIEDADES 17

Esta aplicação tem uma estrutura especial. De fato, a aplicação


θi : Cn → S 2n+1 definida por
1
θi (z1 , . . . , zn ) = q P (z1 , . . . , zi−1 , 1, zi , . . . zn )
1+ j |zj |2

é um mergulho C ∞ , de modo que θi ◦ ϕi : Ui → S 2n+1 também é um


mergulho C ∞ . Portanto a aplicação Φi : Ui × S 1 → q −1 (Ui ) ⊂ S 2n+1
definida por Φi (x, λ) = λθi (ϕi (x)) é um difeomorfismo C ∞ . Dizemos
então que q é uma fibração localmente trivial com fibra S 1 .

Definição 1.5. Uma submersão π : M → N é uma fibração local-


mente trivial com fibra F se todo ponto de N possui uma vizi-
nhança U tal que exista um difeomorfismo Φ : U × F → π −1 (U )
com π ◦ Φ = π1 , em que π1 (x, y) = x é a projeção no primeiro fator.

Quando n = 1, CP1 é difeomorfo à esfera S 2 . De fato, a aplicação


S → CP1 que ao ponto (0, 0, 1) ∈ S 2 associa [(1, 0)] ∈ CP1 e, se
2

z1 6= 1, associa ao ponto (x1 , y1 , z1 ) ∈ S 2 o ponto [(x1 + iy1 , 1 −


z1 )] é um difeomorfismo analı́tico
√ real. Isto porque se x21 + x22 6= 0,
1− x2 +x2
[(x1 + ix2 , 1 − x3 )] = [1, x2 +x
1
2
2
(x1 − ix2 ) e a aplicação x1 + ix2 7→
√ 2 2 1 2
1− x1 +x2
x21 +x22
definida em x1 + ix2 6= 0 se estende a uma aplicação C ∞
de uma vizinhança √ de zero uma vez que, para t ∈ R proximo a zero,
a aplicação t 7→ 1 − t = 1 − 12 t + ρ(t)t onde ρ é uma função analı́tica
real.
Portanto temos uma fibração localmente trivial de S 3 sobre S 2
com fibra S 1 , conhecida como fibração de Hopf.

Descreveremos agora uma classe muito importante de subvari-


edades complexas de CPn . Um polinômio P : Cn+1 → C é ho-
mogêneo de grau k se P (λz1 , . . . , λzn+1 ) = λk P (z1 , . . . , zn+1 ). Mais
geralmente, consideremos uma função F : Cn+1 → Cl , com l < n,
tal que F (z) = (F 1 (z), . . . , F l (z)), onde F j é um polinômio ho-
mogêneo de grau kj . Logo F (z) = 0 se, e somente se, F (λz) = 0
para todo λ ∈ C \ {0}. Assim, tem sentido definir o subconjunto
SF = {x ∈ CPn ; F (q −1 (x)) = 0}. Se 0 é valor regular de cada uma
18 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

das aplicações

(z1 , . . . , zn ) 7→ F (z1 , . . . , zi−1 , 1, zi , . . . , zn ),

então SF é uma subvariedade complexa de CPn de dimensão com-


plexa n−l. No final desse capı́tulo mostraremos que dada uma função
F como acima, podemos, perturbando arbitrariamente pouco os co-
eficientes dos polinômios, obter uma função tal que zero seja valor
regular das aplicações acima. Quando l = 1 temos que SF é sempre
não vazio pois todo polinômio em uma variável complexa tem sempre
uma raı́z. Usando a teoria de número de interseção de subvariedades,
mostraremos no capı́tulo 9 que SF é sempre não vazio se l < n. Ob-
servemos que, como CPn é uma variedade compacta, então SF é uma
subvariedade compacta pois é obviamente um subconjunto fechados.
Essas subvariedades são chamadas variedades projetivas .
Exemplo 1.7. Espaços projetivos quaterniônicos

Em um espaço vetorial real H de dimensão 4 podemos introduzir


uma estrutura de grupo multiplicativo da seguinte forma. Tomamos
uma base e0 , e1 , e2 , e3 . Definimos o produto dos elementos da base
da seguinte maneira: e0 ej = ej e0 = ej , e2j = −e0 , j = 1, 2, 3, e1 e2 =
−e2 e1 = e3 , e2 e3 = −e3 e2 = e1 e e3 e1 = −e1 e3 = e2 . Estendemos
a multiplicação para todo o espaço H usando a distributividade em
relação à soma e a comutatividade com respeito à multiplicação por
números reais. Pode-se provar que a multiplicação assim definida é as-
sociativa. O espaço H com a multiplicação assim definida é conhecido
como o grupo dos quatérnios. Normalmente identificamos o elemento
e0 com o número real 1, e2 com o número complexo i e denotamos
e2 por j e e3 por k. Assim H = {q = x0 + x1 i + x2 j + x3 k; xl ∈ R}.
O conjugado de um quatérnio q = x0 + x1 i + x2 j + x3 k é o quatérnio
q ∗ = x0 − x1 i − x2 j − x3 k. Temos que qq ∗ = q ∗ q = x20 + x21 + x22 + x23
é um número real e, se q 6= 0 o inverso de q é o quatérnio (qq ∗ )−1 q ∗ .
Como antes, definimos a relação de equivalência em Hn+1 \ {0}
como z ∼ w se, e somente se, existe um quatérnio não nulo λ tal que
w = zλ = (z1 λ, . . . , zn λ). O espaço quociente, denotado por HPn , é
chamado espaço projetivo quaterniônico.
Assim, como no exemplo anterior, temos que HPn tem uma es-
trutura de variedade de dimensão real 4n, a aplicação quociente
[SEC. 1.3: GRUPOS DE LIE 19

q : Hn+1 \ {0} → HPn é C ∞ e se restringe a uma fibração localmente


trivial π : S 4n+3 → HPn com fibra S 3 . Quando n = 1 temos, com o
mesmo argumento usado no exemplo anterior, que HP 1 é difeomorfo
a S 4 o que nos fornece uma fibração locamente trivial de S 7 sobre
S 4 com fibra S 3 . Veremos mais tarde que tanto esse exemplo como o
anterior são casos especiais do que chamaremos fibrados principais.

Exemplo 1.8. Variedades de Grassman reais

Podemos generalizar os espaços projetivos reais considerando o


espaço dos k-subespaços de Rn que passam pela origem. Esse espaço
é denotado por G(n, k) e é conhecido como variedade de Grassman.
Para construir um atlas em G(n, k) tomemos um produto interno em
Rn e para cada subespaço E ∈ G(n, k) consideremos o subconjunto
UE dos subespaços que intersectam o complementar ortogonal E ⊥
apenas na origem. Todo elemento de UE é o gráfico de uma única
transformação linear em L(E, E ⊥ ). Portanto UE é homeomorfo ao
espaço das transformações lineares de E em E ⊥ . Deixamos como
exercı́cio ao leitor mostrar que as mudanças de coordenadas são de
classe C ∞ e que, portanto, G(n, k) é uma variedade de dimensão
k ×(n−k). É claro que o espaço projetivo é o caso particular G(n, 1).
Vale também que a aplicação E 7→ E ⊥ é um difeomorfismo de G(n, k)
em G(n, n − k). Se M ⊂ RN é uma subvariedade de classe C r , r ≥ 1
então a aplicação que a cada x ∈ M associa o seu espaço tangente
T Mx é uma aplicação de classe C r−1 de M na variedade de Grassman
G(N, m).

Exemplo 1.9. Variedades de Grassman complexas

Da mesma forma podemos definir uma estrutura de variedade


complexa em G(n, k, C) no conjunto dos subespaços de dimensão
complexa k de Cn , generalizando os espaços projetivos complexos.

1.3 Grupos de Lie


Discutiremos a seguir vários exemplos de variedades com uma estru-
tura de grupo onde as operações são diferenciáveis. Mais precisa-
mente, temos a seguinte definição.
20 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

Definição 1.6. Um grupo de Lie é uma variedade G, de classe C ∞ ,


munida de duas aplicações de classe C ∞ , m : G × G → G e i : G → G
e de um elemento e ∈ G, tais que

• m(x, e) = m(e, x) = x ∀x ∈ G

• m(x, m(y, z)) = m(m(x, y), z) ∀x, y, z ∈ G

• i(e) = e

• m(x, i(x)) = m(i(x), x) = e ∀x ∈ G.

O elemento e é chamado de identidade do grupo e as operações são


normalmente escritas como m(x, y) = xy e i(x) = x−1 .

7a O cı́rculo

S 1 = {z ∈ C ; |z| = 1} com a multiplicação de números comple-


xos é um grupo de Lie comutativo.

7b Produtos

O produto cartesiano de grupos de Lie é um grupo de Lie, em


particular o toro Tn = S 1 × · · · × S 1 é um grupo de Lie comutativo.

7c O grupo linear de Rn

O espaço GL(n, R) ⊂ L(Rn , Rn ) das transformações lineares in-


versı́veis de Rn com a operação de composição é naturalmente um
grupo de Lie, pois a composição de aplicações lineares é uma aplicação
bilinear e assim se restringe a uma aplicação C ∞ em GL(n, R). Pelo
teorema das funções implı́citas, a inversão é também de classe C ∞ .
Escolhida uma base de Rn , identificamos GL(n, R) com o grupo das
matrizes n × n inversı́veis.

7d O grupo linear especial de Rn

Como a função determinante det : L(Rn , Rn ) → R é de classe C ∞


(o determinante é uma função n-linear das colunas da matriz) e 1 é
valor regular desta, temos que SL(n, R) = {A ∈ GL(n, R); detA = 1}
[SEC. 1.3: GRUPOS DE LIE 21

é uma subvariedade de codimensão 1. Como a composição e inversão


preservam SL(n, R) (isto é, é um subgrupo de GL(n, R)), temos que
SL(n, R) é também um grupo de Lie.

7e O grupo ortogonal, o grupo de Lorentz e o grupo


simplético

Seja B : Rn × Rn → R uma aplicação bilinear não degenerada,


isto é, a aplicação Rn → (Rn )∗ = L(Rn , R) dada por x 7→ B(x, ·)
é um isomorfismo. Então, dada uma aplicação linear T : Rn → Rn ,
existe uma única transformação linear T ∗ : Rn → Rn tal que para
todos x, y ∈ Rn vale B(T x, y) = B(x, T ∗ y).
A aplicação T ∈ L(Rn , Rn ) 7→ T ∗ ∈ L(Rn , Rn ) é linear e sa-
tisfaz (T S)∗ = S ∗ T ∗ . Denotemos por Ls (Rn , Rn ) o subespaço das
transformações lineares T tais que T ∗ = T e por Las (Rn , Rn ) o
subespaço das transformações lineares tais que T ∗ = −T . Como
T = 12 (T + T ∗ ) + 12 (T − T ∗ ), temos que
M
L(Rn , Rn ) = Ls (Rn , Rn ) Las (Rn , Rn ).

Seja agora O(n, B) o conjunto das transformações lineares in-


vertı́veis T tais que B(T x, T y) = B(x, y) para todos x, y ∈ Rn . É
claro que O(n, B) é um subgrupo de GL(n, R). Para provar que é um
grupo de Lie basta provar que é uma subvariedade. Para tanto obser-
vemos que T ∈ O(n, B) se, e somente se, T T ∗ = I. Por outro lado,
como T T ∗ ∈ Ls (Rn , Rn ), temos que O(n, B) é a imagem inversa da
identidade pela aplicação F : L(Rn , Rn ) → Ls (Rn , Rn ), T 7→ T T ∗ .
É claro que F é C ∞ e DF (T ).X = XT ∗ + T X ∗ . Se T T ∗ = I e
V ∈ Ls (Rn , Rn ), existe X ∈ L(Rn , Rn ) tal que XT ∗ = 12 V = T X ∗ ,
pois T ∗ = T −1 . Logo DF (T ).X = V e I é valor regular de F . Por-
tanto O(n, B) é um grupo de Lie.

O grupo ortogonal O(n, R) é o grupo O(n, B) onde B é um pro-


duto interno de Rn . Tomando uma base ortonormal de Rn , a matriz
associada a T ∗ é a transposta da matriz associada a T . Assim, o
grupo ortogonal se identifica com o grupo das matrizes que multipli-
cada pela transposta é igual à identidade. O determinante de uma
tal matriz é portanto igual a 1 ou a -1. Como duas matrizes or-
22 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

togonais com determinante com um mesmo sinal podem ser ligadas


por um caminho de matrizes ortogonais, temos que O(n, R) tem duas
componentes conexas. A componente da identidade é denotada por
SO(n, R), o conjunto das matrizes ortogonais de determinante 1.
Se B é uma transformação bilinear simétrica e não degenerada de
Rn , existe uma base e1 , . . . en de Rn tal que B(ei , ej ) = 0 se i 6= j,
B(ei , ei ) = 1 se i ≤ k e B(ei , ei ) = −1 se i = k + 1, . . . , n. O
inteiro k é chamado de assinatura da forma bilinear. O grupo das
transformações que preservam uma forma bililinear de assinatura k
é denotado por O(n − k, k). É fácil verificar que o grupo O(3, 1) tem
quatro componentes conexas e a componente que contém a identi-
dade é chamada de grupo de Lorentz , que desempenha um papel
fundamental em Fı́sica. Este grupo de Lie tem dimensão 6.

Um outro caso particular importante é quando a forma bilinear


é alternada, o que é chamado de forma simplética. Nesse caso a
dimensão do espaço tem que ser par e existe uma base na qual a
forma simplética se escreve como
n
X
B((x1 , . . . , xn , p1 , . . . , pn ), (y1 , . . . , yn , q1 , . . . , qn )) = (xi qi − pi yi )
i=1

Denotamos por Sp(n, R) o grupo de Lie das transformações que dei-


xam invariante a forma simplética.

7f Grupos Lineares Complexos

O grupo das transformações lineares complexas inversı́veis de Cn


é denotado por GL(n, C) e é obviamente um grupo de Lie. Como an-
teriormente, o subgrupo SL(n, C) das transformações com determi-
nante 1 é também um grupo de Lie, e de fato uma variedade complexa
e as operações do grupo são holomorfas.
Para construir outros subgrupos com estrutura de grupo de Lie,
consideremos uma forma hermitiana B : Cn × Cn → C, isto é, B é
C-linear na segunda variável, B(x, y) = B(y, x) e é não degenerada,
no sentido que: B(x, y) = 0 para todo y se, e somente se, x = 0.
Como anteriormente, temos que dada uma transformação C-linear
T : Cn → Cn , existe uma única transformação C-linear T ∗ : Cn → Cn
[SEC. 1.4: O LEMA DE SARD 23

tal que B(T x, y) = B(x, T ∗ y) para todos x, y ∈ Cn . Temos também


que (T S)∗ = S ∗ T ∗ e se λ ∈ C, então (λT )∗ = λT ∗ . Portanto a
aplicação T 7→ T ∗ é anti-linear. O subgrupo das transformações que
preservam B é denotado por U (n, C) e é chamado grupo unitário. De-
finimos SU (n, C) como o subgrupo que consiste das transformações
unitárias com determinante 1. Os mesmos argumentos utilizados no
caso real mostram que esses grupos são variedades complexas e que
as operações de grupo são holomorfas.

7g Quatérnios Unitários

A esfera S 3 vista como o conjunto dos quatérnios de norma 1 é


um grupo de Lie não comutativo. De fato, se q = x0 +x1 i+x2 j +x3 k,
então q ∗ = x0 − x1 i − x2 j − x3 k e qq ∗ = x20 + x21 + x22 + x23 , de modo
que S 3 = {q ∈ H; qq ∗ = 1}. Podemos identificar R3 com o conjunto
dos quatérnios imaginários, isto é,

R3 = {τ ∈ H; τ ∗ = −τ } = {y1 i + y2 j + y3 k; y1 , y2 , y3 ∈ R}

e τ τ ∗ = y12 + y22 + y32 . Assim, a cada quatérnio q ∈ S 3 , podemos


associar a transformação linear R3 → R3 , τ 7→ qτ q ∗ , e notar que
preserva a norma, e portanto é um elemento de SO(3). Assim temos
a aplicação
π : S 3 −→ SO(3)
q 7−→ (τ 7→ qτ q ∗ ).
Exercı́cio 1.1. Mostre que π é uma aplicação de classe C ∞ , que é
um homomorfismo de grupos e que seu núcleo é isomorfo a Z2 .

1.4 O Lema de Sard


Um cubo em Rn é o produto cartesiano Πni=1 Ii onde Ii é um intervalo
de comprimento l > 0. Dizemos que o cubo tem aresta l e volume ln .
Um subconjunto X ⊂ Rn tem medida zero se dado  > 0 existe uma
cobertura no máximo enumerável de X por cubos tal que a soma
total dos volumes é menor que .
Proposição 1.1. 1. A união de uma coleção enumerável de sub-
conjuntos de medida zero em Rn tem medida zero.
24 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

2. X ⊂ Rn tem medida zero se, e somente se, todo ponto tem uma
vizinhança que intersecta X em um conjunto de medida zero.

Demonstração. 1) Sejam Xi , i = 1, 2, . . . conjuntos de medida zero.


Dado  > 0 para cada i existe uma coleção P no máximo enumerável

Ci,j de cubos que
P cobrem X i e tais que j Vol(Ci,j ) < 2i . Logo
X ⊂ ∪i,j Ci,j e i,j Vol(Ci,j ) < . 2) Segue de 1) pois toda cobertura
aberta de um subconjunto de Rn tem uma subcobertura enumerável.

Proposição 1.2. Seja f : U ⊂ Rm → Rp , p ≥ m, uma aplicação de


classe C 1 . Se X ⊂ U tem medida zero, então f (X) tem medida zero.

Demonstração. Pela desigualdade do valor médio, uma função de


classe C 1 é localmente Lipschitz. Portanto se x0 ∈ U existem vizi-
nhanças V, W de x0 com o fecho de V compacto e contido em W ⊂ U
e uma constante K tais que se x, y ∈ W , ||f (x) − f (y)|| < K||x − y||.
Pela proposição 1.1, podemos supor√ que X ⊂ V . Um cubo contido
em W de aresta l tem diâmetro
√ l m. Logo sua image, está contida
em uma bola de raio√Kl m, que por outro √ lado está contida em um
cubo de aresta 2Kl m √e volume (2Kl m)p . Como p ≥ m temos
que se l < 1 e L = (2K m)p , então a imagem de um cubo C ⊂ W
está contido em um cubo C̃ tal que Vol(C̃) ≤ LVol(C). Dado  > 0,
podemos cobrir X ∩ V por uma famı́lia de cubos cuja soma dos vo-
lumes é menor que L e também menor do que o mı́nimo entre 1 e a
distância de V ao complementar de W elevado à potência m. Essa
última condição garante que todos os cubos que intersectam X estão
contidos em W . Assim, podemos escolher para cada cubo um ou-
tro cubo em Rp que contenha sua imagem e tenha volume menor ou
igual a L vezes o volume do cubo do domı́nio. Temos portanto uma
cobertura da imagem de X por cubos tal que a soma dos volumes
seja menor do que .

Corolário 1.3. Se f : U ⊂ Rm → Rp é de classe C 1 e p > m, então


f (U ) tem medida nula.

Demonstração. Definindo f˜: U × Rp−m → Rp por f˜(x, y) = f (x),


então f (U ) = f˜(U × {0}) e U × {0} tem medida nula em Rp .
[SEC. 1.4: O LEMA DE SARD 25

Como conjuntos de medida nula são preservados por difeomorfis-


mos, a noção de medida nula se estende para variedades: um conjunto
X ⊂ M tem medida nula se sua imagem por cartas locais tem medida
nula.

Corolário 1.4. Seja f : M → N uma aplicação C 1 entre variedades.

• Se a dimensão de N é maior que a dimensão de M , então f (M )


tem medida zero.

• Se a dimensão de N é maior ou igual à dimensão de M , então f


aplica conjuntos de medida nula em conjuntos de medida nula.

Definição 1.7. Dizemos que x ∈ M é ponto crı́tico de uma aplicação


f : M → N de classe C 1 se a derivada de f em x não é sobrejetiva. O
conjunto dos pontos crı́ticos de f é denotado por Cr(f ) e é um sub-
conjunto fechado de M . O complemento de sua imagem é o conjunto
dos valores regulares de f .

Lema 1.5. Se f : U ⊂ Rm → Rn é de classe C ∞ , então a imagem do


conjunto crı́tico de f tem medida nula.

Antes de provar o lema mostraremos que ele implica o seguinte


teorema.

Teorema 1.6. (Lema de Sard) Se f : M → N é uma aplicação


C ∞ , então a imagem do conjunto crı́tico de f tem medida nula.

Demonstração. Tomemos famı́lias enumeráveis de cartas locais


ψi : Vi ⊂ N → Rn , φi : Ui ⊂ M → Rm tais que f (Ui ) ⊂ Vi e a
união dos Ui seja igual a M . É claro que o conjunto dos pontos
crı́ticos de f é a união das pré-imagens por φi dos pontos crı́ticos de
ψi ◦ f ◦ φ−1
i , portanto a imagem por f dos pontos crı́ticos de f é igual
à união das pré-imagens por ψi das imagens dos pontos crı́ticos de
ψi ◦f ◦φ−1i . Pelo Lema 1.5 a imagem dos pontos crı́ticos de ψi ◦f ◦φi
−1
−1
tem medida nula e portato sua imagem por ψi também tem medida
nula.

Corolário 1.7. O conjunto dos valores regulares de uma aplicação


de classe C ∞ é denso.
26 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

Demonstração. Um cubo em Rn não tem medida nula. De fato


isso é óbvio em dimensão 1 e segue por indução na dimensão usando
o teorema de Fubini. Dado um ponto e uma vizinhança desse ponto,
existe uma vizinhança menor que é aplicada por uma carta local em
um cubo, logo essa vizinhança não pode estar contida na imagem dos
pontos crı́ticos. Portanto contém algum valor regular.

Demonstração do Lema de Sard: Sejam Σ0 (f ) o conjunto dos


pontos crı́ticos de f e, para i ≥ 1, Σi (f ) o conjunto dos pontos x ∈ U
tais que todas as derivadas de f em x se anulam até a ordem i. Seja ν
o menor inteiro maior que m n e consideremos a decomposição seguinte
do conjunto crı́tico de f :

Σ0 (f ) = Σν (f ) ∪ (∪ν−1
i=0 (Σi \ Σi+1 )).

Vamos mostrar que a imagem de cada um desses subconjuntos tem


medida nula.

Σν tem medida nula.


Se x0 ∈ Σν , então existe, pelo teorema de Taylor, um cubo C ⊂
U contendo x0 em seu interior e uma constante L > 0 tal que
||f (x) − f (y)|| ≤ L||x − y||ν para todos x ∈ Σν ∩ C e y ∈ C. Como
já vimos, basta provar que a imagem da interseção de Σν com C
tem medida nula. Dado um inteiro s, podemos dividir o cubo em sm
m
cubos com arestas sl , onde l é a aresta do cubo C, C = ∪si=1 Ci . Se
um cubo Ci intersecta
√ Σν , então sua imagem está contida em uma
bola de raio L( sl m)ν e portanto contida em um cubo Ci0 de volume

(2L sl m)nν . Como o número de cubos Ci que intersectam Σν é me-
nor ou igual a sm , temos que a imagem da interseção de Σν com o
cubo C pode ser√coberta por cubos√ cuja soma dos volumes é menor ou
igual a sm (2L sl m)nν = (2Ll m)νn sm−nν , valor que tende a zero
quando s → ∞ pois m − nν < 0. Logo a imagem de Σν tem medida
zero.

Prova do Lema quando m = 1.


Se n > 1 o Lema segue da Corolário 1.4. Seja n = 1. Seja I um
intervalo em torno de um ponto x0 de comprimento l. Dividimos I
[SEC. 1.4: O LEMA DE SARD 27

em intervalos Ij de comprimento sl . Dado  > 0 temos que, se s é su-


ficientemente grande e o intervalo Ij contém um ponto crı́tico, então
f (Ij ) é um intervalo de comprimento menor ou igual a l sl . Logo a
imagem da interseção de I com o conjunto de pontos crı́ticos pode
ser coberta por intervalos cuja soma dos comprimentos é menor ou
igual a . Isso prova o lema se m = 1 e, consequentemente, o teorema
1.6 é também verdadeiro se m = 1.

Suponhamos por indução que o teorema é verdadeiro para m − 1 e


todo p. Vamos provar que o Lema em dimensão m.

f (Σi \ Σi+1 ) tem medida nula se i ≥ 1.


Seja x0 ∈ Σi \ Σi+1 . Seja g a derivada parcial de ordem i de uma
coordenada de f tal que a derivada parcial de g em relação a xj não
se anula. Pelo teorema das funções implı́citas, existe uma vizinhança
V de x0 tal que S = V ∩ g −1 (0) é uma subvariedade de dimensão
m − 1. Como Σi ∩ V ⊂ S e Σi ∩ V está contido no conjunto de pontos
crı́ticos da restrição de f a S, temos, pela hipótese de indução, que
f (V ∩ (Σi \ Σi+1 )) tem medida zero.

f (Σ0 \ Σ1 ) tem medida zero.


Seja x0 ∈ Σ0 \ Σ1 . Logo, alguma das componentes de f tem alguma
derivada parcial não nula em x0 . Pelo teorema da função implı́cita,
existem vizinhanças V de x0 , W de f (x0 ) e difeomorfismos φ : V →
R × Rm−1 , ψ : W → R × Rn−1 satisfazendo φ(x0 ) = 0, ψ(f (x0 )) = 0.
Temos ainda que se g = ψ ◦ f ◦ φ−1 , então g(t, x) = (t, h(t, x)), onde
h : R × Rm−1 → Rn−1 é uma função C ∞ .

Basta mostrar que a imagem do conjunto de pontos crı́ticos de g


tem medida nula. Pela hipótese de indução, para cada t o conjunto
ht (Cr(ht )) ⊂ Rn−1 tem medida nula. Como Cr(g) = ∪t {t} × Cr(ht )
temos que, pelo Teorema de Fubini, g(Cr(g)) = ∪t {t} × ht (Cr(ht ))
tem medida nula.

Consideremos o espaço S das aplicações F : Cn+1 → Cl da forma


F (z) = (F 1 (z), . . . , F l (z)), onde cada F j é um polinômio homogêneo
de grau kj . Então S é um subconjunto aberto de um espaço vetorial
28 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

Pl
de dimensão n = j=1 n(j), onde n(j) é número de monômios ho-
mogêneos de grau kj nas variáveis z1 , . . . , zn+1 . Logo S é um espaço
de Baire, isto é, a interseção enumerável de subconjuntos abertos e
densos é densa.
Proposição 1.8. Dado F ∈ S, defina a aplicação F (i) : Cn → Cl por

F (i) (z) = F (z1 , . . . , zi−1 , 1, zi , . . . zn+1 ).

Seja Si,k ⊂ S o conjunto das funções F tais que para todo z ∈ Cn ,


com ||z|| ≤ k e F (i) (z) = 0, a derivada DF (i) (z) é sobrejetiva. Então
Si,k é aberto e denso.
Demonstração. Considere F ∈ Si,k . Como a interseção do fechado
{z ∈ Cn ; F (i) (z) = 0} com a bola fechada de raio k é compacta e
o conjunto das aplicações lineares sobrejetivas é aberto, existe uma
vizinhança V desse compacto e uma vizinhança W de F tal que se
G ∈ W então DG(i) (z) é sobrejetiva para todo z ∈ V . Como o com-
plementar de V na bola fechada de raio k é compacto e F (i) não se
anula nesse compacto, podemos diminuir W de forma que G(i) ∈ W
também não se anule nesse compacto. Logo W ⊂ Si,k e Si,k é aberto.

Para mostrar a densidade, seja F ∈ S em W uma vizinhança de


F . Seja  > 0 tal que se G ∈ S e cada coeficiente dos monômios
de Gj esteja a menos de  do correspondente monômio de F j então
G ∈ W . Pelo Lema de Sard, existe w ∈ Cl que é valor regular de F (i)
e |wj | <  para j = 1, . . . , l. Tomemos agora G ∈ S tal que todos
os coeficientes dos monômios de Gj são iguais aos de F j exceto o
coeficiente do monômio ziki , onde a diferença é −wj . Logo G ∈ W e,
como G(i) (z) = F (i) (z) − w, temos que 0 é valor regular de G e assim
G ∈ Si,k é aberto e denso. Portanto S = ∩i,k Si,k é um conjunto
residual e, como veremos no próximo capı́tulo, toda variedade é um
espaço de Baire: todo conjunto residual é denso.

Corolário 1.9. O conjunto das funções F ∈ S tais que 0 é valor


regular de cada uma das funções F (i) é denso.
Veremos mais tarde que muitos espaços de funções tem uma es-
trutura de espaços de Banach, isto é, um espaço vetorial munido de
[SEC. 1.4: O LEMA DE SARD 29

uma norma completa: toda sequência de Cauchy é convergente. Se a


norma do espaço de Banach E é definida via um produto interno di-
zemos que E é um espaço de Hilbert. Um isomorfismo entre espaços
de Banach é uma aplicação linear contı́nua que possui uma inversa
contı́nua. Um subespaço fechado F de um espaço de Banach E de
dimensão infinita pode não possuir um complementar fechado, isto
é, um subespaço fechado F tal que exista um subespaço fechado G
tal que E seja isomorfo a E ⊕ F . Se E, F são espaços de Banach, o
espaço L(E, F ) das aplicações lineares contı́nuas, munido da norma,
|T | = sup{||T v||; ||v|| = 1} é também um espaço de Banach. Os re-
sultados usuais do cálculo diferencial se estendem para funções entre
espaços de Banach.
O teorema da função inversa, cuja prova é a mesma que em di-
mensão finita, afirma que se f : U ⊂ E → F é uma aplicação de
classe C?1 e a derivada de f no ponto x0 é um isomorfismo ( isto é,
tem uma inversa contı́nua) então a restrição de f a uma vizinhança
de x0 é um difeomorfismo sobre uma vizinhança de f (x0 ). Para o
teorema da forma local das submersões, devemos exigir que a deri-
vada no ponto x0 além de ser sobrejetiva que o seu núcleo tenha um
complementar fechado tal que a derivada restrita a esse subespaço
seja um isomorfismo sobre F . Para a forma local das submersões
exigimos que a imagem da derivada seja um subespaço fechado que
tem um complementar fechado.
A noção de variedades modeladas em espaços de Banach é ana-
loga: uma carta local é um homeomorfismo de um aberto sobre um
subconjunto aberto do espaço de Banach e as mudanças de coor-
denadas são difeomorfismos. Da mesma forma definimos aplicações
diferenciáveis entre variedades de Banach.
Em [Ku], Kupka deu um exemplo de uma função de classe C?∞
em um espaço de Hilbert, tomando valores na reta, que não satisfaz o
teorema de Sard: o conjunto dos valores crı́ticos contém um intervalo.
Em [SS], Smale mostrou uma extensão do teorema de Sard para
uma classe importante de aplicações entre variedades de Banach. Um
operador entre espaços de Banach é de Fredholm se o seu núcleo
tem dimensão finita e sua imagem é um subespaço fechado de codi-
mensão finita. O ı́ndice de um operador de Fredholm é definido como
a diferença entre a dimensão do núcleo e a codimensão da imagem.
Uma aplicação diferenciável entre duas variedades de Banach é de
30 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

Fredholm se em cada ponto a derivada é um operador de Fredholm.


Se a aplicação é C?r e o domı́nio é conexo então o ı́ndice é constante
( o conjunto dos operadores de Fredholm é aberto e o ı́ndice é local-
mente constante). Smale mostrou que se uma aplicação de Fredholm
é C r com r maior que 0 e maior que o ı́ndice, então o conjunto dos
valores regulares é resisual e, portanto, denso no contradomı́nio. A
demonstração se reduz facilmente ao caso de dimensão finita. Por
outro lado a hipótese é verificada em várias situações importantes no
estudo de equações a derivadas parciais.
Capı́tulo 2

Partição da unidade e aplicações

2.1 Partição da unidade


Nessa seção introduziremos uma técnica fundamental que permite
globalizar resultados locais em variedades diferenciáveis de classe
C r , em que 1 ≤ r ≤ ∞. A existência desse instrumento é um
dos responsáveis pela maior flexibilidade das estruturas diferenciáveis
comparando-as com as estruturas complexas, para as quais não dis-
pomos de instrumentos semelhantes.
Proposição 2.1. Se 0 < a < b, então existe uma função

λ : Rn → [0, 1]

de classe C ∞ tal que

λ(x) = 1 se kxk ≤ a
λ(x) = 0 se kxk ≥ b
Demonstração. Para provar o fato, definimos 4 funções como segue.

Defina primeiramente α : R → R por



0 se t≤0
α(t) = 1 .
e− t se t≥0

Verifica-se que α é de classe C ∞ . Em seguida defina β : R → R por


β(t) = α(b − t)α(t − a).

31
32 [CAP. 2: PARTIÇÃO DA UNIDADE E APLICAÇÕES

Figura 2.1: Gráficos de α e β.

Rb
β
Finalmente, defina δ : R → R por δ(t) = Rtb
β
e λ : Rn → [0, 1] por
a
λ(x) = δ(kxk).

Figura 2.2: Gráficos de δ e λ.

Proposição 2.2. Se M é uma variedade, então existe uma sequência


de subconjuntos compactos

K1 ⊂ K2 ⊂ K3 ⊂ . . .

tais que
S∞
• i=1 Ki = M

• Ki está contido no interior de Ki+1 .

Demonstração. A primeira observação é que qualquer cobertura


aberta {Uλ , λ ∈ Λ} de M admite uma subcobertura enumerável. De
[SEC. 2.1: PARTIÇÃO DA UNIDADE 33

fato, seja {Bn , n ∈ N} uma base enumerável de abertos de M . Se


x ∈ M , com Uλ 3 x, existe n tal que x ∈ Bn ⊂ Uλ . Temos então
uma cobertura enumerável de M , Bni tal que cada Bni está contido
em algum Uλ . Para cada i escolhemos λi tal que Uλi ⊃ Bni . Temos
então uma subcobertura enumerável.

Para cada x ∈ M tome Vx uma vizinhança compacta de x e consi-


deremos a cobertura de M pelo interior dos Vx . Tomamos daı́ uma
subcobertura enumerável {Vn }n∈N .

Seja K1 = V1 . Como K1 é compacto e os interiores dos Vj cobrem


K1 , podemos encontrar uma subcobertura finita. A união de K1
com os elementos dessa cobertura finita de K1 é um compacto K2
cujo interior contém K1 . Por indução, construı́mos toda a sequência
usando o mesmo argumento.

Definição 2.1. Seja f : M → R uma função contı́nua. O suporte de


f , denotado por supp(f ), é o fecho de {x ∈ M ; f (x) 6= 0}.

Definição 2.2. Seja V = {Vi }i∈I uma cobertura aberta de M . Uma


partição da unidade subordinada a V é uma famı́lia {λi : M → [0, 1]}
de funções C ∞ tal que

1. supp(λi ) ⊂ Vi ;

2. {supp(λi )} é uma famı́lia localmente finita, isto é, todo ponto de


M tem uma vizinhança que intersecta no máximo um número
finito de elementos da famı́lia;
P
3. i∈I λi (x) = 1.

Obs. A soma em (3) é finita para cada x ∈ M devido a (2).

Lema 2.3. Seja W = {Wλ , λ ∈ Λ} uma cobertura aberta de M que


refina a cobertura V = {Vi ; i ∈ I}, isto é , existe uma função l : Λ → I
tal que para todo λ vale Wλ ⊂ Vl(λ) . Se existe partição da unidade
{φλ , λ ∈ Λ} subordinada a W, então existe uma partição da unidade
{ψi , i ∈ I} subordinada a V.
34 [CAP. 2: PARTIÇÃO DA UNIDADE E APLICAÇÕES

Demonstração. Basta tomar


X
ψi = φλ .
l(λ)=i

De fato, vamos provar que o suporte de ψi está contido em Vi . Seja


x um ponto do complementar de Vi . Como a famı́lia dos suportes de
φλ é localmente finita, existe uma vizinhança U0 de x que intersecta
apenas um número finito de elementos dessa famı́lia. Se I(λ) = i e o
suporte de φλ não intersecta U0 definimos Uλ = U0 . Caso contrário,
como o suporte de φλ está contido em Ui e x não pertence a Ui , existe
uma vizinhança Uλ de x disjunta do suporte de φλ . A interseção U
da famı́lia finita Uλ é uma vizinhança de x na qual ψi é identicamente
nula, o que prova a afirmação e o lema.
Teorema 2.4. Dada uma cobertura aberta A = {Aλ , λ ∈ Λ} de M ,
então existe uma partição da unidade subordinada a A.
Demonstração. Considere uma sequência de compactos Ki tais que

[
Ki = M
i=1

e
Ki ⊂ intKi+1 .
Para cada x ∈ M seja Wx uma vizinhança de x e ϕx : Wx → B(0, 3)
uma carta local, onde B(0, 3) é a bola de centro zero e raio 3 em Rm ,
tais que
0. ϕx (x) = 0;
1. Wx está contido em um elemento da cobertura A;
2. Se x ∈ Ki+1 \ intKi , então Wx ⊂ intKi+2 \ Ki−1 (se x ∈ K1 ,
Wx ⊂ intK2 e se x ∈ K2 \ intK1 , Wx ⊂ intK3 );
Seja λx : M → [0, 1] uma função C ∞ que é 1 em Ux = ϕ−1 x (B(0, 1))
e vale 0 fora de Vx = ϕ−1
x (B(0, 2)) (basta tomar λ x = λ ◦ ϕx , onde
λ : Rm → [0, 1] é uma função C ∞ que vale 1 em B(0, 1) e 0 fora de
B(0, 2)).
[SEC. 2.2: CAMPOS DE VETORES EM VARIEDADES 35

Considerando a cobertura {Ux , x ∈ M }, selecionamos uma subco-


bertura finita de cada compacto Ki+1 \ intKi . Obtemos assim uma
cobertura {Ui }i∈N e funções C ∞ λi : M → [0, 1] que valem 1 em Ui e
0 fora de Vi . Além disso, cada Wi está contido em algum elemento da
cobertura A. Por construção, a cobertura {Wi } é localmente finita.
Defina ϕi : M → [0, 1] por

λi (x)
ϕi (x) = P
∞ .
λj (x)
j=1

Como a cobertura é localmente finita, a soma no denominador é finita


em uma vizinhança compacta de cada ponto e não se anula. Logo,
cada ϕi é C ∞ e a coleção {ϕi } é uma partição da unidade subordinada
a cobertura {Wi }. Pelo lema 2.3, existe uma partição da unidade
subordinada a A.

Corolário 2.5. Se K ⊂ V ⊂ M , K fechado e V aberto, então existe


uma função C ∞ λ : M → [0, 1] tal que λ(x) = 1 para x ∈ K e
λ(x) = 0 se x ∈ M \ V .

Demonstração. Considere uma partição da unidade subordinada a


cobertura {V, M \ K}.

2.2 Campos de vetores em variedades

Um campo de vetores C k em um aberto U ⊂ Rm é uma aplicação


X : U ⊂ Rm → Rm de classe C k . Uma curva integral de X é uma
curva diferenciável α : [a, b] → U tal que α0 (t) = X(α(t)) para todo
t ∈ [a, b] .

Se k ≥ 1, o teorema de unicidade de soluções de equações dife-


renciais ordinárias estabelece que se duas curvas integrais coincidem
em um ponto, então elas coincidem na interseção dos domı́nios. Por
outro lado, o teorema de existência e diferenciabilidade com relação
a condições iniciais estabelece que para todo x ∈ U existem uma vi-
zinhança V ⊂ U de x, um número  > 0 (que depende de x) e uma
função ϕ : (−, +) × V → U de classe C k tal que
36 [CAP. 2: PARTIÇÃO DA UNIDADE E APLICAÇÕES

• ϕ(0, y) = y para todo y ∈ V ;


• t 7→ ϕ(t, y) é uma curva integral de X.
Se f : U → W é um difeomorfismo de classe C k+1 entre abertos
de Rm , X : U → Rm e Y : W → Rm são campos de vetores C k , então
para toda curva integral α de X, f ◦ α é curva integral de Y

X = f ∗Y

onde
(f ∗ Y )(x) = (Df (x))−1 .Y (f (x)).
Dizemos, nesse caso, que o campo X é o pull-back de Y pelo
difeomorfismo f .
Definição 2.3. Seja {ϕi : Ui ⊂ M → Ũi ⊂ Rm ; i ∈ I} um atlas C r ,
r ≥ k + 1, em uma variedade M . Um campo de vetores X em M
de classe C k é uma famı́lia de campos de vetores Xi : Ũi → Rm de
classe C k tais que

(ϕj ◦ ϕ−1 ∗
i ) (Xj |ϕj (Ui ∩Uj ) ) = Xi |ϕi (Ui ∩Uj ) .

O conjunto dos campos de vetores de classe C k em M é denotado


por Xk (M ).
Das equações acima segue que

(Dϕi (x))−1 (Xi (ϕi (x))) = (Dϕj (x))−1 (Xj (ϕj (x)))

para todo x ∈ Ui ∩ Uj . Portanto existe um único vetor X(x) ∈ T Mx


tal que Dϕi (x)X(x) = Xi (ϕi (x)). Portanto um campo de vetores em
M é uma seção do fibrado tangente, isto é, uma aplicação X : M →
T M tal que π◦X é a identidade de M . A diferenciabilidade do campo
de vetores coincide com a diferenciabilidade dessa aplicação.

Uma curva integral de X é uma curva diferenciável α : (a, b) → M


tal que α0 (t) = X(α(t)) para todo t ∈ (a, b). Se β : (c, d) → M é outra
[SEC. 2.2: CAMPOS DE VETORES EM VARIEDADES 37

curva integral com β(t0 ) = α(t0 ), então, pelo teorema de unicidade


de equações diferenciais no Rm , o conjunto dos t ∈ (a, b) ∩ (c, d)
tais que α(t) = β(t) é aberto. Como esse conjunto é obviamente
fechado, ele coincide com o intervalo (a, b) ∩ (c, d). Assim as curvas
integrais se estendem para uma curva integral definida na união dos
dois intervalos. Logo qualquer curva integral se estende a uma curva
integral δ : (ω− , ω+ ) → M definida em um intervalo maximal, isto é,
toda vez que uma curva integral coincide com δ em algum instante t,
então seu domı́nio de definição está contido em (ω− , ω+ ) e ela coincide
com a restrição de δ.

Proposição 2.6. Se ω+ < ∞, então para todo compacto K ⊂ M


existe τ > 0 tal que se t > ω+ − τ , então δ(t) ∈
/ K. Analogamente,
se ω− > −∞, então δ(t) ∈/ K para todo t suficientemente próximo de
ω− .

Demonstração. Se a afirmação não fosse verdadeira, existiria uma


sequência tn → ω+ tal que δ(tn ) ∈ K. Como K é compacto, passando
a uma subsequência se necessário, podemos supor que δ(tn ) → x ∈ K.
Por outro lado, existe  > 0, uma vizinhança V de x e uma função C k
ϕ : (−, ) × V → M tal que ∀y ∈ V , a aplicação t ∈ (−, ) 7→ ϕ(t, y)
é uma curva integral de X com ϕ(0, y) = y. Fixe n tal que ω+ −tn < ,
e seja y = δ(tn ) ∈ V . Temos então que δ̃ : (tn −, tn +) → M definida
por δ̃(t) = ϕ(t − tn , y) é curva integral de X com δ̃(tn ) = δ(tn ). Logo
r
δ = δ̃ em (tn − , ω+ ) e assim δ se estende a uma curva integral em
(ω− , tn + ), que contém estritamente o intervalo (ω− , ω+ ), o que é
absurdo.

Da proposição segue, em particular, que se M é compacta ou X


se anula fora de um compacto de M , então o intervalo maximal de
definição de toda curva integral de X é R.

Dizemos que um campo de vetores X é completo se toda curva


integral de X está definida para toda reta. Assim, se X é completo,
temos definida uma aplicação

ϕ: R × M → M

tal que
38 [CAP. 2: PARTIÇÃO DA UNIDADE E APLICAÇÕES

• ϕ(0, x) = x para todo x ∈ M ;


∂ϕ
• ∂t (t, x) = X(ϕ(t, x)) para todos x ∈ M e t ∈ R.

Proposição 2.7. Seja X um campo de vetores completo de classe


C r , r ≥ 1 em uma variedade M de classe C r+1 . Seja

Φ: R × M → M

a aplicação tal que para cada x ∈ M a aplicação

t ∈ R 7→ Φ(t, x) ∈ M

é a curva integral de X que em t = 0 passa por x. Então

1. Φ é de classe C r ;

2. As aplicações Xt : M → M , Xt (x) = Φ(t, x) são difeomorfis-


mos de classe C r e a aplicação t ∈ R 7→ Xt ∈ Dif r (M ) é um
homomorfismo do grupo aditivo dos números reais no grupo
dos difeomorfismos de class C r de M com a operação de com-
posição, isto é,
i)X0 é a identidade de M
i) Xt+s = Xt ◦ Xs

Demonstração. As aplicações α, β : R → M definidas por α(t) =


Xt+s (x), β(t) = Xt (Xs (x)) são curvas integrais de X e α(0) = Xs (x)) =
β(0). Logo, pelo teorema de unicidade temos que β = α e, portanto,
Xt+s = Xt ◦ Xs . Como X0 é a identidade de M temos que cada Xt
é uma bijeção cujo inverso é X−t .
Afirmamos que para cada x0 ∈ M existem  > 0 e uma vizinhança
U de x0 em M tais que para todo t ∈ (−, ) a restrição de Xt a U é
um difeomorfismo sobre uma vizinhança de Xt (x0 ).
De fato, pelo teorema da diferenciabilidade das soluções de uma
equação diferencial em relação às condições iniciais, temos que o fluxo
local:
φ : (−, ) × V → M,
onde V é uma vizinhança de x0 em M , é de classe C r . Pela unicidade
temos que para todo x ∈ V , Xt (x) = φ(t, x) para todo t ∈ (−, ).
[SEC. 2.2: CAMPOS DE VETORES EM VARIEDADES 39

Portanto a restrição de Xt a V é de classe C r . Tomando  suficien-


temente pequeno e uma pequena vizinhança U de x0 contida em V
temos que, para todo t ∈ (−, ), Xt (U ) ⊂ V . Logo Xt restrito a
U tem uma inversa C r , X−t em portanto é um difeomorfismo de U
sobre um aberto de M o que prova a afirmação.
Afirmamos que para todo (t, x0 ) ∈ R × M existe uma vizinhança Vt
de x0 tal que a restrição de Xt a Vt é um difeomorfismo sobre um
aberto.
Pela afirmação anterior, isto é verdade para t suficientemente pro-
ximo de 0. Consideremos o conjunto A ⊂ t tais que a afirmação
seja verdadeira para t ∈ A. Pela afirmação anteriormente provada,
se t1 ∈ A então existe vizinhança V1 de Xt1 (x0 ) e  > 0 tal que a
restrição de Xt a V1 é um difeomorfismo para todo t ∈ (−, ) e,
como t1 ∈ A, existe vizinhança V2 de x0 onde a restrição de Xt1 é um
difeomorfismo. Diminuindo essa vizinhança podemos supor que sua
imagem está contida em V1 . Logo a restrição de Xt1 +t = Xt ◦ Xt1 a
Vt1 é um difeomorfismo para todo t ∈ (−, ). Portanto A é aberto.
Com o mesmo argumento concluimos que A é fechado. Logo A = R
o que mostra a segunda afirmação.
Como Xt é um difeomorfismo local e uma bijeção temos que Xt é um
difeomorfismo para todo t.
Finalmente vamos mostrar que Φ é C r em uma vizinhança de (t0 , x0 ).
Seja V uma vizinhança de Xt0 (x0 ) e  > 0 tal que a restrição de Φ a
(−, ) × V seja de classe C r . Seja U uma vizinhança de x0 tal que a
restrição de Xt0 a U seja um difeomorfismo sobre um aberto contido
em V . Comos, para (t, x) ∈ (t0 − , t0 + ) × U temos

Φ(t, x) = Φ(t − t0 , Xt0 (x)),

temos que a restrição de Φ a (t, x) ∈ (t0 − , t0 + ) × U é também


Cr.
Observação 2.1. Mesmo quando M é não compacta podemos usar
o campo de vetores para construir famı́lias a um parâmetro de mer-
gulhos de regiões com fecho compacto. De fato, se U ⊂ M é uma
aberto com fecho compacto, existe  > 0 e uma famı́lia de mergulhos
Xt : U → M , t ∈ (−, ) tais que para cada x ∈ U , a aplicação
t 7→ Xt (x) é uma curva integral de X. Além disso, se V ⊂ U
tem fecho compacto contido em U então existe 0 < δ < 2 tal que
40 [CAP. 2: PARTIÇÃO DA UNIDADE E APLICAÇÕES

Xs+t |V = Xt ◦ Xs |V para todo s, t ∈ (−δ, δ). De fato, basta tomar


compactos K1 ⊂ intK2 , com o fecho de U contido no interior de K1
e considerar o campo Y que é o produto de X por uma função que
vale 1 em K1 e zero fora de K2 . O campo Y é completo e seu fluxo Yt
quando restrito a U coincide com Xt se t é suficientemente pequeno.

Lema 2.8. Sejam M uma variedade uma variedade conexa de classe


C ∞ e x, y ∈ M, x 6= y. Então existe uma curva mergulhada em M
que passa por x e y.

Demonstração. Fixemos x e considere

A = {z ∈ M ; ∃ um arco mergulhado em M passando por x e z}.

Como x tem uma vizinhança difeomorfa a uma bola, o conjunto A


contém essa vizinhança. Afirmamos que A é aberto. De fato, se
z0 ∈ A e V é uma vizinhança de z difeomorfa a uma bola convexa,
podemos interromper o arco ligando x a z0 em um ponto de V e
continuar o arco ligando-o a qualquer ponto de uma vizinhança menor
de z0 contida em V usando um arco na bola de raio maior. De fato,
seja α : [0, 1] → Rn um arco mergulhado contido na bola de centro 0
e raio 1 cuja imagem não contém o ponto 0 e é tal que a distância
de α(1) a 0 é menor que a distância de α(0) a 0. Então a função
ρ : [0, 1] → R que associa a cada t o quadrado da distância de α(t)
a 0 é de classe C?∞. Seja r0 um valor regular desta função entre
ρ(0) e ρ(1). Seja t0 ∈ (0, 1) o supremo dos t tais que ρ(t) ≥ r0 .
Temos então que α([0, t0 ]) não interseta a bola aberta de centro 0 e
raio r0 e a derivada de ρ em t0 é negativa. Logo α(t0 ) pertence ao
bordo desta bola e o vetor tangente à curva α nesse ponto aponta
para o interior da bola. Seja L a reta ligando o ponto α(t0 ) a 0 e
E o espaço tangente à esfera de raio r0 e centro 0 pelo ponto α(t0 ).
Como tanto α(t0 −, t0 +) quanto a reta L1 ligando α(t0 ) a um ponto
z1 da bola de centro 0 e raio r20 são transversais à E temos que, se
 é suficientemente pequeno, tanto a imagem desta curva quanto a
reta L1 são gráficos de funções de uma vizinhança U ⊂ L em uma
vizinhança V ⊂ E de α(t0 ). Isto é, existem funções C ∞ , β, γ : U → V
tais que o grafico de β coincide com α(t0 − , t0 + ) e o gráfico de
γ esteja contido em L1 . Tomemos uma função λ : U → [0, 1] de
classe C?∞ tal que λ(s) = 1 se s ∈ U está no exterior da bola de
[SEC. 2.2: CAMPOS DE VETORES EM VARIEDADES 41

raio r0 e α(s) = 0 se s está no interior de uma bola de raio r1 < r0 .


Finalmente o gráfico da função δ(s) = λ(s)β(s) + (1− λ(s))γ(s) união
com α([0, t0 ]) e com um segmento da reta L1 nos fornece um arco
mergulhado ligando α(0) com z1 .
O mesmo argumento mostra que A é fechado. Logo A = M .

Dizemos que uma subvariedade S ⊂ M de codimensão 1 é trans-


versal a um campo de vetores X se para cada x ∈ S, X(x) é não nulo
e não pertence ao espaço tangente a S em x.


No produto cartesiano R × S, denotamos por ∂t o campo de veto-
res que em cada ponto (s, x) é o vetor tangente à curva t → (s + t, x)
em t = 0.

Teorema 2.9. (Teorema do Fluxo Tubular) Seja γ : [0, l] → M uma


curva integral mergulhada do campo X de classe C k , isto é, γ 0 (t) 6= 0
para todo t e γ é 1-1. Seja B = B(0, 1) ⊂ Rm−1 a bola unitária.
Então existe uma vizinhança W de γ([0, 1]) e um difeomorfismo de
classe C k Ψ : (−, l + ) × B → W tal que ψ ∗ X = ∂t

.

Demonstração. Multiplicando o campo X por uma função que vale


1 numa vizinhança da imagem de γ e vale zero fora de outra vizi-
nhança compacta obtemos um campo completo que coincide com X
em uma vizinhança da imagem de γ. Assim, podemos supor que X é
completo e considerar ϕ : R×M → M o seu fluxo. Daı́ γ(t) = ϕ(t, x0 ),
onde x0 = γ(0). Seja S ⊂ M uma subvariedade transversal ao campo
X no ponto x0 . Como Xt : M → M , Xt (x) = ϕ(t, x), é um di-
feomorfismo, temos que a restrição de Xt a S é um difeomorfismo
de S sobre a subvariedade St = Xt (S), que é transversal a X em
γ(t). Seja V uma vizinhança de x0 na subvariedade S,  > 0, e
ψ : (−, l + ) × V → M a aplicação ψ(t, x) = ϕ(t, ϕ(−, x)).

Afirmamos que se  e V são suficientemente pequenos, então ψ é


um difeomorfismo sobre uma vizinhança da imagem de γ. Como ϕ
é C k , temos que ψ é C k . Como Xs é um difeomorfismo, ψ leva
uma vizinhança do ponto (s, x) em {s} × V difeomorficamente em
uma vizinhança de ψ(s, x) em Ss− e sua derivada no ponto (x, s)

leva ∂t em X(ψ(x, s)). Logo a derivada de ψ(x, s) é um isomor-
fismo e, pelo teorema da função inversa, ψ é um difeomorfismo local.
42 [CAP. 2: PARTIÇÃO DA UNIDADE E APLICAÇÕES

Consequentemente,existe δ > 0 e uma vizinhança de [0, l] × {x0 }x


tal que se (x, s1 ), (x, s2 ) pertencem a essa vizinhança, s1 6= s2 e
ψ(x, s1 ) = ψ(x, s2 ), então |s1 − s2 | ≥ δ. Tomemos  > 0 tal que
γ([−, l + ]) esteja contido nessa vizinhança.

Afirmamos que se V é suficientemente pequena, então ψ é 1 − 1 ,e,


portanto, é um difeomorfismo sobre uma vizinhança aberta W da
imagem de γ. Caso contrário, existem sequências xn → x0 e tn , sn
tais que ψ(xn , tn ) = ψ(xn , sn ). Como |tn − sn | ≥ δ, podemos supor,
passando a uma subsequência se necessário, que tn → t, sn → s
e |s − t| ≥ δ. Logo ψ(x0 , t) = ψ(x0 , s), o que é absurdo. Assim,
podemos tomar uma vizinhança V e um difeomorfismo θ : B → V ,
tais que ψ : (−, l + ) × V → W é um difeomorfismo.
Finalmente, temos que o difeomorfismo Ψ : (−, l + ) × B → W
definido por Ψ(t, x) = ψ(t, θ(x)) e é tal que Ψ∗ X = ∂t ∂
.
Corolário 2.10. Seja M uma variedade de classe C ∞ e considere
um mergulho γ : [0, 1] → M de classe C ∞ . Então existe uma carta
local φ : U → Rm tal que a imagem de γ esteja contida em U e sua
imagem por φ é [0, 1] × {0} ⊂ [0, 1] × Rm−1 .
Demonstração. Como a imagem de γ é compacta, podemos tomar
uma famı́lia finita de cartas locais φi : Wi → (−3, 3) × B m−1 (0, 3)
tais que Dφi γ 0 (t) = ∂t

e a imagem de γ esteja contida na união dos
−1 m−1
φi ((−1, 1) × B (0, 1)). Seja Xi o campo de vetores em M que é
zero fora de Wi e em Wi coincide com φ∗i (λ ∂t∂
), onde λ é uma função
∞ m−1
não negativa,C , que vale 1 em (−1, 1) × B (0, 1)P
e vale zero fora
de (−2, 2) × B m−1 (0, 2). O campo de vetores X = i Xi , se anula
d
fora de um compacto e X(γ(t)) é um múltiplo positivo de dt γ(t).
Logo a curva integral de X pelo ponto γ(0) contém a imagem de
γ e γ(1) = Xl (γ(0)). O corolário segue então do teorema do fluxo
tubular, teorema 2.9.
Pelo Lema [?] temos também, usando o campo de vetores da de-
monstração do corolário acima, que o grupo dos difeomorfismos de
uma variedade conexa age transitivamente na variedade, isto é :
Corolário 2.11. Se M é uma variedade conexa de classe C ∞ e x, y ∈
M então existe um difeomorfismo de classe C ∞ f : M → M tal que
f (x) = y
[SEC. 2.3: MÉTRICAS RIEMANNIANAS 43

Observação: Mostraremos mais tarde, teorema 8.17, que se M é


uma variedade de classe C r , r ≥ 1, então existe uma variedade N de
classe C ∞ e um difeomorfismo C r , f : M → N . Usando esse reultado
temos que o corolário do teorema do fluxo tubular permanece válido
para variedades de classe C r , r ≥ 1, e também que dados dois pontos
distintos x e y em M , existe um difeomorfismo C r que leva x em y.

2.3 Métricas Riemannianas

Uma métrica Riemanniana de classe C k em um aberto U ⊂ Rm é


uma aplicação que em cada x ∈ U associa um produto interno

h·, ·ix : Rm × Rm → R

tal que para todo par de campos de vetores X, Y : U → Rm de classe


C k a função x ∈ U 7→ hX(x), Y (x)ix ∈ R é de classe C k .


Sejam ∂x i
: U → Rm os campos de vetores x 7→ (0, . . . , 1, . . . , 0),
em que a i-ésima coordenada é igual a 1 e asDdemais são
E 0. Considere a
∂ ∂
matriz G(x) = (gij (x))ij , em que gij (x) = ∂x ,
i ∂xj
. Se pensarmos
x
m
cada vetor v ∈ R como uma matriz m × 1, então

gij (x) = gji (x) para todo x ∈ U
∗ .
v t · G(x) · v > 0 para todos x ∈ U, v ∈ Rm

Reciprocamente, se uma matriz de funções G = (gij ) satisfaz


as condições acima, então ela define uma métrica Riemanniana pela
fórmula
hv, wix = v t · G(x) · w.
Se α : [0, 1] → U é uma curva C 1 por partes, definimos o compri-
mento de α por
Z 1
d
l(α) = dt α(t)
dt
0 α(t)

d
2
d d

em que dt α(t) α(t) = dt α(t), dt α(t) α(t) .
44 [CAP. 2: PARTIÇÃO DA UNIDADE E APLICAÇÕES

Uma métrica Riemanniana define uma distância d : U × U → R:

d(x, y) = inf{l(α); α : [0, 1] → U, C 1 por partes, α(0) = x, α(1) = y}.


d(x, x) = 0


d(x, y) > 0 se x 6= y
É imediato que : (∗∗)
d(x, y) = d(y, x)


d(x, z) ≤ d(x, y) + d(y, z).

Se x ∈ U e V ⊂ U é uma vizinhança compacta de x, então, como


as funções gij são contı́nuas, existe uma constante C > 0 tal que
1 m
C kvkx ≤ kvky ≤ Ckvkx para todo y ∈ V e para todo v ∈ R . Logo
a topologia de U definida pela distância d é a topologia de U como
subconjunto de Rm e a função (x, y) 7→ d(x, y) é contı́nua. Assim,
dado um compacto K ⊂ U , existe uma constante CK ≥ 1 tal que
1
kx − yk ≤ d(x, y) ≤ CK kx − yk .
CK
Sejam x ∈ U 7→ h·, ·ix e y ∈ V 7→ h·, ·iy métricas Riemannia-
nas C k em U e V respectivamente e d, d˜ as correspondentes funções
distâncias. Um difeomorfismo f : U → V de classe C k+1 é uma iso-
metria se
kdf (x).vkf (x) = kvkx
para todo v ∈ Rm . Nesse caso, temos também que

hdf (x).v, df (x).wif (x) = hv, wix ∀x ∈ U e ∀v, w ∈ Rm

e
˜ (x), f (y)) = d(x, y) ∀x, y ∈ U.
d(f
De maneira similar, uma métrica Riemanniana em M , de classe C k ,
é definida como uma aplicação que a cada x ∈ M associa um produto
interno
h·, ·ix : T Mx × T Mx → R
tal que para todo par de campos de vetores X, Y de classe C k em
M , a função x ∈ M 7→ hX(x), Y (x)ix é de classe C k .
[SEC. 2.3: MÉTRICAS RIEMANNIANAS 45

Se {ϕi : Ui ⊂ M → Ũi ⊂ Rm } é um atlas C k+1 em M , uma


métrica Riemanniana em M pode ser identificada como uma famı́lia
de métricas Riemannianas em cada Ũi , tal que as mudanças de coor-
denadas são isometrias.

Mais geralmente, uma forma bilinear simétrica de classe C k em


M é uma função B que associa a cada x ∈ M uma forma bilinear
simétrica B(x) : T Mx × T Mx → R, tal que para todo par de campos
de vetores X e Y de classe C k a aplicação x 7→ B(x)(X(x), Y (x))
é C k . Portanto uma métrica Riemanniana é uma forma bilinear
simétrica de classe C k que é positiva definida: B(x)(v, v) > 0 se
v ∈ T Mx \ {0}.

Proposição 2.12. Toda variedade M de classe C k+1 admite uma


métrica Riemanniana de classe C k .

Demonstração. Seja ϕi : Wi → B(0, 3) uma famı́lia de cartas locais


tais que

• Wi é uma famı́lia localmente finita;



Ui = M , onde Ui = ϕ−1
S
• i (B(0; 1)).
i

Seja λ : Rm → [0, 1] uma função C ∞ que vale 1 em B(0, 1) e 0 fora de


B(0, 2). Definimos uma forma bilinear simétrica Bi em M colocando
para x ∈ M e v, w ∈ T Mx

0 se x ∈ / Wi
Bi (x)(v, w) =
λ(ϕi (x)) · hDϕi (x).v, Dϕi (x).wi se x ∈ Wi ,

onde h·, ·i é um produto interno usual de Rm . Se v ∈ T Mx \ {0},


temos

Bi (x)(v, v) ≥ 0 ∀x ∈ M
Bi (x)(v, v) > 0 ∀x ∈ Ui .

P
Logo hv, wix := Bi (x)(v, w) é uma métrica Riemanniana em M .
i=1
46 [CAP. 2: PARTIÇÃO DA UNIDADE E APLICAÇÕES

Exercı́cio 2.1. Mostre que d, d0 : M × M → R são funções distâncias


associadas a duas métricas riemannianas de M então para todo sub-
conjunto compacto K ⊂ M existe uma constante C ≥ 1 tal que
1 0
d (x, y) ≤ d(x, y) ≤ Cd0 (x, y)
C
para todo x, y ∈ K.

Lema 2.13. Seja M uma variedade C k não compacta e Ki ⊂ int Ki+1


uma sequência de compactos tais que M = ∪i Ki . Dadas sequências
i > 0 e ωi > 0 de números positivos, existem funções f, g : M → R+
de classe C k tais que para todo x ∈ Ki+1 \ int Ki

0 < f (x) ≤ i
g(x) ≥ ωi .

Demonstração. Seja {ϕn } uma partição da unidade subordinada à


cobertura { int Kn \ Kn−2 }.

P
Seja δn = min {n , n+1 , n−1 } e definamos f (x) = δn ϕn (x). Se
n=1
x ∈ Kn \ intKn−1 , temos que ϕj (x) = 0 se j 6= n, n + 1 e assim

f (x) = δn ϕn (x) + δn+1 ϕn+1 (x) ≤ n (ϕn (x) + ϕn+1 (x)) ≤ n .

Analogamente definimos a função g.

Definição 2.4. Uma métrica Riemanniana em M é completa se M ,


com a função distância correspondente, é um espaço métrico com-
pleto, isto é, toda sequência de Cauchy em M é convergente.

Proposição 2.14. Toda variedade possui uma métrica Riemanniana


completa.

Demonstração. Seja h·, ·i1x uma métrica Riemanniana em M e d1 a


correspondente função distância. Como a função distância induz a to-
pologia variedade, no caso de M ser compacta a métrica já é completa
pois uma sequência de Cauchy que possui subsequência convergente
é ela própria convergente.
[SEC. 2.3: MÉTRICAS RIEMANNIANAS 47


S
Suponhamos então M = Ki , Ki compactos e Ki ⊂ int Ki+1 .
i=1
1
Como Ki é compacto e d é contı́nua, existe τi > 0 tal que se
x ∈ Ki e y ∈ / Ki+1 , então d1 (x, y) > τi . Seja ai = max{1, τ1i } e
tome uma função C ∞ g : M → R+ tal que g(x) ≥ ai para todo
x ∈ int (Ki+1 ) \ Ki . Defina a métrica hv, wix = (g(x))2 hv, wi1x .

Se α : [0, 1] → M é curva com imagem contida em Ki+1 \ int Ki , com


α(0) ∈ ∂Ki e α(1) ∈ ∂Ki+1 , temos que
1 dα 1
Z
l1 (α) = (t)
dt dt ≥ τi
0 α(t)

R1
e portanto l(α) = 0 k dα
dt (t)kα(t) dt ≥ 1. Logo, se x ∈ Ki e y ∈
/ Ki+p ,
temos que d(x, y) ≥ p.

Seja xn uma sequência de Cauchy na métrica d. Para m, n ≥ n0 ,


com n0 suficientemente grande, temos d(xn , xm ) ≤ 1. Assim, existe
uma constante N tal que d(x1 , xn ) ≤ N . Se x1 ∈ Ki , então xn ∈
Ki+N para todo n. Portanto xn tem uma subsequência convergente
e, portanto, é convergente.

Definição 2.5. Um subconjunto de um espaço topológico é um con-


junto residual se contém uma interseção enumerável de subconjuntos
abertos e densos. Um espaço topológico é chamado de espaço de Baire
se todo conjunto residual é denso. Equivalentemente, um espaço de
Baire é um espaço topológico tal que qualquer união enumerável de
subconjuntos fechados com interior vazio tem interior vazio.
Proposição 2.15. Todo espaço métrico completo é um espaço de
Baire.
Demonstração. Seja {An , n ∈ N} uma coleção enumerável de sub-
conjuntos abertos e densos em um espaço métrico completo (M, d).
Seja B(x, r) a bola aberta de centro x e raio r. Devemos mostrar que
B(x, r) intersecta a interseção dos An ´s. Como A1 é aberto e denso,
existe x1 ∈ A1 ∩B(x, r) e 0 < r1 < 2r tal que B(x1 , 2r1 ) ⊂ A1 ∩B(x, r).
Como A2 é aberto e denso, existe x2 ∈ B(x1 , r1 ) e 0 < r2 < r21 tal que
48 [CAP. 2: PARTIÇÃO DA UNIDADE E APLICAÇÕES

B(x2 , 2r2 ) ⊂ B(x1 , r1 ) ∩ A2 . Por indução, construı́mos sequências xn


e rn tais que 0 < rn < rn−1 2 e

B(xn , 2rn ) ⊂ B(xn−1 , rn−1 ) ∩ An ⊂ A1 ∩ · · · ∩ An .

Então a sequência xn é de Cauchy e, como o espaço é completo,


converge a um ponto x. Por construção, o ponto x pertence ao fecho
da bola B(xn , rn ) para todo n e, portanto pertence à interseção dos
An .

Corolário 2.16. Toda variedade é um espaço de Baire.

Proposição 2.17. Seja X um campo de vetores de classe C k , k ≥ 1,


em uma variedade M de classe C k+1 . Então existe uma função C k
f : M → R, positiva, tal que o campo de vetores Y = f X é completo.

S
Demonstração. Seja M = Ki , Ki ⊂ int Ki+1 , Ki compactos.
i=1
Seja < ·, · > uma métrica Riemanniana em M e

δi = max{kX(x)kx ; x ∈ Ki \ int Ki−1 }.

Escolha i > 0 tal que qualquer curva C 1 por partes contida em


Ki \ int Ki−1 , que una um ponto de ∂Ki−1 a um ponto ∂Ki , tenha
comprimento maior ou igual a i .

Considere γ : [0, T ] → M uma curva integral de X com as condições


γ(0) ∈ ∂Ki−1 , γ(T ) ∈ ∂Ki e γ(t) ∈ Ki \ int Ki−1 para todo t ∈ [0, T ].
Temos que
Z T

T δi ≥ dt (t)
dt ≥ i .
0 γ(t)
i
Logo T ≥ δi (observe que se δi = 0, então não existe uma tal γ).

Seja f : M → R+ uma função de classe C k tal que f (x) ≤ δii para


todo x ∈ Ki \int Ki−1 . De f ser positiva, uma curva β : [0, T 0 ] → M é
curva integral de Y = f.X se, e somente se, β é uma reparametrização
de γ por um aplicação crescente α : [0, T 0 ] → [0, T ]. Então β é curva
integral do campo Y se, e somente se, α0 (t) = f (β(t)). Pelo teorema
[SEC. 2.4: DENSIDADE DAS FUNÇÕES DE CLASSE C ∞ 49

0
do valor médio, T /T 0 ≤ δi /i ≤ T , e portanto T ≥ 1, isto é, uma
curva integral de Y leva pelo menos tempo 1 para atravessar cada
faixa Ki \ intKi−1 . Assim, se β : (ω− , ω+ ) → M é uma curva integral
maximal de Y , com β(0) ∈ Ki0 e T > 0, é tal que β(T ) ∈ / Ki0 +N ,
então T ≥ N . Portanto ω+ = ∞. Analogamente ω− = −∞.
Teorema 2.18. Seja M uma variedade C ∞ e F ⊂ M um subcon-
junto fechado. Então existe uma função f : M → R não negativa, de
classe C ∞ , tal que f (x) = 0 se, e somente se, x ∈ F .
Demonstração. Seja d a função distância associada a uma métrica
Riemanniana de M e seja d(x, F ) = inf {d(x, y); y ∈ F }. Considere-
mos a sequência de vizinhanças de F :
 
1
Vi = x ∈ M ; d(x, F ) ≤
i
Pelo corolário do teorema 2.4, existe uma função de classe C ∞ que
vale 1 em F e zero fora de Vi . Logo existe uma função não negativa
fi : M → R que vale zero em F e vale 1 no complementar de Vi .
Afirmamos P que existem constantes i > 0 tais que para cada x ∈

M a série i=1 i fi (x) converge a f (x) e a função f é de classe

C . É claro que o teorema segue da afirmação pois f se anula em
F e é positiva no complementar de F .. Resta provar a afirmação.
Consideremos uma famı́lia enumerável ϕj : Wj → B m (0; 3) ⊂ Rm de
cartas locais tais que M = ∪j ϕ−1 m
j B (0; 1) e que {Wj ; j ∈ N} seja
uma cobertura localmente finita. Seja fi,j = fi ◦ ϕ−1 m
j : B (0; 3) → R.
m
Para cada i tomemos i > 0 tal que para todo x ∈ B (0; 1), para
todo j ≤ i e para todo k ≤ i temos
1
i kDk fi,j (x)k ≤ .
2i
P∞
Temos portanto que ( i=1 i Dk fi )◦ϕ−1j converge uniformemente em
B m (0, 1) para todo j e para todo k. Logo f é C k para todo k.

2.4 Densidade das funções de classe C ∞


Seja M uma variedade de classe C ∞ . Nessa seção definiremos uma
topologia no espaço C 0 (M, Rk ) chamada topologia C 0 de Whitney, e
50 [CAP. 2: PARTIÇÃO DA UNIDADE E APLICAÇÕES

mostraremos que as funções de classe C ∞ são densas nessa topologia.

Para cada subconjunto aberto U ⊂ M × Rk , seja Ũ ⊂ C 0 (M, Rk )


o conjunto das funções g, cujo gráfico, {(x, g(x)) ∈ M × Rk ; x ∈ M }
esteja contido em U . É fácil verificar que a famı́lia {Ũ } define uma
topologia em C 0 (M, Rk ), isto é, o conjunto vazio e o espaço total
pertencem à famı́lia, a união de conjuntos de qualquer subfamı́lia
pertence à famı́lia, e a interseção de um número finito de elementos
da famı́lia pertence à famı́lia. Vamos a seguir construir uma base de
vizinhanças para cada f ∈ C 0 (M, Rk ).

Sejam Ki uma famı́lia enumerável de compactos cobrindo M com


Ki contido no interior de Ki+1 . Consideremos os subconjuntos com-
pactos Li = Ki \ int (Ki−1 ) (L1 = K1 ). Seja  = (i ) uma sequência
de números positivos. Definimos então

V(f ; ) = {g ∈ C 0 (M, Rk ); kf (x) − g(x)k < i ∀x ∈ Li }.

Como Li é compacto, o conjunto

U = {(x, y) ∈ M × Rk ; ky − f (x)k < i se x ∈ Li }

é aberto, de modo que V(f ; ) = Ũ é uma vizinhança aberta de f . Por


outro lado, seja V é um subconjunto aberto de M × Rk que contém
o gráfico de f . Como Li é compacto, existe i > 0 tal que se x ∈ Li
e ||y − f (x)|| < i , então (x, y) ∈ V . Tomando  = (i ) temos que
V(f ; ) ⊂ Ṽ e, portanto, a famı́lia V(f, ) é uma base de vizinhanças
de f . Como para cada sequência  existe uma função C ∞ positiva
 : M → R tal que (x) < i para todo x ∈ Li , temos que a famı́lia
V(f ; ) = {g ∈ C 0 (M, Rk ); ||f (x)−g(x)|| < (x)} também é uma base
de vizinhanças de f .
Teorema 2.19. O conjunto C ∞ (M, Rk ) é denso em C 0 (M, Rk ).
Demonstração. Seja V(f ; ) uma vizinhança de f . Queremos mos-
trar que essa vizinhança contém uma função de classe C ∞ . Como
anteriormente, consideremos uma métrica Riemanniana em M tal
que o comprimento de uma curva ligando um ponto do compacto
Ki com um ponto do complementar de Ki+1 seja maior ou igual
a 1 e seja d a correspondente função distância. Como a restrição
[SEC. 2.4: DENSIDADE DAS FUNÇÕES DE CLASSE C ∞ 51

de f a um compacto é uniformemente contı́nua, temos que, para


cada i existe 0 < δi < 1 tal que se x ∈ Li e d(y, x) < δi então
||f (x) − f (y)|| < min {i−1 , i , i+1 }. Observamos que se x ∈ Li ,
então a bola B(x, δi ) está contida no compacto Ki+1 \ int Ki−2 . Para
cada i tomamos uma cobertura finita de Li por bolas de centro em
Li e raio δi . A coleção Uj de todas essas bolas é uma cobertura
localmente finita de M . Tome uma partição da unidade λj subor-
dinada a essa cobertura. P Para cada j, seja xj ∈ Uj o centro da
bola e definimos g(x) = j λj (x)f (xj ). Temos que na vizinhança de
cada x, apenas um número finito de λj não se anulam e, portanto, g
está bem definida e é uma função C ∞ . Seja x ∈ Li . Se λj (x) 6= 0,
então o centro xj da bola Uj pertence a Li−1 ∪ Li ∪ Li+1 e portanto
||f (x) − f (xj )|| < i . Logo

X X


kf (x) − g(x)k = λj (x)f (x) − λj (x)f (xj )

j j
X
≤ λj (x)||f (x) − f (xj )|| < i .
j

Corolário 2.20. Seja f ∈ C 0 (M, Rk ) tal que a restrição de f a


um subconjunto aberto V ⊂ M é de classe C ∞ . Seja K ⊂ V um
subconjunto compacto. Dada uma vizinhança V de f existe uma
função de classe C ∞ g tal que g ∈ V e g(x) = f (x) para todo x ∈ K.

Demonstração. Seja φ : M → [0, 1] uma função de classe C ∞ que


vale 1 em K e 0 fora de uma vizinhança de K cujo fecho está contido
em V . É fácil ver que existe uma vizinhança V1 de f tal que se g ∈ V1 ,
então φf + (1 − φ)g ∈ V. Logo basta tomar g de classe C ∞ .

Usando esse corolário, vamos provar agora uma consequência do


Lema de Sard que é um fato importante em topologia.

Teorema 2.21. Seja Dn a bola fechada de raio 1 em Rn e S n−1


a esfera unitária. Não existe uma retração da bola na esfera, isto
é, uma função contı́nua r : Dn → S n−1 tal que r(x) = x para todo
x ∈ S n−1 .
52 [CAP. 2: PARTIÇÃO DA UNIDADE E APLICAÇÕES

Demonstração. Suponhamos por absurdo que existe uma retração


r : Dn → S n−1 . Seja f : Rn → S n−1 ⊂ Rn definida por f (x) = r(2x)
se kxk ≤ 21 e f (x) = kxkx
se kxk ≥ 12 . Temos que f é contı́nua e sua
restrição ao complementar da bola de raio 21 é C ∞ . Pelo corolário an-
terior, existe g de classe C ∞ que coincide com f em uma vizinhança
da esfera S n−1 , tal que kf (x) − g(x)k ≤ 12 se kxk ≤ 1. De kf (x)k = 1
g(x)
para todo x ∈ Dn , segue que g(x) 6= 0 e, portanto, ρ(x) = kg(x)k é

uma retração C que de fato coincide com f em uma vizinhança da
esfera.

Pelo Lema de Sard, podemos tomar um valor regular y de ρ. Como


cada componente conexa da pré-imagem de y é uma variedade de
dimensão um, a componente conexa que contém y é um intevalo
fechado tendo y como uma das extremidades. A outra extremidade
não pode estar nem no interior da bola unitária nem no bordo pois,
nesse caso, seria um ponto fixo de ρ diferente de y o que é absurdo.

Corolário 2.22. (Teorema do ponto fixo de Brouwer. Toda


aplicação contı́nua f : Dn → Dn tem um ponto fixo.

Demonstração. Se f (x) 6= x para todo x ∈ Dn , temos, pela compa-


cidade de D, que existe δ > 0 tal que ||f (x)−x|| ≥ δ para todo x ∈ D.
Poodemos definir uma retração contı́nua r : Dn → S n−1 por: r(x) é
a interseção com S n−1 da semi-reta que começa em f (x) e passa por
x. A retração é contı́nua pois se xn → x então f (xn ) → f (x) e, como
||f (x) − x|| ≥ δ, r(xn ) → r(x).

O espaço C ∞ (M, Rk ) é um espaço vetorial de dimensão infinita


que, como vimos, é denso no espaço das funções contı́nuas. Seja
agora M uma variedade complexa compacta. Como M é também
uma variedade C ∞ , o espaço vetorial real C ∞ (M, C) é de dimensão
infinita e contém o espaço vetorial das aplicações holomorfas. No
entanto, vale a seguinte proposição.

Proposição 2.23. Se M é uma variedade complexa, compacta e


conexa, então toda função holomorfa f : M → C é constante.

Demonstração. A aplicação x ∈ M 7→ |f (x)| ∈ R é contı́nua e


portanto tem um máximo num ponto x0 e assim, f é constante. Isto
[SEC. 2.4: DENSIDADE DAS FUNÇÕES DE CLASSE C ∞ 53

porque, pela fórmula integral de Cauchy, uma função holomorfa de


uma variável complexa cujo valor absoluto tem um máximo local é
localmente constante. Logo o mesmo ocorre para uma função de
várias variáveis complexas, pois para todo vetor unitário v ∈ Cn a
aplicação holomorfa de uma variável complexa z 7→ f (x0 + zv) é
constante.
Capı́tulo 3

Aplicação Exponencial

Nesse capı́tulo mostraremos a existência e propriedades das geodésicas


de uma metrica Riemanniana em uma variedade. Mostraremos a
existência de vizinhanças geodésicamente convexas.

3.1 A equação das geodésicas


Consideremos uma métrica Riemanniana em um aberto U ⊂ Rm ,

x ∈ U 7→ h·, ·ix : U × U → R,
D E
∂ ∂
e a matriz da métrica, G(x) = (gij (x)), com gij (x) = ∂x i
, ∂x j
.
x
m
def P
Escrevemos hv, wi = vi wi , v, w ∈ Rm , para o produto interno
i=1
canônico de Rm , de modo que

hv, wix = hG(x)v, wi .

A energia de um caminho C 1 por partes α : [0, 1] → U é definida


como
Z 1 Z 1
0 0
E(α) = lα (t), α (t)iα(t) dt = hG(α(t))α0 (t), α0 (t)idt.
0 0

Uma variação (própria) de α é uma aplicação δϕ : [0, 1] → Rm ,


de classe C ∞ , tal que δϕ(0) = δϕ(1) = 0. A variação de energia de
α na direção de δϕ é definida por

54
[SEC. 3.1: A EQUAÇÃO DAS GEODÉSICAS 55

d
δE(α) · δϕ = (E(α + sδϕ))

ds s=0

Definição 3.1. Dizemos que α é uma geodésica se δE(α) · δϕ = 0,


para toda variação δϕ.
Mais geralmente, podemos definir um funcional no espaço de ca-
minhos C 1 por partes a partir de uma função de classe C ∞

L : U × Rm → R.

Para cada α : [0, 1] → U , C 1 por partes, colocamos


Z 1
S(α)= L(α(t), α0 (t)) dt.
0

Dizemos que α é ponto crı́tico do funcional S se


d
(S(α + sδϕ)) = 0 para toda δϕ.

ds s=0

Em particular, uma geodésica é um ponto crı́tico do funcional ener-


gia. Um ponto crı́tico do funcional S deve satisfazer uma equação
diferencial, a qual vamos deduzir a seguir.

Por definição
Z 1
S(α + sδϕ) = L(α(t) + sδϕ(t), α0 (t) + s(δϕ)0 (t)) dt.
0

d
Daı́, se (1) = ds (S(α + sδϕ)) , então

s=0
Z 1  
∂L ∂L
(1) = (α(t), α0 (t)) · δϕ(t) + (α(t), α0 (t)) · (δϕ)0 (t)) dt.
0 ∂x ∂v

Por outro lado (integração por partes),

 
d ∂L
(α(t), α0 (t)) · δϕ(t) =
dt ∂v
56 [CAP. 3: APLICAÇÃO EXPONENCIAL

 
∂L d ∂L
= (α(t), α0 (t))(δϕ)0 (t) + (α(t), α0 (t)) · δϕ(t).
∂v dt ∂v
Como δϕ(0) = δϕ(1) = 0, temos
Z 1   
∂L d ∂L
(1) = (α(t), α0 (t)) − (α(t), α0 (t)) · δϕ(t) dt.
0 ∂x dt ∂v
Portanto
d
(S(α + sδϕ)) = 0 ∀ δϕ

ds s=0

m
 
∂L 0 d ∂L 0
(2) (α(t), α (t)) − (α(t), α (t)) = 0 ∀ t.
∂x dt ∂v
A equação (2) é chamada Equação de Euler-Lagrange.
Vamos expressar agora as equações de Euler-Lagrande no caso do
funcional energia
L(x, v) = hG(x) · v, vi.
Por um lado temos
∂L
(x, v) · u = hDG(x)(u, v), vi.
∂x
Por outro lado, como G associa a cada x ∈ U uma transformação
linear simétrica G(x) de Rm , DG(x) é uma aplicação linear de Rm
no espaço das transformações lineares simétricas de Rm , e assim,
uma transformação bilinear de Rm , que em geral não é simetrica. A
transformação trilinear (u, v, w) 7→ hDG(x)(u, v), wi é simétrica em
v e w, mas não em u e v.

∂L
(x, v) · u = hG(x) · u, vi + hG(x) · v, ui
∂v
= 2hG(x) · u, vi (G(x) é simétrico)
 
d ∂L d
(α(t), α0 (t)) · u = (2hG(α(t)) · α0 (t), ui)
dt ∂v dt
= 2hDG(α(t))(α0 (t), α0 (t)), ui
+ 2hG(α(t)) · α00 (t), ui
[SEC. 3.1: A EQUAÇÃO DAS GEODÉSICAS 57

Logo, α é uma geodésica se, e somente se, para todo u a equação


abaixa é verificada:
1
hG(α(t)) · α00 (t), ui = hDG(α(t))(u, α0 (t)), α0 (t)i−
2
− hDG(α(t))(α0 (t), α0 (t)), ui.

Tomando u = G(α(t))−1 · w e usando a simetria de G, temos que α


é uma geodésica se, e somente se, a equação abaixo é satisfeita para
todo w:
1
hα00 (t), wi = hDG(α(t))((G(α(t)))−1 w, α0 (t)), α0 (t)i−
2
− hDG(α(t))(α0 (t), G(α(t))−1 w), α0 (t)i.

Escrevendo α(t) = (x1 (t), . . . , xn (t)) e w = ∂xk , temos

d2 xk
hα00 (t), wi = ,
dt2
n
X dxi ∂
α0 (t) = e
i=1
dt ∂xi
n
∂ X ∂
G−1 (x) · = g mk (x) .
∂xk m=1
∂xm

Assim,
 
DG(α(t)) G−1 (α(t)) ∂x∂ k , α0 (t) =
Pn  
= i,m=1 g mk dx ∂
dt DG(α(t)) ∂xm , ∂xi
i ∂

Pn Pn ∂gji ∂
= i,m=1 g mk dx
dt
i
j=1 ∂xm ∂xj
 
Pn n ∂g
g mk dx ∂
P ji
= j=1 i,m=1
i
dt ∂xm ∂xj .

Analogamente,
  X n X n  
0 −1 ∂ mk dxi ∂gjm ∂
DG(α(t)) α (t), G (α(t)) = g .
∂xk j=1 i,m=1
dt ∂xi ∂x j
58 [CAP. 3: APLICAÇÃO EXPONENCIAL

Portanto as coordenadas de α(t) devem satisfazer a equação diferen-


cial:
n X n
d2 xk
 
mk dxi dxj 1 ∂gij ∂gjm
X
= g −
dt2 j=1 i,m=1
dt dt 2 ∂xm ∂xi

ou ainda,
n X n
d2 xk X dxi dxj
2
= − Γkij ,
dt i=1 j=1
dt dt

em que
n  
X ∂gjm ∂gim ∂gji
Γkij =2 g mk
+ −
m=1
∂xi ∂xj ∂xm

são os chamados sı́mbolos de Christoffel.

Do teorema de existência e unicidade de soluções das equações di-


ferenciais ordinárias e do teorema da diferenciabilidade das soluções
com respeito às condições iniciais, podemos concluir as seguintes pro-
priedades sobre geodésicas:

• Dados x ∈ U e v ∈ Rm , existe uma única geodésica α : (−ε, ε) →


U tal que α(0) = x e α0 (0) = v;

• Dado x0 ∈ U , existem vizinhanças V de x0 , W de 0 em Rm ,


um número ε > 0 e uma função ϕ : (−ε, ε) × V × W → U , de
classe C ∞ , tal que t 7→ ϕ(t, x, v) é a geodésica que passa por x
em t = 0 com velocidade v;

• A norma do vetor tangente à geodésica, ||α0 (t)||α(t) , é constante;

• Se α : (−ε, ε) → U é uma geodésica e c > 0, então β(t) = α(ct)


é uma geodésica definida em (−c−1 ε, c−1 ε).

Da última propriedade concluı́mos o seguinte. Para todo x0 ∈ U


existem ε > 0 e uma vizinhança V ⊂ U de x0 tais que se x ∈ V
e ||v|| < ε, então a geodésica α tal que α(0) = x e α0 (0) = v está
[SEC. 3.1: A EQUAÇÃO DAS GEODÉSICAS 59

definida no intervalo (−2, 2). Definimos então a função exponencial


exp : V × B(0, ε) → U por
exp(x, v) = α(1).
Temos então que exp é de classe C ∞ . Para x fixo, não é difı́cil
verificar que derivada da aplicação expx em 0 é a identidade. Assim,
se  é suficientemente pequeno, temos que expx é um difeomorfismo
da bola B(0, ε) sobre uma vizinhança de x, chamada uma vizinhança
normal de x. Resumimos esta discussão no seguinte teorema.
Teorema 3.1. Seja M uma variedade Riemanniana. Então existe
uma função contı́nua positiva ε : M → R+ e uma função de classe
C ∞ ϕ : (−2, 2) × Vε → M , em que Vε = {(x, v) ∈ T M ; ||v||x < ε(x)},
tal que se (x, v) ∈ Vε , então t 7→ ϕ(t, x, v) é a geodésica que em t = 0
passa por x com velocidade v. Além disso, para cada x a aplicação
expx : B(0, ε) ⊂ T Mx −→ M
v 7−→ ϕ(1, x, v)
é um difeomorfismo sobre sua imagem, que é uma vizinhança de x
em M .
Como a função exponencial é contı́nua, em ambas as variáveis,
temos também o seguinte corolário.
Corolário 3.2. Seja ε : M → R+ como no teorema 3.1. Então
existe uma função contı́nua δ : M → R+ com a seguinte propriedade:
para todo y ∈ expx (B(0, δ(x))), temos que expy (B(0, ε(x))) contém
expx (B(0, δ(x))).
É claro que se M é compacta, então podemos tomar tanto ε
quanto δ constantes.

Antes do próximo corolário, definimos a importante noção de ho-


motopia entre aplicações contı́nuas.
Definição 3.2. Sejam f, g : M → N aplicações contı́nuas. Dizemos
que f e g são homotópicas se existe uma aplicação H : M ×[0, 1] → N
tal que H(0, x) = f (x) e H(1, x) = g(x) para todo x ∈ M . Se f e g
são de classe C r , dizemos que f e g são C r -homotópicas se podemos
escolher uma homotopia H de classe C r .
60 [CAP. 3: APLICAÇÃO EXPONENCIAL

É fácil verificar que a relação f ∼ g se, e somente se, f e g são


homotópicas é uma relação de equivalência. Se H é uma homotopia
entre f e g, então escolhendo τ : [0, 1] → [0, 1] monótona de classe C ∞
tal que vale 0 próximo de t = 0 e vale 1 próximo de t = 1, podemos
modificar a homotopia H colocando H̃(t, x) = H(τ (t), x), de modo
que H̃ é ainda uma homotopia entre f e g (de classe C r se H o for)
e satisfaz H̃(t, x) = f (x) para t próximo de 0 e H̃(t, x) = g(x) para
t próximo de 1. Usando esta observação, mostraremos agora que a
relação de homotopia C r também é de equivalência. De fato, se f1 é
C r -homotópica a f2 e f2 é C r -homotópica a f3 , então podemos tomar
homotopias Hj : [0, 1] × M → N de classe C r , j = 1, 2, tais que
1
H1 (t, x) = f1 (x) se t ≤
4
3
H1 (t, x) = f2 (x) se t ≥
4
1
H2 (t, x) = f2 (x) se t ≤
4
3
H2 (t, x) = f3 (x) se t ≥ ,
4
então (
H1 (2t, x) se t ≤ 21
H(t, x) =
H2 (2t − 1, x) se t ≥ 21 .
é uma homotopia de classe C r entre f1 e f3 .
Corolário 3.3. Seja f : P → M uma função contı́nua. Então existe
uma vizinhança V ⊂ C 0 (P, M ) de f tal que:
1. se g ∈ V, então g é homotópica a f ;
2. se g0 , g1 ∈ V são de classe C ∞ , então existe uma homotopia
C ∞ entre g0 e g1 .
Demonstração. Sejam ε, δ : M → R+ como no teorema 3.1. O
conjunto U = {(x, y) ∈ P × M ; y ∈ expf (x) (B(0, δ(x)))} é aberto e
o conjunto V das funções contı́nuas cujo gráfico está contido em U é
uma vizinhança de f . Se g pertence a essa vizinhança, então

ft (x) = expf (x) (t(expf (x) )−1 (g(x)))


[SEC. 3.2: VIZINHANÇA TUBULAR 61

é uma homotopia entre f e g, o que conclui o primeiro item. Suponha


agora g0 , g1 ∈ V de classe C ∞ . Consideremos uma função C ∞
τ : [0, 1] → [0, 1] que é igual a 0 em uma vizinhança de 0 e igual
a 1 em uma vizinhança de 1. Podemos então definir uma homotopia
C ∞ entre g0 e g1 colocando

 
H(t, x) = expg0 (x) τ (t)(expg0 (x) )−1 (g1 (x)) .

3.2 Vizinhança tubular

Definição 3.3. Seja (M, g) uma variedade Riemanniana e S ⊂ M


uma subvariedade. Definimos o fibrado normal de S em M por

T ⊥ S := (x, v) ∈ T M ; x ∈ S e v ∈ T Sx⊥ .


Proposição 3.4. Se S é uma subvariedade de class C ∞ então o


fibrado normal é uma variedade de classe C ∞ e a aplicação π : T ⊥ S →
S, (x, v) 7→ x é uma fibração localmente trivial.

Demonstração. Tomamos uma cobertura de S por domı́nios de


cartas locais φi : Ui → Rs × Rn−s tais que φi (S ∩ Ui ) = Rs × {0}.
Usando essas cartas, construimos campos de vetores X1i , . . . , Xm
i
em
U1 com as seguintes propriedades

1. para todo x ∈ Ui os vetores X1i (x), . . . , Xm


i
(x) formam uma
base de T Mx ;

2. se x ∈ S os vetores X1i (x), . . . , Xsi (x) são tangentes a S no ponto


x. Sejam Y1i , . . . , Ymi : Ui → T M os campos de vetores obtidos
62 [CAP. 3: APLICAÇÃO EXPONENCIAL

pelo processo de ortogonalização de Gram-Schmidt, isto é,


X1i (x)
Y1i (x) =
X i (x)
1 x
..
.
r−1
Xri (x) − < Xji (x), Yji (x) >x Yji (x)
P
j=1
Yri (x) =
r−1
i i i
i P
Xr (x), − < Xj (x), Yj (x) >x Yj (x) .

j=1

Esses campos são ortonormais e, para cada ponto x ∈ Vi =


i
S ∩ Ui , os vetores Ys+1 (x), . . . , Ymi (x) constituem uma base or-
tonormal do fibrado normal. Portanto temos uma bijeção
X
Φi : Vi × Rm−s → π −1 (Vi ); (x, u) 7→ (x, uj Yji (x)).
j

Como a matriz de mudança de bases ortonormais é uma matriz


orgotonal e os campos são de classe C ∞ existem funções de
classe C ∞ ρij : Vi ∩ Vj → O(n) tais que

Φ−1
j ◦ Φi : (Vi ∩ Vj ) × R
n−s
→ (Vi ∩ Vj ) × Rn−s

é o difeomorfismo C ∞ (x, u) 7→ (x, ρij (x)(u). Logo o fibrado


normal tem uma única estrutura de variedade na qual os φi são
difeomorfismos o que conclui a demonstração da proposição.

Teorema 3.5. (Vizinhança tubular) Sejam (M, g) uma variedade


Riemanniana e S ⊂ M uma subvariedade compacta sem bordo de
classe C ∞ . Seja π : N = T ⊥ S → S o fibrado normal de S em M .
Então existe δ > 0 tal que se Nδ = {(x, v) ∈ N ; ||v|| < δ}, então a
aplicação
f: Nδ → M
(x, v) 7→ expx v
é um difeomorfismo sobre uma vizinhança de S em M , chamada uma
vizinhança tubular de S, de modo que existe um mergulho N ,→ M
[SEC. 3.2: VIZINHANÇA TUBULAR 63

tal que a composta da seção nula com esse mergulho é a inclusão de


S em M .

Demonstração. A derivada da aplicação de f no ponto (x, 0), para


todo x ∈ S, é a identidade. Logo a aplicação é um difeomorfismo
local numa vizinhança de {(x, 0); x ∈ S}. Portanto existe δ1 > 0 tal
que se δ > 0 é suficiente pequeno e d(x, y) < δ1 , ||v||x < δ, ||w||y < δ,
então
expx v 6= expy w.
δ
Por outro lado, existe ε > 0 tal que d(x, expx v) < 10 sempre que
||v||x < ε. Logo se d(x, y) ≥ δ e ||v||x < ε, kwky < ε, temos que vale
d(expx v, expy w) ≥ 8δ > 0. Portanto f é biunı́voca nesta vizinhança
e logo um difeomorfismo sobre sua imagem, que é uma vizinhança
 de
v
S. Note também que Nδ → N definido por (x, v) 7→ x, δ−||v|| é
difeomorfismo.

Observação 3.1. 1. O teorema é também verdadeiro para vari-


edades não compacta mergulhadas. Basta construir, usando
novamente a aplicação exponencial uma aplicação de uma vi-
zinhança da seção nula da forma {(x, v); ||v||x < (x) onde  é
uma função C ∞ escolhida de tal modo que essa aplicação seja
um difeomorfismo.

2. Se M é de classe C ∞ e S é de classe C r com r ≥ 2 a prova do teo-


rema fornece uma vizinhança tubular de classe C r−1 . A mesma
prova não se aplica se S é de classe C 1 pois, nesse caso, o fibrado
normal é apenas de classe C 0 e não podemos usar o teorema
da função inversa. Nesse caso podemos ainda obter uma vizi-
nhança tubular usando o teorema de aproximação de funções
contı́nuas por funções C ∞ que demonstraremos no capı́tulo 8.
Com esse resultado construimos um fibrado de classe C 1 sobre
S cuja fibra por um ponto x é um subespaço de T Mx proximo
ao subespaço normal a S e, usando esse fibrado construimos a
vizinhança tubular como na prova acima.

Corolário 3.6. Seja S ⊂ M uma subvariedade compacta. Então


existe uma métrica Riemanniana em M tal que toda geodésica tan-
gente a S esteja contida em S (dizemos que S é totalmente geodésica).
64 [CAP. 3: APLICAÇÃO EXPONENCIAL

Demonstração. Sejam T S ⊥ o fibrado normal de S e f : T S ⊥ → M


uma vizinhança tubular de S. Na vizinhança U = f (T S ⊥ ) de S em
M consideremos a involução ϕ : U → U dada por ϕ = f ◦φ◦f −1 , onde
φ : T S ⊥ → T S ⊥ é a involução (x, v) 7→ (x, −v). Então ϕ : U → U
é tal que ϕ ◦ ϕ = idU , ϕ(x) = x para todo x ∈ S. Se γ é uma
curva em U que não está contida em S mas é tangente a S em al-
gum ponto, então φ(γ) 6= γ. Dada uma métrica Riemanniana g1 em
U , a métrica g = 21 (g1 +ϕ∗ g1 ) é tal que ϕ∗ g = g, isto é, ϕ é isometria.

Usando uma partição da unidade, podemos construir uma métrica


Riemanniana em M que coincide com g em uma vizinhança de S.
Se γ é uma geodésica tangente a S, então como ϕ é isometria numa
vizinhança S, ϕ(γ) também é uma geodésica passando pelo mesmo
ponto de tangência e tangente ao mesmo vetor. Pela unicidade das
geodésicas temos ϕ(γ) = γ, e portanto γ ⊂ S.

3.3 Vizinhanças geodesicamente convexas


Definição 3.4. Seja M uma variedade Riemanniana. Um subcon-
junto aberto U ⊂ M é geodesicamente convexo se
• para todo par de pontos z, w ∈ U , existe uma única geodésica
γ : [0, 1] → U tal que γ(0) = z e γ(1) = w;
• se α : [0, 1] → M é uma curva diferenciável com α(0) = z e
α(1) = w, então o comprimento de α é maior ou igual ao com-
primento de γ e a igualdade ocorre se, e somente se, α é uma
reparametrização de γ (dizemos que γ é minimal, ou minimi-
zante).
A proposição abaixo descreve a relevância dos abertos geodesica-
mente convexos em Topologia Diferencial.
Proposição 3.7. Seja M uma variedade Riemanniana de classe C ∞ .
1. Se U é geodesicamente convexo, então U é contrátil, isto é,
existe uma aplicação H : [0, 1] × U → U , de classe C ∞ , tal que
H(0, x) = x e H(x, 1) = x0 ∈ U .
2. A interseção de dois abertos geodesicamente convexos é geode-
sicamente convexo.
[SEC. 3.3: VIZINHANÇAS GEODESICAMENTE CONVEXAS 65

Demonstração. A interseção de dois abertos geodesicamente con-


vexos é obviamente geodesicamente convexo. Para construir H, to-
memos para cada x ∈ U a única geodésica minimal γx : [0, 1] → U tal
que γ(0) = x0 e γ(1) = x e definimos H(t, x) = γx (t).
Nessa seção provaremos que todo ponto de uma variedade Rie-
manniana tem uma vizinhança aberta que é geodesicamente convexa.

Usando a inversa da aplicação exponencial, obtemos em uma vizi-


nhança normal de um ponto p ∈ M uma carta local na qual a métrica
hu, vix = hg(x)u, vi tem as seguintes propriedades:
a) gij (0) = δij , isto é, g(0) é a identidade;
b) t ∈ [0, 1] 7→ tv são geodésicas para todo v com ||v|| < ;
c) Γkij (0) = 0.
A propriedade c) segue de b) e da equação das geodésicas. Nessas
coordenadas consideramos as bolas Ba = {v; hv, vi0 < a2 } e as esferas
Sa = {v; hv, vi0 = a2 } para cada 0 < a < .
Lema 3.8. (Lema de Gauss) As geodésicas radiais em uma vizi-
nhança normal são ortogonais às esferas Sa se 0 < a < .
Demonstração. Vamos mostrar que para qualquer γ(t) curva dife-
renciável contida na esfera de raio  e para todo 0 ≤ u < 1, o vetor
γ(t) é ortogonal ao vetor γ 0 (t) no ponto uγ(t), isto é,

β(u) = hg(uγ(t))γ(t), γ 0 (t)i = 0.

Como hγ(t), γ(t)i0 é constante, temos que hγ(t), γ 0 (t)i0 = 0, e assim


β(0) = 0. Logo basta mostrar que β 0 (u) = −β(u) para todo u, uma
vez que se β satisfaz essa equação, então β(u) = ce−u , onde c é
constante, que deve ser 0 pois β(0) = 0. Temos que

= hDg(uγ(t))(γ(t), γ 0 (t)), γ(t)i = hDg(uγ(t))(γ(t), γ(t)), γ 0 (t)i.
du
Como α(u) = uγ(t) é uma geodésica, temos que α0 (t) = γ(t) e
também α00 (t) = 0, daı́ (dedução da equação das geodésicas)

hDg(α(u))(w, α0 (u)), α0 (u)i = 2hDg(α(u))(α0 (u), α0 (u)), wi.


66 [CAP. 3: APLICAÇÃO EXPONENCIAL

Tomando w = γ 0 (t), temos:

hDg(uγ(t))(γ 0 (t), γ(t)), γ(t)i = 2hDg(uγ(t))(γ(t), γ(t)), γ 0 (t)i.

Logo
dβ 1
= hDg(uγ(t))(γ 0 (t), γ(t)), γ(t)i.
du 2
Por outro lado, como os vetores tangentes à uma geodésica tem norma
constante, temos que

2 = hγ(t), γ(t)i = hg(uγ(t))(γ(t)), γ(t)i

e, derivando em relação a t,

0 = hDg(uγ(t))(uγ 0 (t), γ(t)), γ(t)i + 2hg(uγ 0 (t))(γ(t)), γ(t)i.

Logo β 0 (u) = −β(u), o que prova o lema.


Corolário 3.9. Se q pertence à uma vizinhança normal de p, então
o comprimento de qualquer curva diferenciável por partes ligando os
pontos p e q é maior ou igual ao comprimento da geodésica radial li-
gando p a q e é igual se, e somente se, a curva é uma reparametrização
da geodésica radial.
Demonstração. Seja Up = expp (B(0, )) uma vizinhança normal
de p e c : [a, b] → Up \ {p} uma curva diferenciável. Então podemos
escrever c(t) = expp (u(t)v(t)), onde ||v(t)||p = 1 e 0 < u(t) < .
Tomando α(u, t) = expp (uv(t)), temos que c(t) = α(u(t), t). Logo,

dc ∂α 0 ∂α
= u (t) + .
dt ∂u ∂t
Pelo lema de Gauss,
 
∂α ∂α
, =0
∂u ∂t α(u,t)

e como ∂α
∂u α(u,t) = 1, temos que

2 2
dc 0
∂α

dt = |u (t)|2
+
∂t ≥ |u0 (t)|2
α(u,t) α(u,t)
[SEC. 3.3: VIZINHANÇAS GEODESICAMENTE CONVEXAS 67

e a igualdade vale se, e somente se, ∂α ∂t = 0 para todo t, o que implica


que v 0 (t) = 0. Logo o comprimento da curva c satisfaz:
Z b Z b
dc

dt dt ≥ |u0 (t)|dt ≥ |u(b) − u(a)|,
a α(u,t) a

com igualdade se, e somente se, v é constante e u é monótona. Logo


c é uma reparametrização de uma geodésica radial.
Teorema 3.10. Seja M uma variedade Riemanniana e d a distância
Riemanniana. Entâo existe uma função positiva C ∞ , η : M → R, tal
que para todo p ∈ M a bola B(p, η(p)) é uma vizinhança geodesica-
mente convexa de p.
Demonstração. Seja  : M → R uma função C ∞ positiva tal que
a bola B(p, (p)) seja uma vizinhaça normal de p. Seja x uma carta
local nessa vizinhança normal, com x(p) = 0, e tal que a métrica
nessas coordenadas seja dada por hv, wix = hg(x)v, wi com
a) gij (0) = δij , isto é, g(0) é a identidade;
b) t ∈ [0, 1] 7→ tv são geodésicas para todo v com ||v|| < ;
c) Γkij (0) = 0.
Seja η > 0 suficientemente pequeno tal que
• (x) > 5δ para todo x em B(0, η);
• (1 + 51 )−1 kvkx < kvk < (1 + 15 )kvkx para todo x em B(0, 3η);
1
• |Γkij (x)| < 104 n3 para todo x em B(0, 3η).
Da primeira propriedade segue que dados x, y em B(0, η), existe uma
única geodésica minimal γ : [a, b] → B(0, (p)) ligando x a y com
comprimento menor que 2η, pois a distância Riemanniana entre x e
y é menor ou igual à soma das distâncias entre x e 0 e entre 0 e y.
A distância de um ponto z sobre essa geodésica a 0 é menor ou igual
à distância desse ponto a x mais a distância de x a 0, e a primeira
distância é menor que o comprimento da geodésica entre x e y, logo
a geodésica está inteiramente contida na bola B(0, 3η). Podemos
supor que os vetores tangentes à geodésica tem norma igual a 1. Seja
68 [CAP. 3: APLICAÇÃO EXPONENCIAL

f (t) = hγ(t), γ(t)i. Se f for uma função monótona, então a geodésica


estará inteiramente contida na bola B(0, η), como queremos provar.
Caso contrário, f tem um máximo em um ponto t0 no interior do
intervalo. Logo
f 0 (t0 ) = 2hγ 0 (t0 ), γ(t0 )i = 0
e
f 00 (t0 ) = 2hγ 00 (t0 ), γ(t0 )i + 2hγ 0 (t0 ), γ 0 (t0 )i ≤ 0
pois t0 é um ponto onde f atinge seu máximo. Afirmamos no entanto
que f 00 (t) é positivo para todo t, o que prova o teorema. Para provar
a afirmação, vamos inicialmente estimar o valor absoluto de cada
componente da derivada de γ:
i  

≤ kγ 0 (t)k ≤ 1 + 1 kγ 0 (t)kγ(t) = 1 + 1 .
dt 5 5
pois o vetor tangente à geodésica tem norma 1 em cada ponto. Temos
então, pela equação das geodésicas,
n  2
00 2
X 1 1 2
kγ (t)k ≤ n × 4 3
1+ ≤ 4
i,j=1
10 n 5 10

Por outro lado,


 2  2
0 0 0 1 0 1 1
hγ (t), γ (t)i = kγ (t)k20 ≥ 1 kγ (t)k2γ(t) = 1 ≥
1+ 5 1+ 5
4
e
 
1 1
|2hγ 00 (t), γ 0 ti| ≤ 2kγ 00 (t)k.kγ 0 (t)k0 ≤ 2.2/100 1 + < .
5 4
Logo a derivada segunda de f é positiva e, portanto, f não pode ter
um máximo.
Teorema 3.11. Seja N uma variedade Riemanniana. Se f : M → N
é uma função própria, então existe uma função ρ : M → R+ , de classe
C ∞ , tal que
• Se g : M → N é contı́nua, com d(g(x), f (x)) < ρ(x) para todo
x ∈ M , então existe uma homotopia própria entre f e g.
[SEC. 3.4: O FLUXO GEODÉSICO 69

• Se g1 e g2 são de classe C ∞ e d(gj (x), f (x)) < ρ(x) para todo


x ∈ M , j = 1, 2, então existe uma homotopia própria de classe
C ∞ entre g1 e g2 .

Demonstração. Seja η : N → R+ tal que B(p, η(p)) é geodesica-


mente convexa para todo p ∈ N , como no teorema acima. Tomemos
ρ : M → R tal que ρ(x) < η(f (x)) e para todo j exista um compacto
Kj com ρ(x) < 1j se x não está em Kj . Logo, se d(g(x), f (x)) < ρ(x),
existe um único vetor v(x) ∈ T Nf (x) tal que expf (x) (v(x)) = g(x).
Como a aplicação exponencial é C ∞ em ambas as variáveis, temos que
v depende continuamente de x. A função F (t, x) = expf (x) (tv(x)) é
uma homotopia entre f e g. Se g1 e g2 são como no enunciado, a
aplicação que a cada x ∈ M associa o vetor w(x) ∈ Tg1 (x) N tal
que expg1 (x) (w(x)) = g2 (x) é de classe C ∞ , e portanto a função
G(t, x) = expg1 (x) (tw(x)) é uma homotopia C ∞ entre g1 e g2 .

Resta mostrar que as homotopias são próprias, isto é, que não existe
sequência (tn , xn ) tal que xn → ∞ e F (tn , xn ) → p. De fato, como

d(F (tn , xn ), f (xn )) < ρ(xn ) e ρ(xn ) → 0

temos que f (xn ) também converge a p, o que é absurdo pois f é


própria.

3.4 O fluxo geodésico


Como já vimos, toda métrica Riemanniana em uma variedade é con-
formemente equivalente a uma métrica completa. Isto é, dada uma
métrica Riemanniana, podemos encontrar uma função C ∞ positiva
tal que a métrica Riemanniana obtida da primeira multiplicando-
a por esta função é uma métrica completa, no sentido que toda
sequência de Cauchy na distância induzida pela segunda métrica é
convergente. Vimos também que toda métrica Riemanniana em uma
variedade compacta é completa.

Se M é uma variedade Riemanniana, o fibrado tangente unitário,


definido por T1 M = {(x, v) ∈ T M ; x ∈ M, v ∈ T Mx , ||v||x = 1}, é
uma subvariedade de T M de codimensão um. Se γ é uma geodésica
70 [CAP. 3: APLICAÇÃO EXPONENCIAL

em M com γ(0) = x e γ 0 (0) um vetor unitário, então t 7→ (γ(t), γ 0 (t))


é uma curva em T1 M . A derivada dessa curva em 0 é um vetor X(x, v)
tangente a T1 M no ponto (x, v). Como as geodésicas dependem dife-
renciavelmente tanto do ponto quanto do vetor tangente, temos que
X é um campo de vetores de classe C ∞ e que se π : T1 M → M é a
projeção canônica, então a composição de curvas integrais de X com a
projeção π são geodésicas de M . Afirmamos que se a métrica Rieman-
niana é completa, então X é também um campo de vetores completo.
De fato, suponhamos por absurdo que o intervalo maximal de uma
curva integral de X seja diferente de R, isto é, α : (ω− , ω+ ) → T1 M
é curva integral e ω+ < ∞. Logo, se tn → ω+ , então α(tn ) → ∞ em
T1 M .

Por outro lado, se K ⊂ M é um subconjunto compacto, então


π −1 (K) é um subconjunto compacto de T1 M . Assim, devemos ter
também que γ(tn ) = π(α(tn )) → ∞ em M . Como o vetor tangente
a γ em cada ponto é unitário, temos que a distância entre γ(tn ) e
γ(tn+k ) é menor ou igual a tn+k − tn . Portanto a sequência γ(tn )
é de Cauchy em M , o que é um absurdo e prova que ω+ = ∞.
Analogamente ω− = −∞. Portanto o fluxo de X está definido em
toda a reta e demonstramos a proposição abaixo.
Proposição 3.12. Se x 7→< ·, · >x é uma métrica Riemanniana
completa em uma variedade M , então existe uma aplicação C ∞

Φ : R × T1 M → T1 M

tal que:
• Φ(0, (x, v)) = (x, v);
• para cada (x, v) ∈ T M , a aplicação R → M , t 7→ π ◦Φ(t, (x, v)),
é a geodésica que passa por x e é tangente a v;
• a aplicação Φt : T M → T M definida por

Φt (x, v) = Φ(t, (x, v))

é um difeomorfismo e a aplicação

t ∈ R 7→ Φt ∈ Dif∞ (T1 M )
[SEC. 3.4: O FLUXO GEODÉSICO 71

é um homomorfismo do grupo aditivo dos reais no grupo dos


difeomorfismos de T1 M .
Vamos agora mostrar um exemplo importante onde podemos des-
crever explicitamente o fluxo geodésico. Consideremos o plano hi-
perbólico H 2 = {(x, y) ∈ R2 ; y > 0} munido da métrica hiperbólica:
1
g11 (x, y) = g22 (x, y) = e g12 (x, y) = g21 (x, y) = 0.
y2

Fixado um ponto (x0 , v0 ) ∈ T1 H 2 , podemos associar um difeomor-


fismo Θ : T1 H 2 → Aut(H 2 ), pois para cada (x, v) ∈ T1 H 2 existe um
único automorfismo φ ∈ Aut(H 2 ) tal que φ(x0 ) = x e Dφ(x0 ).v0 = v.

Por outro lado, temos um



homomorfismo

SL(2, R) → Aut(H 2 ),
a b
que associa a cada matriz c d
em SL(2, R) o automorfismo
z ∈ H 2 7→ az+b
cz+d . O núcleo desse homomorfismo é o subgrupo de dois
elementos {id, −id}.

O grupo Aut(H 2 ) age em T1 H 2 de maneira natural

(φ, (x, v)) ∈ Aut(H 2 ) × T1 H 2 7→ (φ(x), Dφ(x).v).

Identificando T1 H 2 com Aut(H 2 ) via Θ, essa ação é simplesmente


a composição de automorfismos: (φ, Θ(x, v)) 7→ φ ◦ Θ(x, v).

Consideremos o fluxo

R × SL(2, R) → SL(2, R)
    t   
a b e 0 a b
definido por t, 7→ · .
c d 0 e−t c d
É fácil ver que esse fluxo induz um fluxo R×Aut(H 2 ) → Aut(H 2 ),
e portanto um fluxo Φ : R × T1 H 2 → T1 H 2 , de classe C ∞ , que é exa-
tamente o fluxo geodésico.

A seguir, vamos descrever algumas propriedades dinâmicas im-


portantes desse fluxo. Seja (x0 , v0 ) ∈ T1 H 2 e γ : R → H a geodésica
que passa por x0 com velocidade v0 . Sejam H− (resp. H+ ) o cı́rculo
72 [CAP. 3: APLICAÇÃO EXPONENCIAL

euclidiano que passa por x0 , é ortogonal a v0 , e tangencia o eixo real


no ponto limt→−∞ γ(t) (resp. limt→∞ γ(t)). A interseção de cada um
desses cı́rculos com H 2 é chamado de horocı́rculoindexhorocı́rculo.
Uma geodésica tangente a um vetor unitário ortogonal a H− é as-
sintótica a γ no passado, enquanto que uma geodésica por um ponto
de H+ e tangente a um vetor ortogonal a H+ é assintótica a γ
no futuro. Segue então que se W s (x0 , v0 ) é o conjunto dos pontos
(x, v) ∈ T1 H 2 tais que x ∈ H+ e v é ortogonal a H+ apontando na
mesma direção que v0 , então W s (x0 , v0 ) é uma subvariedade de di-
mensão 1 de T1 H 2 e a distância entre Φt (x, v) e Φt (x0 , v0 ) converge a
zero exponencialmente quando t → +∞. Analogamente, usando H− ,
definimos a subvariedade de dimensão um Wu (x0 , v0 ), constituı́da de
pontos assintóticos a (x0 , v0 ) no passado.

Seja agora S uma variedade de dimensão dois que é holomor-


ficamente recoberta por H 2 e seja Aut(S) ⊂ Aut(H 2 ) o grupo dos
automorfismos do recobrimento. Esse subgrupo age naturalmente em
T1 H 2 e o espaço quociente é T1 S. Como cada elemento de Aut(S)
conjuga o fluxo Φt com ele mesmo, isto é, Φt ◦ φ = φ ◦ Φt , temos que
Φt se projeta no fluxo geodésico de S e as subvariedades W s e W u
se projetam em subvariedades de T1 S com as mesmas propriedades
dinâmicas.

O fluxo geodésico de uma variedade hiperbólica de dimensão dois


é um exemplo de uma classe importante de sistemas dinâmicos deno-
minados fluxos de Anosov.
Capı́tulo 4

Variedades com bordo

Seja Hm = {x ∈ Rm , xm ≥ 0} o semi-espaço superior. Uma aplicação


f : U ⊂ Hm → V ⊂ Hn é diferenciável em x0 ∈ U se existe vizi-
nhança Ũ de x0 em Rm e uma aplicação f˜ : Ũ → Rn diferenciável
em x0 tal que f˜(x) = f (x) para todo x ∈ Ũ ∩ U . Mesmo que
x0 ∈ ∂Hm = {x ∈ Rm ; xm = 0}, duas extensões de f a vizinhanças
de x0 em Rm tem a mesma derivada no ponto x0 . Portanto podemos
definir a derivada de f no ponto x0 como sendo a derivada em x0 de
alguma tal extensão de f .

Definição 4.1. Uma variedade com bordo, de classe C k , é um espaço


topológico M , Hausdorff, com base enumerável de abertos, munido
de um atlas {ϕi : Ui → Ũi ⊂ Hm } cujas mudanças de coordenadas
são de classe C k .

O bordo de M , denotado por ∂M , é o conjunto dos pontos x ∈ M


tais que existe uma carta ϕi : Ui → Ũi no atlas tal que ϕi (x) ∈ ∂Hm .
Observemos que se ϕj : Uj → U˜j é uma outra carta, então ϕj (x)
também pertence a ∂Hm . Assim, ∂M está bem definido e é uma
variedade (sem bordo) de dimensão m − 1.

Um vetor tangente v a M no ponto x é uma aplicação que a cada


carta local ϕi : Ui → Ũi ⊂ Hm associa um vetor v(ϕi , x) ∈ Rm e tem
a propriedade de que se ϕj : Uj → Ũj é outra carta com x ∈ Uj , então
v(ϕj , x) = D(ϕj ◦ϕ−1
i )(ϕi (x))v(ϕi , x). Pela observação anterior sobre

73
74 [CAP. 4: VARIEDADES COM BORDO

a derivada de mudanças de cartas, temos que a definição faz sentido


mesmo quando x ∈ ∂M . O espaço tangente a M no ponto x é o
conjunto de tais vetores tangentes, que é obviamente um espaço ve-
torial, e cada carta local ϕi define um isomorfismo Dϕi : T Mx → Rm ,
que associa a cada vetor tangente v o vetor v(φi , x). Em um ponto
x ∈ ∂M o espaço tangente ao bordo é um subespaço de codimensão
1 do espaço tangente a M .
Dizemos que duas bases de um espaço vetorial são equivalentes se
a matriz de mudança de base tem determinante positivo. É claro que
existem exatamente duas classes de equivalência. Uma orientação em
um espaço vetorial é a escolha de uma das classes de equivalência e
uma base nessa classe é chamada de base positiva.

Definição 4.2. Uma orientação em uma variedade M é uma es-


colha de uma orientação em cada espaço tangente, de modo que
para cada carta local ϕ : U ⊂ M → Ũ , com U conexo, a derivada
Dϕ(x) : T Mx → Rm ou preserva orientação para todo x ou inverte
orientação para todo x. Se é possı́vel escolher uma tal orientação em
M , dizemos que M é orientável e nesse caso, fixada a escolha de uma
orientação, dizemos que M está orientada.

Se M é uma variedade orientada, podemos escolher um atlas


ϕi : Ui → Ũi ⊂ Hm tal que a derivada das mudanças de coorde-
nadas é um isomorfismo que preserva a orientação de Rm em cada
ponto. Dizemos que as cartas desse atlas são positivas e que o atlas
é positivo. Reciprocamente, um atlas positivo define uma orientação
em M . Se M é uma variedade com bordo orientada, então ∂M é
também uma variedade orientável. Consideraremos a orientação de
∂M tal que uma base ordenada v1 , . . . , vn−1 de T (∂M )x é positiva
se v1 , . . . , vn−1 , v é uma base positiva de T Mx , onde v ∈ T Mx é um
vetor transversal ao subespaço T (∂M )x e que aponta para o interior
de M , isto é, se ϕ : U ⊂ M → Ũ ⊂ Hm , então Dϕ(x).v ∈ Hm ⊂ Rm .

4.1 Colagem de variedades com bordo


Teorema 4.1. (Vizinhança colar de bordo). Seja M uma variedade
com bordo, de classe C ∞ , com ∂M compacto. Então existe uma
vizinhança V de ∂M em M e um difeomorfismo de classe C ∞
[SEC. 4.1: COLAGEM DE VARIEDADES COM BORDO 75

Φ : ∂M × [0, 1) → V
tal que Φ(x, 0) = x ∀x ∈ ∂M .
Demonstração. Consideremos uma cobertura finita {Ui } de ∂M
por abertos de M tal que existam cartas locais ϕi : Wi → W̃i ⊂ Hm
com Ui ⊂ Ui ⊂ Vi ⊂ Vi ⊂ Wi e Ui e Vi compactos. Escolha uma
função λ̃i : Hm → [0, 1], C ∞ , que vale 1 em Ũi = ϕi (Ui ) e 0 fora
de Ṽi = ϕi (Vi ). Seja X̃i o campo de vetores obtido multiplicando o
campo unitário vertical ∂x∂m em Hm pela função λ̃i . Seja Xi o campo
de vetores em M que se anula fora de Wi e Xi = ϕ∗i X̃i em Wi .
Temos que Xi é um campo de classe C ∞ que se anula fora de um
compacto e tal que para todo x ∈ ∂M ou Xi (x) P = 0 ou é transversal
a ∂M e aponta para o interior de M . Seja X = i Xi . Temos então
que X é um campo C ∞ que se anula fora de uma vizinhança compacta
de ∂M e para todo x ∈ ∂M X(x) é transversal a ∂M , apontando
para o interior de M . Portanto existe  > 0 e uma aplicação C ∞
ψ : ∂M × [0, ) → M tal que ψ(x, 0) = x e t 7→ ψ(x, t) é curva
integral de X. Tomando  > 0 suficientemente pequeno, temos que ψ
é um difeomorfismo sobre uma vizinhança V de ∂M em M . Tomamos
então Φ(t, x) = ψ(x, t).
Teorema 4.2. Sejam M e N variedades de classe C ∞ com bordos
compactos. Seja f : ∂M → ∂N um difeomorfismo de classe C ∞ .
Então existem uma variedade sem bordo, denotada por M ∪f N ,
uma subvariedade S ⊂ M ∪f N e mergulhos C ∞ if : M → M ∪f N
e jf : N → M ∪f N tais que
• if (M ) ∪ jf (N ) = M ∪f N ;
• if (M \ ∂M ) ∩ jf (N \ ∂N ) = ∅;
• if |∂M : ∂M → S e jf |∂N : ∂N → S são difeomorfismos tais
que if = jf ◦ f .
F
Demonstração. Na união disjunta de M e N , M N , considere a
relação de equivalência :
x∼y ⇐⇒ ou x=y
ou x ∈ ∂M e y = f (x)
ou x ∈ ∂N e y = f −1 (x).
76 [CAP. 4: VARIEDADES COM BORDO

Figura 4.1: Colagem pelo bordo.

Seja M ∪f N o espaço
F quociente por esta relação, com a topologia
quociente, e q : M N → M ∪f N a aplicação quociente.

Fixemos ΦM : ∂M × [0, 1) → VM ⊂ M e ΦN : ∂N × [0, 1) → VN ⊂ N


vizinhanças colares dos respectivos bordos.
Temos que V = q(VM ∪ VN ) é uma vizinhança de S = q(∂M ) (que
é também igual a q(∂N )). Seja ψ : ∂M × (−1, 1) → V ⊂ M ∪f N
definida por

ΦM (−t, x) se t ≤ 0
ψ(t, x) =
ΦN (t, f (x)) se t ≥ 0.

A aplicação ψ é um homeomorfismo
Fsobre V . Sejam if a composição
de q com a inclusão de FM em M N e jf a composição de q com
a inclusão de N em M N . Então existe uma única estrutura de
variedade em M ∪f N tal que if , jf e ψ sejam mergulhos C ∞ .

Um caso particular da construção acima é quando as duas varie-


dades coincidem e a identificação dos bordos é pela identidade. Nesse
caso obtemos uma variedade sem bordo que é chamado de o dobro da
variedade inicial. Daremos a seguir uma aplicação interessante dessa
construção.
Proposição 4.3. Sejam M uma variedade compacta com bordo e
S ⊂ M uma subvariedade compacta, cujo bordo está contido em ∂M ,
[SEC. 4.1: COLAGEM DE VARIEDADES COM BORDO 77

e tal que se x ∈ S ∩ ∂M , então T (∂M )x + T Sx = T Mx (subvariedade


“neat”). Então existe uma vizinhança tubular de S tal que, quando
restrita ao bordo de M , é uma vizinhança tubular de ∂S em ∂M .

Demonstração. Provaremos a proposição construindo uma métrica


Riemanniana tal que ∂M é totalmente geodésica e para x ∈ S ∩ ∂M ,
T ∂Mx⊥ ⊂ T Sx . Para isso, construı́mos uma vizinhança colar de ∂M
usando um campo de vetores em uma vizinhança de ∂M que seja
também tangente a S. Usamos essa vizinhança para construir o dobro
M̃ de M , que tem uma subvariedade S̃ cuja interseção com M ⊂ M̃ é
S. Temos então uma vizinhança tubular de ∂M em M̃ cujas fibras por
pontos de S̃ estão contidas em S̃ e também uma involução ϕ dessa
vizinhança que deixa os pontos de ∂M fixos e preservam as fibras
como na prova do corolário 3.6. Usando essa involução, construı́mos
uma métrica em M̃ tal que as fibras das vizinhanças de ∂M em M̃ são
ortogonais a ∂M e tal que ϕ seja uma isometria em uma vizinhança
de ∂M . Logo ∂M é totalmente geodésica e a vizinhança tubular de
S̃ construı́da na prova do teorema 3.5 restringe a uma vizinhança
tubular de ∂S em ∂M .

Exercı́cio 4.1. Seja M = N = D2 × S 1 o toro sólido. Seu bordo


é ∂M = ∂N = S 1 × S 1 , que é o toro de dimensão dois. Sejam
f, g : S 1 × S 1 → S 1 × S 1 os difeomorfismos

f (x, y) = (x, y)
g(x, y) = (y, x).

Mostre que M ∪f N é difeomorfa a S 1 × S 2 , enquanto que M ∪g N


é difeomorfa a S 3 .

Sugestão: Usando a projeção estereográfica podemos representar S 3


como a união de R3 com o ponto no infinito. O eixo x3 é um cı́rculo
γ1 ⊂ S 3 e S 3 \ γ1 é a união de toros de revolução que intersectam o
plano x1 x3 em cı́rculos como na figura.
Os meridianos desses toros são cı́rculos com centros no eixo x3 e
contidos em planos paralelos ao plano x1 x2 , enquanto que os para-
lelos são as interseções dos toros com planos passando pelo eixo x3
e perpendicular ao plano x1 x2 . O complementar do toro achuriado
da figura em S 3 é um toro sólido com eixo γ1 e de cujos meridianos
78 [CAP. 4: VARIEDADES COM BORDO

Figura 4.2: Exercı́cio 2.1

saem os paralelos dos toros anteriores. Portanto S 3 é a união de dois


toros sólidos.

Observação: O plano x1 x3 é uma esfera de dimensão dois mergu-


lhada em S 3 e dos cı́rculos da figura saem cı́rculos concêntricos na
métrica esférica de S 3 (a métrica induzida de R4 ).
Definição 4.3. Sejam f, g : P → Q difeomorfismos entre variedades
sem bordo. Dizemos que f e g são difeotópicos (ou isotópicos), se
existe uma aplicação Φ : [0, 1] → Dif∞ (P, Q), Φ(t) = ft , tal que
• f0 = f e f1 = g;
• a aplicação φ : [0, 1] × P → Q definida por φ(t, x) = ft (x) é
C ∞.
Uma tal aplicação é chamada de isotopia entre f e g. Observemos
que se α : [0, 1] → [0, 1] é uma aplicação C ∞ sobrejetiva tal que
α(t) = 0 se t ≤  e α(t) = 1 se t ≥ 1 − , temos que gt = fα(t) é uma
isotopia entre f e g tal que gt = f se t ≤  e gt = g se t ≥ 1 − .
Temos portanto uma relação de equivalência: se f é difeotópica a g e
g é difeotópica a h, então f é difeotópica a h. Vamos mostrar a seguir
que colando duas variedades com bordo por difeomorfismos isotéricos
obtemos variedades difeomorfas. Antes demonstraremos dois lemas
técnicos.
Lema 4.4. Seja S uma subvariedade de M compacta e C ∞ . Se
πi : M → S são retrações e submersões C ∞ , i = 1, 2, então existe
uma retração C ∞ r : M → S que é também uma submersão e que
coincide com π1 em uma vizinhança de S e coincide com π2 fora de
outra vizinhança de S.
[SEC. 4.1: COLAGEM DE VARIEDADES COM BORDO 79

Demonstração. Consideremos em M uma métrica riemanniana tal


que S seja totalmente geodésica como no corolário 3.6. Seja N (S) o
fibrado normal de S e φ : N (S) → U ⊂ M uma vizinhança tubular
de S como no teorema 3.5. Denotamos ainda por S a seção nula de
N (S) e consideremos em N (S) o pull back da métrica riemanniana
de M . Seja λ : R → [0, 1] uma função C ∞ tal que λ(t) = 1 se |t| ≤ 1 e
λ(t) = 0 se |t| ≥ 2. Seja π : N (S) → S a projeção π(x, v) = x. Basta
provar que se π1 : N (S) → S é uma submersão que deixa os pontos
de S fixos então existem submersões π2 , π3 tais que π3 coincide com
π em uma vizinhança de S e com π1 fora de outra vizinhaça de S
enquanto que π2 coincide com π1 em uma vizinhança de S e com π
fora de outra vizinhança de S. Para construir a primeira submersão
tomamos  suficientemente pequeno e definimos
 
π2 (x, v) = expπ(x,v) λ(||v||x ) exp−1
π(x,v) (π 1 (x, v) .

Na fórmula acima, estamos considerando a exponencial na métrica


riemmaniana de N (S) na qual φ é isometria enquanto que ||v||x é
a norma do vetor v como vetor tangente a M em x. Como S é
totalmente geodésica temos que se z, w ∈ S estão suficientemente
próximos então exp−1 −1
z (w) é tangente a S em z e também expz (t expz w
pertence a S para todo t ∈ [0, 1]. Logo, se  > 0 é suficientemente
pequeno então π2 é uma retração que coincide com π fora de uma
vizinhança de S e com π1 fora de outra vizinhança de S. Resta
mostrar que, se  é suficientemente pequeno, a derivada de π2 é so-
brejetiva em todos os pontos. Isto é verdade em cada ponto (x, v)
com ||v||x ≥ 2. Para provar o mesmo nos demais pontos, cobrimos S
por um número finito de vizinhanças trivializadoras do fibrado nor-
mal tais que em cada uma dessas coordenadas, S = {(x, y); y = 0},
π(x, y) = x e ||y||x = ||y||. Para obter a última propriedade usa-
mos uma famı́lia de campos ortonormais que geram em cada ponto
o subespaço normal a S. Como a derivada da função exponencial
em 0 é a identidade, podemos tomar os domı́nios dessas cartas lo-
cais suficientemente pequenos de tal forma que nessas coordenadas,
expz (w) = z + w + o1 (z, w), exp−1z (w) = z − w + o2 (z, w) onde as
funções oj bem como suas derivadas parciais de primeira ordem são
pequenas em todos os pontos do domı́nio da carta. Logo, nessa carta
80 [CAP. 4: VARIEDADES COM BORDO

temos que

π2 (x, y) = (x, 0) + λ(||y||)((x, 0) − π1 (x, y)) + o3 (x, y)

onde o3 e suas derivadas parciais de primeira ordem são pequenas.


Como π1 (x, 0) = (x, 0) temos que, se  é suficientemente pequeno, a
derivada parcial de π2 em relação a x é sobrejetiva. Logo π2 é uma
submersão. Para construir π3 basta tomar na formula 1 − λ(||v||x )
em lugar de λ(||v||x )
Lema 4.5. Seja f : S → S 0 um difeomorfismo. Seja Φ : S ×(−1, 1) →
S 0 ×(−1, 1) um homeomorfismo da forma Φ(x, t) = (f (x), φ(x, t)) cuja
restrição a S × (−1, 0) e a S × (0, 1) seja difeomorfismo. Então existe
um difeomorfismo Ψ : S × (−1, 1) → S 0 × (−1, 1) que coincide com Φ
fora de uma vizinhança de S × {0}.
Demonstração. Sejam a, b : S → (0, 1) funções C ∞ tais que φ(x, a(x)) <
Rb
φ(x, b(x)). Seja  > 0 tal que b(x)−2 (x)φ0 (x, s)ds < φ(x,b(x))−φ(x,a(x))
10
e também 2 < φ(x,b(x))−φ(x,a(x))
10 . Seja λ : R → [0, 1] uma função C ∞
tal que λ(t) = 1 se t ≤ 1 e λ(t) = 0 se t ≥ 2. Para cada µ > 0
consideremos a função dµ (x, t) = µ se a(x) + 2 < t < b(x) − 2,
dµ (x, t) = λ(t) + (1 − λ(t))µ se t ≤ se t ≤ a(x) + 2 e dµ (x, t) =
λ((b(x) − t))φ0 (x, t) + (1 − λ((b(x) − t)))µ se b(x) − 2 ≤ t ≤ b(x).
R b(x)
Temos então que, para cada x ∈ S a aplicação µ 7→ a(x) dm u(x, t)dt
é estritamente monótona, é menor que φ(x, b(x)) − φ(x, a(x) se µ
é proximo a zero e é maior que esse valor se µ é suficientemente
R b(x)
grande. Logo existe um único µ(x) tal que a(x) dµ(x) (x, t)dt =
φ(x, b(x)) − φ(x, a(x)). Além disso a aplicação x 7→ µ(x) é C ∞ .
Definimos então ψ(x, t) = t se t ≤ a(x), ψ(x, t) = φ(x, t) se t ≥ b(x)
Rt
e ψ(x, t) = φ(x, a(x)) + a(x) dµ(x) (x, s)ds se a(x) ≤ t ≤ b(x). Ana-
logamente construimos para cada x um difeomorfismo t ∈ (−1, 0) 7→
ψ(x, t) que coincide com a identidade para t proximo a zero e coincide
com φ(x, t) fora de uma vizinhança de 0. Tomemos então Ψ(x, t) =
(f (x), ψ(x, t)).
Teorema 4.6. Sejam M e N variedades C ∞ com bordos compactos
e f, g : ∂M → ∂N difeomorfismos difeotópicos. Então M ∪f N e
M ∪g N são difeomorfas.
[SEC. 4.1: COLAGEM DE VARIEDADES COM BORDO 81

Demonstração. Seja ΦN : ∂N × [0, 1) → VN ⊂ N uma vizinhança


colar de ∂N . Seja αt : ∂N → ∂N uma isotopia com αt (x) = g◦f −1 (x)
se t ≤ 31 e αt (x) = x se t ≥ 23 . Seja Φ : N → N definida por
Φ(y) = y se y ∈ / VN e Φ(y) = ΦN (αt (x), t) se (x, t) = Φ−1
N (y). Te-
mos que Φ é um difeomorfismo e Φ|∂N = g ◦ f −1 . Consideremos as
aplicações if : M → M ∪f N , jf : N → M ∪f N , ig : M → M ∪g N ,
jg : N → M ∪g N como no Teorema 4.2. Temos então um diagrama
comutativo.

MO
id /M
O
if
∂M ig
∂M
 
f M ∪f N M ∪g N g
C Z
 
∂N jf jg ∂N
 
N
Φ /N
Segue então que a aplicação H : M ∪f N → M ∪g N definida por
H(x) = ig i−1 −1
f (x) se x ∈ if (M ) e H(x) = jg Φjf (x) se x ∈ jf (N )
está bem definida e é um homeomorfismo que se restringe a mergulho
C ∞ em cada componente conexa de M ∪f N \ S.

Tomando campos de vetores em M ∪f N (resp. M ∪g N ) transversais


a S (resp. S 0 = ig (∂M )), podemos construir difeomorfismos C ∞
Φ : S × (−1, 1) → Vf ⊂ M ∪f N (resp. Φg ), onde Vf é vizinhança
0
de S em M ∪f N e Vg é vizinhança de S em M ∪g N . Daı́ teorema
segue do seguinte lema.
0
Lema 4.7. Seja H : S × (−1, 1) → S × (−1, 1) um homeomorfismo
0
tal que H(x, 0) ∈ S ×{0} e as restrições H|S×(−1,0] e H|S×[0,1) sejam
mergulhos C ∞ . Então existe um difeomorfismo de classe C ∞
0
H̃ : S × (−1, 1) → S × (−1, 1)

tal que H̃(x, t) = H(x, t) se |t| ≥ 21 .


82 [CAP. 4: VARIEDADES COM BORDO

Demonstração. Consideremos as projeções

π1 : S × (−1, 1) → S,
π10 : S 0 × (−1, 1) → S 0 .

Temos também as projeções


0
π1+ : S 0 × [0, 1) → S 0 , e
0
π1− : S 0 × (−1, 0] → S 0 ,
0
definidas por π1± (y, t) = H(π1 H −1 (y, t), 0). Portanto, se t > 0,
−1
H(x, t) é a interseção de H(S × {t}) com π+ (H(x, 0)). Pelo lema 4.4
existe um uma submersão π : S × (−1, 1) → S 0 que coincide com π±
0 0
0
fora de uma vizinhança de S , coincide com a projeção (y, t) 7→ y em
uma vizinhança de S 0 e tal que π −1 (y) intersecta transversalmente
cada H(S × {t}) em um único ponto. Podemos então definir um novo
homeomorfismo H0 : S × (−1, 1) → S 0 × (−1, 1) tomando H0 (x, t)
como a interseção de H(S × {t}) com π −1 (H(x, 0)) que portanto leva
fibras de π1 em fibras de π e coincide com H fora de uma vizinhança
de S. Seja F : S 0 × (−1, 1) → S 0 × (−1, 1) o difeomorfismo F (y, t) =
S 0 ×{t}∩π −1 (y). Então Φ = F −1 ◦H0 é um homeomorfismo da forma
Φ(x, t) = (f (x), φ(x, t)) onde f (x) = F (H(x, 0)) e cuja restrição ao
complementar de S é um difeomorfismo. Pelo lema 4.5 existe um
difeomorfismo Ψ : S × (−1, 1) → S 0 × (−1, 1) que coincide com Φ fora
de uma vizinhança de S. Tomamos então H̃ = F ◦ Φ.

4.1.1 Soma conexa de variedades


Sejam M e N variedades C ∞ de mesma dimensão e tome mergu-
lhos C ∞ ϕ : Dn → M e ψ : Dn → N . Então M \ int (ϕ(Dn )) e
N \ int (ψ(Dn )) são variedades cujos bordos são difeomorfos à esfera
S n−1 . Podemos então considerar a variedade

(M \ int ϕ(Dn )) ∪ϕ◦ψ−1 (N \ int ψ(Dn )) ,

que é chamada soma conexa de M e N e é denotada por M #N .


Pode-se mostrar que tomando outros mergulhos a variedade obtida é
difeomorfa à original (isso não é um resultado elementar).
[SEC. 4.1: COLAGEM DE VARIEDADES COM BORDO 83

Tomando a soma conexa de uma variedade de dimensão dois


com o toro S 1 × S 1 obtemos uma outra variedade de dimensão dois.
Começando com o toro e com o plano projetivo e iterando essa cons-
trução obtemos todas as variedades compactas de dimensão dois.

Podemos também considerar duas variedades M , N com bordos


desconexos e, partindo de um difeomorfismo f de uma componente
conexa do bordo de M sobre uma componente conexa do bordo de
N , construir uma variedade com bordo M ∪f N .

Figura 4.3: Construções por colagem 1.

A mesma construção permite também obter uma nova variedade


colando duas componentes conexas do bordo de uma variedade por
um difeomorfismo.

Figura 4.4: Construções por colagem 2.


84 [CAP. 4: VARIEDADES COM BORDO

Proposição 4.8. Sejam M = N = Dn e Ψ : S n−1 → S n−1 um


difeomorfismo, então M ∪f N é homeomorfa a S n .

Demonstração. Consideremos em Dm os campos de vetores ra-


diais X̃(x) = x, Ỹ (x) = −x. Consideremos um campo de veto-
res C ∞ Z em uma vizinhança de S = if (∂M ) que é transversal a
S e aponta para N . Esse campo é também transversal às esferas
if (S n−1 (r)), jf (S n−1 (r)) para todo r suficientemente próximo de 1.
Usando uma função auxiliar podemos construir um campo de veto-
res X em M ∪f N transversal às esferas if (S n−1 (r)), jf (S n−1 (r))
para todo r > 0 e que coincide com (if )∗ X̃ e (jf )∗ Ỹ fora de uma
vizinhança de S. Temos então que o campo X se anula nos pontos
p = if (0) e q = jf (0) e se x ∈ M ∪f N \ {p, q}, Xt (x) → p quando
t → −∞ e Xt (x) → q quando t → +∞, onde Xt é o fluxo de X.

Analogamente, a esfera S n tem um campo de vetores Y que se anula


apenas no pólo norte pN e no pólo sul pS , é transversal a esfera
S n−1 ⊂ S n no equador da esfera e tal que ∀x ∈ S n \ {pN , pS } va-
lem Yt (x) → ps quando t → ∞ e Xt (x) → pN quando t → −∞.
Tomemos um difeomorfismo h : S → S n−1 e vamos estendê-lo a um
homeomorfismo h : M ∪f N → S n . Definimos h(p) = pN e h(q) = pS .
Se x ∈ M ∪f N \ {p, q}, então existe um único t tal que Xt (x) ∈ S.
Definimos então h(x) = Y−t h(Xt (x)).

Logo h : M ∪f N \ {p, q} → S n \ {pN , pS )} é um difeomorfismo C ∞ .


Afirmamos que h é contı́nua em p e q e portanto um homeomorfismo.
De fato, fixe uma vizinhança compacta V de pN . Por compacidade,
∃τ > 0 tal que se x ∈ S n−1 , então Y−t (x) ∈ V se t ≥ τ . Por outro
lado, como X(p) = 0, existe vizinhança U de p tal que se x ∈ U
e Xt (x) ∈ S, então t > τ . Logo h(U ) ⊂ V e h é contı́nua em p.
Analogamente h é continua em q.

Observação: Milnor mostrou o seguinte resultado fundamental: existe


difeomorfismo f : S 6 → S 6 tal que a variedade M ∪f N construı́da
acima não é difeomorfa a S 7 . Por esse resultado ele recebeu a meda-
lha Fields em 1962.

Uma outra maneira de construir novas variedades usando a mesma


[SEC. 4.1: COLAGEM DE VARIEDADES COM BORDO 85

técnica: consideremos um mergulho

ϕ : Dn−1 × S 1 → M.

O bordo da variedade M \ int (ϕ(Dn−1 × S 1 )) é difeomorfo a


n−2
S × S 1 , que é o bordo de S n−2 × D2 .
Então podemos colar M \int (ϕ(Dn−1 ×S 1 )) com S n−2 ×D2 . Com
essa construção podemos obter S 2 × S 1 partindo de S 3 e vice-versa.
Uma outra maneira de construir novas variedades usando essa
técnica é chamada cirurgia . Partindo de uma variedade M sem
bordo, consideramos um cı́rculo mergulhado com uma vizinhança tu-
bular difeomorfa a Dm−1 × S 1 cujo bordo é S m−2 × S 1 que, por sua
vez, é homeomorfo ao bordo de S m−2 × D2 . Colando essa variedade
com bordo com o complementar da vizinhança tubular obtemos uma
nova variedade sem bordo. Por exemplo, podemos por uma cirurgia
passar da esfera S 3 para S 2 × S 1 como no exercı́cio 4.1.
Capı́tulo 5

Cálculo em Variedades

5.1 O Teorema de Stokes

5.1.1 Álgebra exterior


Seja Lk (Rm ) o espaço vetorial das funções k-lineares de Rm em R e
Λk (Rm ) o subespaço de Lk (Rm ) consistindo das funções alternadas.
Definimos o alternador como a aplicação linear
Alt : Lk (Rm ) → Λk (Rm )
definida por
1 X
Alt(T )(v1 , ..., vk ) = sinal (σ)T (vσ(1) , . . . , vσ(k) ),
k!
s∈Sk

onde Sk é o conjunto de todas as permutações do conjunto {1, 2, . . . , k}


e o sinal de uma permutação é +1 se o número de transposições é
par e −1 caso contrário. É fácil ver que Alt deixa os elementos de
Λk (Rm ) fixos.

Usando o alternador, podemos definir o produto exterior de funções


multilineares
∧ : Λk (Rm ) × Λl (Rm ) → Λk+l (Rm )
por
(k + l)!
ω∧η = Alt (ω ⊗ η),
k!l!

86
[SEC. 5.1: O TEOREMA DE STOKES 87

ou mais explicitamente

ω ∧ η(v1 , . . . , vk+l ) =

1
P
= k!l! s∈Sk+l sinal (σ)ω(vσ(1) , . . . , vσ(k) )·η(vσ(k+1) , . . . , vσ(k+l) ).

O produto exterior tem as seguintes propriedades:

• (ω1 + ω2 ) ∧ η = ω1 ∧ η + ω2 ∧ η;

• ω ∧ (η1 + η2 ) = ω ∧ η1 + ω ∧ η2 ;

• a(ω ∧ η) = (aω) ∧ η = ω ∧ (aη), ∀a ∈ R;

• ω ∧ η = (−1)kl η ∧ ω se ω ∈ Λk (Rm ), η ∈ Λl (Rm );

• (ω ∧ η) ∧ θ = ω ∧ (η ∧ θ).

Logo, se dx1 , . . . , dxm é a base dual da base canônica de Rm , isto


é, dxi (v) = vi , então

{dxI = dxi1 ∧ · · · ∧ dxik , 0 < i1 < · · · < ik ≤ m}

é uma base do espaço vetorial Λk (Rm ), que, portanto, tem dimensão


m!
k!(m−k)! .
Pm
Em particular, dimΛm (Rm ) = 1. Se ω ∈ Λm (Rm ) e wi = j=1 aij vj ,
então ω(w1 , . . . , wm ) = det(aij )ω(v1 , . . . , vm ).

Uma transformação linear A : Rm → Rp induz, para cada k, uma


aplicação linear
A∗ : Λk (Rp ) → Λk (Rm )
definida por

(A∗ ω)(v1 , . . . , vk ) = ω(Av1 , . . . , Avk ).

A função multilinear A∗ ω é chamada o pull-back de ω por A. Facil-


mente verifica-se que (AB)∗ = B ∗ A∗ .
88 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

5.1.2 Formas diferenciais


Definimos uma k-forma diferencial ω em um aberto U ⊂ Rm é uma
aplicação de classe C ∞ ω : U → Λk (Rm ). Denotamos por Ωk (U ) o
conjunto das k-formas diferenciais em U . Temos que Ωk (U ) é espaço
vetorial de dimensão infinita e, de fato, um módulo sobre a álgebra
C ∞ (U ) das funções de classe C ∞ de U em R. Para considerações
futuras sobre integração, denotamos por Ωkc (U ) o subespaço vetorial
de Ωk (U ) que consiste das k-formas diferenciais em U com suporte
compacto.

O produto exterior de formas diferenciais

∧ : Ωk (Rm ) × Ωl (Rm ) → Ωk+l (Rm )

também é definido pontualmente, isto é, (ω ∧ η)(x) = ω(x) ∧ η(x), e


é uma forma bilinear com as mesmas propriedades mencionadas na
seção anterior.

Uma aplicação f : U ⊂ Rm → V ⊂ Rp , de classe C ∞ , induz uma


aplicação linear
f ∗ : Ωk (V ) → Ωk (U ),
chamada de pull-back de formas diferenciais, definida como

(f ∗ ω)(x)(v1 , . . . , vk ) = ω(f (x))(Df (x)v1 , . . . , Df (x)vk ).

Não é difı́cil verificar as seguintes propriedades de f ∗ :

• f ∗ (ω ∧ η) = (f ∗ ω) ∧ (f ∗ η);

• f ∗ (φ.ω) = (φ ◦ f ).f ∗ ω, se φ ∈ C ∞ (V );

• (g ◦ f )∗ = f ∗ ◦ g ∗ .

Usando a base usual de Λk (Rm ), podemos escrever uma k-forma


diferencial em U como
X
ω(x) = aJ (x)dxJ ,
J
[SEC. 5.1: O TEOREMA DE STOKES 89

onde J percorre as k-uplas (j1 , . . . , jk ) com 0 ≤ j1 < · · · < jk ≤ m,


cada aJ é uma função de classe C ∞ em U e dxJ = dxj1 ∧ ... ∧ dxjk .

Podemos estender o conceito de formas diferenciais para varieda-


des.
Definição 5.1. Seja M uma variedade diferenciável. Uma k-forma
diferencial ω em M é uma correspondência que associa a cada ponto
x ∈ M uma função k-linear alternada em T Mx que varia de maneira
diferenciável com o ponto, istoPé, a expressão de ω em qualquer carta
J
(U, (x1 , ..., xm )) de M , ω = J aJ (x)dx , é tal que as funções aJ
sejam diferenciáveis em U .
Como antes, denotamos por Ωk (M ) o conjunto das k-formas di-
ferenciais em M , que é um R-espaço vetorial de dimensão infinita e
um C ∞ (M )-módulo. Também escrevemos Ωkc (M ) para o conjunto
das k-formas diferenciais de M com suporte compacto.

Um exercı́cio é verificar que a seguinte definição de k-forma dife-


rencial em M é equivalente a anterior: Seja {(Ui , ϕi )}i∈I um atlas de
M . Uma k-forma diferencial em M é uma escolha de uma k-forma
diferencial ωi ∈ Ωk (Ui ), para cada i ∈ I, tal que para todos i, j ∈ I
com Ui ∩ Uj 6= ∅, vale (ϕj ◦ ϕ−1 ∗
i ) ωj = ωi em Ui ∩ Uj .

Podemos naturalmente estender a definição de pull-back de formas


diferenciais por aplicações diferenciáveis entre variedades, de modo
que as mesmas propriedades anteriores continuam válidas. Analoga-
mente para o produto exterior, já que é um produto definido pontu-
almente. É claro que se f : M → N é uma aplicação diferenciável e
própria, então f ∗ (Ωkc (N )) ⊂ Ωkc (M ).

O teorema de mudança de variáveis na teoria de integração em


Rm estabelece que se f : U ⊂ Rm → V ⊂ Rm é um difeomorfismo e
φ : V → R é uma função integrável, então
Z Z
φ(x)dx = (φ ◦ f ).|detDf (x)|dx.
V U

Por outro lado, se ω ∈ Ω (V ), então ω(x) = a(x)dx1 ∧ · · · ∧ dxm e


m

f ∗ ω(x) = (a ◦ f )(x).det(Df (x)).dx1 ∧ · · · ∧ dxm . Logo, se definirmos


90 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

ω = V a(x)dx temos que U f ∗ ω = ± V ω, sendo o sinal + se f


R R R R
V
preserva orientação e − se f inverte a orientação.

Deste modo, tem sentido dizer que uma m-forma ω ∈ Ωm c (U ) é


integrável e que a integração é um funcional linear de Ωm
c (U ), o qual
comuta com o operador de pull-back de m-formas por difeomorfismos
que preservam orientação. Essa propriedade nos permite definir in-
tegração m-formas com suporte compacto em variedades orientadas
de dimensão m, como faremos a seguir.

Seja M uma variedade orientada. Vamos definir agora uma aplicação


linear Z
: Ωm
c (M ) → R.
M
Se o suporte de ω está contido no domı́nio de Ruma carta local
positiva ϕ : U ⊂ M → Ũ ⊂ Rm , definimos M ω = Ũ (ϕ−1 ∗
R
i ) ω. Pelo
teorema de mudança de variáveis na integral, definição não depende
da escolha da carta local pois as mudanças de coordenadas entre
cartas locais positivas preservam orientação. Se o suporte de ω não
está contido no domı́nio de uma carta local, tomamos {Ui , ϕi } um
atlas positivo de M e uma partição da unidade {λi } subordinada a
cobertura {Ui } e definimos
Z XZ
ω= λi ω.
M i M

Como ω tem suporte compacto, a soma acima é finita. Vamos


mostrar que a definição não depende da escolha da partição da uni-
dade. Seja {λ̃i } outra partição da unidade subordinada
P a cobertura
{Ui }. Tomando λij = λi .λj , temos que λi ω = j λij ω. Para i fixado,
cada uma das formas λij ω tem suporte contido no mesmo domı́nio
m
de uma
R carta positiva,
P R então pela linearidade
P R da integral
P R em R
vale M λi ω = j M λi,j ω. Portanto, i M λi ω = ij M λi,j ω.
P R P R
Analogamente, j M λ̃j ω = i,j M λij ω, o que prova a afirmação.
Fica como exercı́cio verificar que a integral também não depende da
escolha do atlas positivo, de modo que a integral de m-formas com
suporte compacto em uma variedade orientada de dimensão m está
bem definida e é um funcional linear nesse espaço.
[SEC. 5.1: O TEOREMA DE STOKES 91

5.1.3 Derivada exterior e o Teorema de Stokes


Um operador linear fundamental no espaço de formas diferencial é
o operador derivada exterior, que passaremos a definir. Definiremos
esse operador inicialmente no espaço de formas em abertos de Rm e
mostraremos que ele comuta com o operador de pull-back de formas.
Seguirá daı́ que a definição se estende para formas em variedades.
O espaço de 0-formas, Ω0 (U ), é simplesmente o espaço C ∞ (U ).
A derivada de uma função f , que agora denotaremos por df , é uma
1-forma em U , e portanto temos uma aplicação linear

d: Ω0 (U ) −→ Ω1 (U )
P ∂f j
f 7−→ df = j ∂xj dx .

Se ω ∈ Ωk (U ), então ω = aJ dxJ , em que dxJ = dxj1 ∧ · · · ∧ dxjk .


P
J
Daı́ definimos
X X X ∂aJ
dω = daJ ∧ dxJ = dxj ∧ dxJ ∈ Ωk+1 (U ).
j
∂xj
J J

É claro que d é um operador linear. Como dxi ∧ dxj = −dxj ∧ dxi ,


o operador d satisfaz a seguinte regra de Leibniz:

d(ω ∧ η) = dω ∧ η + (−1)k ω ∧ dη

para todas ω ∈ Ωk (U ) e η ∈ Ωl (U ). Outra propriedade cuja veri-


ficação deixamos a cargo do leitor é que o operador d comuta com o
operador de pull-back de formas, isto é, se f : U ⊂ Rm → V ⊂ Rn é
uma aplicação de classe C ∞ , então

d(f ∗ ω) = f ∗ dω.

Teorema 5.1. Para toda ω ∈ Ωk (U ) vale

d(dω) = 0.

Demonstração. Primeiramente, provaremos que se f ∈ Ω0 (U ),


então d(df ) = 0. De fato:
92 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

 
X ∂f
d(df ) = d  dxj 
j
∂xj
X ∂2f
= dxi ∧ dxj
i,j
∂xi ∂xj
X  ∂2f ∂2f

= − dxi ∧ dxj
i<j
∂xi ∂xj ∂xj ∂xi
= 0.
Sendo que a última igualdade vale pois f é, em particular, de classe
C 2 e, portanto, as derivadas de segunda ordem são simétricas.. Note
também que para todo j temos d(dxj ) = 0 por definição de d. No
caso geral, como d é linear, basta supor que ω se escreve como ω =
f dxj1 ∧ ... ∧ dxjk . Usando a regra de Leibniz indutivamente e usando
o que já foi provado, temos:
d(dω) = d(df ∧ dxj1 ∧ ... ∧ dxjk )
= d(df ) ∧ (dxj1 ∧ ... ∧ dxjk ) +
k
X
+ (−1)i f.dxj1 ∧ ... ∧ d(dxji ) ∧ ... ∧ dxjk
i=1
= 0.

A propriedade do teorema anterior as vezes é escrita sucintamente


como d2 = 0. Ela será essencial posteriormente para definir o com-
plexo de de Rham.

Uma consequência das propriedades acima é podemos definir a deri-


vada exterior de formas em variedades:
d : Ωk (M ) → Ωk+1 (M )
e esse operador é linear, comuta com o operador de pull-back de
formas , satisfaz a regra de Leibniz e também d2 = 0. Também é evi-
dente que a derivada exterior de uma forma diferencial com suporte
[SEC. 5.1: O TEOREMA DE STOKES 93

compacto também tem suporte compacto.

Seja M uma variedade orientada com bordo e consideremos a ori-


entação do bordo induzida da orientação de M : [v1 , . . . , vm−1 ] é uma
base positiva de T ∂Mx se [v1 , . . . , vm−1 , w] é uma base positiva de
T Mx , onde w é um vetor de T Mx transversal a T ∂Mx e apontando
para o exterior de M . Com essa orientação induzida temos a se-
guinte relação entre os operadores de integração de formas e derivada
exterior.
Teorema 5.2 (Teorema de Stokes). Seja M uma variedade orientada
com bordo. Então para toda ω ∈ Ωm−1
c (M ) vale
Z Z
dω = ω.
M ∂M

Demonstração. Como ambos os membros da equação dependem


linearmente de ω e, usando uma partição da unidade, podemos es-
crever uma forma ω de suporte compacto como uma soma finita de
formas, em que cada uma delas tem suporte compacto contido no
domı́nio de uma carta local positiva, podemos supor que ω é uma
(m − 1)-forma com suporte compacto em Hm = {x ∈ Rm ; xm ≥ 0}.

Usando novamente a linearidade de ambos os membros da equação,


podemos supor que ω = f (x)dx1 ∧ . . . dx
dj · · · ∧ dxm , onde o fator dxj
indicado foi omitido do produto exterior. Temos então que
∂f dj ... ∧ dxm
dω = dxj ∧ dx1 ∧ ...dx
∂xj
e Z Z Z 
∂f
dω = dxj dx1 . . . dx
dj . . . dxm .
Hm ∂xj
A integral com respeito a dxj se anula se j 6= m, pois é tomada em
todo R e f tem suporte compacto, e é igual a −f (x1 , . . . , xm−1 , 0)
pelo teorema fundamental do cálculo se j = m, pois nesse caso a
integral é tomada em {x ∈ R, x ≥ 0}.
R
R outro lado, ∂H ω também se anula se j 6= m e também é igual a
Por
− f (x1 , . . . , xm−1 , 0)dx1 . . . dxm−1 se j = m, onde o sinal − vem da
94 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

orientação induzida em ∂H. Portanto a fórmula de Stokes também


está confirmada nesse caso.
Corolário 5.3. Se M é uma variedade orientada sem bordo, então
para toda ω ∈ Ωm−1
c (M ) vale
Z
dω = 0.
M

Demonstração. Se M não é compacta, tomemos uma bola B con-


tida no complementar do suporte de ω e aplicamos o teorema de
Stokes na variedade com bordo M \ B. Se M é compacta, tomemos
uma bola B que é imagem inversa de uma bola de raio  por uma
carta local fixada. Como a integral de dω em M \ B converge para
a integral de dω em M quando  → 0 e a integral de ω no bordo de
M \ B converge a zero quando  → 0, temos novamente o resultado
usando o teorema de Stokes nas variedades com bordo M \ B .

5.2 Cohomologia de de Rham


Seja k ≥ 0. Definimos os seguintes subespaços de Ωk (M ):

Z k (M ) = {ω ∈ Ωk (M ); dω = 0}
B k (M ) = {ω ∈ Ωk (M ); ∃η ∈ Ωk−1 (M ) com dη = ω}.
Os elementos de Z k (M ) são chamados de formas fechadas e os
elementos de B k (M ) são chamados de formas exatas Em outras pa-
lavras
Z k (M ) = Ker d : Ωk (M ) → Ωk+1 (M )
k
B (M ) = Im d : Ωk−1 (M ) → Ωk (M ).
Observe que, por questões de dimensão, Ωk (M ) = 0 sempre que
k > dim(M ), de modo que toda m-forma em M é automaticamente
fechada. Da propriedade d2 = 0 da diferencial exterior, segue que a
sequência de espaços vetoriais com transformações lineares
d d d
0 −→ Ω0 (M ) −→ Ω1 (M ) −→ · · · −→ Ωm (M ) −→ 0
[SEC. 5.2: COHOMOLOGIA DE DE RHAM 95

é um complexo de co-cadeias. Além disso, também por d2 = 0, temos


que B k (M ) ⊂ Z k (M ) para todo k, de modo que podemos considerar
k
os grupos de cohomologia do complexoHdR (M ) := Z k (M )/B k (M ),
chamados de grupos de cohomologia de de Rham e M . Dada uma
forma ω ∈ Z k (M ), denotamos por [ω] sua classe de cohomologia em
k
HdR (M ).

Como a aplicação de pull-back de formas comuta com a deri-


vada exterior, temos que se f : M → N é uma aplicação C ∞ , então
f ∗ (Z k (N )) ⊂ Z k (M ) e f ∗ (B k (N )) ⊂ B k (M ). Assim f ∗ induz uma
aplicação nos grupos de cohomologia, que denotaremos da mesma
maneira
f ∗ : HdR
k
(N ) → HdRk
(M ).
Como (f ◦ g)∗ = g ∗ ◦ f ∗ ao nı́vel de formas, o mesmo acontece ao
nı́vel de cohomologia. Evidentemente temos que id∗M = idHdR k (M ) .

Em particular, se duas variedades são difeomorfas, então os seus gru-


pos de cohomologia são isomorfos. Mais geralmente, mostraremos no
capı́tulo 11 que isso também ocorre mesmo que as variedades dife-
renciáveis tenham apenas o mesmo tipo de homotopia.

Como a derivada exterior preserva as formas com suporte com-


pacto, temos também um subcomplexo constituı́do de formas com
suporte compacto. Os correspondentes grupos de cohomologia são
chamados grupos de cohomologia com suporte compacto e são deno-
tados por Hck (M ). Uma aplicação própria induz aplicações lineares
entre grupos de cohomologia com suporte compacto.
Lema 5.4. Para cada t ∈ [0, 1] seja it : M → M × [0, 1] a inclusão
x 7→ (x, t). Então existe uma aplicação linear
I : Ωk (M × [0, 1]) → Ωk−1 (M )
tal que
i∗0 ω − i∗1 ω = dI(ω) + I(dω).
Mais ainda, se ω tem suporte compacto, então I(ω) também tem
suporte compacto.

Demonstração. Denotemos por ∂t o campo de vetores que se pro-
jeta em 0 pela derivada de (x, t) 7→ x e em 1 pela derivada de
96 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

(x, t) 7→ t. Todo vetor tangente a M × [0, 1] num ponto (t, x) se



escreve de maneira única como v + a ∂t , em que a ∈ R e v pertence a
imagem da derivada de it no ponto x.

Seja ω ∈ Ωk (M × [0, 1]). Definimos α ∈ Ωk (M × [0, 1]) por


 
∂ ∂
α(x, t) v1 + a1 , . . . , vk + ak = ω(x, t)(v1 , . . . , vk ).
∂t ∂t

e β ∈ Ωk−1 (M × [0, 1]) por


   
∂ ∂ ∂
β(x, t) w1 + b1 , . . . , wk−1 + bk−1 = ω(x, t) , w1 , . . . , wk−1 .
∂t ∂t ∂t
Temos daı́ que
ω = α + dt ∧ β.
As formas α e β estão bem definidas. Para mostrar a igualdade basta
tomar cartas locais nas quais
X X
ω= aI (x, t)dxI + dt ∧ bJ (x, t)dxJ
I J

e X X
α= aI (x, t)dxI , β(x, t) = bJ (x, t)dxJ .
I J
A igualdade é evidente.
Definimos a forma I(ω) ∈ Ωk−1 (M ), para cada x ∈ M , por

Z 1
I(ω)(x)(u1 , . . . , uk−1 ) = β(x, t)(D(it )(x)u1 , . . . , Dit (x)uk−1 )dt.
0

Para verificar a igualdade de duas formas diferenciais basta provar


a igualdade em cada ponto, e podemos, portanto, usar cartas locais.
A expressão das formas acima definidas em coordenadas locais são:
X
α= αi1···k (x, t)dxi1 ∧ · · · ∧ dxik
i1 <···<ik

e X
β= βj1 ...jk−1 (x, t)dxj1 ∧ · · · ∧ dxjk−1 .
j1 <···<jk−1
[SEC. 5.2: COHOMOLOGIA DE DE RHAM 97

Como ambos os membros da igualdade a ser provada são funções


lineares de ω, basta provar a igualdade para os dois tipos de formas
abaixo:
ω1 = f (x, t)dxi1 ∧ · · · ∧ dxik

e
ω2 = g(x, t)dt ∧ dxj1 ∧ · · · ∧ dxjk−1 .

No primeiro caso temos que I(ω1 ) = 0. Por outro lado,

∂f
dω1 = η + dt ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik
∂t

onde na forma η os coeficientes que involvem dt se anulam. Portanto,


Z 1 
∂f
I(dω1 ) = (x, t)dt dxi1 ∧ · · · ∧ dxik
0 ∂t
= (f (x, 1) − f (x, 0))dxi1 ∧ · · · ∧ dxik
= i∗1 ω1 − i∗0 ω1

e temos a igualdade

i∗1 ω1 − i∗0 ω1 = I(dω1 ) + dI(ω1 ).

No segundo caso vale i∗1 ω2 − i∗0 ω2 = 0. Por outro lado, escrevendo


dxJ = dxj1 ∧ · · · ∧ dxjk−1 temos
m
!
X ∂g
I(dω2 ) = I (x, t)dxl ∧ dt ∧ dxJ
∂xl
l=1
m
!
X ∂g
= I − (x, t)dt ∧ dxl ∧ dxJ
∂xl
l=1
m Z 1 
X ∂g
= − (x, t)dt dxl ∧ dxJ
l=1 0 ∂xl

e
98 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

Z 1  
dI(ω2 ) = d g(t, x)dt dxJ
0
m Z 1 
X ∂g
= (x, t)dt dxl ∧ dxJ
1=1 0 ∂xl
= −I(dω2 )

e a igualdade está verificada. Finalmente, se ω tem suporte compacto,


então β também tem suporte compacto, e portanto I(ω) tem suporte
compacto.
Teorema 5.5. 1. Se F : M ×[0, 1] → N é uma homotopia C ∞ en-
tre f, g : M → N , então para cada k ≥ 0 as aplicações induzidas
em coholomogia são iguais:

f ∗ = g ∗ : HdR
k k
(N ) → HdR (M ).

2. Se F é uma homotopia C ∞ e própria, então

f ∗ = g ∗ : Hck (N ) → Hck (M ).

Demonstração. Defina L := I ◦ F ∗ : Ωk (N ) → Ωk−1 (M ). Como


f = i0 ◦ F e g = i1 ◦ F , pelo lema anterior

g ∗ (ω) − f ∗ (ω) = L(dω) + d(L(ω)) ∀ ω ∈ Ωk (N ).

Assim, se ω ∈ Z k (N ), então g ∗ ω − f ∗ ω = d(L(ω)) ∈ B k (M ), isto


é, [g ∗ ω] = [f ∗ ω]. Como todos os operadores em questão preservam
suporte compacto, o mesmo vale para o caso de aplicações próprias.

Um operador L como no teorema acima é chamado homotopia


algébrica entre f ∗ e g ∗ . No capı́tulo 11 mostraremos que duas aplicações
contı́nuas homotópicas também induzem as mesmas aplicações nos
grupos de cohomologia de de Rham via aproximação por funções di-
ferenciáveis.
Corolário 5.6. Seja M uma variedade orientada, sem bordo, de
dimensão m. Sejam f, g : M → N aplicações próprias de classe C ∞
[SEC. 5.3: CAMPOS DE VETORES COMO DERIVAÇÕES 99

e suponha que exista uma homotopia própria de classe C ∞ entre f e


g. Então para cada forma fechada η ∈ Ωm (N ) vale
Z Z
f ∗η = g ∗ η.
M M

Corolário 5.7. (Lema de Poincaré) Para k ≥ 1, toda k-forma fe-


chada em Rm é exata, isto é, HdR
k
(Rm ) = 0.
Demonstração. A aplicação F (x, t) = tx é uma homotopia entre
a identidade e a aplicação constante. O resultado segue então de
observar que id∗ = idHdR
k (Rm ) e f

= 0 se f é constante.

5.3 Campos de vetores como derivações


Definição 5.2. Uma álgebra sobre um corpo K é um espaço vetorial
A sobre K munido de uma aplicação K-bilinear A×A → A, chamada
o produto da álgebra, e indicada por (a, b) 7→ ab. Uma derivação em
A é uma aplicação K-linear L : A → A que satisfaz á regra de Leibniz:

L(ab) = aL(b) + L(a)b.

Seja M uma variedade de classe C ∞ e denotemos por C ∞ (M ) a


R-álgebra das funções de classe C ∞ de M com valores reais, em que
o produto é o produto usual de funções.

Um campo de vetores X em M , de classe C ∞ , define uma de-


rivação X : C ∞ (M ) → C ∞ (M ) colocando (Xf )(x) := Df (x) · X(x).
De fato, toda derivação da álgebra C ∞ (M ) é desta forma, conforme
a seguinte proposição.
Proposição 5.8. Seja L : C ∞ (M ) → C ∞ (M ) uma derivação. Existe
um campo de vetores X em M , de classe C ∞ , tal que X(f ) = L(f )
para todo f ∈ C ∞ (M ).
Demonstração. Faremos a demonstração por etapas.
1. Se f é constante, então L(f ) = 0.
100 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

De fato, se g é função constante igual a 1, temos

L(g) = L(g.g) = g.L(g) + L(g).g = 2L(g),

o que implica L(g) = 0. Por outro lado

L(f ) = L(cg) = cL(g) = 0.

2. Se f = g em uma vizinhança de x, então L(f )(x) = L(g)(x).

Seja λ : M → R uma função C ∞ que vale 1 em x e 0 fora de


uma pequena vizinhança de x onde f − g é identicamente nula.
Logo λ · (f − g) é identicamente nula e daı́

0 = L(λ.(f − g))(x)
= λ(x)L(f − g)(x) + (f − g)(x).L(λ)(x)
= L(f − g)(x)
= L(f )(x) − L(g)(x).

3. Se f = g em um aberto U , então L(f ) = L(g) em U .

É uma consequência direta do item anterior.

4. Sejam ϕ : W → B m (0, 3) uma carta local, U = ϕ−1 (B m (0, 1)) e


λ : M → [0, 1] de classe C ∞ com suporte contido em U . Então
existe um campo de vetores X de classe C ∞ com suporte con-
tido em U tal que λ.L(f ) = X(f ) para toda f ∈ C ∞ (M ).

Para provar essa afirmação, escolha uma função auxiliar que


vale 1 em U e zero fora de V = ϕ−1 (B m (0, 2)) e construa
funções fi : M → R, i = 1, . . . , m, de classe C ∞ , tais que
fi (x) = ϕi (x) para todo x ∈ U e fi (x) = 0 se x ∈ / V , onde
ϕ(x) = (ϕ1 (x), . . . , ϕm (x)) ∈ Rm . Seja Yi = L(fi ) e Y o
campo de Pm vetores C ∞ em M tal que Y (x) = 0 se x ∈ / W e
∂ ∂
Y (x) = i=1 Yi (x) ∂ϕ i se x ∈ W , onde ∂ϕi é o campo de ve-

tores em U obtido pelo pull-back por ϕ do campo ∂xi de Rm .
[SEC. 5.3: CAMPOS DE VETORES COMO DERIVAÇÕES 101

Finalmente, consideremos o campo de vetores X = λY e a de-


rivação D = λ.L − X. Vamos mostrar que D é identicamente
nula. Para toda f ∈ C ∞ (M ), temos que D(f )(x) = 0 para
todo x fora do suporte de λ. Também, D(fi ) é identicamente
nula para todo i = 1, . . . , m.

Pelo teorema de Taylor, sempre que α é uma função C ∞ em


Rm , então existem funções αi , de classe C ∞ , tais que
m
X
α(x) = α(x0 ) + αi (x)(xi − xi0 ).
i=1

Assim, fixado x0 ∈ U , tome funções gi : M → R, C ∞ , que se


anulam fora de V e que em uma vizinhança de x0 tenhamos
f (x) = g(x), onde
m
X
g(x) = f (x0 ) + gi (x).(fi (x) − fi (x0 )).
i=1

Como D(fi ) = 0, temos que D(g)(x0 ) = 0, daı́ D(f )(x0 ) = 0.


Logo λ.L(f ) = X(f ) para toda f ∈ C ∞ (M ).
5. Para concluir a prova, tomemos cartas locais ϕi : Wi → B m (0, 3)
−1
tais que ∪∞
i=1 Ui = M , onde Ui = ϕi (B(0, 1)), com {Wi } lo-
camente finita, e tomemos uma partição
P da unidade {λi } su-
bordinada a {Ui }. Escrevendo L = λi .L, pelo item anterior
podemos escolher, para cada i, um campo de vetores P Xi com
suporte em Ui tal que λi L = Xi . Basta tomar X = i Xi .

A derivação definida por um campo de vetores X é também de-


notada por
LX : C ∞ (M ) → C ∞ (M ).
Se duas funções f, g coincidem num ponto x e suas derivadas em
x também coincidem, então LX (f )(x) = LX (g)(x), isto é, LX é um
operador diferencial de primeira ordem. Se X e Y são dois campos de
vetores, então LX ◦LY é um operador de segunda ordem. No entanto,
102 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

o comutador desses dois operadores de primeira ordem é também um


operador de primeira ordem como veremos na proposição abaixo.
Proposição 5.9. Sejam X e Y campos de vetores C ∞ em uma vari-
edade M . Então existe um único campo de vetores [X, Y ], chamado
de colchete de Lie de X e Y , tal que [X, Y ] = XY − Y X. Além disso,
o colchete de Lie

[·, ·] : X∞ (M ) × X∞ (M ) → X∞ (M )

goza das seguintes propriedades:

1. [X, Y ] = −[Y, X];


2. [X, aY + bZ] = a[X, Y ] + b[X, Z] ∀a, b ∈ R;
3. [f X, gY ] = f.g.[X, Y ] + f.(Xg).Y − g.(Y f )X ∀f ∈ C ∞ (M );
4. Identidade de Jacobi: [X, [Y, Z]] + [Y, [Z, X]] + [Z, [X, Y ]] = 0.

Demonstração. Para provar a existência do colchete de Lie, basta


provar que o operador XY − Y X é uma derivação. De fato

(XY )(f g) = X(f.Y g + gY f ) = Xf.Y g + f.XY g + Xg.Y f + g.XY f

(Y X)(f g) = Y (Xf.g + f.Xg) = g.Y Xf + Xf.Y g + Y f.Xg + f.Y Xg.

Assim, (XY − Y X)(f g) = g.(XY − Y X)(f ) + f.(XY − Y X)(g), de


modo que [X, Y ] é um campo de vetores. As demais propriedades
também são obtidas por manipulação algébrica.
Proposição 5.10. Seja φ : M → N um difeomorfismo sobre um
aberto de N . Consideremos os operadores lineares:

φ# : C ∞ (N ) → C ∞ (M ), f 7→ f ◦ φ

e o pull-back de campos de vetores

φ∗ : X∞ (N ) → X∞ (M ).

Então para todo X, Y ∈ X∞ (N ), temos


[SEC. 5.3: CAMPOS DE VETORES COMO DERIVAÇÕES 103

1. Lφ∗ X ◦ φ# = φ# ◦ LX

2. φ∗ [X, Y ] = [φ∗ X, φ∗ Y ].

Demonstração. A prova é uma manipulação algébrica simples que


deixamos como exercı́cio.

Em particular, o colchete de Lie das expressões locais de dois


campos de vetores coincide com a expressão local, nas mesmas co-
ordenadas, do colchete de Lie dos dois campos de vetores, o mesmo
acontecendo com a derivada de Lie agindo em funções.
∂ ∂
Proposição 5.11. Sejam X = i X i ∂x e Y = i Y i ∂x
P P
i i
campos
de vetores de classe C ∞ no aberto U ⊂ Rm . Então
m m  k k
!
i ∂Y i ∂X ∂
X X
[X, Y ] = X −Y .
i=1
∂xi ∂xi ∂xk
k=1

Demonstração. Seja πi : Rm → R a projeção πi (x) = xi . Então

[X, Y ]πk = XY πk − Y Xπk = XY k − Y X k


m    
i ∂ i ∂
X
k
= X Y − Y Xk
i=1
∂x i ∂x i
m 
∂Y k ∂X k
X 
= Xi −Yi .
i=1
∂xi ∂xi

Definição 5.3. Uma álgebra de Lie sobre um corpo K é um K-espaço


vetorial A munido de uma operação K-bilinear anti-simétrica

[·, ·] : A × A → A

satisfazendo a identidade de Jacobi

[a, [b, c]] + [b, [c, a]] + [c, [a, b]] = 0.


104 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

Portanto se M é uma variedade, então X(M ) é uma álgebra de


Lie e é de dimensão infinita. Vamos mostrar a seguir que o espaço
tangente na identidade de um grupo de Lie tem uma estrutura de
álgebra de Lie.

Seja G um grupo de Lie. Para cada elemento g ∈ G temos um


difeomorfismo Lg de G, chamado translação à esquerda, definido por
Lg (x) = g.x, em que o ponto indica a multiplicação no grupo. Cla-
ramente o inverso de Lg é Lg−1 .
Definição 5.4. Um campo de vetores X ∈ X∞ (G) é invariante à
esquerda se L∗g X = X para todo g ∈ G.
Proposição 5.12. 1. A aplicação a ∈ T Ge 7→ Xa ∈ X∞ (G),
onde o campo Xa é definido por Xa (g) = DLg (e).a, é um iso-
morfismo do espaço tangente a G na identidade de G no espaço
dos campos de vetores invariantes à esquerda.
2. O espaço vetorial dos campos de vetores em G invariantes à
esquerda é uma subálgebra de Lie da álgebra de Lie dos campos
de vetores em G.
Demonstração. A demonstração é imediata vamos deixá-la como
exercı́cio.
Devido a proposição anterior, é comum nos referirmos simples-
mente à álgebra de Lie do grupo de Lie, indistintamente, como seu
espaço tangente na identidade, ou como o espaço dos campos de ve-
tores invariantes à esquerda. Se o grupo de Lie é G, é comum deno-
tarmos sua álgebra de Lie pela letra gótica g.
Proposição 5.13. Seja G um grupo de Lie. Um campo de vetores
X ∈ X∞ (G) invariante à esquerda é completo e o seu fluxo através
da identidade do grupo define um homomorfismo de grupos R → G.
Demonstração. Seja γ : (ω− , ω+ ) → G a curva integral de X com
γ(0) = e no seu intervalo maximal de definição. Suponha por absurdo
que ω+ < ∞. Como o campo é invariante à esquerda, a composta de
qualquer curva integral de X com uma translação à esquerda por um
elemento g do grupo é ainda uma curva integral.
[SEC. 5.3: CAMPOS DE VETORES COMO DERIVAÇÕES 105

Tomando 0 < t0 < ω+ e g = γ(t0 ), temos que α = Lg ◦ γ é uma


curva integral definida no mesmo intervalo e tal que α(0) = γ(t0 ).
Portanto a curva β : (ω− + t0 , ω+ + t0 ) definida por β(t) = α(t + t0 )
é também uma curva integral de X com β(t0 ) = γ(t0 ). Logo a curva
δ : (ω− , ω+ + t0 ) → G definida por δ(t) = γ(t) se t ≤ t0 e δ(t) = β(t)
se t ≥ t0 é também uma curva integral de X e portanto γ se estende a
uma curva integral definida num intervalo estritamente maior, o que é
absurdo. Assim devemos ter ω+ = ∞. Analogamente, ω− = −∞.

Proposição 5.14. (Aplicação exponencial de um grupo de


Lie.) Para cada elemento A ∈ g da álgebra de Lie de um grupo de
Lie G, seja φA : R × G → G o fluxo do campo de vetores invariante à
esquerda gerado por A. Então a aplicação

exp : g → G A 7→ φA (1, e)

é de classe C ∞ e tem as seguintes propriedades:

1. A aplicação t ∈ R 7→ exp(tA) ∈ G é um homomorfismo de


grupos.

2. A derivada D exp(0) : g → g é a identidade.

Demonstração. Como o campo de vetores gerado por A é inva-


riante pelas translações à esquerda, seu fluxo, φA t , comuta com as
translações à esquerda: φA A
t (gh) = g.φt (h) para todos g, h ∈ G. Por-
tanto φA A A A A A A
t+s (e) = φt (φs (e)) = φt (φs (e).e) = φs (e).φt (e). Por outro
lado, como o campo invariante à esquerda associado a (s1 + s2 )A é o
produto do campo invariante à esquerda associado a A pelo número
(s +s )A
real s1 + s2 , temos que φt 1 2 = φA (s1 +s2 )t . Logo

exp(s1 + s2 )A = φA
s1 +s2 (e)
= φA A
s2 (e)φs1 (e)

= φs12 A (e)φs11 A (e)


= exp(s2 A)exp(s1 A),

o que prova primeira parte da proposição.


106 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

Para provar que exp é de classe C ∞ , consideremos o campo de vetores


X em G × T Ge definido por X(g, A) = (X A (g), 0) ∈ T Gg × g, onde
X A (g) = DLg (e).A é o campo invariante associado a A. Como para
cada A o campo X A é completo, temos que X também é completo.
Já que X é um campo C ∞ , seu fluxo é uma aplicação de classe C ∞ .

Assim A 7→ φX 1 (e, A) = (exp(A), A) é C . Deixamos a cargo do
leitor mostrar a segunda parte da proposição.
No caso especial do grupo GL(Rn ), cuja álgebra de Lie é L(Rn , Rn ),
a aplicação exponencial pode ser descrita explicitamente pela fórmula:

X Ai
exp(A) = .
i=0
i!
Pk i
De fato, para cada t ∈ R, a sequência Sk (t) = i=0 (tA) i! é de Cauchy
i i i i
pois ||Sk+l (t) − Sk (t)|| ≤ i=k+1 |t| ||A|| ≤ e|t|||A|| − i=0 |t| ||A||
Pk+l Pk
i! i! .
tA
P∞ ti Ai n n
Temos então que a função t ∈ R 7→ e = i=0 i! ∈ L(R , R ) é
C ∞ e é a única solução da equação diferencial
d
Φ(t) = AΦ(t)
dt
em L(Rn , Rn ) que satisfaz a condição inicial Φ(0) = Id.

Se a transformação linear B ∈ L(Rn , Rn ) comuta com A, então


B comuta com as transformações lineares Sk (t), e portanto comuta
com etA . Usando a unicidade das soluções das equações diferenciais
ordinárias temos também que eB comuta com eA e eA+B = eA eB se
B comuta com A. De fato, se γ(t) = etA etB , então

γ 0 (t) = AetA etB + etA BetB = AetA etB + BetA etB = (A + B)γ(t)

satisfaz a mesma equação diferencial que t 7→ et(A+B) com a mesma


condição inicial para t = 0. Em particular e(s+t)A = esA etA para
todos s, t ∈ R.

Uma outra propriedade da exponencial de uma transformação li-


near é que o determinante de eA é igual à exponencial do traço de
A. Como ambas operações são funções contı́nuas da transformação
[SEC. 5.4: A DERIVADA DE LIE 107

linear, basta verificar a igualdade em um conjunto denso de trans-


formações lineares. Para transformações com todos os autovalores
distintos basta verificar a igualdade para a matriz da transformação
em uma base de autovetores. Em particular, eA ∈ GL(n, R) e a
aplicação t ∈ R 7→ etA ∈ GL(n, R) é um homomorfismo de grupos.
Uma consequência da observação sobre o determinante da exponen-
cial é que e a álgebra de Lie do grupo de Lie SL(n, R) é o espaço das
transformações lineares de traço nulo.

Exercı́cio: Mostre que a álgebra de Lie do grupo ortogonal O(n)


da métrica euclidiana é o conjunto das transformações lineares anti-
simétricas.

5.4 A derivada de Lie


Vamos agora associar a cada campo de vetores X ∈ X∞ (M ) operado-
res lineares LX : X∞ (M ) → X∞ (M ) e LX : Ωk (M ) → Ωk (M ), ambos
chamados de derivada de Lie.

A derivada de Lie de um campo de vetores Y na direção do campo


de vetores X é o campo de vetores LX (Y ) definido por

d
LX Y (x) = (Dφt (x))−1 Y (φt (x)),
dt t=0

onde (t, x) 7→ φt (x) é o fluxo local de X.


Proposição 5.15. Seja ψ : M → N um difeomorfismo C ∞ sobre um
aberto de N . Se X, Y ∈ X∞ (N ), então

Lψ∗ X ψ ∗ Y = LX Y.

Demonstração. Seja φX
t o fluxo local de X. Então

Φt = ψ −1 ◦ φX
t ◦ψ

é o fluxo local de ψ ∗ X. Logo Φ∗t (ψ ∗ Y ) = ψ ∗ (φX ∗


t ) Y , e assim

d ∗ ∗ ∗ d
(φX )∗ Y

Φt (ψ Y ) = ψ
dt t=0
dt t=0 t
108 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

o que prova a proposição.

Proposição 5.16. Para todos X, Y ∈ X(M ) vale

LX (Y ) = [X, Y ].

Demonstração. Vamos provar a igualdade em cada ponto x0 ∈ M .


Se o campo X se anula em uma vizinhança de x0 , então ambos os
membros se anulam em x0 e temos a igualdade. Suponhamos então
que X(x0 ) 6= 0. Como basta provar a igualdade em um sistema de

coordenadas, podemos supor que x0 = 0 ∈ Rm e X = ∂x 1
pelo
teorema do fluxo tubular.
Pm Pm
Assim, se Y = i=1 Y i ∂x ∂
i
, então [X, Y ] = k=1 ∂Yk ∂
∂x1 ∂xk . Como
X
o fluxo local de X, φt , é a translação por t na primeira coordenada,
temos que
1
LX Y (x) = lim · (Y (x1 + t, x2 , . . . , xm ) − Y (x1 , . . . , xm ))
t→0 t
m
X ∂Yk ∂
=
∂x1 ∂xk
k=1

e temos novamente a igualdade. Como os dois membros da equação


são funções contı́nuas de x, temos que a equação permanece válida se
x0 é o limite de uma sequência onde o campo X não se anula. Logo
a equação é verdadeira em todo ponto.

Corolário 5.17. Sejam X e Y campos de vetores de classe C ∞ e φX t ,


φYs os seus fluxos locais definidos em uma vizinhança de x0 para t e s
próximos de zero. Se [X, Y ] = 0, então φX Y Y X
t ◦φs (x) = φs ◦φt (x) para
todo x em uma vizinhança de x0 e para todo t e s suficientemente
próximos de zero.

De maneira similar, podemos definir a derivada de Lie de uma


k-forma diferencial ω ∈ Ωk (M ) na direção do campo de vetores X
como a k-forma LX ω definida por

d
LX ω(x)(v1 , . . . , vk ) = ω(φt (x))(Dφt (x).v1 , . . . , Dφt (x).vk ).
dt t=0
[SEC. 5.4: A DERIVADA DE LIE 109

É fácil verificar que

LX (ω ∧ η) = (LX ω) ∧ η + ω ∧ (LX η).

Portanto o espaço vetorial

Ω∗ (M ) = Ω0 (M ) ⊕ Ω1 (M ) ⊕ · · · ⊕ Ωm (M )

munido do produto exterior é o que se chama de uma álgebra gradu-


ada e a derivada de Lie na direção de um campo de vetores é uma
derivação de grau zero.

Um campo de vetores também define um operador que diminui o


grau de formas diferenciais, chamado produto interior, como se segue:

iX : Ωk (M ) → Ωk−1 (M )
definido por

iX ω(x)(v1 , . . . , vk−1 ) = ω(x)(X(x), v1 , . . . , vk−1 ).

Todos esses operadores são invariantes pela operação de pull-back


por difeomorfismos, como mostra a proposição abaixo.

Proposição 5.18. Seja φ : M → N um difeomorfismo C ∞ de M


sobre um subconjunto aberto de N . Então para todos X, Y ∈ X∞ (N )
e ω ∈ Ωk (M ) temos:

1. π ∗ iX (ω) = iφ∗ (X) (φ∗ ω);

2. φ∗ LX ω = Lφ∗ X (φ∗ ω).

Demonstração. A prova é uma consequência imediata das definições.

O produto interior, a derivada exterior e a derivada de Lie estão


relacionados pela fórmula de Cartan abaixo.

Proposição 5.19. Para todo campo X ∈ X(M ) vale

LX ω = d(iX ω) + iX (dω).
110 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

Demonstração. Se o campo de vetores se anula em uma vizinhança


de um ponto x0 então os dois membros da igualdade se anulam nessa
vizinhança. Para provar a igualdade em uma vizinhança de um ponto
onde o campo não se anula, podemos, usando a proposição ?? e o
teorema do fluxo tubular, supor que esse ponto é a orı́gem de Rm

e o campo é ∂x 1
. Então o fluxo Φt do campo X é Φt (x) = (x1 +
t, x2 , . . . xm ). Como ambos os membros da equação são operadores
lineares em ω, podemos supor que ω = adxi1 ∧ · · · ∧ dxik com 1 ≤
∂a
i1 , i2 < · · · < ik ≤ m. Logo LX (ω) = ∂x 1
dxi1 ∧ · · · ∧ dxik .
Se i1 = 1 então iX ω = adxi2 ∧ · · · ∧ dxi+k e
m
∂a X ∂a
diX ω = dx1 ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik + dxj ∧ dxi2 ∧ · · · ∧ dxik .
∂x1 j=2
∂xj
Pm ∂a
Ainda com i1 = 1 que dω = j=2 ∂x j
dxj ∧ dx1 ∧ dxi2 · · · ∧ dxik e,
portanto,
m
X ∂a
iX dω = − dxi2 ∧ · · · ∧ dxik .
j=2
∂xj

Logo, se i1 = 1 temos
∂a
diX ω + iX dω = dxi1 ∧ · · · ∧ dxik = LX ω.
∂x1
A prova que a igualdade é verificada se i1 > 1 é analoga.
Finalmente, como os dois membros da equação são funções contı́nuas
a igualdade vale em todos os pontos.

Outras fórmulas que relacionam estas operações com colchetes de


campos de vetores são enunciadas na proposição abaixo.
Proposição 5.20. Para todos os campos X, Y ∈ X(M ) e formas
ω ∈ Ωk (M ) e η ∈ Ωl (M ) valem as igualdades

1. iX (ω ∧ η) = (iX ω) ∧ η + (−1)k ω ∧ (iX η);


2. L[X,Y ] ω = [LX , LY ]ω = LX LY ω − LY LX ω;
3. i[X,Y ] = [LX , iY ].
[SEC. 5.4: A DERIVADA DE LIE 111

E finalmente, na proposição abaixo é a fórmula intrı́nseca (inde-


pendente de coordenadas) de Cartan para a derivada exterior.
Proposição 5.21. Se X1 , . . . , Xk+1 ∈ X(M ) e ω ∈ Ωk (M ), então
k+1
X  
dω(X1 , . . . Xk+1 ) = (−1)i+1 Xi ω(X1 , . . . , X̂i , . . . , Xk+1 ) +
i=1
X  
+ (−1)i+j ω [Xi , Xj ], X1 , . . . , X̂i , . . . , X̂j , . . . , Xk+1 .
1≤i<j≤k+1

Demonstração. Provaremos inicialmente a identidade:


X
(LX ω)(X1 , . . . , Xk ) = Xω(X1 , . . . , Xk )− ω(X1 , . . . , [X, Xj ], . . . Xk ).
j

A prova dessa identidade é semelhante à prova da proposição 5.19:


basta provar a identidade em pontos onde o campo X não se anula.
Também, pelo teorema do fluxo tubular e a linearidade em ω dos

dois membros da equação podemos supor que X = ∂x 1
e ω(x) =

a(x)dxi1 ∧ dxik . Como para qualquer campo Y o colchete [ ∂x 1
,Y ] =
L ∂ Y = ∂x1 e ω(X1 , . . . , Xk )(x) = a(x) τ sinal(τ )Xτ (1) . . . Xτik(k)
∂Y i1
P
∂x1
a identidade segue de um calculo imediato.
Pela fórmula de Cartan da proposição 5.19 podemos escrever:

iX dω = LX ω − diX ω

e, tomando X = X0 temos que

dω(X0 , X1 , . . . , Xk ) = (LX0 ω)(X1 , . . . , Xk ) − ((diX0 ω)(X1 , . . . , Xk ).

Logo,
P
(dω(X0 , X1 , . . . , Xk ) = X0 ω(X1 , . . . , Xk ) − j ω(X1 , . . . , [X0 , X − j], . . . Xk )
− (diX0 ω)(X1 , . . . , Xk )

Basta agora iterar esse argumento com a segunda parcela.

A derivada de Lie na direção de um campo de vetores pode ser


generalizada para qualquer campo tensorial. Um campo tensorial de
112 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

tipo (p, q) é uma aplicação multilinear


T : X∞ (M ) × · · · × X∞ (M ) × Ω1 (M ) × · · · × Ω1 (M ) → C ∞ M
tal que se Xj (x) = Yj (x), j = 1, . . . , q e αk (x) = βk (x) para k =
1, . . . , p então
T (X1 , . . . , Xq , α1 , . . . , αp )(x) = T (Y1 , . . . , Yq , β1 , . . . , βp )(x).
Desta propriedade decorre que o campo de tensor T associa a cada
ponto x ∈ M uma aplicação multilinear
Tx ∈ Lq+p (T Mx , . . . , T Mx , T Mx∗ , . . . , T Mx∗ ; R
. Por outro lado, uma famı́lia Tx define um tensor se todo ponto x0
tem uma vizinhança U tal que para todos campos de vetores Xj ∈
X(U ), j = 1 . . . q e formas diferenciais αj ∈ Ω1 (U ) a aplicação x ∈
U 7→ Tx (X1 (x), . . . , Xq (x), α1 (x), . . . , αp (x)) ∈ R é de classe C ∞ . A
restrição do tensor T ao domı́nio de uma carta local φ : U → Rm é
j ,...,j
caracterizado pelas funções: Ti11,...,ipq : U → R definidas por

j ,...,j ∂ ∂
Ti11,...,ipq (x) = Tx ( ,..., , dxj1 , . . . , dxj1 )
∂xi1 ∂xip
O tensor T é portanto uma C ∞ (M )-forma multilinear. O espaçovetorial
.dos tensores de tipo (q, p) em uma variedade M é denotado por
Tpq (M ). Em particular, X∞ (M ) = T01 (M ), Ω1 (M ) = T01 (M ) e
⊗k (M ) ⊂ T0k (M ). Uma métrica riemanniana é um elemento de
T02 (M ).
O pull-back de tensores por um difeomorfismo C ∞ , f : M → N é a
aplicação linear f ∗ : Tpq (N ) → Tpq (M ) definida por
f ∗ T (X1 , . . . , Xp , α1 , . . . , αq ) =
= T ((f −1 ) ∗ (X1 ), . . . , (f −1 ) ∗ (Xp ), (f −1 ) ∗ (α1 ), . . . , (f −1 ) ∗ (αq )).
Finalmente, a derivada de Lie de um campo tensorial T na direção de
um campo de vetores X, LX T é definida como anteriormente usando
o pull-back pelo fluxo local do campo X. Em particular, a derivada de
Lie de uma métrica riemanniana na direção de um campo de vetores
X é ainda uma métrica riemanniana. Se ela coincide com a métrica
inicial dizemos que X é um campo de Killing e cada difeomorfismo
de seu fluxo é uma isometria.
[SEC. 5.5: TEOREMA DE FROBENIUS 113

5.5 Teorema de Frobenius


Definição 5.5. Uma distribuição de k-planos Σ em uma variedade M
é uma correspondência que a cada ponto x ∈ M associa um subespaço
vetorial de dimensão k do espaço tangente a M em x, Σ(x) ⊂ T Mx ,
tal que todo ponto de M tenha uma vizinhança onde estão definidos
k campos de vetores de classe C ∞ que geram Σ(x) para cada x nesta
vizinhança.
Definição 5.6. Uma variedade integral de uma distribuição de k-
planos Σ em M é uma subvariedade imersa S ⊂ M de dimensão k
tal que para cada x ∈ S temos T Sx = Σ(x). Uma variedade integral
S é maximal se qualquer outra variedade integral de Σ que contenha
um ponto x ∈ S esteja inteiramente contida em S. Se para todo
x ∈ M existe uma variedade integral S de Σ contendo x, dizemos
que a distribuição é integrável .
Definição 5.7. Uma distribuição de k-planos Σ é involutiva se para
todo par de campos de vetores X e Y de M que sejam tangentes a Σ
vale que [X, Y ] também é tangente a Σ.
Teorema 5.22. Teorema de Frobenius. Toda distribuição de
k-planos involutiva é integrável.
Antes de iniciar a prova do Teorema de Frobenius demonstraremos
um lema preliminar.
Lema 5.23. Sejam X1 , . . . , Xk campos de vetores C ∞ em uma va-
riedade M que comutam dois a dois: [Xi , Xj ] = 0 para todos i, j.
Se em um ponto p ∈ M os vetores X1 (p), . . . , Xk (p) são linearmente
independentes, então existe uma parametrização local ϕ : Rm → V
tal que φ(0) = p e

φ∗ Xi =
∂xi
para i = 1, . . . , k.
Demonstração. Tomando uma carta local podemos supor que p =
0 ∈ Rm , os vetores Xi (y1 , . . . , ym ) são linearmente independentes em

uma vizinhança de 0 e Xi (0) = ∂y i
. Os fluxos locais de dois campos
de vetores comutam se o colchete desses campos se anula. Logo, existe
114 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

uma vizinhança V de 0 e  > 0 tais que para todo i, j = 1, 2, ..., k,


Xj Xj
x ∈ V e |s|, |t| ≤  vale φX Xi
s ◦ φt (x) = φt ◦ φs (x) . Se δ > 0 é
i

suficientemente pequeno, está bem definida a aplicação

φ : {(x1 , . . . , xk ); |xj | < δ} → M

φ(x1 , . . . , xk , xk+1 , . . . , xm ) = φX Xk
x1 ◦ . . . , φxk (0, . . . , 0, xk+1 , . . . , xm )
1

com |xj | < δ, j = k + 1, ..., m. Pelo teorema da função inversa, temos


que se δ é suficientemente pequeno, então φ é um difeomorfismo sobre
uma vizinhança de 0. Note que
∂ Xk
φ(x1 , . . . , xm ) = X1 (φX
x1 ◦ . . . , φtk (0, . . . , 0, xk+1 , . . . , xm ))
1
∂x1
e como os fluxos comutam, podemos reescrever a expressão de φ
X
colocando cada φxjj em primeiro lugar, de modo que


φ(x1 , . . . , xm ) = Xj (φX Xk
x1 ◦ . . . , φxk (0, . . . , 0, xk+1 , . . . xm ))
1
∂xj

para todo j. Logo φ∗ Xi = ∂


∂xi para todo i = 1, . . . , k.

Demonstração. (do teorema de Frobenius) Fixe p ∈ M e sejam


X1 , . . . , Xk campos de vetores em vizinhança de p tais que para cada
q nessa vizinhança os vetores X1 (q), . . . , Xk (q) geram a distribuição.
Temos portanto que
k
X
[Xi , Xj ] = fl Xl ,
l=1

onde fl são funções C ∞ em uma vizinhança de p. O teorema segue


da seguinte afirmação:

Existem uma vizinhança V de p e um difeomorfismo φ de uma


vizinhança da origem em Rm sobre V tais que φ∗ Xi = ∂x

i
.

Pelo teorema do fluxo tubular, a afirmação é verdadeira se k = 1.


Suponhamos, por indução, que a afirmação é verdadeira para k − 1
[SEC. 5.5: TEOREMA DE FROBENIUS 115

e vamos provar o teorema para uma distribuição de k planos. Pelo


teorema do fluxo tubular, podemos tomar uma carta local se anulando
em p tal que Xk = ∂y∂k . Consideremos os campos de vetores


Yi (y1 , . . . , ym ) = Xi (y1 , . . . , ym ) − LXi yk ,
∂yk

se i ≤ k − 1, onde yk é a projeção na k-ésima coordenada. Daı́


LYi yk = 0 e, consequentemente, L[Yi ,Yj ] yk = 0. Temos:

k k−1
X X ∂
[Yi , Yj ] = al Xl = bl Yl + c ,
∂yk
l=1 l=1

onde al , bl , c são funções.

Como L[Yi ,Yj ] yk = 0 e LYl yk = 0, temos que a distribuição gerada


por Y1 , . . . , Yk−1 é involutiva. Logo, por indução, existe um difeo-
morfismo local ψ : (u1 , . . . , um ) 7→ (y1 , . . . , ym ) tal que ψ ∗ (Yi ) = ∂u

i
.

Como os campos Yi comutam com Xk = ∂yk , temos que o campo
Z = ψ ∗ Xk comuta com os campos ∂u ∂
i
para 1 ≤ i ≤ k − 1 e es-
ses campos comutam entre si. Logo, pelo lema anterior, temos que
existe difeomorfismo local f : (x1 , . . . , xm ) 7→ (u1 , . . . , um ) tal que
f ∗ ( ∂u

i
) = ∂x∂
i
para i ≤ k − 1 e f ∗ Z = ∂x∂ k , o que conclui a prova do
teorema.

Uma das aplicações mais importantes do Teorema de Frobenius é


o Teorema fundamental da teoria de grupos de Lie, o qual estabelece
uma correspondência biunı́voca entre sub-álgebras de Lie e subgrupos
imersos no grupo de Lie.
De fato, dada uma sub-álgebra da álgebra de Lie de um grupo de
Lie G, podemos construir uma distribuição involutiva em G. Basta
tomar a distribuição gerada pelos campos de vetores invariantes à
esquerda associados a uma base da sub-álgebra. Tomando a variedade
integral maximal passando pela identidade, obtemos um subgrupo de
Lie cuja álgebra de Lie é a sub-álgebra dada.
116 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

5.6 Elementos de teoria de Hodge


Seja V um R-espaço vetorial e fixe < ·, · > : V × V → R um produto
interno em V . Temos o isomorfismo induzido # : V → V ∗ = L(V, R)
dado por v 7→< v, · >. Consideremos em V ∗ o produto interno indu-
zido por este isomorfismo. Este produto interno induz um produto
interno no espaço vetorial Λk (V ∗ ).
Para isso, seja {λ1 , . . . , λm } uma base ortonormal de V ∗ . Como
já vimos anteriormente,
{λi1 ∧ · · · ∧ λik ; 1 ≤ i1 < · · · < ik ≤ m}
é uma base de Λk (V ∗ ). Defina um produto interno em Λk (V ∗ ) de-
clarando que esta base seja ortonormal. Portanto temos também
um isomorfismo # : Λk (V ∗ ) → (Λk (V ∗ ))∗ , para cada k, induzido
pelo produto interno de maneira análoga ao que fizemos anterior-
mente. Finalmente, fixando uma orientação para V , existe um único
ω ∈ Λm (V ∗ ) tal que ω(v1 , . . . , vm ) = 1 se [v1 , . . . , vm ] é uma base
ortonormal positiva de V . Qualquer outro elemento de Λm (V ∗ ) é um
múltiplo real de ω, e, portanto, temos um isomorfismo Λm (V ∗ ) → R
que associa a cada forma η o número real c tal que η = c · ω.

Cada elemento η ∈ Λk (V ∗ ) define uma aplicação linear


η∧ : Λm−k (V ∗ ) −→ Λm (V ∗ ) ≈ R
θ 7−→ η ∧ θ.

Portanto podemos pensar que η∧ ∈ (Λm−k (V ∗ ))∗ ≈ Λm−k (V ∗ ). Te-


mos assim a aplicação linear
∗: Λk (V ∗ ) −→ Λm−k (V ∗ )
η 7−→ #(η∧).

É fácil verificar que a aplicação η 7→ η∧ é 1-1. Como # é um isomor-


fismo, a aplicação ∗ também é 1-1 e assim um isomorfismo, pois os
espaços tem a mesma dimensão. Chamamos ∗ de operador estrela de
Hodge. .
O operador estrela de Hodge é caracterizado pela seguinte propri-
edade: dada uma base ortonormal {λ̃1 , . . . , λ̃m } de V ∗ , então
∗(λ̃1 ∧ · · · ∧ λ̃k ) = ±λ̃k+1 ∧ · · · ∧ λ̃m ,
[SEC. 5.6: ELEMENTOS DE TEORIA DE HODGE 117

onde o sinal é positivo se, e somente se, λ̃1 ∧ · · · ∧ λ̃m (v1 , . . . , vm ) é


positivo para toda base positiva [v1 , . . . , vm ] de V .Logo, para cada
η ∈ Λk (V ∗ ), vale a importante relação

∗ ∗ η = (−1)k(m−k) η.

Usamos o produto interno em Λk (V ∗ ), o produto exterior e a


orientação de V para definir o operador estrela. Deixamos a cargo do
leitor mostrar a seguinte relação entre o produto interno e o operador
∗:
< α, β >= ∗(α ∧ ∗β) = ∗(β ∧ ∗α).
Consideremos agora uma variedade Riemanniana orientada e sem
bordo. O isomorfismo induzido pela métrica em cada espaço tangente
induz o isomorfismo de espaços vetoriais

# : X∞ (M ) → Ω1 (M )

definido por (#X)(x)(v) =< X(x), v >x para todo x ∈ M e todo


v ∈ T Mx .

Logo, dada uma função f : M → R de classe C ∞ , existe um único


campo de vetores X ∈ X∞ (M ) tal que #X = df . O campo X é cha-
mado campo gradiente da função f e normalmente é denotado por
∇f . O gradiente é um campo com a propriedade de ser ortogonal
às superfı́cies de nı́vel regulares de f , além disso, a função cresce ao
longo das curvas integrais desse campo.

A métrica Riemanniana em conjunto com a orientação escolhida


dão origem uma m-forma ω ∈ Ωm (M ) caracterizada pela seguinte
propriedade: se [v1 , ..., vm ] é uma base ortonormal positiva de T Mx ,
então ω(x)(v1 , ..., vm ) = 1. Esta forma é chamada de forma de volume
associada a métrica e a orientação. Esta forma induz o isomorfismo

∗ : Ωm (M ) → C ∞ (M )

que a cada m-forma η associa a função f tal que η = f ω. Mais


geralmente, temos o isomorfismo para cada k dado pelo operador
estrela de Hodge em M :

∗ : Ωk (M ) → Ωm−k (M )
118 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

definido por (∗η)(x) = ∗x (η(x)), onde ∗x : Λk (T Mx )∗ → Λm−k (T Mx )∗


é o operador estrela de Hodge pontual.

Usando o operador estrela de Hodge e a derivada exterior, pode-


mos definir outros operadores diferenciais entre os vários espaços. A
divergência de campos de vetores é o operador diferencial de primeira
ordem
div : X∞ (M ) → C ∞ (M )
definido por div X = ∗d ∗ (#X). Deixamos como exercı́cio ao leitor
mostrar que LX (ω) = divX.ω e, portanto, se a divergência de um
campo de vetores é nula, então LX ω = ω, isto é, o fluxo de X pre-
serva o volume definido pela forma ω.

Em variedades Riemannianas orientadas de dimensão 3, podemos


definir o rotacional de campos de vetores

rot : X∞ (M ) → X∞ (M )
por rot (X) = [ ∗ d#X, onde [ é o operador inverso de #.
No capı́tulo 13 discutiremos um outro operador de segunda ordem

∆ : Ωk (M ) → Ωk (M )

definido por ∆ω = 21 (∗d ∗ dω + d ∗ d ∗ ω) e é chapado Laplaciano.

5.7 Estruturas simpléticas


Uma forma bilinear alternada σ : V × V → K em um K-espaço ve-
torial V de dimensão finita é não degenerada se σ(v, w) = 0 para
todo w ∈ V implicar que v = 0. Isto é equivalente a dizer que
σ ] : V → V ∗ definida por σ ] (v) = σ(v, ·) é um isomorfismo. Quando
V admite uma tal forma, temos que V deve ter necessariamente di-
mensão par e, além disso, existe uma base [v1 , . . . , vm , w1 , . . . wm ] de
V tal que σ(vi , vj ) = σ(wi , wj ) = 0 e σ(vi , wj ) = δij .

Definição 5.8. Uma forma simplética em uma variedade M é uma 2-


forma ω que é fechada, dω = 0, e não degenerada, isto é, a aplicação
ω ] (x) : T Mx → T Mx∗ é um isomorfismo para cada x ∈ M . Uma
[SEC. 5.7: ESTRUTURAS SIMPLÉTICAS 119

variedade simplética é um par (M, ω), em que M é uma variedade e


ω é uma forma simplética em M .
Pelo que vimos acima, uma variedade simplética tem sempre di-
mensão par 2m. Toda variedade orientada de dimensão dois e munida
de uma métrica Riemanniana possui uma forma de área, que por de-
finição é uma forma simplética.

O espaço vetorial R2n = Rm × Rm tem uma forma simplética


canônica, que é definida por
m
X
ω0 (x, y) = dxi ∧ dyi .
i=1

O Teorema de Darboux, que provaremos nesta seção, estabelece


que toda variedade simplética é localmente (R2m , ω0 ).

Seja (M, ω) uma variedade simplética. Dado X ∈ X(M ), o pro-


duto interior iX ω é uma 1-forma em M . Como a forma simplética é
não degenerada, temos de fato um isomorfismo de espaços vetoriais
X∞ (M ) → Ω1 (M ), X 7→ iX (ω).
Em particular, dada f ∈ C ∞ (M ), existe um único campo de vetores
Xf ∈ X(M ) tal que iXf (ω) = df . O campo Xf é chamado campo
Hamiltoniano de f , também chamado gradiente simplético. É claro
que f é constante ao longo das curvas integrais de seu campo Hamil-
toniano.

Como dω = 0, pela fórmula de Cartan, proposição 5.19, temos


LXf ω = d(iXf ω) + iXf (dω) = d(df ) = 0.
Logo o fluxo do campo Hamiltoniano preserva a forma simplética.
Outra observação importante é que, como ω é não degenerada, o pro-
duto exterior ω m é uma (2m)-forma que não se anula em nenhum
ponto. Dizemos que essa é a forma de volume de Liouville definida
pela estrutura simplética. Em particular, M é uma variedade ori-
entável. A forma de volume é preservada pelo fluxo do campo Ha-
miltoniano de qualquer função.
120 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

Seja (M, ω) uma variedade simplética. Dadas f, g ∈ C ∞ (M ), com


respectivos campos Hamiltonianos Xf e Xg , podemos produzir uma
nova função em C ∞ (M ) fazendo

{f, g} = ω(Xf , Xg )

chamada o colchete de Poisson de f e g. Segue essencialmente das


fórmulas de Cartan e da identidade de Jacobi para campos de vetores
a seguinte proposição.
Proposição 5.24. O colchete de Poisson

{·, ·} : C ∞ (M ) × C ∞ (M ) → C ∞ (M )

define uma estrutura de álgebra de Lie em C ∞ (M ). Além disso, para


cada f ∈ C ∞ (M ), a aplicação induzida

{f, ·} : C ∞ (M ) → C ∞ (M )

é uma derivação.
Proposição 5.25. Seja M uma variedade. O fibrado cotangente de
M , definido por

T ∗ M = {(x, p); x ∈ M e p ∈ T ∗ Mx },

tem uma estrutura de variedade tal que a aplicação π : (x, p) 7→ x é


uma submersão C ∞ .

Se λ ∈ Ω1 (T ∗ M ) é a 1-forma definida por λ(x, p).u = p(Dπ(x, p).u),


então ω = dλ é uma forma simplética em T ∗ M .
Demonstração. Seja φi : Ui → Ũi ⊂ Rm um atlas em M . Para cada
i, a aplicação

Φi : π −1 (Ui ) → Ũi × (Rm )∗


(x, λ) 7→ (φi (x), λ ◦ (Dφi (x))−1 )

é uma bijeção. Colocamos em T ∗ M a seguinte topologia: U ⊂ T ∗ M


é aberto se, e somente se, Φi (U ∩ π −1 (Ui )) é aberto em Ũi × (Rm )∗ .
Com essas topologia, as aplicações Φi são homeomorfismos e como
[SEC. 5.7: ESTRUTURAS SIMPLÉTICAS 121

Φj ◦ Φi−1 são difeomorfismos C ∞ , temos que T ∗ M é uma variedade


de dimensão 2m, e a expressão local da projeção nas cartas (Φi , φi )
é a projeção (q, p) ∈ Ũi × (Rm )∗ 7→ q.

É facil verPque a expressão local da forma λ nestas P coordenadas é


m m
λi (q, p) = j=1 pj dqj . Assim a expressão local de ω é j=1 dpj ∧ dqj
e portanto é uma forma simplética.

Na fı́sica clássica de partı́culas, o espaço de configurações de um


sistema de partı́culas é uma variedade M e o espaço de fase é o seu
fibrado cotangente T ∗ M . Os observáveis fı́sicos são as funções em
C ∞ (T ∗ M ). Um observável especial é a energia total H, chamada
uma Hamiltoniana. Esse observável H é a soma de duas funções.
Uma, a energia cinética, é uma função que restrita a cada fibra do
fibrado cotangente é a forma quadrática induzida por uma métrica
Riemanniana em M : K(x, p) = 21 ||p||2x . A outra função, chamada
energia potencial, depende apenas da posição das partı́culas, portanto
é a composição de π com uma função em C ∞ (M ). A evolução desse
sistema de partı́culas é dada pelo fluxo do campo Hamiltoniano XH .
A Hamiltoniana é constante ao longo do fluxo Hamiltoniano, fato
conhecido como Lei da conservação da energia. A evolução de um
observável fı́sico f , ft (x) = f ◦ φ(t, x), onde φ é o fluxo de XH , é
dado pela equação diferencial
d
ft (x) = {f, H}(x).
dt
No caso especial onde a energia potencial é nula, a projeção das
curvas integrais do fluxo Hamiltoniano são as geodésicas de M .
Teorema 5.26. (Teorema de Darboux) Seja (M, ω) uma variedade
simplética de dimensão 2m. Para cada ponto x ∈ M existe uma
vizinhança V de x e um difeomorfismo φ : Rm × Rm → V , de classe
C ∞ , tal que φ∗ ω = ω0 , em que ω0 é a forma simplética canônica de
R2m .
Demonstração. Usaremos na prova um argumento devido a Moser
que simplificou muito a prova original. Podemos supor que ω é uma
forma simplética em uma vizinhança da origem em Rm × Rm . Basta
122 [CAP. 5: CÁLCULO EM VARIEDADES

mostrar que existe um difeomorfismo φ de uma vizinhança da orı́gem


tal que φ∗ ω = ω(0), onde ω(0) é a forma diferencial constante em
uma vizinhança de 0, uma vez que existe uma base de Rm × Rm para
a qual a forma bilinear ω(0) se escreve como no enunciado do teorema.

Consideremos a famı́lia a um parâmetro de formas diferenciais:

ωt = ω0 + t(ω − ω0 ).

Em uma bola de centro na orı́gem e raio suficientemente pequeno


podemos supor que ωt é não degenerada para todo t. Como ω é
fechada, existe uma 1-forma β tal que ω − ω(0) = dβ. Note que
dβ = d(β − β(0)), portanto podemos supor que β(0) = 0.
Vamos procurar um campo de vetores Xt dependente do tempo tal
que se φt (x) = φ(t, x), onde φ é solução da equação diferencial

d
φt (x) = Xt (φt (x)),
dt
então φ∗t ωt é independente de t, de modo que φ∗t ωt = ω(0) para todo
t, o que prova o teorema.

Pode-se provar que com campos dependentes do tempo, vale que


d ∗ d
φ ωt = φ∗t LXt ωt + φ∗t ωt .
dt t dt
Como ωt é fechada, pela fórmula de Cartan

LXt ωt = d(iXt ωt )

Logo,
d ∗
φ ωt = φ∗t (iXt ωt ) + β.
dt t
Como ωt é não degenerada, existe um único Xt tal que

iXt ωt = −β,

o que conclui a prova.


Capı́tulo 6

Espaços de recobrimento e Grupo


fundamental

A questão natural de descreve o domı́nio maximal de definição de uma


função holomorfa definida localmente por uma série de potências con-
vergentes naturalmente conduz a problemas tais que a continuidad
analı́tica pode assumir valores diferentes em um mesmo ponto. Isto
levou Poincaré a considerar que tal extensão pudesse estar definida,
como uma função usual, em outro espaço relacionado ao plano com-
plexo mas que a cada ponto esse espaço associaria vários pontos em
cada um dos quais a função assumiria um único valor. Dessa forma a
continuação analı́tica de uma função holomorfa local estaria definida
não em um domı́nio do plano complexo mas em um outro espaço
que se projeta no plano complexo e que localmente é o produto de
um aberto do plano complexo por um conjunto discreto. Também
motivado por esse problema Poincaré introduziu o conceito de grupo
fundamental que, como veremos nesse camı́tulo, é um invariante to-
pológico importante das variedades.

6.1 Espaços de recobrimento

Definição 6.1. Uma ação de um grupo G em uma variedade M é um


morfismo de grupos ρ : G → Dif(M ), isto é, ρ(g1 g2 ) = ρ(g1 ) ◦ ρ(g2 )
para todos g1 , g2 ∈ G. Se G é um grupo de Lie, dizemos que a ação

123
124 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

é diferenciável se a aplicação

G×M −→ M
(g, x) 7−→ ρ(g)(x)

é diferenciável.
Exemplo 6.1. Se X é um campo de vetores completo em M , de
classe C ∞ , então o fluxo de X induz uma ação C ∞ do grupo aditivo
R em M , proposição 2.7.
Exemplo 6.2. O grupo aditivo Zn age em Rn por translações, isto
é, a aplicação
ρ : Zn −→ Dif(Rn )
m 7−→ (x 7→ x + m)
é uma ação.
Exemplo 6.3. Seja f : M → M um difeomorfismo e

F: M ×R −→ M ×R
(x, t) 7−→ (f (x), t + 1).

Então
Z −→ Dif(M × R)
n 7−→ Fn
é uma ação.
Definição 6.2. Dizemos que uma ação ρ : G → Dif(M ) é propria-
mente descontı́nua e sem pontos fixos se todo ponto x ∈ M possui
uma vizinhança V tal que

ρ(g)(V ) ∩ V 6= ∅ ⇒ g = e (identidade do grupo).

A órbita de um ponto x ∈ M pela ação ρ é o conjunto

O(x) = {y ∈ M, ∃ g ∈ G tal que ρ(g)(x) = y}.

Uma ação define a seguinte relação de equivalência em M :

x ∼ y ⇔ O(x) = O(y),
[SEC. 6.1: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO 125

e portanto o espaço de órbitas pela ação, que é o conjunto das classes


de equivalência por esta relação.

Se a ação é propriamente descontı́nua sem pontos fixos, então


todo ponto tem uma vizinhança tal que toda órbita intersecta essa
vizinhança em no máximo um ponto. As ações dos exemplos 6.2 e
6.3 tem essa propriedade.

Proposição 6.1. Seja M m uma variedade C ∞ e ρ : G → Dif∞ (M )


uma ação propriamente descontı́nua. Seja P o espaço das órbitas e
q : M → P a aplicação quociente. Então P , com a topologia quoci-
ente, é localmente homeomorfo a Rm . Se P é Hausdorff, então P é
uma variedade C ∞ e q é C ∞ .

Demonstração. Seja y = q(x). Seja U ⊂ M uma vizinhança de x


tal que ρ(g)(U ) ∩ U = ∅ se g 6= e.
S Temos então que V = q(U ) é uma
vizinhança de y pois q −1 (V ) = ρ(g)(U ) é aberto. Por outro lado,
g∈G
a restrição de q a cada aberto ρ(g)U é um homeomorfismo sobre V .
Tomando U dentro de uma carta local de M , temos que a composta
de (q|U )−1 : V → U com essa carta é uma carta local para P . As
mudanças de coordenadas são as mesmas mudanças de coordenadas
das cartas de M cujos domı́nios são levados homeomorficamente por
q em abertos de P (domı́nios suficientemente pequenos). Logo se P
é Hausdorff. então P tem uma estrutura de variedade com a mesma
regularidade da ação.

Observação: Se M é uma variedade complexa, P é Hausdorff e ρ(g)


é um difeomorfismo holomorfo para cada g, então P é uma variedade
complexa e q é uma aplicação holomorfa.

Exemplo 6.4. Sejam M = R2 \ {0} e f : R2 \ {0} → R2 \ {0}


o difeomorfismo definido por f (x, y) = ( 12 x, 2y). Considere a ação
correspondente do exemplo 6.1. A ação é propriamente descontı́nua,
mas o espaço quociente não é Hausdorff: as órbitas dos pontos (1, 0)
e (0, 1) não podem ser separadas por abertos disjuntos.

Exercı́cio 6.1. Mostre que P é Hausdorff se, e somente se, o conjunto


{(x, y) ∈ M × M ; x ∼ y} é fechado.
126 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Definição 6.3. Sejam M e P variedades. Dizemos que uma aplicação


π : M → P , de classe C r , r ≥ 0, é uma aplicação de recobrimento
se cada p ∈ P possui uma vizinhança Vp , chamada uma vizinhança
distinguida de p, tal que a restrição de π a cada componente conexa
U de π −1 (Vp ) é um homeomorfismo de U sobre Vp .

Observação 6.1. O conceito de aplicação de recobrimento tem sen-


tido na categoria de espaços topológicos. Por outro lado, se M é um
espaço topológico e π : M → N é uma aplicação de recobrimento
sobre uma variedade N de classe C k (resp. complexa), então M tem
uma estrutura de variedade de classe C k (resp. complexa) tal que π
é de classe C k (resp. holomorfa).

Definição 6.4. Seja π : M → P uma aplicação de recobrimento. Um


homeomorfismo ϕ : M → M é um automorfismo do recobrimento se
π ◦ ϕ = π.
Se π é de classe C k (resp. holomorfo), então todo automorfismo do
recobrimento é um difeomorfismo C k (resp. holomorfo). O conjunto
dos automorfismos de π é denotado por Aut(π) ⊂ Difk (M ) e é um
subgrupo que age própria e descontinuamente sem pontos fixos em
M . Além disso, por definição, a órbita da ação por um ponto x está
contida na fibra sobre o ponto π(x).

Definição 6.5. Uma aplicação de recobrimento π : M → P é regular


se Aut(π) age transitivamente sobre cada fibra, isto é, π(x) = π(y) ⇒
∃ϕ ∈ Aut(π) tal que ϕ(x) = y.

Se o recobrimento é regular, então o espaço de órbitas da ação de


Aut(π) em M pode ser identificado com P .

Proposição 6.2. Sejam ϕ, ψ ∈ Aut(π) tais que ϕ(x0 ) = ψ(x0 ) para


algum x0 ∈ M , então ϕ(x) = ψ(x) para todo x ∈ M .

Demonstração. O conjunto {x ∈ M ; ϕ(x) = ψ(x)} é fechado. Por


outro lado, como ϕ e ψ são automorfismos este conjunto também é
aberto. De fato, sejam U e W componentes conexas da pré-imagem
de uma vizinhança distinguida de π(x) e de π(ϕ(x)) = π(ψ(x)), U
contendo x e W contendo ψ(x). Temos que tanto ϕ|U quanto ψ|U
coincidem com (π|W )−1 ◦ (π|U ).
[SEC. 6.1: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO 127

Observação 6.2. Seja π : M → P um recobrimento regular de


espaços topológicos. Se M é uma variedade C k (resp. complexa)
e os automorfismos do recobrimento são de classe C k (resp. holomor-
fos), então P tem uma estrutura de variedade C k (resp. complexa) e
π é uma aplicação C k .

Seja π : M → P uma aplicação de recobrimento regular de classe


C k , k ≥ 1. Então π induz uma aplicação linear

π ∗ : Xs (P ) → Xs (M ),

chamada “pull-back”, definida por

(π ∗ X)(x) = (Dπ(x))−1 X(π(x)),

em que s ≤ k − 1. Se o campo Y ∈ Xs (M ) é o pull back de um


campo X ∈ Xs (P ), Y = π ∗ X, então para todo ϕ ∈ Aut(π) temos
que ϕ∗ Y = Y . Reciprocamente, se o recobrimento é regular e o
campo Y ∈ Xs (M ) satisfaz à condição: ϕ∗ Y = Y ∀ ϕ ∈ Aut(π),
então Y é o pull-back de um campo X ∈ Xs (M ).
Analogamente, se N é uma variedade então π induz uma aplicação,
também denotada por π ∗ ,

π ∗ : C k (P, N ) → C k (M, N )
f 7→ f ◦ π.

Temos então que g ∈ C k (M, N ) é o pull-back de alguma aplicação


em C k (P, N ) se, e somente se, g ◦ ϕ = g para todo ϕ ∈ Aut(π). Se N
é um espaço vetorial, então os espaços de funções também são espaços
vetoriais e nesse caso π ∗ é linear.

Assim, as funções no toro Tn podem ser identificadas com as


funções de Rn que são n-periódicas, isto é, f (x+m) = f (x) ∀ m ∈ Zn .
Os campos de vetores do toro podem ser identificados com campos
de vetores X : Rn → Rn tais que

X(x + m) = X(x) ∀ m ∈ Zn .
128 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Exemplo 6.5. Fixe f : M → M um difeomorfismo de classe C ∞ .


Seja F : R × M → R × M o difeomorfismo F (t, x) = (t + 1, f (x)).
Então
ρ : Z −→ Dif∞ (M )
n 7−→ Fn
é uma ação propriamente descontı́nua e, portanto, o espaço de órbitas
Tf é uma variedade C ∞ de dimensão dimM + 1. A aplicação quo-
ciente q : R × M → Tf é um recobrimento e os automorfismos desse
recobrimento são os iterados de F . Seja ρ : R × M → S 1 definida
por ρ(t, x) = e2πit . Temos que ρ ◦ F n = ρ para todo n ∈ Z. Logo
existe uma aplicação diferenciável π : Tf → S 1 tal que π ◦ q = ρ.
Seja I ⊂ S 1 um intervalo aberto. Então cada componente conexa de
ρ−1 (I) é o produto J × M onde J ⊂ R é um intervalo da reta que é
levado difeomorficamente sobre I pela aplicação t 7→ e2πit .

Esse intervalo tem comprimento menor que 1, assim os iterados


por F de J × M são dois a dois disjuntos e a aplicação quociente
restrita a J × M é um difeomorfismo sobre π −1 (I) ⊂ Tf . Portanto
π −1 (I) é difeomorfo a I × M . Esse é mais um exemplo de fibração
localmente trivial, nesse caso com fibra M , base S 1 e espaço total Tf .
A variedade Tf definida acima é chamada suspensão do difeomor-
fismo f . Ela pode ser descrita também como a variedade obtida da
variedade com bordo [0, 1]×M colando as duas componentes {0}×M
e {1} × M do bordo pelo difeomorfismo induzido por f . Temos que
se f e g são difeomorfismos difeotópicos, então Tf é difeomorfa a Tg ,
pelo teorema 4.6. Por outro lado se f é a aplicação identidade do
cı́rculo S 1 e g um difeomorfismo que inverte orientação, então Tf é
difeomorfo ao toro S 1 × S 1 enquanto que Tg é difeomorfo à garrafa
de Klein.

Observação 6.3. Um espaço de recobrimento é portanto uma fi-


bração localmente trivial, onde a fibra F é um espaço topológico
discreto.
Definição 6.6. Seja π : N → P uma aplicação de recobrimento
e f : M → P uma aplicação C k . Um levantamento de f é uma
aplicação contı́nua fˆ: M → N tal que π ◦ fˆ = f .
[SEC. 6.1: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO 129

Proposição 6.3. 1) O levantamento de uma aplicação C k e auto-


maticamente C k .
2) Dois levantamentos de uma mesma aplicação que coincidem em
um ponto são idênticos.
3) Se fˆ é um levantamento de f e ϕ ∈ Aut(π), então ϕ ◦ fˆ é
também um levantamento de f .
4) Um levantamento da aplicação π é um automorfismo de π.
Demonstração. Se V ⊂ P é uma vizinhança distinguida de f (x), U
é a componente conexa de π −1 (V ) que contém fˆ(x) e W = f −1 (U ),
então fˆ|W = (π| U )−1 ◦ f |W . Logo, se dois levantamentos coincidem
em um ponto eles coincidem em uma vizinhança do ponto. Daı́ o
conjunto dos pontos onde eles coincidem é aberto e fechado. Os
outros itens são imediatos.
Teorema 6.4. (Levantamento de caminhos) Se α : [0, 1] → P é uma
curva contı́nua com α(0) = x0 e π(x̃0 ) = x0 , então existe um único
levantamento α̃ : [0, 1] → N de α tal que α̃(0) = x̃0 .
Demonstração. Seja T > 0 o supremo do conjunto dos τ ∈ [0, 1]
tais que α|[0,τ ] tem um levantamento começando em x̃0 . Suponha que
T < 1. Se V é uma vizinhança distinguida de α(T ), α(t0 ) ∈ V para
t0 < T e U é a componente conexa de π −1 (V ) que contém α̂(t), então
α̂(t) = (π|U )−1 α(t). Logo α̂ = (π|U )−1 ◦ α é um levantamento de α
e α̂ se estende a um intervalo [0, T + ε] para ε > 0 suficientemente
pequeno. Logo T = 1.
Definição 6.7. (Homotopia relativa) Sejam f, g : M → P funções
C r , r ≥ 0, que coincidem em um subconjunto A ⊂ M . Dizemos
que f e g são homotópicas relativamente a A, ou que f e g são
homotópicas mod A, se existe uma homotopia H : M × [0, 1] → P de
classe C r entre f e g tal que H(x, s) = f (x) = g(x) para todo x ∈ A.
Observação: Usando o mesmo argumento da observação logo após
a definição 3.2, mostra-se que a relação de homotopia relativa C r
também é uma relação de equivalência.
Teorema 6.5. (Levantamento de homotopia.) Seja π : N → P uma
aplicação de recobrimento C r e H : M × [0, 1] → P uma homotopia
relativa a um subconjunto A ⊂ M . Se f : M → P , definida por
130 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

f (x) = H(x, 0), tem um levantamento fˆ: M → N , então H tem um


levantamento Ĥ : M × [0, 1] → N tal que Ĥ(x, 0) = fˆ(x).

Demonstração. Para cada x ∈ M temos que αx : [0, 1] → P , defi-


nida por αx (t) = H(x, t), é um caminho em P com αx (0) = f (x).
Pelo teorema anterior, αx tem um único levantamento α̂x : [0, 1] → N
com α̂x (0) = fˆ(x). Definimos então Ĥ(x, t) = α̂x (t). Resta mostrar
que Ĥ é contı́nuo.

Seja x0 ∈ M . Como H é contı́nuo, para cada t ∈ [0, 1] existe um


intervalo centrado em t e uma vizinhança de x0 tal que a imagem por
H do produto desse intervalo pela vizinhança de x0 esteja contida em
uma vizinhança distinguida. Como [0, 1] é compacto, podemos cobrı́-
lo com um número finito de tais intervalos e intersectando as corres-
pondentes vizinhanças de x0 obtemos uma vizinhança W de x0 e uma
partição t0 = 0 < t1 < · · · < tn+1 = 1 tais que H(W × [ti , ti+1 ]) ⊂ Vi ,
com Vi uma vizinhança distinguida.

Suponhamos, por indução, que já construı́mos um levantamento G`


de H|W ×[0,t` ] com G` (x, 0) = fˆ(x). Seja U` ⊂ N o aberto contendo
G` (x0 , t` ) tal que a restrição de π a U` seja um homeomorfismo sobre
V` ⊃ H(W × [t` , t`+1 ]). Como G` é contı́nua e é um levantamento de
H|W ×[0,t` ] , temos que G` (x, t) = π|−1 U` ◦ H(x, t) para todo (x, t) em
W × [0, t` ] tal que H(x, t) ∈ V` .

Podemos assim estender continuamente G` para um levantamento


G`+1 de H|W ×[0,t`+1 ] definindo G`+1 (x, t) = π|−1U` ◦ H(x, t) para todo
(x, t) ∈ W ×[t` , t`+1 ]. O primeiro passo da indução é imediato, usando
a mesma fórmula. Temos então um levantamento G : W × [0, 1] → N
da restrição de H a W × [0, 1]. Como G(x, 0) = fˆ(x) temos, pela
unicidade de levantamento de caminhos, que G(x, t) = Ĥ(x, t) para
todo (x, t) ∈ W × [0, 1]. Logo Ĥ é contı́nua.

6.2 O grupo fundamental

Seja α : [0, 1] → M um caminho. Definimos α−1 como o caminho


reverso α−1 (t) = α(1 − t). Assim o ponto inicial de α−1 é o ponto
[SEC. 6.2: O GRUPO FUNDAMENTAL 131

final de α. Se α, β : [0, 1] → M são caminhos com α(1) = β(0),


definimos o caminho concatenação

α ∗ β : [0, 1] → M

por (
α(2t) se t ≤ 1/2
α ∗ β(t) =
β(2t − 1) se t ≥ 1/2.

Proposição 6.6. 1) α ∗ α−1 (resp. α−1 ∗ α) é homotópico relativo a


{0, 1} ao caminho constante.

2) Seja F uma homotopia relativa a {0, 1} entre os caminhos α1 e


α2 e G uma homotopia relativa {0, 1} entre os caminhos β1 e β2 . Se
α1 (1) = β1 (0) então Fs ∗ Gs é uma homotopia relativa a {0, 1} entre
α1 ∗ β1 e α2 ∗ β2 .

3) Sejam α, β, γ : [0, 1] → M caminhos satisfazendo β(0) = α(1) e


γ(0) = β(1). Então (α ∗ β) ∗ γ é homotópico relativo a {0, 1} a
α ∗ (β ∗ γ).
Demonstração. 1) Basta definir
  
 α 2t

se
s
0≤t≤ es>0
s 2



 s s
H(s, t) = x0 se ≤t≤1− e s≥0
   2 2
 −1 2
 2 s
 α t+1− se 1 − ≤ t ≤ 1 e s > 0.


s s 2

2) Exercı́cio.

3) Seja
[0, 1] × {s} = As ∪ Bs ∪ Cs
como na figura.
Sejam A0 = [0, 1/4] ,B0 = [1/4, 1/2], C0 = [1/2, 1], A1 = [0, 1/2],
B1 = [1/2, 3/4], C1 = [3/4, 1]. Consideremos as aplicações afins
as : As → [0, 1], bs : Bs → [0, 1] e cs : Cs → [0, 1].
132 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Figura 6.1: proposição 6.6.

Figura 6.2: proposição 6.6.

Defina então 
α(as (t)) t ∈ As

H(t, s) = β(bs (t)) t ∈ Bs

γ(cs (t)) t ∈ Cs .

Definição 6.8. O grupo fundamental de M com base x0 ∈ M , de-


notado por π1 (M, x0 ), é o conjunto das classes de homotopia relativa
a {0, 1} dos caminhos fechados com ponto inicial e final x0 .

Se α : [0, 1] → M é um caminho com α(0) = α(1) = x0 , denotamos


por [α] ∈ π1 (M, x0 ) a classe de homotopia de α. Seja e ∈ π1 (M, x0 )
a classe de homotopia do caminho constante x0 . Pela proposição
[SEC. 6.2: O GRUPO FUNDAMENTAL 133

anterior podemos definir

π1 (M, x0 ) × π1 (M, x0 ) −→ π1 (M, x0 )


def
([α], [β]) 7−→ [α][β] = [α ∗ β].

e temos as propriedades

• [α][α−1 ] = [α−1 ][α] = e;

• [α] ([β][γ]) = ([α][β]) [γ];

• [α]e = e[α] = [α].

Assim π1 (M, x0 ) é de fato um grupo com a operação definida.

Sejam X e Y espaços topológicos e sejam x0 ∈ X e y0 ∈ Y . Seja


f : X → Y uma função. Para indicar que f satisfaz f (x0 ) = y0 ,
escreveremos simplesmente f : (X, x0 ) → (Y, y0 ).

Proposição 6.7. Seja f : (M, x0 ) → (N, y0 ) uma aplicação contı́nua.


Então a aplicação induzida

f∗ : π1 (M, x0 ) → π1 (N, y0 )
[α] 7→ [f ◦ α]

está bem definida e é um homomorfismo de grupos. Mais ainda,


(idM )∗ = id e se g : (N, y0 ) → (P, p0 ) é outra aplicação contı́nua,
então (g ◦ f )∗ = g∗ ◦ f∗ .

Demonstração. Exercı́cio.

Proposição 6.8. Seja α : [0, 1] → M um caminho com α(0) = x0 e


α(1) = x1 . Então a aplicação Iα : π1 (M, x0 ) → π1 (M, x1 ) definida
por [γ] 7→ [α ∗ γ ∗ α−1 ] é um isomorfismo de grupos.

Demonstração. Exercı́cio.

Da proposição acima segue então que num espaço conexo por


caminhos o grupo fundamental não depende do ponto base escolhido.
No entanto o isomorfismo depende da classe de homotopia do caminho
entre os dois pontos básicos.
134 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Figura 6.3: homotopia

Lema 6.9. Seja F : [0, 1] × [0, 1] → M uma aplicação contı́nua. Se


α(t) = F (t, 0), β(t) = F (t, 1), γ(t) = F (0, t) e δ(t) = F (1, t) como
indicado na figura
então γ −1 ∗ α ∗ δ é homotópico a β relativo a {0, 1}.
Demonstração. Começamos definindo

x0 se t≤s
E(t, s) =
γ(1 − t + s) se t ≥ s.
e 
x1 se s≥1−t
G(t, s) = .
δ(t + s) se s ≤ 1 − t.
e s = (Es ∗ Fs ) ∗ Gs
Agora considere H e

 x0 se (t, s) ∈ As
L(t, s) = x1 se (t, s) ∈ Cs
β(as (t)) se (t, s) ∈ Bs .

onde as : Cs → [0, 1] é um difeomorfismo afim.


Então 
H(t,
e 2s) se s ≤ 1/2
H(t, s) =
L(t, 2s − 1) se s ≥ 1/2.
é a homotopia procurada.

Teorema 6.10. Seja H : [0, 1] × M → N uma homotopia entre f e


g. Seja α(t) = H(t, x0 ) o caminho ligando y0 = f (x0 ) a y1 = g(x0 ).
Então o diagrama abaixo é comutativo:
[SEC. 6.2: O GRUPO FUNDAMENTAL 135

Figura 6.4: homotopias 1.

Figura 6.5: homotopias 2.

π1 (N, y1 )
g∗ 5 O

π1 (M, x0 ) Iα
f∗
)
π1 (N, y0 )

Demonstração. Seja γ : [0, 1] → M um caminho fechado em x0 .


Defina F : [0, 1] × [0, 1] → N , F (t, s) = H(s, γ(t)).

Daı́ F (0, t) = α(t) = F (1, t), F (t, 0) = f (γ(t)) e F (t, 1) = g(γ(t)).


Assim, pelo lema anterior temos que α−1 ∗ (f ◦ γ) ∗ α é homotópico
relativo a {0, 1} a g ◦ γ.
136 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Definição 6.9. Duas variedades M e N tem o mesmo tipo de homo-


topia se existem aplicações contı́nuas f : M → N e g : N → M tais
que g ◦ f é homotópica à identidade de M e f ◦ g é homotópica à
identidade de N .

Corolário 6.11. Duas variedades com o mesmo tipo de homotopia


tem grupos fundamentais isomorfos. Em particular se são homeo-
morfas, então tem grupos fundamentais isomorfos.

Observação: O teorema e o corolário são verdadeiros para qualquer


espaço topológico , com as mesmas definições e mesmas provas.

Seja π : N → P uma aplicação de recobrimento e f : M → P


uma aplicação contı́nua com f (x0 ) = y0 . Se f tem um levantamento
fˆ: M → N com fˆ(x0 ) = ŷ0 , então
 
π∗ fˆ∗ (π1 (M, x0 ) = f∗ (π1 (M, x0 )) .

Como
fˆ∗ (π1 (M, x0 )) ⊂ π1 (N, ŷ0 ),
concluı́mos que

f∗ (π1 (M, x0 )) ⊂ π∗ (π1 (N, ŷ0 )) .

Reciprocamente, vale o seguinte teorema.

Teorema 6.12. Seja f : (M, x0 ) → (P, y0 ) uma aplicação contı́nua,


π : N → P um recobrimento e ŷ0 ∈ N tal que π(ŷ0 ) = y0 . Se

f∗ (π1 (M, x0 )) ⊂ π∗ (π1 (N, ŷ0 )) ,

então existe um levantamento fˆ de f com fˆ(x0 ) = ŷ0 .

Demonstração. Seja x ∈ M e α : [0, 1] → M tal que α(0) = x0 e


α(1) = x. Logo existe um único levantamento α̂ de f ◦ α : [0, 1] → N
tal que α̂(0) = ŷ0 . Definimos então fˆ(x) = α̂(1). Se β : [0, 1] → M
é um outro caminho com β(0) = x0 e β(1) = x, então por hipótese
temos que (f ◦ α) ∗ (f ◦ β)−1 = f ◦ (α ∗ β −1 ) é homotópico a π∗ (γ)
para algum γ : [0, 1] → N caminho fechado pelo ponto ŷ0 . Assim,
[SEC. 6.2: O GRUPO FUNDAMENTAL 137

o levantamento do caminho fechado (f ◦ α) ∗ (f ◦ β)−1 pelo ponto


ŷ0 é também um caminho fechado. Portanto os levantamentos dos
caminhos f ◦ α e f ◦ β pelo ponto ŷ0 têm o mesmo ponto final, que
é igual a fˆ(x). Portanto fˆ(x) não depende da escolha de α. Para
mostrar que fˆ é contı́nua em x, basta tomar uma vizinhança de x
suficientemente pequena tal que sua imagem por f esteja contida em
uma vizinhança distinguida de f (x) e tal que dois caminhos entre
x e y nessa vizinhança são homotópicos relativamente ao 0, 1 (basta
tomar essa vizinhança homeomorfa a uma bola).

Observação 6.4. O teorema continua válido com a mesma prova


para espaços topológicos mais gerais. A proprieda extra que ne-
cessitamos é conhecida como espaços semi-localmente simplesmente
conexos. Por definição, todos os pontos desse espaço possuem vizi-
nhanças arbitrariamente pequenas tais que todo curva fechada nessa
vizinhança é homotópica a uma constante. A imagem da homotopia
pode não estar contida na vizinhança
Definição 6.10. Seja M uma variedade. Dizemos que M é simples-
mente conexa se π1 (M ) = {e}.
Corolário 6.13. Seja π : N → M uma aplicação de recobrimento
e f : P → M uma aplicação contı́nua com P simplesmente conexa.
Então existe um levantamento fˆ : P → N de f .
Corolário 6.14. Seja π : N → M uma aplicação de recobrimento.
Se U ⊂ M é um aberto conexo e simplesmente conexo, então U é
uma vizinhança distinguida.
Demonstração. Sejam Ui ⊂ N , i ∈ I, as componentes conexas de
π −1 (U ) e fixe x0 ∈ U . Dado xi ∈ Ui tal que π(xi ) = x0 , como
U é simplesmente conexo a inclusão j : U ,→ M se levanta a uma
aplicação contı́nua ji : U → N tal que ji (x0 ) = xi . Daı́ π ◦ ji (x) = x
implica que ji é um homeomorfismo sobre sua imagem para todo i.
Como U e Ui são conexos e π ◦ ji (U ) = U , temos ji (U ) ⊂ Ui . Daı́
ji (U ) = Ui e segue que U é uma vizinhança distinguida.
Corolário 6.15. Se π : N → M é aplicação de recobrimento com N
simplesmente conexo, então π é um recobrimento regular.
138 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Demonstração. Sejam ŷ0 , ŷ1 ∈ N tais que π(ŷ0 ) = π(ŷi ) = x0 .


Como π : N → M é contı́nua e π(ŷ0 ) = x0 , existe um único levanta-
mento ϕ : N → N de π tal que ϕ(ŷ0 ) = ŷ1 . É fácil ver que ϕ é um
automorfismo de π.
Lema 6.16. Sejam α, β : [0, 1] → X caminhos contı́nuos tais que
α(0) = β(0) = x0 e α(1) = β(1) = x1 . Então α é homotópico a β
relativo a {0, 1} se, e somente se, α ∗ β −1 é homotópico ao caminho
constante relativo a {0, 1}.
Demonstração. Observemos que se f : ∂D2 → ∂D2 é uma aplicação
contı́nua, então ela se estende continuamente para uma
 aplicação

x
F : D2 → D2 . Basta definir F (0) = 0 e F (x) = kxkf kxk para
x 6= 0. Como [0, 1] × [0, 1] é homeomorfo a D2 , o mesmo ocorre para
o quadrado [0, 1] × [0, 1].

Figura 6.6: lema 6.16 .

Seja φ : [0, 1] × [0, 1] → [0, 1] × [0, 1] uma aplicação contı́nua cuja


restrição ao bordo é dada por:
 
1
ϕ(t, 0) = t, 0
2
 
1
ϕ(1, s) = ,0
2
 
1
ϕ(t, 1) = − t + 1, 0
2

e 
 (0, 3s) se s ≤ 1/3
ϕ(0, s) = (2 − 3s, 1) se 1/3 < s ≤ 2/3
(1, 3 − 3s) se 2/3 ≤ s ≤ 1.

[SEC. 6.2: O GRUPO FUNDAMENTAL 139

Se H é uma homotopia entre α ∗ β −1 e o caminho constante relativo


a {0, 1}, então H̃ = H ◦ ϕ é uma homotopia entre α e β relativo a
{0, 1}. A demonstração da recı́proca é análoga.
Corolário 6.17. Seja π : N → M uma aplicação de recobrimento
com N é simplesmente conexo e π(ŷ0 ) = x0 . Então π estabelece uma
bijeção entre pontos x̂ ∈ N e classes de homotopia relativa a {0, 1}
de caminhos em M ligando x0 a x = π(x̂).
Demonstração. Seja x̂ ∈ N e α̂ : [0, 1] → N um caminho ligando
x̂0 a x̂. Logo α = π ◦ α̂ é um caminho em M ligando x0 a x = π(x̂).
Se β̂ : [0, 1] → N é um outro caminho ligando x̂0 a x̂, então α̂ ∗ β̂ −1 é
homotópico ao caminho constante. Logo α̂ é homotópico a β̂ relativo
a {0, 1}. Seja Ĥ uma tal homotopia. Daı́ π ◦ Ĥ é uma homotopia
entre α e β = π ◦ β̂.

Reciprocamente, se H é uma homotopia com extremos fixos entre


dois caminhos α, β : [0, 1] → M começando em x0 e terminando em
x, então H se levanta a uma homotopia entre caminhos α̂, β̂, levan-
tamentos de α e β, que tem portanto o mesmo ponto final x̂ que se
projeta em x.
Teorema 6.18. Para toda variedade M existe uma aplicação de
recobrimento π : M̂ → M com M̂ simplesmente conexo.
Demonstração. Fixe x0 ∈ M . Pelo corolário acima é natural definir
c = {[α]mod{0, 1}; α : [0, 1] → M com α(0) = x0 } .
M

Defina daı́
π: Mc → M
[α] 7→ α(1).
Para cada α : [0, 1] → M com α(0) = x0 e cada V ⊂ M aberto
contendo α(1) definimos
n o
V[α] = [β] ∈ M
c; [β] = [α ∗ γ], com γ : [0, 1] → V tal que γ(0) = α(1) .

Seja
[α00 ] ∈ V[α] ∩ W[α0 ]
140 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

[α00 ] = [α ∗ γ] = [α0 ∗ γ 0 ].
Então
(V ∩ W )[α00 ] ⊂ V[α] ∩ W[α0 ] .
Logo esses conjuntos definem uma base de vizinhanças de uma topo-
logia de H
b e π é contı́nua.

Se V é simplesmente conexo, então para dada [α] ∈ π −1 (V ) temos


que a restrição de π a V[α] é um homeomorfismo sobre V e ainda, se
π[β] = π([α]) com [α] 6= [β], então V[α] ∩ V[β] = ∅.

Seja x̂0 a classe do caminho constante x0 . Se [α] ∈ M c, então o cami-


nho s ∈ [0, 1] 7→ [αs ] ∈ M , onde αs (t) = α(st), une x̂0 a [α] e levanta
c
o caminho α. Logo M c é conexo e π é um recobrimento. Resta mos-
trar que Mc é simplesmente conexo. Seja Ĉ : [0, 1] → M c um caminho
fechado com Ĉ(0) = Ĉ(1) = x̂0 .

Então C = π(Ĉ) é um caminho fechado em M e Ĉ é o único le-


vantamento de C com ponto inicial x̂0 . Logo [C] = x̂0 = Ĉ(1) e
portanto C é homotópica ao caminho constante em M relativo a
{0, 1}. Levantando a homotopia temos que Ĉ é homotópico ao cami-
nho constante.

Uma tal recobrimento de M como no teorema acima se chama


um recobrimento universal de M .

Definição 6.11. Dois recobrimentos πi : Ni → M são isomorfos se


existe um difeomorfismo φ : N1 → N2 tal que π2 ◦ φ = π1 .
ci → M , i = 1, 2, são recobrimentos de M
Corolário 6.19. Se πi : M
com M
c1 e Mc2 simplesmente conexos, então eles são isomorfos.

Demonstração. Sejam x̂i ∈ M ci tais que π1 (x̂1 ) = π2 (x̂2 ). Como


M1 é simplesmente conexo, π1 se levanta a uma aplicação contı́nua
c
φ com φ(x̂1 ) = x̂2 . Analogamente, π2 se levanta a uma aplicação ψ
com ψ(x̂2 ) = x̂1 . Logo ψ ◦ϕ satisfaz π1 ◦(ψ ◦φ) = π1 e ψ ◦φ(x̂1 ) = x̂1 .
Logo ψ ◦ φ = id e de modo análogo φ ◦ ψ = id. Portanto φ é um
isomorfismo entre os recobrimentos πi .
[SEC. 6.2: O GRUPO FUNDAMENTAL 141

Assim, o recobrimento universal de uma variedade M é único a


menos de isomorfismo.
c → M o recobrimento universal de M e
Corolário 6.20. Seja π : M
p : N → M um outro recobrimento de M . Então existe um recobri-
c → N tal que p ◦ ρ = π.
mento ρ : M

Demonstração. Temos que π se levanta a uma aplicação ρ. Sejam


x0 ∈ N e U ⊂ M uma vizinhança simplesmente conexa de p(x0 ).
Logo x0 tem uma vizinhança V tal que p|V é um homeomorfismo
sobre U . Se existe x̂ ∈ M c tal que ρ(x̂) ∈ V . Temos que existe
vizinhança W de x̂ tal que π|W é um homeomorfismo sobre U . Logo
ρ|W é um homeomorfismo sobre V pois p◦ρ = π. Isto mostra também
que a imagem de ρ é aberta e fechada e, como N é conexo, ρ é
sobrejetivo.

Corolário 6.21. Seja π : M c → M o recobrimento universal de M .


Então π é regular e π1 (M, x0 ) é isomorfo a Aut(π).

Demonstração. Já sabemos que o recobrimento é regular pois M c


é simplesmente conexo. Seja x̂0 ∈ M com π(x̂0 ) = x0 . Para cada
c
[α] ∈ π1 (M, x0 ), o levantamento α̂ : [0, 1] → Mc começando em x̂0 é
tal que α̂(1) ∈ π −1 (x0 ) depende apenas de classe [α]. Por outro lado,
existe um único automorfismo ϕ ∈ Aut(π) tal que ϕ(x̂0 ) = α̂(1). É
fácil mostrar que a aplicação [α] ∈ π1 (M, x0 ) 7→ ϕ ∈ Aut(π) é um
isomorfismo de grupos.
ci → Mi , i = 1, 2, recobrimentos uni-
Corolário 6.22. Sejam πi : M
versais de M1 e M2 respectivamente.

1. Se f : M1 → M2 é uma aplicação contı́nua, então existe uma


aplicação contı́nua fˆ: M c2 tal que π2 ◦ fˆ = f ◦ π1 . Tal
c1 → M
aplicação é chamada um levantamento de f .

2. Se f˜ é outro levantamento de f , então existe ψ ∈ Aut(π2 ) tal


que f˜ = ψ ◦ fˆ.

3. Para cada ϕ ∈ Aut(π1 ) existe um único ψ ∈ Aut(π2 ) tal que ψ ◦


fˆ ◦ ϕ = fˆ. A aplicação ϕ 7→ ψ é um homomorfismo de Aut(π1 )
142 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

em Aut(π2 ) que corresponde, via o isomorfismo do corolário


5.21, ao homomorfismo

f∗ : π1 (M1 , x0 ) → π1 (M2 , f (x0 )).

c1 → M
4. F : M c2 é o levantamento de uma aplicação f : M1 →
M2 se, e somente se, ∀ ϕ ∈ Aut(π1 ) ∃ ψ ∈ Aut(π2 ) tal que
ψ ◦ F ◦ ϕ = F.

Demonstração. Exercı́cio.
2 2
Exercı́cio:
  Seja A : R → R a transformação linear dada pela ma-
2 1
triz 1 1 . Como os automorfismos do recobrimento π : R2 → T2
são as translações por vetores de coordenadas inteiras, A é o levan-
tamento de um difeomorfismo f : T2 → T2 . Seja Tf a variedade de
dimensão 3 obtida pela suspensão de f . Mostre que Tf não é isomorfo
ao toro T3 .
Sugestão: Mostre que os grupos fundamentais não são isomorfos.

Corolário 6.23. Seja G um grupo de Lie e sejam m : G × G → G


e i : G → G as aplicações de produto e inversão do grupo. Seja e o
elemento neutro de G. Se π : G b → G é o recobrimento universal de G
e π(ê) = e, então os levantamentos î : G b→G b×G
b e m̂ : G b→G b com
î(ê) = ê e m(ê, ê) = ê definem uma estrutura de grupo de Lie em G b
tal que π é um homomorfismo de grupos.

Demonstração. Exercı́cio.

6.3 Recobrimentos das variedades de dimensão 2


Uma demonstração por contradição tem um aspecto pessimista: co-
meçamos por negar a veracidade do teorema. Uma demonstração
“otimista” consiste em partir da veracidade do teorema e deduzir
a existência de uma certa estrutura cuja existência também implica
o teorema. Finalmente, construı́mos essa estrutura de maneira in-
dependente e o teorema está provado. Vou apresentar uma prova
“otimista” do seguinte resultado clássico:
[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSÃO 2 143

Teorema 6.24. Se M é uma variedade orientável de dimensão 2 não


homeomorfa ao plano nem a esfera e nem ao toro, então existe um
recobrimento π : D → M pelo disco D = {z ∈ C; |z| < 1} tal que os
automorfismos desse recobrimento são difeomorfismos holomorfos do
disco.
A demonstração clássica desse teorema usa dois resultados pro-
fundos de análise (equação a derivadas parciais) e um resultado mais
simples de topologia:
1) Em torno de qualquer ponto de uma variedade Riemanniana
de dimensão dois existe uma carta local conforme (coordenadas
isotérmicas).
2) Toda variedade possui um recobrimento simplesmente conexo.
3) Toda superfı́cie de Riemann simplesmente conexa é conforme-
mente difeomorfa ou à esfera ou ao plano ou ao disco (Teorema
de Uniformização).
O primeiro passo envolve a solução de uma equação a derivadas
parciais chamada equação de Beltrami:

= µ(z) |µ(z)| ≤ k < 1 ∀ z ∈ U.

A existência de uma solução que seja um difeomorfismo local de classe
C ∞ foi provada por Gauss no caso analı́tico e por Chern no caso
diferenciável e posteriormente generalizada para outras regularidades.
A existência de coordenadas isotérmicas e da orientação implicam
que a variedade tem uma estrutura de superfı́cie de Riemann (uma
variedade complexa de dimensão complexa 1).
Do passo (2) segue que a variedade possui um recobrimento ho-
lomorfo por uma superfı́cie de Riemann simplesmente conexa. O
teorema segue então de (3), que envolve a equação de Laplace.
Vamos apresentar uma prova “otimista” desse teorema, a qual en-
volve apenas certas construções elementares em geometria hiperbólica.

6.3.1 Geometria hiperbólica


Seja Aut(C) o grupo dos difeomorfismos holomorfos da esfera de Rie-
mann C = C t {∞}. Esse grupo contém as seguintes transformações:
144 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

a) z 7→ z + a (translações).
b) z 7→ bz b ∈ C \ {0} (homotetias e rotações).
1
c) z 7→
z
e contém também o subgrupo M gerado por essas transformações
(que mostraremos que coincide com Aut(C)).
Proposição 6.25.
1) Se ϕ ∈ M, então ϕ é conforme.
2) Se ϕ ∈ M, então ϕ leva a famı́lias de retas e cı́rculos euclidianos
de C em si mesmas.
3) Dados 3 pontos distintos z1 , z2 , z3 ∈ C existe ϕ ∈ M tal que
ϕ(z1 ) = ∞, ϕ(z2 ) = 0, ϕ(z3 ) = 1.
4) Sejam z1 , z2 , z3 e z4 são pontos distintos de C e
(z3 − z2 )(z4 − z1 )
C(z1 , z2 , z3 , z4 ) = ,
(z2 − z1 )(z4 − z3 )
que é chamado razão cruzada (cross ratio) dos quatro pontos.
Então para todo ϕ ∈ M
C(φ(z1 ), φ(z2 ), φ(z3 ), φ(z4 )) = C(z1 , z2 , z3 , z4 ).

Demonstração. Basta que as transformações a), b) e c) satisfaçam


as propriedades 1), 2) e 4). Por serem holomorfas, satisfazem 1). As
transformações em a) e b) levam cı́rculos em cı́rculos e retas em retas.
A transformação c) leva retas que não passam pela origem em retas
e retas que passam pela origem em cı́rculos, cı́rculos que não passam
pela origem em cı́rculos e cı́rculos que passam pela origem em retas.
Que satisfazem 4) é um cálculo simples.

Para provar 3) observamos que a composição da translação por −z1


com c) é um elemento do grupo M que leva z1 em ∞ e z2 e z3
em outros dois pontos distintos, que continuamos a chamar de z2
e z3 . Compondo com uma translação por −z2 , levamos z2 em 0.
Finalmente, compondo com b) levamos o terceiro ponto em 1.
[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSÃO 2 145

Corolário 6.26. M = Aut(C).


Demonstração. Dado ϕ ∈ Aut(C), existe ψ ∈ M tal que ψ ◦ ϕ
fixa os pontos 0, 1 e ∞. Afirmamos que ψ ◦ ϕ é a identidade. De
fato, como a derivada é não nula na origem temos que z 7→ ψ◦ϕ(z) z é
uma função holomorfa da esfera de Rieman na esfera de Riemanque
não é sobrejetiva. Logo é constante e essa constante é igual a 1 pois
1 é ponto fixo de ψ ◦ ϕ. Para verificar que de fato é uma função
holomorfa da esfera de Riemann resta apenas mostrar que é uma
função holomorfa na vizinhança do infinito De fato, como θ = ψ ◦ ϕ
é holomorfa e tem ∞ como ponto fixo então se I(z) = z1 temos que
I ◦ θ ◦ I é holomora e 1-1 e tem 0 como ponto fixo. Logo é da
forma w 7→ aw + wρ(w) onde ρ é holomorfa , se anula na origem e
a 6= 0 pois a função é 1-1. Isso mostra que θ̃ = θ(z)
z é holomorfa em
∞ e θ̃(∞) = a. Logo θ̃ é constante pois toda aplicação holomorfa
não constante é uma aplicação aberta e como a esfera de Riemann é
compacta sua imagem é aberto e fechado, logo é sobrejetiva. .
Corolário 6.27. Existe ϕ ∈ Aut(C) que leva o disco D no semi-plano
H 2 = {z ∈ C; Im z > 0}.
Demonstração. Basta tomar o automorfismo ϕ tal que

ϕ(1) = 0, ϕ(i) = 1 e ϕ(−1) = ∞.

como na figura 6.7 Daı́ φ(∂D) = ∂H 2 , o que implica φ(D) = H 2 .

Figura 6.7: difeomorfismo entre o disco e o semi-plano.

Corolário 6.28. Dado z ∈ D, existe ϕ ∈ Aut(C) tal que ϕ(D) = D


e ϕ(0) = z.
146 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Demonstração. As rotações levam D em D e levam 0 em 0. Se


z 6= 0 sejam z− , z+ ∂D as interseçoes da reta pela orı́gem e pelo ponto
z como na figura ??. Seja ϕ o automorfismo tal que

ϕ(z− ) = z− , ϕ(z+ ) = z+ e ϕ(0) = z.

Daı́ ϕ leva a reta por 0 e z nela mesma e o cı́rculo unitário num


cı́rculo ou reta que passa pelos pontos z+ e z− e é ortogonal à reta
pelos mesmos pontos. Esse cı́rculo é o bordo de D.

Figura 6.8: corolário 6.28.

Corolário 6.29. O grupo M(D) dos elementos de Aut(C) que levam


D em D age transitivamente em D.
Lema 6.30 (Schwartz). Se ϕ : D → D é uma aplicação holomorfa tal
que ϕ(0) = 0, então ou ϕ é uma rotação ou |ϕ(z)| < |z| para todo
z ∈ D − {0} e |ϕ0 (0)| < 1.

Demonstração. Como ϕ(0) = 0, a aplicação ψ(z) = ϕ(z) z é holo-


morfa. Se |z| = r < 1, então |ψ(z)| < 1r . Pelo princı́pio do máximo
(o valor absoluto de uma função holomorfa não constante não tem
máximo local) temos que |ψ(z)| < 1r se |z| ≤ r. Logo |ψ(z)| ≤ 1 para
todo z no disco unitário. Por outro lado, se |ψ(z0 )| = 1 para algum
z0 , o princı́pio do máximo implica que ψ é constante, e portanto ϕ é
uma rotação. Caso contrário, |ψ(z)| < 1 para todo z.
Corolário 6.31. Se ψ : D → D é um difeomorfismo holomorfo, então
ψ ∈ M(D). O subgrupo de M(D) dos elementos que deixam a origem
fixa é o grupo das rotações.
Demonstração. Se ϕ(0) = 0 então ϕ é uma rotação, pois a derivada
da inversa de ϕ na origem não pode ter valor absoluto maior do que
[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSÃO 2 147

1, uma vez que essa inversa é tambem uma aplicação holomorfa do


disco que se anula na origem. Se ϕ(0) não se anula na origem, pode-
mos compor ϕ com um elemento de M(D) e obter um difeomorfismo
holomorfo que se anula na origem.

Corolário 6.32. Existe uma métrica Riemanniana z ∈ D 7→ h·, ·iz


tal que os elementos de M(D) são isometrias. Qualquer outra métrica
com a mesma propriedade é um múltiplo positivo dessa métrica.
Além disso, existe λ : C → R+ analı́tica tal que ||v||z = λ(z) · |v|
para todo v ∈ C.

Demonstração. Primeiramente observe um produto interno em C


invariante por rotações deve ser um múltiplo positivo do produto eu-
clidiano. Começamos definindo h·, ·i0 como o produto interno euclidi-
ano (ou um múltiplo positivo dele). Dado z ∈ D, escolha ϕ ∈ Aut(D)
tal que ϕ(0) = z e defina

hv, wiz = hDϕ−1 (z) · v, Dϕ−1 (z)wi0 .

A definição não depende da escolha de ϕ pois se ψ ∈ Aut(D) também


satisfaz ψ(0) = z, então ψ −1 ◦ϕ leva 0 em 0 e portanto é uma rotação.
Por fim, temos

kvkz = kDϕ−1 (z).vk = |Dϕ−1 (z)|kvk e λ(z) = |Dϕ−1 (z)|.

Proposição 6.33. As geodésicas da famı́lia de métricas do corolário


6.32 são os cı́rculos e retas ortogonais ao bordo de D.

Demonstração. Seja φ : D → H 2 como no Corolário 6.27 e conside-


remos a métrica em H 2 que torna φ isometria. Como φ é conforme,
kvkz = λ̃(z) · |v| para todo z ∈ H 2 . Como as translações z 7→ z + a
com a ∈ R são isometrias, temos que λ̃(x + iy) = λ̃(x + a + iy)
para todo a ∈ R. Logo λ̃(x + iy) = α(y), onde α : R+ → R+ é uma
função analı́tica. Temos então que a aplicação (x + iy) 7→ (−x + iy)
é uma isometria da métrica que deixa os pontos do eixo x = 0 fixos.
Como uma isometria leva geodésicas em geodésicas, temos pela uni-
cidade de geodésicas que uma geodésica tangente ao eixo x = 0 tem
que coincidir com esse eixo que é portanto uma geodésica. Dado um
148 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

cı́rculo ortogonal a (∂H 2 ), existe uma isometria da métrica que leva


o eixo x = 0 nesse cı́rculo. Logo esse cı́rculo também é geodésica. Por
outro lado, dados z ∈ H 2 e v ∈ C existe um cı́rculo que passa por z,
ortogonal a ∂H 2 e é tangente a v (o centro é a interseção com ∂H 2
da reta ortogonal a v passando por z). Logo, por unicidade, essas são
todas as geodésicas de H 2 .

Teorema 6.34 (métrica de Poincaré). Existe uma única métrica


Riemanniana em D tal que os elementos de M(D) são isometrias e a
curvatura é constante igual a −1. As geodésicas são as retas e cı́rculos
ortogonais a ∂D.

Demonstração. Como o grupo de isometrias age transitivamente a


curvatura é constante. Essa constante é negativa. De fato, tomando
um triângulo geodésico ideal com os vértices a, b, c em ∂D, temos
que os ângulos internos são nulos. Observe que para todo triângulo
geodésico com vértices ã, b̃, c̃ ∈ D próximos dos anteriores os ângulos
internos são próximos a zero. Pelo Teorema de Gauss-Bonnet
Z
Σ( ângulos internos de T ) − π = K = K · área(T ),
T

segue que a curvatura K é negativa e


−π
K= .
área do triângulo ideal(a, b, c)

Quando multiplicamos a métrica por um parâmetro positivo, a área


do triângulo ideal varia de maneira monótona com o parâmetro. Logo
existe um único valor do parâmetro para o qual a curvatura é −1.

Proposição 6.35. (Propriedades elementares da métrica hiperbólica.)

1) Por dois pontos passa uma única geodésica.

2) Dadas uma geodésica γ e um ponto z ∈ / γ existe uma única


geodésica que passa por z e é perpendicular a γ.

3) Dadas duas geodésicas disjuntas γ1 e γ2 tais que a distância


hiperbólica de γ1 e γ2 é positiva, existe uma única geodésica γ
ortogonal a γ1 e γ2 .
[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSÃO 2 149

4) Seja γ uma geodésica e a > 0. O conjunto dos pontos cuja


distância hiperbólica a γ é ≤ a é limitado por dois cı́rculos que
no ∞ fazem um ângulo com γ que é uma função monótona de
a. As geodésicas ortogonais a γ são ortogonais a esses cı́rculos.

Demonstração. 1) Sejam z1 , z2 ∈ H 2 , z1 6= z2 . Se Re z1 = Re z2 , a
reta vertical por z1 passa por z2 . Se Re z1 6= Re z2 , a reta perpendi-
cular ao segmento de reta ligando z1 a z2 pelo ponto médio intersecta
∂H 2 num ponto a. O cı́rculo de centro a passando por z1 também
passa por z2 e intersecta o semiplano superior em uma geodésica. A
unicidade é evidente.

2) Como a propriedade é invariante por isometrias, podemos supor


que γ é o eixo vertical. As geodésicas ortogonais a γ são os cı́rculos
de centro na origem. Dado z ∈ / γ existe um único cı́rculo que passa
por z e é ortogonal a γ.

3) Podemos supor que γ1 é o eixo vertical. A geodésica γ2 intersecta


∂H 2 ou em um único ponto (γ2 é uma reta vertical) ou em dois pontos
que estão ambos ou no eixo real positivo ou eixo real negativo. Se am-
bas as geodésicas são verticais a distância entre elas é nula. Podemos
portanto supor que a geodésica γ2 tem suas extremidades na mesma
componente do complementar da orı́gem no eixo real. Consideremos
as duas geodésicas ortogonais a γ1 assintóticas a γ2 . O ângulo na
qual geodésicas ortogonais intermediárias a γ intersecta γ2 varia mo-
notonicamente de π a 0, e portanto existe uma única geodésica que
é ortogonal a γ2 .

4) Como antes podemos supor que γ é o eixo vertical. No cı́rculo


unitário, que é uma geodésica ortogonal a γ, tomemos um arco em
torno da interseção com γ cuja distância iperbólica a γ é ≤ a. Como
as homotetias positivas são isometrias, as duas retas que passam pe-
las extremidades desse intervalo limitam a região dos pontos cuja
distância a γ é ≤ a. O ângulo que essas retas fazem com γ é uma
função monótona de a.

Teorema 6.36. Existe um homeomorfismo h : R3+ → R3+ tal que


se y = h(x), então existe um hexágono reto cujos comprimentos dos
150 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Figura 6.9: proposição 6.35.

lados percorridos no sentido anti-horário são x1 , y1 , x2 , y2 , x3 , y3 . Dois


tais hexágonos são isométricos.
Demonstração. Começamos tomando um segmento de comprimento
hiperbólico x1 no eixo vertical. Em torno das geodésicas ortogonais
ao eixo vertical pelas extremidades desses segmentos consideramos
o conjunto dos pontos cuja distância à geodésica pela extremidade
inferior é ≤ x2 e pela extremidade superior ≤ x3 como na figura 6.10.

Figura 6.10: teorema 6.36.

Sejam a e b os pontos onde os cı́rculos de centro 0 que passam pe-


las extremidades do intervalo vertical cortam o eixo real. Para cada
t ∈ (a, b) e r > 0 suficientemente pequeno, o cı́rculo de centro t e
raio r não intersecta essas regiões. Quando r cresce, esse cı́rculo se
aproxima monótonamente dessas regiões. Para r fixo, quando t se
aproxima de uma das regiões o cı́rculo correspondente se aproxima
dessa região e se afasta na outra. Logo existe um único par (t, r)
[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSÃO 2 151

tal que o cı́rculo é tangente ao bordo de ambas as regiões. O seg-


mento desse cı́rculo entre os dois pontos de tangência é portanto uma
geodésica e é o último lado do hexágono, com comprimento y2 . Os
lados de comprimento y1 e y3 estão indicados na figura 6.10.

6.3.2 Consequências do teorema


Se π : D → M é um recobrimento cujos automorfismos pertencem a
Aut(D), então existe uma única métrica Riemanniana em M tal que
π seja uma isometria local. As geodésicas da métrica hiperbólica de
M são as imagens por π das geodésicas da métrica hiperbólica de D.

Lema 6.37. Seja γ ⊂ M uma curva fechada simples tal que o compri-
mento hiperbólico de qualquer curva livremente homotópica a γ (isto
é, sem necessidade de fixar extremos) é limitado por baixo. Então
existe uma única geodésica fechada simples e livremente homotópica
a γ.

Demonstração. Tomemos uma parametrização γ : [0, 1] → M de γ


com γ(0) = γ(1) e seja γ̃ : [0, 1] → D um levantamento de γ. Seja
ϕ ∈ Aut(π) tal que ϕ(γ̃(0)) = γ̃(1). Como Aut(π) ⊂ Aut(D), temos
que ϕ não tem pontos fixos em D. Afirmamos que ϕ não pode ter um
único ponto fixo em ∂D. Caso contrário, conjugando com uma iso-
metria D → H 2 podemos supor que ϕ : H 2 → H 2 , ϕ(∞) = ∞. Logo
ϕ(z) = z + a, a ∈ R. Assim, o levantamento de γ pelo recobrimento
correspondente de H 2 → M liga dois pontos com a mesma parte
imaginária em retas verticais com distância euclidiana a. Logo γ é
livremente homotópica a imagem de qualquer segmento horizontal en-
tre as duas verticais e esses segmentos tem comprimento hiperbólico
arbitrariamente pequenos. Logo ϕ tem dois pontos fixos no bordo de
D e deixa invariante a geodésica α conectando esses dois pontos. A
imagem dessa geodésica é uma geodésica fechada em M .
Seja p ∈ α o pé da perpendicular de γ̃(0) a α. Então ϕ(p) ∈ α é o
pé da perpendicular de γ̃(1) a α e temos que existe uma homotopia
γ̃s : [0, 1] → D com γ̃0 = γ̃, ϕ(γ̃s (0)) = γ̃s (1) e γ̃1 ([0, 1]) ⊂ α. Logo
π ◦ γ̃s é uma homotopia livre entre γ e a geodésica fechada π(α).
Resta provar que π(α) é uma curva simples. Isto é equivalente a
mostrar que se α1 é um levantamento de π(α), então ou α1 = α
ou α1 ∩ α = ∅. Isto segue do fato de que cada levantamento de
152 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Figura 6.11: lema 6.37 .

π(α) é assintótico nos dois extremos a um levantamento de γ([0, 1])


e se α1 ∩ α 6= ∅ então os correspondentes levantamentos de γ([0, 1])
também se intersectam,como na figura 6.12, mas isso não é possı́vel
pois γ([0, 1]) é uma curva fechada simples.

Figura 6.12: curvas α e α1 .

Lema 6.38. Sejam γ1 e γ2 curvas fechadas simples como no lema


anterior. Se γ1 e γ2 são disjuntas e não homotópicas, então as cor-
respondentes geodésicas fechadas simples são disjuntas.

Demonstração. De fato, caso contrário existem dois levantamentos


α1 e α2 das geodésicas fechadas simples que se intersectam. Então
os correspondentes levantamentos de γ1 e γ2 também se intersectam,
como na figura ??, o que é absurdo.

Demonstração do teorema 5.24: Vamos supor inicialmente que


M é o bitoro com a métrica hiperbólica. Cortando M pelas três
[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSÃO 2 153

Figura 6.13: teorema 5.24.

geodésicas fechadas simples Γ1 , Γ2 e Γ3 , como na figura 6.14, decom-


pomos o bitoro em duas calças C1 e C2 , cujos bordos são as geodésicas
de Γi de comprimento Li .
Podemos decompor cada calça em dois hexágonos retos cortando-
1
a pela geodésica γij ⊂ C1 ortogonal às geodésicas Γi e Γj . Os
hexágonos C11 e C12 são isométricos pois têm três lados alternados
1
correspondentes de mesmo comprimento |γij |. Logo os lados de Ci,j
Lk
contidos em Γk tem comprimentos iguais a 2 .

Além disso, cada geodésica Γk ⊂ C1 possui dois pontos geometrica-


1 1
mente marcados que são os pés das geodésicas ortogonais γki e γk` .
1 1
Denotamos esses pontos por pki , pk` .

Analogamente, a calça C2 se decompõe em dois hexágonos retos


2
C21 , C22 por segmentos de geodésicas γij ⊂ C2 ortogonais a Γi e Γj
que intersectam cada Γi em dois pontos geometricamente marcados
p2ij e p2ik , que também dividem Γi em dois segmentos de comprimento
Li
2 . Fixando uma orientação a Γi , podemos associar a Γi dois números
Li Li

reais: Li e ti ∈ − 2 , 2 , onde |ti | é a distância de p2ij a p1ij e o sinal
é positivo se p2ij está no segmento com ponto inicial p1ij e ponto final
p1ik na orientção de Γi (k > j) e negativo caso contrário.
154 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Afirmamos que dado um segmento de geodésica de comprimento


L1
2 , então existe um único recobrimento isométrico do bitoro com
parâmetros L1 , L2 , L3 , t1 , t2 , t3 . Para isso, sejam p̃112 , p̃113 as extre-
midades desse segmento e ϕ : D → D a única isometria que leva a
geodésica Γ̃1 pelos dois pontos em uma geodésica que se projeta em
Γ1 e tal que π(ϕ(p̃1ij )) = p1ij . Para melhor visualizar o recobrimento
vamos colorir de preto o hexágono superior da calça 1 da figura e o
inferior de branco e os dois hexágonos da calça 2 de azul e vermelho.
Suas pré-imagens em D são coloridas com as mesmas cores. Pelo Te-
orema 6.36, existe um único hexágono reto com base no intervalo de
geodésica acima, de comprimento L21 , tal que os lados alternados, per-
correndo o bordo no sentido anti-horário, tem comprimento L21 , L22
e L23 . Como ϕ é isometria, a imagem desse hexágono por ϕ é um
hexágono branco. Os lados desse hexágono de comprimento L22 e L33
repousam sobre geodésicas L̃2 e L̃3 tais que πϕ(L̃j ) = Lj . Novamente
pelo Teorema 6.36, por cada um dos três outros lados desse primeiro
hexágono, existe um único hexágono reto isométrico aos hexágonos
pretos, e portanto ϕ leva essa hexágono em um hexágono preto. Va-
mos colorir cada hexágono com a mesma cor de sua imagem. Cada um
desses 3 hexágonos pretos tem um vértice em comum com o hexágono
branco. Sobre cada um dos dois outros vértices alternados podemos
levantar um único hexágono isométrico ao hexágono branco, e por-
tanto ϕ leva esse hexágono em um hexágono branco. Continuando
esse processo, construı́mos um ladrilhamento por hexágonos pretos e
brancos em uma região C̃1 contida na região limitada pelas geodésicas
Γ̃1 , Γ̃2 e Γ̃3 .

O bordo dessa região é formado por uma famı́lia enumerável de


geodésicas cuja imagem por π ◦ ϕ é uma das Γi ’ s. A restrição de ϕ
a C̃1 é um recobrimento de C1 .

Na componente conexa do complementar dessa região que é limitada


pela geodésica Γ̃1 podemos, usando t1 , construir um único hexágono
vermelho que intersecta o hexágono branco inicial ao longo de um
segmento em Γ̃1 (ou um único ponto se ti = Γ21 ). Como no caso ante-
rior, podemos ladrilhar com hexágonos azuis e vermelhos uma região
[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSÃO 2 155

limitada pela geodésica Γ̃1 e duas outras Γ̃12 , Γ̃13 que são levadas por
π ◦ ϕ respectivamente em Γ2 e Γ3 . É claro que novamente ϕ leva
hexágonos azuis em hexágonos azuis e sua restrição a essa região é
um recobrimento de C2 .

Da mesma forma ladrilhamos com hexágonos azuis e vermelhos uma


região limitada por Γ̃2 e outra limitada por Γ̃3 .

Figura 6.14: .

Figura 6.15: .

Afirmamos que as regiões B + P e A + V se alternam e preenchem


todo o plano hiperbólico. A isometria ϕ leva hexágonos em hexágonos
de mesma cor e π ◦ ϕ é um recobrimento e uma isometria local. Para
156 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

isso basta observar que o fecho de cada hexágono está contido no in-
terior de uma região que é a união de um número dado de hexágonos.
Portanto a distância hiperbólica de um ponto do hexágono ao com-
plementar dessa região é maior que um número positivo a que não
depende do hexágono pois todos os hexágonos de uma mesma cor
são isométricos. Se a união de todos os hexágonos não é o plano
hiperbólico existe um ponto x na fronteira dessa união. Logo existe
um hexágono que contém um ponto cuja distância hiperbólica a x é
menor que a2 , o que é absurdo.
Para provar o teorema basta observar que os dados combinatórios da
decomposição da variedade em hexágonos e os dados geométricos
L1 , L2 , L3 e t1 , t2 , t3 determinam completamente o ladrilhamento.
O grupo de todas as isometrias que levam hexágonos brancos em
hexágonos brancos também preserva as cores dos demais hexágonos
e age descontinuamente em D. É fácil verificar que esse grupo é ge-
rado por cinco isometrias: T1 , que leva P1 em P2 e deixa a geodésica
Γ̃1 invariante; T2 , que leva P2 em P3 e deixa a geodésica Γ̃2 invari-
ante; T3 , que leva V1 em V2 ; T4 , que leva A em A1 e T5 , que leva
A em A2 , como na figura. O espaço quociente é claramente o bitoro
com uma métrica hiperbólica.

Deste modo, fixando em M as curvas fechadas simples Γ1 , Γ2 , Γ3 e


os parâmetros geométricos L1 , L2 , L3 , t1 , t2 , t3 , então existe um dife-
omorfismo
f1 : M → M1

onde M1 é isometricamente recoberto pelo disco D. Temos que M1


tem uma métrica hiperbólica e f (Γi ) é livremente homotópica a uma
geodésica fechada simples de comprimento Li . Além disso, se M2 é
outra superfı́cie hiperbólica com algum dos parâmetros distinto do
correspondente a M1 e f2 : M → M2 , então não existe isometria
h : M1 → M2 tal que h ◦ f1 seja homotópica a f2 .
As várias estruturas geométricas construı́das no bitoro são obtidas
colando duas calças hiperbólicas por isometrias do bordo. A isome-
tria em cada componente do bordo é inteiramente determinada pela
distância hiperbólica entre os pontos marcados. Colando um número
adequado de calças hiperbólicas, podemos obter todas as métricas de
Poincaré em superfı́cies compactas orientadas. Para obter as varie-
[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSÃO 2 157

Figura 6.16: .

dades não compactas temos que acrescentar mais três blocos: uma
calça com um furo e duas pernas; uma calça com dois furos e um
cilindro hiperbólico de área infinita, além da esfera menos três pon-
tos, a qual não admite decomposição em calças. Assim, colando duas
calças com dois furos no bordo (que é uma geodésica fechada), ob-
temos a esfera menos 4 pontos. Nesse caso temos dois parâmetros
geométricos. Colando as duas componentes do bordo de uma calça
com um furo obtemos o toro menos um ponto. Identificando isome-
tricamente duas componentes do bordo de uma calça e colando um
cilindro hiperbólico na outra componente, obtemos o toro menos um
disco fechado, que tem volume hiperbólico infinito e portanto não é
isométrico ao toro menos um ponto, embora sejam difeomorfos. Uma
calça com um furo se decompõe em dois pentágonos com um vértice
no infinito e uma calça com dois furos se decompõe em dois qua-
driláteros com dois vértices no infinito. O pentágono é uma região
limite de hexágonos quando o comprimento de um dos lados tende a
zero e esse lado converge a um ponto no infinito. O quadrilátero é a
posição limite quando o comprimento de dois lados alternados con-
verge a zero e cada lado converge a um ponto no infinito conforme as
figuras abaixo.
158 [CAP. 6: ESPAÇOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Figura 6.17: .

Os parâmetros geométricos utilizados acima constituem uma parame-


trização do chamado espaço de Teichmuller que definimos a seguir.
Seja S0 uma superfı́cie de Riemann. Dizemos que dois homeomofis-
mos fj : S0 → Sj , j = 1, 2, entre superfı́cies de Riemann são equi-
valentes se existe um difeomorfismo holomorfo h : S1 → S2 tal que
h ◦ f1 é homotópica a f2 . O conjunto das classes de equivalência é
o espaço de Teichmuller. Uma maneira equivalente de definir esse
espaço é considerar o espaço de todas as métricas hiperbólicas em S0
e identificar duas métricas se existe uma isometria homotópica à iden-
tidade entre elas. Segue da construção acima que se os parâmetros
geométricos forem distintos, as duas geometrias não são equivalentes.
Vamos apresentar agora uma outra maneira de construir um recobri-
mento holomorfo de uma superfı́cie de gênero g ≥ 2, utilizando o fato
de que uma superfı́cie orientável de genus g é homeomorfa à soma
conexa de g toros, e portanto pode ser representada por um polı́gono
plano de 4g lados que são dois a dois identificados como, por exemplo,
a1 , b1 , a−1 −1 −1 −1
1 , b1 , . . . , ag , bg , ag , bg .

Se todos os ângulos internos de um polı́gono no plano são iguais,


então, decompondo o polı́gono em triângulos, concluı́mos que o ângulo
é igual a 4g−2
4g π, portanto só é possı́vel ladrilhar o plano com tais
polı́gonos se g = 1, uma vez que tal ladrilhamento deveria ter 4g
[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSÃO 2 159

Figura 6.18: .

ladrilhos em torno de cada vértice pois todos os vertices são identifi-


cados no espaço quociente. No entanto, no plano hiperbólico podemos
π
construir polı́gonos geodésicos com os angulos iguais a 2g , o que per-
mite obter o recobrimento identificando-se os lados alternados por
isometrias hiperbólicas. Para construir um tal polı́gono colocamos
os seus vertı́ces a uma distância hiperbólica igual a t > 0 da origem
sobre geodésicas radiais cujos ângulos entre duas consecutivas é igual
a 2π
4g e unimos vértices consecutivos pela única geodésica hiperbólica
entre eles. Por simetria, os ângulos internos sâo todos iguais e variam
monotonicamente com t. Quando t tende a zero, esse ângulo se apro-
xima do euclidiano, que é igual 4g−2 π
4g π > 2g . Por outro lado, quando
t → ∞, o ângulo tende a zero. Logo existe um valor de t para o qual o
π
ângulo é igual a 2g . Iterando o polı́gono pelas isometrias hiperbólicas
que identificam os pares de lados como indicado no modelo, obtemos
um ladrilhamento do plano hiperbólico.
Capı́tulo 7

Fibrados

No capı́tulo 6 vimos que um espaço de recobrimento é localmente


equivalente ao produto de um aberto na base por um espaço dis-
creto. Vamos agora generalizar esse conceito introduzindo espaços
que localmente se escrevem como o produto de um aberto na vari-
edade por uma fibra que pode ser uma variedade. Ja consideramos
no capı́tulo 1 exemplos importantes de tais espaços como o fibrado
tangente a uma variedade, o fibrado normal de uma subvariedade
e a fibração de Hopf. Nesses espaços a transição entre uma trivia-
lização local e outra involve uma famı́lia de difeomorfismos da fibra
que frequentemente podem ser parametrizadas por um grupo de Lie
chamado grupo estrutural do fibrado. Os fibrados desempenham um
papel fundamental em várias áres da matemática, como geometria di-
ferencial, topologia, geometria algébrica, análise, bem como na fı́sica
de partı́culas.

7.1 Fibrados com grupo estrutural

Definição 7.1. Sejam E M e F variedades diferenciáveis. Um fi-


brado com base M e fibra F e espaço total E é uma aplicação dife-
renciável π : E → M tal que exista uma cobertura aberta Ui de M e
difeomorfismos Φi : Ui × F → π −1 (Ui ) tal que π ◦ Φi (x, y) = x

Segue da definição que existem aplicações ρij que a cada x ∈

160
[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 161

Ui ∩ Uj associa um difeomorfismo ρij (x) de F tais que

Φ−1
j ◦ Φi : (x, y) ∈ (Ui ∩ Uj ) × F 7→ (x, ρij (x)(y)).

Segue que as aplicações ρij satisfazem a seguinte condição de compa-


tibilidade para x ∈ Ui ∩ Uj ∩ Uk :

ρij (x) = ρik (x) ◦ ρkj (x).

Dada uma cobertura aberta de M e uma famı́lia ρij : Ui ∩ Uj →


D if (F ) satisfazendo às condições:

1. ρii é a identidade de F ;

2. ρij (x) = ρik (x) ◦ ρkj (x) para todo x ∈ Ui ∩ Uj ∩ Uk ;

3. a aplicação (x, y) ∈ (Ui ∩ Uj ∩ Uk ) × F 7→ ρij (x)(y) ∈ F é de


classe C ∞ ,

podemos definir um fibrado tomando E como o espaço quociente da


união disjunta dos Ui × F pela relação de equivalência que identifica
(x, y) com (x0 , y 0 ) se x0 = x ∈ Ui ∩ Uj e y 0 = ρij (y). Definimos a
projeção π : E → M como a aplicação que associa à classe de equi-
valência de (x, y) ∈ Ui ×F o ponto x e a estrutura de variedade tal que
as bijeções Φi : Ui × F → π −1 (Ui ), composta da aplicação quociente
com a inclusão de Ui × F na união disjunta, sejam difeomorfismos.
Uma cobertura aberta e uma famı́lia de aplicações com as proprieda-
des acima é chamado de um cociclo em M com valores no grupo de
difeomorfismos de F .

Definição 7.2. Uma aplicação fibrada entre dois fibrados π : E → M


e π 0 : E 0 → M 0 é um par (f, fˆ) de aplicações C ∞ tais que o diagrama
abaixo comuta.

E / E0

π π0
 
M
f
/ M0

Uma aplicação fibrada é um isomorfismo se fˆ é um difeomorfismo.


162 [CAP. 7: FIBRADOS

Exemplo 7.1. (pull-back de fibrados) Dado um fibrado π : E →


M com fibra F e uma função C ∞ f : N → M podemos construir um
fibrado ρ : f ∗ (E) → N com fibra F e uma aplicação fibrada


f ∗ (E) /E

ρ π
 
N
f
/M

que é denominado o pull-back pela aplicação f . De fato, associado ao


fibrado π : E → F temos um cociclo ρij : Ui ∩Uj → Dif(F ), onde {Ui }
é um cobertura aberta de M . Logo, {Vi = f −1 (Ui )} é uma cobertura
aberta de N e as aplicações ρ̃ij : Vi ∩ Vj → Dif(F ) definidas por
ρ̃ij = ρij ◦ f satisfazem às condições de cociclo e, portanto, temos
um fibrado correspondente. Se φ̃i : Vi × F → ρ−1 (Vi ) e φi : Ui × F →
π −1 (Ui ) são as trivializações locais, então Φ−1 ˆ
I ◦ f ◦ P̃ hii é a aplicação
(x, y) 7→ (f (x), y). Logo fˆ leva cada fibra difeomorficamente sobre
uma fibra.
O pull-back de um fibrado por uma aplicação constante é isomorfo
ao fibrado trivial N × F .

Definição 7.3. Seja π : E → M um fibrado com fibra tı́pica F . Uma


conexão de Ehresmann é uma famı́lia C ∞ de subespaços Hz ⊂ T Ez
com as seguintes propriedades

1. se Vz ⊂ T Ez é o subespaço tangente à fibra que contém o ponto


z então T Ez = Vz ⊕ Hz ;

2. se γ : [0, 1] → M é uma curva de classe C ∞ então para cada


z0 na fibra sobre o ponto γ(0) existe uma única curva C ∞ ,
d
γ̂ : [0.1] → E tal que π ◦ γ̂ = γ e dt γ̂(t) ∈ Hγ̂(t) ;

3. se z1 = γ̂(1) então a aplicação z0 7→ z1 é um difeomorfismo


C ∞ da fibra sobre o ponto γ(0) sobre a fibra sobre o ponto γ(1).

O difeomorfismo Tγ : Eγ(0) → Eγ(1) da propriedade 3) é chamado


de transporte paralelo. Da prova do teorema seguinte podemos con-
cluir que de fato a propriedade 3) é consequência das propriedades
1) e 2). Isto segue também da observação anterior no caso em que
[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 163

a curva γ é mergulhada e, portanto, existe um campo de vetores


completo tangente a essa curva.
No teorema que mostraremos a seguir, construiremos conexões
de Ehresmann em todo fibrado usando uma métrica riemanniana
apropriada no espaço total E para definir o subespaço horizontal Hz
como o complemento ortogonal ao subespaço vertical Vz . Usaremos
também uma métrica riemanniana na base M tal que a projeção π
seja uma submersão riemanniana, isto é, sua derivada em cada ponto
é uma isometria do espaço horizontal sobre o espaço tangente a M .
Na prova do teorema usaremos os seguinte lema elementar.
Lema 7.1. Sejam L : E → H uma aplicação linear sobrejetiva e
V ⊂ E o núcleo de L. Seja gH : H × H → R um produto interno.
O conjunto dos produtos internos em E tais que a restrição de L
ao complementar ortogonal de V é uma isometria é um conjunto
convexo.
Demonstração. Sejam g0 e g1 dois desses produtos internos e H0
o complementar ortogonal de V com respeito a g0 . Então o comple-
mentar ortogonal de F com respeito a g1 é o gráfico de uma aplicação
linear φ : H0 → F . Como L(x + φ(x)) = L(x) temos que a aplicaçao
x ∈ H0 7→ φ(x) + x ∈ H1 é uma isometria entre a restrição de g0 a
H0 e a restrição g1 a H1 . Logo o subspaço Ht que é o gráfico de tφ
é ortogonal a F com respeito ao produto interno gt = (1 − t)g0 + tg1
e a aplicação x ∈ H0 7→ tφ(x) + x ∈ Ht é uma isometria. Logo a
restrição de L a Ht é uma isometria.
O teorema abaixo foi provado em [Ehresmann1950] no caso em que
a fibra é compacta e no caso não compacto a prova que apresentamos
se encontra em [Michor1978].
Teorema 7.2. Todo fibrado π : E → B de classe C ∞ , r ≥ 2 possui
uma conexão de Ehresmann.
Demonstração. Pela teoria da dimensão de Lebesgue, [HW] pp. 54,
toda cobertura aberta de uma variedade M de dimensão m possui um
refinamento tal que a interseção de m+2 elementos desse refinamento
é sempre vazio. Logo existe uma coleção Φi : Ui × F → π −1 (Ui ) de
trivializações locais do fibrado π : E → M tal que {Ui } seja uma co-
bertura aberta de M com essa propriedade. Sejam gM uma métrica
164 [CAP. 7: FIBRADOS

riemanniana em M e gF uma métrica riemanniana completa na fibra


tı́pica F . Seja λi uma partição da unidade subordinada à cobertura
Ui e λ̂i = λi ◦ π a correspondente partição da unidade em E subordi-
nada a {π −1 (Ui )}. Em cada Ui × F consideremos a metrica gM × gF
P
e em E a métrica riemanniana g = i λ̂i Φi∗ (gM × gF ). Pelo lema
anterior, temos que π é uma submersão isométrica, isto é, a derivada
de π em cada ponto z leva o subespaçp horizontal Hz , ortogonal ao
espaço vertical Vz , isometricamente sobre o espaço T Mπ(z) munido
do produto interno gM (π(z)).
Para cada i seja gi = Φ∗i g a métrica riemanniana em Ui × F . Se
i
(x, y) ∈ Ui × F , denotamos por H(x,y) ⊂ T (U × F )(x,y) = T Mx × T Fy
o subespaço ortogonal a {0} × T Fy . A imagem desse subsespaço
por DΦi (x, y) é o subespaço horizontal HΦi (x,y) de E. Para cada
(x, v) ∈ T U e y ∈ F existe um único vetor Γx,v (y) ∈ T Fy tal
i
que (v, Γ(x,v) (y)) ∈ H(x,y) . A aplicação ((x, v), y) ∈ T U × F →
(y, Γ(x,v) (y)) ∈ T F é de classe C ∞ e, Γx,v é um campo de vetores de
classe C ∞ em F .
1
Seja Vi = {x ∈ Ui ; λi (x) ≥ m+2 }. Para cada x ∈ M existem no
maximo m + 2 elementos da partição {Ui } que contém x. Como
1
P
i λ i (x) = 1 existe pelo menos um i tal que λi (x) > m+2 . Logo
{Vi } é uma cobertura aberta de M .
Afirmamos que se γ : [0, 1] → Vi é uma curva de classe C ∞ e y ∈ F
então existe uma única curva γ̂y : [0, 1] → Vi × F tal que π1 ◦ γ̂ = γ.
Alem disso a aplicação (t, y) 7→ γ̂y (t) é de classe C ∞ .
De fato, a aplicação (t, y) 7→ (1, Γγ(t),γ 0 (t) (y)) é um campo de vetores
em [0, 1] × F e a curva γ̂(t) = (γ(t), γ̃(t)) satisfaz à afirmação se e
sòmente se (t, y) 7→ (t, γ̃(t)) é uma curva integral desse campo de
vetores. Para mostrar que essa curva integral está definida em todo
intervalo [0, 1] basta mostrar que no intervalo maximal [0, t0 ] a curva
integral está contida em um compacto. Seja l o comprimento da curva
γ na métrica gM . Como a métrica em F é completa, temos que o
conjunto K dos pontos p de F cuja distância riemanniana ao ponto y
é menor ou igual a (m + 2) × l é um compacto. Para concluir que
t0 = 1 basta mostrar que γ̃(t) ∈ K para todo t < t0 .
Como a projeção na primeira coordenada é uma submersão rieman-
niana, temos que o quadrado do vetor γ 0 (t) na métrica gM é igual ao
[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 165

quadrado da norma do vetor γ̂ 0 (t) na métrica gi , isto é,

gi (γ̂ 0 (t), γ̂ 0 (t)) = gM (γ 0 (t), γ 0 (t)).

Por outro lado,

gi (γ̂ 0 (t), γ̂ 0 (t)) = λi (Φi (γ̂(t)))(gM (γ 0 (t), γ 0 (t)) + gF (γ̃ 0 (t), γ̃ 0 (t)))+
X
+ λj (Φi (γ̂(t)))(gM × gF )((Φ−1 0 −1
j ◦ Φi )∗ (γ̂ (t)), (Φj ◦ Φi )∗ (γ̂ (t)))
0

j6=i

≥ λi (Φi (γ̂(t))gF (γ̃ 0 (t), γ̃ 0 (t)) ≥


1
≥ gF (γ̃ 0 (t), γ̃ 0 (t))
m+2
R t0 p
Como 0 gM (γ 0 (t), γ 0 (t))dt < l se t0 < 1, temos que o compri-

mento da curva t 7→ γ̃(t) na metrica gF é menor ou igual a m + 2×l
e, portanto γ̃(t) ∈ K para todo t < t0 o que prova que t0 = 1.
Se γ : [0, 1] → M é uma curva de classe C ∞ então existe uma partição
0 < t1 < · · · < tn = 1 tais que a imagem de cada um dos intervalos
[tj , tj+1 ] está contido em um único elemento da cobertura Vi . Usando
a afirmação acima em cada um desses intervalos concluı́mos indutiva-
mente que existe um único levantamento horizontal da curva por um
ponto da fibra sobre o ponto inicial da curva e, o transporte paralelo
é um difeomorfismo de classe C ∞ .

Observação 7.1. Para simplificar a exposição estamos considerando


apenas fibrados e conexôes de classe C ∞ . Podemos também consi-
derar fibrados de classe C r com r ≥ 2. A prova do teorema acima
fornece a existência de conexões de Ehresmann de classe C r−1 e o
transporte paralelo é de classe C r−1 .

Teorema 7.3. [Levantamento de homotopia] Sejam π : E → M


e π 0 : E 0 → M 0 fibrados de classe C r , r ≥ 1 . Se (t, x) ∈ [0, 1] 7→
ft (x) ∈ M 0 é uma homotopia C r−1 e existe um levantamento fˆ0
de f0 de classe C r−1 então existe uma homotopia de classe C r−1 ,
(t, z) ∈ [0, 1] × E 7→ fˆt (z) ∈ E 0 tal que π 0 ◦ fˆt = ft ◦ π

Demonstração. Consideremos em π 0 : E 0 → M 0 uma conexão de


Ehresmann. Se z ∈ E seja t 7→ fˆt (z) o levantamento horizontal da
166 [CAP. 7: FIBRADOS

curva t 7→ ft (π(z)) pelo ponto fˆ0 (z). Como esta curva depende dife-
renciavelmente de z e o levantamento é localmente a curva integral de
um campo de vetores que depende diferenciavelmente do parâmetro
temos que fˆt é de classe C r−1 nas variáveis (t, z).
Corolário 7.4. Seja π : E → M um fibrado de classe C r , r ≥ 2.
Se fi : M → M 0 são aplicações C r−1 homotópicas, então existe um
isomorfismo de classe C r−1 entre os fibrados f0∗ E → M e f1∗ E → M .
Demonstração. Seja F : [0, 1] × M → M 0 uma homotopia de classe
C r−1 entre f0 e f1 . Seja it : M → [0, 1]×M a aplicação it (x) = (t, x).
Consideremos os fibrados F ∗ E → [0, 1] × M e i∗0 (F ∗ (E)) → M que
é igual ao fibrado f0∗ (E) → M uma vez que f0 = F ◦ i0 . Como a
aplicação fibrada î0 : i∗0 (F ∗ E) → F ∗ E que recobre i0 leva cada fibra
difeomorficamente em uma fibra e a aplicação (t, x) ∈ [0, 1] × M 7→
(t, x) ∈ [0, 1] × M é uma homotopia entre i0 e i1 ela é recoberta por
uma homotopia î∗t : i∗0 F ∗ E → F ∗ E. Portanto i∗1 é um isomorfismo
entre os fibrados f0∗ E → M e o fibrado f1∗ E → M

Corolário 7.5. Um fibrado sobre uma base contrátil é trivial.


Demonstração. A identidade de M é diferenciavelmente homotópica
a uma aplicação constante e o pull-back do fibrado por uma aplicação
constante é o fibrado trivial.
A seguir vamos considerar fibrados que possuem uma estrutura
extra associada a um grupo de Lie.
Definição 7.4. Sejam G um grupo de Lie, M uma variedade e {Ui }
uma cobertura aberta de M . Um cociclo em M com valores em G é
uma famı́lia de funções δij : Ui ∩ Uj → G de classe C ∞ satisfazendo

δik (x) = δjk (x) · δij (x) ∀ x ∈ Ui ∩ Uj ∩ Uk .

Como vimos no exemplo 1.3, um atlas {φi : U ⊂ M → Ũi ⊂ Rm


define um cociclo em M com valores no grupo linear Gl(n, R):

δij (x) = D(φj ◦ φ−1


i )(φi (x))

Lembramos que uma ação de um grupo de Lie G em uma vari-


edade F é um homomorfismo ρ : G → Dif∞ (F ) tal que a aplicação
[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 167

G × F → F , (g, x) 7→ ρ(g)(x), é de classe C ∞ . No caso de F ser


um espaço vetorial e ρ(g) um isomorfismo linear para todo g ∈ G,
dizemos que ρ é uma representação do grupo G. Uma ação é dita
efetiva se ρ é um homomorfismo injetivo, isto é, se ρ(g)(x) = x para
todo x ∈ F , então g = e.

Definição 7.5. Sejam π : E → M uma fibração localmente trivial


com fibra F , {Ui } uma cobertura trivializante e ρ : G → Dif∞ (F )
uma ação efetiva C ∞ de um grupo de Lie G sobre a fibra F . Dizemos
que (E, M, F, π, ρ) é um fibrado com grupo estrutural G se, para cada
par i, j com Ui ∩ Uj 6= ∅, existe uma aplicação δij : Ui ∩ Uj → G de
−1
classe C ∞ tal que ρ(δij (x)) = ψj,x ◦ ψi,x para todo x ∈ Ui ∩ Uj . As
funções ρij = ρ ◦ δij são chamadas funções de transição do fibrado.
Nesse caso, as mudanças ficam Φj ◦ Φ−1 i (x, y) = (x, ρij (x)(y)),
em que ρij = ρ ◦ δij . Como ρ é um homomorfismo injetivo, é fácil
verificar que
δik (x) = δjk (x) · δij (x)
para todo x ∈ Ui ∩ Uj ∩ Uk . Portanto a famı́lia de aplicações δij é
um cociclo com valores em G.
A famı́lia de difeomorfismos {Φi : Ui × F → π −1 (Ui ) é chamada de
um atlas trivializador do fibrado. Todos atlas trivializador está con-
tido em um atlas trivializador maximal.
Seja x ∈ M e Ex = π −1 (x) a fibra pelo ponto x. Se Φi : U × F →
π −1 (U ) pertence ao atlas maximal do fibrado e x ∈ U então a
aplicação y ∈ F 7→ Φ(x, y) ∈ Ex é um difeomorfismo. Seja Px o
conjunto de todos esses difeomorfismos. Como a ação ρ é efetiva, se
f, g ∈ Px então existe um único g ∈ G tal que g = f ◦ ρ(g). Por outro
lado, como o atlas trivializante é maxima, se f ∈ Px e g ∈ G então
f ◦ ρ(g) ∈ Px .
Seja P = ∪x Px e p : P → M a projeçao que p(f ) = x se e somente se
f ∈ Px . Temos então uma ação à direita do grupo G em P :

P ×G→P

dada por f ∈ Px 7→ f ◦ ρ(f ) ∈ Px .


168 [CAP. 7: FIBRADOS

Proposição 7.6. A aplicação p : P → M é um fibrado com grupo


estrutural G e a ação é de classe C ∞ .
Demonstração. Seja Φi : Ui × F → π −1 (Ui ) um atlas trivializa-
dor do fibrade π : E → M . Para cada x ∈ Ui , seja σi (x) ∈ Px o
difeomorfismo x ∈ F 7→ Φi (x, y) ∈ Ex . Seja

Ψi : Ui × G → p−1 (Ui )

a aplicação
Ψi (x, g) = σi (x) ◦ ρ(g).
Temos que Ψi é uma bijeção e

Ψ−1
j ◦ Ψi : (Ui ∩ Uj ) × G → (Ui ∩ Uj ) × G

é a aplicação (x, g) 7→ (x, f ◦g.δij (x). Logo existe uma única estrutura
de variedade em P tal que Ψi seja um difeomorfismo para cada i.
Com essa estrutura p é C ∞ , a ação é C ∞ e a famı́lia Ψi é um atlas
trivializante.
. Dizemos que p : P → M é of fibrado principal associado ao
fibrado π : E → M . Mais geralmente, um fibrado definido por um
cociclo em M com valores no grupo de Lie G, cuja fibra é o próprio
G e a ação é dada pelas translações à esquerda no grupo é chamado
de fibrado principal. Todo fibrado principal tem uma ação à direita
do grupo G no espaço total do fibrado tal que a órbita por um ponto
coincide com a fibra desse ponto e o grupo age transitivamente e
efetivamente em cada fibra. Reciprocamente, se o grupo age à direita
no espaço total de um fibrado, sem pontos fixos, e cada órbita coincide
com a fibra então o fibrado é um fibrado principal com grupo G.
Seja π : E → M um fibrado associado ao fibrado principal p : P →
M e à ação ρ : G → Dif(F ). Se a fibra tı́pica F possui uma estrutura
que é preservada pela ação ρ então cada fibra Ex possui essa estrutura
que varia diferenciavelmente com o ponto x: cada difeomorfismo f ∈
Px é um isomorfismo da estrutura de F na estrutura de Ex . Assim,
se F é um espaço vetorial e ρ é uma representação de G, isto é,
ρ(g) é um isomorfismo para todo g, então π : E → M é um fibrado
vetorial. Nesse caso, o espaço das seções C ∞ , isto é, aplicações de
classe C ∞ σ : M → E tais que π ◦ σ é a identidade de M , é também
[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 169

um espaço vetorial. Também, se F é um grupo de Lie e ρ(f ) é um


isomorfismo para todo g então cada fibra Ex tem uma estrutura de
grupo e o espaço das seções tem uma estrutura de grupo. Um outro
exemplo, se F é uma variedade riemanniana então em cada fibra
existem uma métrica riemanniana gx que varia diferenciavelmente
com x no sentido que se σ1 , σ2 : M → E são seçoes de classe C ∞ então
a aplicação x ∈ M 7→ gx (σ1 (x), σ2 (x))ıR é de classe C ∞ . Veremos a
seguir vários exemplos dessas situações.
Veremos agora que um fibrado com grupo estrutural é essencial-
mente determinado pelas suas funções de transição.
Teorema 7.7. Sejam G um grupo de Lie, F uma variedade, ρ uma
ação C ∞ de G em F e {δij : Ui ∩ Uj → G}i,j um cociclo em uma
variedade M . Então existe um fibrado π : E → M com fibra F ,
grupo estrutural G e funções de transição ρij = ρ ◦ δij .
Demonstração. Seja E b a união disjunta ` (Ui × F ) e π b→M
b:E
i
definida por πb(x, v) = x para (x, v) ∈ Ui × F . Definimos em E b a
relação
(x, v) ∼ (y, w) ⇔ x = y e w = ρij (x)v se x ∈ Ui ∩ Uj .
Como δij é um cociclo, a relação ∼ é de equivalência (verificar!).
b → E a aplicação
Seja E o conjunto das classes de equivalência e q : E
quociente. Munindo E da topologia quociente, temos que existe uma
única aplicação contı́nua π : E → M tal que o diagrama abaixo
comuta

q π̂
 
E
π /M
Ψ
e, para cada i, a aplicação Ui × F −−→ i
π −1 (Ui ) ⊂ E definida pela
composta de q com a inclusão Ui ×F ⊂ E b é um homeomorfismo. Pela
definição da relação de equivalência, segue que o homeomorfismo
Ψ−1
j ◦ Ψi : (Ui ∩ Uj ) × F → (Ui ∩ Uj ) × F

é dado por
(x, v) → (x, ρij (x)(v)).
170 [CAP. 7: FIBRADOS

Existe portanto uma única estrutura de variedade em E satisfazendo


às condições do teorema.

Exercı́cio 7.1. Seja E um espaço topológico Hausdorff com base


enumerável de abertos. Sejam {Wi } uma cobertura aberta de E e
para cada i seja Φi : Wi → Ni um homeomorfismo de Wi sobre uma
variedade Ni . Se Φ−1
j ◦ Φi : Φi (Wi ∩ Wj ) ⊂ Ni → Φj (Wi ∩ Wj ) ⊂ Nj
são difeomorfismos, então E tem uma única estrutura de variedade
para a qual as aplicações Φi são difeomorfismos.

Proposição 7.8. Seja π : E → M um fibrado com um grupo estru-


tural G, fibra F , cociclo δij : Ui ∩ Uj → G e ação ρ : G → Dif(F ).
Podemos identificar uma seção X de π com uma famı́lia Xi : Ui → F
de aplicações C k satisfazendo a seguinte a condição de compatibili-
dade
x ∈ Ui ∩ Uj ⇒ Xj (x) = ρij (x)Xi (x) .

Demonstração. Exercı́cio.

Observação: No caso em que E é um fibrado vetorial sobre M , sendo


a fibra V um K-espaço vetorial com K = R ou C, o conjunto de seções
de classe C k é um K-espaço vetorial e também um C ∞ (M )-módulo
com as operações definidas ponto a ponto. Denotamos este espaço de
seções por Γk (E). Afirmamos que Γk (E) tem dimensão infinita. De
fato, fixando i e tomando Xi : Ui → V uma função C ∞ que anula
fora de um compacto de Ui , podemos definir Xj : Uj → V para cada
j como sendo 0 se x ∈ / Ui e igual a ρij (x)Xi (x) se x ∈ Ui ∩ Uj , que
é portanto uma seção de E de classe C k . Se a fibra tem um produto
interno que é preservado por todo ρ(g) então cada fibra ı−1 (x) tem
um produto interno < . >x que varia diferenciavelmente com o ponto
base, no sentido que para todo par de seções locais σ1 , σ2 a aplicação
x 7→< σ1 (x), σ2 (x) >x é C ∞ .
Se F é um espaço vetorial munido de um produto interno e o
grupo age por transformações ortogonais então para cada ponto x
da base temos um produto interno h., .ix na fibra π −1 (x) que varia
diferenciavelmente no sentido que se σi , i = 1, 2 são seções do fibrado
então a aplicação x ∈ M 7→ hσ1 (x), σ2 (x)ix ∈ R é diferenciavel. Di-
zemos então que π : E → M é um fibrado riemanniano. Por outro
lado, se π : E → R é um fibrado vetorial, podemos, usando uma
[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 171

partição da unidade em M , construir uma estrutura de fibrado rie-


manniano em π : E → M , da mesma forma que construimos metricas
riemannianas no fibrado tangente. Usando essa estrutura podemos
reduzir o grupo estrutural do fibrado de Gl(n, R) para O(n). De
fato, para cada trivialização local de π −1 U associamos seções locais
X1 , . . . , Xk tais que para cada x ∈ U , X1 (x), . . . , Xk (x) é uma base de
π −1 (x). Ortogonalizando essa base obtemos seções Y1 , . . . , Yk . Temos
então uma nova famı́lia de trivializações locais: U × Rk → π −1 (U )
Pk
(x, y) 7→ i=1 yi Yi (x). As correspondentes funções de transição de-
finem um cociclo com valores no grupo ortogonal.
Analogamente, se a fibra é um espaço vetorial complexo munido de
um produto hermitiano invariante pela ação.
Um outro exemplo da mesma ideia: se S0 ⊂ F é uma subvariedade
invariante pela ação, isto é, ρ(g)(S) = S para todo g então existe
uma subvariedade S ⊂ M tal que a restrição de π a S é um fibrado
com fibra S0 .

Nos exemplos abaixo consideraremos o cociclo δij com valores em


GL(m, R) definido por um atlas em M como anteriormente.

Exemplo 7.2. Considere a ação trivial ρ : GL(m, R) → Dif(Rm )


dada por ρ(A) = A. Então o fibrado vetorial correspondente é o
fibrado tangente de M e as seções C k são exatamente os campos de
vetores C k em M .

Exemplo 7.3. (Fibrado de Tensores)


Um tensor do tipo (r, k) em um R-espaço vetorial V de dimensão
finita é uma aplicação multilinear

T : V ∗ × ... × V ∗ × V × ... × V → R.
| {z } | {z }
r vezes k vezes

O conjunto T (r,k) (V ) dos tensores do tipo (r, k) é um R-espaço veto-


rial. Temos identificações canônicas T (0,0) (V ) = R, T (1,0) (V ) = V e
T (0,1) (V ) = V ∗ .

Dizemos que um tensor T do tipo (0, k) é simétrico se

T (vσ(1) , ..., vσ(k) ) = T (v1 , ..., vk )


172 [CAP. 7: FIBRADOS

para toda permutação σ de k elementos. Denotamos o subespaço dos


tensores simétricos por Sk (V ).

No capı́tulo 5, quando lidamos com formas diferenciais, já conside-


ramos as funções k-lineares alternadas em Rm , que nessa linguagem
nada mais são do que tensores T do tipo (0, k) que satisfazem
T (vσ(1) , ..., vσ(k) ) = sinal(σ)T (v1 , ..., vk )
para toda permutação σ de k elementos, em que sinal(σ) é +1 se a
permutação σ é par e −1 caso contrário. Denotamos o subespaço
desses tensores por Λk (Rm )∗ .

O grupo linear GL(m, R) age em T (r,k) (Rm ) da seguinte maneira:


para cada A ∈ GL(m, R) e T um tensor do tipo (r, k) definimos
A · T (ϕi , vj ) = T (ϕi ◦ A, A−1 · vj ).
Como esta ação é linear, o fibrado correspondente sobre M é vetorial,
chamado o fibrado de tensores em M e denotado por T (r,k) (M ). A
fibra sobre um ponto x ∈ M pode ser identificada com T (r,k) (T Mx ).
Uma seção deste fibrado é chamada um campo de tensores em M e
coincide com a definição no final da seção 4 do capı́tulo 5. Devido as
identificações nos casos de dimensão mais baixa, o espaço de seções
de T (0,0) M nada mais é do que C ∞ (M ) e as seções de T (1,0) M são os
campos de vetores em M . As seções do fibrado dos tensores do tipo
(0, k) anti-simétricos, denotado por Λk (T M )∗ , nada mais são do que
k-formas diferenciais em M . Note que o fibrado Λ1 (T M )∗ é então o
fibrado cotagente T ∗ M .

Outro caso particular é tomar C+ (Rm ) ⊂ S2 (Rm ) o subconjunto das


formas bilineares que são positiva definidas. Então C+ (Rm ) é um
π
cone aberto em S2 (Rm ). O fibrado correspondente S2 (T M ) − → M
é um fibrado vetorial que contém C+ (T M ) como um subconjunto
aberto. Uma seção C ∞ de S2 (T M ) com valores em C+ (T M ) é exa-
tamente uma métrica Riemanniana em M .
Exemplo 7.4. (O fibrado dos referenciais)
Seja ρ : GL(m, R) → Dif(GL(m, R)) a ação definida por
ρ(A)(B) = A.B.
[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 173

Fixando uma base de Rm , podemos representar B por uma matriz


inversı́vel. As colunas de B ∈ GL(m, R) definem uma nova base de
Rm . Podemos portanto identificar GL(m, R) com o espaço das bases
de Rm e ρ(A) pode ser interpretada como uma mudança de base. A
fibra sobre um ponto x do fibrado correspondente π : R(T M ) → M
pode ser identificada com o espaço das bases de T Mx . Esse fibrado é
chamado o fibrado de referenciais de M . Assim, seção local em um
aberto U ⊂ M é uma m-upla de campos de vetores Xi : U → T M , de
classe C ∞ , tais que para cada x ∈ U o conjunto {X1 (x), . . . , Xm (x)}
é uma base de T Mx .

Observação: Se um G-fibrado principal π : E → M possui uma


seção global σ : M → E, de classe C ∞ , então existe um difeomorfismo
Φ : M × G → E tal que o diagrama abaixo comuta

M ×G
Φ /E

π1 π
 
M

De fato, basta tomar Φ(x, g) = σ(x) · g, com o produto por g signifi-


cando a ação livre e transitiva à direita de G em E. Logo um fibrado
principal não trivial não possui seção global.

Exemplo 7.5. O fibrado dos referenciais de M é um fibrado principal


com grupo estrutural GL(m, R).

Exemplo 7.6. (O fibrado dos referenciais ortonormais)


Seja M uma variedade Riemanniana orientada e fixe {ψi : Ui ⊂ M →
Ũi ⊂ Rm }i∈I um atlas positivo de M .

Para cada i ∈ I, sejam X1i , ..., Xm


i
os campos de vetores em Ui tais

que Dψi · Xj (x) = ∂xj . Sejam Y1i , . . . , Ymi : Ui → T M os campos de
i

vetores obtidos pelo processo de ortogonalização de Gram-Schmidt,


174 [CAP. 7: FIBRADOS

isto é,

X1i (x)
Y1i (x) =
X i (x)
1 x
..
.
r−1
Xri (x) − < Xji (x), Yji (x) >x Yji (x)
P
j=1
Yri (x) =
r−1
i i i
i P
Xr (x), − < Xj (x), Yj (x) >x Yj (x) .

j=1

Temos então que os campos Yji são de classe C ∞ e, para cada x ∈ Ui ,


Y1i (x), . . . , Ymi (x) é uma base ortonormal de T Mx . Como o atlas é
positivo, se x ∈ Ui ∩ Uj então as bases ortonormais Y1i (x), . . . , Ymi (x)
e Y1j (x), . . . , Ymj (x) definem a mesma orientação de T Mx . Logo a
matriz de mudança de base Φij (x) está em SO(m). É fácil verificar
que {Φij : Ui ∩ Uj → SO(n)} é um cociclo em M . O fibrado principal
associado a esse cociclo é chamado de fibrado dos referenciais orto-
normais de M , isto porque é possı́vel mostrar que existe uma bijeção
do espaço total desse fibrado com o conjunto

{(x, vi , . . . , vm ); x ∈ M, [v1 , . . . , vm ] base ort. positiva de T Mx }.

Exemplo 7.7. Fibrado dos referenciais de um fibrado vetorial


Seja q : E → M um fibrado vetorial de posto n, isto é, as fibras tem
dimensão n. Seja

P = {(x; v1 , . . . , vn ); x ∈ M e (vi . . . , vn ) é base de q −1 (x)}

então π : P → M , (x; v1 , . . . , vn ) 7→ x tem uma estrutura de fibrado


principal com grupo GL(n, R). Por outro lado, o fibrado vetorial é o
fibrado associado a π : P → M e à ação natural de GL(n, R) em Rn ).
Exemplo 7.8. Seja q : E → M um fibrado vetorial munido de uma
métrica riemanniana, isto é, um produto interno em cada fibra que
varia suavemente com o ponto base no sentido que, para quaisquer
seções C ∞ σi : M → E, i=1,2, a função x 7→< σ1 (x), σ2 (x) >x é
C ∞ . Como no exemplo 7.4, podemos considerar o fibrado principal
[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 175

π : O(E) → M cuja fibra pelo ponto x é o espaço dos referenciais


ortonormais da fibra pelo ponto x cujo grupo estrutural é o grupo
das matrizes ortogonais O(n).
O fibrado vetorial é orientado se cada fibra possui uma orientação
que varia continuamento no sentido que para cada x ∈ M e n seções
locais σ1 , . . . , σn em uma vizinhança de x que são linearmente in-
dependentes nessa vizinhança, então σ1 (y), . . . , σn (y) tem a mesma
orientação para todo y proximo de x. Nesse caso podemos considerar
of fibrado principal π : O+ (E) → M cuja fibra pelo ponto x é o espaço
dos referenciais ortonormais positivos. Nesse caso o grupo estrutural
é SO(n).
Analogamente podemos considerar um fibrado hermitiano, isto é, um
fibrado complexo de posto n munido de um produto hermitiano em
cada fibra que varia suavemente com o ponto na base. Nesse caso
temos um fibrado principal com grupo estrutural U (n), o grupo das
matrizes complexas unitárias.
Usando uma partição da unidade na base podemos construir uma
metrica riemanniana em todo fibrado vetorial real e uma estrutura
hermitiana em todo fibrado complexo.

Exemplo 7.9. Considere a ação de C\{0} sobre C2 \{0} dada por

C2 \{0} × C \ {0} −→ C2 \ {0}


((z, w), λ) 7−→ (λz, λw).

Como vimos anteriormente, o espaço de órbitas é CP1 ≈ S 2 e a


restrição da aplicação quociente à esfera unitária S 3 é uma fibração
localmente trivial com fibra S 1 . A ação acima se restringe a uma ação
à direita de S 1 em S 3 , a qual preserva as fibras e age transitivamente
sem pontos fixos em cada fibra.

Exemplo 7.10. Analogamente ao exemplo anterior, temos a fibração


localmente trivial π : S 7 ⊂ H2 → S 4 = HP1 com grupo S 3 , o qual,
identificado com o conjunto dos quatérnios unitários, age à direita
em S 7 por multiplicação quaterniônica

S 7 × S 3 −→ S7
((z, w), q) 7−→ (z.q, w.q).
176 [CAP. 7: FIBRADOS

Exemplo 7.11. (Pull-back de fibrados.)


Seja π : E → M um fibrado com grupo G associado ao cociclo {δij :
Ui ∩ Uj → G} e a ação ρ : G → Dif∞ (F ). Seja f : N → M
uma aplicação C ∞ . Então a famı́lia {Vi = f −1 (Ui )} é uma cobertura
aberta de N e as aplicações δ̃ij : Vi ∩Vj → G definidas por δ̃ij = δij ◦f
definem um cociclo em N . O fibrado sobre N associado a esse cociclo
ρ
e à mesma ação ρ é denotado por f ∗ (E) −
→ N e é chamado o pull-back
de E por f . Existe uma aplicação diferenciável fb : f ∗ (E) → E tal
que o diagrama abaixo comuta


f ∗ (E) /E

ρ π
 
N
f
/M

e fˆ restrita a cada fibra de f ∗ (E) é um difeomorfismo sobre a fibra


correspondente de E. Se π : E → M é um fibrado vetorial, então
fb é um isomorfismo linear em cada fibra. Se E é um fibrado prin-
cipal então f ∗ (E) também é um fibrado principal e a aplicação fˆ é
equivariante, isto é, fˆ(y 0 g) = fˆ(y)0 g.

Exemplo 7.12. (Soma direta e produto tensorial.)


πk
Considere Ek −→ M , k = 1, 2, fibrados vetoriais associados a um
mesmo cociclo δij : Ui ∩ Uj → G em M e as representações ρk : G →
GL(Vk ). As aplicações

ρ1 ⊕ ρ2 : G → GL(V1 ⊕ V2 )
ρi ⊗ ρ2 : G → GL(V1 ⊗ V2 )

definidas por

ρ1 ⊕ ρ2 (g)(x ⊕ y) = ρ1 (g)(x) ⊕ ρ2 (g)(y)


e
ρ1 ⊗ ρ2 (g)(x ⊗ y) = ρ1 (g)(x) ⊗ ρ2 (g)(y)

são representações de G e os fibrados vetoriais associados são deno-


tados por E1 ⊕ E2 e E1 ⊗ E2 . As fibras por um ponto x ∈ M são
isomorfas a π1−1 (x) ⊕ π2−1 (x) e π1−1 (x) ⊗ π2−1 (x) respectivamente.
[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 177

Exemplo 7.13. (Fibrado Universal)


Consideremos o conjunto U (n, k) dos pares (V, v) onde V ⊂ Rn é um
subespaço de dimensão k e v é um vetor em V e defina π : U (n, k) →
G(n, k) como a projeção (V, v) 7→ V . Então U (k, n) é uma subvarie-
dade de G(k, n) × Rn e π é um fibrado vetorial de posto k. Para ver
isso, vamos mostrar que todo ponto da Grassmanniana possui uma
vizinhança W onde existem k funções b1 , . . . , bk : W → Rn , de classe
C ∞ , tais que para cada B ∈ W , b1 (B), . . . , bk (B) é uma base orto-
normal de B. Para mostrar isso, seja V ∈ G(n, k) e fixe v1 , ..., vk uma
base ortonormal de V . Uma vizinhança básica de V na topologia de
G(n, k) é o conjunto {B ∈ G(n, k); B ⊕ V ⊥ = Rn }. Daı́ dado B nesta
vizinhança, fazemos a projeção ortogonal da base {vi } em B e defini-
mos cada bi (B) como o i-ésimo vetor obtido após o processo de orto-
aplicação W ×Rk → W ×Rn
normalização da base obtida em B. Daı́ a P
k
que a cada par (B, x) associa o ponto (B, j=1 xj bj (B)) é um mergu-
∞ −1
lho C cuja imagem é π (W ), e portanto define uma trivialização
local.

Definição 7.6. Sejam π : P → M e π 0 : P 0 → M 0 fibrados principais


com grupo G. Um morfismo é um par de aplicações f : M → M 0 ,
fˆ: P 0 → P tais que π 0 ◦ fˆ = f ◦ π e f 0 (yg) = f 0 (y)g para todo g ∈ G.
Da equivariância segue-se que a restrição de f 0 a cada fibra é um
difeomorfismo sobre a correspondente fibra. Se a aplicacão f na base
é um difeomorfismo então f 0 também é um difeomorfismos. Nesse
caso dizemos que o morfismo é um isomorfismo e os fibrados são
equivalentes.
Dizemos que o fibrado principal π : P → M é trivial se é equivalente
ao fibrado principal M × G → M onde a ação à direita do fibrado
produto é ((x, g), h) 7→ (x, gh).

Como já observamos, um fibrado principal é trivial se e sòmente


se possui uma seção global.

Definição 7.7. Um morfismo de fibrados vetoriais π : E → M ,


π 0 : E 0 → M 0 é um par de aplicações (f 0 , f ) : (E, M ) → (E 0 , M 0 )
tais que π 0 ◦ f 0 = f ◦ π e a restrição de f 0 a cada fibra é linear. Se f 0
é um difeomorfismo então dizemos que os fibrados são isomorfos.
178 [CAP. 7: FIBRADOS

Definição 7.8. Seja p : P → M um fibrado principal e µ : P × G →


P a correspondente ação à direita. Uma conexão principal é uma
aplicação C ∞ que associa a cada f ∈ P um subespaço horizontal
Hf ⊂ T Pf que é transversal ao espaço tangente à fibra pelo pont
f e é invariante pela ação µ: Dµg (f )Hf = Hµg (f ) , onde µg é o
difeomorfismo µg (f ) = µ(f, g).
Proposição 7.9. Uma conexão principal é uma conexão de Ehres-
mann e o transporte paralelo Γγ : Pγ(0) → Pγ(1) , ao longo de uma
curva γ : [0, 1] → M é um difeomorfismo equivariante.
Demonstração. Consideremos no fibrado trivial π : U × G × U uma
conexão invariante pelas transformaçõe µg : (x, y) 7→ (x, y.g). Se
v ∈ T Ux existe um único vetor Γ(x, v)(y) ∈ T Gy tal que o vetor
(v, Γ(x, v)(y)) ∈ T Ux × T Gy seja horizontal. Temos portanto, para
cada (x, v) ∈ T U um campo de vetores C ∞ em G que é invariante
pelas translações à direita: dg : y ∈ G 7→ y.g. Seja γ : [0, 1] → U uma
curva de classe C ∞ . Vamos mostrar que dado y0 ∈ G existe um único
levantamento horizontal γ̂ : [0, 1] → U ×G com γ̂(0) = (γ(0), y0 ). De-
vemos portanto mostrar a existência de uma curva γ̃ : [0, 1] → G tal
que (γ 0 (t), γ̃ 0 (t) seja um vetor horizontal para todo t e γ̃(0) = y0 .
Seja X o campo de vetores em [0, 1] × G definido por X(t, y) =
(1, Γ(γ(t), γ 0 (t)). Basta então mostrar que existe uma única curva in-
tegral t ∈ [0, 1] 7→ (t, γ̃(t)) do campo X passando pelo ponto (0, y0 ).
Como [0, 1] é compacto, existe  > 0 tal que para todo t0 ∈ [0, 1]
a curva integral de X pelo ponto (t0 , e) está definida no intervalo
[t0 − , t0 + ]. Por outro lado, pela invariância do campo X pela
famı́lia de difeomorfismos (t, y) 7→ (t, y.g) temos que a curva inte-
gral de X por um ponto (t0 , g) também está definida no intervalo
(t0 − , t0 + ) para todo g ∈ G. Tomando uma partição do inter-
valo [0, 1] por intervalos de comprimento  concluı́mos indutivamente
que a curva integral de X pelo ponto (0, y0 ) está definida em todo
intervalo [0, 1] e, portanto, γ tem um único levantamento horizontal,
como querı́amos mostrar.
Seja agora γ : [0, 1] → M uma curva C ∞ e f0 ∈ P na fibra sobre
o ponto γ(0). Tomemos uma partição 0 < t1 < . . . tn < 1 tal que
γ([tj , tj+1 ]) esteja contido em Uj ⊂ M tal que exista trivialização
Φj : Uj × G → p−1 (Uj ). Supondo indutivamento que o levantamento
horizontal de γ ja foi definido no intervalo [0, tj ], estendemos o levan-
[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 179

tamento para o intervalo [0, tj+1 ] usando a afirmação anterior.

Teorema 7.10. Todo fibrado principal tem uma conexão principal

Demonstração. Para construir uma conexão principal temos que


definir uma 1-forma diferencial ω em P com valores no fibrado vertical
com as seguintes propriedades:

1. µ∗g ω = ω, isto, é ω(mug (f ))(Dµg (f )).ξ) = Dµg (f )(ω(f ))(ξ)


para todo ξ ∈ T Pf ;

2. ω(f )(ξ) = ξ para todo ξ ∈ T Pf tangente à fibra pelo ponto f

Seja Φi : Ui ×G → p−1 (Ui ) um atlas trivializador do fibrado principal.


Como µig = Φ−1 i ◦ µg ◦ Φi é o difeomorfismo (x, h) 7→ (x, hg) temos
que a famı́lia de subespaços horizontais T Mx × {0} ⊂ T (Ui × G)x,g é
invariante pela ação da derivada de µig . Logo a imagem dessa famı́lia
pela derivade de Φi é uma famı́lia C ∞ de subespaços de T P |p−1 (Ui )
transversais aos espaços verticais e que é invariante pela derivada de
µg para todo g ∈ M . Logo se ωi (f ) é a projeção no espaço vertical
Vf cujo núcleo é esse subespaço horizontal satisfaz às duas condições
acima. Se λi é uma partição daPunidade subordinada à cobertura
{Ui } e λ̂i = p ◦ λi então ω = i λ̂i ωi satisfaz às duas condições
acima e, portanto, define uma conexão principal.

Observação 7.2. Uma conexão principal no fibrado principal p : P →


M define um transporte paralelo em cada fibrado associado π : E →
M . De fato, se γ : [0, 1] → M é uma curva C ∞ e t ∈ [0, 1] 7→ ft ∈ P é
o levantamento horizontal de γ então para cada z0 ∈ Eγ(0) , γ̂t (z0 ) =
ft ◦ f0−1 (z0 ) define o transporte paralelo em π : E → M . De fato
pode-se mostrar que o conjunto dos vetores tangentes a γ̂ no ponto
0 é um subespaço transversal ao espaço vertical e a famı́lia desses
subespaços é uma conexão de Ehresman. Tais conexões são conhe-
cidas como G-conexões. O transporte paralelo de uma G-conexão
preserva todas as estruturas que as fibras herdam da fibra tı́pica F .
Consequentemente os isomorfismos dos corolários 7.4, 7.5 preservam
as estruturas das fibras.
180 [CAP. 7: FIBRADOS

Utilizando as mesmas definições desse capı́tulo podemos conside-


rar também fibrados sobre espaços topológicos que não são necessari-
amente variedades. Nesse caso, um isomorfismo entre fibrados é um
homeomorfismo do espaço total que leva fibras em fibras preservando
a estrutura das fibras, isto é, no caso de fibrados vetoriais, sua res-
trição a cada fibra é um isomorfismo sobre a fibra imagem enquanto
que, no caso de fibrados principais’ é um homeomorfismo equivari-
ante. Se M é um espaço topológico e π : E → M × [0, 1] é um fibrado,
i : M → M × [0, 1] é a inclusão i(x) = (x, 1) e p : M × [0, 1] → M é a
projeção p(x, t) = x podemos considerar os fibrados i∗ (E) e p∗ i∗ (E).
Se o espaço topológico M é normal, localmente compacto e paracom-
pacto, então, [St], pagina 53, o fibrado é isomorfo ao fibrado p∗ i∗ (E).
Consequentemente, o pull-back de um fibrado por duas aplicações
homotópicas são isomorfos e um fibrado com base contrátil é trivial.
Mesmo quando a base é uma variedade C ∞ e o fibrado é C ∞ , a prova
em [St] fornece apenas um isomorfismo C 0 . No entanto, a partir desse
isomorfismo podemos obter um isomorfismo C ∞ usando os resulta-
dos de aproximação por aplicações C ∞ do capı́tulo 8. Nos resultados
que apresentamos nesse capı́tulo temos que assumir que o fibrado seja
pelo menos de classe C 2 . Usando os resultados de [St] e os teoremas
de aproximação do capı́tulo 8 podemos concluir que esses resultados
permanecem válidos para fibrados de classe C 1 .
Mostraremos também, ??, que se M uma variedade de dimensão m.
então existe n ∈ N tal que se π : E → M é um fibrado vetorial de
posto r então existe uma aplicação C ∞ f : M → G(n + r, r) tais que
o fibrado seja isomorfo ao pull-back do fibrado universal.

Exercı́cio 7.2. Sejam G um grupo de Lie e H ⊂ G um subgrupo.


Dizemos que H é um subgrupo de Lie se H é um grupo de Lie e a
inclusão ι : H → G é uma imersão. Mostre que se H é fechado, então
o espaço G/H das órbitas da ação H × G → G, (h, g) 7→ hg, munido
da topologia quociente é um espaço Hausdorff e que a aplicação quo-
ciente q : G → G/H é um H-fibrado principal.

Sugestão:

a) Mostre que se S ⊂ G é uma variedade transversal a H pela iden-


tidade e que intersecta H somente na identidade então existem vi-
[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 181

zinhanças S0 ⊂ S e U0 ⊂ H da identidade tais que a aplicação


U0 × S0 → G, (h, g) 7→ hg, é um difeomorfismo sobre uma vizinhança
da identidade em G.

b) Mostre que existe uma vizinhança S1 ⊂ S0 com a seguinte pro-


priedade: toda vez que g ∈ S1 e hg ∈ S1 , com h ∈ H, então h é a
identidade e, além disso, a aplicação H × S1 → G, (h, g) 7→ hg, é um
difeomorfismo sobre uma vizinhança aberta de H em G.
Exercı́cio 7.3. Uma variedade M com uma ação transitiva de classe
C ∞ de um grupo de Lie G é chamada de um espaço G-homogêneo.
Seja M um espaço G-homogêneo. Para cada x0 ∈ M definimos o
subgrupo de isotropia de x0 ∈ M como o subgrupo de Lie fechado
definido por Gx0 = {g ∈ G; ϕ(g, x0 ) = x0 }. Mostre que a aplicação
natural G/Gx0 → M , [g] 7→ g·x0 , é um difeomorfismo G-equivariante.
Deste modo, todo espaço G-homogêneo é da forma G/H para algum
subgrupo de Lie H fechado em G.
Exemplo 7.14. Variedades Homogêneas

a) Esferas: O grupo ortogonal O(n) age transitivamente na esfera


S n−1 ⊂ Rn e o grupo de isotropia de um ponto é o grupo ortogonal
O(n−1) ⊂ O(n) agindo no subespaço de dimensão n−1 ortogonal ao
ponto. Portanto, pelo exercı́cio anterior, S n−1 é o espaço homogêneo
O(n)/O(n − 1).

b) Grassmannianas
O grupo ortogonal O(n) age transitivamente na Grassmanniana G(n, k),
pois dados dois subespaços vetoriais de dimensão k em Rn existe uma
transformação ortogonal que leva um no outro. Por outro lado, uma
transformação ortogonal que deixa um subespaço L de dimensão k
invariante deixa também o seu complemento ortogonal invariante, o
que determina um elemento em O(k) e um elemento em O(n − k).
Reciprocamente, um par (A, B), onde A é uma transformação orto-
gonal de L e B é uma transformação ortogonal de seu complemento
ortogonal, definem uma transformação ortogonal de Rn que deixa
L invariante. Logo o grupo de isotropia de um elemento qualquer
L ∈ G(n, k) é isomorfo a O(k) × O(n − k). Assim a Grassmanni-
ana G(n, k) é o espaço homogêneo O(n)/O(k) × O(n − k). De forma
182 [CAP. 7: FIBRADOS

análoga, existe um difeomorfismo holomorfo entre a Grassmanniana


complexa e o espaço homogêneo U (n)/U (k) × U (n − k).

c) Variedades de Stiefel.
Sejam < ·, · > um produto interno em Rn ,

S(n, k) = {(e1 , . . . , ek ); ei ∈ Rn e < ei , ej >= δij }

e πk+1 : S(n, k+1) → S(n, k) a aplicação (e1 , . . . , ek+1 ) 7→ (e1 , . . . , ek ).


Em particular, S(n, 1) é a esfera unitária S n−1 e S(n, n) é o grupo
ortogonal SO(n).
Veremos que πk+1 : S(n, k + 1) → S(n, k) é um fibrado com fibra
S n−k−1 . De fato, tomando uma vizinhança V suficientemente pe-
quena de um ponto de S(n, k) podemos construir funções bj : V → Rn
de classe C ∞ , j = 1, 2, ..., n − k, tais que para cada (f1 , . . . , fk ) ∈ V ,
{bj (f1 , . . . , fk )}n−k
j=1 é uma base ortonormal do complemento ortogo-
nal do subespaço gerado por {f1 , . . . , fk }. Fixe (e1 , ..., ek ) ∈ S(n, k)
e (ek+1 , ..., en ) uma base ortonormal do complementar ortogonal do
subespaço gerado por (e1 , ..., ek ). Para cada (f1 , ..., fk ) ∈ S(n, k)
próximo projetamos ortogonalmente (ek+1 , ..., en ) no complemento
ortogonal do subespaço gerado por (f1 , ..., fk ) e ortogonalizamos a
base obtida.
A trivialização V × S n−k−1 → S(n, k) é a aplicação que associa ao
par ((e1 , . . . , ek ), (x1 , . . . , xn−k )) o ponto
 
n−k
X
e1 , . . . , ek , xj bj (e1 , . . . , ek ) .
j=1

É fácil ver que o grupo estrutural desse fibrado é O(n − k). O grupo
ortogonal O(n) age transitivamente em S(n, k) e o subgrupo de iso-
tropia de um ponto é o grupo O(n − k). Logo S(n, k) é o espaço
homogêneo O(n)/O(n − k). Como o grupo ortogonal O(k) age tran-
sitivamente e sem pontos fixos no espaço das bases ortonormais de
um subespaço vetorial de dimensão k, temos uma ação à direita
S(n, k) × O(k) → S(n, k) cujo espaço de órbitas é a Grassmaniana
G(n, k). A aplicação natural S(n, k) → G(n, k) que associa a k-upla
e1 , . . . , ek o subespaço gerado por estes vetores é um fibrado principal
com grupo O(k).
[SEC. 7.2: O FIBRADO DE JATOS 183

Exercı́cio 7.4. Seja π : E → M um fibrado vetorial sendo a fibra


V um C-espaço vetorial. Dizemos que π é um fibrado hermitiano
se cada fibra E possui um produto interno hermitiano que varia de
maneira C ∞ com o ponto, isto é, tal que para qualquer par de seções
σ1 , σ2 de E, a função hσ1 (x), σ2 (x)i é de classe C ∞ em M . Se E e
M são variedades complexas, π é holomorfa e as funções de transição
δij : Ui ∩ Uj → GL(n, C) são holomorfas dizemos que π é um fibrado
holomorfo. Neste caso tem sentido considerar seções holomorfas deste
fibrado. Mostre que todo fibrado vetorial holomorfo possui uma es-
trutura hermitiana de classe C ∞ e que se a base é compacta então o
espaço vetorial das seções holomorfas tem dimensão finita.

Sugestão: Mostre que a bola unitária no espaço das seções holomorfas


é compacta.

Exercı́cio 7.5. Seja M um variedade. Como vimos, uma seção de


T ∗ M = Λ1 T M ∗ é simplesmente uma 1-forma em M . Assim cada
função f : M → R de classe C ∞ define uma seção df : M → T ∗ M ,
definida por x 7→ (v ∈ T Mx 7→ dfx · v).

Por outro lado, mostre que não existe em geral uma “derivada se-
gunda”, isto é, uma seção d2 f : M → S2 (T M ) tal que para cada
carta local ψ : U ⊂ M → Ũ , d2 f |U = ψ ∗ (d2 (f ◦ ψ −1 )). Verifique
também que se dfx = 0, então uma tal forma bilinear d2 fx está bem
definida em x.

7.2 O Fibrado de jatos


Como vimos, não é possı́vel em geral definir derivadas de ordem su-
perior a 1 para funções entre variedades. Por outro lado, vale a
afirmação abaixo, cuja verificação deixamos como exercı́cio:

Sejam fi : Ui → Vi , i = 1, 2, aplicações de classe C r entre abertos


de espaços euclidianos e ϕ : U1 → U2 , ψ : V1 → V2 difeomorfismos C r .
Então se 0 ≤ k ≤ r, f1 e f2 têm as mesmas derivadas até a ordem k
em x ∈ U1 se, e somente se, ψ ◦ fi ◦ ϕ−1 tem as mesmas derivadas até
a ordem k em ϕ(x) (para k = 0 estamos dizendo simplesmente que o
184 [CAP. 7: FIBRADOS

valor das funções f1 e f2 em x são iguais).

Portanto a noção de “igualdade entre derivadas até ordem k” é


uma noção intrı́nseca, e faz sentido definı́-la em variedades, como fa-
remos a seguir. Sejam M e N variedades C ∞ e C k (M, N ) o espaço
das aplicações C k de M em N . Para cada p ∈ M definimos a seguinte
relação em C k (M, N ):

Dizemos que f1 ∼kp f2 se, e somente se, f1 (p) = f2 (p) = q e ψ◦fi ◦ϕ−1
tem as mesmas derivadas até a ordem k em ϕ(p) para algum par de
cartas locais ϕ e ψ em torno de p e q respectivamente.

Pela afirmação anterior, ∼kp é uma relação de equivalência. A


classe de equivalência de f é chamada de k-jato de f em p e denotada
por j k f (p). O conjunto

J k (M, N ) = {j k f (p); f ∈ C k (M, N ) e p ∈ M }

é chamado de espaço dos k-jatos de M e N . Temos também uma


projeção
π : J k (M, N ) → M × N
que associa a cada k-jato j k f (p) o par (p, q), onde q = f (p) com f
qualquer representante da classe de equivalência j k f (p).

Uma aplicação f : M → N de classe C r , com r ≥ k, induz uma


aplicação j k f : M → J k (M, N ) tal que o diagrama

J k (M, N )
C
π

jk f

M ×N
π2

M
f
/N

é comutativo. Vamos mostrar a seguir que π : J k (M, N ) → M × N


tem uma estrutura de fibrado com grupo estrutural de classe C ∞ e
[SEC. 7.2: O FIBRADO DE JATOS 185

que a função j k f é de classe C r−k .

Um candidato natural para a fibra é o espaço J k (m, n) dos k-jatos


em x = 0 das funções em C k (Rm , Rn ) que levam 0 em 0. Usando a
expressão do polinômio de Taylor de tais funções em torno da origem
obtemos um isomorfismo

J k (m, n) ≈ L(Rm , Rn ) × L2s (Rm ; Rn ) × · · · × Lks (Rm ; Rn ).

Seja Gk (m) ⊂ J k (m, m) o subconjunto aberto

Gk (m) = GL(m, R) × L2s (Rm ; Rm ) × · · · × Lks (Rm ; Rm ).

O conjunto Gk (m) tem uma estrutura de grupo de Lie, basta de-


finir o produto de dois polinômios de Taylor como o polinômio de
Taylor, até ordem k, da composição destes polinômios. O elemento
neutro deste grupo é o polinômio p(x) = x. Se p ∈ Gk (m), então o
inverso de p é o polinômio de Taylor, até ordem k, de uma inversa
local de p. De maneira semelhante, a composição de polinômios de
Taylor define uma ação do grupo de Lie Gk (m) × Gk (n) em J k (m, n).

Para obter uma estrutura de fibrado resta construir um cociclo


em M × N com valores em Gk (m) × Gk (n). Sejam {αi : Ui → Ũi } e
{βj : Vj → Ṽj } atlas em M e em N respectivamente e {ϕij = (αi , βj )}
o atlas associado em M × N . Considere cartas W(ij)1 = Ui1 × Vj1 e
W(ij)2 = Ui2 × Vj2 com W(ij)1 ∩ W(ij)2 6= ∅.

Se z = (x, y) ∈ W(ij)1 ∩ W(ij)2 , definimos δ(ij)12 (z) ∈ G(m) × G(n)


por (Pi(12) (x), Pj(12) (y)), em que

Pi12 (x) = polinômio de Taylor de α bi−1


b i2 ◦ α 1

Pj12 (y) = polinômio de Taylor de βbj2 ◦ βbj−1


1

com
α
bik (b x) − αik (x)
x) = αik (b
βbjk (b y ) − βjk (y).
y ) = βjk (b
Deixamos como exercı́cio a verificação da equação do cociclo. Te-
mos portanto que π : J k (M, N ) → M × N é um fibrado com fibra
186 [CAP. 7: FIBRADOS

J k (m, n) e grupo estrutural Gk (m)×Gk (n). A função j k f é de classe


C r−k . Para isso, fixe cartas ϕ : U → Ũ de M e ψ : V → Ṽ de N ,
com f (U ) ⊂ V , e f˜ a expressão de f nesse par de cartas. Então a
expressão de j k f em U é
 
x 7→ x, f˜(x), Df˜(x), D2 f˜(x), . . . , Dk f˜(x) ,

que é de classe C r−k .


Proposição 7.11. Seja S ⊂ J k (m, n) uma subvariedade invariante
pela ação do grupo Gk (m) × Gk (n). Então associada a S existe uma
subvariedade S(M, N ) ⊂ J k (M, N ) com

dim S(M, N ) = dim S + dim M

e que é um subfibrado de J k (M, N ), isto é, em cada trivialização


Φ : π −1 (Wi ) → Wi × J k (m, n) temos

S(M, N ) ∩ π −1 (Wi ) = Φ−1


i (Wi × S).

Demonstração. Exercı́cio.
Exercı́cio 7.6. Seja Si ⊂ L(Rm , Rn ) o conjunto das transformações
lineares de posto i. Mostre que Si é uma subvariedade de codimensão
(n − i) × (m − i). Se

Sbi = Si × L2s (Rm , Rn ) × · · · × Lks (Rm , Rn ) ⊂ J k (m, n),

então Ŝi (M, N ) ⊂ J k (M, N ) é uma subvariedade de mesma codi-


mensão.
Capı́tulo 8

Transversalidade

8.1 A topologia de Whitney em C r (M, N )


Sejam M e N variedades. Seja U ⊂ J r (M, N ) um aberto no fibrado
de jatos, com r ≥ 0. Definimos

Û = {f ∈ C r (M, N ); (j r f )(M ) ⊂ U }.

A famı́lia {Û ⊂ C r (M, N ); U ⊂ J r (M, N ) aberto} forma uma base


de uma topologia em C r (M, N ), chamada de topologia de Whitney.

Fixamos

dN : N × N → R+ e dr : J r (M, N ) × J r (M, N ) → R+

métricas completas tais que para todas f, g ∈ C r (M, N ) e x ∈ M


vale
dN (f (x), g(x)) ≤ dr (j r f (x), j r g(x)).
Para a existência de um tal par de métricas, basta tomar duas
métricas completas d e d0r e definir

dr (j r f (x), j r g(y)) = d0r (j r f (x), j r g(y)) + dN (f (x), g(y)).

Proposição 8.1. Para cada função contı́nua e positiva ε : M → R+


defina

V(f ; ε) = {g ∈ C r (M, N ); dr (j r g(x), j r f (x)) < ε(x) ∀ x ∈ M }.

187
188 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

Então a famı́lia {V(f ; ε)}ε é uma base de vizinhanças de f na topo-


logia de Whitney.
Demonstração. O conjunto Uε,f ⊂ J r (M, N ) definido por

j r g(x) ∈ Uε,f ⇔ dr (j r f (x), j r g(x)) < ε(x)

é uma vizinhança aberta de j r f (M ) e V(f ; ε) é o conjunto das funções


g tais que j r g(M ) ⊂ Uε,f , isto é, V(f ; ε) = Ûε,f . Logo V(f ; ε) é
uma vizinhança aberta de f . Por outro lado, dada uma vizinhança
V de f , existe um aberto U ⊂ J r (M, N ) tal que j r f (M ) ⊂ U e
Û ⊂ V. Seja M = ∪i Ki onde Ki é compacto e Ki ⊂ int Ki+1 . Como
U ⊂ J r (M, N ) é aberto e Ki \ int Ki−1 é compacto, existe εi > 0 tal
que se x ∈ Ki \ int Ki−1 e dr (j r g(x), j r f (x)) < εi então j r g(x) ∈ U .
Pelo lema 2.13 existe uma função C ∞ positiva ε : M → R+ tal que
ε(x) < εi para todo x ∈ Ki \ int Ki−1 . Logo V(f ; ε) ⊂ Û ⊂ V.
O r-jato na orı́gem de uma função C r f : Rm → Rn que leva a
orı́gem na orı́gem pode ser identificado com o polinômio de Taylor de
ordem r de f que é uma função polinomial p : Rm → Rn da forma
p(x) = (p1 (x), . . . , pn (x) onde
X
pj (x) = ajα xα αm
1 . . . xm
1

onde α = (αP1 , . . . , αm ) é um multi-indice, αl é um inteiro não nega-


m
tivo e |α| = l=1 αl ≤ r. Os coeficientes

1 ∂ |α| f j
ajα = (0).
α1 ! . . . αm ! ∂ x1 . . . ∂ αn xn
α 1

Ao par de cartas locais φ : U ⊂ M → Rm e ψ : V ⊂ N → Rn associ-


amos um difeomorfismo

θ : J r (Rm , Rn ) = Rm × Rn × J r (m, n) → π −1 (U × V )

que associa a (x̃, ỹ, p) o r-jato em φ−1 (x̃) da função f : M → N que


é constante e igual a ψ −1 (ỹ) no complementar de U e em U coincide
com ψ −1 ◦f˜◦φ onde fˆ: Rm → Rn é dada por f˜(x̃+x) = ỹ+λ(||x||)p(x)
onde λ : R → [0, 1] é C ∞ , identicamente igual a 1 na bola de raio 1 e
igual a zero fora da bola de raio 2.
[SEC. 8.1: A TOPOLOGIA DE WHITNEY EM C R (M, N ) 189

A seguir vamos descrever uma outra base de vizinhanças de uma


função f ∈ C r (M, N ). Começamos construindo, como já fizemos
várias vezes, famı́lias de cartas locais, φi : Ui ⊂ M → Rm , ψi : Vi ⊂
N → Rn tais que:
i)a falmı́lia Ui é localmente finita e o fecho Ui é compacto;
ii) Ui contém um compacto Ki e a famı́lia dos interiores de Ki é uma
cobertura aberta de M ;
iii) f (Ui ) ⊂ Vi .
Seja ρ = (ρi ) uma sequência de números positivos. Definimos Vρ
como o conjunto das funções g ∈ C r (M, N ) tais que
a) g(Ui ) ⊂ Vi ,
b) ||Dj (ψi ◦g◦φ−1 j −1
i )(x)−D (ψi ◦f ◦φi )(x)|| < ρi para todo x ∈ φi (Ki )
e para todo 0 ≤ j ≤ r.
Então Vρ (f ) é uma base de vizinhanças de f . Isto segue do fato
seguinte.

Proposição 8.2. Sejam φ : U ⊂ M → Rm , ψ : V ⊂ N → Rn cartas


locais. Seja
θ : J r (Rm , Rn ) → π −1 (U × V )
o difeomorfismo construido acima. Então

1. Seja d a função distância em J r (Rm , Rn ) tal θ é uma isometria e


seja d0 a métrica euclidiana no mesmo espaço. Dado o compacto
K = {(x, y, D1 , . . . , Dr ); x ∈ L1 , y ∈ L2 , ||Dj || ≤ L}, onde
L1 ⊂ Ũ , L2 ⊂ Ṽ são compactos, existe uma constante C ≥ 1
tal que
1 0
d (j, j 0 ) ≤ d(j, j 0 ) ≤ Cd0 (j, j 0 )
C
para todo j, j 0 ∈ K.

Demonstração. Segue do fato que duas distâncias associadas a


métricas riemannianas são comensuráveis em cada subconjunto com-
pacto, vejas exercı́cio 2.1. A distância d é associada a uma métrica
riemanniana e d0 é comensurável com a distância euclidiana.

Proposição 8.3. 1) Se M é compacta, então C r (M, N ) é um


espaço métrico completo com base enumerável de abertos (pos-
sui um subconjunto enumerável e denso).
190 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

2) Se M não é compacta, então nenhuma f ∈ C r (M, N ) possui


uma base enumerável de vizinhanças. Em particular, C r (M, N )
não é metrizável.
3) Se M não é compacta e fn ∈ C r (M, N ) é uma sequência que
converge a f ∈ C r (M, N ), então existe um subconjunto com-
pacto K ⊂ M e n0 ∈ N tal que para n ≥ n0 vale fn (x) = f (x)
para todo x ∈/ K.
Demonstração. 1) Se M é compacta, então

d(f, g) = sup{dr (j r f (x), j r g(x)); x ∈ M }

é finito e define uma métrica em C r (M, N ). As bolas de centro f


constituem uma base de vizinhanças de f na topologia de Whitney.
Seja fn ∈ C r (M, N ) uma sequência de Cauchy. Como

dN (fn (x), fm (x)) ≤ dr (j r fn (x), j r fm (x)) ≤ d(fn , fm ),

temos que {fn (x)} é uma sequência de Cauchy em N . Como N é


completo, a desigualdade acima implica que fn (x) → f (x) unifor-
memente para alguma função f ∈ C 0 (M, N ). Vamos ver agora que
f ∈ C r (M, N ) e que fn → f na topologia C r .

Sejam ϕi : Ui ⊂ M → Rm , ψi : Vi ⊂ N → Rn cartas locais de


M e N respectivamente tais que f (Ui ) ⊂ Vi e M = Wi , onde
Wi = ϕ−1i (B(0, 1)). Como M é compacta, podemos encontrar um
número finito de cartas locais com essas propriedades. Como fn → f
uniformemente, existe n0 tal que se n ≥ n0 , fn (ϕ−1
i (Ui ) ⊂ Vi . Para
cada i consideremos as aplicações

ψi ◦ fn ◦ ϕ−1
i : B(0, 2) −→ R
n

j
Dj (ψi ◦ fn ◦ ϕ−1 m n
i ) : B(0, 2) −→ Lsim (R , R ).

Como fn é sequência de Cauchy na métrica d, essas sequências são de


Cauchy, pela proposição 8.2. A primeira sequência converge a ψi ◦ f ◦
ϕ−1
i e as demais convergem a funções contı́nuas. Logo ψi ◦ f ◦ ϕ−1i é
de classe C r e suas derivadas até a ordem r são os limites das outras
sequências. Temos então que a sequência fn converge a f na métrica
d.
[SEC. 8.1: A TOPOLOGIA DE WHITNEY EM C R (M, N ) 191

Vamos encontrar agora uma base enumerável de abertos. Como


J r (M, N ) é uma variedade, sua topologia tem uma base enumerável
{Ui } de abertos. A famı́lia {Wj } composta por uniões finitas dos
Ui ’s é também uma famı́lia enumerável de abertos. Afirmamos que
os abertos Ŵj = {f ∈ C r (M, N ); j r f (M ) ⊂ Wj } formam uma base
de abertos. Seja Û ⊂ C r (M, N ) o aberto das funções f tais que
j r f (M ) ⊂ U . Seja g ∈ Û . Como j r g(M ) é compacto, podemos co-
brir j r g(M ) por um número finito dos Ui ’s todos contidos em U . A
união deles é um dos Wj e Ŵj ⊂ Û . Logo Û é a união dos conjuntos
Ŵj ⊂ Û .
2) Seja f ∈ C r (M, N ) e suponhamos por absurdo que exista uma base
enumerável Vi , i = 1, 2, . . . , de vizinhanças de f . Seja xi ∈ M uma
sequência tendendo a ∞, isto é, para todo subconjunto compacto K
de M existe iK tal que xi ∈ / K se i ≥ iK . Se εi > 0 é suficientemente
pequeno, existe fi ∈ Vi tal que dr (j r f (xi ), j r fi (xi )) > εi > 0.

Se ε : M → R+ é uma função contı́nua positiva tal que ε(xi ) < εi .


Então para cada i temos fi ∈ / V(f ; ε). Assim nenhuma vizinhança
Vi está contida em V(f ; ε), e portanto {Vi } não é base de vizinhanças.

3) Suponhamos que não exista tal compacto. Então existem sequências


xi → ∞ e ni → ∞ tais que
dr (j r f (xi ), j r fni (xi )) > εi > 0.
Seja ε : M → R+ uma função positiva tal que ε(xi ) < εi , então
fni ∈
/ V(f ; ε) para todo i.
Teorema 8.4. C r (M, N ) é um espaço de Baire.
Demonstração. No caso de M ser compacta vimos que C r (M, N )
é um espaço métrico completo e todo espaço métrico completo é um
espaço de Baire, veja proposição 2.15. Se M não é compacta podemos
escrever
[∞
M= Ki onde Ki ⊂ M é compacto e Ki ⊂ int Ki+1 .
i=1

Seja {Ai }i uma coleção enumerável de subconjuntos abertos e densos


em C r (M, N ). Suponhamos, por indução, que já construı́mos uma
função fi e vizinhança V(fi , εi ) tais que
192 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

1) V(fi , εi ) ⊂ V(fi , 2εi ) ⊂ Ai ∩ V(fi−1 , εi−1 ) ⊂ Ai ∩ ... ∩ A1 ;


2) εi (x) < 12 εi−1 (x) para todo x ∈ M .
Como Ai+1 é aberto e denso, temos que V(fi , εi ) ∩ Ai+1 é aberto e
não vazio. Portanto podemos tomar fi+1 e εi+1 satisfazendo 1), 2).

A restrição da sequência fi a cada compacto K é uma sequência


de Cauchy. Logo fi converge uniformemente em compactos a uma
função f que é C r pois, como na prova da Proposição 8.3, a sequência
j r fi também converge uniformemente em compactos. Se j > i temos
que
dr (j r fj (x), j r fi (x)) ≤ εi (x) ∀ x ∈ M.
Como dr (j r fj (x), j r f (x)) → 0, temos que
dr (j r f (x), j r fi (x)) < 2εi (x) ∀ x ∈ M,
i
T
e portanto f ∈ Aj para todo i.
j=1

Definição 8.1. Uma aplicação f : M → N é própria se para todo


compacto K ⊂ N , f −1 (K) é um subconjunto compacto de M . Equi-
valentemente, f é própria se, e somente se, não existe sequência
xn → ∞ em M tal que f (xn ) converge a algum y ∈ N , uma vez
que todo ponto de N tem uma vizinhança compacta.
Proposição 8.5. O conjunto das aplicações próprias, denotado por
Propr (M, N ), é aberto em C r (M, N ) para r ≥ 0.
Demonstração. Se M é compacta, então toda aplicação contı́nua

S
é própria. Se M é não compacta escrevemos M = Ki , com Ki
i=1
compactos e Ki ⊂ int Ki+1 . Sejam εi → 0 e ε : M → R+ função
positiva tal que ε(x) < εi para todo x ∈ Ki \ int Ki−1 . Se f : M → N
é uma aplicação própria e g : M → N é tal que d(g(x), f (x)) < ε(x)
para todo x ∈ M , então g também é própria. De fato, se xi → ∞
é uma sequência tal que g(xi ) → y, então como εj → 0 temos que
f (xi ) → y, o que é absurdo.
Corolário 8.6. O conjunto das aplicações próprias é aberto e não
vazio em C r (M, Rn ).
[SEC. 8.1: A TOPOLOGIA DE WHITNEY EM C R (M, N ) 193

Demonstração. Escolha uma função ϕ : M → R contı́nua e positiva


com ϕ(x) > i para todo x ∈ Ki \ int Ki−1 e defina f : M → Rn por
f (x) = (ϕ(x), 0, . . . , 0). É claro que f é uma aplicação própria.
Lema 8.7. Seja f : B(0, 2) ⊂ Rm → Rn uma imersão biunı́voca.
Então existe  > 0 tal que se g : B(0, 2) ⊂ Rm → Rn satisfaz
1) kg(x) − f (x)k < ;
2) kDg(x) − Df (x)k < 
para todo x ∈ B(0, 2), então g|B(0,1) é uma imersão biunı́voca.
Demonstração. Como o conjunto das aplicações lineares injetivas
é um aberto em L(Rm , Rn ) e {Df (x); x ∈ B(0, 1)} é um compacto,
existe  > 0 tal que se g : B(0, 2) → Rn satisfaz kDg(x) − Df (x)k < 
para x ∈ B(0, 1), então Dg(x) é injetiva. Resta mostrar que se  é
suficientemente pequeno então para toda g com kg(x) − f (x)k < 
e kDg(x) − Df (x)k <  em B(0, 2), g é injetiva em B(0, 1). Se isso
não for verdade, existe uma sequência gn : B(0, 2) → Rn tal que gn
converge uniformemente a f , Dgn converge uniformemente a Df e
gn (xn ) = gn (yn ) para certos xn 6= yn ∈ B(0, 1). Passando a uma
subsequência se necessário, podemos supor que xn → x e yn → y.
Se x 6= y teremos f (x) = f (y), o que é absurdo. Assim x = y e
vn = yn − xn 6= 0 converge a zero. Note que
Z 1
0 = gn (yn ) − gn (xn ) = Dgn (xn + tvn )vn dt,
0

e daı́
Z 1
vn vn
−Dgn (xn ) · = (Dgn (xn + tvn ) − Dgn (xn )). dt.
||vn || 0 ||vn ||
Passando a uma subsequência se necessário, podemos supor que ||vvnn ||
converge a um vetor unitário v. O primeiro membro converge a
−Df (x) · v e o segundo membro converge a zero pois vn → 0, e
assim temos uma contradição pois f é uma imersão.
Lema 8.8. Seja dM uma métrica em M . Se f : M → N é uma
imersão, então existe função contı́nua positiva  : M → R+ e uma
vizinhança V de f em C r (M, N ) tal que se g ∈ V então a restrição de
g a B(x, (x)) = {y ∈ M ; dM (y, x) < (x)} é uma imersão biunı́voca.
194 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

Demonstração. Segue do lema anterior.

Proposição 8.9. O conjunto das imersões de classe C r de M em N ,


denotado por Imr (M, N ), é aberto em C r (M, N ) se r ≥ 1.

Demonstração. Seja f ∈ Imr (M, N ) uma imersão e M = ∪Ki ,


Ki ⊂ int Ki+1 , com Ki compacto. Como o conjunto das trans-
formações lineares injetivas é aberto, para cada x ∈ M existe vi-
zinhança Vx e εx > 0 tal que se dr (j r g(y), j r f (y)) < εx com y ∈ Vx ,
então Dg(y) é biunı́voca. Como Ki \ int Ki−1 é compacto, existe
εi > 0 tal que se dr (j r g(y), j r g(y)) < εi para y ∈ Ki \ int Ki−1 então
Dg(y) é biunı́voca. Tomando ε : M → R+ contı́nua positiva com
ε(x) < εi para todo x ∈ Ki \ int Ki−1 temos

V(f, ε) ⊂ Imr (M, N ).

Lema 8.10. Uma imersão f : M → N é um mergulho se, e somente


se,
1) f é biunı́voca.
2) não existem y ∈ M e xn → ∞ em M tais que f (xn ) → f (y).

Demonstração. Pela forma local das imersões, dado y0 ∈ M existe


um difeomorfismo ϕ : Rm × Rn−m → U ⊂ N e vizinhança V de
y0 em M tal que f (V ) ⊂ U e ϕ−1 ◦ f aplica V difeomorficamente
em uma vizinhança de 0 em Rm × {0} e y0 em 0. Seja r > 0 tal
que B(0, r) × {0} ⊂ Rm × {0} está contida em ϕ−1 f (V ). Para cada
subconjunto compacto L ⊂ M existe rL > 0 tal que f (L)∩ϕ(B(0, r)×
B(0, rL ) ⊂ ϕ(B(0, r) × {0}) uma vez que f é 1 − 1. Se inf rL = ρ > 0
então f é um mergulho. Caso contrário existe xn → ∞ tal que
f (xn ) → y ∈ (ϕ(B(0, r) × {0}). A recı́proca é evidente.

Exemplo 8.1. Sejam X um campo de vetores C ∞ em uma varie-


dade compacta M e Xt : M → M o seu fluxo. A órbita de um ponto
x é o conjunto {Xt (x); t ∈ R} e o conjunto ω limite (resp. conjunto α
limite) da órbita de x é o conjunto dos pontos y ∈ M tais que exista
uma sequência tn → ∞ (resp. tn → −∞) com Xtn (x) → y. Como M
é compacta esses conjuntos são não vazios. Se a órbita de x é singu-
lar ou fechada, então esses conjuntos coincidem com a órbita. Uma
[SEC. 8.1: A TOPOLOGIA DE WHITNEY EM C R (M, N ) 195

órbita não compacta é a imagem de uma imersão biunı́voca da reta.


Se essa órbita não intersecta o seu ω-limite e o seu α limite, a órbita
é mergulhada. Caso contrário é a imagem de uma imersão biunı́voca
que não é um mergulho. Pelo Teorema de Poincaré-Bendixon, veja
[PdM], toda órbita não compacta de um campo na esfera S 2 é mer-
gulhada. Por outro lado, pelo Teorema de Recorrência de Poincaré,
veja [Man], se o fluxo do campo de vetores preserva volume, então o
conjunto das órbitas que não estão contidas em seu conjunto ω limite
tem medida nula. Esse é o caso por exemplo de um campo de vetores
no toro T 2 cujo pull-back pelo recobrimento π : R2 → T 2 é um campo
constante. As órbitas de um tal campo constante em R2 são retas
paralelas que se projetam nas órbitas do campo correspondente no
toro. Se essas retas tem inclinação racional, suas imagens no toro são
órbitas fechadas. Se a inclinação é irracional, todas as órbitas são
densas no toro (verificar!).

Lema 8.11. Seja U ⊂ M × M um aberto tal que se (x, y) ∈ / U então


(f (x), f (y)) ∈
/ ∆ = {(x, y) ∈ N × N ; x = y}. Então existe uma
vizinhança V de f : M → N na topologia C 0 tal que se (x, y) ∈
/ U,
então g(x) 6= g(y), ∀ g ∈ V.

Demonstração. Se M é compacta, o complementar de U é um com-


pacto cuja imagem por f × f é um compacto disjunto da diagonal
que também é compacto. Logo a a imagem desse compacto por uma
função g × g com g C 0 proximo de f também não intersecta a diago-
nal. Se M é não compacta tomamos M = ∪i Ki , Ki ⊂ int Ki+1 , Ki
compacto. Como (Ki \ int Ki−1 ) × (Ki \ int Ki−1 ) \ U = Li é com-
pacto e ∆ é fechado, ∃ εi > 0 tal que se (x, y) ∈ Li , d(g(x), f (x)) < εi
/ ∆. Seja ε : M → R+ é uma
e d(g(y), f (y)) < εi então (g(x), g(y)) ∈
função positiva tal que ε(x) < εi para cada x ∈ Ki \ int Ki−1 , então
V(f, ε) satisfaz ao lema.

Proposição 8.12. O conjunto dos mergulhos é aberto em C r (M, N )


se r ≥ 1.

Demonstração. Pelo Lema 8.7 existe uma vizinhança de f tal que


se g pertence a essa vizinhança e, considerando o aberto

U = {(x, y); dM (y, x) < (x)},


196 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

¿temos que g × g(U \ ∆) ∩ ∆ = g × g(∆). Como U é uma vizinhança


da diagonal e f é 1-1 temos que a hipotese do Lemma 810 é satisfeita.
Logo, pelo Lema 8.10 podemos tomar a vizinhança de f suficiente-
mente pequena para que a imagem do complementar de U por g × g
não intersecta a diagonal. Logo g é biunı́voca. Seja L o conjunto dos
pontos y ∈ N tais que exista uma sequência xn → ∞ em M tais que
f (xn ) → y. É fácil ver que L é um subconjunto fechado e, como f
é um mergulho, a imagem de f não intersecta L. Em particular, to-
mando uma sequência de compactos Ki cobrindo M , cada compacto
contido no interior do seguinte, temos que a distância da imagem do
compacto Li = Ki \intKi−1 é maior que i > 0. Tomando i com essa
propriedade e também i → 0 e tomando (x) < i para todo x ∈ Li
temos que a imagem de g na vizinhança não intersecta L. Logo a
condição 2) do lema 8.10 é também satisfeita por g pois se xn → ∞ e
g(xn ) → g(y) então, como (xn ) → 0, temos que f (xn ) → g(y) o que
é um absurdo uma vez que g(y) ∈ / L. Logo g é um mergulho.
Corolário 8.13. O conjunto dos difeomorfismos é um subconjunto
aberto em C r (M, N ) se r ≥ 1.
Seja λ : Rm → [0, 1] uma função C ∞ tal que λ(x) = 1 se ||x|| ≤ 1
2 e
λ(x) = 0 se ||x|| ≥ 1. Para δ > 0 a função

θ δ : Rm → R+

definida por
λ 1δ x

θδ (x) = R
λ 1δ y dy

Rm
é C ∞ , não negativa e Rm θδ (x) dx = 1. Uma função com essa pro-
R

priedade é chamada um núcleo de convolução.

Seja U ⊂ Rm um aberto de fecho compacto e Uδ ⊂ U o conjunto


dos pontos x ∈ U tais que B(x, δ) ⊂ U . Se f : U → Rn é uma função
C r , r ≥ 0 e θ = θδ , definimos

θ ∗ f : Uδ → Rn

por Z
(θ ∗ f )(x) = θ(y)f (x − y) dy (1)
Rm
[SEC. 8.1: A TOPOLOGIA DE WHITNEY EM C R (M, N ) 197

onde definimos o integrando como zero se ||y|| ≥ δ. Fazendo a mu-


dança de variáveis linear z = x − y, temos que
Z
(θ ∗ f )(x) = θ(x − z)f (z) dz (2)
Rm

onde o integrando é definida como zero se ||z − x|| ≥ δ. Da fórmula


(2) segue que θ ∗ f é C ∞ e
Z
Dj (θ ∗ f )(x) = (Dj θ(x − z))f (z) dz para todo j. (3)
Rm

Se j ≤ r, podemos usar (1) para calcular as derivadas e obtemos


Z
Dj (θ ∗ f )(x) = θ(y)Dj f (x − y) dy. (4)
Rm

Lema 8.14. Seja f : U ⊂ Rm → Rn uma aplicação de classe C r e


K ⊂ U um compacto. Então para todo ε > 0 existe uma função
g : U → Rn de classe C r tal que:

1) g é C ∞ numa vizinhança compacta de K.

2) g é tão diferenciável quanto f em todos os pontos.

3) g = f fora de uma vizinhança compacta de K contida em U .

4) ||Dj g(x) − Dj f (x)|| < ε ∀ x ∈ U e ∀ j = 1, . . . , r.

Demonstração. Fixe primeiramente δ1 < d(K,∂U 3


)
, de modo que
K ⊂ Uδ1 e seja λ : Rm → [0, 1] uma função C ∞ , não negativa, que
é igual a 1 em uma vizinhança de K e igual a zero fora de uma
vizinhança compacta de K contida em Uδ1 . Note que as derivadas de
λ são todas limitadas em Uδ1 , de modo que para cada ε > 0 pode-se
tomar δ > 0 tal que se g1 : Uδ1 → Rn é C r e

kDj g1 (x) − Dj f (x)k < δ ∀ x ∈ Uδ1 (5)

então g = λg1 + (1 − λ)f satisfaz

kDj g(x) − Dj f (x)k < ε ∀ x ∈ Uδ1 . (6)


198 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

Como f e suas derivadas até a ordem r são contı́nuas e Uδ1 tem fecho
compacto, podemos tomar δ2 > 0 suficientemente pequeno tal que se
x ∈ Uδ1 e kx − yk < δ2 , então
kDj f (x − y) − Dj f (x)k < δ j = 0, . . . , r.
Note que podemos tomar δ2 tal que Uδ1 ⊂ Uδ2 ⊂ U . Tomando
g1 = θδ2 ∗ f , temos que g1 é de classe C ∞ em Uδ2 e pelas equações
(1) e (4)
Z 
kDj g1 (x) − Dj f (x)k j j

=
θ(y)D f (x − y)dy − D f (x)

Rn
R Z
θ=1 j j

= m θ(y)(D f (x − y) − D f (x))dy

R
Z
θ(y) Dj f (x − y) − Dj f (x) dy


Rn
Z
≤ δ θ(y)dy = δ.
Rn

Assim a aplicação g = λg1 +(1−λ)f satisfaz às condições do lema.


O seguinte lema está relacionado à continuidade da composição
entre aplicações de classe C r . Se K ⊂ U ⊂ Rm é um subconjunto
compacto e f : U → Rp é uma aplicação de classe C r , definimos o
número real
kf kr,K = sup max0≤j≤r {kDj f (x)k} .

x∈K

Lema 8.15. Sejam f : U ⊂ Rm → V ⊂ Rp e g : V → Rn funções de


classe C r . Sejam K ⊂ U e L ⊂ V compactos tais que f (K) ⊂ intL.
Dado  > 0, existe δ > 0 tal que se
kf − f˜kr,K , kg − g̃kr,L < δ
então
kg ◦ f − g̃ ◦ f˜kr,K < .
Demonstração. Seja h = g ◦ f . Pela regra da cadeia, as derivadas
parciais de primeira ordem das componentes de h são dadas por:
p
∂hk X ∂g k ∂f l
(x) = (f (x)). (x).
∂xi ∂yl ∂xi
l=1
[SEC. 8.1: A TOPOLOGIA DE WHITNEY EM C R (M, N ) 199

Pela regra da cadeia e a regra de Leibniz, temos também,


p
∂ 2 hk X ∂g k ∂2f l
(x) = (f (x)). (x)
∂xj ∂xi ∂yl ∂xj ∂xi
l=1
p Xp
X ∂ 2 gk ∂f q ∂f l
+ (f (x)). (x) (x).
q=1 l=1
∂yq ∂yl ∂xj ∂xi

Podemos então supor, por indução, que cada derivada de ordem s de


hk é dada por uma fórmula que envolve N (s, m, p) parcelas, sendo
cada parcela o produto de M (s, m, p) funções, sendo o primeiro fator
uma derivada de ordem ≤ s de g k calculada no ponto f (x) e os
demais fatores são derivadas parciais de componentes de f de ordem
≤ s calculadas no ponto x. Derivando essa expressão obtemos uma
fórmula com a mesma forma para cada derivada parcial de ordem
s + 1 de hk . Como L é compacto e as derivadas parciais de f e g são
contı́nuas, dado ρ > 0 existe δ > 0 tal que se kf˜(x) − f (x)k < δ então
a diferença entre cada derivada parcial de ordem ≤ r de g nos pontos
f (x) e f˜(x) é menor que ρ. Como cada derivada parcial de ordem
≤ r de cada componente de h = g ◦ f e de h̃ = g̃ ◦ f˜ em pontos de K
envolvem um número limitado de parcelas, cada parcela é um número
limitado de fatores e a diferença entre cada fator correspondente à
uma derivada parcial de h e o correspondente fator associado à mesma
derivada parcial de h̃ é menor que ρ + δ, temos que a distância entre
cada derivada parcial de h e de h̃ é menor que  em todo ponto de K
se ρ e δ são suficientemente pequenos.
Teorema 8.16. O conjunto das funções de classe C ∞ é denso em
C r (M, N ).
Demonstração. Seja f : M → N uma aplicação C r e fixe atlas
n
ϕi : Wi ⊂ M → B(0, i : Vi ⊂ N → R com f (Wi ) ⊂ Vi , {Wi }
S∞3), ψ−1
localmente finito e i=1 ϕi (B(0, 1)) = M .
Dada uma vizinhança V de f , seja (εi ) uma sequência de números
positivos tal que V(f, εi ) ⊂ V. Vamos mostrar a existência de uma
função g de classe C ∞ nessa vizinhança. Como apenas um número
finito dos Wi ’s intersecta W1 , podemos, tomando o  do lema 8.15
suficientemente pequeno, encontrar uma função g1 que é igual a f
fora de uma vizinhança compacta de ϕ−1 1 (B(0, 1)), que é C

em
200 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

ϕ−1
1 (B(0, 1)), tão diferenciável quanto f em todos os pontos e que
pertence à vizinhança. Aqui estamos usando o lema ??. Em se-
guida modificamos g1 em ϕ−1 2 (B(0, 1)), obtendo uma função g2 na
vizinhança que é de classe C ∞ em ϕ−1 −1
1 (B(0, 1)) ∪ ϕ2 (B(0, 1)). In-
dutivamente, obtemos uma sequência de funções gj na vizinhança
Sj
que são de classe C ∞ em i=1 ϕ−1 i (B(0, 1)). Para cada j existe
k0 > 1 tal que se k ≥ k0 então gk |Wj = gk0 |Wj . Logo gk → g, onde
g|Wj = gk0 |Wj . Portanto g é de classe C ∞ e pertence à vizinhança (é
claro que gk não converge a g na topologia de Whitney).
Teorema 8.17. Se M é uma variedade de classe C r , com r ≥ 1,
então existem uma variedade N de classe C ∞ e um difeomorfismo
f : M → N de classe C r .
Demonstração. Seja A um atlas maximal de classe C r em M .
Basta mostrar que A contém um subatlas B cujas mudanças de coor-
denadas são de classe C ∞ e considerar a estrutura C ∞ em M definida
por esse atlas ( e tomar f como a identidade).

Consideremos a coleção C de todos os subconjuntos de A tais que


todas as mudanças de coordenadas entre cartas de cada elemento da
coleção C sejam de classe C ∞ . A união dos domı́nios dessas cartas
é um subconjunto aberto de M e tem uma estrutura de variedade de
classe C ∞ . Considerando nessa coleção a relação de ordem parcial
dada pela inclusão, temos, pelo Lema de Zorn, que existe um ele-
mento maximal B na coleção C. Basta mostrar que a união B dos
domı́nios das cartas em B é igual a M . Se isso não for verdade, seja
p um ponto da fronteira de B e φ : U → Ũ ⊂ Rm uma carta local de
M em torno de p (de classe C r ). Seja ψ : Ũ → U o difeomorfismo C r
inverso de φ e B̃ = φ(B ∩ U ).

Como o conjunto dos difeomorfismos de classe C r é aberto, podemos


tomar  : Ũ → R uma função positiva tal que toda função de classe
C r em

V(ψ, ) = {g : Ũ → U ; d(j r g(x), j r ψ(x)) < (x)}

seja um difeomorfismo. Seja δ : B̃ → R uma função positiva tal que


δ(x) < (x) e também menor que o quadrado da distância de x ao
[SEC. 8.1: A TOPOLOGIA DE WHITNEY EM C R (M, N ) 201

bordo de B̃. Pelo teorema anterior, existe uma aplicação ψ̃ : B̃ → B


de classe C ∞ que pertence à vizinhança V(ψ|B̃ , δ). Vamos ver agora
que esta aplicação se estende até bordo de B̃ como a aplicação ψ e
suas derivadas até ordem r existem nesses pontos e coincidem com
as correspondentes derivadas de ψ. De fato, se k < r então, supondo
por indução em k que Dk ψ̃(x) = Dk ψ(x), temos que

kDk ψ̃(x + h) − Dk ψ̃(x) − D(Dk ψ(x)).hk



khk
kDk ψ̃(x + h) − Dk ψ(x + h)k
≤ +
khk
kDk ψ(x + h) − Dk ψ(x) − D(Dk ψ(x)).hk
+ .
khk
A segunda parcela tende a zero quando h tende a zero pois a derivada
de ordem k + 1 de ψ existe. A primeira parcela tende a zero pois o
numerador é menor que δ(x + h), que é menor que khk2 . Portanto a
derivada de ordem k + 1 de ψ̃ existe em todo ponto de bordo de B̃ e
é uma aplicação contı́nua. Assim podemos estender ψ̃ de maneira C r
como ψ fora de B̃ e a inversa desta extensão é uma carta local em A
tal que a mudança de coordenadas entre essa carta e cada carta de
B é de classe C ∞ , o que contraria o fato de B ser maximal.
Exercı́cio 8.1. Considere a aplicação de composição

C: C r (M, N ) × C r (N, P ) −→ C r (M, P )


(f, g) 7−→ g ◦ f.

Mostre que se f0 não é uma aplicação própria, então C não é contı́nua


em (f0 , g0 ) para qualquer g0 .
Exercı́cio 8.2. Mostre que a aplicação de composição

C : Propr (M, N ) × C r (M, N ) → C r (M, N )

é contı́nua.
Vimos no capı́tulo 7 que uma fibração localmente trivial pode não
ter uma seção global. A proposição seguinte implica que se tiver uma
seção C 0 tem necessariamente uma seção C ∞ .
202 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

Proposição 8.18. Sej π : E → M uma fibração localmente trivial


de classe C ∞ com fibra tı́pica F . Seja Γr (E) o espaço das seções de
classe C r munido da topologia induzida de C r (M, E). Então Γ∞ (E)
é denso em Γr (E).

Demonstração. Seja f ∈ Γr (E) e V uma vizinhança de f . Seja


W ⊂ M domı́nio de uma carta local φ : W → B(0, 3) e tal que exista
uma trivialização loca Φ : W × F → π −1 (W ). Em W a aplicação
Φ−1 ◦ f é dada por (x, y) 7→ (x, fˆ(x)) e fˆ: W → M é uma aplicação
C r . Como na prova do teorema 8.16, podemos aproximar arbibrari-
amente na topologia C r a aplicação fˆ por uma aplicação ĝ tal que
ĝ coincide com fˆ fora de φ−1 (B(0, 2), ĝ é C ∞ em φ−1 (B(0, 1)) e é
tão diferenciável quanto fˆ em todos os pontos. Definindo g = Φ ◦ ĝ
em W e g = f fora de W temos que g pertence à vizinhança de f ,
g é C ∞ em φ−1 (B(0, 1)) e é tão diferenciável quanto f em todos os
pontos. Usando esse argumento em uma cobertura de M como na
prova do teorema 8.16 construimos uma seção global de classe C ∞
na vizinhança de f .

Proposição 8.19. Seja πi : Ei → Mi , fibrações localmente trivial


com fibra Fi , i = 1, 2. Sejam fˆ: E1 → E2 e f : M1 → M2 aplicações
tais que o diagrama abaixo comuta.


E1 / E2

π1 π2
 
M1
f
/ M2

Se f é C ∞ e fˆ é C r , r ≥ 0, então podemos aproximar fˆ por uma


aplicação de classe C ∞ que ainda faz o diagrama comutar.

Demonstração. Seja V uma vizinhança de fˆ. Sejam Φi : Wi × Fi →


πi−1 (Wi ) trivializações locais tais que f (Wi ) ⊂ W2 e φ : W1 → B(0, 3)
uma carta local. A aplicação f˜ = Φ−1 ˆ
2 ◦ f ◦ Φ1 é da forma (x, y) 7→
(f (x), g(x, y)) onde g : W × F1 → F2 é de classe C r . Como ante-
riormente, podemos aproximar, na topologia C r a aplicação f˜ por
uma aplicação g̃ que é C ∞ em φ−1 (B(0, 1)), é igual a f˜ fora de
[SEC. 8.1: A TOPOLOGIA DE WHITNEY EM C R (M, N ) 203

φ−1 (B(0, 2)) e é tão diferenciável quanto f em todos os pontos. Então


a aplicação ĝ que coincide com fˆ fora de π1−1 (W1 ) e coincide com
Φ2 ◦ g̃ ◦ Φ−1
1 em W1 é C

em π1−1 (φ−1 (B(0, 1))), é tão diferenciável
quanto fˆ em todos os pontos, pertence à vizinhança dada de fˆ e
π2 ◦ ĝ = f ◦ π1 . Aplicando esse argumento a uma cobertura de M1
como na prova do teorema 8.16 concluimos a prova da proposição.

Exercı́cio 8.3. Seja π : E → M uma fibração localmente trivial de


classe C ∞ com fibra F . Seja f : P → M uma aplicação de classe
C ∞ . Mostre que se existe uma aplicação contı́nua fˆ: P → E tal que
π ◦ fˆ = f então existe uma aplicação de classe C ∞ com a mesma
propriedade.

Proposição 8.20. Se M é compacta, então se 0 ≤ r < ∞, Xr (M ) ⊂


C r (M, T M ) tem uma estrutura de espaço de Banach.

Demonstração. Tomamos
Sk uma coleção finita de cartas locais ϕi : Wi →
B(0, 3) tal que M = i=1 ϕ−1 r
i (B(0, 1)). Para cada X ∈ X (M ) se-
jam Xi : B(0, 3) → R os campos de vetores tais que X|Wi = ϕ∗i Xi .
m

Definimos
kXk = max max sup {kDj Xi (x)k}.
i 0≤j≤r x∈B(0,1)

É fácil ver que X 7→ kXk é uma norma em Xr (M ) que gera a topo-


logia C r e que essa norma é completa.

Observações:
Com a mesma prova concluimos também que o espaço das seções
de um fibrado vetorial sobre uma variedade compacta tem estrutura
de espaço de Banach.

Proposição 8.21. C r (M, Rn )\C r+1 (M, Rn ) é residual em C r (M, Rn ).

Demonstração. Fixe p ∈ M e seja ϕ : U ⊂ M → Rm uma carta


local centrada em p. Para cada k natural consideremos o conjunto
Ak ⊂ C r (M, Rn ) tal que

1
f ∈ Ak ⇔ ∃ y ∈ Rm tal que kyk < e
k
204 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

kDr (f ◦ ϕ−1 )(y) − Dr (f ◦ ϕ−1 )(0)k


≥ k.
kyk
Temos que Ak é aberto e denso na topologia C r , de modo
T
que k Ak
é residual pois C r (M, Rn ) é um espaço de Baire. Se g ∈ k Ak então
T
Dr (g ◦ ϕ−1 ) não é derivável em 0 e portanto g ∈/ C r+1 (M, Rn ).
Sejam M e N variedades com M compacta e f ∈ C r (M, N ). Um
campo de vetores ao longo de f é uma aplicação que a cada x ∈ M
associa um vetor X(x) ∈ T Nf (x) . Um tal X é exatamente uma
seção do fibrado pull-back f ∗ (T N ). Como observamos anteriormente,
sendo M compacta o espaço de seções Γr (f ∗ (T N )) tem uma estrutura
de espaço de Banach. Tomando uma métrica Riemanniana em N
temos, pela compacidade de M , que existe ε > 0 tal que para cada
x ∈ M a aplicação exponencial é um difeomorfismo da bola de raio
ε em Tf (x) N sobre uma vizinhança de f (x) em N . Logo, se δ > 0
é suficientemente pequeno, existe um homeomorfismo ϕf da bola de
raio δ e centro na seção nula de f ∗ T N sobre uma vizinhança de f em
C r (M, N ) dada por
 
X 7→ x 7→ fX (x) := expf (x) X(x) .

Como a aplicação exponencial é C ∞ , essa construção mostra a existência


de uma estrutura de variedade de Banach C ∞ em C r (M, N ). Pode-se
mostrar que se M, N são compactas, a aplicação de composição
C r (N, P ) × C r (M, N ) −→ C r (M, P )
(f, g) 7−→ f ◦g
é contı́nua mas não é diferenciável. Por outro lado,
C r (N, P ) × C r (M, N ) −→ C r−1 (M, P )
(f, g) 7→ f ◦g

é de classe C 1 e se X ∈ Γ(f0∗ T P ) e Y ∈ Γ(g0∗ (T N )), então


DC(f0 , g0 )(X, Y ) = Z ∈ Γ((g0 ◦ f0 )∗ (T P ))
é dado por
Z(x) = Df0 (g0 (x))Y (x) + X(g0 (f0 (x))).
[SEC. 8.2: TEOREMAS DE TRANSVERSALIDADE 205

Veja: John Franks, Manifolds of C r mappings ad application to


Dynamical Systems, Studies in analysis, pp. 271–290, Advances e
Math. Suppl. Study, Ac. Press, 1979.

Em particular, temos que se M é compacta, então Difr (M ) tem


uma estrutura de variedade de Banach de classe C ∞ , é um grupo
topológico, mas não é um grupo de Lie.

8.2 Teoremas de transversalidade


Definição 8.2. Uma aplicação diferenciável f : M → N é transversal
a uma subvariedade S ⊂ N , e escrevemos f t S, se para todo x ∈ M
tem-se que ou f (x) ∈/ S ou Df (x)(T Mx ) + T Sf (x) = T Nf (x) . Se
S̃ ⊂ N é outra subvariedade, dizemos que S̃ é transversal a S, e
escrevemos S̃ t S, se a inclusão i : S̃ → N for transversal a S.
Proposição 8.22. Se f ∈ C r (M, N ) é transversal a S ⊂ N , com
r ≥ 1, então ou f −1 (S) é vazio ou é uma subvariedade de M cuja
codimensão em M é a codimensão de S em N . Em particular, se

codim(S) = dim N − dim S > dim M,

então f −1 (S) é vazio.


Demonstração. Basta usar a forma local das submersões para obter
localmente f −1 (S) como imagem inversa de um valor regular.
Em particular, se S e S̃ são subvariedades transversais de uma
variedade N , então S ∩ S̃ é também uma subvariedade de N , tem
dimensão dim S ∩ S̃ = dim S + dim S̃ − dim N e para todo x ∈ S ∩ S̃
vale T (S ∩ S̃)x = T Sx ∩ T S̃x .
Lema 8.23. Se f ∈ C r (M, N ) é transversal a S ⊂ N , com S de
classe C ∞ e fechada em N , então para todo x ∈ M existe εx > 0, uma
vizinhança Vx ⊂ M tal que se g ∈ C r (M, N ) e d(j 1 g(y), j 1 f (y)) < εx
para todo y ∈ Vx vale que a restrição de g a Vx é transversal a S.
Demonstração. Se f (x) não pertence a a S, como S é fechada,
existe uma vizinhança compacta de x e ε > 0 tal que se y pertence
a essa vizinhança e a distancia de g(y) a f (y) é menor que ε então
206 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

g(y) não pertence a S. Por outro lado, se f (x) ∈ S existe uma carta
local φ : W → Rs × Rn−s tal que φ(S ∩ W ) = Rs × {0}. Sejam
V ⊂ U vizinhanças de x com o fecho de V compacto e contido em
U tais que a derivada D(φ ◦ f )(y) seja sobrejetiva para todo y ∈ U .
Como o conjunto das aplicações lineares sobrejetivas é aberto, existe
ε > 0 tal que se a distância entre j r f (y) e j r g(y) é menor que ε para
todo y ∈ U então g(V ) ⊂ W e D(φ ◦ g)(y) é sobrejetiva para todo
y ∈V.

Teorema 8.24. Se S ⊂ N é subvariedade fechada de classe C ∞ ,


então o conjunto das aplicações em C r (M, N ) que são transversais a
S é aberto.

Demonstração. Seja M = ∪i Ki , onde Ki é compacto e contido


no interior de Ki+1 . Consideremos os subconjuntos compactos Li =
Ki \int(Ki−1 ) e Mi = f −1 (S)∩Li . Como no lemma anterior, podemos
considerar uma cobertura finita {Vj } de Mi por abertos com fecho
compacto contido em abertos Uj e cartas locais φj : Wj ⊂ N →
Rs × Rn−s tais que

1. φj (Wj ∩ S) = Rs × {0}

2. f (Uj ) ⊂ Wj

3. D(φj ◦ f )(x) é sobrejetiva para todo x ∈ Vi .

Como o conjunto das aplicações lineares sobrejetivo é aberto, existe


i > 0 tal que se d(j r f (x), j r g(x)) < i para todo x ∈ Li então
g(Vj ) ⊂ Wj e D(φj ◦ g)(x) é sobrejetiva para todo x ∈ Uj . Como
Li \∪Uj é compacto, S é fechado e f (Li \∪j Uj ) 6= ∅ temos que, se i >
0 é suficientemente pequeno g(Li \∪Uj )∩S = ∅ se d(j r f (x), j r g(x)) <
i . para todo x ∈ Li . Se  : M → (0, ∞) é uma função contı́nua tal
(x) < i para todo x ∈ Li então g é transversal a S se g ∈ V(f, ).

Lema 8.25. Sejam F : M × P → N uma aplicação de classe C ∞


e S uma subvariedade de N . Para cada y ∈ P seja Fy : M → N
a aplicação Fy (x) = F (x, y). Se F é transversal a S, então Fy é
transversal a S se y é valor regular da restrição da projeção π2 : M ×
P → P a F −1 (S).
[SEC. 8.2: TEOREMAS DE TRANSVERSALIDADE 207

Demonstração. Seja x ∈ M tal que Fy (x) ∈ S. Como y é valor


regular, existe um subespaço E1 ⊂ T (F −1 (S))(x,y) tal que a restrição
de Dπ2 (x, y) a E1 é um isomorfismo. Daı́ T (F −1 (S))(x,y) = E1 ⊕ E2
com E2 contido no núcleo de Dπ2 (x, y). Seja E3 um subespaço com-
plementar a E2 no núcleo de Dπ2 (x, y). Como a derivada DF (x, y)
leva E1 ⊕ E2 no espaço tangente e S em F (x, y), a imagem de E3
é um subespaço E4 ⊂ T NF (x,y) tal que T NF (x,y) = T SF (x,y) ⊕ E4 .
Como DFy (T Mx ) = DF (x, y)(E2 + E3 ), temos que Fy é transversal
a S em x.
Lema 8.26. Se F : M → N é de classe C ∞ , então o conjunto dos
valores regulares de F é um subconjunto residual de N .
Demonstração. Considere o subconjunto fechado C(f ) = {x ∈
M ; Df (x) não é sobrejetiva} cuja imagem, pelo Lema de Sard, 1.6,
tem medida nula. Se M = ∪∞ i=1 Ki , onde Ki é comacto, temos que o
compacto f (C(f ) ∩ Ki tem interior vazio. Logo o complementar de
f (C(f )) = ∪i f (Ki ∩ C(f )) é residual.

Teorema 8.27. Se F : M × P → N é uma aplicação de classe C ∞


transversal a uma subvariedade S ⊂ N , então o conjunto dos pontos
y ∈ P tais que Fy é transversal a S é residual.
Demonstração. Segue imediatamente dos dois lemas anteriores.
Corolário 8.28. Sejam f : U ⊂ Rm → Rn de classe C ∞ , K ⊂ U
compacto e S ⊂ Rn uma subvariedade de classe C ∞ . Dado ε > 0,
existe g : U → Rn de classe C ∞ tal que
1) g = f fora de uma vizinhança compacta de K contida em U .
2) kg − f kC r < ε em U .
3) g é transversal a S nos pontos de K.
Demonstração. Seja λ : Rm → [0, 1] uma função de classe C ∞ tal
que λ(x) = 1 para x ∈ K e com suporte compacto contido em U . Pelo
teorema anterior, o conjunto dos v ∈ Rn para os quais a aplicação
x ∈ U 7→ f (x) + v é transversal a S é residual, e em particular denso.
Se v ∈ Rn pertence a esse conjunto e tem norma suficientemente
pequena, então a aplicação g : U → Rm , g(x) = f (x) + λ(x)v, satisfaz
às condições 1), 2) e 3).
208 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

Seja P r (Rm , Rn o espaço vetorial das aplicações polinomiais de


R em Rn de grau menor ou igual a r e que se anulam na origem.
m

Como vimos, a aplicação T : P r (Rm , Rn ) → J r (m, n) que a cada


aplicação polinomial p associa seu r-jato na orı́gem é um isomorfismo.

Lema 8.29. Se f : Rm → Rn é uma aplicação de classe C ∞ então:

1. A aplicação

F : Rm × Rn × P r (Rm , Rn ) → J r (Rm , Rn )

que a (x, v, p) associa o r-jato no ponto x da aplicação f + v + p


é uma submersão.

2. Seja S ⊂ J r (Rm , Rn uma subvariedade de classe C ∞ . Então


existe um subconjunto residual G ⊂ Rn × P r (Rm , Rn ) tal que
se (v, p) ∈ G e fˆ(x) = f (x) + v + p(x), então a aplicação j r fˆ é
transversal a S.

Demonstração. A derivada de G em um ponto (x,v,p) é dada pela


matriz de blocos:
 
IRm 0 0
Dg(x) IRn 0 .
∗ ∗ T
Logo G é uma submersão. A segunda parte segue imediatamente do
teorema 8.27

Corolário 8.30. Sejam f : Rm → Rn de classe C ∞ e K ⊂ U com-


pacto. Seja S ⊂ J r (Rm , Rn ) = Rm × Rn × L(Rm , Rn ) uma subvarie-
dade de classe C ∞ . Então dado ε > 0 existe g : Rm → Rn de classe
C ∞ tal que

1) g = f fora de uma vizinhança compacta de K contida em U .

2) kf − gkC r < ε em Rm .

3) j r g é transversal a S nos pontos de K.


[SEC. 8.2: TEOREMAS DE TRANSVERSALIDADE 209

Demonstração. Seja λ : Rm → [0, 1] uma função de classe C ∞ que


é igual a 1 em pontos de K e igual a zero fora de uma vizinhança com-
pacta de K contida em U . Pelo lema anterior, o conjunto G é denso.
Basta então tomar g = f + λ(p + v) com (v, p) ∈ G suficientemente
pequeno.
Dizemos que x ∈ M é uma singularidade de X ∈ Xr (M ) se
X(x) = 0. Se X : U ⊂ Rm → Rm é um campo de vetores C r ,
r ≥ 1, uma singularidade x de X é singularidade simples se DX(x)
tem posto m, isto é, é um isomorfismo.
Corolário 8.31. Sejam X : U ⊂ Rm → Rm um campo de vetores de
classe C ∞ e r ≥ 1. Seja K ⊂ U compacto. Dado ε > 0, então existe
um campo de vetores Y : U → Rm de classe C ∞ tal que

1) Y = X fora de uma vizinhança compacta de K contida em U .


2) kY − XkC r < ε em U .
3) As singularidades de Y em K são simples.

Demonstração. A derivada da aplicação F : U × Rm → U × Rm


definida por F (x, v) = (x, X(x)+v) é um isomorfismo em todo ponto.
Logo F é transversal a U × {0}. Portanto o conjunto dos vetores
v ∈ Rm tais que a aplicação

x ∈ U 7→ (x, X(x) + v) ∈ U × Rm

é transversal a U × {0} é um conjunto residual. Tomando λ como no


Corolário 8.28, o campo

Y (x) = X(x) + λ(x)v

com kvk suficientemente pequeno nesse conjunto residual satisfaz às


condições do enunciado.
Corolário 8.32. Sejam X : U ⊂ Rm → Rm um campo de vetores
de classe C ∞ , r ≥ 1 um inteiro, k ≤ r − 1, K ⊂ U compacto e
S ⊂ J k (U, Rm ) uma subvariedade de classe C ∞ . Dado ε > 0, existe
um campo de vetores Y : U → Rm de classe C ∞ tal que

1) Y = X fora de uma vizinhança compacta de K contida em U .


210 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

2) kY − XkC r < ε em U .
3) j k Y é transversal a S nos pontos de K.

Demonstração. Análoga ao corolário ??.


Teorema 8.33. Seja S ⊂ N uma subvariedade fechada de classe
C ∞ . Então o conjunto das aplicações f ∈ C r (M, N ), r ≥ 1, que são
transversais a S é aberto e denso.
Demonstração. A abertura já foi mostrada no inı́cio da seção.
Como o conjunto das aplicações de classe C ∞ é denso, basta mostrar
que toda vizinhança V de uma aplicação f de classe C ∞ contém uma
aplicação transversal a S.

Como usual, sejam ϕi : Ui ⊂ M → Ũi ⊂ Rm e ψi : Vi ⊂ N → Ṽi ⊂ Rn


atlas tais que f (Ui ) ⊂ Vi , {Ui } cobertura localmente finita e Ki ⊂ Ui
compactos com ∪i int Ki = M . Seja (εi ) uma sequência de números
positivos tais que V(f, εi ) ⊂ V. Pelo corolário 7.26, temos que o
conjunto Ai ⊂ V(f, εi ) das aplicações transversais a S em pontos de
Ki é aberto e denso. Logo ∩Ai é residual em V(f, εi ), e portanto
denso.

Exercı́cio 8.4. Seja S ⊂ N uma subvariedade fechada de classe C r ,


r ≥ 1 de uma variedade de classe C ∞ . Mostre que, dado qualquer
vizinhança V da identidade de N na topologia C r , existe um dife-
omorfismo de classe C r , F ∈ V tal que F (S) seja uma variedade
de classe C ∞ . Conclua que o conjunto das aplicações em C r (M, N )
transversais a S é aberto e denso.
Sugestão:
Seja π : E → S um fibrado vetorial de classe C r , tal que π −1 (x) ⊂
T Nx seja transversal a T Sx e sua dimensão igual à codimensão de
S. Seja φ : E → U ⊂ M a correspondente vizinhança tubular. Seja
ψ : S̃ → S um difeomorfismo C r de uma variedade C ∞ S̃. Seja Ŝ a
preimagem pelo difeomorfismo φ da imagem do mergulho C ∞ . Se o
mergulho C ∞ está suficientemente próximo de f então Ŝ é a imagem
de um seção C r σ : S → E que está C r proxima da seção nula. Seja
λ : R → [0, 1] uma função C ∞ que vale 1 na bola de raio 1 e vale
0 fora da bola de raio 2. Se  : S → R é uma função positiva de
[SEC. 8.2: TEOREMAS DE TRANSVERSALIDADE 211

classe C r e suficientemente pequena então a aplicação F : E → E de-


finida por F (x, v) = (x, v + λ((x)||v||x )σ(x) é um difeomorfismo C r
proximo da identidade, que coincide com a identidade fora de uma
vizinhança fechada da seção nula e leva a seção nula em Ŝ. Defina
então G : N → N como a identidade fora de U e igual a φ◦F ◦φ−1 em
U . Temos então que G é um difeomorfismo C r proximo da identidade
que leva S na variedade φ(Ŝ) que é de classe C ∞
Observação 8.1. Se S ⊂ N é uma subvariedade de clase C k , onde k
é maior ou igual ao mı́nimo entre 1 e a diferença entre a dimensão de
M e a codimensão de S então o conjunto das aplicações em C r (M, N )
transversais a S é residual (aberto e denso se S é fechada). Isto porque
o Lema de Sard é válido para aplicações de classe C k se k é maior ou
igual ao mı́nimo entre 1 e a diferença entre as dimensões do domı́nio
e do contradomı́nio da função.
Teorema 8.34. Sejam r ≥ 1 e k ≤ r−1 inteiros. Seja S ⊂ J k (M, N )
uma subvariedade fechada de classe C ∞ . Então o conjunto das
aplicações f ∈ C r (M, N ) tais que j k f é transversal a S é aberto
e denso. A composta de ψ com a inclusão de S em N é um mergulho
C r que pode ser arbitrariamente aproximado por um mergulho C ∞ .
A composta desse mergulho C ∞ com φ?−1 e sua imagem é uma sub-
variedade C r de E que é a imagem de uma seção σ : S → E proxima
da seção nula na topologia C r .
Demonstração. Análoga às anteriores.
a aplicação j 0 f nada mais é que o gráfico de f . Como con-
sequência do teorema acima temos que o conjunto das aplicações
f ∈ C r (M, M ) cujo gráfico é transversal à diagonal é aberto e denso
se r ≥ 1. Logo, para um conjunto aberto e denso de aplicações, o
conjunto de pontos fixos é discreto. Em particular, se M é compacta,
o conjunto de pontos fixos é finito para tais aplicações. A derivada de
f em um tal ponto fixo é um isomorfismo e não tem autovalor igual
a 1. Um ponto fixo com essa propriedade é chamado de simples. O
gráfico de f é transversal à diagonal se e sòmente se todos os seus
pontos fixos são simples.
Teorema 8.35. Se S ⊂ N é uma subvariedade de classe C ∞ não ne-
cessariamente fechada, então o conjunto das aplicações em C r (M, N ),
r ≥ 1, que são transversais a S é residual, e portanto denso.
212 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

S
Demonstração. Podemos escrever S = i Si , em que Si é subcon-
junto fechado. Seja Li ⊂ C r (M, N ) tal que f ∈ Li ⇔ ∀ x ∈ M ou
f (x) ∈
/ Si ou f (x) ∈ Si e ImDf (x)+T Sf (x) = T Nf (x) . Com a mesma
prova dos teoremas 7.22 e 7.31 concluı́mos que Li é aberto e denso.
Logo ∩Li é residual.
Exercı́cio 8.5. Seja S = ∪i Si onde S ⊂ N é uma subvariedade de
classe C r , Si é um subconjunto compacto e Si ∈ Ui ∈ Si+1 onde Ui
é um subconjunto aberto de S. Mostre que para cada i temos que,
dada uma vizinhança da identidade no conjunto das aplicações de
classe C r em C r (N, N ) existe um difeomorfismo nessa vizinhança tal
que a imagem de Ui é uma subvariedade de classe C ∞ de N . Conclua
que o conjunto das transformações de C r (M, N ) que são transversais
a S é residual.
Teorema 8.36. Se S ⊂ J k (M, N ) é uma subvariedade de classe C ∞
não necessariamente fechada e k ≤ r − 1, então o subconjunto das
aplicações f em C r (M, N ) tais que j k f t S é residual.
Corolário 8.37. O conjunto Imr (M, N ) ⊂ C r (M, N ), r ≥ 2, é
aberto e denso se dim N ≥ 2 dim M .
Demonstração. A abertura já foi mostrada anteriormente, então
basta mostrar a densidade. Seja Pk ⊂ J 1 (M, N ) o conjunto dos
pontos (x, y, T ) ∈ J 1 (M, N ) com x ∈ M , y ∈ N e T : T Mx → T Ny é
uma aplicação linear de posto k. Então, pelo exemplo 1.2, Pk é uma
subvariedade de codimensão (m − k) × (n − k), que é maior que m
se n ≥ 2m e k < m. Pelo teorema 8.36, o conjunto das aplicações
f em C r (M, N ) tais que j 1 f é transversal a cada Pk é residual (Pk
não é subvariedade fechada pois o seu fecho intersecta Pk−1 ). Logo,
se f pertence a esse conjunto residual, então j 1 f (M ) ∩ Pk = ∅ para
k < m por falta de codimensão. Logo uma tal f tem posto m para
todo x ∈ M e portanto é uma imersão.
Definição 8.3. Dizemos que x ∈ M é uma singularidade de uma
função f ∈ C 1 (M, R) se Df (x) = 0. Se f é de classe C 2 , uma
singularidade de f é não degenerada se D2 f (x) : T Mx × T Mx → R
é uma forma bilinear não degenerada. Uma função f ∈ C 2 (M, R)
é chamada uma função de Morse se toda singularidade de f é não
degenerada.
[SEC. 8.2: TEOREMAS DE TRANSVERSALIDADE 213

Proposição 8.38. Uma aplicação f ∈ C 2 (M, R) é uma função de


Morse se, e somente se, j 1 f : M → J 1 (M, R) é transversal a

S = {(x, y, λ) ∈ J 1 (M, R); x ∈ M, y ∈ R, λ = 0 ∈ L(T Mx , R)}.

Demonstração. Imediata.

Corolário 8.39. O conjunto das funções de Morse é aberto e denso


em C 2 (M, R).

Seja X ∈ X2 (U ), com U ⊂ Rm aberto. Lembramos que uma


singularidade x de X é simples se DX(x) tem posto m. Dizemos
que a singularidade x é quase-simples se DX(x) tem posto m − 1 e
para todo v 6= 0 no núcleo de DX(x) tem-se D2 X(x)(v, v) 6= 0. É
fácil ver que se φ : W ⊂ Rm → U é um difeomorfismo de classe C ∞ ,
então x é singularidade quase-simples de X se, e somente se, φ−1 (x)
é singularidade quase-simples de φ∗ X. Logo podemos definir singu-
laridades quase-simples de campos de vetores em variedades usando
cartas locais.

Lema 8.40. Se x ∈ M é uma singularidade simples de um campo de


vetores ou quase-simples de um campo de vetores X ∈ Xr (M ), com
r ≥ 3, então x é singularidade isolada, isto é, existe uma vizinhança
V de x tal que X(y) 6= 0 se y ∈ V \ {x}.

Demonstração. Podemos supor que x = 0 e X : U ⊂ Rm → Rm .


Se 0 é singularidade simples, o resultado é imediato pois X é um dife-
omorfismo local de uma vizinhança de 0 sobre uma outra vizinhança
de 0. Suponhamos então que 0 é uma singularidade quase-simples
de X. Substituindo X pelo seu pull-back por um isomorfismo linear,
podemos supor que o núcleo de DX(0) é R × {0} ⊂ R × Rm−1 e sua
imagem é {0} × Rm−1 . Se X(s, y) = (X 1 (s, y), X 2 (s, y)), temos que
a derivada de X 2 em (0, 0) é sobrejetiva e seu núcleo é R × {0}. Logo,
pelo teorema das funções implı́citas, existe uma vizinhança V de (0, 0)
e uma função α : (−, ) → V tal que α(0) = (0, 0), α0 (0) ∈ R × {0}
e X 2 (s, y) = 0 com (s, y) ∈ V se, e somente se, (s, y) = α(t) para
algum t. Seja β(t) = X 1 (α(t)). Como (0, 0) é singularidade quase-
simples, temos que β 0 (0) = 0 e β 00 (0) 6= 0. Logo β(t) 6= 0 se t 6= 0 é
suficientemente pequeno. Isso prova o lema.
214 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

Teorema 8.41. 1) Se r ≥ 1, então o conjunto dos campos de ve-


tores em Xr (M ) cujas singularidades são todas simples é aberto
e denso.

2) Se r ≥ 3 e X, Y ∈ Xr (M ) são campos de vetores cujas singula-


ridades são todas simples, então existe uma curva µ em Xr (M )
tal que µ(0) = X, µ(1) = Y e todas as singularidades de µ(t)
são ou simples ou quase-simples para todo t ∈ [0, 1].

Demonstração. Primeiro observamos que as singularidades de um


campo de vetores X ∈ Xr (M ) são todas simples se, e somente se,
a aplicação X : M → T M é transversal à seção nula do fibrado
T M . Como a seção nula é uma subvariedade fechada, temos que
esse conjunto é aberto. Resta provar a densidade. Seja φi : Wi ⊂
M → B(0, 3), i = 1, 2, . . . um atlas tal que ∪i Ui = M , com Ui =
φ−1
i (B(0, 1)), e a cobertura aberta {Wi } seja localmente finita. Para
cada campo X ∈ Xr (M ), denotamos por X i o campo na bola B(0, 3)
dado por X i = (φi−1 )∗ X. Seja Ai ⊂ Xr (M ) o conjunto dos cam-
pos de vetores X tais que as singularidades de X i no fecho de Ui
são todas simples. Esse conjunto é aberto. Pelo corolário 8.31 esse
conjunto é tambem denso. Logo a interseção de todos esses conjun-
tos é residual, em particular denso, e as singularidades de um campo
de vetores nessa interseção são todas simples. Isso prova a primeira
parte do teorema.

Seja F ⊂ C r ([0, 1] × M, T M ) o conjunto de famı́lias a um parâmetro


de campos de vetores, isto é, F ∈ F se, e somente se, π(F (t, x)) = x
para todo (t, x) ∈ [0, 1] × M . Como F é um subconjunto fechado
de um espaço de Baire, F, com a topologia induzida, também é um
espaço de Baire. Consideremos novamente o atlas acima. Para cada
F ∈ F, denotemos por Fi a famı́lia de campos de vetores na bola
B(0, 3) obtida tomando o pull-back dos campos da famı́lia F pela
inversa da carta local φi . Sejam

Sk = {0} × Pk × L2sim (Rm , Rm ) ⊂ Rm × L(Rm , Rm ) × L2sim (Rm , Rm )

e
S ⊂ {0} × Pm−1 × L2sim (Rm , Rm )
[SEC. 8.2: TEOREMAS DE TRANSVERSALIDADE 215

o conjunto constituı́do de pares (T, B), em que T ∈ Pm−1 é uma


transformação linear de posto m − 1 e B é uma transformação bili-
near simétrica que se anula no núcleo de T . Já vimos que Sk é uma
subvariedade de codimensão m + (m − k)2 . Logo Sm−1 tem codi-
mensão m + 1 e Sk tem codimensão maior que m + 1 se k < m − 1.

Vamos mostrar que S é uma subvariedade de codimensão maior que


m + 1. Se T0 ∈ Pm−1 então existe uma vizinhança V ⊂ Pm−1 de T0 e
uma função diferenciável ϕ : V → S m−1 ⊂ Rm tal que ϕ(T ) ∈ Ker T .
A função
φ: V × L2sim (Rm , Rm ) −→ Rm
(T, B) 7−→ B(ϕ(T ), ϕ(T ))
é obviamente uma submersão, e portanto φ−1 (0) é uma subvariedade
de codimensão m. Como S∩(Rm ×V ×L2sim (Rm , Rm )) = {0}×φ−1 (0),
temos que S é uma subvariedade de codimensão 2m em
Rm × Pm−1 × L2sim (Rm ; Rm ),
e portanto de codimensão 2m + 1 > m + 1. O conjunto Ai ⊂ F das
famı́lias F tais que a aplicação
(t, x) 7→ (Fit (x), DFit (x), D2 Fit (x))
é transversal às subvariedades Sk e S em pontos de B(0, 1) é aberto.
Para mostrar que ele é também denso, seja F ∈ F. Seja λ função
não negativa de classe C ∞ que vale 1 em B(0, 1) e 0 fora de B(0, 2).
Dada uma vizinhança de F , como a cobertura Wi é localmente finita
existe  > 0 tal que se Gi é uma famı́lia com distância C r a Fi menor
que  em B(0, 3) e Fi (t, x) = Gi (t, x) para x fora de B(0, 2), então
existe uma famı́lia G na vizinhança, que coincide com F fora de Wi
e que em Wi é igual a φ∗ (Gti ). Por outro lado, pelos corolários ante-
riores, podemos encontrar uma famı́lia Hit arbitrariamente próxima
na distância C r de Fit tal que a aplicação correspondente é trans-
versal à todas as subvariedades mencionadas acima. Tomando então
Gti = λHit + (1 − λ)Gti , obtemos uma famı́lia em Ai e na vizinhança
de F . Essa famı́lia tem todas as singularidades em Ui ou simples
ou quase-simples. Tomando a interseção dos Ai , obtemos um con-
junto residual de famı́lias com todas as singularidades ou simples ou
quase-simples.
216 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

Exercı́cio 8.6. Sejam f0 , f1 difeomorfismos de classe C r , r ≥ 2, de


uma variedade compacta M que são difeotópicos. Mostre que existe
uma famı́lia contı́nua ft de difeomorfismos ligando f0 com f1 tal que
para todo t o conjunto dos pontos fixos de ft é finito.
Nos anos 70 John Mather demonstrou uma extensão importante
do teorema de Transversalidade de Thom: o teorema de transversa-
lidade de multijatos que demonstraremos a seguir.
Consideremos as aplicações α : J r (M, N ) → M , α(j r f (x)) = x e
β : J r (M, N ) → N , β(j r f (x)) = f (x). A imagem por alpha de um
r-jato é chamada de fonte do r-jato. Seja s um inteiro positivo. No
produto cartesian M s = M × · · · × M seja ∆ a diagonal, isto é, o
conjunto de s-uplas (x1 , . . . , xs ) tais que xi = xj para algum i 6= j.
O complementar desse conjunto fechado é um subconjunto aberto
que denotaremos por M (s) . A preimagem de M ?(s) pela aplicação
αs : J r (M, N )s → M s é o subconjunto aberto que denotaremos por
Jsr (M, N ), isto é, o conjunto de s-uplas de r-jatos com fontes duas a
duas distintas. Uma aplicação f ∈ C r+k (M, N ) define uma aplicação
de classe C k
jsr : M (s) → Jsr (M, N )
que associa a cada (x1 , . . . , xs ) ∈ M (s) a s-upla (j r f (x1 ), . . . , j r f (xs )) ∈
Jsr (M, N ). Temos então o seguinte teorema:
Teorema 8.42. (Transversalidade de Multijatos) Se S ⊂ Jsr (M, N )
é uma subvariedade de classe C ∞ então o conjunto TS das aplicações
f ∈ C r+k (m, N ) tais que jsr f é transversal a S é um conjunto residual.
Corolário 8.43. Se dim N ≥ 2 dim M + 1, então o conjunto das
imersões biunı́vocas de M em N é residual
Demonstração. Ja vimos que o conjunto das imersões é aberto e
denso pois a dimensão do contradomı́nio e maior que o dobro da di-
mensão do contradomı́nio. Por outro lado, a codimensão da diagonal
de N é igual a dimensão de N que é estritamente maior que a di-
mensão de M (2) . Logo, pelo teorema de transversalidade de multija-
tos, o conjunto das aplicações biunı́vocas é residual. Logo, o conjunto
das imersões biunı́vocas é residual.
Corolário 8.44. [Mergulho de Whitney] Para toda variedade M de
classe C r , r ≥ 1, e dimensão m, existe um mergulho ι : M → R2m+1 .
[SEC. 8.2: TEOREMAS DE TRANSVERSALIDADE 217

Demonstração. Como já vimos, Prop(M, Rk ) é aberto e não va-


zio para qualquer k, portanto ele intersecta o conjunto das imersões
biunı́vocas se k ≥ 2m + 1. Por outro lado, uma imersão biunı́voca
própria é um mergulho.
Observação: Não há um Teorema de mergulho de Whitney análogo
para variedades complexas. De fato, se M é uma variedade com-
plexa compacta, então qualquer aplicação holomorfa F : M → Cn
deve ser constante, para qualquer n, conforme foi provado na pro-
posição 2.22. Por outro lado, um corolário do Teorema de Riemann-
Roch, conhecido na literatura por “mergulho tricanônico”, mostra
que toda superfı́cie de Riemann compacta possui um mergulho em
CP3 . Entretanto, esse resultado é falso em dimensão maior e as vari-
edades complexas compactas que admitem mergulho em algum CPn
foram classificadas em K. Kodaira, “On Kahler varieties of restricted
type”(an intrinsic characterization of algebraic varieties, Annals of
Mathematics, 60, 1954, pp. 28–48).
Lema 8.45. Seja S ⊂ N uma subvariedade e F ⊂ S um subconjunto
fechado . Seja K ⊂ M um subconjunto compact e K 0 uma vizinhança
compacta de K. Seja TK;F,S o conjunto das aplicações f : C 1 (M, N )
tais que para cada x ∈ K temos que ou f (x) ∈ / F ou f (x) ∈ F e f
é transversal a S em x. Seja f ∈ TK,F . Então existe  > 0 tal que
se g ∈ C 1 (M, N ) é tal que d(j 1 f (x), j 1 g(x)) <  para todo x ∈ K 0
então g ∈ TK;F,S .
Demonstração. Como TF,S ⊂ TK;F,S e TF,S é aberto, existe função
contı́nua δ : M → R tal que se d(j 1 (x), j 1 (x)) < δ(x) para todo x ∈ M
então g ∈ TF,S . Seja λ : M → [0, 1] uma função C ∞ que vale 1 em
uma vizinhança compacta de K e vale zero fora de uma vizinhança
de K contida em K 0 . Tomando  > 0 suficientemente pequeno temos
que se g ∈ C 1 (M, N ) é tal que d(j 1 g(x), j 1 f (x)) <  para todo x ∈ K 0
então, se h(x) = expf (x) (λ(x) exp−1 0
f (x) g(x)) se x ∈ K e g(x) = f (x)
se x ∈/ K 0 então h ∈ TK,S se  for suficientemente pequeno. Como
g coincide com h em uma vizinhança de K temos que g também
pertence a TK;F,S .
Lema 8.46. Seja K ⊂ M (s) um subconjunto compacto. Dado  > 0
exite δ > 0 tal que se d(j r+1 f (x), j r+1 g(x)) < δ para todo x ∈ πi (K),
i = 1, . . . , s, então d(j 1 (jsr f )(x), j 1 (jsr g)(x)) <  para todo x ∈ K.
218 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

Dos dois lemas temos a seguinte

Proposição 8.47. Sejam S ⊂ Jsr (M, N ) uma subvariedade, F ⊂ S


um subconjunto fechado e K ⊂ M (s) um subconjunto compacto.
Então o subconjunto TK;F,S das aplicações f ∈ C r+1 (M, N ) tais que
/ F ou jsf f (x) ∈ F e jsr f é transversal
para todo x ∈ K ou jsr (f )(x) ∈
a S em x é um subconjunto aberto e denso.

Demonstração. A abertura segue dos dois lemas acima. Resta pro-


var a densidade. Seja f ∈ C r (M, N ). Consideremos uma famı́lia de
cartas locais πi : U i → Rn , ψi : Vi ⊂ N → Rn tais que f (Ui ) ⊂ Vi , a
famı́lia Ui é localmente finita. Mostraremos a densidade de TK;F,S na
vizinhança V de f constituida das funções g tais que g(Ui ) ⊂ Vi para
todo i. Para cada x = (x1 , . . . , xs ) ∈ K. Consideremos uma cober-
tura finita de K pelo interior dos compactos K j = K1j × · · · × Ksj tais
que cada Kij está contido em um aberto Wij , tais que Wij ∩ Wkj = ∅
se i 6= k e que cada Wij esteja contido em um dos abertos Uk que
denotaremos por Uij . Denotaremos o correspondente Vk por Vij e as
correspondentes cartas locais por φjk : Uij → Rm , ψij : Vij → Rn . Va-
mos mostrar que para cada j o conjunto TK j ;F,S é aberto e denso
em V. Resta provar a densidade. Sejam g ∈ V uma aplicação
de classe C ∞ e V(g) ⊂ V uma vizinhança de g. Vamos mostrar
que existe h ∈ V(g) que é transversal a S em pontos de K j . Se-
jam θij : J r (Rm , Rn ) → π −1 (Uij × Vij ) ⊂ J r (M, N ) o difeomorfismo
induzido pelas cartas locais φji e ψij . Seja θj : (J r (Rm , Rn ))s →
(J r (M, N ))s a aplicação θ1j × · · · × θsj . Consideremos a subvarie-
dade S j ⊂ (J r (Rm , mathbbRn ))s cuja imagem por θj é S. Sejam
gi : Rm → Rn as aplicações gi = ψij ◦ g ◦ (φji )−1 . Pelo lema 8.29, a
aplica ção

(Rm )s × (Rn )s × (P r (Rm , Rn ))s → (J r (Rm , Rn ))s

definida por G(x, v, p) = (j r (g1 +v1 +p1 )(x1 ), . . . , j r (gs +vs +ps )(xs ))
é uma submersão. Logo o conjunto G dos pares (v, p) tais que a
aplicação Gv,p (x) = G(x, v, p) é transversal a S é um conjunto re-
sidual. Sejam λi : Rm → [0, 1] funções C ∞ que vale 0 fora de uma
vizinhança compacta de φji (Kij ) contida em φji (Wij ) e vale 1 em uma
vizinhança menor de φji (Kij ). Definimos então h : M → N como
[SEC. 8.2: TEOREMAS DE TRANSVERSALIDADE 219

sendo igual a g fora de ∪i Wij e h = (ψij )−1 ◦ (gi + vi + pi ) ◦ φji em Wij


onde (v, p) ∈ G. Temos então que jsr h é transversal a S em pontos de
K j . Tomando (v, p) ∈ G suficientemente próximo da origem temos
que h ∈ V(g)

Demonstração do teorema
Tomemos uma cobertura enumerável de M (s) por subconjuntos com-
pactos Li e uma cobertura enumerável de S por subconjuntos fecha-
dos Fj . Pela proposição anterior TLi ;Fj ,S é aberto e denso. Logo
TS = ∩i,j TLi ;Fj ,S é residual.
Capı́tulo 9

Grau Topológico

9.1 O conceito de grau


Lembramos que definimos o conceito de homotopia C r na definição
3.2 e mostramos que é uma relação de equivalência. Agora podemos
mostrar um fato mais forte no caso de M ser compacta. Suponha que
f, g ∈ C r (M, N ) sejam homotópicas (por uma homotopia contı́nua),
então elas de fato são C r homotópicas. Para ver isso, fixe H uma
homotopia contı́nua entre f e g e, modificamos H obter uma homo-
topia contı́nua H̃ : [0, 1] × M → N tal que H̃(t, x) = f (x) se t ≤ 1/4
e H̃(t, x) = g(x) se t ≥ 3/4. Em seguida, usamos a proposição 7.43
para aproximar H̃ por uma aplicação C r que coincide com H̃ em
([0, 1/8] ∪ [7/8, 1]) × M , encontrando a homotopia desejada.

Será útil lembrar agora das proposições sobre homotopias, tais


como o corolário 3.3 e o teorema 3.11. Como consequência da ob-
servação acima, temos o seguinte corolário.
Corolário 9.1. Toda função é homotópica a uma função C ∞ e duas
funções C ∞ que são homotópicas são C ∞ homotópicas.
Definição 9.1. [grau] Sejam M e N variedades compactas orien-
tadas de mesma dimensão. Se f : M → N é de classe C r , r ≥ 1, e
y ∈ N é um valor regular de f , definimos o grau de f em relação a y
como o inteiro X
gr(f, y) = sinal(x)
f (x)=y

220
[SEC. 9.1: O CONCEITO DE GRAU 221

em que
(
+1 se Df (x) preserva orientação
sinal(x) =
−1 caso contrário.

Observação 9.1. A definição tem sentido mesmo que M não seja


compacta, mas com f própria.
Lema 9.2. Sejam f, g : M → N aplicações homotópicas de classe
C r e suponha que y ∈ N seja valor regular de ambas f e g. Então
gr(f, y) = gr(g, y).
Demonstração. É claro que y também é valor regular de qualquer
aplicação suficientemente C 1 próxima a f e seu grau em relação a y
coincide com o de f . Podemos então supor que f e g são de classe C ∞
e que a homotopia é também C ∞ . Pelo teorema de transversalidade,
podemos perturbar essa homotopia e obter uma homotopia H tal que
y também seja valor regular de H. Logo H −1 (y) é uma famı́lia finita
de curvas fechadas e intervalos fechados cujos bordos pertencem ao
bordo de [0, 1] × M = {0} × M ∪ {1} × M .

Figura 9.1: homotopia.

Afirmamos que se x1 , x2 ∈ M × {0} pertencem ao bordo de um


tal segmento, então f (x1 ) = f (x2 ) = y e o sinal de x1 é oposto
ao sinal de x2 . Para provar isso, consideremos uma parametrização
γ : [0, 1] → M × [0, 1] de uma componente conexa de H −1 (y) tal que
γ(0), γ(1) ∈ M × {0} e γ(0) com sinal positivo. Como γ 0 (0) aponta
para o interior de M × [0, 1], uma base positiva de T Mγ(0) seguida
de γ 0 (0) é uma base positiva de M × [0, 1] (estamos considerando em
M × [0, 1] a orientação produto: uma base positiva de T Mx seguida
222 [CAP. 9: GRAU TOPOLÓGICO


do vetor ∂t é uma base positiva de T (M × [0, 1])(x,t) ). Tomemos uma
métrica Riemanniana em M × [0, 1] tal que γ 0 (i) seja ortogonal a
T Mγ(i) para i = 0, 1. Como y é valor regular de H e DH(γ 0 (t)) = 0,
temos que a restrição de DH(γ(t)) ao complemento ortogonal γ 0 (t)⊥
é um isomorfismo para todo t. Consideremos em cada γ 0 (t)⊥ a ori-
entação tal que uma base positiva seguida do vetor γ 0 (t) seja uma
base positiva de T (M × [0, 1])γ(t) . Portanto, com essa orientação,
temos que a restrição da derivada de H a cada um desses espaços
preserva a orientação definida, pois para t = 0 a orientação é pre-
servada. Logo a orientação é preservada para t = 1. Mas como o
vetor γ 0 (1) aponta para fora, essa orientação é oposta à orientação
de T Mγ(1) . Logo, o sinal de γ(1) é negativo. Da mesma forma con-
cluı́mos que se y1 , y2 ∈ {1} × M pertencem à mesma componente
conexa de H −1 (y), então esses pontos tem sinais opostos com res-
peito a g. O mesmo argumento mostra também que se x3 ∈ {0} × M
e y3 ∈ {1} × M pertencem a um segmento que une as duas compo-
nentes do bordo, então o sinal de x3 com respeito a f é igual ao sinal
de y3 com respeito a g.
Teorema 9.3.

1) Se y1 e y2 são valores regulares de f ∈ C r (M, N ), r ≥ 1, então


def
gr(f, y1 ) = gr(f, y2 ) = gr(f ).
2) Se f e g ∈ C r (M, N ), com r ≥ 1, são homotópicas então
gr(f ) = gr(g).

Demonstração. Como já vimos, existe um campo de vetores em


N cujo fluxo ϕt está definido para todo tempo e ϕ1 (y2 ) = y1 . Seja
g = ϕ1 ◦ f . Como ϕ1 e um difeomorfismo homotópico à identidade,
temos que g é homotópico a f e Dϕ1 (y2 ) : T Ny2 → T Ny1 preserva
orientações. Logo y1 é valor regular de g e gr(g, y1 ) = gr(f, y2 ). Por
outro lado, pelo lema anterior, gr(g, y1 ) = gr(f, y1 ). Portanto o grau
de uma aplicação não depende do valor regular. O item 2 também
segue do lema anterior.
Observação 9.2. Se duas funções de classe C 1 estão suficientemente
próximas de uma função C 0 , então elas são homotópicas, e portanto
tem o mesmo grau. De modo tem sentido a seguinte definição.
[SEC. 9.1: O CONCEITO DE GRAU 223

Definição 9.2. O grau de função f ∈ C 0 (M, N ) é definido como o


grau de qualquer função de classe C 1 suficientemente próxima de f
na topologia C 0 .

Observações:

1. Os mesmos argumentos utilizados acima provam também que se


existe uma homotopia própria entre duas aplicações contı́nuas
próprias entre variedades orientadas, então as aplicações tem o
mesmo grau.

2. Para aplicações entre variedades não orientáveis podemos defi-


nir a noção de grau módulo dois. Para funções de classe C ∞ ,
o grau módulo dois é simplesmente a paridade do número de
pré-imagens de um valor regular e prova-se, com os mesmos
argumentos utilizados acima, que também é um invariante ho-
motópico.

Exemplo 9.1. Sejam f+ , f− : B(0, 3) ⊂ Rm → S m = Rm ∪ {∞} as


aplicações definidas por

 ∞ se kxk ≥ 2
f+ (x) = x se kxk ≤ 1
1

2−kxk x se 1 ≤ kxk < 2

e 
 ∞ se kxk ≥ 2
f− (x) = (−x 1 , x2 , ..., x m ) se kxk ≤ 1
1

2−kxk (−x 1 , x2 , ..., x m ) se 1 ≤ kxk < 2.

Seja M uma variedade compacta orientada. Considere uma famı́lia


de k cartas locais positivas {φi : Wi ⊂ M → B(0, 3)}, i = 1, ..., k,
com os Wi ’s dois a dois disjuntos. Sejam f, g : M → S m as aplicações
definidas por f (x) = g(x) = ∞ se x ∈ / ∪ki=1 Wi e em cada Wi definimos
f (x) = f+ (φi (x)) e g(x) = f− (φi (x)). Então f tem grau k e g tem
grau −k.

Proposição 9.4. Se M e N são variedades complexas compactas de


mesma dimensão e f : M → N é holomorfa, então o grau de f é o
número de pontos na imagem inversa de qualquer valor regular.
224 [CAP. 9: GRAU TOPOLÓGICO

Demonstração. Se L : Cn → Cn é uma transformação C-linear in-


vertı́vel, então L preserva a orientação de R2n = Rn × Rn , isto é,
det L > 0. De fato, como det é contı́nua, podemos supor, pertur-
bando L se necessário, que os autovalores de L são dois a dois dis-
2n
tintos. Em particular, existe uma base de R  na qual
 a matriz de
aj bj
L é formada de blocos diagonais da forma −b , em que cada
Q 2 j 2 aj
aj +ibj é um autovalor. Assim det L = j (aj +bj ) > 0. Em particu-
lar, toda variedade complexa é orientável e se df (x) é biunı́voca então
df (x) preserva orientação. Logo todos os pontos na pré-imagem de
um valor regular tem sinal positivo.

Corolário 9.5. Se f : M → N é holomorfa com M e N compactas de


mesma dimensão e se df (x) é 1−1 para algum x, então f é sobrejetiva.

Demonstração. A imagem de f contém uma vizinhança de f (x)


pelo teorema da função inversa. Pelo lema de Sard existe um valor
regular na imagem de f . Pela proposição anterior o grau de f é
positivo. Logo f é sobrejetiva pois se existisse y ∈ N \ f (M ), então
y é valor regular, o que implicaria grf = 0.

Em dimensão complexa 1 temos duas alternativas: ou f 0 (x) = 0


para todo x ∈ M , o que implica f ser constante, ou f é sobrejetiva.
Em particular, se f : C → C é uma função racional não constante, isto
P (z)
é, da forma f (z) = Q(z) com P e Q polinômios não ambos constantes,
então é sobrejetiva. Se Q é constante igual a 1, então concluı́mos que
todo polinômio não constante tem uma raı́z.

A seguir vamos estudar o problema de estender para o interior


uma aplicação contı́nua definida no bordo de uma variedade e que
toma valores em outra variedade da mesma dimensão que o bordo.

Lema 9.6. Seja W uma variedade com bordo e M = ∂W compacto


e da mesma dimensão que N . Sejam f, g : M → N aplicações ho-
motópicas. Se f tem uma extensão contı́nua F : W → N então g
também se estende continuamente.

Demonstração. Seja ϕ : M × [0, 1] → W uma vizinhança colar.


teorema 4.1. Consideremos a aplicação exponencial de uma métrica
Riemanniana em N . Seja V uma vizinhança de ∂W em W e  > 0
[SEC. 9.1: O CONCEITO DE GRAU 225

tal que para todo y ∈ V a aplicação exponencial expF (y) seja um


difeomorfismo da bola B(0, ) no espaço tangente a F (y) sobre uma
vizinhança de F (y). Seja δ > 0 tal que se y = ϕ(x, t) com t < δ,
então y ∈ V e f (x) ∈ expF (y) (B(0, )). Seja τ : [0, δ] → [0, 1] uma
função C ∞ tal que τ (t) = 1 para t ≤ 2δ e τ (t) = 0 para t ≥ 3δ4 . Se
y = ϕ(x, t) com t ≤ δ, definimos
 
F̃ (y) = expF (y) τ (t)exp−1
F (y) (f (x))

e definimos F̃ (y) = F (y) se y 6= ϕ(x, t) para qualquer x ∈ ∂W


se t ≥ δ. Então F̃ também é uma extensão contı́nua de f . Seja
H : [0, 1]×M → N uma homotopia entre g e f . Definimos G : W → N
por G(y) = F̃ (y) se y ∈/ ϕ(M × [0, 2δ ]) e se y = ϕ(x, t), com t ≤ 2δ ,
2t

definimos G(y) = H δ , x .
Proposição 9.7. Se uma aplicação contı́nua f : ∂W → N , entre
variedades compactas de mesma dimensão, se estende continuamente
a W então o grau de f é igual a zero.
Demonstração. Aproximando f por uma função C ∞ g homotópica
a f temos que g também se estende continuamente a W . Tomando
uma vizinhança colar φ : ∂W ×[0, 1] → W como no Lema ??, podemos
encontrar uma extensão contı́nua de F de g tal que F (φ(x, t) = g(x)
se 0 ≤ t ≤ δ < 1. Logo F é C i nf ty proximo a ∂W . Podemos então
aproximar F por uma função C ∞ que coincide com F em uma vizi-
nhança de W . Logo G é uma extensão C ∞ de g. Seja y ∈ ∂W um
valor regular de G e de g. Temos então que G−1 (y) é uma subva-
riedade de dimensão 1 e, como no Lema anterior, uma componente
conexa que intersecta o bordo o faz em dois pontos que tem sinais
opostos. Logo o grau de g é igual a zero.
Lema 9.8. Seja A ∈ GL(n, R). Se A preserva orientação, então
existe um caminho t ∈ [0, 1] 7→ At ∈ GL(n, R) tal que A0 = A
e A1 = id. Se A inverte orientação, então existe um caminho em
GL(n, R) tal que A0 = A e A1 (x1 , . . . , xn ) = (−x1 , x2 , . . . , xn ).
Demonstração. Como GL(n, R) é aberto em M (n, R), podemos su-
por que os autovalores de A são distintos, uma vez que existe uma ca-
minho entre um isomorfismo e qualquer isomorfismo suficientemente
226 [CAP. 9: GRAU TOPOLÓGICO

próximo. Podemos então escolher uma base de Rn na qual a matriz


de A é de blocos diagonais da forma
 
cos θj sen θj
rj , (λ2j ), ou (−µ2j ).
− sen θj cos θj

O caminho com blocos diagonais


 
cos(1 − t)θj sen(1 − t)θj
((1 − t)rj + t) ,
− sen(1 − t)θj cos(1 − t)θj

((1 − t)λ2j + t) e (−(1 − t)µ2j − t)


conecta a matriz inicial com uma matriz diagonal cujos elementos
 são

−1 0
1 e/ou −1. Finalmente, note que um bloco 2 × 2 do tipo 0 −1
pode ser levado à identidade pelo caminho

sen(t − 1) π2 cos(t − 1) π2
 
, 0 ≤ t ≤ 1.
− cos(t − 1) π2 sen(t − 1) π2

Teorema 9.9. [Hopf ] Seja W n+1 uma variedade orientada com


bordo e f : ∂W → S n uma aplicação contı́nua de grau 0. Então
f tem uma extensão contı́nua f˜: W → S n = Rn ∪ ∞.
Demonstração. Pelo Lema 9.6, podemos supor que f é C ∞ e que
o pólo norte 0 ∈ S n é um valor regular de f . Como f tem grau
zero temos que #f −1 (0) = 2k, sendo que k desses pontos tem sinal
positivo e k tem sinal negativo. Sejam γi : [0, 1] → W mergulhos di-
ferenciáveis tais que γi ([0, 1]) são dois a dois disjuntos, transversais
ao bordo e γi (0), γi (1) ∈ f −1 (0) tem sinais opostos, sendo γi (0) po-
sitivo. Em dimensão maior que um (dimensão de W maior que 2)
começamos construindo arcos conectando pontos com sinais opostos,
e com uma pequena perturbação obtemos arcos dois a dois disjuntos
por transversalidade. Se a dimensão de W for 2, temos que alte-
rar os arcos iniciais, mudando inclusive uma das extremidades para
torná-los disjuntos. Tomemos mergulhos (vizinhanças tubulares dos
γi ([0, 1]) adaptadas ao bordo) ϕi : [0, 1] × D → W com

ϕi (t, 0) = γi (t), ϕi ({0} × D) ⊂ ∂W e ϕi ({1} × D) ⊂ ∂W


[SEC. 9.1: O CONCEITO DE GRAU 227

Figura 9.2: teorema de Hopf.

sendo os tubos ϕi ([0, 1] × D) dois a dois disjuntos e f |ϕi ({0}×D) ,


f |ϕi ({1}×D) difeomorfismos. Aqui D = B(0, 1) ⊂ Rn .
A aplicação
z ∈ D 7→ ϕi (0, z) ∈ ∂W
preserva orientação, enquanto que a aplicação

z ∈ D 7→ ϕi (1, z) ∈ ∂W

inverte orientação. Logo z ∈ D 7→ f ◦ ϕi |{j}×D preservam orientação


para j = 0, 1. Pelo lema ??, existem arcos de isomorfismos de Rn ,
Ait , tais que Ai0 é a derivada de f ◦ ϕi |{0}×D no ponto 0 e Ai1 é a
derivada de f ◦ ϕi |{1}×D no ponto 0.

Seja g : ∂W → S n a aplicação homotópica a f tal que


• g ◦ ϕi |{j}×D1/2 = f ◦ ϕi |{j}×D1/2 ;
• g é igual ao pólo sul no complementar de ∪i,j ϕi ({j} × D), para
j = 0, 1;
• para 1/2 < s < 1, x ∈ S n−1 , g(ϕi ({j}, sx)) é igual ao ponto do
meridiano de S n passando por f (ϕi ({j}, 12 x)) que divide esse
meridiano na mesma proporção que s divide o intervalo [1/2, 1].
Por uma nova homotopia, podemos supor que g ◦ ϕi |{j}×D é igual
a Aj em {j} × {x ∈ D; kxk < }, para ε ≤ s ≤ 1/2 e x ∈ S n−1 ,
g({j}, sx) pertence ao meridiano ligando g({j}, Aj (εx)) ao pólo sul e
228 [CAP. 9: GRAU TOPOLÓGICO

o divide na mesma proporção que s divide o intervalo


S [ε, 1/2] e que g
seja constante igual ao pólo sul no complementar de ϕi ({j}×D1/2 ).
i,j
A
S extensão g̃ de g é constante igual ao pólo sul no complementar de
ϕi ({j} × D1/2 ) e dentro dos tubos é definida da seguinte maneira:
i,j

• g̃(ϕi (t, sx)) = Ait (sx) se s ≤ ;

• g̃(ϕi (t, sx)) = pólo sul se s ≥ 1/2;

• se  ≤ s ≤ 1/2, então g̃(ϕi (t, sx)) é o ponto do meridiano por


Ait (εx) que divide os arcos entre Ait (εx) e o pólo sul na mesma
proporção que s divide o intervalo [ε, 1/2];

• finalmente, a imagem de um ponto fora dos tubos por g̃ é defi-


nida como o pólo sul.

Como g̃ é extensão contı́nua de g e f é homotópica a g, então f


também tem extensão contı́nua pelo lema 9.6.

Observação 9.3. Se f : ∂W → S n tem grau 0 e é de classe C r , então


f tem extensão C r .

Teorema 9.10. Sejam f, g ∈ C 0 (M, S n ) aplicações contı́nuas, com


M e uma variedade orientável de dimensão n. Se f e g tem o mesmo
grau, então f e g são homotópicas.

Demonstração. Considere W = [0, 1] × M , de modo que o bordo


de W é ∂W = {0} × M ∪ {1} × M . A aplicação h : ∂W → S n definida
por h(0, x) = f (x) e h(1, x) = g(x) tem grau 0, e portanto se estende
continuamente a h̃ : [0, 1] × M → S n , que é uma homotopia entre f e
g.

Observação 9.4. Como já vimos anteriormente, para todo k ∈ Z


existe uma aplicação contı́nua f : M → S n de grau k. Portanto o
conjunto das classes de homotopia de aplicações de M em S n esta
em bijeção com Z.
[SEC. 9.2: ÍNDICE DE SINGULARIDADE DE CAMPOS DE VETORES 229

9.2 Índice de singularidade de campos de vetores


Definição 9.3. Seja X : U ⊂ Rn → Rn um campo de vetores contı́nuo
e x0 ∈ U uma singularidade isolada de X. Seja ε > 0 tal que X(x) 6= 0
se 0 < kxk ≤ ε. Definimos o ı́ndice de X em x0 , denotado por
Ind(X, x0 ), como o grau da aplicação
S n−1 −→ S n−1
X(x0 +εx)
x 7−→ kX(x0 +εx)k .

Observação: Pela invariância do grau por homotopia, a definição


não depende da escolha de ε.
Definição 9.4. Uma singularidade x0 ∈ U de um campo X ∈ X1 (U )
é dita hiperbólica se DX(x0 ) não possui autovalores no eixo ima-
ginário. O subespaço estável de X em x0 é o auto-espaço Exs0 associ-
ado aos autovalores com parte real negativa.

Proposição 9.11. Se x0 é uma singularidade hiperbólica de um


campo X ∈ X1 (U ), então
s
Ind(X, x0 ) = (−1)dim Ex0 .
Demonstração. Seja A0 = DX(x0 ). Para  > 0 próximo de 0 e
x ∈ S n−1 , temos que X(x0 + x) = A0 (x) + r(x), com r(x)  →0
se  → 0. Como A0 não tem autovalores no eixo imaginário, A0 é
em particular invertı́vel, portanto existe m > 0 tal que kA0 (x)k ≥ m
para todo x ∈ S n−1 . Como r(x)  → 0 quando  → 0, podemos
r(x)
escolher  > 0 tal que |  | < m e também que X(x0 + x) 6= 0 para
todo x ∈ S n−1 . Daı́ kA0 (x) + s · r(x)k =
6 0 para todo s ∈ [0, 1] e
x ∈ S n−1 , de modo que está bem definida a aplicação
S n−1 × [0, 1] −→ S n−1
A0 (x)+s·r(x)
(x, s) 7−→ kA0 (x)+s·r(x)k

X(x0 +εx) A0 (x)


e é uma homotopia entre as aplicações x 7→ kX(x 0 +εx)k
e x 7→ kA0 (x)k ,
implicando portanto que tem o mesmo grau, e assim
Ind(X, x0 ) = Ind(A0 , 0).
230 [CAP. 9: GRAU TOPOLÓGICO

Por outro lado, pelo lema 9.6, podemos construir uma homotopia At
à identidade se o número de autovalores com parte real < 0 é par ou
à aplicação (x1 , x2 , . . . , xn ) 7→ (−x1 , x2 , . . . , xn ) se esse número for
ı́mpar. Logo Ind(A0 , 0) é igual a 1 se o auto-espaço correspondente
aos autovalores com parte real negativa tem dimensão par e −1 caso
contrário.

Corolário 9.12. Sejam x0 ∈ U é uma singularidade hiperbólica do


campo X ∈ X1 (U ), ϕ : U → V ⊂ Rn um difeomorfismo de classe
C ∞ e Y = ϕ∗ X : y 7→ Dϕ(ϕ−1 (y)) · X(ϕ−1 (y)). Então ϕ(x0 ) é
singularidade hiperbólica de Y e

Ind(X, x0 ) = Ind(Y, ϕ(x0 )).

Demonstração. Se y0 = ϕ(x0 ), então

DY (y0 ) = Dϕ(x0 ) · DX(x0 ) · Dϕ(x0 )−1 ⇒ dim Exs0 = dim Eys0

pois o espectro de DX(x0 ) é igual ao espectro de DY (y0 ).

Lema 9.13. Se 0 é uma singularidade simples de um campo de ve-


tores X : Rn → Rn então para todo δ > 0 suficientemente pequeno 0
é singlaridade hiperbólica do campo Y (x) = X(x) + δ × x.

Demonstração. Como DY (0) = DX(0) + δid temos que se λ é


autovalor de DX(0) então λ + δ é autovalor de DY (0). Logo, se δ é
menor que o valor absoluto da parte real de todos autovalores com
parte real não nula, temos que DY (0) não tem autovalor no eixo
imaginário. Logo 0 é singularidade hiperbólica de X.

Proposição 9.14. Se r ≥ 1 então o conjunto dos campos de vetores


C r cujas singularidades são todas hiperbólicas é aberto e denso em
Xr (M ).

Demonstração. Como o conjunto dos campos de vetores com todas


as singularidades simples é aberto e denso, teorema 8.41, a proposição
segue do lema 9.13.
[SEC. 9.2: ÍNDICE DE SINGULARIDADE DE CAMPOS DE VETORES 231

Lema 9.15. Seja x0 ∈ U uma singularidade isolada do campo de


vetores contı́nuo X : U ⊂ Rn → Rn . Se ϕ : U → V ⊂ Rn é um
difeomorfismo C ∞ (basta C 1 ) e Y = ϕ∗ X, então

Ind(X, x0 ) = Ind(Y, y0 ) com y0 = ϕ(x0 ).

Demonstração. Seja a > 0 tal que

0 < kx − x0 k ≤ a ⇒ X(x) 6= 0
0 < ky − y0 k ≤ a ⇒ Y (y) 6= 0.
a
Seja b < 2 suficientemente pequeno tal que

a
kx − x0 k < b ⇒ kϕ(x) − y0 k < .
2

Seja ε > 0 e X̃ um campo de classe C ∞ cujas singularidades no disco


kx − x0 k ≤ a são todas hiperbólicas e

kX̃(x) − X(x)k ≤ ε, ∀ x ∈ U.

Se ε > 0 é suficientemente pequeno, então ϕ∗ X̃ está muito próximo


de Y , de modo que as singularidades de ϕ∗ X̃ estão contidas na bola
de raio a2 e centro y0 e as aplicações

Y (y0 + ay) ϕ∗ X̃(y0 + ay)


S n−1 → S n−1 , y 7→ e y 7→
kY (y0 + ay)k kϕ∗ X̃(y0 + ay)k

estão próximas, e portanto são homotópicas, implicando que tem o


mesmo grau.

Além disso, para ε suficientemente pequeno as singularidades de X̃


estão contidas na bola de raio a2 e centro x0 . Pelo corolário ante-
rior, a soma dos ı́ndices da singularidades de X̃ em B(x0 , a) é igual a
soma dos ı́ndices da singularidades de ϕ∗ X̃ em B(x0 , a). Seja δ > 0
suficientemente pequeno para que as bolas de raio δ e centro nas sin-
gularidades de X̃ sejam duas a duas disjuntas e contidas em B(x0 , a).
232 [CAP. 9: GRAU TOPOLÓGICO

S
Seja W = B(x0 , a) \ B(xi , δ), em que x1 , . . . , xk são as singulari-
i
dades de X̃ em B(x0 , a). Como X̃ não tem singularidades em W , a
aplicação
∂W −→ S n−1
x 7−→ kX̃(x)
X̃(x)k

se estende continuamente a W , e portanto tem grau 0.


k
P
Logo Ind(X, x0 ) = Ind(X̃, xi ) e, de modo análogo,
i=1

k
X
Ind(Y, y0 ) = Ind(ϕ∗ X̃, ϕ(xi )),
i=1

o que implica Ind(X, x0 ) = Ind(ϕ∗ X, y0 ).

Definição 9.5. Se X ∈ X0 (M ) e x0 ∈ M é singularidade isolada de


X, definimos
Ind(X, x0 ) = Ind(ϕ∗ X, ϕ(x0 ))
com ϕ : U ⊂ M → Ũ ⊂ Rm uma carta local em torno de x0 .

Observação 9.5. Pelo lema 9.12, a definição não depende da carta


local e nem de uma orientação de M .

Teorema 9.16. Sejam M uma variedade compacta e X, Y ∈ X(M )


campos de vetores cujas singularidades são todas isoladas. Então
X X
Ind(X, x) = Ind(Y, y).
X(x)=0 Y (y)=0

Portanto o número acima é um invariante da variedade, chamado de


caracterı́stica de Euler de M , e é denotado por χ(M ).

Demonstração. Usando a proposição 9.14,podemos trocar X e Y


por campos de classe C ∞ com singularidades todas hiperbólicas. Se-
gue do teorema 8.41 que existe um caminho contı́nuo de campos de
vetores t ∈ [0, 1] 7→ Xt , com X0 = X e X1 = Y e tal que todas as
singularidades de Xt são isoladas para todo t. Pela invariância de
[SEC. 9.2: ÍNDICE DE SINGULARIDADE DE CAMPOS DE VETORES 233

grau por homotopia, temos que para todo t0 ∈ [0, 1] existe ε > 0 tal
que
X X
|t − t0 | < ε ⇒ Ind(Xt , x) = Ind(Xt0 , x).
Xt (x)=0 Xt0 (x)=0

Teorema 9.17. Seja M uma variedade compacta. Então existe um


campo de classe C ∞ em M cujas singularidades são todas hiperbólicas
e de mesmos ı́ndices.
Demonstração. Seja X um campo de vetores em M cujas singula-
ridades são todas hiperbólicas. Sejam x, y ∈ M singularidades de X
tais que Ind(X, x) = −Ind(X, y). Usando um arco mergulhado con-
tendo x e y, disjunto das outras singularidades, e que seja o fluxo de
um campo de vetores de classe C ∞ tangente a esse arco construı́mos
um mergulho
ϕ : (−ε, 1 + ε) × Dn−1 → M
tal que ϕ((−ε, 1+ε)×Dn−1 )) intersecta o conjunto de singularidades
de X apenas nos pontos x = ϕ(0, 0) e y = ϕ(1, 0).

Seja Y : (−ε, 1 + ε) × Dn−1 → Rn o campo tal que ϕ∗ Y = X. To-


memos uma vizinhança B de [0, 1] × {0} difeomorfa a uma bola, cujo
bordo é difeomorfo a uma esfera, e B0 , B1 bolas centradas em (0, 0)
e (1, 0) cujos fechos estão contidos em B.

Se W = B \ B 0 ∪ B 1 , então ∂W = ∂B t ∂B0 t ∂B1 e a aplicação

∂W −→ S n−1
Y (x)
x 7−→ kY (x)k

se estende a W , e portanto tem grau 0. Por outro lado seu grau é


IndY (0, 0) + IndY (1, 0) − gr kYY (x)k
(x)
|∂B .

Mas como Ind(Y, (0, 0)) = −Ind(Y, (1, 0)) temos que a aplicação

∂B −→ S n−1
Y (x)
x 7−→ kY (x)k
234 [CAP. 9: GRAU TOPOLÓGICO

tem grau zero. Logo se estende diferenciavelmente a B. Portanto


Y |(−ε,1+ε)×Dn−1 \B se estende a um campo Ỹ sem singularidades. De
fato, tome F : B → S n−1 uma extensão e seja f função de classe C ∞
não negativa que vale 1 em vizinhança de B0 ∪ B1 e 0 fora de uma
vizinhança de B0 ∪ B1 contida em B e defina Ỹ = (kY k + f ) · F .
Logo o campo Ỹ que coincide com X fora de ϕ((−ε, 1 + ε) × Dn−1 )
e com ϕ∗ Ỹ em ϕ((−ε, 1 + ε) × Dn−1 ) tem todas as singularidades
hiperbólicas e um par de singularidades com ı́ndices distintos a menos
que X. Continuando o processo encontramos um campo com todas
as singularidades de mesmo ı́ndice.

Corolário 9.18. Se χ(M ) = 0, então existe um campo de vetores


em M sem singularidades.

Corolário 9.19. Se M é uma superfı́cie e χ(M ) < 0, então existe um


campo de vetores em M cujas singularidades são selas hiperbólicas,
isto é, singularidades de ı́ndice −1.

Observação 9.6. Podemos provar diretamente o corolário acima ob-


servando que toda superfı́cie compacta é obtida colando um número
finito de calças pelos bordos, e em cada calça construir um campo
de vetores com uma única sela no interior e os bordos como órbitas
fechadas, como na figura 9.3.

Figura 9.3: Campo de vetores em uma calça.

Em particular, a caracterı́stica de Euler é 2 − #de calças. O toro


T2 tem caracterı́stica de Euler 0 pois tem um campo sem singulari-
dades e a esfera tem caracterı́stica 2.
[SEC. 9.2: ÍNDICE DE SINGULARIDADE DE CAMPOS DE VETORES 235

Proposição 9.20. Em toda variedade compacta existe um campo


de vetores com uma única singularidade.
Demonstração. Mostremos inicialmente que dado um inteiro k,
existe um campo de vetores em B(0, 1) ⊂ Rm com uma única singu-
laridade, cujo ı́ndice é k. De fato, seja f : S m−1 → S m−1 uma função
de classe C ∞ de grau k. Seja φ : Rm → R uma função de classe
C ∞ não negativa que vale 1 próximo da esfera unitária, que se anula
apenas em 0 e cujas derivadas de todas  asordens em 0 são nulas. O
x
campo X definido por X(x) = φ(x)f kxk se x 6= 0 e X(0) = 0 é de

classe C e tem uma única singularidade em 0, cujo ı́ndice é k.

Seja X um campo de vetores de classe C ∞ na variedade M que tem


uma singularidade isolada x0 de ı́ndice igual à caracterı́stica de Euler
de M . Perturbando o campo X fora de uma pequena vizinhança de
x0 , obtemos um campo Y que coincide com X em uma vizinhança de
x0 e tal que todas as outras singularidades de Y são hiperbólicas,
proposição ??. Logo o número de singularidades hiperbólicas de
ı́ndice 1 é igual ao número de singularidades hiperbólicas de ı́ndice
−1. Usando o argumento da prova do teorema acima, podemos eli-
minar todas essas singularidades hiperbólicas e obter um campo de
vetores com apenas a singularidade x0 .
Proposição 9.21. Se M é uma variedade de dimensão ı́mpar, então
χ(M ) = 0.
Demonstração. X um campo de vetores em M com todas singula-
ridades hiperbólicas. Sejam x1 , . . . , xk essas singularidades, de modo
k s
(−1)dim Exi . O campo −X tem as mesmas singula-
P
que χ(M ) =
i=1
ridades, mas o subespaço estável em cada singularidade de −X é o
subespaço instável de X nessa singularidade, daı́
X X s
χ(M ) = Ind(−X, xi ) = (−1)n−dim Exi = −χ(M ),

e assim χ(M ) = 0.
Proposição 9.22. Se M e N são variedades compactas e π : M → N
é uma aplicação de recobrimento, então
χ(M ) = (#f −1 (x)) · χ(N ).
236 [CAP. 9: GRAU TOPOLÓGICO

Demonstração. Seja X um campo de vetores em N com singulari-


dades todas hiperbólicas e seja Y = π ∗ X o campo de vetores em M
tal que
Dπ(y)Y (y) = X(π(y)).
Então y ∈ M é singularidade de Y se, e somente se, x = π(y) é
singularidade de X e
Ind(Y, y) = Ind(X, x).

Observação 9.7. Considere o toro Tn = S 1 × ... × S 1 e a aplicação


π: Tn −→ Tn
(z1 , z2 , . . . , zn ) 7−→ (z12 , z2 , . . . , zn ).
Então π é um recobrimento com duas folhas. Logo (χT n ) = 2χ(T n ),
e portanto χ(T n ) = 0.
Proposição 9.23. Se uma variedade de dimensão par M é a soma
conexa de M1 e M2 , então χ(M ) = χ(M1 ) + χ(M2 ) − 2.
Demonstração. Sejam Bj ⊂ Mj bolas mergulhadas e considere
mergulhos φj : Mj \ Bj → M , j = 1, 2, tais que M é a união das
imagens de φ1 e φ2 e a interseção das imagens seja uma esfera mer-
gulhada S ⊂ M . Em M1 construı́mos um campo de vetores com uma
única singularidade em B1 , que seja hiperbólica e atratora, e que seja
transversal a ∂B1 . Podemos supor que todas as outras singularidades
de X1 também são hiperbólicas. Analogamente, em M2 construı́mos
um campo X2 com uma única singularidade B2 , que seja hiperbólica
e repulsora, e que seja transversal a ∂B2 . Sejam
x1 , . . . , xk as singularidades de X1 em M1 \ B1
e
y1 , . . . , y` as singularidades de X2 em M2 \ B2 ,
de modo que
X
Ind(X1 , xi ) = χ(M1 ) − 1
X
Ind(X2 , yi ) = χ(M2 ) − 1.
[SEC. 9.2: ÍNDICE DE SINGULARIDADE DE CAMPOS DE VETORES 237

Podemos então construir um campo de vetores X em M que é trans-


versal a S e tal que φ∗i (X) coincide com Xi fora de uma pequena
vizinhança do bordo onde os campos não se anulam. Logo
X X
Ind(X, x) = Ind(X1 , x)
x∈M1 X1 (x)=0
X(x)=0 x∈M1 \B1
X X
Ind(X, y) = Ind(X2 , y).
y∈M2 X2 (y)=0
X(y)=0 y2 ∈M2 \B2

Proposição 9.24. Se W é uma variedade com bordo, então existe


um campo de vetores sem singularidades em W .
Demonstração. Seja W̃ o dobro de W e X um campo de vetores em
W̃ com singularidades hiperbólicas. Sejam x1 , . . . , xk as singularida-
des de X em W . Considere curvas mergulhadas γi : (−ε, 1 + ε) → W̃
com γi (0) = xi , com imagens duas a duas disjuntas e disjuntas das
outras singularidades e tais que γi (1) ∈ W̃ \ W . Tomemos um campo
de vetores de classe C ∞ tal que as curvas γi são integrais e se anula
fora de uma pequena vizinhança dessas curvas. Seja ϕ o fluxo desse
campo e Y = ϕ1 ∗ X. Então todas as singularidades de Y estão em
W̃ \ W e sua restrição a W é um campo de vetores sem singularida-
des.
Proposição 9.25. Se X e Y são campos de vetores em W que são
transversais ao bordo apontando para o interior de W , então
X X
Ind(X, x) = Ind(Y, y).
X(x)=0 Y (y)=0

Chamamos esse número de caracterı́stica de Euler de W .


Demonstração. Podemos construir como antes uma homotopia en-
tre esses dois campos por campos que são transversais ao bordo e só
tem singularidades isoladas e a mesma prova funciona.
Corolário 9.26. Se W1n e W2n são variedades de dimensão par com
bordo e ϕ : ∂W1 → ∂W2 é um difeomorfismo, então
χ(W1 ∪ϕ W2 ) = χ(W1 ) + χ(M2 ).
238 [CAP. 9: GRAU TOPOLÓGICO

Demonstração. Sejam ij : Wj ,→ W1 ∪ϕ W2 mergulhos e Xj campos


com singularidades hiperbólicas em Wi e apontando para o interior.
Construı́mos um campo de vetores X em W1 ∪ϕ W2 tal que i∗1 X
coincide com X1 fora de uma vizinhança de ∂W1 e é não nulo nessa
vizinhança e i∗2 X coincide com −X2 fora de vizinhança de ∂W2 , na
qual não se anula. Logo
X
χ(M ) = Ind(X, x)
X(x)=0
X X
= Ind(X1 , x) + Ind(X2 , x)
X1 (x)=0 X2 (x)=0

= χ(M1 ) + χ(M2 ).

9.3 Número de interseção


Assim como a noção de transversalidade de uma aplicação a uma sub-
variedade é uma generalização da noção de valor regular, a definição
abaixo generaliza a noção de grau.

Definição 9.6. Sejam M, N variedades orientadas, com M com-


pacta, e S ⊂ N uma subvariedade fechada e orientada tal que dim M +
dim S = dim N . Se f : M → N é uma aplicação de classe C r , r ≥ 1,
transversal a S, definimos o número de interseção de f com S por
X
#f ∩ S = sinal(x),
x∈f −1 (S)

em que sinal(x) = +1 se uma base positiva de T Sf (x) seguida da ima-


gem por Df (x) de uma base positiva de T Mx for uma base positiva
de T Nf (x) e −1 caso contrário.

Teorema 9.27. Seja M uma variedade compacta orientada, N va-


riedade orientada, e S ⊂ N variedade orientada cuja codimensão é
igual à dimensão de M . Se f, g : M → N são aplicações de classe
C ∞ homotópicas e transversais a S então o número de interseção de
f com S coincide com o número de interseção de g com S.
[SEC. 9.3: NÚMERO DE INTERSEÇÃO 239

Demonstração. Seja H̃ : M × [0, 1] → N uma homotopia contı́nua


entre f e g. Como anteriormente, podemos supor que H̃(x, t) = f (x)
para t ≤ 41 e H̃(x, t) = g(x) para t ≥ 43 . Podemos então aproximar H̃
na topologia C 0 por uma homotopia H de classe C ∞ que é transversal
a S e coincide com H̃ se t ≤ 18 e t ≥ 78 . Como antes, a imagem
inversa de S é um número finito de arcos de curva com extremos no
bordo de M × [0, 1] e um número finito de cı́rculos no interior de
M × [0, 1]. Vamos mostrar que se γ : [0, 1] → M × [0, 1] é um desses
arcos com γ(0) = (x, 0) e γ(1) = (y, 0) então x então x e y tem sinais
contrários. De fato, orientemos M × R com a orientação produto e
tomemos uma métrica Riemanniana e M × R com M × {t} ortogonal
a {z} × R para todo z ∈ M . Orientemos o subespaço perpendicular
a γ 0 (t) de modo que γ 0 (t) seguido de uma base positiva de γ 0 (t)⊥
seja uma base positiva de M × [0, 1]. Tomemos também uma metrica
Riemanniana em N e, para cada ponto z ∈ S orientamos o espaço
ortogonal a T Sz de modo que uma base positiva de T Sz seguida de
uma base positiva de T Sz⊥ é uma base positiva de T Nz . Como H
é transversal a S e a imagem de γ 0 (t) por DH(γ(t)) pertence a S
temos que a imagem de γ 0 (t)⊥ é transversal ao espaço tangente a S
no ponto H(γ(t)) e a composta de restrição de DH(γ(t)) a γ 0 (t)⊥ com

a projeção ortogonal de T Nγ(t) sobre T Sγ(t) é um isomorfismo ρ(t) de
0 ⊥ ⊥
γ (t) sobre T SH(γ(t)) . Logo ou ρ(t) preserva orientação para todo
t ou inverte a orientação para todo t. Por outro lado, a orietação
em γ 0 (0)⊥ = T Mx coincide com a orientação de T Mx enquanto que
a orientaçao de γ 0 (1)⊥ = T My é oposta à orientaçao de T My o que
prova que os sinais são opostos. Com o mesmo argumento concluimos
que se γ(0), γ(1) ∈ M × {1} os extremos tem sinais opostos para
g enquanto que se, γ(0) ∈ M × {0} eγ(1) ∈ M × {1}, os sinais
coincidem.

Podemos então definir o número de interseção de uma função


contı́nua f : M → N com S como o número de interseção com S de
qualquer função C ∞ transversal a S e suficientemente proxima de f
e esse número é invariante por homotopia.
Se M é uma variedade compacta orientada, a soma dos ı́ndices
das singularidades de um campo de vetores coincide com o número
de interseções de X com a seção nula de T M . Como o espaço de
campos de vetores é um espaço vetorial, dois campos são sempre ho-
240 [CAP. 9: GRAU TOPOLÓGICO

motópicos: t 7→ (1 − t)X + tY . A invariância por homotopia do


número de interseção fornece uma outra prova de que a soma dos
ı́ndices das singularidades não depende do campos de vetores. Esse
resultado para variedades orientadas imediatamente implica o resul-
tado para variedades não orientadas. De fato, se M é uma variedade
compacta não orientada e X, Y ∈ X0 (M ) são dois campos de ve-
tores com singularidades isoladas e tais que a soma dos ı́ndices das
singularidades não coincidem, podemos tomar o recobrimento duplo
π : M̃ → M , com M̃ orientável, e os campos X̃ = π ∗ X e Ỹ = π ∗ Y
tem distintas soma de ı́ndices de singularidades.
Se as variedades não são orientadas podemos definir, como no
caso de grau, o número de interseção modulo 2 que é um invariante
homotópico. Vejamos agora uma aplicação desse invariante.
Teorema 9.28 ( Jordan-Brower). Seja M uma subvariedade de co-
dimensão um de Rn+1 . Então M é orientáveis e o complemento de
M tem exatamente duas componentes conexas.
Demonstração. Podemos supor que M é conexa. Tomando uma
orientação de Rn+1 basta construir um campo de vetores contı́nuo e
normal a M para definir uma orientação em M : uma base de T Mx
é positiva se, seguida do vetor normal, é uma base positiva de Rn+1 .
Para construir tal campo de vetores, começamos definindo um vetor
unitário v0 normal a T Mx0 . Se x ∈ M seja α : [0, 1] → M um caminho
tal que α(0) = x0 e α(1) = x podemos construir uma aplicação con-
tanua v : [0, 1] → Rn+1 tal que para cada t v(t) é um vetor unitário
normal a T Mα(t) . Afirmamos que v(1) não depende do caminho
α. Caso contrário existiria um caminho fechado β : [0, 1] → M com
β(0) = β(1) = x0 e uma função contı́nua v : [0, 1] → Rn+1 tal que
v(t) é um vetor unitário normal a T Mβ(t) e v(0) = −v(1). Se  > 0 é
suficientemente pequeno o vetor β(t) + v(t) não pertence a M . Logo
a curva fechada γ : [0, 1] → Rn+1 definida por γ(t) = β(2t) + v(2t)
se t ≤ 21 e γ(t) = (2t − 12 )β(0) + (1 − (2t − 21 ))β(1) é uma curva
fechada que intersecta M no único ponto x0 , Isto é um absurdo pois
se v ∈ Rn+1 tem norma suficientemente grande a curval fechada
t 7→ γ(t) + v é disjunta de M e é homotópica a γ. Com o mesmo
argumento concluı́mos que x0 + v0 e x0 − v0 pertencem a compo-
nentes conexas distintas do complementar de M pois, caso contrario
poderı́amos construir uma curva fechada que intersecta M no único
[SEC. 9.3: NÚMERO DE INTERSEÇÃO 241

ponto x0 . Resta provar que temos apenas duas componentes cone-


xas. De fato, como vimos acima, exige uma aplicação diferenciáveis
v : M → Rn+1 tal que v(x) é um vetor unitário ortogonal a T Mx .
Logo o vibrado normal de M é trivial e, portanto, M separa uma
vizinhança tubular U em duas componentes. Por outro lado, dado
z ∈ M exige uma curva α : [0, 1] → Rn+1 tal que α(0) = z, α(1) ∈ M
e α(t) ∈
/ M se t < 1. Logo z pertence à mesma componente conexa
de Rn+1 \ M que o ponto α(1 − ) ∈ U .

Um ponto fixo de uma aplicação C 0 f : M → M é um ponto da


interseção do grafico de f com a diagonal ∆ ⊂ M × M . Logo, se M é
orientável podemos definir um invariante da classe de homotopia de
f : o número de interseção de f˜: M → M × M com a diagonal. Se f
é C 1 e f˜ é transversal à diagonal, então o sinal de cada ponto fixo x
com respeito à aplicação f˜ é chamado ı́ndice do ponto fixo. . Vamos
a seguir mostrar que esta definição se estende a ponto fixo isolado de
uma aplicação contı́nua de uma variedade orientável ou não.

Definição 9.7. Seja f : U ⊂ Rm → Rm uma aplicação contı́nua tal


que 0 seja um ponto fixo isolado, isto é, f (x) 6= x para todo x em
uma vizinhança de 0. Se  > 0 é tal que a bola de centro 0 e raio 2
esteja contido nessa vizinhança definimos o ı́ndice de f em 0 como o
grau da aplicação

f (x) − x
S n−1 → S n−1 definida por x 7→
||f (x) − x||

Pela invariância por homotopia do grau, a definição acima não


depende da escolha de .

Definição 9.8. Seja f : M → M uma aplicação de classe C 1 . Dize-


mos que p ∈ M é um ponto fixo simples de f se Df (p) : T Mp → T Mp
é um isomorfismo que não tem autovalor igual a 1. Dizemos que o
ponto fixo é hiperbólico se Df (p) é isomorfismo e não tem autovalor
no cı́rculo unitário.

Em particular, uma singularidade simples (resp. hiperbólica) de


um campo de vetores é um ponto fixo simples (resp. hiperbólico) do
fluxo do campo do campo de vetores.
242 [CAP. 9: GRAU TOPOLÓGICO

Um ponto fixo p de f : M → M é simples se e sòmente se a


aplicação x 7→ (x, f (x)) é transversal à diagonal no ponto p. Logo
todo ponto fixo simples é isolado.

Proposição 9.29. Sej 0 um ponto fixo simples de uma aplicação C 1


f : U ⊂ Rm → Rm .

1. Se o número de autovalores de Df (0) em cada um dos intervalos


(−∞, 0) e (0, 1) é par então o Ind (f, 0) = +1.

2. Se o número de autovalores de Df (0) em cada um dos intervalos


(−∞, 0) e (0, 1) é impar então o Ind (f, 0) = +1

3. Se a paridade é diferente então Ind (f, 0) = −1

Demonstração. A prova usa a invariância por homotopia do grau


como na proposição 9.11. Exatamente como na proposição 9.11
começamos mostrando que Ind (f, 0) = Ind (L, 0) onde L = Df (0).
Em seguida construimos um caminho Lt de isomorfismos lineares sem
autovalor igual a 1 com L0 = L e L1 um dos isomorfismos seguintes:
No primeiro caso, L1 (x) = 2x. No segundo casso, L1 (x1 , . . . , xm ) =
(− 12 x1 , − 12 x, 2x3 , . . . , 2xm ). Finalmente, no terceiro caso
L1 (x1 , x2 , . . . , xm ) = ( 12 x1 , 2x2 , . . . , 2xm ) ou L1 (x1 , x2 , . . . , xm ) =
(− 21 x1 , +2x2 , . . . , 2xm ). Isto é feito como na proposição 9.11: ini-
ciamos o caminho até um isomorfismo proximo que é diagonalizável
sobre os complexos, movemos todos os autovalores reais para − 12 , 12 , 2
e em seguida todos os autovalores complexos e pares de autovalores
reais iguais para 2. Por invariãncia por homotopia do grau o ı́ndice
não depende de t. Para calcular o ı́ndice no terceiro caso, temos que
calcular o grau da aplicação

(− 12 x1 , x2 , . . . , xm )
x ∈ S m−1 7→ ∈ S m−1
||(− 21 x1 , x2 , . . . , xm )||

mas essa aplicação é homotópica a

x ∈ S m−1 7→ (−x1 , x2 , . . . , xm )

que tem grau −1. Os outros casos são analogos.


[SEC. 9.3: NÚMERO DE INTERSEÇÃO 243

Corolário 9.30. Se 0 é ponto fixo simples da aplicação C 1 f : U ⊂


Rm → Rm e φ : U → V é um difeomorfismo C 1 então φ(0) é ponto
fixo simples de φ ◦ f ◦ φ−1 e com o mesmo ı́ndice.

Demonstração. Pela proposição o ı́ndice só depende do espectro da


derivada no ponto fixo que é o mesmo nos dois casos.

Pelo corolário acima, o ı́ndice de um ponto fixo simples é inva-


riante por mudanças de coordenadas C 1 , mesmo que não preserve a
orientação e fica bem definido em variedades, orientáveis ou não.

Exercı́cio 9.1. Mostre que para os isomorfismos L1 : Rm → Rm da


proposição anterior, o ı́ndice no ponto fixo coincide com o sinal de 0 da
inteseção com a diagonal da aplicação x ∈ Rm 7→ (x, L1 (x)) ∈ M ×M .
Conclua que, para variedades orientáveis, o número de interseção de
uma aplicação transversal à diagonal é igual à soma dos ı́ndices dos
pontos fixos.

Teorema 9.31. O conjunto das transformações em C r (M, M ) cujo


gráfico é transversal à diagonal é aberto e denso.

Demonstração. A prova usa os mesmos argumentos do capı́tulo 8


e é deixada como exercı́cio ao leitor.

Corolário 9.32. Se 0 é um ponto fixo isolado de uma aplicação


contı́nua f : U ⊂ Rm → Rm e φ : U → V é um difeomorfismo C 1
então φ(0) é ponto fixo isolado de φ ◦ f ◦ φ−1 de mesmo ı́ndice.

Demonstração. Seja  > 0 tal que f não tem ponto fixo na bola
de raio 2. Se g é suficientemente proximo a f na topologia C0 , g
não tem pontos fixos na esfera de raio . Pelo teorema, podemos
tomar g C ∞ tal que seus pontos fixos são todos simples. Logo g
tem um número finito de pontos fixos na bola de raio . Centrado
em cada um dos pontos fixos tomamos uma pequena bola com fecho
contido na bola de raio  tais que os fechos dessas bolas sejam dois
a dois disjuntos e que g não tenha pontos fixos na variedade W que
é o complementar dessas bolas na bola de raio . Comoa a função
g(x)−x)
x ∈ W → ||g(x)−x|| ∈ S m−1 é contı́nua, sua restrição ao bordo tem
grau zero. Mas o grau de sua restrição ao bordo da esfera de raio
 é igual ao ı́ndice Ind(f, 0). Isto porque se g está suficientemente
244 [CAP. 9: GRAU TOPOLÓGICO

proximo a f na esfera, as correspondentes aplicações da esfera de


raio  na esfera unitária estão proximas e, portanto, são homotópicas
e, consequentemente tem o mesmo grau.Por outro lado, o grau de sua
restrição ao complementar do bordo de W é igual a menos a soma dos
ı́ndices de g nos pontos crı́ticos pois a orientação nessas componentes
do bordo de W é oposta à orientação dessas componentes como bordo
das respectivas bolas. Logo o ı́ndice de 0 como ponto fixo de f é igual
à soma dos ı́ndices de g nos pontos fixos na bola de raio . Por outro
lado, a soma dos ı́ndices de φ ◦ g ◦ φ−1 nos pontos fixos da imagem
da bola de raio  é igual à soma dos ı́ndices dos pontos fixos de g na
bola de raio . e, por outro lado é igual ao ı́ndice de φ ◦ f ◦ φ−1 no
ponto φ(0) como é fácil ver.
Proposição 9.33. Seja M uma variedade compacta e f : M → M
uma função contı́nua cujos pontos fixos são todos isolados.. Então
existe uma vizinhança de f na topologia C 0 tal que se g pertence
a essa vizinhança e todos os pontos fixos de g são isolados então a
soma dos ı́ndices dos pontos fixos de g é igual à soma dos ı́ndices dos
pontos fixos de f .
Demonstração. Seja W ⊂ M uma variedade com bordo tal que
cada componente conexa do bordo é difeomorfa a uma esfera que
limita uma bola contendo um único ponto fixo de f e f (x) 6= x para
todo x ∈ W . Como W é compacto, existe uma vizinhança V de
f na topologia C 0 tal que todo g ∈ V não tem ponto fixo em W .
Suponhamos que todos os pontos fixos de g ∈ V são isolados. Seja
pi um ponto fixo de f e Bi a componente conexa do complementar
de W que contém pi . Podemos supor também que o fecho de cada
uma dessas bolas está no nomı́nio de uma carta loca. Em torno de
cada ponto fixo de g em Bi tomemos bolas com fechos dois a dois
disjuntos e disjunto do bordo de Bi e seja Wi o complementar em Bi
dessas bolas. Como na prova do corolário acima, a soma dos ı́ndices
dos pontos fixos de g em Wi é igual ao ı́ndice do ponto fixo de f nessa
bola. E isso prova a proposição.

Proposição 9.34. Se fi : M → M , i = 0, 1 são aplicações C ∞ com


gráficos transversais à diagonal e homotópicas, existe uma famı́lia
contı́nuaft : M → M tais que para todo t os pontos fixos de ft são
isolados.
[SEC. 9.3: NÚMERO DE INTERSEÇÃO 245

Demonstração. A prova é semelhante à do teorema 8.41. Devemos


procurar uma famı́lia ft , ligando f0 a f1 tal que para todo t ou todos
os pontos fixos de ft são simples ou apenas um deles não é simples
mas ou a derivada tem um único autovalor igual a 1, com subespaço
invariante de dimensão um e alguma derivada segunda nessa direção
é não nula ou tem um núcle de dimensão 1 com derivada segunda
nessa direção não nula. A idéia é escrever o complementar dessas
condições no espaço de dois jatos e mostrar que esse complementar
é a união de variedades de codimensão maior que a dimensão de M
mais um. Assim, por transversalidade, o conjunto das funções C 3 de
M × [0, 1] → M tais que o jato 2 é transversal a essas variedades
é residual e, portanto denso. Um tal função é uma famı́lia com as
propriedades desejadas pois a imagem de M × [0, 1] pelo jato 2 tem
que evitar as tais subvariedades.

Corolário 9.35. Em uma variedade compacta, orientável ou não,


a soma dos ı́ndices dos pontos fixos de uma aplicação contı́nua com
pontos fixos isolados não depende da função em sua classe de homo-
topia.

Observação 9.8. Na seção 5 do capı́tulo 11, Teorema do ponto


fixo de Lefschetz, identificaremos esse número com a soma alternada
dos traços das aplicações induzidas em cohomologia. Para aplicações
homotópicas à identidade temos que esse número é novamente igual
à caracterı́stica de Euler da variedade como podemos verto tomando
f como o fluxo do campo grandiente de uma função de Morse.

Usando o mesmo argumento do lema 9.13 e da proposição 9.14 po-


demos, perturbando localmente uma função cujo gráfico é transversal
à diagonal, obter uma função cujos pontos fixos são todos hiperbólicos
e concluir que o conjunto das funções cujos pontos fixos são todos hi-
perbólicos é aberto e denso em C r (M, M ) se r ≥ 1. Um ponto fixo de
f é também um ponto fixo de f 2 = f ◦ f . Os outros pontos fixos de
f 2 que não são pontos fixos de f são chamados pontos periódicos de
perı́odo 2 e assim por diante. Podemos, usando novamente a técnica
de transversalidade, mostrar que o conjunto da funções tais que todos
os pontos periódicos de perı́odo ≤ 2 são hiperbólicos é aberto e denso.
Iterando esse argumento, mostramos por indução que o conjunto das
funções com pontos periódicos de perı́odo ≤ n todos hiperbólicos é
246 [CAP. 9: GRAU TOPOLÓGICO

aberto e denso. Consequentemento e conjunto das funções cujos pon-


tos periódicos de qualquer perı́odo são todos hiperbólcos é residual.
Isto é parte de um teorema provado por Kupka e Smale nos in;icio
dos anos 60 (veja [PdM].
O resultado mencionado acima no entanto nada diz sobre a existência
de pontos periódicos. Terminamos esse capı́tulo enunciando um pro-
blema de pesquisa matemática que, se resolvido, terá um impacto
enorme na teoria dos sistemas dinâmicos.

Problema Mostre que se r ≥ 2 e M é uma variedade compacta


de dimensão maior ou igual a dois então toda função f ∈ C r (M, M )
pode ser arbitrariamente aproximada por uma função que tem um
ponto periódico.
Esse problema foi resolvido na topologia C 1 e f difeomorfismo por
Charles Pugh no inı́cio dos anos 60. É um resultado extemamente
difı́cil e importante e é conhecido como “closing-Lemma “. Esse pro-
blema ja tinha sido levantado por Poincaré no inı́cio do século 20 no
contexto de difeomorfismos que preservam volume. Nesse caso, Poin-
caré provou que para quase todo ponto x do domı́nio, existe uma
sequência de iterados ni tendendo a infinito, tais que f ni (x) converge
a x e conjecturou que genericamente no espaço de tais difeomorfismos
o conjunto dos pontos periódicos é denso. Essa questão foi respon-
dida afirmativamente na topologia C 1 por Pugh-Robinson no inı́cio
dos anos 70 mas continua um problema aberto na topologia C r com
r ≥ 2.
Capı́tulo 10

Cohomologia de De Rham

10.1 O complexo de De Rham


No capı́tulo 5 definimos a cohomologia de De Rham de uma varie-
dade e mostramos que duas aplicações C ∞ que são C ∞ homotópicas
induzem as mesmas aplicações nos grupos de cohomologia. O mesmo
acontece na homologia com suporte compacto se as aplicações e a
homotopia sejam, além de C ∞ , aplicações próprias. Agora vamos
usar aproximações de aplicações C 0 por aplicações C ∞ para estender
esses resultados para aplicações que são apenas contı́nuas, da mesma
forma que estendemos no capı́tulo 8 a noção de grau de Brower de
aplicações C ∞ para aplicações apenas contı́nuas.

Teorema 10.1. 1. Uma aplicação contı́nua f : M → N induz


aplicações lineares f ∗ : H k (N ) → H k (M ) para cada k ≥ 0.
Se f e g são aplicações contı́nuas, então (f ◦ g)∗ = g ∗ ◦ f ∗ . Uma
aplicação contı́nua e própria também induz aplicações lineares
entre os grupos de cohomologia com suporte compacto.

2. Duas aplicações contı́nuas e homotópicas induzem as mesmas


aplicações nos grupos de cohomologia.

3. Duas variedades que tem o mesmo tipo de homotopia tem gru-


pos de cohomologia isomorfos.

4. (Lema de Poincaré) H 0 (Rn ) = R e H k (Rn ) = 0 se k > 0.

247
248 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Demonstração. Pelo corolário 3.3, se f é uma função contı́nua,


então existe uma vizinhança V de f na topologia C 0 de Whitney
tal que toda g ∈ V é homotópica a f e duas funções C ∞ em V são
C ∞ homotópicas. Logo, pelo teorema 5.5, duas aplicações C ∞ em
V induzem as mesmas aplicações lineares nos grupos de cohomolo-
gia e podemos definir essas aplicações como induzidas por f . Se f
é própria todas as aplicações em V também são próprias e propria-
mente homotópicas.

Se duas aplicações contı́nuas são homotópicas, então transformações


C ∞ suficientemente próximas delas na topologia de Whitney são
C ∞ homotópicas e a homotopia C ∞ pode ser tomada C 0 próxima
da homotopia entre as aplicações contı́nuas. Como o conjunto das
aplicações próprias é aberto na topologia C 0 , temos também que duas
aplicações contı́nuas próprias que são propriamente homotópicas e in-
duzem as mesmas aplicações em cohomologia.

Duas variedades M , N tem o mesmo tipo de homotopia se existem


aplicações contı́nuas f : M → N e g : N → M tais que f ◦ g é ho-
motópica à identidade de N e g ◦ f é homotópica à identidade de M .
Logo, para cada k temos f ∗ ◦ g ∗ = (g ◦ f )∗ = IM e g ∗ ◦ f ∗ = IN .
Em particular, se M é contrátil, isto é, se a aplicação identidade
é homotópica a uma aplicação constante, então todos os grupos de
cohomologia são nulos, exceto H 0 (M ) = R.


Proposição 10.2. Se para toda aplicação f : S 1 →
R M∗de classe C
1
e para toda 1-forma fechada ω ∈ Ω (M ) tem-se S 1 f ω = 0, então
H 1 (M ) = 0.

Demonstração. Sejam ω uma 1-forma fechada em M e x0 ∈ M .


Dado x ∈ M , tome uma curva diferenciávelRpor partes γ : [0, 1] → M
com γ(0) = x0 e γ(1) = x e defina f (x) = γ ω. Pela hipótese, f (x)
R
não depende da escolha de γ. Temos também que f (x) = f (x1 )+ α ω
se α : [0, 1] → M é uma curva de classe C ∞ com α(0) = x1 e α(1) = x.
Tomando uma carta local levando x1 em 0 e denotando por fˆ e ω̂ as
expressões de f e ω nessa carta, a integral de ω̂ ao longoR 1 da curva
t ∈ [0, 1] 7→ ty é simplesmente fˆ(y). Logo fˆ(y) = fˆ(0)+ 0 ω̂(ty)(y)dt.
[SEC. 10.1: O COMPLEXO DE DE RHAM 249

Como ω é uma forma C ∞ temos que fˆ é C ∞ e dfˆ(0).y = ω̂(0).y. Logo


f é de classe C ∞ e ω = df .
Corolário 10.3. Se M é uma variedade simplesmente conexa, então
H 1 (M ) = 0.
Corolário 10.4. Se M é uma superfı́cie compacta orientável de genus
g, então H 1 (M ) = R2g .
Demonstração. Sejam γj : [0, 1] → M , j = 1, . . . , 2g, curvas fecha-
das de classe C ∞ que se intersectam duas a duas apenas no ponto
x0 = γj (0) = γj (1) e que geram o grupo fundamental de M . Consi-
deremos a transformação linear

T : H 1 (M ) → R2g

definida por !
Z Z
T ([ω]) = ω, . . . , ω .
γ1 γ2g

Como a integral de uma forma exata é zero, a transformação linear


está bem definida, isto é, não depende da escolha de ω em sua classe
de cohomologia. Por outro lado, se ω pertence ao núcleo da trans-
formação T , então a integral de ω em toda curva fechada é nula pois
os γj geram o grupo fundamental. Pela proposição anterior temos
então que ω é exata e assim T é injetiva. Resta provar que T é so-
brejetiva.
R
Para tanto, basta construir formas fechadas ωj tais que γi ωj = δij .
Consideremos o recobrimento universal π : D → M . Cada compo-
nente conexa da pré-imagem do complementar da união das curvas
γj é uma região simplesmente conexa cujo bordo é um polı́gono cur-
vilı́neo. Cada aresta do polı́gono se projeta em uma das curvas γj ,
sendo que duas e somente duas arestas são projetadas em cada γj .
Unindo as duas arestas que são projetadas em γi por um arco pelo
interior da região e projetando esse arco em M , obtemos um cı́rculo
C transversal a γi , disjunto das outras curvas γj e que não separa M .
Cortando M por C obtemos uma superfı́cie com bordo W0 , cujo bordo
tem duas componentes C0− , C0+ difeomorfas a C. Tomando uma infi-
nidade de cópias Wi , i ∈ Z e identificando a componente Ci+ do bordo
250 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM


de Wi com a componente Ci+1 do bordo de Wi+1 , obtemos uma su-
perfı́cie sem bordo W e um recobrimento πi : W → M . O grupo das
transformações de recobrimento é gerado por um único difeomorfismo
τ , que leva Wi em Wi+1 . Se πi (x̃0 ) = x0 , então o levantamento das
curvas γj , j 6= i, pelo ponto x̃0 são curvas fechadas, enquanto que
o levantamento de γi é uma curva que une x̃0 com o ponto τ (x̃0 ).
Seja f0 : W0 → R uma função C ∞ que vale 0 em uma vizinhança de
C0− e vale 1 em uma vizinhança de C0+ . Podemos então estender f0
a uma função f : W → R de classe C ∞ tal que f (τ (x)) = f (x) + 1.
Consideremos a forma exata ω̃i = df . Temos que τ ∗ ω̃i = ω̃i . Logo
existe uma única forma ωi ∈ Ω1 (M ) tal que ω̃i = πi∗ ωi . Como ω̃i é
fechada, temos que ωi também é fechada. RSe γ̃j sãoR os levantamen-
tos dos γj pelo ponto x̃0 , temos que 0 = γ̃j ω̃i = γj ωi se j 6= i e
R R
1 = γ̃i ω̃i = γi ωi , o que prova a afirmação e o corolario.

10.2 A sequência de Mayer-Vietoris


Vimos no capı́tulo 10 uma sequência de Mayer-Vietoris para a ho-
mologia singular. Mostraremos nessa seção que existe uma sequência
análoga para a cohomologia de de Rham. Seja M uma variedade
diferenciável e U, V ⊂ M abertos tais que M = U ∪ V .
Para cada k, consideremos as aplicações lineares:

αk : Ωk (M ) −→ Ωk (U ) ⊕ Ωk (V )
ω 7−→ (ω|U , ω|V )
e
βk : Ωk (U ) ⊕ Ωk (V ) −→ Ωk (U ∩ V )
(ω1 , ω2 ) 7−→ ω1 |U ∩V − ω2 |U ∩V .

É claro que αk é injetiva e que a imagem de αk é igual ao núcleo


de βk .

Lema 10.5. A sequência


α βk
0 → Ωk (M ) →k Ωk (U ) ⊕ Ωk (V ) → Ωk (U ∩ V ) → 0

é exata.
[SEC. 10.2: A SEQUÊNCIA DE MAYER-VIETORIS 251

Demonstração. Falta apenas verificar que βk é sobrejetiva. To-


memos uma partição da unidade λU , λV subordinada à cobertura
{U, V }. Se ω ∈ Ωk (U ∩ V ), definimos ω1 ∈ Ωk (U ) por ω1 (x) = λV ω
se x ∈ U ∩ V e ω1 (x) = 0 caso contrário, e analogamente ω2 ∈ Ωk (V )
por ω2 (x) = −λU (x)ω(x) se x ∈ U ∩ V e 0 caso contrário. É claro
que ω1 e ω2 são de classe C ∞ e ω1 |U ∩V − ω2 |U ∩V = ω.

Como claramente as transformações lineares αk e βk comutam


com a diferencial exterior, elas induzem transformações lineares nos
grupos de cohomologia, que denotaremos pelas mesmas letras:

αk : H k (M ) → H k (U ) ⊕ H k (V ),

βk : H k (U ) ⊕ H k (V ) → H k (U ∩ V ).

Prova-se de modo inteiramente análogo ao teorema 11.7 que uma


sequência exata curta de complexos de cocadeias induz uma sequência
exata longa em cohomologia, de modo que temos a seguinte pro-
posição.
Proposição 10.6. Existe uma aplicação linear ∆k : H k (U ∩ V ) →
H k+1 (M ) tal que a sequência longa de Mayer-Vietoris
α βk ∆
. . . H k (M ) →k H k (U ) ⊕ H k (V ) → H k (U ∩ V ) →k H k+1 (M ) . . .

é exata.
É conveniente descrever a definição do morfismo ∆k . Seja ω uma
forma fechada em Ωk (U ∩ V ). Como βk é sobrejetiva existem formas
ω1 ∈ Ωk (U ) e ω2 ∈ Ωk (V ) tais que ω = ω1 |U ∩V − ω2 |U ∩V . Como ω
é fechada, temos que dω1 (x) = dω2 (x) para todo x ∈ U ∩ V . Logo,
definindo η(x) = dω1 (x) se x ∈ U e η(x) = dω2 (x) se x ∈ / U , temos
que η é uma forma de classe C ∞ e fechada em Ωk+1 (M ). A aplicação
∆k é então a aplicação que associa a classe de cohomologia de ω à
classe de cohomologia de η.
Teorema 10.7. Se S n é a esfera de dimensão n ≥ 1, então H k (S n ) =
0 se k 6= 0, n e H k (S n ) = R se k = 0, n.
252 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Demonstração. Fixe p, q ∈ S 1 distintos e escreva U = S 1 \ {p} e


V = S 1 \ {q}. Temos que H 1 (U ) = 0 = H 1 (V ) pois U e V são
difeomorfos a R, enquanto que H 0 (U ∩ V ) = R2 pois U ∩ V tem duas
componentes conexas. Assim temos o seguinte trecho na sequência
de Mayer-Vietoris
0 → H0 (S 1 ) → H 0 (U ) ⊕ H 0 (V ) → H 0 (U ∩ V ) → H 1 (S 1 ) → 0.
| {z } | {z } | {z }

=R ∼
=R2 ∼
=R2

Segue daı́ que H 1 (S 1 ) tem dimensão 1 e portanto é isomorfo a R.


Para n ≥ 2 escreva S n = Rn ∪ {∞} e U = Rn e V = S n \ {0}. A
projeção radial de U ∩ V = Rn \ {0} em S n−1 = {x ∈ Rn ; kxk = 1}
é homotópica à identidade, de modo que os grupos de cohomologia
de U ∩ V e de S n−1 são isomorfos. Assim, pela sequência de Mayer-
Vietoris obtemos, para k ≥ 2, a sequência exata
H k−1 (U ) ⊕ H k−1 (V ) → H k−1 (S n−1 ) → H k (S n ) → H k (U ) ⊕ H k (V )
| {z } | {z }
=0 =0

o que implica que H k−1 (S n−1 ) ∼


= H k (S n ). O teorema segue então
por indução.

Se uma variedade M é não compacta e conexa, o grupo de co-


homologia Hc0 (M ) é nulo pois uma função constante com suporte
compacto é identicamente nula. Pelo teorema de Stokes, se M é uma
variedade orientada de dimensão n, então a integralR de qualquer n-
forma exata é 0, daı́ a função linear ω ∈ Ωnc (M ) 7→ M ω induz uma
aplicação linear IM : Hcn (M ) → R. Essa aplicação é sobrejetiva pois
basta tomar uma forma com suporte no domı́nio de uma carta local e
tal que expressão nessa carta é f (x)dx1 ∧ ... ∧ dxn com f não negativa
e integral positiva. Temos então o seguinte corolário.
Corolário 10.8. Uma n forma em S n cuja integral se anula é uma
forma exata.
Demonstração. Como H n (S n ) = R então IS n é um isomorfismo.

Mostraremos abaixo que, pela mesma razão, esse resultado é válido


para qualquer m-forma com suporte compacto em uma variedade ori-
entável de dimensão m.
[SEC. 10.2: A SEQUÊNCIA DE MAYER-VIETORIS 253

Proposição 10.9. Hcn (Rn ) = R e Hck (Rn ) = 0 se k < n.

Demonstração. Seja 1 ≤ k < n. Seja ω ∈ Ωkc (Rn ). Seja ρ > 0 tal


que o suporte de ω esteja contido na bola {x ∈ Rn ; ||x|| < ρ2 }. Seja
x
U = {x ∈ Rn ; ||x|| > ρ}. A projeção radial π(x) = 2ρ ||x|| de U na
n
esfera S = {x ∈ R ; ||x|| = 2ρ} é uma equivalência de homotopia
x
pois πt (x) = t2ρ ||x|| + (1 − t)x é uma homotopia entre a identidade
de U e a composta de π com a inclusão de S em U . Pelo Lema de
Poincaré, existe uma k − 1 forma η1 tal que ω = dη1 . Como ω = 0
em U , temos que a restrição de dη1 a U é igual a zero. Por outro
lado, como H k (S n−1 ) = 0 e H k (U ) é isomorfo a H k (S n−1 ), temos
que existe η2 ∈ Ωk−2 (U ) tal que dη2 = η1 em U . Seja φ : Rn → [0, 1]
uma função C ∞ que vale 1 em {x ∈ Rn ; ||x|| ≥ 2} e 0 em {xRn ;
x|| ≤ 32 } com R −  < δ < R. Defina η3 = d(φη2 ) em U e η3 = 0 fora
de U , de modo que η3 é uma forma fechada de classe C ∞ em todo
Rn . Logo η = η1 − η3 é uma forma com suporte compacto e ω = dη,
o que prova que a classe de ω em Hck (Rn ) é nula.

Para calcular Hcn (Rn ) basta provar que se ω ∈ Ωnc (Rn ) é tal que
ω = 0, então ω = dη com η ∈ Ωn−1 (Rn ). Tomemos ρ e U como
R
Rn c
na primeira parte da demonstração. Novamente ω = dη3 em Rn e
portanto dη3 = 0 em U . Por outro lado, pelo teorema de Stokes
temos Z Z Z Z
0= ω= ω= dη = η
Rn B2ρ B2ρ S

Logo, pelo corolário 10.8, a restrição de η a S é uma forma exata.


Como a projeção radial é um isomorfismo entre os grupos de coho-
mologia de U e de S temos também que η3 é uma forma exata em
U . Portanto η3 = dη2 em U e, como anteriormente, a forma η3 que
coincide com dφη2 em U e se anula na bola de raio 23 é uma forma
fechada de classe C ∞ em Rn . Logo η1 − η3 é uma forma com suporte
compacto e ω = dη e, portanto, a classe de cohomologia de ω em
Hcn (Rn ) é nula.

Teorema 10.10. Se M é uma variedade orientada de dimensão n,


então a aplicação IM : Hcn (M ) → R dada por integração de formas é
um isomorfismo.
254 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Demonstração. Seja ω0 uma n-forma com suporte Rcontido no


domı́nio U0 de uma carta local φ0 : U0 → Rn e tal que M ω0 = 1.
Afirmamos que se ω é uma outra n forma com suporte contido no
domı́nio de outra carta local φ : U → Rn , então existe constante
k ∈ R tal que [ω] = k · [ω0 ]. Para ver isso, primeiramente tome uma
curva ligando um ponto de U0 com um ponto de U e cubra essa curva
por um número finito de domı́nios de cartas locais φi : Ui → Rn tais
que U1 ∩ U0 6= ∅, Ui ∩ Ui+1 6= ∅ e Ur ∩ U 6= ∅. Para cada i ≥ 1
tomemos
R uma forma ωi com suporte contido em Ui−1 ∩ Ui tal que
M
ωi = 1. Como ωi e ωi+1 são formas com suportes contidos no
aberto Ui que é difeomorfo a Rn e elas tem a mesma integral temos
que [ωi+1 ] = ki [ωi ] pois Hcn (Rn ) ∼
= R. Argumentando indutivamente,
teremos que [ω0 ] = k1 ...kr [ω]. Se ω não tem suporte contido em
domı́nio de carta local, consideremos uma cobertura localmente fi-
nita de M por abertos difeomorfos a Rn e tomamos λP i uma partição
N
da unidade subordinada a essa cobertura. Daı́ ω = i=1 λi ω onde
N é um inteiro tal que Uj não intersecta o suporte de ω se j > N .
Por outro lado, para cada i ≤ N existe ki tal que [λi ω] = ki [ω0 ]
pela Pafirmativa que acabamos de provar. Logo [ω] = k[ω0 ], com
k = i ki .

Corolário 10.11. Se duas variedades diferenciáveis são homeomor-


fas, então elas devem ter a mesma dimensão. Em particular, um
aberto U ⊂ Rn não pode ser homeomorfo a um aberto V ⊂ Rm se
m 6= n.

Demonstração. Se h : M → N é um homeomorfismo e M, N são


orientadas então, como h é uma aplicação própria ele induz isomorfis-
mos nos grupos de cohomologia com suporte compacto e o corolário
segue imediatamente do teorema. Caso contrário, restringimos h um
aberto suficientemente pequeno, de modo que seja uma variedade
orientável.

Proposição 10.12. (Cohomologia de CP n )


0 k-ésimo grupo de cohomologia de de Rham do espaço projetivo
commplexo CP n é igual a zero se k é impar e é isomorfo a R se k é
par e menor ou igual a 2n.
[SEC. 10.2: A SEQUÊNCIA DE MAYER-VIETORIS 255

Demonstração. O teorema é verdadeiro para n = 1 pois CP 1 é


difeomorfo à esfera S 2 . Suponhamos, por idução, que o teorema seja
verdadeiro para n − 1.
Seja i : CP n−1 → CP n a inclusão

i([z0 : . . . : zn−1 ] = [z0 : . . . : zn−1 , 0].

Consideremos os abertos:

U = CP n \ {[0 : . . . : 0 : 1]}

V = {[z0 : . . . : zn ] ∈ CP n ; zn 6= 0}
. A aplicação V → Cn , [z0 : . . . : zn−1 : zn ] 7→ ( zzn0 , . . . , zn−1
zn ) é um
k
difeomorfismo. Logo H (V ) = 0 se k é diferente de zero.
A aplicação ht : U → U definida por ht ([x0 : . . . xn−1 : xn ] = [x0 : . . . : xn−1 : txn
é uma homotopia entre a identidade e a retraçao r : U → i(CP n−1 .
Logo H k (U ) é isomorfo a H k (CP n−1 .
A aplicação U ∩V 7→ Cn \{0}, [z0 : . . . : zn−1 : zn ] 7→ ( zzn0 : . . . : zn−1
zn )
é um difeomorfismo. Logo H k (U ∩V ) é isomorfo ao grupo de cohomo-
logia H k (S 2n−1 . Como toda variedade complexa é orientada e CP n
é comacta temos que H 2n (CP n ) é isomorfo a R. A proposição segue
então por indução da sequência de Mayer-Vietoris.
Exercı́cio 10.1. Calcule os grupos de cohomologia de de Rham dos
espaços projetivos reais e quartenionicos.
Teorema 10.13. Sejam M , N variedades orientadas de dimensão
n e fixe formas diferenciais ωM ∈ Ωnc (M ) e ωN ∈ Ωnc (N ) com inte-
gral igual a 1 nos seus respectivos domı́nios. Se f : M → N é uma
aplicação contı́nua e própria, então

f ∗ [ωN ] = grau(f ).[ωM ].

Demonstração. Como a aplicação induzida em cohomologia é a


mesma para duas aplicações homotópicas por uma homotopia própria,
o espaço das aplicações próprias é aberto e o espaço das aplicações
C ∞ é denso, podemos supor que f é C ∞ . Seja V uma vizinhança de
um valor regular de f tal que f −1 (V ) = ∪lj=1 Uj , onde Uj são dois a
dois disjuntos e a restrição de f a cada Uj é um difeomorfismo sobre
256 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

V . Seja ω uma n forma em N com suporte contido em V e cuja


integral é igual a 1. Então
Z XZ X Z X
f ∗ω = f ∗ω = (−1)s(j) ω= (−1)s(j)
M j Uj j V j

em que s(j) = 0 se a restrição de f a Uj preserva orientaçãoPe é igual a


1 se inverte a orientação. Por definição de grau temos que (−1)s(j)

R
é o grau de f e portanto grau(f ) = M f (ω). Como ω é cohomóloga
a ωN , f ∗ ω é cohomóloga a f ∗ ωN e portanto M f ∗ ωN = M f ∗ ω
R R

também é o grau de f . Isso prova o teorema pois, pelo teorema


anterior, a integral estabelece um isomorfismo entre a cohomologia
em dimensão máxima e R.
Seja π : N → M um recobrimento regular de k folhas, isto é,
o grupo dos automorfismos do recobrimento Aut(π) age transitiva-
mente sobre as fibras e, consequentemente, tem exatamente k ele-
mentos. Então uma forma diferencial η ∈ Ωk (N ) é o pull-back de
uma forma de M se, e somente se, f ∗ η = η para todo f ∈ Aut(π).
Proposição 10.14. Se π : N → M é um recobrimento regular com
um número finito de folhas então, para cada k, a aplicação induzida
em cohomologia
π ∗ : H k (M ) → H k (N )
é injetiva.
Demonstração. Seja ω uma k forma fechada em M tal que π ∗ ω
seja uma forma exata em N , isto é π ∗ ω = dη. Para cada elemento f
do grupo de automorfismos de recobrimento temos que
π ∗ ω = f ∗ π ∗ ω = f ∗ dη = d(f ∗ η).
Logo se η = 1/k f f ∗ η, temos que π ∗ ω = dη. Por outro lado,
P
f ∗ η = η para todo automorfismo e, portanto, η é o pull-back de
uma forma η 0 em M e como π é em particular submersão, segue que
ω = dη 0 , o que mostra a proposição.
Exercı́cio 10.2. Mostre que a proposição anterior permanece válida
mesmo que o recobrimento não seja regular. Mostre também que a
prova acima se adapta para o caso de formas com suporte compacto,
isto é, π ∗ : Hck (M ) → Hck (N ) também é injetivo.
[SEC. 10.2: A SEQUÊNCIA DE MAYER-VIETORIS 257

Corolário 10.15. Se M é uma variedade não orientável de dimensão


m, então Hcm (M ) = 0.

Demonstração. Seja π : M̃ → M o recobrimento duplo orientável


de M . O grupo dos automorfismos de recobrimento é gerado por uma
única involução f , a qual inverte a orientação de M̃R . Logo, paraRtoda
m-forma ω com suporte compacto em M̃ temos M̃ f ∗ ω = − M̃ ω.

Logo, se ω R é o pull-back de uma forma em M , então f ω = ω ∗e
portanto M̃ ω = 0. Logo ω é uma forma exata em M̃ e como π
é biunı́voca em cohomologia, temos que a forma cujo pullback é ω
também é exata, o que mostra o corolário.

Teorema 10.16. Se M é uma variedade não compacta de dimensão


n, então H n (M ) = 0.

Demonstração. Tomemos uma decomposição de M como a união


de compactos Ki com Ki contido no interior de Ki+1 . Tomemos uma
cobertura localmente finita de M por abertos Uj difeomorfos a Rn
tais que se Uj intersecta o compacto Li = Ki \ Int(Ki−1 ), então Uj
está contido no aberto Int(Ki+1 ) \ Ki−2 . Se Uj intersecta o compacto
Li , tomemos uma curva γj : [0, ∞) → M tal que podemos cobrir a
imagem dessa curva por uma sequência V0j , V1j , . . . tais que cada Vlj
é um dos abertos da cobertura {Ui } , V0j = Uj , Vkj ∩ Vk+1
j
6= ∅ e além
disso

• Para cada s existe ls tal que Vlj ∩ Ks = ∅ se l > ls .


S∞
• Se V j = l=0 Vlj , então para cada s existe j(s) tal que se
j > j(s), então V j ∩ Ks = ∅.
S∞
Temos então que se V j = l=0 Vlj , então Vj é também uma co-
bertura localmente finita de M . Antes de provar a existência dessa
curva e dessa cobertura vamos mostrar o teorema.

Seja agora ωj uma forma com suporte em Uj . Vamos mostrar que


existe uma forma ηj com suporte em V j tal que ωj = dηj .
j
De fato, tomemos para cada l uma forma ωjl com suporte em Vl+1 ∩
Vlj e tal que a integral do pull-back da forma pelo difeomorfismo
258 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Rn → Vlj seja não nulo. Como ωj e ωj0 tem o suporte em Uj ,


que é difeomorfo a Rn , temos que existem uma constante k0 e uma
forma η0 com suporte em Uj tais que ωj = k0 ωj0 + dη0 . Como
j
ωj,l e ωj,l+1 tem suportes contidos em Vl+1 e as formas correspon-
dentes no Rn tem integrais não nulas, temos que existe uma forma
j
ηl+1 com suporte em Vl+1 tal que ωj,l = kl+1 ωj,l+1 + dηl+1 . Logo
Pm Ql−1 Qm+1
ωj = dη0 + l=1 ( s=0 ks )dηl + ( s=0 ks )ωj,m+1 para todo m. As-
P∞ Ql
sim a forma η j = η0 + l=1 ( s=0 ks )ηl está bem definida pois a
famı́lia {Vlj ; l} é localmente finita, ωj = dη j e o suporte de η j está
contido em V j .

Consideremos agora uma forma P∞ω. Usando uma partição da uni-


dade, podemos escrever ω = j=1 ωj com o suporte de ωj contido
em Uj . Para Pcada ωj temos uma forma ηj tal que ωj = dηj . To-
mando η = ηj , a forma η está bem definida pois o suporte de ηj
está contido em V j , a cobertura {V j } é localmente finita e temos que
ω = dη, o que prova o teorema.

Finalmente, vamos construir a curva γj e a cobertura {Vlj , l = 0, . . . , }


dessa curva. Tomemos uma métrica Riemanniana completa em M
tal que a distância de um ponto de Ki ao complementar de Ki+1 seja
maior ou igual a 1.
Para cada i existe um inteiro l(i) > i tal que as componentes conexas
com diâmetro finito do complementar de Ki estão contidas no com-
pacto Kl(i)−2 .
De fato, o número de componentes conexas do complementar de
Ki que intersectam o compacto Ki+1 \ IntKi+1 é finito pois, caso
contrário, existiria uma sequência xi convergindo a x nesse compacto
tais que os xi ’ s pertencem a componentes conexas distintas, o que
implica a existência de outra sequência de pontos de Ki convergindo
a x, o que é absurdo pois Ki está contido no interior de K +i + 1. Por
outro lado, toda componente conexa do complementar de Ki que não
esteja contido no interior de Ki+1 intersecta Ki+1 \ IntKi+1 . Basta
tomar l(i) − 2 − i maior que o diâmetro das componentes conexas do
complementar de Ki que tem diâmetro finito.
Logo a faixa compacta Ll(i) está inteiramente contida em uma compo-
nente conexa não limitada do complementar de Ki . Começando com
[SEC. 10.2: A SEQUÊNCIA DE MAYER-VIETORIS 259

o compacto Ki , construı́mos a sequência l0 = i, lj = l(lj−1 ). Logo, se


Uj intersecta a faixa compacta Li , construı́mos um primeiro arco da
curva ligando um ponto de Uj a um ponto da faixa compacta Ll1 que
está contida em uma componente conexa não limitada do comple-
mentar de Ki . Podemos então continuar esse arco no complementar
de Ki até um ponto da faixa compacta Ll2 que está contido em uma
componente ilimitada de Ll1 . Continuamos o arco nessa componente
conexa até um ponto de Ll2 . Por indução construı́mos a curva γj
que une um ponto de cada Llk a um ponto de Llk+1 por um arco
no complementar de Klk−1 Selecionando uma sequência de elementos
da famı́lia {Ui } que cobrem γj , cada um intersectando o seguinte, é
fácil verificar que essa cobertura satisfaz às condições mencionadas
anteriormente.

Teorema 10.17. Se M é uma variedade compacta, então todos os


grupos de cohomologia de de Rham tem dimensão finita.
Demonstração. Consideremos uma métrica Riemanniana em M e
uma cobertura finita Vi , i = 1, . . . l, de abertos geodesicamente con-
vexos. Suponhamos, por indução, que os grupos de cohomologia de
de Rham da união de até k subconjuntos abertos e geodesicamente
convexos de M tem dimensão finita. Em particular os grupos de
cohomologia de Mk = ∪ki=1 Vi tem dimensão finita. Por outro lado
Vk+1 ∩ Mk = ∪ki=1 (Vi ∩ Vk+1 ) é também a união de k subconjuntos
abertos geodesicamente convexos, e portanto H l (Mk ∩ Vk+1 ) também
tem dimensão finita. Considerando o trecho da sequência de Mayer-
Vietoris
H l−1 (Mk ∩ Vk+1 ) → H l (Mk ∪ Vk+1 ) → H l (Mk ) ⊕ H l (Vk+1 )
é uma sequência exata. Logo H l (Mk+1 ) = H l (Mk ∪ Vk+1 ) tem di-
mensão finita. Por indução concluimos que H l (M ) tem dimensão
finita.
A dimensão do i-ésimo grupo de cohomologia de uma variedade
compacta, bi (M ) = dim H i (M ) é chamado de i-ésimo número de
Betti de M .
Exercı́cio 10.3. Sejam M e N variedades compactas de mesma di-
mensão. Considere a soma conexa, M #N , das duas variedades, defi-
260 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

nida em 4.1.1. Calcule os números de Betti de M #N em termos dos


números de Betti de M e de N .

10.3 Dualidade de Poincaré


Nessa seção abordaremos dois importantes teoremas que são con-
sequências do teorema de Stokes e que em suas demonstrações uti-
lizam os mesmos ingredientes: além do teorema de Stokes, um lema
algébrico simples conhecido como lema dos 5 e a sequência exata de
Mayer-Vietoris.

Se M é uma variedade compacta e orientada de dimensão m,


podemos integrar m-formas em M . Pelo teorema de Stokes, a inte-
gral de qualquer m-forma exata é 0. Assim, temos bem definida a
aplicação linear
DM : H k (M ) → (H m−k )∗
R
definida por DM [ω]([η]) = M ω ∧ η.

O teorema da Dualidade de Poincaré estabelece que essa aplicação


é um isomorfismo. A demonstração que será apresentada nos força a
provar um resultado mais geral, em variedades orientadas não com-
pactas. Observe que se ω ∈ Ωk (M ) e η ∈ Ωm−k
c (M ), então ω ∧ η tem
suporte compacto e, pelo teorema de Stokes,
Z Z
(ω + dθ) ∧ (η + dρ) = ω∧η
M M

de modo que temos bem definida também a aplicação

DM : H k (M ) → (Hcm−k (M ))∗ .

Vamos inicialmente definir a sequência exata de Mayer-Vietoris


para a cohomologia com suporte compacto. Como a restrição de
uma forma com suporte compacto em M a um subconjunto aberto
não tem necessariamente suporte compacto, a sequência de Mayer-
Vietoris para a cohomologia de suporte compacto difere da anterior.
Se ω ∈ Ωkc (A) e A ⊂ B, denotamos por ω B ∈ Ωkc (B) a forma obtida
[SEC. 10.3: DUALIDADE DE POINCARÉ 261

por extensão como 0 a B. Suponha que M = U ∪ V , com U e V


abertos. Temos aplicações lineares
α: Ωkc (U ∩ V ) −→ Ωkc (U ) ⊕ Ωkc (V )
ω 7−→ (ω U , ω V )
e
β: Ωkc (U ) ⊕ Ωkc (V ) −→ Ωkc (M )
(ω1 , ω2 ) 7−→ ω1M − ω2M
que formam uma sequência exata curta:
α β
0 → Ωkc (U ∩ V ) → Ωkc (U ) ⊕ Ωkc (V ) → Ωkc (M ) → 0.
Essa sequência induz uma sequência exata longa em cohomologia,
chamada sequência de Mayer-Vietoris para cohomologia com suporte
compacto:
α β∗ δ
· · · → Hck (U ∩ V ) →∗ Hck (U ) ⊕ Hck (V ) → Hck (M ) → Hck+1 (U ∩ V ) . . .
O operador δ na sequência acima é definido da seguinte forma. Dado
ω ∈ Ωk (M ), tomemos uma partição da unidade λU , λV subordinada
à cobertura {U, V }, então λU ω ∈ Ωc (U ) e λV ω ∈ Ωc (V ). Por outro
lado, se ω é fechada, então d(λU ω) = d(−λV ω) e o suporte de d(λU ω)
está contido em U ∩ V . Então
δ([ω]) = [d(λU ω|U ∩V )]
Como a sequência acima é constituida de espaços vetoriais, a
sequência dualizada abaixo é também exata.
α∗ β∗ δ∗
· · · ← (H k (U ) ⊕ H k (V ))∗ ← (H k (M ))∗ ← (Hck+1 (U ∩ V ))∗ ← . . .
Lema 10.18. Sejam fj : Mj → Mj+1 , fj0 : Mj0 → Mj+1 0
, φj : Mj →
0
Mj homomorfismos entre módulos tais que o diagrama abaixo é co-
mutativo e as duas sequências horizontais são exatas.

f1 f2 f3 f4
M1 −−−−→ M2 −−−−→ M3 −−−−→ M4 −−−−→ M5
    
φ1 y
 φ φ φ φ
y 2 y 3 y 4 y 5
f0 f0 f0 f0
M10 −−−1−→ M20 −−−2−→ M30 −−−3−→ M40 −−−4−→ M50
Se φ1 , φ2 , φ4 e φ5 são isomorfismos, então φ3 também é isomorfismo.
262 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Demonstração. Vamos mostrar que φ3 é sobrejetivo. Seja y3 ∈ M30 .


Como φ4 é isomorfismo, existe x4 ∈ M4 tal que f30 (y3 ) = φ4 (x4 ). Pela
comutatividade, temos que φ5 f4 (x4 ) = f40 φ4 (x4 ). Como a sequência
inferior é exata, temos que f40 φ4 (x4 ) = f40 f30 (y3 ) = 0. Assim, vale
φ5 f4 (x4 ) = 0, o que implica f4 (x4 ) = 0 pois φ5 é injetiva. Como
a sequência superior é exata, existe x3 ∈ M3 tal que f3 (x3 ) = x4 .
Por comutatividade temos que f30 φ3 (x3 ) = φ4 (x4 ) = f30 (y3 ). Logo,
f30 (φ3 (x3 ) − y3 ) = 0 e, como a sequência inferior é exata, temos que
existe y2 ∈ M20 tal que f20 (y2 ) = φ3 (x3 ) − y3 . Como φ2 é sobrejetivo,
temos que y2 = φ2 (x2 ) com x2 ∈ M2 . Assim

φ3 f2 (x2 ) = f20 φ2 (x2 ) = f20 (y2 ) = φ3 (x3 ) − y3 ,

e daı́ φ3 (x3 − f2 (x2 )) = y3 , o que prova que φ3 é sobrejetivo. De


maneira análoga provamos que φ3 é injetivo.
Lema 10.19. O diagrama abaixo é comutativo e as sequências ver-
ticais são exatas.

D ⊕−D
H r−1 (U ) ⊕ H r−1 (V ) −−−
U V
−−−−→ Hcm−r+1 (U )∗ ⊕ Hcm−r+1 (V )∗
 
β∗ y
  ∗
ya
D
H r−1 (U ∩ V ) U ∩V
−−− −→ Hcm−r+1 (U ∩ V )∗
 
(−1)r ∆y
 |

D
H r (M ) −−−M
−→ Hcm−r (M )∗
 
α∗ y
 ∗
yb
H r (U ) ⊕ H r (V ) −−−−−−−→ Hcm−r (U )∗ ⊕ Hcm−r (V )∗
DU ⊕−DV
 
β∗ y
  ∗
ya
H r (U ∩ V ) −−−−→ Hcm−r (U ∩ V )∗
DU ∩V

Demonstração. Lembramos que se [ω] ∈ H r−1 (U ∩ V ) e λU , λV é


uma partição da unidade subordinada à cobertura {U, V }, definimos
ω1 ∈ Ωr−1 (U ) e ω2 ∈ Ωr−1 (V ) por ω1 (x) = λV (x)ω(x) se x ∈ U ∩ V ,
[SEC. 10.3: DUALIDADE DE POINCARÉ 263

ω1 (x) = 0 se x ∈ U \ V , ω2 = −λU (x)ω(x) se x ∈ U ∩ V e ω2 (x) = 0


se x ∈ V \ U . Definimos então a forma fechada η ∈ Ωr (M ) por
η(x) = dω1 (x) se x ∈ U e η(x) = dω2 (x) se x ∈ V . Como vimos,
∆([ω]) = [η]. Como a forma η se anula fora de U ∩ V , temos que

Z Z Z
(DM ∆)([ω])([σ]) = η∧σ = η∧σ = d(−λU ω) ∧ σ
M U ∩V U ∩V
Z
= −dλU ∧ ω ∧ σ
U ∩V

Por outro lado


Z Z
T
(δ DU ∩V )([ω])([σ]) = ω ∧ d(λU σ) = ω ∧ dλU ∧ σ
U ∩V U ∩V

que coincide com a integral anterior a menos de um sinal que depende


de r, o que prova a comutatividade da parte central do diagrama.
Deixamos como exercı́cio verificar a comutatividade dos outros dia-
gramas.

Lema 10.20. Se M é difeomorfa a Rm , então DM é um isomorfismo.

Demonstração. Se 0 < r < m, então H r (M ) = 0 e Hcm−r (M ) = 0


e não há o que provar. Seja f : Rm → R uma função C ∞ com suporte
compacto e integral igual a 1. Como
Z
DM (1)([f (x)dx1 ∧ · · · ∧ dxn ]) = f = 1,
Rm

a função constante igual a 1 é um gerador de H0 (M ) e [f dx1 ∧...∧dxn ]


é um gerador de Hcm (Rm ), temos que DM é um isomorfismo.

Lema 10.21. Se B é uma base de abertos de M tal que se U, V ∈ B,


então U ∩ V ∈ B e DU é um isomorfismo para todo U ∈ B, então DM
é um isomorfismo.

Demonstração. Seja F a famı́lia das uniões finitas de elementos


da base B. Pelo lema anterior e pelo lema dos 5, temos que DW é
264 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

um isomorfismo se W é uma união de dois elementos U1 e U2 de B


pois, sendo uma base de abertos, U1 ∩ U2 também pertence a B. Por
indução concluı́mos que DW é um isomorfismo para todo elemento
de F.
S∞
Afirmamos que se M = i=1 Mi , onde os Mi são subconjuntos aber-
tos dois a dois disjuntos e DMi é isomorfismo para cada i , então DM é
um isomorfismo. De fato,
Q como os conjuntos são dois a dois disjuntos,
temos que H r (M ) = i H r (Mi ) e Hcr (M ) = ⊕i Hcr (M ). Logo,
Y
(Hcr (M ))∗ = Hcr (M )∗
i

e
DM (([ωi ])i ) = (DMi ([ωi ])i
o que prova a afirmação. Para concluir a demonstração do lema,
basta escrever M como uma união enumerável de abertos Vi tais
S que
Vi pertence a F e Vi ∩ Vi+j = ∅ se j ≥ S
cada S 2 e tomar U = V2i e
V = V2i+1 . Para isso basta escrever M = i Ki como uma união
enumerável de compactos com Ki ⊂ intKi+1 , e tomar Vi como uma
cobertura finita do compacto Ki \ Int (Ki−1 ) de elementos da base
B cada um com o fecho contido no aberto Int(Ki+1 ) \ Ki−2 .

Agora note que o lema anterior garante que se M ⊂ Rm é um


subconjunto aberto, então DM é um isomorfismo. De fato, considere
a cobertura aberta de M dada por retângulos abertos com arestas
paralelas aos eixos. Como o teorema vale Rm e cada retângulo é
difeomorfo a este último, esta base de abertos está nas condições do
lema acima, e portanto o teorema vale para M . Para finalizar a prova
para uma M orientada qualquer basta tomar uma base da topologia
de M constituı́da por subconjuntos abertos difeomorfos à abertos de
Rm (por exemplo, usando cartas locais). Provamos assim
Teorema 10.22. [Dualidade de Poincaré] Se M é uma variedade
orientada de dimensão m, então para todo 0 ≤ k ≤ m o morfismo de
dualidade
D : H k (M ) → Hcm−k (M )∗
é um isomorfismo.
[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 265

Uma subvariedade compacta e orientada S ⊂ M de dimensão s in-


s
duz por integração um elemento do dual de HdR (M ) e, pela dualidade
m−s
de Poincaré
R ∗ existeR uma única classe de cohomologia [ηS ] ∈ HdR (M )
tal que S is ω = M ηS ∧ ω para toda forma fechada ω. A classe de
cohomologia de cohomologia da forma η é chamada de dual de Poin-
caré da subvariedade S. .

10.4 Isomorfismo de Thom e a classe de Euler


Nesta seção provaremos um outro resultado importante, o isomor-
fismo de Thom, cuja demonstração é semelhante à dos teoremas de
dualidade de Poincaré e de de Rham da seção anterior.

Seja M uma variedade orientada e π : E → M um fibrado veto-


rial orientado de posto n. Seja Ω`vc (E) ⊂ Ω` (E) o subespaço vetorial
das `-formas diferenciais cujo suporte intersecta cada fibra em um
compacto e o faz uniformemente, isto é, o suporte da forma inter-
secta a pre-imagem de qualquer compacto da base em um compacto
(o suporte é “verticalmente compacto”.) É claro que a derivada ex-
terior também tem essa propriedade. Temos então um subcomplex
do complexo de de Rham de E cuja cohomologia denotaremos por

Hvc (E).
Proposição 10.23. Existe um homomorfismo

π∗ : Ωn+k k
vc (E) → Ω (M )

tal que
1) π∗ dE τ = dM π∗ τ onde dE e dM são as derivadas exteriores.
2) M ω ∧ π∗ τ = E π ∗ ω ∧ τ para toda ω ∈ Ωm−k
R R
c (M ).
Demonstração. O homomorfismo π∗ é obtido por integração nas
k+n
fibras. Para ver isso, sejam τ ∈ Ωvc (E), p ∈ M e v1 , . . . , vk ∈ T Mp .
Vamos definir o número real (π∗ τ )(p) (v1 , . . . , vk ). Seja e ∈ Ep e
e1 , . . . , en ∈ T (Ep )e ⊂ T Ee . Escolha vetores v10 , . . . , vk0 ∈ T Ee tais
que Dπ(e)vj0 = vj . Definimos a n-forma τ p,v1 ...,vk em cada fibra Ep
por
τ p,v1 ...,vk (e)(e1 , . . . , en ) = τ (e)(v10 , . . . , vk0 , e1 , . . . , en ).
266 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Essa definição não depende da escolha dos vetores vj0 , pois se os veto-
res e1 , . . . , en são linearmente dependentes, então o segundo membro
se anula para toda escolha dos vj0 e, se são linearmente independen-
tes e Dπ(e)vj00 = vj , então vj00 − vj0 é uma combinação linear dos ei
e o resultado não se altera se substituirmos vj0 por vj00 . Finalmente,
definimos Z
(π∗ τ )(p)(v1 , . . . , vk ) = τ p,v1 ,...,vk .
Ep

Usando uma partição da unidade e a linearidade dos dois membros


da equação com respeito a forma, podemos supor que o suporte de
τ está contido em um aberto sobre o qual o fibrado é trivial. Logo,
para provar 1) e 2) basta considerar E = Rm × Rn , M = Rm e π a
projeção no primeiro fator. Podemos então escrever
X
τ (x, y) = aI,J (x, y)dxI ∧ dy J |I| + |J| = k + n.
I,J

Para provar 1) temos dois casos a considerar

a) |J| < n. Nesse caso π∗ τ = 0 e dπ∗ τ = 0. Por outro lado


 
m I,J n I,J
X X ∂a X ∂a
dτ =  dxi + dy j  dxI ∧ dy J .
i=1
∂x i j=1
∂yj
I,J

Colocando
m
XX ∂aI,J
η1 = dxi ∧ dxI ∧ dy J
∂xi
I,J i=1
n
XX ∂aI,J I
η2 = (−1)|I| dx ∧ dy j ∧ dy J ,
j=1
∂yj
I,J

temos, como |J| < n, que π∗ η1 = 0 e também que π∗ η2 = 0,


pois
∂aI,J j
Z
dy ∧ dy I = 0
Rn ∂yj

uma vez que y 7→ aI,J (x, y) tem suporte compacto.


[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 267

b) |J| = n.
X
τ= aI (x, y)dxI ∧ dy 1 ∧ · · · ∧ dy n |I| = k
I
X Z 
π∗ τ = aI (x, y)dy 1 ∧ · · · ∧ dy n dxI
I Rn
m Z
∂aI
XX 
dπ∗ τ = (x, y)dy 1 ∧ · · · ∧ dy n dxi ∧ dxI .
i=1 Rn ∂xi
I

Por outro lado


m
XX ∂aI
dτ = (x, y)dxi ∧ dxI ∧ dy 1 ∧ · · · ∧ dy n .
i=1
∂xi
I

Logo
m Z
∂aI
XX  
π∗ dτ = (x, y)dy ∧ · · · ∧ dy dxi ∧ dxI .
1 n

j=1 Rn ∂xi
I

e novamente π∗ dτ = dπ∗ τ .

Vamos provar 2)
X
ω= aI (x)dxI
|I|=m−k
X
τ= bJ,K (x, y)dxJ ∧ dy K
|J|+|K|=n+k
X
π∗ ω ∧ τ = aI (x)bJ,K (x, y)dxI ∧ dxJ ∧ dy K
Se |K| < n temos que π∗ τ = 0 e também que π ∗ w ∧ τ = 0 e a
igualdade é trivialmente verificada. Podemos então supor que
X
τ= bJ (x, y)dxJ ∧ dy 1 ∧ · · · ∧ dy n
|J|=k

e
X
π∗ ω ∧ τ = aI (x)bJ (x, y)dxI ∧ dxJ ∧ dy 1 ∧ · · · ∧ dy n
|I|=m−k
|J|=k
268 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

e o resultado segue do Teorema de Fubini.

Corolário 10.24. A integração nas fibras induz um homomorfismo


k+n
π∗ : Hvc (E) → H k (M ).

Teorema 10.25. [Isomorfismo de Thom] Se π : E → M é um


fibrado orientado de posto n cuja base é uma variedade orientada M
que possui uma cobertura simples finita, então o homomorfismo
k+n
π∗ : Hvc (E) → H k (M ).

é um isomorfismo.
Demonstração. Sejam M = Rm e E o fibrado produto Rm × Rn .
`
Afirmamos que Hvc (Rm × Rn ) = 0 se ` 6= n e é igual a R se ` = n.
A prova da afirmação é análoga à utilizada para determinar o grupo
de cohomologia de suporte compacto de Rn .
De fato, se ω ∈ Ω`vc (Rm × Rn ), então existe uma função ρ : Rm → R
de classe C ∞ tal que o suporte de ω esteja contido em
 
m n ρ(x)
(x, y) ∈ R × R ; kyk ≤ .
2
Sejam U = {(x, y); kyk > ρ(x)} e S = {(x, y); kyk = 2ρ(x)}. Temos
que U tem o tipo de homotopia de S, que por sua vez é difeomorfa
a Rm × S n−1 e este último tem o tipo de homotopia de S n−1 . Logo
H ` (U ) = 0 se ` 6= 0, n − 1. Pelo lema de Poincaré, ω = dη1 com
η1 ∈ Ω`−1 (Rm × Rn ). Como o suporte de ω não intersecta U , a res-
trição de η1 a U é uma forma fechada.
Se ` 6= n, como H `−1 (U ) = 0, existe η2 ∈ Ω`−2 (U ) tal que η1 = dη2
em U . Seja ϕ : Rm × Rn → R+ de classe C ∞ tal que ϕ(x, y) = 1
se kyk ≥ 2ρ(x) e ϕ(x, y) = 0 se kyk ≤ 23 ρ(x). Tomemos então
η3 ∈ Ω`−2 (Rm × Rn ) tal que η3 (x, y) = 0 se kyk ≤ 32 ρ(x) e η3 (x, y) =
ϕ(x, y)η2 (x, y) em U . Temos então que dη3 = dη2 em {(x, y); kyk ≥
2ρ(x)}. Assim ω = d(η1 − dη3 ) e η1 − dη3 se anula em {(x, y); kyk ≥
`
2ρ(x)}. Logo Hvc (Rm × Rn ) = 0 se ` 6= n.
n
A prova de que Hvc (Rm × Rn ) = R é análoga.
[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 269

Fixe f : Rn → R não negativa com suporte compacto com Rn f = 1.


R

Defina τ (x, y) := f (y)dy 1 ∧ · · · ∧ dy n ∈ Ωnvc (Rm × Rn ). Temos que


dτ = 0 e π∗ τ = 1. Consideremos o homomorfismo

φ : Ωk (Rm ) → Ωk+n m n
vc (R × R )
ω 7→ (π ∗ ω) ∧ τ.

Temos que π∗ ◦ φ = idΩk (Rm ) . De fato, se ω(x) = |I|=k aI (x)dxI


P

então (π ∗ ω)∧τ = |I|=k aI (x)f (y)dxI dy1 ∧· · ·∧dyn e, como f (y)dy1 ∧


P R

· · · ∧ dyn = 1 temos que π∗ (π ∗ ω ∧ τ ) = |I|=k aI (x)dxI = ω. Conse-


P
quentemente, aplicação induzida em cohomologia

φ : H k (Rm ) → Hvc
k+n
(Rm × Rn )

satisfaz π∗ ◦ φ = id. Como H k (Rm ) é isomorfo a Hvc


k+n
(Rm × Rn )
para todo k temos que φ é isomorfismo e seu inverso é π∗ .

Para concluir a demonstração do teorema usamos indução e a


sequência de Mayer-Vietoris, como na prova do teorema da dualidade
de Poincaré. De fato, se U, V ⊂ M são subconjuntos abertos, toma-
mos uma partição da unidade λU , λV : M → [0, 1] com supp λU ⊂ U ,
supp λV ⊂ V e λU (x) + λV (x) = 1 ∀ x ∈ U ∪ V . Defina λ̂U = λU ◦ π
e λ̂V = λV ◦ π e observe que temos um diagrama comutativo com
linhas exatas

0 / Ω∗vc (E|U ∪V ) / Ω∗vc (E|U ) ⊕ Ω∗vc (E|V ) / Ω∗vc (E|U ∩V ) /0

π∗ π∗ π∗
  
0 / Ω∗−n (U ∪ V ) / Ω∗−n (U ) ⊕ Ω∗−n (V ) / Ω∗−n
∗ (U ∩ V ) /0

Pelo lema algébrico, temos o correspondente diagrama comutativo de


sequências exatas longas em cohomologia


Hvc (E|U ∪V ) / Hvc
∗ ∗
(E|U ) ⊕ Hvc (E|V ) / Hvc

(E|U ∩V ) / Hvc
∗+1
(EU ∪V )
π∗ π∗ π∗ π∗
   
∗−n
Hvc (U ∪ V ) / H ∗−n (U ) ⊕ H ∗−n (V ) / H ∗−n (U ∩ V ) / H ∗−n+1 (U ∪ V )
270 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Pelo lema dos 5, temos que se π∗ é isomorfismo para U, V e U ∩ V ,


então é isomorfismo para U ∪ V .
Se a cobertura simples de M tem um único elemento então M é dife-
omorfa a Rm e o vibrado é equivalente ao fibrado trivial e, portanto,
o teorema é verdadeiro pelo que acabamos de provar. Suponhamos,
por indução, que π∗ é um isomorfismo se a variedade tem uma co-
bertura simples com k − 1 elementos. Seja U1 , . . . , Uk uma cober-
tura simples de M e escreva U = U1 ∪ · · · ∪ Uk−1 , V = Uk . Então
Sk−1
U ∩ V = i=1 Ui ∩ Uk e tanto U como U ∩ V tem uma cobertura
simples com k − 1 elementos. Logo π∗ é isomorfismo para U, U ∩ V e
V e, portanto, é um isomorfismo para U ∪ V = M .

Observação 10.1. O teorema do isomorfismo de Thom vale mesmo


que a base não tenha cobertura simples finita mas a demonstração
no caso geral é mais elaborada. Veja [B-T] página 129.

Proposição 10.26. Se τ ∈ Ωnvc (E) é uma forma fechada tal que


π∗ (τ ) = 1, então o homomorfismo φ : H k (M ) → Hvc
k+n
(E) definido
por
φ([ω]) = [(π ∗ ω) ∧ τ ]
é o inverso de π∗ .

Demonstração. Como π∗ (π ∗ ω∧τ ) = ω∧π∗ τ = ω, temos que π∗ ◦φ é


a identidade de H k (M ). Logo φ é injetivo e, como H k (M ) é isomorfo
k+n
a Hvc (E), temos que φ é o isomorfismo inverso de π∗ .

Definição 10.1. Uma forma fechada τ ∈ Ωnvc (E) tal que π∗ τ = 1 é


n
chamada uma forma de Thom e sua classe de equivalência em Hvc (E)
a classe de Thom.

Observação 10.2. Dado t > 0, seja φt : E → E, φt (p, e) = (p, te).


Se τ ∈ Ωvc (E) é uma forma de Thom, então φ∗t τ é também uma forma
de Thom. Logo a classe de Thom pode ser representada por uma
forma de Thom com suporte em vizinhança arbitrariamente pequena
da seção nula.

Proposição 10.27. Seja g : N → M uma aplicação de classe C ∞


entre variedades orientadas e com cobertura simples finita. Se τ (E)
é uma classe de Thom de π : E → M , então uma classe de Thom do
[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 271

fibrado g ∗ E é G∗ τ (E), em que G : g ∗ E → E é o morfismo natural de


fibrados vetoriais tal que o diagrama abaixo comuta.

g∗ E
G /E
p π
 
N
g
/M

Demonstração. Se τ é uma forma de Thom, então G∗ τ é uma forma


de Thom de g ∗ E pois sua integral ao longo da fibra pelo ponto p é
igual à integral de τ ao longo da fibra pelo ponto g(p), que é igual a
1.
Proposição 10.28. Sejam πi : Ei → M , i = 1, 2, fibrados orientados
sobre uma variedade orientada com uma cobertura simples finita.
Considere o fibrado soma direta π : E1 ⊕ E2 → M e as projeções
naturais ρi : E1 ⊕ E2 → Ei , i = 1, 2. Então

τ (E1 ⊕ E2 ) = ρ∗1 (τ (E1 )) ∧ ρ∗2 (τ (E2 )).

Demonstração. Se τi é uma forma de Thom de Ei então, pelo


Teorema de Fubini, a integral de τ = ρ∗1 τ1 ∧ ρ∗2 τ2 ao longo de cada
fibra é igual a 1. Logo τ é forma de Thom de E1 ⊕ E2 .
Proposição 10.29. Seja M uma variedade orientada e S ⊂ M uma
subvariedade compacta orientada de M . Seja πs : NS → S o fibrado
normal de S em M . Se ϕS : NS → VS ⊂ M é uma vizinhança tubular
de S em M e τ ∈ Ωm−s (NS ) é uma forma de Thom de NS , então
a forma ηS ∈ Ωm−s (M ) definida por (ϕS )∗ τ em VS e 0 fora de VS
representa o dual de Poincaré de S em M .
Demonstração. Lembramos que a fibra πS−1 (x) é o espaço quoci-
ente T Mx /T Sx e que uma vizinhança tubular ϕS é um difeomorfismo
tal que sua composta com a seção nula coincide com a inclusão de S
em M . Como a forma de Thom é fechada e tem suporte compacto,
a forma ηS é fechada em M .

Seja i : S → M a inclusão e π : VS → S a projeção da vizinhança em


S definida por π = πS ◦ϕ−1 S . Como S é um retrato por deformação de
VS , temos que π ∗ ◦ i∗ : H s (VS ) → H s (VS ) é a identidade. Logo, para
272 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

toda forma fechada ω ∈ Ωs (M ), a classe de cohomologia da restrição


de ω a VS é [π ∗ i∗ ω]. Logo existe uma forma θ ∈ Ωs−1 (VS ) tal que
ω|VS = π ∗ i∗ ω + dθ.
Como ηS ∧ ω tem suporte compacto em VS temos pelo Teorema de
Stokes que Z Z
ηS ∧ dθ = d(ηS ∧ θ) = 0.
VS VS
Logo
Z Z
ω ∧ ηS = ω ∧ ηS
M VS
Z
= (π ∗ i∗ ω) ∧ ηS
VS
Z
= ϕ∗S (π ∗ i∗ ω) ∧ τ
NS
Z
= πS∗ (i∗ ω) ∧ τ
NS
Z
= (i∗ ω).
S

Como M ω ∧ ηS = S i∗ ω para toda forma fechada ω ∈ Ωs (M ),


R R

temos que a classe de cohomologia de ηS é o dual de Poincaré de S


em M .
Corolário 10.30. O dual de Poincaré de uma subvariedade com-
pacta e orientada S de uma variedade orientada M pode ser repre-
sentada por forma fechada com suporte em uma vizinhança arbitrária
de S em V .
Corolário 10.31. Se π : E → M é um fibrado vetorial orientado
sobre uma variedade compacta M , então a classe de Thom de E
coincide com o dual de Poincaré da imagem da seção nula.
Teorema 10.32. Sejam M, N variedades orientadas e T ⊂ N uma
subvariedade compacta e orientada. Seja f : M → N uma aplicação
de classe C ∞ transversal a T e S = f −1 (T ) com a orientação induzida
por f e pelas orientações de N e T . Então o dual de Poincaré de S
em M é o pull-back do dual de Poincaré de T em N .
[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 273

Demonstração. Sejam πS : NS → S, πT : NT → T os fibrados


normais. A derivada de f em um ponto x ∈ S leva o subestação
normal NS (x) isomorficamente em um subespaço complementar em
T Nf (x) ao subestação tangente a T em f (x). Podemos então orientar
NS (x) da seguinte forma: uma base u1 , . . . um−s de NS (x) é positiva
se v1 , . . . , vt , Df (x)u1 , . . . Df (x)us for uma base positiva de T Mf (x)
sempre que v1 , . . . , vt for uma base positiva do espaço tangente a
T no ponto f (x). Definimos então uma orientação no espaço tan-
gente a S no ponto x declarando que uma base w1 , . . . , ws é positiva
se w1 , . . . , ws , u1 , . . . , um−s for uma base positiva de M sempre que
u1 , . . . , um−s for uma base positiva do espaço normal NS (x). Assim
tanto S quanto o fibrado normal NS estão orientados.
Denotamos por jS : S → NS , jT : T → NT as respectivas seções nu-
las. Seja ϕT : NT → VT ⊂ N uma vizinhança tubular, isto é, um
difeomorfismo de NT sobre uma vizinhança VT de T em N tal que
ϕT ◦jT = iT , onde iT : T → N é a inclusão. Tomemos uma vizinhança
tubular ϕS : NS → VS ⊂ M tal que f (VS ) ⊂ VT . Seja F : NS → NT
a aplicação C ∞
F = ϕ−1
T ◦ f ◦ ϕS .
Para simplicar a notação denotaremos jS (x) ∈ NS por (x, 0) e jT (y)
por (y, 0). No ponto (x, 0) a restrição da derivada DϕS (x, 0) res-
trita ao subespaço de T (NS )(x,0 tangente à fibra pelo ponto x é um
isomorfismo linear desse subespaço com o espaço normal a S pelo
ponto x que é a fibra pelo ponto x. Analogamente, para cada y ∈ T
temos uma decomposição do espaço tangente a NT no ponto (y, 0)
da seção nula como a soma direta NT (y) ⊕ T Ty . Esta decomposição
define uma aplicação linear sobrejetiva π1 do espaço tangente a NT
no ponto (y, 0) sobre NT (y) que é a composta da projeção no su-
bespaço tangente à fibra com DϕT (f (x), 0). Podemos então definir
um homomorfismo de fibrados
L
NS −→ NT
↓ ↓
f
S −→ T

por L(x, v) = (f (x), π1 ◦DF (x, 0)Dϕ−1


S (x, 0)v). Como f é transversal
a T , temos que para cada x ∈ S, Lx é um isomorfismo da fibra
NS (x) sobre a fibra NT (f (x)) que preserva a orientação. Tomemos
274 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

uma métrica Riemanniana em NT e uma função λ : NT → [0, 1] de


classe C ∞ que se anula fora de uma pequena vizinhança da seção
nula e é igual a 1 em uma vizinhança menor da mesma seção nula.
Se essas vizinhanças são suficientemente pequenas, podemos definir
uma função G : NS → NT de classe C ∞ que coincide com L fora da
vizinhança maior e nessa vizinhança é dada por

G(x, v) = expL(x,v) (λ(x, v) exp−1


L(x,v) F (x, v)).

A função G é igual a F em uma pequena vizinhança da seção nula.


Tomemos uma métrica em cada um dos fibrados NS , NT , isto é, um
produto interno em cada fibra que varia diferenciavelmente com a
fibra e denotemos por NSa o subconjunto dos pontos (x, v) de NS tais
que kvkx < a. Analogamente para NTa .

Afirmamos que existe uma constante K > 0 tal que para todo a > 0
temos que
G(NS − NSKa ) ∩ NTa = ∅.
De fato, pela transversalidade de G a T , temos que existe ε > 0 e
K1 > 0 tal que se (x, v) ∈ NS satisfaz kvkx ≤ ε1 e G(x, v) = (y, w),
então K11 kvkx < kwky < K1 kvkx . Seja ε2 > ε1 tal que se kvkx ≥ ε2
então G(x, v) = L(x, v). Como o conjunto {(x, v); ε1 ≤ kvkx ≤ ε2 }
é compacto, existe K2 > 0 tal que se (x, v) pertence a esse conjunto
e G(x, v) = (y, w) então K12 kvkx < kwky < K2 kvkx . Como a res-
trição de L a cada fibra é um isomorfismo, existe K3 > 0 tal que se
L(x, v) = (x, w) então K13 ||v||x ≤ ||w||x ≤ K3 ||V ||x . Temos portanto
que existe K > 0 tal que para todo (x, v) ∈ NS , se G(x, v) = (y, w),
1
então K kvkx ≤ kwky ≤ Kkvkx e isso prova a afirmação.

Consideremos a famı́lia a 1-parâmetro de aplicações

G t : NS → NT

definidas por

Gt (x, v) = ρt G(x, tv) t 6= 0


G0 (x, v) = L(x, v)
[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 275

onde ρt : NT → NT é o isomorfismo
 
1
ρt (y, w) = y, w .
t

Da afirmação concluı́mos que para todo t ∈ [0, 1] temos que

1
Gt (x, v) = (y, w) ⇒ kvkx ≤ kwky ≤ Kkvkx .
K
Consequentemente a aplicação

(t, (x, v)) 7→ Gt (x, v) é própria.

Seja τT uma forma de Thom do fibrado NT cujo suporte está contido


na região onde G = F . Afirmamos que G∗ τT = F ∗ τT é uma forma
de Thom do fibrado NS , o que conclui a prova do teorema.
Para provar essa afirmação basta mostrar que a integral dessa forma
em cada fibra de NS é igual a 1. Seja ix : πS−1 (x) → NS a inclusão
da fibra. Como ix ◦ Gt é uma homotopia própria entre ix ◦ G e
ix ◦ G0 = Lx e τT é uma forma fechada com suporte compacto temos
que Z
(ix ◦ Gt )∗ τT

não depende de t. Por outro lado, como G0 é um isomorfismo que


preserva orientação entre as fibras πS−1 (x) e πT−1 (f (x)), temos que
Z Z
(ix ◦ G0 )∗ τT = τT = 1.
−1 −1
πS (x) πT (f (x))

Como F ∗ τT é uma forma de Thom de NS , temos que a forma ηS que


coincide com F ∗ τT em VS e se anula fora de VS representa o dual de
Poincaré de S pela proposição 10.29. Como ηS = f ∗ ηT , o teorema
está demonstrado. .

Sejam S e T subvariedades orientadas transversais de uma vari-


edade orientada M . Então S ∩ T é também uma subvariedade ori-
entada. Fixamos uma orientação de S ∩ T declarando que uma base
u1 , . . . , us+t−m do espaço tangente a S ∩ T no ponto x é positiva se
276 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

estendendo-a para bases positivas v1 , . . . , vs , u1 , . . . , us+t−m de T Sx


e u1 , . . . , us+t−m , w1 , . . . , wt de T Tx obtivermos uma base positiva

v1 , . . . , v1 , u1 , . . . , u1+t−m w1 , . . . , wt ,

de T Mx .

Teorema 10.33. Sejam S, T subvariedades compactas orientadas de


uma variedade orientada M . Se S é transversal a T , então o dual de
Poincaré de S ∩ T é o produto wedge dos duais de Poincaré de S e
de T .

Demonstração. A inclusão iS : S → M é transversal a T . Então i∗S


do dual de Poincaré [ηT ] de T em M é, pelo teorema anterior, o dual
de Poincaré de S ∩ T em S. Seja [ηS ] o dual de Poincaré de S em M .
Então
Z Z Z Z
∗ ∗ ∗
ηS ∧ ηT ∧ δ = iS (ηT ∧ δ) = iS (ηT ) ∧ iS δ = i∗S∩T (i∗S δ)
M
ZS S S∩T

= i δ
S∩T

onde iS∩T : S ∩ T → S e i : S ∩ T → M são inclusões e i = iS ◦ iS∩T .

Seja S uma subvariedade compacta e orientada de uma varie-


dade orientada N . Seja P uma variedade compacta orientada cuja
dimensão é igual à codimensão de S em N . Seja f : M → N uma
aplicação de classe C ∞ transversal a S. Temos então que f −1 (S) é
um número finito x1 , . . . , xk de pontos em M . Lembramos que o sinal
de x ∈ f −1 (S) é definido como sendo igual a 1 se

u1 , . . . , us , Df (x)v1 , . . . , Df (x)vm

for uma base positiva de T Nf (x) sempre que u1 , . . . , us for uma base
positiva de T Sf (x) e v1 , . . . , vm for uma base positiva de T Mx . Caso
contrario o sinal de x é igual a −1. Finalmente, o número de in-
terseção de f com S, f.S , foi definido como a soma dos sinais dos x0j s.
Como vimos, esse número inteiro é invariante por hotomopias e, por-
tanto, está associado a uma classe de homotopia de funções contı́nuas
[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 277

de M em N uma vez que toda função contı́nua é homotópica a uma


aplicação C ∞ que é transversal a S. Por outro lado, temos um ho-
momorfismo IM : H m (M ) → R, definido por integração de formas,
e, um homomorfismo f ∗ : Hcm (N ) → H m (M ) que também depende
apenas da classe de homotopia de f . Como S é compacta então o
dual de Poincaré de S , [ηS ] ∈ Hcm (N ), é uma classe de cohomologia
com suporte compacto. Portanto o número real IM (f ∗ ([ηS ]) depende
apenas da classe de homotopia de f .
Teorema 10.34. Se S é uma subvariedade compacta e orientada de
uma variedade orientada N e M é uma variedade compacta orientada
de dimensão m igual à codimensão de N então, se f : M → N é
uma aplicação contı́nua e [ηS ] ∈ H m (N ) é o dual de Poincaré de
S, o número real IM (π ∗ ([ηS ]) é inteiro e coincide com o número de
interseção f.S.
Demonstração. Como ambos os números da igualdade dependem
apenas da classe de homotopia de f podemos supor que f é uma
aplicação de classe C ∞ transversal a S. Então f −1 (S) = {x1 , . . . , xk }
é um número finito de pontos. Para cada j tomemos uma vizinhança
Vj de xj tal que a restrição de f a cada Vj é um mergulho cuja
imagem é uma subvariedade que intersecta S transversalmente no
único ponto f (xj ). Tomemos uma métrica riemanniana em M e seja
φS : N (S) → VS uma vizinhança tubular de S em N e π : VS → S a
submersão π = φS ◦ πS ◦ φ−1 S .
Afirmamos que existe uma aplicação g : M → N de clsse C ∞ , que
é transversal a S, g −1 (S) = f −1 (S), g é homotópica a f e existem
vizinhanças Uj ⊂ Vj de cada xj tal que a restrição de g a Uj é um
difeomorfismo sobre uma vizinhança de g(xj ) em π −1 (g(xj )) que pre-
serva a orientação se o sinal de xj é positivo e inverte a orientação
caso contrário.
Antes de provar a afirmação vamos concluir a prova do teorema. Seja
V ⊂ VS uma vizinhança de S tal que g −1 (V ) ⊂ ∪kj=1 Uj . Como vi-
mos, na classe de cohomologia do dual de Poincaré de S existe uma
forma fechada ηS com suporte contido em V que é a imagem por
(φS )∗ de uma forma de Thom τS do fibrado R normal N (S). Logo, se
ij : π −1 (g(xj )) → N é a inclusão então π−1 (g(xj )) i∗j ηS = 1. Logo,
g ∗ ηS é igual ao sinal de xj . Logo M g ∗ ηS = g.S o que prova o
R R
Vj
teorema.
278 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Resta mostrar a afirmação. Para cada j seja ψj : Wj → Rs × Rm


uma carta local em N que leva f (xj ) em 0 e S ∩ Wj em Rs × {0}.
Tomando a vizinhança Vj suficientemente pequena temos que existe
uma vizinança A ⊂ Rm da origem e uma função C ∞ α0 : A → Rm
cujo gráfico, {(α0 (y), y) ∈ Rs × Rm ; y ∈ A} coincide com ψj (f (Vj )).
Seja λ : Rm → [0, 1] uma função C ∞ que vale 0 fora de uma vizi-
nhança compacta de 0 contida em A e vale 1 em uma vizinhança
de 0. Definimos então α1 : A → Rm por α1 (y) = (1 − λ(y))α0 (y)
e αt (y) = (1 − t)α0 (y) + tα1 (y). Para cada t a aplicação θt que a
cada ponto (α0 (y), y) associa o ponto (αt (y), y) é um difeomorfismo
do gráfico de α0 sobre o gráfico de αt . Definimos então gt : M → N
como sendo igual a f fora da união dos Vj e, em cada Vj , definimos
gt como a composta de f com a aplicação ψj−1 ◦ θt ◦ ψj . Temos que
g0 = f . Tomando g = g1 concluimos a prova da afirmação.
Teorema 10.35. A algebra de cohomologia de CP n )
O algebra cohomologia de CP n é gerado por uma classe de cohomo-
logia [ω] ∈ CP n com a relação ω 2n+2 = 0.
Demonstração. Seja Sk = {[z0 : . . . : zn ] ∈ CP n ; zj = 0, j > k}.
Temos que Sk é um mergulho complex de CP k . Seja Tk = {[z0 : . . . : zn ] ∈
CP n ; zj = 0, j ≤ k + 1}. Como T k é também uma subvariedade com-
plexa compacta que é transversal a Sk e intersecta transversalmente
Sk no único ponto [0 : . . . : zk : zk+1 : 0 . . . : 0] ∈ CP n temos que o
número de interseção de Sk e Tk é igual a 1. Logo, pelo teorema
10.33 o produto cup das classes de cohomologia dos duais de Poin-
caré de Sk e de Tk é o dual de Poincaré de um ponto e, portanto
é não trivial. Logo o dual de Poincaré de Sk é uma classe de coho-
mologia não nula que, portanto, é um gerador de H 2k (CP n pois,
pela proposição 10.12 é isomorfo a R. Em particular o dual de Poin-
caré de Sn−1 é uma classe de cohomologia não nula [ω] ∈ H 2 (CP n )
que é um gerador desse grupo. Da homotopia [z0 : . . . : zn−2 : (1 −
t)zn−1 ] : tzn ] concluimos que [ω] é também o dual de Poincaré de
Ŝn−1 = {[z0 : . . . : zn−2 : 0 : zn ]}. Como Sn−2 é a interseção transver-
sal de Sn−1 e Ŝn−1 temos, pelo teorema 10.33 que o dual de Poincaré
de Sn−2 é [ω]2 = [ω ∧ ω]. Como o mesmo argumento concluimos
indutivamente que o dual de Poincaré de Sn−k é [ω]k = [ω ∧ · · · ∧ ω]
o que prova o teorema.
Seja π : E → M um fibrado vetorial orientado de posto r sobre
[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 279

uma variedade compacta orientada de dimensão m. Se s : M → E é


uma seção C ∞ e τ (E) é a classe de Thom de E segue que a classe
de cohomologia s∗ (τ (E)) ∈ H r (M ) não depende de s, pois quaisquer
duas seções são sempre homotópicas. Tal classe é chamada a classe
de Euler de E e é denotada por χ(E). Se s é transversal à seção
nula, então Zs = {x ∈ M, s(x) = 0} é uma subvariedade de dimensão
m−r e o dual de Poincaré dessa subvariedade é precisamente a classe
de Euler do fibrado E.

Se o fibrado possui uma seção que nunca se anula, então, como a


classe de Thom pode ser representada por uma forma com suporte em
uma vizinhança arbitrariamente pequena da seção nula, o pull-back
dessa forma pela seção é a forma identicamente nula e, portanto, a
classe de Euler de E é zero. Portanto se a classe de Euler é não nula,
então toda seção tem que se anular e seções genéricas se anulam em
uma subvariedade de dimensão m − r.

Proposição 10.36. Sejam πi : Ei → N , i = 1, 2, fibrados vetoriais


orientados sobre uma variedade compacta orientada N e f : M → N
uma aplicação C ∞ de uma variedade compacta orientada M . Então:

1) χ(E1 ⊕ E2 ) = χ(E1 ) ∧ χ(E2 )

2) χ(f ∗ E1 ) = f ∗ (χ(E1 ))

3) Se E1 e E2 são isomorfos como fibrados, então χ(E1 ) = χ(E2 ).

Demonstração. Segue das propriedades análogas das classes de


Thom.

Se r = m, então a classe de Euler de E é um elemento χ(E) em


H m (M ) que, pela dualidade de Poincaré, ou integração em M , nos
fornece um número, chamado o número de Euler do fibrado. Como
esse número coincide com o número de interseção de uma seção com
a seção nula ele é um inteiro. No caso especial do fibrado tangente a
variedade M , o número de Euler é precisamente a caracterı́stica de
Euler de M , que estudamos no capı́tulo 9.

Exemplo 10.1. Fibrados de linha holomorfos sobre uma su-


perfı́cie de Riemann compacta.
280 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Seja M uma superfı́cie de Riemann compacta. Um divisor Pnem M


é um elemento D ∈ H0 (M, Z), isto é, uma soma formal i=1 ni zi
onde zi ∈ M e ni ∈ Z. Dado um divisor D, podemos construir um
fibrado holomorfo π : E → M da seguinte forma. Para cada i tome-
mos uma vizinhança aberta Ui de zi e um difeomorfismo holomorfo
fi : Ui → D que leva zi em 0 e tais que USi ∩−1Uj = ∅ se i 6= j . Tome-
mos uma cobertura {Un+j }N j=1 de M − fi (D1/2 ) e a cada aberto
associamos uma função ϕn+j : Un+j → C∗ . Escolhemos os abertos
da cobertura de tal forma que Un+j ∩ {x1 , . . . , xn } = ∅ se j ≥ 1. Se
i ≤ n tomemos ϕi : Ui − {zi } → C, ϕi (z) = fi (z)ni . Se Ui ∩ Uj 6= ∅
ϕ (z)
seja ϕij : Ui ∩ Uj → C∗ definido por ϕij (z) = ϕji (z) (note que esta
definição tem sentido pois qualquer interseção Ui ∩ Uj que seja não
vazia não pode conter algum zk ).

A famı́lia {ϕij } define um cociclo em M e com a ação linear (com-


plexa)
C∗ × C −→ C
(u, z) 7−→ u · z
define uma fibrado de linha holomorfo LD → M pois as funções de
transição são funções holomorfas e a ação é complexa linear. As
funções ϕi para i ≥ n e tais que ni > 0 e as funções ϕi |Ui −zi se
ni < 0 definem uma seção holomorfa s sobre M − ∪{zi , ni < 0}.

Seja s̃ : M → LD uma seção
Sn C−1 , transversal a seção nula, tal que s̃
coincide com s fora de i=1 fi (D1/2 ).
Sn
Os zeros de s̃ estão contidos no interior de i=1 fi−1 (D1/2 ). Em uma
trivialização do fibrado sobre o disco Ui , a seção s̃ se expressa como
uma função
s̃i : D → C
que, no bordo de D1/2 , coincide com z ni . Logo as somas dos ı́ndices
dos zeros de s̃i em D1/2 é igual a ni , pois o grau de aplicação

∂D1/2 −→ S n−1
z ni
z 7−→ kz ni k

é igual a ni .
[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 281

Concluı́mos
Pn então que o número de Euler do fibrado ED → M é igual
a i=1 ni , este último também é conhecido como o grau do divisor.
Afirmamos que se o número de Euler do fibrado é negativo, então o
fibrado não tem seção holomorfa. Isso é consequência dos seguintes
fatos:

1) Toda variedade complexa é canonicamente orientada.


2) Se S, T são duas subvariedades complexas compactas de uma
variedade complexa M com dimC S = dimC T = 1 e dimC M = 2,
então o número de interseção de S e T é não negativo.

O primeiro fato é consequência do seguinte resultado de álgebra


linear: se L : Cn → Cn é uma aplicação C linear então seu determi-
nante, como aplicação R-linear Rn × Rn → Rn × Rn , é maior ou igual
a zero. Este fato já foi mostrado como parte da proposição 9.4. Segue
desta propriedade que o jacobiano das mudanças de coordenadas das
cartas de um atlas holomorfo de uma variedade complexa é sempre
positivo, e portanto toda variedade complexa é orientável. O outro
fato segue de que se duas subvariedades complexas S, T ⊂ M de di-
mensões complementares se intersectam transversalmente no ponto
p, então o ı́ndice de interseção é sempre +1.

Para este segundo fato, observemos inicialmente que os pontos de


interseção não transversais de S e T são isolados. Tomando uma
carta local de M que leva esse ponto de interseção não transversal
em 0 ∈ C2 e a subvariedade S em C × {0}, temos que T é levada no
gráfico de uma transformação holomorfa f : C → C que tem um zero
isolado em 0. Pelo teorema de Sard, o conjunto dos w ∈ C tais que
todos os zeros de f + w são simples é denso. Podemos então aproxi-
mar f por uma função g que coincide com f fora de uma vizinhança
de 0 e tal que todos os seus zeros estão em uma vizinhança de 0 na
qual g = f + w e seus zeros são simples, f não se anula fora dessa
vizinhança. Assim podemos aproximar S por uma subvariedade S̃
de classe C ∞ transversal a T e tal que o ı́ndice de cada ponto de
interseção é igual a +1, o que prova o fato 2).
Em particular o fibrado tangente de uma superfı́cie de Riemann com-
pacta de genus g ≥ 2 não admite seção holomorfa.
282 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Uma forma diferencial complexa de classe C ∞ em uma superfı́cie


de Riemann tem como expressão local w = a(z)dz + b(z)dz. A forma
é holomorfa se b ≡ 0 e a é holomorfa. Uma consequência do teorema
de Riemann-Roch é que o espaço vetorial das seções holomorfas do fi-
brado cotangente tem dimensão complexa igual ao genus da superfı́cie
de Riemann.

10.5 Uma fórmula de Künneth e o Teorema de


Lefschetz
O produto exterior
Lm de formas induz uma estrutura de álgebra no
espaço vetorial k=0 H k (M ) dos grupos de cohomologia de uma va-
riedade M :
H k (M ) × H ` (M ) −→ H k+` (M )
([w], [η]) 7−→ [w] ∪ [η] := [w ∧ η].

O produto ∪, chamado de produto “cup”, está bem definido pois se


w e η são formas fechadas, então

(w + dw̄) ∧ (η + dη̄) = w ∧ η ± d(w ∧ η̄) + d(w̄ ∧ η) + d(w̄ ∧ dη̄)


= w ∧ η + d(±w ∧ η̄ + w̄ ∧ η + w̄ ∧ dη̄).

O produto cup é associativo, pois o produto exterior o é e, quanto à


comutatividade, temos

[w] ∪ [η] = (−1)|w||η| [η] ∪ [w],

em que |w| = k se ω ∈ Ωk (M ). Se M e N são variedades dife-


renciáveis, o produto cup em H ∗ (M × N ) e as projeções canônicas
πM : M × N → M e πN : M × N → N induzem um homorfismo

H k (M ) ⊗ H l (N ) −→ H k+l (M × N )
∗ ∗
[ω] ⊗ [η] 7−→ [πM ω] ∪ [πN η]
e assim, um homomorfismo
l
M
φl : H k (M ) ⊗ H `−k (N ) → H ` (M × N ).
k=0
[SEC. 10.5: UMA FÓRMULA DE KÜNNETH E O TEOREMA DE LEFSCHETZ 283

Teorema 10.37. [Fórmula de Künneth] Se M tem uma cobertura


simples finita, então o homomorfismo
`
M
φl : H k (M ) ⊗ H `−k (N ) → H ` (M × N ).
k=0

é um isomorfismo.
Demonstração. Se M = Rm então H k (M ) = 0 para k > 1 e
H 0 (M ) = R. Logo ⊕H k (M )⊕H `−k (N ) ' H 0 (M )⊗H ` (N ) ' H ` (N )
e, como M × N tem o tipo de homotopia de N , H ` (M × N ) ∼ H ` (N )
o que prova o resultado quando M tem o tipo de homotopia de Rm .
Vamos usar a sequência exata de Mayer-Vietoris e o lema dos 5 para
provar que se M = U ∪ V e o teorema é verdadeiro para os abertos
U ×N, V ×N e (U ∩V )×N , então o teorema é verdadeiro para M ×N .

Para cada aberto A ⊂ M , escrevemos


l
M l
M
sl (A) = Ωk (A) ⊗ Ωl−k (N ), S l (A) = H k (A) ⊗ H l−k (N )
k=0 k=0

e
tl (A) = Ωl (A × N ), T l (A) = H l (A × N ).
Então temos um diagrama comutativo com colunas exatas
0 0

 φl,U ∪V

sl (U ∪ V ) / tl (U ∪ V )

 φl,U +φl,V

sl (U ) ⊕ sl (V ) / tl (U ) ⊕ tl (V )

 φl,U ∩V

sl (U ∩ V ) / tl (U ∩ V )

 
0 0
284 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

o qual induz um diagrama comutativo de sequências exatas longas

S l (U ∪ V ) / S l (U ) ⊕ S l (V ) / S l (U ∩ V ) / S l+1 (U ∪ V ) /

   
T l (U ∪ V ) / T l (U ) ⊕ T l (V ) / T l (U ∩ V ) / T l+1 (U ∪ V ) /

Pelo lema dos 5, se φ∗`,U , φ∗`,V e φ∗`,U ∩V são isomorfismos para todo `,
então φ∗`,U ∪V é isomorfismo. Para concluir a demonstração basta
usar indução: se o teorema é verdadeiro para variedades M que
tem cobertura simples com k − 1 elementos, então é também ver-
dadeiro para toda variedade M que tem uma cobertura simples com
k-elementos.

Seja M uma variedade compacta orientada e considere a diagonal


∆ = {(x, x) ∈ M × M ; x ∈ M }. Lembramos que a cada aplicação
contı́nua g : M → M × M podemos associar o número de interseção
de g com ∆. Esse número depende apenas daPclasse de homotopia
da aplicação g e então esse número é igual a g(x)∈∆ I(g, x), onde
I(g, x) é igual a 1 se a imagem por Dg(x) de uma base positiva de
T Mx seguida de uma base positiva de T ∆g(x) for uma base positiva
de T (M × M )g(x) e I(g, x) = −1 caso contrário.

Definição 10.2. O número de Lefschetz de uma aplicação contı́nua


f : M → M , denotado por L(f ), é o número de interseção da aplicação
g : M → M × M definida por g(x) = (x, f (x)) com ∆.

Das considerações anteriores segue que o número de Lefschetz é


um inteiro que depende apenas da classe de homotopia de f . Quando
f é de classe C ∞ e seu gráfico é transversal à diagonal, então
X
L(f ) = I(f, x),
f (x)=x

em que o ı́ndice de Lefschetz do ponto fixo I(f, x) vale 1 se o deter-


minante de Df (x) − Id for negativo e vale −1 caso contrário.

Teorema 10.38. (Teorema do ponto fixo de Lefschetz)


[SEC. 10.5: UMA FÓRMULA DE KÜNNETH E O TEOREMA DE LEFSCHETZ 285

1. Se f : M → M é uma aplicação contı́nua, então


m
X
L(f ) = (−1)i T r(f ∗ : H i (M ) → H i (M ))
i=0

2. Se χ(M ) é a caracterı́stica de Euler de M , então


m
X
χ(M ) = (−1)i dim(H i (M )).
i=0

Demonstração. Mostraremos primeiro que 1) implica 2). Tome um


campo de vetores X ∈P X∞ (M ) com todas singularidades hiperbólicas,
de modo que χ(M ) = X(x0 )=0 I(X, x0 ). Consideremos uma métrica
Riemanniana em M . Se t > 0 é suficientemente pequeno então a
aplicação f (x) = expx (tX(x)) é homotópica a identidade, f (x) = x
se, e somente se, X(x) = 0 e o ı́ndice de Lefschetz de f em um ponto
fixo x coincide com o ı́ndice de X em x. Como f é homotópica à iden-
tidade temos que fi∗ = id para todo i, e assim T r(fi∗ ) = dim H i (M ),
o que implica 2).

Para provar 1), seja τ∆ ∈ Ωm (M × M ), dτ∆ = 0, representando o


dual de Poincaré de ∆, isto é:
Z Z
w= w ∧ τ∆
∆ M ×M

para toda forma fechada w ∈ Ωm (M ×M ). Tomemos formas fechadas


wi ∈ Ω|wi | (M ), i = 1, . . . , k tais que {[wi ]} é base de H ∗ (M ). Pela
dualidade de Poincaré, existem formas fechadas τj , j = 1, . . . , n tais
que [τj ] é uma base de H ∗ (M ) e
Z
wi ∧ τj = δij
M

se |wi | = m − |τj |. Pela fórmula de Künneth, {[π1∗ wi ∧ π2∗ τj ]} é uma


base de H ∗ (M × M ). Logo
n
X
τ∆ = Cij π1∗ wi ∧ π2∗ τj + dη
i,j=1
286 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

com Cij ∈ R e η ∈ ΩRm−1 (M R× M ). Seja i : M → M × M a inclusão


i(p) = (p, p). Como ∆ w = M ×M w ∧ τ∆ para toda forma fechada
w ∈ Ωm (M ), tomando w = π1∗ τ` ∧ π2∗ wk temos que
Z Z
π1∗ τ` ∧ π2∗ wk = i∗ (π1∗ τ` ∧ π2∗ wk )
∆ M
Z
= τ` ∧ wk
M
Z
= (−1)|τ` ||wk | wk ∧ τ`
M
= (−1)|τ` ||wk | δk` .
R
Por outro lado, como para qualquer w fechada vale M ×M w ∧dη = 0,
temos
Z
(π1∗ τ` ∧ π2∗ wk ) ∧ τ∆ =
M ×M
Xn Z
= Cij π1∗ τ` ∧ π2∗ wk ∧ π1∗ wi ∧ π2∗ τj
i,j=1 M ×M
Xn Z
= Cij (−1)|wk ||wi | π1∗ (τ` ∧ wi ) ∧ π2∗ (wk ∧ τj )
i,j=1 M ×M
Xn Z Z
|wk ||wi |
= Cij (−1) τ` ∧ wi wk ∧ τj
i,j=1 M M
Xn
= Cij (−1)|wk ||wi |+|wi ||τ` | δi` δkj
i,j=1
= C`k (−1)|wk ||w` |+|w` ||τ` | .

Portanto
C`k = 0 se l 6= k e Ckk = (−1)|wk | .
Logo
n
X
τ∆ = (−1)|wi | π1∗ wi ∧ π2∗ τi + dη.
i=1

Seja agora g : M → M × M a aplicação g(p) = (p, f (p)). Logo o


número de Lefschetz L(f ), que é o número de interseção de g com ∆,
[SEC. 10.5: UMA FÓRMULA DE KÜNNETH E O TEOREMA DE LEFSCHETZ 287

vale
Z
L(f ) = (−1)m g ∗ τ∆
ZM
= (−1) m
(id × f )∗ τ∆
M
n
X Z
= (−1)m (−1)|wi | (id × f )∗ (π1∗ wi ∧ π2∗ τi )
i=1 M
n
X Z
= (−1)m (−1)|ωi wi ∧ f ∗ τi
i=1 M
m
X X Z
= (−1)k wi ∧ f ∗ τi .
k=0 |τi |=k M

A última igualdade se verifica pois se k = |τi | = m − |wi |, então


k + |wi | + m = 2m é par.

Se |τi | = k, então f ∗ τi =
P
|τj |=k aij τj . Logo
X
wi ∧ f ∗ τi = aij wi ∧ τj
|τj |=k

e Z
wi ∧ f ∗ τi = aii .
M
Assim X X
wi ∧ f ∗ τi = aii = T r(fk∗ ).
|τi |=k |τi |=k

Vamos agora apresentar uma aplicação interessante do Teorema


do ponto fixo de Lefschetz, devida a Shub-Sullivan , que depende de
um lema elementar que está enunciado logo abaixo, cuja prova pode
ser encontrada em [ShSu]. Se f : M → M é uma aplicação, podemos
considerar os iterados de f , isto é, as aplicações f n = f ◦ f n−1 onde
f 1 = f . Um ponto fixo de f n é dito um ponto periódico de f de
perı́odo n se não é ponto fixo de f k para k < n.
288 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Lema 10.39. (Shub-Sullivan) Se f : M → M é de classe C 1 e p é


um ponto fixo isolado para todo iterado f n de f , então o supremo
dos valores absolutos dos ı́ndices de f n em x é limitado.

Teorema 10.40. Se f : M → M é de classe C 1 e supm L(f m ) = ∞,


então f tem uma infinidade de pontos periódicos.

Demonstração. Suponhamos por absurdo que f tem um número


finito de pontos periódicos. Seja {x1 , . . . , xN } o conjunto dos pontos
periódicos de f . Se f n (x) = x então x = xi para algum i e n é um
múltiplo do perı́odo k de xi . Pelo Lemma anterior, existe bi > 0
tal que o valor absoluto do ı́ndice de f lk do ponto fixo xi é menor
ou igual a bi para todo l. Logo, para todo n o valor absoluto do
número de Lefschetz de f n é menor ou igual a N × supi bi o que é
uma contradição.

Corolário 10.41. Toda aplicação C 1 f : S 2 → S 2 de grau 2 tem


uma infinidade de pontos periódicos.

Corolário 10.42. Se f : T2 → T2 é o difeomorfismo


  cujo levanta-
2 1
mento fˆ: R2 → R2 é dado pela matriz , então toda trans-
1 1
formação g : T2 → T2 homotópica a f tem uma infinidade de pontos
periódicos.

Demonstração. A aplicação  induzida por (f ∗ )1 : R2 → R2 é a




2 1
aplicação linear cuja matriz é . Seus autovalores são 3+2 5 > 1
1 1
√  √ n  √ n
e 2 < 1. Os autovalores de (f n )∗ são 3+2 5
3− 5
e 3−2 5 e por-
tanto √ !n √ !n
n ∗ 3+ 5 3− 5
T r((f )1 ) = + → ∞.
2 2
Como
T r(f n )∗0 = T r(f n )∗1 = 1,
temos que
2
X
(−1)k T r(f n )k → −∞.
k=0
[SEC. 10.6: COHOMOLOGIA DOS GRUPOS DE LIE COMPACTOS. 289

10.6 Cohomologia dos grupos de Lie compactos.

Em [?] Chevalley e Eillenberg mostraram que propriedades topológicas


de grupos de Lie compactos se reduzem a propriedades algébricas de
aplicações multilineares alternadas em sua álgebra de Lie. Mais pre-
cisamente, a algebra da cohomologia de deRham do grupo é isomorfa
à algebra das aplicações multilineares alternadas de sua algebra de
Lie que são invariantes pela representação adjunta do grupo. Nessa
seção provaremos esse resultado.
Seja G um grupo de Lie de dimensão n. Para cada g ∈ G de-
notamos por Lg : G → G (resp. Rg : G → G) a translação à es-
querda (resp. à direita) h 7→ gh (resp. h 7→ hg). Denotamos por
ΩkL (G) ⊂ Ωk (G) o subespaço vetorial das formas invariantes pelas
translações à esquerda: ω ∈ ΩL se e sòmente se L∗g ω = ω para
todo g ∈ G. A aplicação que a cada ω ∈ ΩkL (G) associa o seu
valor ω(e) na identidade do grupo é um isomorfismo entre Ω∗L (G)
e a algebra exterior da algebra de Lie de G. Como o pull-back de
formas comuta com a diferencial exterior temos que se ω ∈ ΩL (G)
então dω ∈ Ωk+1 (G). Temos então um subcomplexo do complexo de
deRham cuja cohomologia denotaremos por HL∗ (G). Analogamente,
denotamos por Ω∗R (G) o subcomplexo das formas invariantes à direita

e por HR (G) sua cohomologia. Temos ainda um outro subcomplexo
ΩI (G) = ΩkL (G) ∩ ΩkR (M ). O resultado principal dessa seção é o
k

seguinte.

Teorema 10.43. Se G é um grupo de Lie compacto então a inclusão


i : Ω∗I (G) → Ω∗ (G) induz um isomorfismo em cohomologia: em cada
classe de cohomolgia de um grupo compacto existe uma e uma única
forma invariante.

Lembramos que todo grupo de Lie é uma variedade orientada:


uma n-forma não nula define uma orientação em cada espaço tan-
gente.
Como as translações à esquerda comutam com as translações à
direita temos que o pull-back de uma forma ω ∈ ΩkL (G) por uma
translação à direita é ainda uma forma em ΩkL . Se a dimensão de G
é n temos então que Rg∗ ω é um múltiplo de ω ∈ ΩL (G) pois o espaço
290 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

das formas invariantes à esquerda tem dimensão um. É fácil ver que

Rg∗ ω = det(Adg−1 )ω,

para todo ω ∈ ΩnL (G), onde Ad é a representação adjunto do grupo


de Lie em sua algebra de Lie (Adg : T Ge → T Ge é a derivada na iden-
tidade do automorfismo interno h ∈ G 7→ ghg −1 ). Como a aplicação
g ∈ G 7→ det(Adg−1 ) ∈ R \ {0} é um homomorfismo de grupo que
det(Adg−1 ) = 1 se G é compacto e conexo pois um subgrupo com-
pacto e conexo do grupo multiplicativo R\{0} só possui um elemento,
a identidade. Isto prova a seguinte proposição.

Proposição 10.44. Fixada uma orientação no grupo de Lie com-


pacto e conexo G de dimensão n existe uma única R n-forma ωG que é
invariante por todas as translações do grupo e G ωG = 1.
R
A forma ωG define por um funcional linear positivo f 7→ G f ωG
no espaço vetorial das funções contı́nuas e, portanto, uma medida nos
Boreleanos de G que é invariante por todas as translações no grupo.
Esta é a medida de Haar do grupo. (Um resultado mais geral, que
não utilizaremos, estabelece a existência de medida invariante por
translações à esquerda (e outra invariante por translações à direita)
em grupos topológicos localmente compactos que é conhecida como
medida de Haar e duas tais medidas diferem pela multiplicação de
uma constante positiva. Essa medida em geral não é invariante pelas
translações à direita exceto nos grupos unimodulares).
Consideremos uma ação à direita do grupo de Lie G em uma varie-
dade M , ρ : M × G → G, isto é, ρ(x, e) = x e ρ(ρ(x, g), h) = ρ(x, gh).
Denotamos por ρg : M → M o difeomorfismo ρg (x) = ρ(x, g). O
subespaço das k-formas invariantes de M é definido por

ΩkI (M ) = {ω ∈ Ωk (M ); ρ∗g ω = ω∀g ∈ G}.

Como o pull-back de formas por um difeomorfismo comuta com a


derivada exterior temos que as formas invariantes formam um sub-
complexo do complexo de deRham cuja cohomologia denotaremos
por HI∗ (M ). A inclusão i : Ω∗I (M ) → Ω∗ (M ) induz homomorfismos
i∗ : HIk (M ) → H k (M ) que provaremos ser isomorfismo.
Suponhamos agora que M é orientada, G é conexo, compacto com
[SEC. 10.6: COHOMOLOGIA DOS GRUPOS DE LIE COMPACTOS. 291

uma orientação escolhida. Seja πM : M ×G → M a projeção (x, g) 7→


x. A integração nas fibras de πM define uma aplicação linear

(πM )∗ : H ∗ (M × G) → H ∗−n (M )

que,
R como∗ vimos naRproposição 10.23,comuta com a derivadas exterior
e M ×G πM ω ∧τ = M ω ∧(πM )∗ τ para toda ω com suporte compacto
em M .
Consideremo o homomorfismo r : Ω∗ (M ) → Ω∗ (M ), r = I ◦ ρ∗ onde
I : Ωk (M × G) → Ωk (M ) definido por

I(ω) = (πM )∗ (ω ∧ πG (ωG )).
R R
Se f : G → R denotaremos por G f (g)dg a integral G f ωG .

Lema 10.45.
Z
r(ω)(x)(v1 , . . . , vk ) = (ρ∗g ω)(x)(v1 , . . . , vk )dg
G

Demonstração. Vamos identificar T (M ×G)x,g com T Mx ×T Gg . Se



wj ∈ Kern DπM (x, g) para algum j então πG ωG (x, g)(w1 , . . . , wk ) =
0. Logo

(ρ∗ ω ∧ πG∗
ωG )(x, g)(v1 , . . . , vk , u1 , . . . un ) =
= (ρ∗g ω)(x)(v1 , . . . , vk ) × πG

ωG (x, g)(u1 , . . . , un ).

Como πG ωG (x, g)(u1 , . . . un ) = ωG (x)(u1 , . . . un ) concluimos a prova
do lema (estamos identificando o vetor vj ∈ T Mx com o vetor (vj , 0) ∈
T (M × G)x,g e o vetor uj ∈ T Gg com o vetor (0, uj ).)

Proposição 10.46. Seja r = I ◦ ρ∗ . Então

1. r ◦ d = d ◦ r

2. Se ω ∈ Ω∗ (M ) então r(ω) ∈ ΩkI (M ).

3. Se ω ∈ ΩkI (M ) então r(ω) = ω.

Demonstração. 1) Tanto ρ∗ quanto I comutam com a derivada


exterior. Logo r também comuta.
292 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

2) Seja ω̂ = r(ω). Temos então

ρ∗g ω̂(x)(v1 , . . . , vk ) =
= ω̂(ρ
Z g (x))(Dρg (x)v1 , . . . Dρg (x)vk )
= (ρ∗h ω)(ρg (x)(Dρg (x)v1 , . . . , Dρg (x)vk )dh =
ZG
= ω(ρh ◦ ρg (x))(Dρh (ρg (x))Dρg (x)v1 , . . . , Dρh (ρg (x))Dρg (x)vk ) =
ZG
= ω(ρgh (x))(Dρgh (x)v1 , . . . , Dρgh (x)vk )dh =
ZG
= ω(ρb (x))(Dρb (x)v1 , . . . , Dφb (x)vk )db = ω
G

sendo que a penúltima igualdade segue da invariância de ωG por


translações no grupo, isto é, se f : G → R então
Z Z Z
f (b)db = f ωG = (Rg )∗ (f ωG ) =
GZ G Z G Z
= (f ◦ Rg )Rg∗ ωG = (f ◦ Rg )ωG = f (gh)dh
G G G

3)
Z
r(ω)(x)(v1 , . . . , vk ) = (ρ∗g ω)(x)(v1 , . . . , vk )dg =
G
Z
= ω(x)(v1 , . . . , vk )dg =
G
= ω(x)(v1 , . . . , vk )

Temos então uma retração

r : Ω∗ (M ) → Ω∗I (M )

que comuta com a derivada exterior e, portanto, induz um homomor-


fismo em cohomologia.

Teorema 10.47. Se G é um grupo de Lie compacto e conexo então


a aplicação induzida por r em cohomologia é um isomorfismo.
[SEC. 10.6: COHOMOLOGIA DOS GRUPOS DE LIE COMPACTOS. 293

Demonstração. Seja i : Ω∗I (M ) → Ω∗ (M ) a inclusão. Sejam r̂ : H ∗ (M ) →


HI∗ (M ) e î : HI∗ (M ) → H ∗ (M ) as aplicações induzidas em cohomo-
logia. Como r ◦ i = id temos que r̂ ◦ î = id. Logo î é injetivo.
Seja je : M → M × G a aplicação je (x) = (x, e). Vamos mostrar a
existência de uma homotopia algébrica entre o operador I e o opera-
dor induzido por je , is é,
Afirmação: Existe uma famı́lia de aplicações lineares

hk : Ωk (M × G) → Ωk−1 (M )

tais que
I − je∗ = dhk + hk+1 d
Antes de provar a afirmação vamos concluir a prova do teorema.
Como ρ ◦ je é a identidade de M temos que je∗ ◦ ρ∗ = id. Logo

i ◦ r − id = I ◦ ρ∗ − id = dhρ∗ + hρ∗ d

Portanto i∗ ◦ r∗ é a identidade de H k (M ). Logo i∗ é o isomorfismo


inverso de r∗ o que prova o teorema.
Prova da afirmação.
Seja U ⊂ G uma vizinhança contrátil da identidade e ∈ G. Seja
η ∈ Ωn (G) com suporte contido em U e tal que
Z Z Z
ωG = 1 = η= η.
G U G

n−1
Logo existe uma forma θ ∈ Ω (G) tal que

ωG − η = dθ.

Definimos então

ĥk : Ωk (M × G) → Ωk−1 (M )

por ĥk (τ ) = (−1)k (πM )∗ (τ ∧ πG θ) e

Iˆ: Ωk (M × G) → Ωk (M )
ˆ ) = (πM )∗ (τ ∧ π ∗ η). Temos então que
I(τ G

I − Iˆ = dĥ + ĥd.
294 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Consideremos as inclusões l : M × U → M × G, j̃e : U → U × G,


j̃e (x) = (x, e) , e as projeções πU : M ×U → U e π̃M : M ×U → M e as
correspondentes aplicações de pull-back l∗ : Ω∗ (M ×G) → Ω∗ (M ×U )

e πU : Ω∗ (U ) → Ω∗ (M × U ).
Como o suporte de η está contido em U então, para todo τ ∈ Ω∗ (M ),
temos que

τ ∧ πU η ∈ Ω∗vc (M × U ).
Logo temos um operador

I˜: Ω∗ (M × U ) → Ω∗ (M )
˜ ) = (π̃M )∗ (τ ∧π ∗ η). Para todo τ ∈ Ω∗ (M ×G) temos
definido por I(τ U
que
I˜ ◦ l∗ (τ ) = I(τ
ˆ ).

Logo
I − I˜ ◦ l∗ = dĥ + ĥd.
Seja h : M × U × [0, 1] → U uma homotopia entre a identidade e
a aplicação j̃e ◦ π̃M , (x, g) 7→ (x, e). Logo existe um operador de
homotopia algébrica

h̃ : Ω∗ (M × U ) → Ω∗−1 (M × U )

tal que

π̃M ◦ j̃e∗ − idΩ∗ (M ×U ) = h̃d + dh̃.
Por outro lado, como I˜ ◦ π̃M

= id tems, da equação anterior, que

j̃e∗ − I˜ = I˜h̃d + dI˜h̃

pois dI˜ = Id.


˜ Como l ◦ j̃e = je então je∗ = j̃e∗ ◦ l∗ . Também I˜ ◦ l∗ = I˜
∗ ∗
e l d = dl . Logo
je∗ − I = I˜h̃l∗ d + dI˜h̃l∗ .
Tomando h = ĥ − I˜h̃l∗ temos que I − je∗ = dh + hd o que conclui a
prova da afrimação.
Corolário 10.48. As inclusões

iL : Ω∗L (G) → Ω∗ (G)


[SEC. 10.6: COHOMOLOGIA DOS GRUPOS DE LIE COMPACTOS. 295

iR : Ω∗R (G) → Ω∗ (G)


iI : ΩI (G) → Ω∗ (G)
induzem isomorfismos das algebras de cohomologia.

Demonstração. Basta tomar no teorema M = G e as seguintes


ações dos grupos G e G × G ::

(g, h) 7→ h−1 g,

(g, h) 7→ gh,
(g, (h, k)) 7→ h−1 gk.
As formas invariantes pela primeira açao são as formas ΩL (G), as
invariantes pela segunda ação são as formas ΩR (G) e as invariantes
pela terceira ação são as formas ΩI (G).

Proposição 10.49. Toda forma ω ∈ ΩkI (G) é fechada e a aplicação


que a ω associa sua classe de cohomologia é um isomorfismo de algebra

ΩI (G)∗ → H ∗ (G).

Demonstração. Seja m : G × G → G, m(gh) = gh a multiplicação


do grupo. Se v ∈ T Gg0 , w ∈ T Gh0 então

Dm(g0 , h0 )(v, w) = D1 m(g0 , h0 ).v + D2 m(g0 , h0 ).w

onde a derivada parcial D1 m é a derivada da aplicação g 7→ m(g, h0 ) =


Rh0 ) (g) no ponto g0 e D2 m é a derivada de h 7→ m(g0 , h) = Lg0 (h)
no ponto h0 . Logo

Dm(g0 , h0 )(v, w) = DRh0 (g0 ).v + DLg0 (h0 ).w.

Seja i : G → G a aplicação i(x) = x−1 . Como m(g, i(g)) = 1 temos,


derivando ambos os membros no ponto g0 , que

Di(g0 ).v = −(DLg0 (e)) −1(DRg0 (e))−1 .v.

Se ω ∈ ΩkI (G) então


i∗ ω = (−1)k ω.
296 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

De fato,
i∗ ω(g0 )(DRg0 (e)v1 , . . . , DRg0 (e)vk ) =
= ω(g0−1 )((−DLg0 (e))− 1.v1 , . . . , −(DLg0 (e))−1 vk ) =
= (−1)k ω(g0−1 )((DLg0 (e))− 1.v1 , . . . , (DLg0 (e))−1 vk ) = ,
= (−1)k ω(e)(v1 , . . . , vk ) =
= (−1)k ω(g0 )(DRg0 (e)v1 , . . . , DRg0 (e)vk )
once na penúltima igualdade usamos a invariância por translações à
esquerda e na última a invariância por translações à direita.
Como a derivada exterior comuta com o pull-back temos , se ω ∈
ΩkI (G), que
(−1)k dω = di∗ ω = i∗ dω = (−1)k+1 dω.
Portanto toda forma ω ∈ ΩkI é fechada. Logo a aplicação que a
dada ω ∈ Ωk associa sua classe de cohomologia em HIk (G) é um
isomorfismo. A proposição segue então do teorema anterior.
Exemplo 10.2. A algebra de cohomologia do toro O toro
Tn = S 1 × . . . S ! .e um grupo comutativo. Portanto toda forma
invariante à esquerda é também invariante à direita.
Seja π : Rn → Tn o recobrimento universal. O grupo das trans-
formações de recobrimento é o conjunto das translações inteiras. Por-
tanto o espaço das formas diferenciais no toro é isomorfo ao espaço
vetorial das formas em Rn invariantes pelas translações inteiras. Todo
levantamento de uma translação no toro é uma translação no Rn .
Portanto π estabelece um isomorfismo entre as formas invariantes
no toro e o espaço vetorial das formas em Rn invariantes por todas
as translações. Esse é simplesmente o espaço das formas com coe-
ficientes constantes, isto é, Λ∗ ((Rn )∗ ). Logo temos um isomofismo
da algebra Λ∗ ((Rn )∗ ) na álgebra da cohomologia do toro. Em cada
classe de cohomologia do toro existe uma única forma cujo pull back
é uma forma com coeficientes constantes em Rn .
Exercı́cio 10.4. Seja g = T Ge a algebra de Lie do grupo compacto
e conexo G.
1. Seja Λ∗I (g∗ ) ⊂ Λ∗ (g∗ ) o conjunto das formas alternadas in-
variantes pela ação adjunta. Mostre que existe uma retração
r : Λ∗ (g∗ ) → Λ∗I (g∗ ).
[SEC. 10.7: CORRENTES DE DE RHAM 297

2. Mostre que se ω ∈ ΩkI (g) então ω(e) ∈ ΛkI ((g∗ )


3. Mostre que existe um isomorfismo de álgebras
Λ∗I (g∗ ) → H ∗ (g)
g
Exercı́cio 10.5. Seja = T Ge a álgebra de Lie do grupo de Lie G.
Seja Φ : Λ (g ) → ΩL (G) o isomorfismo que a calda λ ∈ Λk (g∗ ) as-
∗ ∗ ∗

socia a k-forma ω(g)(DLg (e)v1 , . . . , DLg (e)vk ) = λ(v1 , . . . , vk ). Seja


δk : Λk (g∗ ) → Λk+1 (g∗ ) o operador definido por δk = Φ−1 ◦ d ◦ Φ.
Mostre que
X
δλ(v1 , . . . , vk+1 = (−1)j+k−1 λ([vj , vk ], v1 , . . . , v̂i , . . . , v̂j , . . . , vk ),
1≤i<j≤k

onde as variáveis com chapéu são omitidas e [., .] é o colchete de Lie


da álgebra. Mostre também que se (A, [., .]) é uma álgebra de Lie
de dimensão n e δ : Λ∗ (A∗ ) → Λ∗+1 (A∗ ) é o operador definido pela
mesma formula, então δk ◦ δk−1 = 0.
Sugestão: Use a fórmula de Cartan da proposição 5.20.
O exemplo acima permite associar uma álgebra de cohomologia a
cada algebra de Lie de dimensão finita.
Teorema 10.50. Uma forma k-linear λ, alternada ou não, na algebra
de Lie de um grupo de Lie G é invariante pela ação adjunta se e
sòmente se
λ([v1 , v], v2 , . . . vk ) + · · · + λ(v1 , . . . , vk−1 , [vk , v]) = 0
para todo v, v1 , . . . , vk ∈ g.

10.7 Correntes de De Rham


Uma corrente de de Rham de ordem k em uma variedade de dimensão
M é um funcional linear contı́nuo no espaço Ωkc (M ) das formas dife-
renciais com suporte compacto. Para ser mais preciso, vamos definir
a topologia nesse espaço. Consideremos inicialmente M = Rm . Toda
forma ω ∈ Ωkc (Rm ) se escreve como
X
ω(x) = αI (x)dxI
|I|=k
298 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

com as funções αI de suporte compacto. A topologia de Ωkc (Rm ) é


definida da seguinte maneira ωn → ω se existe um compacto K ⊂ Rm
tal que os suportes de ω e de ωn estejam contidos em K e para cada
inteiro l a sequência

kω − ωn kl := sup{|Dj αI (x) − Dj αn,I (x)|; x ∈ K, j ≤ l, |I| = k}

converge a zero.
Para definir a topologia em Ωkc (M ), tomamos uma cobertura lo-
calmente finita de M por domı́nios de cartas locais φi : Ui → Rm e
uma partição da unidade λi : M → [0, 1] subordinada a essa cober-
tura. Temos então que se ω ∈ Ωkc (M ), então ω = i λi ω e as formas
P
λi ω tem suporte em Ui e, portanto, (φi )∗ (λi ω) ∈ Ωkc (Rn ). Dizemos
então que ωn converge a ω se existe um compacto K ⊂ M que contém
os suportes de ω e de ωn para todo n e (φi )∗ (λi (ω − ωn )) converge
a zero em Ωkc (Rm ) para todo i. De fato, essa sequência de formas é
não nula apenas para um número finito de i’s tais que Ui intersecta
o compacto K.

Exemplo 10.3. Uma (m − k)-forma η ∈ Ωm−k (M ) em uma vari-


edade
R orientável define uma corrente Tη : Ωkc (M ) → R por Tη (ω) =
M
η ∧ ω.

Exemplo 10.4. Se N é uma variedade orientada de dimensão n e


f : N → M é uma aplicação C ∞ própria, então a aplicação que a
cada forma ω ∈ Ωnc (M ) associa o número real N f ∗ ω é uma corrente
R

de ordem n.

Exemplo 10.5. Uma cadeia C ∞ , c ∈ Ck∞ (M ), também define por


integração uma corrente.

O espaço Ck (M ) das correntes de ordem k é um espaço vetorial


topológico, no qual uma sequência Tn de correntes converge a T se
Tn (ω) converge a T (ω) para todo ω ∈ Ωkc (M ) (topologia fraca). Como
Ck (M ) é o dual de Ωkc (M ), podemos definir por dualidade o operador
de bordo:
∂ : Ck (M ) → Ck−1 (M )
por
∂T (ω) = T (dω).
[SEC. 10.7: CORRENTES DE DE RHAM 299

Temos então que ∂ ◦ ∂ = 0 e o complexo de correntes é um complexo


de cadeias. Podemos então considerar os correspondentes grupos de
homologia:
Ker ∂ : Ck (M ) → Ck−1 (M )
Hk =
Im ∂ : Ck+1 (M ) → Ck (M )
Proposição 10.51. Para cada k, consideremos a inclusão

ik : Ωm−k (M ) −→ Ck (M )
η 7−→ Tη
R
onde Tη (ω) := M
ω ∧ η. Então

∂Tη = (−1)|η|+1 Tdη

e essas inclusões induzem homomorfismos


m−k
îk : HdR (M ) → Hk (M ).

Demonstração. Como d(η ∧ ω) = (dη) ∧ ω + (−1)|η| η ∧ dω e ω tem


suporte compacto, temos
R que, d(η ∧ ω) tem suporte compacto e, pelo
teorema de Stokes, M d(η ∧ ω) = 0. Logo

∂Tη (ω) = Tη (dω)


Z
= η ∧ dω
M
Z
= (−1)|η|+1 dη ∧ ω
M
= (−1)|η|+1 Tdη (ω).

Logo, se η é uma forma fechada então Tη é um ciclo e, se η é exata,


então Tη é um cobordo.
Capı́tulo 11

Teoria de Morse

11.1 Funções de Morse


Seja f : M → R uma função de classe C ∞ . Se a ∈ R é um valor re-
gular de f , então M a := f −1 ((−∞, a]) é uma variedade com bordo.
Nesse capı́tulo estudaremos a estrutura de M a quando M é uma va-
riedade compacta e f é uma função de Morse (veja definição 8.3).

Lembramos que se p ∈ M é ponto crı́tico de f : M → R, então


existe uma forma bilinear Hp f : T Mp × T Mp → R que, em coordena-
das, é dada pela derivada segunda da expressão de f na imagem de p
(ver exercı́cio 7.5). Se essa forma bilinear é não degenerada dizemos
que o ponto crı́tico é não degenerado. O ı́ndice do ponto crı́tico é a
dimensão máxima do subespaço onde a restrição da hessiana é nega-
tiva definida.

O lema abaixo, devido a Morse, descreve a formal local de f na


vizinhança de um ponto crı́tico não degenerado.

Lema 11.1. (Lema de Morse) Se p ∈ M é um ponto crı́tico não


degenerado de f : M → R, então existe uma carta local φ centrada
em torno de p tal que

f ◦ φ−1 (x) = f (p) − x21 − · · · − x2λ + x2λ+1 + · · · + x2m ,

em que λ é o ı́ndice do ponto crı́tico.

300
[SEC. 11.1: FUNÇÕES DE MORSE 301

Demonstração. Primeiramente um lema de cálculo. Dada uma


função f : Rm → R de classe C ∞ tal que f (0) = 0, existem funções
gj : Rn → R de classe C ∞ , j = 1, 2, ..., m, tais que
m
X
f (x1 , . . . , xm ) = xj gj (x1 , . . . , xm )
j=1

e
∂f
gj (0) = (0).
∂xj
De fato, pelo teorema fundamental do cálculo e a regra da cadeia
temos que
Z 1
d
f (x1 , . . . , xm ) = f (tx1 , . . . , txm )dt
0 dt
Z 1X m
∂f
= (tx1 , . . . , txm )xj dt
0 j=1 ∂x j
m Z 1
X ∂f
= xj · (tx1 , . . . , txm )dt.
j=1 0 ∂xj

R 1 ∂f
Portanto basta tomar gj (x1 , . . . , xm ) = 0 ∂x j
(tx1 , . . . , txm )dt.
Logo, se f (0) = 0 e Df (0) = 0, podemos aplicar o lema novamente
para cada gj e concluir que existem funções hij : Rm → R de classe
C ∞ tais que
m
X
f (x1 , . . . , xm ) = xi xj hij (x1 , . . . , xm ).
i,j=1

Substituindo hij por 1/2(hij + hji ), podemos supor que hij = hji .

Suponhamos, por indução, que já encontramos uma vizinhança U de


0 e coordenadas u1 , . . . , um nessa vizinhança tais que
m
X
f (u1 , . . . , um ) = ±u21 ± · · · ± u2r−1 + ui uj Hij (u1 , . . . um ),
i,j=r
302 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

com Hij funções de classe C ∞ tais que Hij = Hji e a matriz Hij (0)
seja não singular. O lema de cálculo mostra o passo inicial r = 1.

Efetuando uma mudança linear das coordenadas u1 , . . . , um , podemos


supor que Hrr (0) 6= 0. De fato, como a matriz Hij (0) é não degene-
rada, se temos Hrr (0) = 0, então existe j > r tal que Hjr (0) 6= 0. To-
mando como novas coordenadas ũi = ui se i 6= r, j, ũr = 1/2(ur +uj ),
ũj = 1/2(ur − uj ) temos que
m
X
f (ũ1 , . . . , ũm ) = ±ũ21 ± · · · ± ũ2r−1 + ũi ũj H̃ij (u1 , . . . um )
i,j=r

onde H̃rr = Hrr + Hrj não se anula em 0. Logo podemos supor


Hrr (0) 6= 0. Suponhamos Hrr (0) > 0, sendo que o outro caso é
tratado analogamente. Como Hrr > 0 em uma vizinhança Ũ ⊂ U de
0, podemos definir nessa vizinhança as funções:
" #
p X Hir (u1 , . . . um )
vr = Hrr (u1 , . . . , um ) · ur + ui
i>r
Hrr (u1 , . . . , um )

∂vr
p
e vj = uj se j 6= r. Como ∂u r
(0) = Hrr (0) > 0, temos, pelo
teorema da função inversa, que aplicação
(u1 , . . . , um ) 7→ (v1 (u1 , . . . , um ), . . . , vm (u1 , . . . , um ))
é um difeomorfismo de uma vizinhança de 0 sobre uma vizinhança de
0. Por outro lado,
f (u1 , . . . , um ) = ± u21 ± · · · ± u2r
 
X X Hir Hjr 
+ u2r Hrr + 2ur ui Hri + ui uj
i>r i,j>r
Hrr
X Hir Hjr X
− ui uj + ui uj Hij .
i,j>r
Hrr i,j>r

Como
2
X X Hir Hjr X 2 Hir
vr2 = u2r Hrr + 2ur ui Hri + 2 ui uj − ui ,
i>r i,j>r
Hrr i>r
Hrr
[SEC. 11.1: FUNÇÕES DE MORSE 303

podemos escolher funções H̃ij de classe C ∞ tais que


X
f (v1 , . . . , vm ) = ±v12 ± · · · ± vr−1
2
+ vr2 + vi vj H̃ij (v1 , . . . , vm ),
i,j>r+1

o que prova o lema por indução.

Seja x ∈ M 7→ h·, ·ix : T Mx × T Mx uma métrica Riemanniana em


M . Como para cada x ∈ M a métrica estabelece um isomorfismo
entre o espaço tangente T Mx e seu dual T Mx∗ , temos definido um
operador linear ∇ : C ∞ (M ) → X∞ (M ) que a cada função real f de
classe C ∞ associa o único campo de vetores ∇f ∈ X∞ (M ) tal que

h∇f (x), vix = Df (x).v

para todo x ∈ M e para todo vetor v ∈ T Mx . O campo ∇f é


chamado de campo gradiente de f (com respeito à essa métrica). As
propriedades abaixo são consequências imediatas da definição:

• ∇f (x) = 0 ⇐⇒ Df (x) = 0, isto é, se e somente se, x ∈ C(f ),


em que C(f ) é o conjunto dos pontos crı́ticos de f .

• Se x ∈ M \ C(f ), então

Df (x).∇f (x) = h∇f (x), ∇f (x)ix = k∇f (x)k2 > 0,

de modo que f é estritamente crescente ao longo das órbitas


regulares do seu campo gradiente.

• O gradiente de f é ortogonal às superfı́cies de nı́vel de valores


regulares.

• Da propriedade anterior segue-se que se M é uma variedade


compacta e f uma função de Morse, então o ω-limite de uma
órbita de ∇f é uma única singularidade deste campo, assim
como o α-limite.

Teorema 11.2. Seja M uma variedade compacta. Se não existe


valor crı́tico de f no intervalo [a, b], então M b é difeomorfo a M a e
além disso, M a é um retrato por deformação de M b .
304 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Demonstração. Seja X ∈ X∞ (M ) um campo de vetores que se


anula fora de uma vizinhança do compacto f −1 ([a, b]) e que para
x ∈ f −1 ([a, b]) temos

∇f (x)
X(x) = − .
k∇f (x)k2x

Daı́ Df (x).X(x) = −1 para todo x ∈ f −1 ([a, b]). Assim, se Xt é o


fluxo de X, valem
• Xt (M b ) ⊂ M b para todo t ≥ 0;
• para x ∈ ∂M b , temos f (Xt (x)) = b − t para todo t ∈ [0, b − a].
Logo Xb−a (M b ) = M a e M b é difeomorfa a M a . Seja r : M b → M a
definida por r(x) = x se x ∈ M a e r(x) = Xt(x) (x) se x ∈ f −1 ([a, b])
e t(x) ≤ b − a é tal que Xt(x) (x) ∈ ∂M a . Então r é uma retração
de M b em M a homotópica à identidade de M b : rs (x) = Xst(x) (x) é
uma homotopia.
Teorema 11.3. Seja c um ponto crı́tico de ı́ndice λ de f e suponha
que é o único ponto crı́tico de f no compacto f −1 ([f (c) − , f (c) + ]).
Então M f (c)+ tem o mesmo tipo de homotopia de M f (c)− ∪φ eλ ,
em que eλ é uma célula de dimensão λ (uma variedade difeomorfa ao
disco unitário de Rλ ) e a aplicação de colagem φ : ∂eλ → ∂M f (c)− é
um mergulho.

Figura 11.1: .
[SEC. 11.1: FUNÇÕES DE MORSE 305

Demonstração. Seja u = (u1 , . . . , um ) carta local em uma vizi-


nhança U ⊂ M do ponto crı́tico c tal que

f (u1 , ..., um ) = f (c) − u21 − · · · − u2λ + u2λ+1 + · · · + u2m .

Pelo teorema anterior, basta provar o teorema para  suficientemente


pequeno. Tomemos
√  pequeno o suficiente para que U contenha a
bola de raio 2 de centro na origem. Seja

eλ = {(u1 , . . . , um ); u21 + · · · + u2λ ≤  e uλ+1 = · · · = um = 0}.

Consideremos a√função F : M → R que coincide com f no comple-


mentar de B(0, 2) e que nesta bola é definida por

F = f − µ(x + 2y),

em que x, y : U → R são as funções auxiliares x = u21 + · · · + u2λ ,


y = u2λ+1 + · · · + u2m e µ : [0, ∞) → [0, ∞) é uma função de classe C ∞
tal que  < µ(0) < 2, −1 < µ0 (r) ≤ 0 para todo r e µ(r) = 0 se
r ≥ 2. A função F satisfaz as seguintes propriedades:

Figura 11.2: elipsóide.

1) No elipsóide

E = {q ∈ U ; x(q) + 2y(q) ≤ 2},


306 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

se q ∈
/ E temos F (q) = f (q) e se q ∈ E então

x(q)
F (q) ≤ f (q) = f (c) − x(q) + y(q) ≤ f (c) + + y(q) ≤ f (c) + ,
2
assim
F −1 ((−∞, f (c) + ]) = M f (c)+ .
2) F e f tem os mesmos pontos crı́ticos. De fato, temos que em U ,
F (q) = g(x(q), y(q)), com g(t, s) = f (c) − t + s − µ(t + 2s), portanto
a diferencial de F é dada por
∂g ∂g
DF = Dx + Dy = (−1 − µ0 (x + 2y))Dx + (1 − 2µ0 (x + 2y))Dy.
∂t ∂s

Como −1P− µ0 (x + 2y) < 0, 1 − 2µ0 (x + 2y) ≥ 1, Dx = i=1 2ui Dui
m
e Dy = i=λ+1 2ui Dui , temos que em U a diferencial DF se anula
somente na origem, o que prova a propriedade 2.

3) Como F (c) = f (c) − µ(0) < f (c) − , temos que F não tem
pontos crı́ticos em F −1 ([f (c) − , f (c) + ]) e, pelo teorema anterior,
F −1 ((−∞, f (c) + ]) é difeomorfo a F −1 (−∞, f (c) − ]).

4) Se
H = F −1 ((−∞, f (c) − ]) \ M f (c)−
então
F −1 ((−∞, f (c) − ] = M f (c)− ∪ H
Temos que eλ = {q; y(q) = 0, x(q) ≤ } está contido em H. Como a
derivada da função t 7→ t − µ(x + 2t) é sempre maior ou igual a 1,
temos que para cada x existe um único r(x) tal que

r(x) − µ(x + 2r(x)) = x − ,

daı́ H = {q; r(x) ≥ y ≥ x − } . Como a derivada de r é positiva e


r(x) ≥ x − , temos que se r(x) = x − , então µ(x + 2r(x))=0, daı́
x + 2r(x) = 2 e −x + y = −, o que implica x = 34  e r(x) = 3 .
Portanto
 
4 
H = q; x(q) ≤ , y(q) ≤ , x −  ≤ y ≤ r(x) .
3 3
[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 307

Construimos um homeomorfismo

θ : Dλ√ 4 × Dm−λ
√ → H
3 3

pela composição do homeomorfismo (u, v) 7→ (φ(v)u, v) com o ho-


meomorfismo (u, v) 7→ (u, ψ(u)v), em que u(q) = (u1 , . . . , uλ ) e
v(q) = (uλ+1 , . . . , um ). O primeiro contrai os discos horizontais e
leva  
4 
(u, v); kuk2 ≤ , kvk2 ≤
3 3
sobre n  o
(u, v); kvk2 ≤ , kuk2 ≤ kvk2 + 
3
e o segundo contrai os discos verticais e leva esse segundo conjunto
em H. É fácil explicitar as funções φ, ψ.

Definimos a retração r : M f (c)− ∪ H → M f (c)− ∪φ eλ é definida por


(u, v) 7→ (u, 0) se kuk2 ≤  e (u, v) 7→ (u, α(u, v)v) se  ≤ kuk2 ≤ 43 ,
onde 1 ≥ α(u, v) ≥ 0 é tal que kα(u, v)vk2 = kuk2 − .

11.2 Homologia singular


Nessa seção vamos associar a cada espaço topológico M uma famı́lia
de grupos (módulos, espaços vetoriais) Hk (M ), k ∈ N, chamados gru-
pos de homologia de M e a cada aplicação contı́nua f : M → N uma
famı́lia de homomorfismos f∗ : Hk (M ) → Hk (N ) tais que a identi-
dade de um espaço topológico induz a identidade em cada grupo de
homologia, (g ◦ f )∗ = g∗ ◦ f∗ e duas aplicações homotópicas indu-
zem o mesmo homomorfismo para cada k. Logo, uma equivalência
homotópica entre dois espaços topológicos induz isomorfismos nos
grupos de homologia.
Vamos começar com algumas considerações puramente algébricas.

Definição 11.1. Um complexo de cadeias C é uma famı́lia de grupos


abelianos (módulos ou espaços vetoriais) Ck , k ∈ N, e uma famı́lia de
homomorfismos ∂k : Ck → Ck−1 , chamados operadores de bordo, tais
308 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

que ∂k ◦ ∂k+1 = 0 para todo k. Em particular, Im ∂k+1 ⊂ Ker ∂k e


tem sentido definir o grupo quociente
Ker ∂k
Hk (C) =
Im ∂k+1
chamado de grupo de homologia em dimensão k do complexo C.
Definição 11.2. Um homomorfismo entre dois complexos C e C 0 é
uma famı́lia de homomorfismos de grupos (módulos ou espaços ve-
toriais) φk : Ck → Ck0 que comuta com os respectivos operadores de
bordo, isto é, ∂k0 ◦ φk = φk−1 ◦ ∂k para todo k. Consequentemente,
um morfismo de complexos induz, para cada k, um homomorfismo
de grupos φk ∗ : Hk (C) → Hk (C 0 ).
Seja e0 , e1 , . . . , en . . . a base canônica de R∞ , isto é, e0 , . . . , en−1
é a base canônica de Rn para cada n. O simplexo de dimensão n é o
conjunto ( n )
X n
X
∆n = ti ei ; ti ≥ 0 e ti = 1 .
i=0 i=0
Em particular, ∆0 se reduz ao vértice e0 , ∆1 é o segmento em R2 que
liga os vértices e0 e e1 , ∆2 é o triângulo em R3 com vértices e0 , e1 , e2 ,
e assim por diante.
Definição 11.3. Um r-simplexo singular em um espaço topológico
M é uma aplicação contı́nua σ : ∆r → M .
Definição 11.4. Seja A um anel. O módulo livre Cr (M ) sobre A
gerado pelos r-simplexos singulares é chamado de grupo das r-cadeias
singulares de M .
Pn
Assim, cada cadeia c ∈ Cr (M ) é uma soma formal finita j=1 aj σj ,
com aj ∈ A e σj : ∆r → M um simplexo singular para cada j. Os
principais anéis que consideraremos são o anel dos inteiros Z, o corpo
dos reais R e corpo dos inteiros módulo 2, denotado por Z2 .
Definição 11.5. (operador de bordo)
A i-ésima face do r-simplexo singular σ é o (r−1)-simplexo ∂i σ : ∆r−1 →
M definido por
 
Xr−1
∂i σ  (tj ej ) = σ(t0 e0 + . . . ti−1 ei−1 + ti ei+1 , . . . , +tr−1 er ).
j=0
[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 309

O bordo do simplexo σ é a cadeia:


r
X
∂σ = (−1)i ∂i σ
i=0

e o operador de bordo
∂ : Cr (M ) → Cr−1 (M )
é definido estendendo por linearidade
 
X X
∂ aj σj  = aj ∂σj .
j j

Lema 11.4. Para j < i vale ∂j ∂i = ∂i−1 ∂j .


Demonstração. Para simplificar a notação, escreveremos σ(t0 , . . . , tr )
em lugar de σ(t0 e0 + · · · + tr er ).
∂j (∂i σ)(t0 , . . . , tr−2 ) = (∂i σ)(t0 , . . . , tj−1 , 0, tj , . . . , tr−2 )
= σ(t0 , . . . , tj−1 , 0, tj , . . . , ti−2 , 0, ti−1 . . . , tr−2 ).
e
∂i−1 (∂j σ)(t0 , . . . , tr−2 ) = (∂j σ)(t0 , . . . , ti−2 , 0, ti−1 , . . . , tr−2 )
= σ(t0 , . . . , tj−1 , 0, tj , . . . , ti−2 , 0, ti−1 . . . , tr−2 ).

Corolário 11.5. ∂ 2 = 0.
Pr i
Demonstração. Como ∂σ = i=0 (−1) ∂i σ, temos
r
X
∂∂σ = ∂(∂i σ)
i=0
r X
X r−1
= (−1)i+j ∂j ∂i σ
i=0 j=0
X
= ((−1)i+j ∂j ∂i σ + (−1)i−1+j ∂i−1 ∂j σ)
0≤j<i≤r
= 0.
310 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Definição 11.6. Os elementos do subgrupo

Zr (M ) = Ker ∂ : Cr (M ) → Cr−1 (M )

são chamados de r-ciclos e os elementos do subgrupo

Br (M ) = Im ∂ : Cr+1 (M ) → Cr (M )

são chamados de r-bordos. Dois ciclos c, c0 são ditos homólogos se


existe uma cadeia c00 tal que c − c0 = ∂c00 .
Como ∂ 2 = 0, temos que (C• (M ), ∂) é um complexo de cadeias, e
portanto podemos definir os grupos

Hr (M ) = Zr (M )/Br (M )

para cada r ≥ 0, chamados de grupos de homologia singular de M .

Observação 11.1. Escreveremos Hr (M ; A) quando for necessário


enfatizar o anel A de coeficientes.

Se f : M → N é uma aplicação contı́nua, então para cada simplexo


singular σ em M a composição f ◦ σ define um simplexo singular em
N , de modo quePf induz P o homomorfismo f# : Cr (M ) → Cr (N )
definido por f# ( ai σi ) = i ai f ◦ σi .
É fácil verificar que f# ◦ ∂ = ∂ ◦ f# , e assim a imagem de ciclos são
ciclos e a imagem de bordos são bordos. Logo os homomorfismos f#
induzem homomorfismos f∗ : Hr (M ) → Hr (N ). É fácil ver também
que
(g ◦ f )∗ = g∗ ◦ f∗
e que a aplicação identidade de M induz a identidade de Hr (M ) para
cada r. Em particular, espaços topológicos homeomorfos tem grupos
de homologia isomorfos.

O grupo de homologia de dimensão zero de um espaço conexo é


claramente isomorfo ao anel A. Se o espaço topológico tem k com-
ponentes conexas, então seu grupo de homologia em dimensão zero é
isomorfo a Ak .
[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 311

Vamos mostrar a seguir que aplicações homotópicas induzem os


mesmos homomorfismos nos grupos de homologia. Como consequência
seguirá que dois espaços topológicos com o mesmo tipo de homotopia
tem grupos de homologia isomorfos. Para tanto começamos com mais
uma definição algébrica. Sejam
∂ ∂ ∂ ∂
C : · · · → Ck → Ck−1 → Ck−2 → . . . ,
∂0 ∂0 ∂0 ∂0
C 0 : · · · → Ck0 → Ck−1
0 0
→ Ck−2 → ...,
dois complexos de cadeia e

φk , ψk : Ck → Ck0

homomorfismos que comutam com os operadores de bordo, isto é,


morfismos entre os complexos. Uma homotopia algébrica entre esses
dois morfismos é uma famı́lia de operadores

Dk−1 : Ck−1 → Ck0

tais que
φ − ψ = D∂ + ∂ 0 D
em cada dimensão. Observe que se existe uma homotopia algébrica
entre os dois homomorfismos e ∂c = 0, então (φ − ψ)(c) = ∂ 0 (D(c)) e,
portanto, (φ − ψ)(c) é homólogo a zero. Logo a classe de homologia
de φ(c) é igual à classe de homologia de ψ(c) e, consequentemente,
os homomorfismos induzidos em homologia são iguais em cada di-
mensão.
Teorema 11.6. (Invariância por homotopia) Se f, g : M → N
são aplicações contı́nuas e homotópicas entre espaços topológicos,
então as aplicações induzidas em homologia coincidem. Em parti-
cular, se dois espaços topológicos tem um mesmo tipo de homotopia,
então seus grupos de homologia são isomorfos.
Demonstração. Seja H : M × [0, 1] → N uma homotopia entre f
e g com H(x, 0) = f (x) e H(x, 1) = g(x). Vamos construir uma
homotopia algébrica entre os morfismos f# e g# . Para tanto vamos
começar definindo um operador, chamado operador prisma,

P : Cr (M ) → Cr+1 (M × [0, 1]).


312 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

A cada simplexo singular σ : ∆r → M associamos a aplicação contı́nua


σ̃ : ∆r × [0, 1] → M × [0, 1], definida por σ̃(y, t) = (σ(y), t). Definimos
então
Xr
P (σ) = (−1)i σ̃ ◦ Pi
i=0

onde
Pi : ∆r+1 → ∆r × [0, 1]

é a aplicação afim tal que Pi (ej ) = Aj = (ej , 0) se 0 ≤ j ≤ i e


Pi (ej ) = Bj−1 = (ej−1 , 1) se r + 1 ≥ j > i. A imagem de Pi é
o simplexo afim com vértices A0 , . . . Ai , Bi , . . . Br , que denotaremos
por [A0 . . . Ai , Bi , . . . Br ]. As seguintes propriedades são de fácil ve-
rificação:

• ∆r × [0, 1] = ∪ri=0 Pi (∆r+1 )

• Pi (∆r+1 )∩Pi+1 (∆r+1 ) é o simplexo afim [A0 , . . . , Ai , Bi+1 , . . . Br ],


que é uma face comum aos dois simplexos.

Afirmação:
∂P (σ) = i1 ◦ σ − i0 ◦ σ − P (∂σ)

onde i0 (x) = (x, 0) e i1 (x) = (x, 1). Essa fórmula é a versão algébrica
do seguinte fato geométrico: o bordo topológico do prisma [0, 1] × ∆r
é {1} × ∆r ∪ {0} × ∆r ∪ [0, 1] × ∂∆r .

Mostremos que a afirmação implica o teorema. Tomando

D = H# ◦ P

temos, pela afirmação, que

∂D(σ) = g# (σ) − f# (σ) − D(∂σ).

Logo D é uma homotopia algébrica entre f# e g# , o que implica o


teorema.
[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 313

Para provar a afirmação observemos que


r
X
∂P (σ) = (−1)i ∂(σ̃ ◦ Pi )
i=0

r
X X
i
= (−1) (−1)j σ̃|[A0 ,...,Âj ,...,Ai ,Bi ,...,Br ]
i=0 j≤i

X
+ (−1)j+1 σ̃|[A0 ,...,Ai ,Bi ,...B̂j ,...,Br ] 
j≥i

ou ainda,
r
X
∂P (σ) = (−1)i ∂(σ̃ ◦ Pi )
i=0

r
X X
= (−1)i  (−1)j σ̃|[A0 ,...,Âj ,...,Ai ,Bi ,...,Br ]
i=0 j<i

X
+ (−1)j+1 σ̃|[A0 ,...,Ai ,Bi ,...B̂j ,...,Br ] 
j>i

+ σ̃|[Â0 ,B0 ,...,Br ] − σ̃|[A0 ,...,Ar ,B̃r ]

pois
r h
X i
(−1)i (−1)i σ̃|[A0 ,...,Âi ,Bi ,...,Br ] + (−1)i (−1)i+1 σ̃|[A0 ,...,Ai ,B̂i ,...,Br ]
i=0
r−1 
X 
= σ̃|[Â0 ,B0 ,...,Br ] + −σ̃|[A0 ,...,Ai ,B̂i ...,Br ] + σ̃|[A0 ,...,Âi+1 ,Bi+1 ,...,Br ] −
i=0
− σ̃|[A0 ,...,Ar ,B̂r ]
= σ̃|[Â0 ,B0 ,...,Br ] − σ̃|[A0 ,...,Ar ,B̂r ] .

Por outro lado,


r
X
∂σ = (−1)i ∂i σ
i=0
314 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

e,
r
X r−1
X
P (∂σ) = (−1)i ∂˜i σ ◦ Pk
i=0 k=0
onde
Pk : ∆r → ∆r−1 × [0, 1]
é a aplicação afim que leva (e0 , . . . , er ) em (A0 , . . . , Aj , Bj . . . Br−1 ).
Como ∂i σ = fi ◦ σ, onde fi : ∆r−1 → ∆r é a aplicação afim que
leva (e0 , . . . , er−1 ) em (e0 , . . . , ei−1 , êi , ei+1 , . . . , er ) temos que ∂˜i σ =
σ̃ ◦ (fi × id) e a aplicação afim fi × id : ∆r−1 × [0, 1] → ∆r × [0, 1]
leva (A0 , . . . Ak , Bk , . . . Br−1 ) em (A0 , . . . , Âi , . . . Ak+1 , Bk+1 , . . . Br )
se i ≤ k e leva (A0 , . . . , Ak , Bk , . . . Br−1 ) em (A0 , . . . , Ak , Bk , . . . , B̂i , . . . Br )
se i > k. Logo, a aplicação afim (fi × id) ◦ Pk leva (e0 , . . . , er ) em
(A0 , . . . , Âi , . . . Ak+1 , Bk+1 , . . . Br ) se i ≤ k e em (A0 , . . . , Ak , Bk , . . . , B̂i , . . . Br )
se i > j. Portanto,

X
P (∂σ) = (−1)i (−1)k σ̃|[A0 ,...,Ak ,Bk ,...,B̂i ,...,Br ] +
0≤k<i≤r
X
+ (−1)i (−1)k σ̃|[A0 ,...,Âi ,...,Ak+1 ,Bk+1 ,...,Br ] .
0≤i≤k≤r−1

Fazendo j = k na primeira parcela da equação acima e j = k + 1 na


segunda temos:
X
P (∂σ) = (−1)i (−1)j σ̃|[A0 ,...,Aj ,Bj ,...,B̂i ,...,Br ] +
0≤j<i≤r
X
+ (−1)i (−1)j−1 σ̃|[A0 ,...,Âi ,...,Aj ,Bj ,...,Br ] .
0≤i<j≤r

Logo
∂P (σ) = −P (∂σ) + i1 ◦ σ − i0 ◦ σ.

Como a homologia singular de X = {p} é Hr (X; A) = 0 se r > 0


e H0 (X; A) ≈ A, o mesmo ocorre para os grupos de homologia de
Rn , ou mais geralmente, de qualquer espaço topológico contrátil, isto
é, um espaço topológico no qual a aplicação identidade é homotópica
a uma aplicação constante.
[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 315

11.2.1 Homologia relativa


Uma sequência exata curta de complexos de cadeia,
α β
0 → C → C 0 → C 00 → 0

é um diagrama de complexos de cadeias e morfismos αk : Ck → Ck0 ,


βk : Ck0 → Ck00 tais que
α βk
• as sequências 0 → Ck →k Ck0 → Ck00 → 0 são exatas;
• ∂ 0 ◦ αk = αk−1 ◦ ∂;
• ∂ 00 ◦ βk = βk−1 ◦ ∂ 0 .

αk+1 βk+1
0 / Ck+1 / C0 / C 00 /0
k+1 k+1

∂ ∂0 ∂ 00
  
0 / Ck αk
/ C0 βk
/ C 00 /0
k k

∂ ∂0 ∂ 00
 αk−1  βk−1 
0 / Ck−1 / C0 / C 00 /0
k−1 k−1

Nesse caso, temos o seguinte resultado de álgebra homológica.


Teorema 11.7. Se
α β
0 → C → C 0 → C 00 → 0

é uma sequência exata curta de complexos de cadeia, então existem


homomorfismos
δk : Hk (C 00 ) → Hk−1 (C)
tais que a sequência longa abaixo é exata:
δk+1 α β∗ δ
· · · → Hk (C) →∗ Hk (C 0 ) → Hk (C 00 ) →
k
Hk−1 (C) → . . .

Demonstração. Vamos definir δk [z 00 ] como sendo a classe de homo-


−1
logia de um elemento do conjunto αk−1 (∂ 0 βk−1 (z 00 )). Para isso temos
que provar que esse conjunto é não vazio, que cada elemento desse
316 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

conjunto é um ciclo, que dois elementos desse conjunto são homólogos


e que os elementos desse conjunto são homólogos aos elementos do
correspondente conjunto associado a um ciclo homólogo a z 00 .
Como βk é sobrejetivo, devemos mostrar que:

1. ∂ 0 βk−1 (z 00 ) ⊂ Im αk−1 e que se z ∈ αk−1


−1 −1
(∂ 0 βk−1 (z 00 )), então
∂z = 0;
−1 −1
2. se z, z1 ∈ αk−1 (∂ 0 βk−1 (z 00 )), então z − z1 = ∂c para algum
c ∈ Ck ;
−1 −1 −1 −1
3. se z ∈ αk−1 (∂ 0 βk−1 (z 00 )) e z2 ∈ αk−1 (∂ 0 βk−1 (z 00 + ∂ 00 c00 )), então
z − z2 = ∂c para algum c ∈ Ck ;

4. δk é homomorfismo;

5. a sequência é exata.

Como βk é sobrejetivo, βk−1 (z 00 ) é não vazio. Se c0 ∈ βk−1 (z 00 ) então,


pela comutatividade do diagrama, βk−1 (∂ 0 (c0 )) = ∂ 00 βk (c0 ) = ∂ 00 (z 00 ) =
0. Logo, como a sequência é exata, concluı́mos que ∂ 0 (βk−1 (z 00 )) está
contido na imagem de αk−1 e, portanto, existe z 0 ∈ Ck−1 tal que
αk−1 (z 0 ) = ∂ 0 (c0 ). Afirmamos que z 0 é um ciclo. De fato, pela co-
mutatividade dos diagramas, αk−2 (∂z 0 ) = ∂ 0 αk−1 (z 0 ) = ∂ 0 ∂ 0 (c0 ) = 0,
e, como αk−2 é 1-1, concluı́mos que ∂z 0 = 0. Portanto, o conjunto
−1
αk−1 (∂ 0 βk−1 (z 00 )) é não vazio e todos os seus elementos são ciclos. Isso
conclui a prova de 1).

Se z10 é um outro elemento desse conjunto, isto é, αk−1 (z10 ) = ∂ 0 c01 ,
com βk (c01 ) = z 00 . Então βk (c0 −c01 ) = 0 e, por exatidão das sequências,
exite c ∈ Ck tal que αk (c) = c0 − c01 . Pela comutatividade dos di-
agramas, αk−1 ∂c = ∂ 0 (c0 − c01 ) = αk−1 (z − z10 ). Como αk−1 é 1-1,
concluı́mos que z − z1 = ∂c, o que conclui a prova de 2).

Como βk é sobrejetivo, existe c02 tal que βk (c02 ) = z 00 + ∂ 00 c00 e te-


mos também αk−1 (z2 ) = ∂ 0 c02 . Como βk+1 é sobrejetiva, temos que
c00 = βk+1 (x0 ). Logo, βk (c02 − ∂ 0 x0 ) = z 00 . Tomando c03 = c02 − ∂ 0 x0
temos que ∂ 0 c03 = ∂ 0 c02 . Logo αk−1 (z2 ) = ∂ 0 c03 e βk (c03 ) = z 00 , e por 2)
temos que z −z2 = ∂c para algum c ∈ Ck , o que conclui a prova de 3).
[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 317

Para ver que δk é um morfismo, note que se z100 + z200 = βk (c01 + c02 ) e
αk−1 (z1 + z2 ) = ∂ 0 (c01 + c02 ), então

δk ([z100 + z200 ]) = [z1 + z2 ] = [z1 ] + [z2 ] = δk ([z100 ]) + δk ([z200 ]).

Resta provar que a sequência é exata.

a) Kerδk ⊂ Imβ∗ .

Suponha que δk [z 00 ] = 0. Sejam c0 tal que z 00 = βk (c0 ) e z tal que


αk−1 (z) = ∂ 0 c0 . Como δk [z 00 ] = 0, temos que z = ∂c. Pela comutati-
vidade do diagrama, ∂ 0 αk (c) = αk−1 (∂c) = αk−1 (z) = ∂ 0 (c0 ). Assim,
∂ 0 (c0 − αk (c)) = 0. Como

βk (c0 − αk (c)) = βk (c0 ) − βk αk (c) = βk (c0 ) = z 00 ,

segue que z 00 = βk ∗ ([c0 − αk (c)]), isto é, [z 00 ] ∈ Imβ∗ .

b) Imβ∗ ⊂ Kerδk .

Seja z 00 = βk (z 0 ) com ∂ 0 z 0 = 0. Então ∂ 00 z 00 = ∂ 00 βk (z 0 ) = 0. Por


outro lado, δk ([z 00 ]) = [z], onde z é tal que αk−1 (z) = ∂ 0 z 0 = 0. Logo
[z] = 0 e [z 00 ] ∈ Kerδk .

c) Imδk ⊂ Kerα∗

Se [z] ∈ Imδk , então existem z 00 ∈ Zk00 e c0 ∈ Ck0 tais que βk (c0 ) = z 00


e αk−1 (z) = ∂ 0 c0 . Logo [z] ∈ Kerα∗ .

d) Kerα∗ ⊂ Imδk .

Se [z] ∈ Kerα∗ , então ∂z = 0 e αk−1 (z) = ∂ 0 c0 . Assim se z 00 = βk (c0 ),


então

∂ 00 z 00 = ∂ 00 βk (c0 ) = βk−1 (∂ 0 c0 ) = βk−1 αk−1 (z) = 0,

e portanto [z] = δk ([z 00 ]).

e) Como βk ◦αk = 0, temos que β∗ ◦α∗ = 0, e portanto Imα∗ ⊂ Kerβ∗ .


318 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

f) Kerβ∗ ⊂ Imα∗ .

Se [z 0 ] ∈ Kerβ∗ , então ∂ 0 z 0 = 0 e βk (z 0 ) = ∂ 00 c00 . Por outro lado,


c00 = βk+1 (c0 ). Logo,

βk (z 0 ) = ∂ 00 c00 = ∂ 00 βk+1 (c0 ) = βk (∂ 0 c0 ),

o que implica βk (z 0 − ∂ 0 c0 ) = 0. Consequentemente, existe c ∈ Ck tal


que αk (c) = z 0 − ∂ 0 c0 . Como αk−1 (∂c) = ∂ 0 αk (c) = 0 e αk−1 é 1-1,
temos que ∂c = 0. Logo

[z 0 ] = [z 0 − ∂ 0 c0 ] = [αk (c)] = α∗ [c].

A seguir vamos definir o conceito de homologia relativa de um


par (X, Y ), com X um espaço topológico e Y ⊂ X com a topologia
induzida, e exibir a sequência longa de homologia do par.

A inclusão Y ,→ X induz morfismos 1-1 αq : Cq (Y ) → Cq (X), de


modo que Cq (Y ) pode ser identificado como um submódulo de Cq (X).
Daı́ tem sentido o módulo quociente Cq (X, Y ) := Cq (X)/Cq (Y ).
Claramente a projeção quociente define um morfismo β : Cq (X) →
Cq (X, Y ) sobrejetivo. É fácil verificar que o operador de bordo in-
duz um operador de bordo ∂ : Cq (X, Y ) → Cq−1 (X, Y ), e assim
C• (X, Y ) é um complexo de cadeias, cuja homologia será denotada
por Hq (X, Y ). Temos assim uma sequência exata curta de complexos

0 → C(Y ) → C(X) → C(X, Y ) → 0

a qual induz, pelo teorema anterior, uma sequência exata longa

. . . Hk (Y ) → Hk (X) → Hk (X, Y ) → Hk−1 (Y ) → . . .

que é chamada de sequência exata do par (X, Y ).

Definimos os grupos de homologia reduzidos de um espaço to-


pológico M como os grupos de homologia relativos a pontos, isto é,
H̃k (M ) = Hk (M, {x}), em que x ∈ M . Usando a sequência exata do
par, temos que H̃k (M ) é isomorfo a Hk (M ) se k ≥ 1 e H̃0 (M ) = 0
[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 319

se M é conexo.

Se Z ⊂ Y ⊂ X é uma inclusão de espaços topológicos, as aplicações


de inclusão (Y, Z) ,→ (X, Z) ,→ (X, Y ) definem uma sequência exata
curta de complexos de cadeias:

0 → C(Y, Z) → C(X, Z) → C(X, Y ) → 0

e novamente pelo teorema anterior, ela induz uma sequência exata


longa de homomogia

· · · → Hq (Y, Z) → Hq (X, Z) → Hq (X, Y ) → Hq−1 (Y, Z) → . . .

chamada de sequência exata do terno (X, Y, Z).

11.2.2 Subdivisão baricêntrica


Se v0 , . . . , vq pertencem Pa um espaço P vetorial então a combinação con-
vexa desses pontos, { ti vi ; ti ∈ R, i ti = 1} é um subespaço afim
que tem dimensão q se os vetores vi − v0 , i = 1, . . . q são linearmente
indenpendentes. A envoltória convexa desses pontos, isto é, o menor
subconjunto convexo que contém esses pontos, é denominado por
X
[v0 , . . . , vq ] = {t0 v0 + · · · + tq vq ; ti = 1, ti ≥ 0}.
i

Se os vetores vi − v0 , i = 1, . . . , q são linearmente independentes,


[v0 , . . . , vq ] é um simplexo de dimensão q e (t0 , . . . , tq ) são as coorde-
nadas baricêntricas do ponto t0 v0 +. . . , tq vq . O ponto de coordenadas
1 1
baricêntricas ( q+1 , . . . , q+1 ) é o baricentro do simplexo. Se os vetores
acima não são linearmente independentes então [v0 , . . . , vq ] é ainda
um simplexo de dimensão menor gerado por um subconjunto dos
vértices.
Lema 11.8. Seja b o baricentro do simplexo ∆ = [v0 , . . . , vq ]. Então
q
a distância de b ao bordo de ∆ é menor ou igual ao produto de q+1
pelo diâmetro de ∆.
Demonstração. Seja p é um ponto do simplexo ∆. Se o ponto
q ∈ ∆ maximiza a distância ao ponto p então q é um vértice do
320 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

simplexo. De fato, se q não é um vértice então existe uma reta L pelo


ponto q que intersecta o simplexo em um intervalo da reta contendo
q em seu interior. Por outro lado, a distãncia de um ponto p a
uma reta L não possui um maximo local. Logo q é um vértice. Em
particular, o diâmetro de ∆ é a distância entre dois de seus vértices.
1
Por outro lado, a distância do baricentro b = q+1 (v0 + . . . vq ) ao
P 1 q+1 P 1
vértice vi é ||b − vi || = || j q+1 vj − q+1 vi || = j6=i || q+1 (vj − vi )|| ≤
1
P q
q+1 j6=i ||v j − v i || = q+1 d pois ||v j − v i || ≤ d.
Se σr : ∆r → ∆r é o simplexo singular identidade, denotamos por
Cq (σr ) ⊂ Cq (∆r ) o subgrupo gerado pelos q simplexos afins em ∆r ,
isto é, por aplicações afins l : ∆q → ∆r . Como um simplexo afim
é inteiramente determinado pela imagem de seus vértices, podemos
usar a notação l = [v0 , . . . , vq ], com vj = l(ej ). O operador de bordo
leva Cq (σr ) em Cq−1 (σr ), de modo que a famı́lia de módulos Cq (σr )
forma um  subcomplexo do complexo  singular Cq (∆r ). Denotamos
1 1
por b = q+1 e0 + ··· + q+1 eq o baricentro do simplexo ∆r .

Cada ponto p ∈ ∆r define um operador cone


Kp : Cq (σr ) → Cq+1 (σr )
P
definido por Kp (l) = Kp ([v0 , ..., vq ]) = [p, v0 , . . . , vq ] e Kp ( i ai li ) =
P P
i ai Kp (li ). É fácil verificar que se c = i ai li ∈ Cq (σr ), então

∂Kp (c) + Kp ∂(c) = c


P
se q > 0 e ∂Kp (c) + Kp ∂(c) = c − ( ai )(p) se q = 0.
Resulta dessas propriedades que a homologia do complexo C• (σr ) é
nula em dimensão diferente de 0 e é isomorfa ao anel em dimensão 0.
Um complexo de cadeias cuja homologia satisfaz essas propriedades
é chamado de acı́clico.

Vamos definir, indutivamente, operadores


β̃ : Cq (σr ) → Cq (σr ) ⊂ Cq (∆r )
e
D̃1 : Cq (σr ) → Cq+1 (σr )
satisfazendo às propriedades
[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 321

1. ∂ β̃ = β̃∂;
2. ∂ D̃1 + D̃1 ∂ = id − β̃.
Começamos definindo β̃ = id e D̃1 = 0 para q = 0. O passo
indutivo será feito no seguinte lema.
Lema 11.9. Para cada q ≥ 0 existem morfismos

β̃ : Cq (σr ) → Cq (σr ),

chamados de morfismos de subdivisão baricêntrica e morfismos

D̃1 : Cq (σr ) → Cq+1 (σr )

satisfazendo às seguintes propriedades:


1. β̃(c) = c e D̃1 (c) = 0 se c ∈ C0 (σr );
2. β̃(l) = Kb(l) (β̃∂l) para todo simplexo afim l ∈ Cq (σr ), com
q > 0, em que b(l) é a imagem por l do baricentro de ∆q e
estendemos para cadeias por linearidade: β̃(σi ai li = σi ai β̃(li );
3. D̃1 (l) = Kb(l) (l − D1 ∂l − β̃(l)) para todo simplexo afim l ∈
Cq (σr ) e estendemos para cadeias por linearidade;

4. β̃(∂c) = ∂ β̃(c) para todo c ∈ Cq (σr ), de modo que β̃ é um


morfismo do complexo C• (σr );
5. D̃1 ∂c + ∂ D̃1 c = c − β̃(c) para todo c ∈ Cq (σr ).
6. Se A : ∆r → ∆r0 é uma aplicaçãp afim e A# : Cq (σr ) → Cq (σr0
é a aplicaçãp omduzida, então

A# β̃ = β̃A#

e
A# D̃1 = D̃1 A# .

Demonstração. Como já dito anteriormente, definimos β̃ = id em


C0 (σr ). Usamos a expressão em 2) para definir indutivamente β̃ em
cada simplexo afim de dimensão q e estendemos linearmente para um
322 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

operador em Cq (σr ).
Provemos por indução que β̃ satisfaz 4).
A propriedade é evidente se l ∈ C0 (σr ). Suponha então que a pro-
priedade vale para simplexos afins em Cq (σr ) e seja l ∈ Cq+1 (σr ) um
simplexo afim. Então

∂ β̃l = ∂Kb(l) (β̃∂l))


= β̃∂l − Kb(l) ∂(β̃∂l)
= β̃∂l − Kb(l) ∂∂(β∂l)
= β̃∂l.

Como os operadores ∂ e Kp levam simplexos afins em simplexos afins,


a expressão em 3) define indutivamente D̃1 : Cq (σr ) → Cq+1 (σr ), com
D̃1 = 0 em C0 (σr ).
Mostraremos 5) por indução.
Novamente para q = 0 a propriedade é evidente. Suponha a pro-
priedade válida para Cq (σr ) e seja l ∈ Cq+1 (σr ) um simplexo afim.
Então

∂ D̃1 l = ∂Kb(l) (l − D̃1 ∂l − β̃(l))


= l − D̃1 ∂l − Kb(l) ∂(l − D̃1 ∂l − β̃(l))
= l − D̃1 ∂l − Kb(l) (β̃(∂l) + D̃1 (∂∂l − β(∂l))) (indução)
= l − D̃1 ∂l − β̃(l) (definição de β̃).

Finalmente, os operadores comutam com A# pois uma aplicação afim


leva um simplexo afim l em um simplexo afim A(l) e o baricentro de
A(l) é a imagem do baricentro de l.

Temos assim um operador subdivisão baricêntrica para simplexos


afins. Estenderemos agora os operadores β̃ e D̃1 para Cr (M ) de qual-
quer espaço topológico M . Seja σ : ∆r → M um simplexo singular.
Como σr ∈ Cr (σr ), já temos bem definido β̃(σr ) ∈ Cr (σr ). Defini-
mos então β(σ) = σ# β̃(σr ) e estendemos por linearidade, obtendo
um operador β : Cr (M ) → Cr (M ). Afirmamos que β ainda satisfaz
[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 323

∂β = β∂. De fato:

∂β(σ) = ∂σ# (β̃σr )


= σ# ∂(β̃σr )
= σ# β̃(∂σr )
X
= (−1)i σ# (β̃∆ri ), ( onde ∆ri é a i-ésima face de ∆r )
i
X
= (−1)i β̃(σ|∆ri )
i
!
X
= β (−1)i σ|∆ri
i
= β∂σ.

Assim, o operador de subdivisão baricêntrica β : Cr (M ) → Cr (M )


é um morfismo do complexo C• (X). De modo análogo, definimos
D1 : Cr (M ) → Cr+1 (M ) por D1 (σ) = σ# (D̃1 (σr )). A propriedade
5) ainda vale pois

∂D1 σ = ∂σ# (D̃1 σr )


= σ# (∂ D̃1 σr )
= σ# (σr − β̃σr − D̃1 ∂σr )
= σ − β(σ) − D1 (∂σ).

Para verificar a última igualdade consideremos a aplicação afim fj : ∆r − 1 →


δr tal que ∂j σ = σ ◦ fj e ∂j σr = (fj )# σr−1 . Temos então que

(fj )# D̃1 σr−1 = D̃1 (fj )# σr−1 = D̃1 ∂j σr .

Logo
D̃1 ∂σ = σ# D̃1 (∂σr ).
Assim o operador D1 é uma homotopia algébrica entre β e a identi-
dade de Cr (M ).

Corolário 11.10. O operador de subdivisão baricêntrica β induz a


aplicação identidade em cada grupo de homologia singular.
324 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Seja U = {U1 , . . . , Uq } uma famı́lia de subconjuntos de um espaço


topológico M cujos interiores cobrem M . Seja CrU (M ) ⊂ Cr (M ) o
submódulo gerado pelos simplexos singulares σ : ∆r → M tais que
σ(∆r ) está contido em algum Uj ∈ U. Como ∂(CrU (M )) ⊂ Cr−1 U
(M ),
temos um subcomplexo de C• (M ), cujos grupos de homologia serão
denotados por HkU (M ). A inclusão i : CrU (M ) → Cr (M ) induz um
homomorfismo i∗ : HrU (M ) → Hr (M ), o qual provaremos que é de
fato um isomorfismo.

Teorema 11.11. Existem homomorfismos

Ψ : Cr (M ) → CrU (M ) ⊂ Cr (M )

e
D : Cr (M ) → Cr+1 (M )
tais que

1. ∂Ψ = Ψ∂;

2. ∂D(c) + D∂(c) = c − Ψ(c) para todo c ∈ Cr (M );

3. Ψ(c) = c para todo c ∈ CrU (M ).

Corolário 11.12. Os homomorfismos induzidos em homologia

Ψ∗ : Hk (M ) → HkU (M )

são isomorfismos.

Demonstração. Pela propriedade 4) temos que Ψ ◦ i = idCrU (M ) , e


portanto Ψ∗ ◦ i∗ = idHrU (M ) . Por outro lado, a propriedade 2) diz
que o operador D é uma homotopia algébrica entre i ◦ Ψ e idCr (X) ,
de modo que i∗ ◦ Ψ∗ = idHr (M ) . Assim i∗ é um isomorfismo, com
inverso Ψ∗ .

Demonstração. (do Teorema) A idéia é iterar o operador de sub-


divisão baricêntrica, de modo a obter simplexos com diâmetros arbi-
trariamente pequenos. Para cada m ≥ 1 definimos

Dm : Cr (M ) → Cr+1 (M )
[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 325

Pm−1 i 0
por Dm = i=0 D1 ◦ β (colocamos β = id, de modo que para
m = 1 os D1 ’s concordam). Se m = 0 definimos D0 (c) = 0 para todo
c ∈ Cr (M ). Temos então que
m−1
X
∂Dm + Dm ∂ = (∂D1 β i + D1 β i ∂)
i=0
m−1
X
= (∂D1 β i + D1 ∂β i )
i=0
m−1
X
= (∂D1 + D1 ∂)β i
i=0
m−1
X
= (id − β)β i
i=0
= id − β m .

Assim, o operador Dm é uma homotopia algébrica entre id e β m para


todo m ≥ 1. Se m = 0, definimos D0 (c) = 0 para toda cadeia c e a
fórmula permanece válida nesse caso. Em particular, cada potência
β m ainda induz a identidade na homologia.

Seja σ : ∆r → M um simplexo singular. Seja δ um número de Le-


besgue da cobertura de ∆r pelas pré-imagens dos interiores dos Ui ´s.
Logo, se m é suficientemente grande, cada subsimplexo afim de ∆r
da m-ésima subdivisão baricêntrica de ∆r tem diâmetro menor que
δ e, portanto, está contido em um elemento da cobertura. Logo,
β m (σ) ∈ CrU (M ). Seja m(σ) ≥ 0 o menor inteiro com essa proprie-
dade. Se τ é uma face de σ então, evidentemente, m(τ ) ≤ m(σ).

Definimos D(σ) = Dm(σ) (σ) e estendemos D a Cr (M ) por linea-


ridade. Como

∂Dm(σ) σ + Dm(σ) ∂σ = σ − β m(σ) (σ),

temos

∂Dσ + D∂σ = σ − [β m(σ) (σ) + Dm(σ) (∂σ) − D(∂σ)].


326 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Definimos então
Ψ(σ) = β m(σ) (σ) + Dm(σ) (∂σ) − D(∂σ)
e estendemos Ψ por linearidade a Cr (M ). Daı́, pela própria definição,
temos
∂D(c) + D∂c = c − Ψ(c)
para toda cadeia c ∈ Cr (M ). Resta mostrar as propriedades 1) e 3)
e que Ψ toma valores em CrU (M ).

1) ∂Ψ = Ψ∂:

Aplicando a equação acima para c = ∂σ, temos


∂D(∂σ) + D∂∂σ − ∂σ = −Ψ(∂σ).
Por outro lado, aplicando o operador de bordo à mesma equação
aplicada a σ temos
∂∂Dσ + ∂D∂σ = ∂σ − ∂Ψ(σ)
2
Como ∂ = 0, das duas equações acima segue-se que
∂Ψ(σ) = Ψ(∂σ)
para todo simplexo singular. Assim ∂Ψ(c) = Ψ∂c para toda cadeia
singular, como querı́amos provar.

3) c ∈ CrU (M ) ⇒ Ψ(c) = c:

Por linearidade, basta mostrar a implicação para cada simplexo sin-


gular σ em CrU (M ). De fato, se σi é a i-ésima face do simplexo σ,
então 0 ≤ m(σi ) ≤ m(σ) = 0, assim D(∂σ) = D0 (∂σ) = 0 e daı́, da
definição de Ψ, temos que Ψ(σ) = σ, como querı́amos mostrar.

Finalmente, vamos mostrar que Ψ(c) ∈ CrU (M ) para todo c ∈ Cr (M ).


Novamente basta mostrar a implicação quando a cadeia é um único
simplexo singular σ. Como
m(σ)−1 m(σ)−1 r
X X X
i
Dm(σ) ∂σ = D1 ◦ β (∂σ) = (−1)j D1 ◦ β i (σj )
i=0 i=1 j=0
[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 327

e
r m(σj )
X X
j
D(∂σ) = (−1) D1 ◦ β i (σj )
j=0 i=1

e m(σj ) ≤ m(σ), temos que

r m(σ)
X X
Dm(σ) ∂σ − D(∂σ) = (−1)j D1 β i (σj ).
j=0 i=m(σj )+1

Se i ≥ m(σj ), então β i (σj ) ∈ CqU (M ), e como D1 (CrU (M )) ⊂ CrU (M ),


temos que Dm(σ) ∂σ − D(∂σ) ∈ CrU (M ), o que conclui a prova.

Teorema 11.13. (Mayer-Vietoris) Se M = Int U ∪ Int V , então


para cada r ≥ 0 existe um homomorfismo δr : Hr (M ) → Hr−1 (U ∩V )
tal que a sequência de Mayer-Vietoris
δr+1 ∗r α r β∗r δ
· · · → Hr (U ∩V ) → Hr (U )⊕Hr (V ) → Hr (M ) → Hr−1 (U ∩V ) . . .

é exata.

Demonstração. Considere a sequência


α βr
0 → Cr (U ∩ V ) →r Cr (U ) ⊕ Cr (V ) → CrU (M ) → 0

com αr (c) = (c, c) e βr (c1 , c2 ) = c1 − c2 . É fácil verificar que esta


sequência é exata, e, portanto, é uma sequência exata de comple-
xos. O resultado segue então do teorema 11.7 e do isomorfismo entre
HrU (M ) e Hr (M ), corolário 11.12.

Teorema 11.14. (Excisão) Seja X um espaço topológico e consi-


dere subespaços Z ⊂ Y ⊂ X. Se Z ⊂ int Y , então a aplicação de
inclusão (X \ Z, Y \ Z) ,→ (X, Y ) induz isomorfismos nos grupos de
homologia relativos.

Demonstração. Seja U = X \ Z e V = Y . Então U ∩ V = Y \ Z


e como Z ⊂ int Y , temos int U ∪ int V = X. Seja U = {U, V } e
i : CkU (X) ,→ Ck (X) a inclusão.
328 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Sejam Ψ : Ck (X) → CkU (X) e D : Ck (X) → Ck+1 (X) os operadores


definidos na demonstração do teorema 11.11. Lembramos que eles
satisfazem Ψ ◦ i = id e ∂D + D∂ = id − i ◦ Ψ. Como os operadores
envolvidos nessas propriedades preservam simplexos com imagem em
U ou V , os operadores Ψ e i induzem operadores nos quocientes por
Cr (U ) e por Cr (V ). Naturalmente os operadores nos quocientes sa-
tisfazem propriedades análogas às anteriores, de modo que a inclusão
CrU (X)/Cr (U ) → Cr (X)/Cr (U ) induz isomorfismos em homologia.
Por outro lado, a aplicação natural

Ck (U )/Ck (U ∩ V ) → CkU (X)/Ck (V )

é um isomorfismo no nı́vel de cadeias, e, portanto, o teorema está


demonstrado.

Dado um subconjunto Y de um espaço topológico X, considere-


mos a relação de equivalência que identifica dois pontos distintos em
X se, e somente se, eles pertencem a Y . O espaço das classes de equi-
valência por essa relação é denotado por X/Y . Seja q : X → X/Y a
aplicação quociente.

Corolário 11.15. Seja Y ⊂ X um subconjunto fechado e suponha


que Y seja um retrato por deformação de uma vizinhança V de Y
em X. Então a aplicação quociente induz isomorfismos

q∗ : Hr (X, Y ) → Hr (X/Y, Y /Y )

Demonstração. Consideremos o diagrama comutativo

Hr (X, Y ) / Hr (X, V ) o Hr (X − Y, V − Y )
q∗ q∗ q∗
  
Hr (X/Y, Y /Y ) / Hr (X/Y, V /Y ) o Hr (X/Y − Y /Y, V /Y − Y /Y )

Como a restrição da aplicação quociente é um homeomorfismo de


X − Y com X/Y − Y /Y , temos que

q∗ : Hr (X − Y, V − Y ) → Hr (X/Y − Y /Y, V /Y − Y /Y )
[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 329

é um isomorfismo. Considerando a sequência exata do terno (Y, V, X)

· · · → Hr (V, Y ) → Hr (X, Y ) → Hr (X, V ) → Hr−1 (V, Y ) → . . .

de Y ser um retrato por deformação de V , temos Hr (V, Y ) = 0 para


todo r. Logo temos um isomorfismo entre Hr (X, Y ) e Hr (X, V ). O
mesmo argumento mostra que o homomorfismo horizontal inferior da
esquerda também é isomorfismo. Pelo teorema de excisão, os dois
homomorfismos horizontais da direita no diagrama são isomorfismos.
Logo o homomorfismo vertical da esquerda é um isomorfismo e co-
rolário está demonstrado.
Corolário 11.16. Hk (S n ) = A se k = 0, n e Hk (S n ) = 0 se k 6= 0, n.
Demonstração. Hk (Dn , ∂Dn ) é isomorfo a Hk (S n , {p}) que é iso-
morfo a Hk (S n ) se k ≥ 1. Da sequência exata

. . . Hk (∂Dn ) → Hk (Dn ) → Hk (Dn , ∂Dn ) → Hk−1 (∂Dn ) → . . .

temos
0 → Hk (Dn , ∂Dn ) → Hk−1 (Dn ) → 0
para k ≥ 2 pois Dn é contrátil, e portanto Hk (S n ) é isomorfo a
Hk−1 (S n−1 ) para todo n e para k ≥ 2. Para n = k = 1, a parte final
da sequência é

0 → H1 (S 1 ) → H0 (S 0 ) → H0 (D1 ) → 0

Como H0 (S 0 ) ≈ A ⊕ A e H0 (D1 ) ≈ A e o segundo morfismo é indu-


zido por inclusão, temos que seu núcleo é isomorfo a A, e, portanto,
H1 (S 1 ) ≈ A e o corolário segue por indução.

Corolário 11.17. Seja M uma variedade compacta e f : M → R


uma função de Morse. Suponha que em f −1 ([a, b]) exista apenas um
ponto crı́tico, e que seu ı́ndice seja λ. Então Hk (M b , M a ) ≈ A se
k = λ e Hk (M b , M a ) = 0 se k 6= λ.
Demonstração. Pelo teorema de excisão, Hk (M b , M a ) é isomorfo
a Hk (eλ , ∂eλ ), que é isomorfo a A se k = λ e é 0 se k 6= λ.
330 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Lembramos que o Teorema de ponto fixo de Brouwer foi mostrado


no capı́tulo 2 usando técnicas que envolvem diferenciabilidade. Po-
demos dar agora outra demonstração, puramente topológica e muito
mais simples, envolvendo apenas os grupos de homologia singular.
Seja f : Dn → Dn , n ≥ 2, uma aplicação contı́nua e sem pontos fixos.
Como fizemos na outra demonstração, isso implica que podemos de-
finir uma retração r : Dn → S n que associa a cada ponto x ∈ Dn a
interseção com o bordo da semireta de origem f (x) que passa pelo
ponto x. Se i : S n → Dn é a inclusão, temos que r ◦ i = idS n−1 , e
portanto (r ◦ i)∗ = id : Hn−1 (S n−1 ) → Hn−1 (S n−1 ), e em particular
é um isomorfismo. Por outro lado, Hn−1 (Dn ) = 0, e portanto r∗ = 0.
Isso é um absurdo pois Hn−1 (S n−1 ) 6= 0.

Corolário 11.18. (Invariância de dimensão) Se U ⊂ Rm e V ⊂


Rn são abertos homeomorfos, então m = n.
Demonstração. Fixemos x ∈ U . Pela teorema de excisão, temos
que Hk (U, U −{x}) ≈ Hk (Rm , Rm −{x}). Por outro lado, a sequência
exata do par (Rm , Rm −{x}) nos diz que Hk (Rm , Rm −{x}) é isomorfo
a H̃k−1 (Rm − {x}). Como Rm − {x} tem o mesmo tipo de homotopia
de S m−1 , temos que Hk (U, U − {x}) ≈ H̃k−1 (S m−1 ) ≈ A se k = m
e 0 caso contrário. Da mesma maneira, Hk (V, V − {y}) ≈ A se
k = n e 0 caso contrário. Portanto, como um homeomorfismo induz
isomorfismos em homologia, temos n = m.
A cada ponto x de um espaço topológico M associamos o grupo
Hk (M, M − {x}), que é chamado de grupo de homologia local em
dimensão k. A mesma demonstração acima implica a seguinte co-
rolário.
Corolário 11.19. Seja M uma variedade topológica com dimensão
m ≥ 2. Para cada x ∈ M temos Hk (M, M \ {x}) ≈ H̃k−1 (S m−1 ).
Em particular, Hm (M, M − {x}) ≈ A.
Dada uma famı́lia Xi de espaços topológicos e um ponto xi em
cada Xi , podemos construir um novo espaço topológico ∨i Xi , deno-
minado buquê dos espaços Xi , tomando o quociente da união disjunta
tXi pela relação de equivalência que identifica dois pontos distintos
se, e somente se, eles pertencem a {xi }i . A classe de cada xi nesse
[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 331

quociente é a mesma para todo i, e vamosF denota-la por ∨i xi . Temos


portanto uma aplicação
F quociente q : ( i Xi , {xi }) → (∨Xi , ∨i xi ). A
inclusão Xi → i Xi induz aplicações na homologia
ji : Hr (Xi , xi ) → Hr (∨i Xi , ∨i xi ).
Proposição 11.20. Se cada ponto xi possui uma vizinhança contrátil
Vi ⊂ Xi , então a aplicação
⊕i ji : ⊕ Hr (Xi , xi ) → Hr (∨i Xi , ∨i xi )
é um isomorfismo.
Demonstração. Consequêncioa do corolário 11.15.

11.2.3 Homologia celular


Definição 11.7. Um CW -complexo é um espaço topológico M que
admite uma decomposição
N
[
M= Mn , N ∈ N ∪ {∞}
n=0

tal que os subespaços Mn , chamados de n-esqueletos, tem as seguintes


propriedades:
1. M0 é um conjunto discreto;
2. Mn−1 ⊂ Mn são subespaços fechados;
3. para cada n ∈ N existe uma famı́lia de funções contı́nuas
Φnα : B n → Mn ⊂ M,
chamadas de funções caracterı́sticas, tais que

a) φnα (S n−1 ) ⊂ Mn−1 , em que φnα = Φnα |S n−1 ;

b) Φnα |B n é um homeomorfismo sobre sua imagem enα := Φnα (B n ).


Tal imagem é chamada uma célula de dimensão n;
G
c) Mn − Mn−1 = enα ;
α
332 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

4. A imagem de cada função caracterı́stica intersecta apenas um


número finito de células.

5. F ⊂ M é fechado se, e somente se, (Φnα )−1 (F ) é fechado para


todo α e n ∈ N.

Exemplos:

1) A esfera unitária S n = en ∪φ e0 , com φ : S n−1 → e0 aplicação


constante.

2) O espaço projetivo real pode ser escrito indutivamente como


RPn = en ∪ RPn−1 , em que φn : S n−1 → RPn−1 é o recobri-
mento duplo. Logo, RPn = en ∪ en−1 ∪ · · · ∪ e1 ∪ e0 .

3) Analogamente, o espaço projetivo complexo qn : S 2n+1 → CPn


também tem uma decomposição CW natural. Escrevendo
X
B 2n = {(w1 , . . . , wn ) ∈ Cn ; |wi |2 < 1},

defina
n
Φ: B 2n −→ pRP
w 7−→ qn (w, 1 − kwk2 ).

Se (z1 , . . . , zn+1 ) ∈ S 2n+1 e zn+1 6= 0, então p existe um único


w ∈ B 2n tal que [z1 , . . . , zn+1 ] = [w1 , . . . , wn , 1 − kwk2 ]. Se
zn+1 = 0, então qn (z) ∈ CPn−1 ⊂ CPn .
Logo Φ|B 2n é um homeomorfismo sobre a imagem e φ = Φ|S 2n−1
é igual a qn−1 : S 2n−1 → CPn−1 . Como CP1 ≈ S 2 = e0 ∪ e2 ,
temos indutivamente que

CPn = e2n ∪ CPn−1 = e2n ∪ e2n−2 ∪ · · · ∪ e2 ∪ e0 .

4) Uma estrutura simplicial em um espaço topológico M é uma


famı́lia Φnα : ∆n → M de homeomorfismos tais que
[
M= Φnα (∆n )
n,α
[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 333

e se Φnα (∆n ) ∩ Φm m
β (∆ ) 6= ∅, então ∆
αβ
:= (Φnα )−1 (Φm m
β (∆ )) é
−1
uma face de ∆n , ∆βα := (Φm β ) (Φnα (∆n )) é uma face de ∆m
n −1
e a aplicação (Φβ ) ◦ Φα : ∆ → ∆βα é um homeomorfismo
n αβ

afim.
Se a famı́lia é infinita, exigimos também que ela determine a
topologia de M : F ⊂ M é fechado, se e somente se, (Φnα )−1 (F )
é fechado em ∆n para todo α e n.
Uma estrutura simplicial define uma estrutura de CW -complexo
em M com Φnα S sendo as funções caracterı́sticas e o n-esqueleto
sendo M n = Φjα (∆j ).
α,j≤n

Whitney mostrou em [Wh1] que toda variedade C ∞ admite


uma estrutura simplicial. A ideia é mergulhar a variedade em
um espaço euclideano e triangular esse espaço com simplexos
de diâmetros suficientemente pequenos e perturbar o mergulho
de modo a coloca-lo transversal a todos os simplexos. A varie-
dade instersecta os simplexos de dimensão igual à codimensão
da variedades em pontos. A intersção da variedade com a tri-
angulação do espaço euclideano fornece uma triangulação da
variedade.

5) Mostraremos posteriormente que, usando funções de Morse,


toda variedade diferenciável compacta tem o tipo de homotopia
de um CW-complexo e cujas células de dimensão máxima tem
a dimensão da variedade. Mostraremos que, em uma variedade
compacta e conexa, é possı́vel escolher a função de Morse tal
que a estruturaela de CW-complexo tenha uma única célula de
dimensão da variedade e uma única célula de dimensão zero.

Proposição 11.21. Se M é um CW -complexo e K ⊂ M é um


compacto, então K intersecta apenas um número finito de células em
M.

Demonstração. Suponha por absurdo que K intersecta uma infini-


dade de células ei .STomemos para cada i ≥ 1 um ponto
S yi ∈ ei ∩ K.
Então Ui = M − {yj } é um aberto em M pois {yj } é fechado,
j6=i j6=i
uma vez que sua pré-imagem por uma função caracterı́stica é um
334 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

número finito de pontos (condição 4) da definição de CW). Assim


{Ui }i é uma cobertura aberta de K que não possui subcoberta finita,
uma contradição.

Proposição 11.22. Mn−1 é um retrato por deformação de uma vi-


zinhança V de Mn−1 em Mn .

Demonstração. Seja V = Mn−1 (enα − {xnα }), com xnα = φnα (0).
S
α
Basta definir a aplicação π : V → Mn−1 por
(  n −1 
(Φ ) (x)
φnα k(Φnα )−1 (x)k se x ∈ enα − {xnα }
π(x) = α
x se x ∈ Mn−1 .

Corolário 11.23. Para todo k ≥ 0 temos

Hk (Mn , Mn−1 ) ≈ H̃k (Mn /Mn−1 ),

o qual é 0 se k 6= n e é o módulo livre gerado pelas células de dimensão


n se k = n.

Demonstração. A primeira afirmação segue da proposição anterior


e do corolário 11.15. Das condições 3a) e 3d) da definição de CW,
temos que o quociente Mn /Mn−1 é um buquê de esferas de dimensão
n. Portanto o corolário segue da proposição 11.20.

Proposição 11.24. Se M é um CW -complexo então:

a) Hk (Mn ) = 0 se k > n;

b) a inclusão i : Mn → M induz isomorfismos i∗ : Hk (Mn ) → Hk (M )


se k < n.

Demonstração. a) Na sequência exata do par (Mn , Mn−1 ) temos

Hk+1 (Mn , Mn−1 ) → Hk (Mn−1 ) → Hk (Mn ) → Hk (Mn , Mn−1 )

temos que, como k > n, o primeiro e último termos são nulos, de


modo que temos isomorfismos

Hk (Mn ) ≈ Hk (Mn−1 ) ≈ · · · ≈ Hk (M1 ) ≈ Hk (M0 ) = 0


[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 335

b) Se k < n, a mesma análise da sequência do par garante que temos


a sequência

0 → Hk (Mn ) → Hk (Mn+1 ) → 0.

Logo

Hk (Mn ) ≈ Hk (Mn+1 ) ≈ · · · ≈ Hk (Mn+m ).

para todo m ≥ 0. Se M = Mn+m para algum m então a prova


está terminada. Caso contrário, temos que provar que a inclusão é
injetiva e sobrejetiva na homologia. Para provar que é injetiva basta
observar que se um ciclo [z] em Hk (Mn ) é o bordo de uma cadeia b
em M , então b é uma cadeia em Mn+m para algum m pois a ima-
gem de um simplexo singular é um compacto, e portanto intersecta
no máximo um número finito de células. Daı́ [z] é um bordo em
Mn+m e, portanto, um bordo em Mn pelo que já foi mostrado. A
sobrejetividade é análoga pois um ciclo [z] em M pode ser represen-
tado por uma cadeia em Mn+m para algum m, e, portanto, um ciclo
em Mn+m . Logo é homólogo a um ciclo em Mn pelo isomorfismo
Hk (Mn ) ,→ Hk (Mn+m ).

Vamos definir agora o complexo celular de um CW-complexo M .


Das sequências exatas

δn+1
Hn+1 (Mn+1 , Mn ) / Hn (Mn ) in
/ Hn (Mn+1 ) / Hn (Mn+1 , Mn )
oo ||
Hn (M ) 0

jn n δ
0 = Hn (Mn−1 ) → Hn (Mn ) −→ Hn (Mn , Mn−1 ) −→ Hn−1 (Mn−1 )
336 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

construı́mos o diagrama

70

0 Hn (M )
in 9
&
Hn (Mn )
δn+1 8 jn
%
/ Hn (Mn , Mn−1 ) / Hn−1 (Mn−1 , Mn−2 )
dn+1 dn
Hn+1 (Mn+1 , Mn )
δn 6
' jn−1
Hn−1 (Mn−1 )
7

com dn+1 = jn ◦ δn+1 e dn = jn−1 ◦ δn . Note que dn ◦ dn+1 = 0,


de modo que a sequência horizontal do diagrama é um complexo de
cadeias, chamado de complexo celular. A homologia desse complexo
é chamada de homologia celular de M e é denotada por

Ker dn
HnCW (M ) = .
Im dn+1

Proposição 11.25. As homologias singular e celular de um CW-


complexos coincidem, isto é, HnCW (M ) ≈ Hn (M ).

Demonstração. Da sequência exata


δn+1
Hn+1 (Mn+1 , Mn ) −→ Hn (Mn ) → Hn (M ) → 0

temos
Hn (Mn )
Hn (M ) ≈ .
Im δn+1
Como jn−1 é injetivo, temos que Ker δn = Ker dn . Como a sequência
jn n δ
Hn (Mn ) → Hn (Mn , Mn−1 ) → Hn−1 (Mn−1 )

é exata, temos
Im jn = Ker δn = Ker dn .
[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 337

Como jn é injetivo e jn (Im δn+1 ) = Im dn+1 , temos

Hn (Mn ) Im jn Ker dn
Hn (M ) ≈ ≈ = = HnCW (M ).
Im δn+1 Im dn+1 Im dn+1

Vamos descrever agora uma maneira explı́cita de calcular os mor-


fismos dn . Para isso vamos restringir o anel de coeficientes para
Z. Essa restrição é essencial porque vamos usar que todo morfismo
h : Z → Z é da forma h(x) = nx para algum n ∈ Z. Em particular, se
f : S n → S n é uma aplicação contı́nua, então f∗ : Hn (S n ) → Hn (S n )
é a multiplicação por um inteiro, já que Hn (S n , Z) ≈ Z. Vamos cha-
mar esse inteiro de grau da aplicação f . De fato já temos uma noção
de grau definida anteriormente. Vamos mostrar posteriormente, no
lema 11.27, que as duas noções coincidem.
Cada função caracterı́stica Φnα : (B n , S n−1 ) → (Mn , Mn−1 ) induz
uma aplicação injetiva (Φnα )∗ : Hn (B n , S n−1 ) → Hn (Mn , Mn−1 ). Va-
mos denotar por [enα ] ∈ Hn (Mn , M − n − 1) a imagem do gerador
de Hn (B n , S n−1 ) ≈ Z, de modo que {[enα ]}α é uma base do Z-
módulo Hn (Mn , Mn−1 ). Então podemos determinar o morfismo dn
pela fórmula X
dn ([enα ]) = dαβ [en−1
β ]
β

onde dαβ são inteiros. A soma é finita pois Φnα (∂B n ) intersecta apenas
um número finito de células. Para determinar os coeficientes dαβ
consideremos a aplicação quociente

qβ : Mn−1 → Mn−1 /(Mn−1 − en−1


β ) ≈ S n−1 ,

onde o isomorfismo é induzido pela aplicação caracterı́stica

Φn−1
β : (B n−1 , S n−2 ) → (Mn−1 , Mn−1 − en−1
β ).

Teorema 11.26. dαβ é o grau da aplicação qβ ◦ φnα : S n−1 → S n−1 .

Demonstração. Pela sequência exata


δ
0 = Hn (B n ) → Hn (Bn , S n−1 ) → Hn−1 (S n−1 ) → H̃n−1 (B n ) = 0
338 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

temos que δ é um isomorfismo. Por outro lado, temos um diagrama


comutativo
(Φn
α )∗
Hn (B n , S n−1 ) / Hn (Mn , Mn−1 )

δ δn
 (φn 
α )∗
Hn−1 (S n−1 ) / Hn−1 (Mn−1 )

A aplicação quociente qβ induz um homomorfismo

πβ : Hn−1 (Mn−1 , Mn−2 ) / H̃n−1 (Mn−1 /(Mn−1 − en−1 ))


β

oo oo
H̃n−1 (Mn−1 /Mn−2 ) Hn−1 (Mn−1 , Mn−1 − en−1
β )

tal que πβ ([en−1 0 n−1


β 0 ]) = 0 se β 6= β e πβ ([eβ ]) é gerador de

Hn−1 (Mn−1 , (Mn−1 − en−1


β )) ≈ Hn−1 (S n−1 )

Logo a imagem do gerador [enα ] pela composta desses homomorfis-


mos, como no diagrama comutativo abaixo, é dαβ vezes o gerador de
Hn−1 (S n−1 ).

Hn (B n , S n−1 )
δ
/ Hn−1 (S n−1 )
(qβ ◦φn
α )∗
(Φn
α )∗ (φn
α )∗
  (qβ )∗ *
Hn (Mn , Mn−1 )
δn
/ Hn−1 (Mn−1 ) / Hn−1 (Mn−1 /(Mn−1 − enβ ))
O
dn q∗
dn πβ
)  *
Hn−1 (Mn−1 , Mn−2 )

/ Hn−1 (Mn−1 /Mn−2 )

Da comutatividade do diagrama temos que a imagem do gerador


de Hn−1 (S n−1 ) pela aplicação induzida por (qβ ◦ φnα ) é dαβ vezes o
gerador de Hn−1 (S n−1 ).
Lema 11.27. Seja f : S n → S n uma aplicação contı́nua, então a
aplicação f∗ : Hn (S n ) → Hn (S n ) é dada por f∗ ([z]) = gr(f ) · [z].
[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 339

Demonstração. Lembrando que duas aplicações homotópicas in-


duzem as mesmas aplicações em homologia e que toda aplicação
contı́nua é homotópica a uma aplicação de classe C ∞ , podemos su-
por que f de classe C ∞ . Seja y um valor regular P de f e escreva
f −1 (y) = {x1 , . . . , xl }, de modo que gr(f ) = i sinal(xi ). Sejam
V vizinhança de y e Ui vizinhança de xi tais que f : Ui → V seja
um difeomorfismo para cada i e Ui ∩ Uj = ∅ se i 6= j. Considere o
diagrama comutativo

Hn (S n , S n − {x1 , ..., xm })
E
/ Qi Hn (Ui , Ui − xi )
j 3 i ≈

n
Hn (S ) ρi πi
l ki
≈ +  
Hn (S n , S n − xi ) o

ui
Hn (Ui , Ui − xi )

onde todos os homomorfismos são induzidos pelas inclusões. A in-


clusão i Ui → S n induz um isomorfismo em homologia pelo teorema
F
da excisão, cujo inverso denotamos no diagrama por E. O morfismo
l também é um isomorfismo pois

l ∂
Hn (S n − xi ) → Hn (S n ) → Hn (S n , S n − xi ) → H̃n−1 (S n − xi )
|| ||
0 0

e da mesma forma o homomorfismo inferior da direita induzido por in-


clusão é isomorfismo. Em Hn (Ui , Ui −xi ) e Hn (V, V −y) consideremos
os geradores que correspondem ao gerador de Hn (S n ) via os isomor-
fismos do diagrama. Assim f∗ : Hn (Ui , Ui − xi ) → Hn (V, V − y) leva
gerador em gerador se o sinal de xi é positivo e gerador em -gerador
se o sinal é negativo.

Hn (Ui , Ui − xi )
f∗
/ Hn (V, V − y)
ui
ki ≈

t  
Hn (S n , S n − xi ) o / Hn (S n , S n − y)
f∗
Hn (S n , S n \ {x1 , ..., xm })
j ρi O O
l
j ≈

Hn (S n )
f∗
/ Hn (S n )
340 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

É claro que πi Eki (gerador) = gerador pois E ◦ ki é a inclusão no


i-ésimo fator e, portanto,
 
X
πi E  kj (gerador) = πi (Eki (gerador)) = gerador ∀ i
j

e também πi Ej(gerador) = gerador, pois πi ◦ E ◦ j = u−1


i ◦ l e l é
isomorfismo. Logo
 
X
πi (E ◦ j(gerador)) = πi E  kj (gerador) ∀ i
j

e, consequentemente,
X
E ◦ j(gerador) = Eki (gerador).
i

Como E é isomorfismo, segue-se


X
j(gerador) = ki (gerador).
i

Portanto
X
f∗ j(gerador) = f∗ ki (gerador)
i
X
= f∗ ki (gerador)
i
X
= (f |Ui )∗ (gerador)
i
!
X
= sin(xi ) (gerador)
i

E assim X
f∗ (gerador) = (sin xj )(gerador),
j

o que prova o lema e o teorema.


[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 341

Exemplo 11.1. A superfı́cie compacta orientável de gênero g.

A superfı́cie Mg é obtida identificando dois a dois os lados de um


polı́gono plano de 4g lados como

a1 b1 a−1 −1 −1 −1 −1 −1
1 b1 a2 b2 a2 b2 ...ag bg ag bg .

De modo que temos uma 0-célula, 2g células de dimensão 1 e uma


célula de dimensão 2. O complexo celular é portanto
d d
2
0 → Z −→ Z2g −→
1
Z→0

Devemos ter d1 = 0 pois temos apenas uma célula de dimensão 0 e


Mg é conexa. Também temos que d2 = 0 pois ao percorrer o bordo
do disco no sentido anti-horário, a imagem da aplicação qj ◦ φ2 da
uma volta em torno de aj ( ou de bj ) e depois desfaz essa volta por
causa da maneira como a identificação foi escolhida, de modo que o
número de rotação é 0, o qual é o grau de qj ◦ φ2 . Assim concluı́mos
que
H0 (Mg , Z) ≈ Z H1 (Mg , Z) ≈ Z2g H2 (Mg , Z) ≈ Z.

Exemplo 11.2. A superfı́cie compacta não orientável de gênero


g.

A superfı́cie Ng é o espaço quociente de um polı́gono plano de 2g


lados identificados dois a dois como

a1 a1 a2 a2 ...ag ag ,

daı́ o o complexo celular é


d d
2
0 → Z −→ Zg −→
1
Z → 0.

Como antes, d1 = 0 pois só há uma 0-célula e Ng é conexo. Do modo


como é feita a colagem, segue agora que para cada j = 1, 2, ..., g a
aplicação qj ◦ φ2 : S 1 → S 1 dá duas voltas no sentido anti-horário
em torno de aj , de modo que o número de rotação é 2. Deste modo
concluı́mos que d2 (x) = (2x, ..., 2x) ∈ Zg . Para entender quem é
H1 (Ng ) = Zg /Im d2 , note que (1, 0, ..., 0), ..., (0, ..., 1, 0), (1, 1, ..., 1)
342 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

também é um base de Zg e os primeiros g − 1 elementos dessa base


tem classe não trivial em H1 (N g ) e c.(1, ..., 1) ∈ Im d2 se, e somente
se, c ∈ 2Z, e portanto H1 (Ng ) ≈ Zg−1 × Z2 . Assim
H0 (Ng , Z) ≈ Z H1 (Mg , Z) ≈ Zg−1 × Z2 H2 (Mg , Z) = 0.
Exemplo 11.3. Espaço projetivo complexo CPn .

Como já vimos, uma estrutura celular de CPn consiste de uma única
célula em cada dimensão par menor ou igual 2n e não há células em
dimensão ı́mpar. Assim o complexo celular tem a forma
0 → Z · [e2n ] → 0 → Z · [e2n−2 ] → 0 → ... → Z · [e0 ] → 0.
Logo, da sequência do complexo ser exata, todos os operadores dn
devem se anular, e assim
H2k (CPn , Z) ≈ Z se 0 ≤ k ≤ n e H2k+1 (CPn , Z) = 0 para k ≥ 0.
Exemplo 11.4. O espaço projetivo real RPn .

Temos uma única célula em cada dimensão e o esqueleto de di-


mensão j é RPj . A aplicação caracterı́stica é o recobrimento duplo
φj : S j−1 → RPj−1 . Deste modo, para encontrar o morfismo dj
precisamos encontrar o grau da composição
φj qj
S j−1 → RPj−1 → RPj−1 /RPj−2 = S k−1 .
Note que qj ◦φj é um homeomorfismo quando restrito aos hemisférios
abertos de S k−1 e que cada uma dessas restrições pode ser obtida da
outra compondo com a aplicação antı́poda, a qual tem grau (−1)j .
Portanto o grau de qj ◦ φj é 1 + (−1)j , e assim dj (x) = 2x para j par
e dj = 0 para j ı́mpar. Portanto o complexo celular fica
2x 0 0
0 → Z → Z → Z → ... → Z → Z → 0 se n é par
0 2x 0
0 → Z → Z → Z → ... → Z → Z → 0 se n é ı́mpar
e portanto

 Z se k = 0 e k = n ı́mpar
Hj (RPn , Z) ≈ Z2 se k é ı́mpar e 0 < k < n
0 caso contrário.

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 343

Definição 11.8. Sejam M e N CW-complexos. Uma aplicação


contı́nua f : M → N é celular se para todo k f (M k ) ⊂ N k .

Vamos mostrar a seguir que toda aplicação contı́nua entre CW-


complexos é homotópica a uma aplicação celular.

Lema 11.28. Se M é um CW-complexo então toda aplicação contı́nua


Φ : B n → M tal que Φ(S n−1 ) ⊂ M n−1 é homotópica a uma aplicação
que leva B n em M n .

Demonstração. A imagem de Φ intersecta apenas um número fi-


nito de células. Portanto está contido em um subspaço de M que é
a união de um número finito de subespaços encaixantes, começando
com M n , tais que cada um é obtido do anterior colando-se uma célula
de dimensão maior que n Se Y é um desses subespaços então o se-
guinte é X = Y ∪φ B m com m > n e φ : S m−1 → Y uma aplicação
contı́nua. Basta então provar que se Ψ : B n → X é uma aplicação
contı́nua com Ψ(S n−1 ) ⊂ Y então Ψ é homotópica mod. S n−1 a uma
aplicação contı́nua com Ψ̂ tal que Ψ̂(B n ) ⊂ Y .
Seja U = X \ Y que é um subconjunto aberto de X homeomorfo à
bola B m . Seja V ⊂ U um subconjunto aberto não vazio cujo fecho
é um compacto contido em U . Então Ψ−1 (U \ V ) é um subconjunto
aberto de B n . Se esse conjunto é vazio então um ponto y ∈ U \ V não
está na imagem de Ψ. Logo, se rt : U \ {y} → U \ {y} é a homotopia
entre a identidade e a retração ao bordo de U temos que rt ◦ Ψ é a
homotopia procurada. Caso esse conjunto seja não vazio, tomamos
uma função positiva  : Ψ−1 (U \ V ) → R que tende a zero no bordo
e, usando o teorema 8.16, tomamos uma aplicação C ∞ Ψ̃ tal que a
distãncia em B m entre Ψ̃(x) e Ψ̃(x) é menor que (x). Como  tende
a zero no bordo Ψ̃ se estende continuamente a B n coincidindo com
Ψ no complementar de Ψ−1 (U \ V ). Temos que Ψ̃ é homotópico a Ψ
e, se y ∈ U \ V é um valor regular da restrição de Ψ̃ a Ψ−1 (U \ V )
temos que y não está na imagem de Ψ̃ pois m > n. Logo, rt ◦ Ψ̃ .é
uma homotopia entre Ψ̃ e uma aplicação que leva a bola fechada em
Y.

Proposição 11.29. Seja X um CW-complexo de dimensão finita e


Y ⊂ X um subconjunto fechado que é a união de células. Então
(X × {0}) ∪ (Y × [0, 1] é um retrato por deformação de X × [0, 1].
344 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Demonstração. Começamos mostrando que (B n × {0}) ∪ (∂B n ×


[0, 1] é um retrato por deformação de B n ×[0, 1]. De fato, basta definir
a retração r1 : B n ×[0, 1] → (B n ×{0})∪(∂B n ×[0, 1]) tomando r1 (x)
como a interseção com (B n × {0}) ∪ (∂B n × [0, 1]) do segmento de
reta em Rn × R que passa pelo ponto (0, 2) e x e tomar rs (x) =
sr1 (x) + (1 − s)x.
Seja Z n = X n ∪ Y . Como (X × {0}) ∪ (Z n × [0, 1] é obtido de (X ×
{0}) ∪ (Z n−1 × [0, 1] colando-se um número finito de de B n × [0, 1] ao
longo de B n ×{0}∪∂B n ×[0, 1], concluimos que existe uma homotopia
ρns entre a identidade de : (X × {0}) ∪ (Z n × [0, 1]) e a retração deste
espaço sobre (X × {0}) ∪ (Z n−1 × [0, 1].
Vamos provar, por indução, que existe uma homotopia rsn : (X×{0})∪
(Z n × [0, 1] ←- tal que
rsn (x, 0) = (x, 0) para todo x ∈ X;
rsn (x, t) = (x, t) para todo x ∈ Y ;
r0n (x, t) = (x, t) para todo (x, t);
r1n (x, t) ∈ X × {0} ∪ Y para todo (x, t)
Começamos definindo rs0 : rs0 (x, 0) = (x, 0), rs0 (x, t) = (x, t) para
todo x ∈ Y , rs0 (x, t) = (x, (1 − s)t) se x ∈ X 0 \ Y . Supondo, por
indução que ja definimos rsn−1 definimos
(
ρn2s (x, t) se 0 ≤ s ≤ 21
rsn (x, t) = n−1
r2s−1 (ρn1 (x, t)) se 12 ≤ s ≤ 1

Como X = X N para algum N concluimos a prova.

Corolário 11.30. Seja M um CW-complexo e Y ⊂ M um subcon-


junto fechado que é uma união de células. Seja f0 : M → N uma
aplicação contı́nua e h : Y × [0, 1] → N uma homotopia da restrição
de f0 a Y . Então existe uma homotopia ft : M → N cuja restrição a
Y coincide com ht .

Demonstração. A homotopia h define uma aplicação contı́nua M ×


{0} ∪ Y × [0, 1] → N que leva (x, 0) em f0 (x) e (x, t) em h(x, t) se x ∈
Y . Pela proposição anterior essa aplicação se estende M × [0, 1] → N
que é a homotopia procurada.
[SEC. 11.3: DESIGUALDADES DE MORSE 345

Teorema 11.31. Se f : M → N é uma aplicação contı́nua entre CW-


complexos de dimensão finita então f é homotópica a uma aplicação
celular.

Demonstração. Suponhamos, por indução que ja obtivemos uma


homotopia entre a aplicação inicial e uma aplicação g tal que g(M k ) ⊂
N k para todo k ≤ n − 1. Pelo lema acima, a restrição de g a M n é
homotópica, mod M n−1 a uma aplicação contı́nua que leva M n em
N n . Pelo corolário acima, essa homotopia se estende a uma homoto-
pia de g. Obtemos portanto uma aplicação g̃ homotópica a g tal que
g(M k ) ⊂ N k para k ≤ n o que prova o teorema.

Uma aplicação celular f : M → N induz homomorfismos

f∗ : Hk (Mn , Mn − 1) → Hk (Nn , Nn−1 )

no grupo de cadeias celulares. Para calcular esse homomorfismo basta


descrever a imagem de cada gerador que é uma célula enα de dimensão
n. Temos então X
f∗ enα = mα,β enβ
β

onde mα,β são inteiros. Deixamos ao leitor a tarefa de mostrar que


cada um desses coeficientes é o grau de uma aplicação fα,β : S n−1 →
S n−1 obtida compondo a aplicação induzida por Mn /Mn−1 → Nn /Nn−1
induzida por f a aplicaçõe S n → Mn /Mn−1 associada à função ca-
racterı́stica de e a aplicação Nn /Nn−1 → S n que colapsa todas as
esferas do buguê exceto a correspondente à célula enβ .

11.3 Desigualdades de Morse


Note que no caso de coeficientes reais os grupos de homologia são
de fato espaços vetoriais. Nesta seção estudaremos como é a relação
entre as dimensões dos grupos de homologia com coeficiente reais de
uma variedade compacta e a quantidade de pontos crı́ticos de cada
ı́ndice de uma função de Morse nesta variedade.

Assumiremos nesta seção um fato a ser mostrado no capı́tulo 10:


346 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Teorema 11.32. Se M é uma variedade diferenciável compacta de


dimensão m, então para cada 0 ≤ λ ≤ m, o λ-ésimo número de Betti
de M bλ := dim Hλ (M, R) é finito.
Dada uma função de Morse f em M , fazendo uma pequena per-
turbação em f , podemos supor que para cada valor crı́tico a ∈ R
tenhamos apenas um ponto crı́tico na sua pré-imagem f −1 (a) ((refe-
rencia do milnor pg 18). Assim, podemos ordenar os pontos crı́ticos
numa lista p1 , ..., pk de maneira que f (p1 ) < ... < f (pk ), cada ponto
crı́tico pi com ı́ndice λi , e escolher valores regulares a0 < f (p1 ) <
a1 < f (p2 ) < ... < ak−1 < f (pk ) < ak tais que pi é o único ponto
crı́tico em f −1 [ai−1 , ai ] para 0 ≤ i ≤ k. Note que dessa maneira,
sendo M compacta, p1 é ponto de mı́nimo de f e pk é o ponto de
máximo, e portanto M a0 = ∅ e M ak = M .

Lembrando que, para cada 0 ≤ i ≤ k, a variedade com bordo M ai


tem o mesmo tipo de homotopia de M ai−1 ∪ϕ eλi , de modo que para
cada 0 ≤ λ ≤ n, temos que
Hλ (M ai , M ai−1 ) ∼
= Hλ (M ai−1 ∪ eλi , M ai−1 )

= Hλ (eλi , ∂eλi )

∼ R se λ = λi
= ,
0 se λ 6= λi
e portanto a dimensão do espaço vetorial Hλ (M ai , M ai−1 ) identifica
k
[
se o ponto crı́tico pi tem ı́ndice λ ou não, e como M = f −1 [ai−1 , ai ],
i=1
temos que
k
X
cλ := dim Hλ (M ai , M ai−1 )
i=1
é exatamente o número de pontos crı́ticos de ı́ndice λ que f possui.
Teorema 11.33. [Desigualdades de Morse] Seja M uma varie-
dade diferenciável compacta de dimensão n. Para cada 0 ≤ λ ≤ n
vale a desigualdade
bλ − bλ−1 + bλ−2 − ... ± b0 ≤ cλ − cλ−1 + cλ−2 − ... ± c0 ,
e, além disso, vale a igualdade quando λ = n.
[SEC. 11.3: DESIGUALDADES DE MORSE 347

Para provar este teorema faremos algumas definições preliminares


e provaremos alguns lemas. Lembramos que por um par de espaços
topológicos (X, Y ) entendemos um espaço topológico X e um sub-
conjunto Y ⊂ X com a topologia induzida por X.
Definição 11.9. Considere S uma correspondência que a cada par
(X, Y ) de espaços topológicos associa um número inteiro S(X, Y ).
Dizemos que S é sub-aditiva se toda vez que Z ⊂ Y ⊂ X temos
S(X, Z) ≤ S(X, Y ) + S(Y, Z). Dizemos que S é aditiva se vale a
igualdade.
Lema 11.34. Seja S uma correspondência como na definição acima
e considere espaços topológicos Xk ⊇ Xk−1 ⊇ ... ⊇ X0 .
k
X
1. Se S é sub-aditiva, então S(Xk , X0 ) ≤ S(Xi , Xi−1 ).
i=1

2. Se S é aditiva, então vale a igualdade no item anterior.


Demonstração. Vamos provar 1) por indução em 1 ≤ j ≤ k e
2) seguirá de modo inteiramente análogo. Para j = 1 é a própria
definição de sub-aditividade. Suponha que aP desigualdade é válida
j
para um certo 1 ≤ j ≤ k, isto é, S(Xj , X0 ) ≤ i=1 S(Xi , Xi−1 ), daı́

S(Xj+1 , X0 ) ≤ S(Xj+1 , Xj ) + S(Xj , X0 )


j
X
≤ S(Xj+1 , Xj ) + S(Xi , Xi−1 )
i=1
j+1
X
= S(Xi , Xi−1 ).
i=1

Lema 11.35. Seja λ ≥ 0 um inteiro. Considere uma classe de pares


de espaços topológicos com as seguintes propriedades: para cada par
(X, Y ) nesta classe satisfaz bk (X, Y ) := dim Hk (X, Y, R) < ∞ para
todo k ≥ 0 e que existe um natural n = n(X) tal que bN (X, Y ) = 0
para todo N ≥ n. Então nessa classe de pares a correspondência

Sλ (X, Y ) := bλ (X, Y ) − bλ−1 (X, Y ) + bλ−2 (X, Y ) − ... ± b0 (X, Y )


348 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

é sub-aditiva. Além disso, para X fixado, tomando o inteiro n do


enunciado, vale Sn (X, Z) = Sn (X, Y )+Sn (Y, Z) quando Z ⊂ Y ⊂ X.
Demonstração. Lembramos a sequência exata do terno (X, Y, Z):
λ i λjλ ∂ j0 ∂
... → Hλ (Y, Z) → Hλ (X, Z) → Hλ (X, Y ) → ... → H0 (X, Y ) →0 0

Para cada 0 ≤ k ≤ λ, usando a exatidão desta sequência e o teorema


do núcleo-imagem para ik , jk e ∂k obtemos

bk (X, Z) = bk (X, Y ) + bk (Y, Z) − posto∂k+1 − posto∂k .

Portanto temos uma sucessão de igualdades

bλ (X, Z) = bλ (X, Y ) + bλ (Y, Z) − posto∂λ+1 − posto∂λ


−bλ−1 (X, Z) = −bλ−1 (X, Y ) − bλ−1 (Y, Z) + posto∂λ − posto∂λ−1
..
.
±b1 (X, Z) = ±b1 (X, Y ) ± b1 (Y, Z) ∓ posto∂2 ∓ posto∂1
∓b0 (X, Z) = ∓b0 (X, Y ) ∓ b0 (Y, Z) ± posto∂1 ± posto∂0 .

Como ∂0 = 0, somando todas essas igualdades obtemos

Sλ (X, Z) = Sλ (X, Y ) + Sλ (Y, Z) − posto∂λ+1 ≤ Sλ (X, Y ) + Sλ (Y, Z),

e portanto Sλ é subaditiva. Ainda analisando esta expressão acima,


por hipótese temos ∂n+1 = 0, de modo que para λ = n obtemos
Sn (X, Z) = Sn (X, Y ) + Sn (Y, Z).
Demonstração (das Desigualdades de Morse): Para cada inteiro
0 ≤ λ ≤ n aplicamos os dois lemas anteriores para a sequência de
espaços topológicos M = M ak ⊇ M ak−1 ⊇ ... ⊇ M a0 = ∅ obtendo
λ
X k
X
i
(−1) bλ−i (M ) = Sλ (M, ∅) ≤ Sλ (M ai , M ai−1 ) =
i=0 i=1
k
X
ai ai−1
= (bλ (M , M ) − bλ−1 (M ai , M ai−1 ) + ... ± b0 (M ai , M ai−1 ))
i=1
λ
X
= (−1)i cλ .
i=0
[SEC. 11.3: DESIGUALDADES DE MORSE 349

E no caso de λ = n as desigualdades acima são na verdade igualda-


des.

Uma consequência imediata das desigualdades de Morse é obtida


somando as desigualdades para λ e λ − 1, o que resulta em bλ ≤ cλ .

Outra maneira de formular as desigualdades de Morse é obtida


encontrando uma relação entre o polinômio de Poincaré de M e o
polinômio de Morse de f .
Definição 11.10. Definimos respectivamente o polinômio de Poin-
caré de M e o polinômio de Morse de f por
n
X n
X
Pt (M ) = bk tk e Mt (f ) = ck t k .
k=0 k=0

O Teorema das Desigualdades de Morse se traduz no seguinte:


Teorema 11.36. O polinômio de Morse é dado por
Mt (f ) = Pt (M ) + (1 + t)R(t),
Pn
para algum polinômio R(t) = k=0 rk tk com coeficientes rk inteiros
não negativos.
Observação: Usando esta formulação, podemos comparar os coefi-
cientes e obter c0 = b0 + r0 , cn = bn + rn−1 e ck = bk + rk + rk−1
para 0 < k < n. Assim, como todos os coeficientes são inteiros não
negativos, se para algum 0 ≤ k ≤ n − 1 temos rk > 0, então pelas
igualdades acima obtemos ck > 0 e ck+1 > 0. Em particular, se no
polinômio Mt (f ) não há coeficientes consecutivos não nulos, então
R(t) ≡ 0, e nesse caso temos Mt (f ) = Pt (M ), ou seja, ck = bk para
todo 0 ≤ k ≤ n.

Exemplo: Identificando
Pn S 2n+1 ⊂ Cn+1 , considere S 2n+1 → R,
2
(z0 , ..., zn ) 7→ k=1 k · |zk | . Note que os valores desta aplicação
não mudam se multiplicamos coordenada a coordenada por números
complexos de módulo 1, e portanto fica bem definida a aplicação
f: CPn −→ Pn R 2
[z0 , ..., zn ] 7−→ i=1 k|zk | .
350 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Lembramos que para cada 0 ≤ i ≤ n temos uma carta (Ui , ϕi ) de


CPn , em que Ui = {[z0 , ..., zn ]; zi 6= 0} e ϕi : Ui → Rn × Rn é definida
por
ϕi ([z0 , ..., zn ]) = (x0 , ..., x̂i , ..., xn , y0 , ..., yˆi , ..., yn ),

onde os xi , yi ’s são tais que xk +iyk = |zi |· zzki . Note que |zk |2 = x2k +yk2
se k 6= i e |zi |2 = 1 − k6=i (x2k + yk2 ). Portanto, se f˜ = f ◦ ϕ−1
P
i , então
 
X X
f˜(x0 , ..., xˆi , ..., xn , y0 , ..., yˆi , ..., yn ) = i 1 − x2k + yk2  + k(x2k + yk2 )
k6=i k6=i
X
= i+ (k − i)(x2k + yk2 ).
k6=i

Assim, o único ponto crı́tico de f˜ nessa carta é (0, 0). A hessiana de


f˜ em (0, 0) é a matriz diagonal

diag = 2.(−i, 1 − i, ..., 0̂, ..., n − i, −i, ..., 0̂, ..., n − i)

e então o ı́ndice desse ponto crı́tico é 2i. Logo o polinômio de Morse


de f é Mt (f ) = 1 + t2 + ... + t2 n. Em particular, não há coeficientes
consecutivos não nulos e assim b2k = 1 e b2k+1 = 0 para 0 ≤ k ≤ n.

11.4 Estrutura de CW-complexo e decomposição


em asas
Durante esta seção M denota uma variedade diferenciável compacta.
Seja f : M → R uma função de Morse e fixe uma métrica Rie-
manniana em M tal que em coordenadas de Morse a métrica seja a
euclidiana.

Definição 11.11. Um campo Y ∈ X∞ (M ) é dito do tipo gradiente


de f se

• Y = ∇f em vizinhanças dos pontos crı́ticos de f .

• df (p) · Y (p) > 0 para todo ponto p ∈ M regular.


[SEC. 11.4: ESTRUTURA DE CW-COMPLEXO E DECOMPOSIÇÃO EM ASAS 351

O conjunto dos campos de vetores que são campos tipo gradiente


de uma dada função é bastante grande pois dado um campo tipo
gradiente X e uma vizinhança V do conjunto crı́tico de f , existe
 > 0 tal que se Y é um campo de vetores de classe C ∞ que coincide
com X em V e tal que a distância C 0 entre X e Y é menor que ,
então Y é tambem um campo tipo gradiente de f .
Definição 11.12. Seja Y um campo do tipo gradiente de f e ϕ seu
respectivo fluxo. Para cada ponto crı́tico pi de ı́ndice λi definimos
 
• a variedade estável W s (pi ) := p ∈ M ; lim ϕt (p) = pi
t→+∞
 
• a variedade instável W u (pi ) := p ∈ M ; lim ϕt (p) = pi .
t→−∞

s
Proposição 11.37. Para cada i, a variedade estável WS (pi ) é uma
subvariedade mergulhada em M de dimensão λi e M = i W s (pi ).
Demonstração. Para a primeira afirmação, seja (Ui , ϕi ) uma carta
de Morse em torno de pi . Como Y = ∇f em Ui , pelo comportamento
do gradiente de f nesta vizinhança temos que
W s (pi ) ∩ Ui = ϕ−1
i {xλi +1 = ... = xn = 0}.

Assim, numa vizinhança de pi temos que W s (pi ) é uma subvariedade


mergulhada de dimensão λi . Agora, dado um outro ponto p ∈ W s (pi )
qualquer, pela definição de variedade estável existe T > 0 tal que
ϕT (p) ∈ Ui , então ϕ−T (Ui ) é uma vizinhança de p que é domı́nio de
carta de subvariedade pois ϕ−T é um difeomorfismo.

Vejamos agora a segunda afirmação. Para cada p ∈ M , considere seu


omega limite
 
ω(p) = q ∈ M ; ∃(tk )k∈N tal que lim ϕtk (p) = q .
k→+∞

Como f é crescente ao longo do fluxo de Y e M é compacta, segue de


uma observação que já fizemos anteriormente que ω(p) 6= ∅ e consiste
de pontos crı́ticos. Sabe-se que ω(p) é conexo por M ser compacta, e
como C(f ) é discreto, segue que ω(p) = {pi } para algum i. Portanto
p ∈ W s (pi ).
352 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Afirmações análogas podem ser feitas para variedades instáveis,


de modo que a dimensão de W u (pi ) é n − λi e na segunda afirmação
considera-se daı́ o alpha limite de cada ponto, definido de maneira
análoga.
Definição 11.13. Considere f : M → R uma função de Morse e
Y ∈ X∞ (M ) um campo tipo gradiente de f . Dizemos que Y é de
Morse-Smale se para todos pi , pj ∈ C(f ) vale W s (pi ) t W u (pj ).
Em particular, a variedade estável de uma singularidade de um
campo de Morse-Smale só pode intersectar variedades instáveis de
singularidades de ı́ndice estritamente menor: a interseção entre duas
dessas variedades é invariante pelo fluxo e com a condição de trans-
versalidade a interseção tem dimensão maior ou igual a 1.
Teorema 11.38. Seja X um campo de vetores tipo gradiente de
uma função de Morse f : M → R. Dada uma vizinhança V de X em
X∞ (M ), existe um campo de vetores Y ∈ V que é tipo gradiente de
f de Morse-Smale.
Demonstração. Consideremos uma carta de Morse em uma vizi-
nhança de um ponto crı́tico de ı́ndice λ. Sejam b > a > 0 e d > 0
tais que a expressão do campo X nessa carta seja
λ m−λ
X ∂ X ∂
X(u, v) = −2ui + 2vi se kvk < d e kuk < 2b.
i=1
∂ui i=1
∂v i

Se d é suficientemente pequeno, o campo X é transversal às subvari-


edades
Et = {(u, v); u ∈ St , kvk < d, a ≤ t ≤ b}
em que St é a esfera de raio t contida na variedade estável do ponto
crı́tico, isto é, St = {(u, v); v = 0, kuk = t. Seja S ⊂ Eb uma subvari-
edade de class C ∞ que está próxima de Sb na topologia C ∞ . Uma tal
subvariedade é o gráfico de uma função α : Sb → Rm−λ próxima de 0
na topologia C∞. Estendemos essa função a uma função α0 de classe
C ∞ definida em ∪bt=a St que também está próxima da função iden-
ticamente nula e coincide com a função identicamente nula em uma
vizinhança de Sa . Para v ∈ Rm−λ seja αv = α0 + v. Observemos que
os gráficos das funções αv são dois a dois disjuntos. Podemos então
[SEC. 11.4: ESTRUTURA DE CW-COMPLEXO E DECOMPOSIÇÃO EM ASAS 353

definir um campo de vetores Y próximo ao campo X que coincide com


X fora de uma vizinhança de ∪bt=a St e que numa vizinhança menor
é tangente aos gráficos das funções αv (basta, por exemplo, em cada
ponto do gráfico de αv projetar ortogonalmente o campo X no espaço
tangente ao gráfico). O campo Y é tão próximo a X quanto se queira
desde que S seja suficientemente próximo de Sb . Logo Y é um campo
tipo gradiente de f e Sa e S estão contidas na variedade estável de Y .

Como o campo X é transversal a Eb , todas as variedades instáveis


das singularidades de X intersectam Eb transversalmente e essas in-
terseções são subvariedades de Eb . Como a órbita positiva de Y por
um ponto de Eb coincide com a órbita positiva de X por esse ponto,
essas subvariedades ainda estão contidas nas variedades instáveis do
campo Y . Tomando S transversal (em Eb ) à essas subvariedades, con-
cluı́mos que a variedade estável de Y no ponto crı́tico considerado é
transversal a todas as outras variedades instáveis. Repetindo o argu-
mento para cada ponto crı́tico obtemos um campo tipo gradiente de f
cujas variedades estáveis e instáveis são duas a duas transversais.
Já vimos que podemos tomar funções de Morse que possuem ape-
nas um ponto crı́tico em cada nı́vel crı́tico. Veremos agora que é
possı́vel escolher uma função de Morse em M tal que os valores dos
pontos crı́ticos estão de fato ordenados pelos ı́ndices. Isto é, é possı́vel
escolher f de maneira que se p e p0 são pontos crı́ticos de f tais que
ind(p) < ind(p0 ), então f (p) < f (p0 ).

Para isso, suponha que entre os nı́veis V1 = f −1 (1) e V0 = f −1 (0)


tenhamos exatamente dois pontos crı́ticos p e p0 com ind(p) < ind(p0 )
e f (p) > f (p0 ) (tomamos 0 e 1 simplesmente para facilitar a escrita).
Seja X ∈ X∞ (M ) um campo tipo gradiente de f de Morse-Smale.
Temos então que W s (p) e W u (p0 ) são disjuntos pois

dimW s (p) + dimW u (p0 ) = ind(p) + n − ind(p0 ) < n,

e sendo estas subvariedades transversais, a soma das dimensões não


ser suficiente significa que não há interseção. De modo análogo temos
que W u (p) e W s (p0 ) são também disjuntas. Também é claro que
W s (p) e W s (p0 ) também são disjuntos (o omega-limite de um ponto
na interseção deveria ser p e p0 ao mesmo tempo).
354 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Figura 11.3: nı́veis V0 e V1 .

Em particular, (W s (p) ∩ V0 ) ∩ (W s (p0 ) ∩ V0 ) = ∅. Podemos tomar


então uma função diferenciável µ : V0 → [0, 1] tal que µ = 0 em
vizinhança de W s (p) ∩ V0 e µ = 1 em vizinhança de W s (p0 ) ∩ V0 .
Construiremos agora uma extensão de µ definida em todo f −1 [0, 1]
da seguinte forma: para cada ponto x ∈ V0 cuja órbita não intersecta
as variedades estáveis e instáveis de p e p0 , definimos µ em cada ponto
da órbita de x como sendo constante igual a µ(x). Por continuidade,
para estendermos para os pontos restantes de f −1 [0, 1], devemos ter
µ = 0 em vizinhança de W s (p) ∪ W u (p) e µ = 1 em vizinhança de
W s (p0 ) ∪ W u (p0 ).

Para construir uma função de Morse g que inverte os valores de f


em p e p0 e que tenha os mesmos pontos crı́ticos, considere uma função
suave
G : [0, 1] × [0, 1] → R satisfazendo as seguintes propriedades:
∂G
1. Para todo (x, y) ∈ [0, 1] × [0, 1], tem-se ∂x > 0.

2. Para todo y, G(x, y) = x para x próximo de 0 e 1.

3. Para y = 0 e x próximo de f (p), G é a translação por um


número cp > 0.

4. Para y = 1 e x próximo de f (p0 ), G é a translação por um


número cp0 > 0 tal que f (p) + cp < f (p0 ) + cp0 .
[SEC. 11.4: ESTRUTURA DE CW-COMPLEXO E DECOMPOSIÇÃO EM ASAS 355

A função G é ilustrada abaixo, onde são desenhados seus gráficos


para y = 0 e y = 1.

Figura 11.4: função G com coordenada y fixa.

Finalmente, definimos g(q) = G(f (q), µ(q)) e verifica-se que g


satisfaz as propriedades desejadas. Assim, podemos ordenar os pon-
tos crı́ticos pelos seus ı́ndices. A seguir, daremos uma idéia de que
podemos escolher funções de Morse ainda mais simples. De fato, po-
deremos escolher funções de Morse que só possuem um mı́nimo e um
máximo locais.

Teorema 11.39. Existe uma função de Morse que possui um único


ponto de mı́nimo local e um único ponto de máximo local.

Idéia da demonstração: Se uma função de Morse tem dois mı́nimos


locais (repulsores), então deve existir um máximo local (atrator) que
separa as órbitas de cada um dos pontos repulsores. Observa-se que
o comportamento dos nı́veis desde um dos mı́nimos locais até este
atrator é semelhante aos nı́veis, próximos de 0, de uma aplicação da
seguinte famı́lia:
X
ga (x, y, z) = x3 + 3a + y 2 + i zi onde i = ±1 com a < 0.
i

Podemos levar esta região entre um mı́nimo local e este atra-


tor, mediante um difeomorfismo, para os nı́veis próximos de 0 desta
aplicação acima, preservando nı́veis. O bordo desta última por sua
vez pode ser conjugado a uma região pela mesma famı́lia de funções
356 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

ga , agora com a > 0, sendo que esta última não possui pontos crı́ticos,
e estendemos essa conjugação para o interior, com nenhuma exigência
especı́fica. Compondo as aplicações obtidas, obtemos uma função de
Morse que elimina um ponto de mı́nimo local. O argumento é análogo
para máximos locais.

Para mais detalhes da demonstração deste teorema acima, sugeri-


mos milnor1, pg 48. Resumimos agora o obtido até o momento nesta
seção:

Seja M uma variedade diferenciável compacta de dimensão n.


Então existe uma função de Morse f : M → R tal que:

1. Pontos crı́ticos distintos tem imagens distintas.

2. Os pontos crı́ticos estão ordenados pelo ı́ndice, isto é, se p e p0


são pontos crı́ticos com ind(p) < ind(p0 ), então f (p) < f (p0 ).

3. f possui um único mı́nimo local e um único máximo local, isto


é, um único ponto crı́tico de ı́ndice 0 e um único ponto crı́tico
de ı́ndice n.

Veremos agora que para todo valor regular a ∈ R de f , o espaço


M a tem o mesmo tipo de homotopia de um CW-complexo. Mas antes
disso, precisamos de alguns lemas.

Lema 11.40. [Whitehead] Sejam X um espaço topológico, Dλ o


disco fechado de dimensão λ e ϕt : ∂Dλ → X uma homotopia entre
ϕ0 e ϕ1 . Então existe uma equivalência homotópica

k : X ∪ϕ0 Dλ → X ∪ϕ1 Dλ .

Demonstração: Definimos funções k e k̃ a partir de ϕt da seguinte


maneira. Primeiramente k : X ∪ϕ0 Dλ → X ∪ϕ1 Dλ é dada por


x
 se x ∈ X
k(x) = 2ru se x = ru, 0 ≤ r ≤ 1/2, u ∈ ∂Dλ

ϕ2−2r (u) se x = ru, 1/2 ≤ r ≤ 1, u ∈ ∂Dλ ,

[SEC. 11.4: ESTRUTURA DE CW-COMPLEXO E DECOMPOSIÇÃO EM ASAS 357

e k̃ : X ∪ϕ1 Dλ → X ∪ϕ0 Dλ é dada por



x
 se x ∈ X
k̃(x) = 2ru se x = ru, 0 ≤ r ≤ 1/2, u ∈ ∂Dλ

ϕ2r−1 (u) se x = ru, 1/2 ≤ r ≤ 1, u ∈ ∂Dλ .

Estas funções são contı́nuas e além disso existe uma homotopia

ξt : X ∪ϕ0 Dλ → X ∪ϕ1 Dλ ,

definida por ξt (x) = x se x ∈ X e

1
, u ∈ ∂Dλ

 (4 − 3t)ru se 0 ≤ r ≤ 4−3t
1 2−t λ
ξt (ru) = ϕ(4−3t)(r−1) (u) se 4−3t ≤ r ≤ 4−3t , u ∈ ∂D
2−t λ
ϕ(4−3t)(1−r)/2 (u) se 4−3t ≤ r ≤ 1, u ∈ ∂D

entre Id = ξ1 e k̃ ◦ k = ξ0 .
Lema 11.41. Seja ϕ : ∂Dλ → X uma função contı́nua e considere f :
X → Y uma equivalência homotópica. Então existe uma equivalência
homotópica
F : X ∪ϕ Dλ → Y ∪f ◦ϕ Dλ .
Demonstração: Sejam g : Y → X uma inversa homotópica de f e
ht : X → X uma homotopia tal que h0 = g ◦ f e h1 = IdX . Pelo
lema anterior existe uma equivalência homotópica

k : X ∪g◦f ◦ϕ Dλ → X ∪ϕ Dλ .

Se definimos G : Y ∪f ◦ϕ Dλ → Y ∪g◦f ◦ϕ Dλ de tal forma que


G|Y = g e G(x) = x para x ∈ Dλ , então temos a seguinte composição

k ◦ G ◦ F (x) = g ◦ f (x) se x∈X


k ◦ G ◦ F (ru) = 2ru se 0 ≤ r ≤ 1/2, u ∈ Dλ
k ◦ G ◦ F (ru) = h2−2r ◦ ϕ se 1/2 ≤ r ≤ 1, u ∈ Dλ

a qual é homotópica a identidade por meio da homotopia

qt : X ∪ϕ Dλ → X ∪ϕ Dλ
358 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

definida por qt (x) = ht (x) se x ∈ X e



2 1+t

 ru se 0≤r≤
qt (ru) = 1+t 2
1+t
 h2−2r+t ◦ ϕ(u) se
 ≤ r ≤ 1.
2
Com isto temos que k ◦ G é uma inversa homotópica a esquerda
de F . De forma similar podemos provar que F ◦ k ◦ G é homotópica
a identidade e com isto se conclui que

F ◦ k ◦ G ' Id k ◦ G ◦ F ' Id,

e portanto F é uma equivalência homotópica.

A última afirmação é obtida pelo seguinte fato: se uma função F


tem uma inversa homotópica a esquerda L e uma inversa homotópica
a direita D, então F é uma equivalência homotópica. De fato, se
E ◦ F ' Id e F ◦ D ' Id, então

E ' E ◦ (F ◦ D) ' (E ◦ F ) ◦ D ' D,

portanto D ◦ F ' E ◦ F ' Id.


De fato, podemos ir muito além do resultado anterior e mostra que
de fato uma variedade compacta tem uma estrutura de CW complexo
cujas células são as variedades instáveis de um campo tipo gradiente.
O esqueleto de dimensão k é a união das variedades instáveis de di-
mensão menor ou igual a k. Se a variedade instável de uma singulari-
dade p tem dimensão k + 1 ela se acumula no esqueleto de dimensão
k − 1 e é transversal às variedades estáveis dos pontos crı́ticos no
esqueleto de dimensão k − 1.É claro que podemos, usando o fluxo do
campo definir uma aplicação C ∞ φ : B k+1 → M que leva 0 em p, os
raios em órbitas do campo gradiente e tal que φ seja um homeomor-
fismo sobre a variedade instável de p. No entanto essa aplicação não
se estende continuamente ao bordo da bola. Usando a condição de
transversalidade às variedades estáveis uma construção delicada per-
mite modificar φ em uma vizinhança do bordo da bola e obter uma
aplicação que se estende continuamente ao bordo e ainda permanece
um homeomorfismo no interior. Essa construção não é simples pois
o conjunto limite da variedade instável de p é bastante complicado.
[SEC. 11.4: ESTRUTURA DE CW-COMPLEXO E DECOMPOSIÇÃO EM ASAS 359

A decomposição celular que acabamos de mencionar tem uma


decomposição celular dua que é dado pelas variedades instáveis. A
aplicação que a cada variedade instável associa a variedade estável do
mesmo ponto define um isomorfismo entre o grupo de cadeias celular
de dimensão k no grupo de cadeias celular de dimensão m − k e
portanto um isomorfismo de H k (M ) em H m−k (M ) fornecendo uma
prova da chamada dualidade de Poincaré.
Uma outra aplicação interessante dessa estrutura de Cw-complexo
é uma prova simples do teorema de Witten segundo o qual a homo-
logia do chamado complexo de Smale-Witten é isomorfo à homologia
da variedade. O grupo das k-cadeias do complexo de Smale-Witten
é gerado pelas singularidades de um campo tipo gradiente cujas vari-
edades instáveis tem dimensão k. O operador de bordo é definido da
seguinte forma. A imagem de um ponto cı́tico de ı́ndice k é uma com-
binação linear com coeficientes inteiros de pontos crı́ticos de ı́ndice
k − 1 onde o coeficiente de cada ponto crı́tico q é o número de órbitas
da interseção de W u (q) com W s (q) contados algebricamente, isto é,
levando em conta a orientção da interseção. Não é difı́cil verificar
que essa definição corresponde extatamente ao operador de bordo do
complexo de cadeias celular que definimos acima. Segue-se então que
a definição corresponde de fato a um complexo de cadeia que, como
vimos, é isomorfo à homologia singular da variedade.
Teorema 11.42. Seja f uma função de Morse em uma variedade
compacta M e a ∈ R um valor regular de f . Então M a tem o mesmo
tipo de homotopia de um CW-complexo.
Demonstração. Conforme já foi mostrado, se M a só possui um
ponto crı́tico de ı́ndice λ = 0, então M a tem o tipo de homotopia
de um ponto. Por indução suponha que M a tem o mesmo tipo de
homotopia de um CW-complexo X e b ∈ R seja outro valor regular
de f tal que M b − M a tem somente um ponto crı́tico, o qual tem
ı́ndice λ. Se F : M a → X é uma equivalência homotópica, então M b
tem o mesmo tipo de homotopia de X ∪ψ Dλ por meio da função F ,
a qual por aproximação celular cumpre ψ(∂Dλ ) ⊂ Xλ−1 .
Usando indução nos valores crı́ticos a0 < · · · < ak , pela prova
do teorema anterior pode-se concluir que para cada a ∈ R o espaço
M a tem o mesmo tipo de homotopia de um CW-complexo, com uma
célula de dimensão λ para cada ponto crı́tico de ı́ndice λ.
360 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Teorema 11.43. [Decomposição em asas]


Seja M uma variedade diferenciável compacta de classe C ∞ e di-
mensão m. Então existe uma decomposição
m−1
[
M= Mi
i=0

tal que:

1. Mi é uma subvariedade com bordo e M0 é difeomorfa a uma


bola fechada;
Sci
2. Ou Mi = Mi−1 ou Mi − Int(Mi−1 ) = j=1 Aj , em que os Aj ’s
são dois a dois disjuntos e existem mergulhos

φj : Di × Dm−i → Mi

cuja imagem é Aj e intersecta Mi−1 em φj (∂Di × Dm−i );

3. O bordo de Mm−1 é uma esfera e M − M m−1 é difeomorfa a


uma bola aberta.

Na decomposição do teorema anterior, dizemos que Mi é obtida


de Mi−1 colando-se ci asas.

11.5 O teorema de de Rham


Vamos agora provar o teorema de de Rham, que estabelece um iso-
morfismo entre a cohomologia de de Rham e a cohomologia singular
de uma variedade. A prova usa argumentos semelhantes a demons-
tração do teorema 10.22.

Consideremos o subcomplexo Cr∞ (M ) do complexo


P de cadeias sin-
gulares Cr (M ) constituı́do das cadeias c = i ai σi , com cada sim-
plexo σi : ∆r → M de classe C ∞ , no sentido que tem uma extensão
C ∞ a uma vizinhança de ∆k em Rk+1 . Como ∂c ∈ Cr−1 ∞
(M ) se
c ∈ Cr (M ), temos os correspondentes grupos de homologia Hr∞ (M ).

Usando o homomorfismo da subdivisão baricêntrica e o operador


prisma do capı́tulo anterior, provaremos o seguinte:
[SEC. 11.5: O TEOREMA DE DE RHAM 361

Lema 11.44. A inclusão Cr∞ (M ) ,→ Cr (M ) induz isomorfismos nos


grupos de homologia.
Demonstração. Pelo teorema do mergulho de Whitney, podemos
supor que M é uma subvariedade de um espaço euclidiano R2m+1 e
tomar uma vizinhança tubular π : V → M . Tomemos uma cobertura
aberta {Ui } de M tal que cada Ui seja a interseção com M de uma
bola convexa Bi ⊂ R2m contida em V .

Denotemos por CrU (M ) o subgrupo das cadeias c =


P
i ai σi com
σi (∆r ) ⊂ Uj para algum j e por CrU ,∞ (M ) o subgrupo das cadeias
constituı́das por simplexos C ∞ . Como vimos no lema 11.9 e seus
corolários, a inclusão de CrU (M ) → Cr (M ) induz isomorfismos em
homologia. Da mesma forma, a inclusão CrU ,∞ → Cr∞ induz isomor-
fismos em homologia. Resta provar que a inclusão i : CrU ,∞ (M ) → CrU
também induz isomorfismo em homologia. Para isso basta construir
dois operadores
Φ : CrU (M ) → CrU ,∞
e
D : CrU (M ) → Cr+1
U
(M )
satisfazendo a equação:

c − i ◦ Φ(c) = ∂Dc + D∂c.

Vamos definir os operadores em cada simplexo e estendê-los para os


grupos de cadeia por linearidade. Seja σ ∈ CrU (M ) e j = j(σ) tal
que σ(∆r ) ⊂ Uj . Seja (a0 , . . . , ar ) : ∆r → Bi ⊂ R2m o simplexo afim
cujos vertices são ak = σ(ek ). Definimos então

Φ(σ) = π ◦ (a0 , . . . , ar )

Como a bola Bi é convexa e está contida em V , podemos construir


uma homotopia
h : ∆r × [0, 1] → M
entre σ e Φ(σ) pela fórmula: h(x, t) = π((1−t)σ(x)+t(a0 , . . . , ar )(x)).
Finalmente definimos
X
D(σ) = (−1)k h((e00 , . . . , e0k , e1k , . . . , e1r ))
k
362 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

onde e0k = (ek , 0) ∈ ∆r × [0, 1], e1k = (ek , 1). A verificação das
equações acima é análoga à da prova do teorema 11.6 do capı́tulo
anterior.

ai σi ∈ Ck∞ (M ) e ω ∈ Ωk (M ) definimos
P
Se c = i
Z X Z
ω= ai σi∗ ω.
c i ∆k

Observamos que como o simplexo ∆k é orientado, não necessitamos


da orientação de M para definir a integral de uma forma ao longo de
uma cadeia. Vamos mostrar a seguir que o teorema de Stokes para
variedades compactas orientadas implica o mesmo resultado para ca-
deias em variedades orientadas ou não, compactas ou não.
Teorema 11.45. (Teorema de Stokes para cadeias)
Teorema de Stokes!para cadeias
Z Z
ω = dω
∂c c

Demonstração. Por linearidade, basta provar


Z Z
dω = ω.
∆k ∂∆k

Tomemos um ponto x0 no interior do simplexo ∆k e seja S uma es-


fera de centro x0 no subespaço afim E de dimensão k que contém o
simplexo ∆k . A semi-reta de orı́gem x0 passando por um ponto x ∈ S
encontra o bordo do simplexo em um único ponto f0 (x). A função
f0 é um homeomorfismo de S sobre o bordo de ∆k . Seja ρ : S → R a
função positiva tal que f0 (x) = x0 + ρ(x)(x − x0 ). Se ∆i é a i-ésima
face do simplexo ∆k e Si = f0−1 (∆i ), então a restrição de ρ a Si
se estende a uma aplicação C ∞ , ρi , de uma vizinhança de Si em S:
x0 + ρi (x)(x − x0 ) pertence ao subespaço afim que contém ∆i .

Afirmação: Existe uma constante C > 0 tal que para todo δ > 0
existe uma função φδi : S → [0, 1] de classe C ∞ tal que

• φδi (x) = 1 se x ∈ Si ;
[SEC. 11.5: O TEOREMA DE DE RHAM 363

• φδi (x) = 0 se a distancia de x a Si for maior que 10 k + 1δ;
• a norma da derivada de φδi em todos os pontos é menor ou igual
ao produto de C pelo inverso de δ.

Antes de mostrar a afirmação, vamos mostrar que ela implica o teo-


rema. Consideremos a aplicação C ∞
X
ρδ = ψiδ (x)ρi (x)
i

onde
φδ (x)
ψiδ (x) = P i δ
j φj (x)

Da regra da cadeia temos que existe uma constante C 0 , independente


de δ, tal que a norma da derivada de cada função ψiδ é limitada pelo
produto de C 0 pelo inverso de δ.

Existe uma constante C 00 > 0, independente de δ, tal que a norma da


derivada de ρδ em cada ponto é limitada por C 00 . De fato, em uma
vizinhança de um ponto de Si podemos escrever
X
ρδ (x) = ρi (x) + ψjδ (x)(ρj (x) − ρi (x)).
j6=i

Se Dψjδ (x) 6= 0, então a distância de x a Sj é menor que 5 k + 1δ
e, portanto, |ρj (x) − ρi (x)| é menor que uma constante vezes δ pois
ρj − ρi é Lipschitz e se anula em Si ∩ Sj . Portanto, a derivada de ρδ
no ponto x é limitada por uma constante independente de δ. Seja Wδ
a variedade com bordo constituı́da dos pontos da forma x0 +t(x −x0 )
com x ∈ S e 0 ≤ t ≤ ρδ (x). Seja Si (δ) o subconjunto √ dos pontos de
Si cuja distância a cada Sj com j 6= i é maior que 5 k + 1δ. Logo a
restrição de ρδ a Si (δ) coincide com a restrição de ρ e f0 (Si (δ)) ⊂ ∆i .
Seja fδ (x) = x0 + ρδ (x)(x − x0 ). Então fδ é um difeomorfismo de
S sobre ∂Wδ e sua restrição a Si (δ) coincide com a restrição de f0 .
Além disso, a derivada de fδ em cada ponto é limitada por uma cons-
tante independente de δ. Logo a integral de ω em f0 (Si (δ)) é igual
a integral de fδ∗ ω em Si (δ) e, como a derivada de fδ é limitada e a
área de S \ ∪i Si (δ) tende a zero quando δ → 0, então a integral de
364 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

fδ∗ ω em S \ ∪i Si (δ) tende a zero quando δ → 0 assim como a inte-


gral de ω em ∂∆k \ ∪i f0 (Si (δ)). Logo a integral de ω no bordo de
Wδ converge para a integral de ω no bordo de ∆k . Por outro lado,
como ρδ converge uniformemente para ρ0 quando δ → 0, temos que
a integral de dω em Wδ converge para a integral de ω em ∆k , o que
prova o teorema.

Vamos agora provar a afirmação. Seja Zk+1 ⊂ Rk+1 o conjunto de


pontos de coordenadas √ inteiras. Então as bolas abertas de centro nos
pontos de Zk+1 e raio 2 k + 1 cobrem Rk+1 . Além disso, existe uma
constante√ Nk tal que para toda bola de centro em um ponto de Zk+1
k+1
e raio 4 √ k + 1 o número de pontos em Z que são centros de bolas
de raio 4 k + 1 que intersectam a bola inicial é menor ou igual a Nk .
Tomando a imagem dessas bolas pela aplicação linear x ∈ Rk+1 √ 7→ δx
temos a mesma propriedade para as bolas Bλjδ = B(λ, 2jδ k + 1),
λ ∈ δZk+1 e j = 1, 2. Seja φ : Rk+1 → [0, 1] uma função C ∞ que
se anula fora da bola de centro na origem e raio 2 e é igual a 1 nos
pontos da bola de raio 1. Compondo φ com o difeomorfismo afim que
leva a bola Bλδ na bola de raio 1 e centro na origem, obtemos uma
aplicação φλ de classe C ∞ que se anula fora de Bλ2δ , é igual a 1 em
Bλδ e cuja derivada em todos os pontos é limitada por uma constante
vezes o inverso de δ e essa constante não depende de δ e nem de
λ. Consideremos a partição da unidade ψλ = Pφλφα . Pela regra da
α
cadeia existe uma constante, independente de δ e dependendo apenas
da constante anterior e de Nk+1 , tal que a derivada de ψλ é limitada
por essa constante vezes o inverso de δ. Para cada i,√seja Ui o conjunto
dos pontos cuja distância P a Si seja menor que 10δ k + 1. Definimos
então a função φδi (x) = λ ψλ (x) para todo λ tal que Bλδ ⊂ Ui . Como
toda bola Bλ2δ que intersecta Si está contida em Ui , temos então que
φδi (x) = 1 para x ∈ Si e, como na vizinhança de cada ponto o número
de parcelas é limitado por Nk , temos que a derivada de φδi em cada
ponto é limitada pelo produto de uma constante, independente de δ
pelo inverso de δ, o que prova a afirmação.

q q+1
Consideremos agora o complexo de cocadeias δ : C∞ (M ) → C∞ ,
q ∞
em que C∞ (M ) é o dual de Cq (M ) e δ é o dual do operador de
bordo ∂, isto é, δ(cq )(cq+1 ) = cq (∂cq+1 ) para todo cq ∈ C∞q
(M ) e
[SEC. 11.5: O TEOREMA DE DE RHAM 365


cq+1 ∈ Cq+1 (M ).

Seja dM : Ωq (M ) → C∞
q
(M ) definido por dM (ω) : c ∈ Cq∞ 7→
R
c
ω.
Pelo teorema de Stokes para cadeias, temos que

dM ◦ δ = δ ◦ dM

e portanto temos um homomorfismo


q q
dM : HdR (M ) → H∞ (M ).

Lema 11.46. Considere uma decomposição M = U ∪ V com U


e V são abertos. Consideremos o diagrama abaixo, onde as duas
sequências verticais são sequências de Mayer-Vietoris e os homomor-
fismos horizontais são os homomorfismos de de Rham definidos acima.
r−1 r−1 d ⊕−d r−1 r−1
HdR (U ) ⊕ HdR (V ) −−U−−−−→
V
H∞ (U ) ⊕ H∞ (V )
 
β∗ y
  ∗

r−1 d
HdR (U ∩ V ) −−U−∩V
−→ r
H∞ (U ∩ V )
 
δy
  |
y∆
d
r
HdR (U ∪ V ) −−U−∪V
−→ r
H∞ (U ∪ V )
 
β ∗
α∗ y

y
r
HdR (U ) ⊕ H r (V ) −−−−−−→ r
H∞ (U ) ⊕ H∞r
(V )
dU ⊕−dV
 
β∗ y
  ∗

r r
HdR (U ∩ V ) −−−−→ H∞ (U ∩ V )
dU ∩V

Então o diagrama é comutativo.

Demonstração. Como os elementos da sequência exata curta

0 → Cr∞ (U ∩ V ) → Cr∞ (U ) ⊕ Cr∞ (V ) → CrU ,∞ (M ) → 0


366 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

são espaços vetoriais, a sequência dual

0 → CUr ,∞ (U ∪ V ) → C∞
r r
(U ) ⊕ C∞ r
(V ) → C∞ (U ∩ V ) → 0

é também exata e o operador de De Rham é um morfismo entre as


sequências exatas curtas, isto é, para cada r, o diagrama abaixo é
comutativo.

0 / Ωr (U ∩ V ) / Ωr (U ) ⊕ Ωr (V ) / Ωr (U ∩ V ) /0

dU ∩V dU ⊕−dV dU ∩V
    
0 / C r (U ∪ V ) / C∞
r r
(U ) ⊕ C∞ (V ) / C∞
r
(U ∩ V ) /0
U ,∞

Consequentemente, os diagramas entre as correspondentes sequências


exatas longas é também comutativo.
Teorema 11.47. (Teorema de De Rham) O homomorfismo
k k
dM : HdR (M ) → H∞ (M ) definido por integração de formas em ca-
deias é um isomorfismo para toda variedade M .
Demonstração. Basta usar o lema anterior e os mesmos argumentos
da prova do teorema da dualidade de Poincaré.
Capı́tulo 12

Cohomologias

12.1 Cohomologia de Feixes


Definição 12.1. Um pre-feixe F em um espaço topológico M é uma
correspondência que a cada aberto U ⊂ M associa um grupo abeli-
ano F(U ), e a cada subconjunto aberto V ⊂ U um homomorfismo
rVU : F(U ) → F(V ) tal que
U V
W ⊂ V ⊂ U ⇒ rW = rW ◦ rVU .
Os elementos de F(U ) são chamados de seções de U e cada rVU de
morfismo de restrição.
Definição 12.2. Um pré-feixe F é um feixe se satisfaz as seguintes
condições:
1) Se {Ui } é uma cobertura aberta de um aberto U e s, s0 ∈ Γ(U )
são tais que
U
rU i
U
(s) = rUi
(s0 ) ∀ i
então s = s0 .
2) Se {Ui } são subconjuntos abertos e si ∈ F(Ui ) são tais que
Ui U
rUi ∩Uj
(si ) = rUij∩Uj (sj )
S
então existe s ∈ F( i Ui ) tal que
∪Ui
rUj
(s) = sj para todo j.

367
368 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Exemplo 12.1. O feixe das seções C r (holomorfas) de um fibrado


vetorial (holomorfo) π : E → M . Nesse caso associamos a cada sub-
conjunto aberto de M o espaço de seções Γ(U, E) e o homomorfismo
rVU associa a cada seção sobre U sua restrição a V . Usaremos as
seguintes notações para casos particulares desse exemplo

• EM é o feixe das funções C ∞ (E = M × R);


k
• EM é o feixe das k-formas diferenciais (E = Λk (T ∗ M ));

• OM é o feixe das funções holomorfas (E = M × C), caso M seja


complexa;

• OM é o feixe das funções holomorfas não nulas (E = M × C∗ ),
caso M seja complexa.

Exemplo 12.2. (Feixe constante)


. Se G um grupo abeliano, então a correspondência

GM : U ⊂ M 7→ {f : U → G; f é localmente constante}

é um feixe sobre M .

Exemplo 12.3. Um exemplo de um pré-feixe que não é um feixe é


o seguinte. Considere a correspondência

Fcb : U ⊂ C 7→ Fcb (U ),

onde Fcb (U ) é o conjunto das funções holomorfas limitadas em U .


Pelo teorema de Liouville, temos que Fcb (C) é o conjunto das funções
constantes. Por outro lado, as funções si ∈ Fcb (Bi ),

si (x) = x, com Bi = {x ∈ C; kxk < i}

são compatı́veis, mas não existe s ∈ Fcb (C) tal que rB


C
i
(s) = si .

Definição 12.3. Sejam E e F feixes de grupos abelianos sobre M .


Um morfismo ρ : E → F é uma correspondência que associa a cada
aberto U ⊂ M um homomorfismo de grupos

ρU : E(U ) → F(U )
[SEC. 12.1: COHOMOLOGIA DE FEIXES 369

tal que se V ⊂ U , então o diagrama

E(U )
ρU
/ F(U )
U U
rV r̃V
 
E(V )
ρV
/ F(V )

comuta.
Definição 12.4. Um espaço étalé sobre um espaço topológico M é
um espaço topológico M̃ e uma aplicação contı́nua π : M̃ → M tal
que
a) π é um homeomorfismo local e é sobrejetiva.
b) para todo x ∈ M , π −1 (x) é um grupo abeliano.
c) se M̃ ◦ M̃ = {(x̃, ỹ) ∈ M̃ × M̃ ; π(x̃) = π(ỹ)}, então a aplicação
M̃ ◦ M̃ → M̃ , (x̃, ỹ) 7→ x̃ − ỹ é contı́nua.
Seja π : M̃ → M um espaço étalé. Dado um aberto U ⊂ M , uma
aplicação contı́nua s : U → M̃ tal que π ◦ s = idU é chamada uma
seção de M̃ em U . Segue da definição que a soma de duas seções
contı́nuas é também uma seção contı́nua, de modo que o conjunto
Γ(U, M̃ ) das seções em U é um grupo. Temos daı́ que a corres-
pondência
U ⊂ M 7→ Γ(U, M̃ )
é um feixe sobre M .

Vamos mostrar a seguir que podemos associar a cada pré-feixe F


sobre M um espaço étalé π : F̃ → M , e assim podemos em seguida
tomar o feixe das seções contı́nuas desse espaço étalé. Para tanto,
observemos que podemos associar a cada ponto x ∈ M o limite in-
dutivo
Fx = lim F(U ).
U 3x

Formalmente, Fx é definido como o espaço quociente


!
G
F(U ) / ∼,
x∈U
370 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

em que s ∈ F(U ) é equivalente a s0 ∈ F(V ) se existe um aberto


W ⊂ U ∩ V contendo x tal que rW U
(s) = rW V
(s0 ). O conjunto Fx é
de fato um grupo se introduzirmos a operação da seguinte maneira.
Dados [s], [s0 ] ∈ Fx , com s ∈ F(U ) e s0 ∈ F(V ), tome um aberto
W ⊂ U ∩ V contendo x e defina [s] + [s0 ] := [rW U V
(s) + rW (s0 )]. Desta
U
maneira, a aplicação rx : F(U ) → Fx , s 7→ [s], é um homomorfismo
de grupos e se V ⊂ U , então o diagrama abaixo é comutativo.
U
rV
F(U ) / F(V )

" |
U V
rx rx
Fx
F
Definimos F̃ = x∈M Fx e π : F̄ → M por π(z) = x se z ∈ Fx .
Definiremos um base para uma topologia em F̃ de maneira que π :
F̃ → M seja um espaço étalé. Afirmamos que se U ⊂ M é aberto e
s ∈ F(U ), então a famı́lia de conjuntos
U
Us = {s̄ ∈ F̃; s̄ = rπ(s̄) (s)}

é uma base para uma topologia em F̃. Para ver isto, note que se
W ⊂ U e s00 = rW
U
(s), então Ws00 ⊂ Us , pois se s̄ ∈ Ws00 então
W
s̄ = rπ(s̄) (s00 ) = rπ(s̄)
W U
(πW U
s) = ππ(s̄) (s)
pela comutatividade do diagrama acima. Logo, se s̄ ∈ Us ∩ Vs0 , temos
U
ππ(s) V
(s) = rπ(s̄) (s0 ). Logo existe um aberto W ⊂ U ∩V contendo π(s̄)
tal que πW U
(s) = πW V
(s0 ) = s00 ∈ F(W ). Portanto Ws00 ⊂ Us ∩ Vs0 e
contém s̄. Nessa topologia, a restrição de π a cada aberto Us é um
homeomorfismo sobre U cuja inversa é a seção U → Us , x 7→ rxU (s).
Exemplo 12.4. Seja Fcb o pré-feixe das funções holomorfas limita-
das, F̃cb o espaço étalé associado e Fcb o feixe das seções contı́nuas
de F̃cb . Então Fcb (C) é o espaço das funções inteiras enquanto que
Fcb (C) é o espaço das funções constantes.
Proposição 12.1. Se F é um feixe sobre M , π : F̄ → M o espaço
étalé associado e F̃ o feixe das seções contı́nuas de π : F̄ → M , então
o morfismo ρ : F → F̃, ρU (s) : U → F̄ que a cada x ∈ U associa
rxU (s) ∈ F̄ é um isomorfismo.
[SEC. 12.1: COHOMOLOGIA DE FEIXES 371

Demonstração. Mostraremos que o homomorfismo

ρU : F(U ) → F̃(U )

é injetivo. Sejam s, s0 ∈ F(U ) tais que ρU (s) = ρU (s0 ). Logo, para


cada x ∈ U temos que rxU (s) = rxU (s0 ). Isso implica que existe um
aberto V ⊂ U contendo x tal que rVU (s) = rVU (s0 ).

Temos então uma famı́lia Ui ⊂ U de abertos tais que


U
rUi
U
(s) = rUi
(s0 ) para todo i,

o que implica s = s0 por definição de feixe, como querı́amos mostrar.

Mostremos agora que ρU é sobrejetivo. Tome s̃ ∈ F̃(U ). Dado x ∈ U ,


temos que s̃(x) ∈ Fx , e daı́ existe um aberto V ⊂ U contendo x e
uma seção sV ∈ F(V ) tal que rxV (sV ) = s̃(x). Por outro lado, duas
seções de π : F̃ → M que coincidem em um ponto coincidem em uma
vizinhança desse ponto. Logo se V é conexo, como rxV (sV ) = s̃(x),
temos que ryV (sV ) = s̃(y) para todo y ∈ V . Logo existem abertos
Ui ⊂ U e seções si ∈ F(Ui ) tais que U = Ui e rxUi (si ) = s̃(x) para
S
i
todo x ∈ Ui . Por outro lado, para todo x ∈ Ui ∩ Uj
Ui
ρUi ∩Uj rUi ∩Uj
(si ))(x) = rxUi ∩Uj rU
Ui
i ∩Uj
(si ) = rxUi (si ) = s̃(x)

e
U U
ρUi ∩Uj (rUij∩Uj (sj ))(x) = rxUi ∩Uj rUij∩Uj (sj ) = rxUj (sj ) = s̃(x).

Como ρUi ∩Uj é biunı́voco, temos que

Ui U
rUi ∩Uj
(si ) = rUij∩Uj (sj ).

U
Logo, como F é um feixe, existe s ∈ F(U ) tal que rUi
(s) = si para
todo i. Portanto se x ∈ Ui ,

ρU (s)(x) = rxU (s) = rxUi rU


U
i
(s) = rxUi (si ) = s̃(x).

Portanto ρU (s) = s̃.


372 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Um homomorfismo de feixes ρ : E → F induz, para cada x ∈ M ,


um homomorfismo ρx : Ex → Fx e uma aplicação contı́nua ρ̄ : Ē → F̄
tal que o diagrama abaixo é comutativo.


ρ
/ F̄

πE πF
 ~
M
Dizemos que uma sequência de homomorfismos de feixes

A
α /B β
/C

é exata se para todo x ∈ M a sequência

Ax
αx
/ Bx βx
/ Cx

é exata.
Exemplo 12.5. Seja exp : C → C∗ a aplicação exp(z) = e2πiz . Se
M é uma variedade complexa, esta aplicação induz naturalmente

um homomorfismo de feixes exp : OM → OM . Afirmamos que a
sequência

0 / ZM i / OM exp
/ O∗ /0
M


é exata. De fato, se x ∈ M , um elemento de (OM )x é o germe

em x de uma função holomorfa g : V → C . Tomando V suficiente-
mente pequeno, podemos supor que g(V ) está contido em uma bola
de centro g(x) contido em C∗ onde está definido um ramo da função
1
logaritmo. A função f : V → C, f (z) = 2πi log g(z), é holomorfa e
exp(f (z)) = g(z). Logo a imagem do germe de f em x por exp é o
germe de g em x. Portanto exp é sobrejetiva.
k k+1
Exemplo 12.6. Seja M uma variedade. Seja dk : EM → EM o ho-
momorfismo definido pela diferencial exterior. Pelo lema de Poincaré,
a sequência abaixo é exata:
0 1 d 2 d
m
0 → RM → EM →0 EM →1 EM → · · · → EM → 0.
[SEC. 12.1: COHOMOLOGIA DE FEIXES 373

Exemplo 12.7. Sejam A e B feixes sobre M tais que para todo


aberto U ⊂ M , A(U ) é um subgrupo de B(U ). Seja B/A o feixe
quociente U 7→ B(U )/A(U ), i : A → B a inclusão e q : B → B/A o
homomorfismo tal que qU : B(U ) → B(U )/A(U ) é a aplicação quoci-
ente. Então a sequência abaixo é exata
i q
0 → A → B → B/A → 0.
Definição 12.5. Seja U = {Ui }i∈I uma cobertura aberta do espaço
topológico M . O nervo da cobertura, N (U), é o complexo simplicial
cujos vértices são os elementos da cobertura, os 1-simplexos são os
pares (Ui0 , Ui1 ) de elementos da cobertura tais que Ui0 ∩ Ui1 6= ∅ e,
mais geralmente, os k-simplexos são as (k + 1)-uplas (Ui0 , . . . , Uik )
de elementos distintos da cobertura tais que Ui0 ∩ · · · ∩ Uik 6= ∅. Se
σ é o simplexo (Ui0 , . . . , Uik ) denotamos por |σ| o aberto Ui0 ∩· · ·∩Uik .

Uma k-cocadeia de C̆ech com coeficientes em um feixe F é uma


aplicação c que associa a cada simplexo σ ∈ N (U) um elemento c(σ)
em F(|σ|) satisfazendo c(Uiτ (0) , . . . , Uiτ (k) ) = (−1)|τ | c(Ui0 , . . . , Uik ),
em que τ é uma permutação e |τ | é igual a zero se a permutação for
par e igual a −1 se permutação for ı́mpar. Como, para cada simplexo
σ, F(|σ|) é um grupo, o conjunto C k (U, F) das k-cocadeias de C̆ech
é um grupo:
(c1 + c2 )(σ) = c1 (σ) + c2 (σ).
O operador de cobordo é o homomorfismo
dk : C k (U, F) → C k+1 (U, F )
definido por
k+1
X Ui ∩···∩Ûi ∩···∩Ui
dk (c)(Ui0 , . . . , Uik+1 ) = (−1)j rUi0 ∩···∩Uij ∩···∩Uik+1 c(Ui0 . . . Ûij . . . Uik+1 ).
0 j k+1
j=0

Proposição 12.2. dk+1 ◦ dk = 0.


Demonstração. Exercı́cio.
Definição 12.6. A cohomologia de C̆ech do feixe F com respeito a
cobertura U é definida por
Ker dk : C k (U, F) → C k+1 (U, F)
H̆ k (U, F) = .
Im dk−1 : C k−1 (U, F) → C k (U, F)
374 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Observação 12.1. H̆ 0 (U, F) = F(M ), pois se c ∈ C 0 (U, F), c(Ui )


Ui U
é uma seção de F(Ui ) e rUi ∩Uj
c(Ui ) = rUij∩Uj c(Uj ).
Definição 12.7. Sejam V e U coberturas de M . Dizemos que V
refina U se existe uma aplicação ν : V → U tal que para todo V ∈ V
temos que ν(V ) ⊃ V . Dizemos que ν é uma aplicação refinadora.
Uma aplicação refinadora ν : V → U induz um homomorfismo
νk : C k (U, F) → C k (V, F)
definida por

ν(V )∩···∩ν(Vk )
0
(νk c)(V0 , . . . , Vk ) = rV0 ∩···∩V k
c((ν(V0 ), . . . , ν(Vk )))
se ν(Vj ) 6= ν(V` ) quando j 6= ` e
(νk c)(V0 , . . . , Vk ) = 0 ∈ F(|(V0 ∩ · · · ∩ Vk )|)
se ν(Uj ) = ν(U` ) para algum j 6= `.
Proposição 12.3. Se ν, ν 0 : V → U são duas aplicações refinadoras,
então existem homomorfismos hk : C k (V, F) → C k−1 (U, F), ∀ k ≥ 1
tais que
νk − νk0 = hk+1 dk + dk−1 hk .
Demonstração. Se σ = (Vi0 , . . . , Vik−1 ) ∈ N (V), então
σj = (ν(Vi0 ), . . . , ν(Vij ), ν 0 (Vij ), . . . , ν 0 (Vik−1 ))
pertence ao nervo de U se os elementos dessa (k + 1)-upla são distin-
tos e |σj | ⊃ |σ| =
6 ∅.

Se c ∈ C k (U, F), definimos hk (c) ∈ C k−1 (U, F) por


k−1
|σ |
X
k
h (c)(σ) = (−1)j r|σ|j c(σj ),
j=0

onde no segundo membro tomamos c(σj ) = 0 se a n-upla σj tem


duas coordenadas iguais. Deixamos ao leitor a terefa de verificar a
igualdade da proposição.
[SEC. 12.1: COHOMOLOGIA DE FEIXES 375

Proposição 12.4. Valem as seguintes afirmações:

1. Toda aplicação refinadora ν : V → U induz homomorfismos

νk : C k (U, F) → C k (V, F)

que comutam com os operadores de cobordo, e portanto indu-


zem operadores

νk∗ : H k (U, F) → H k (V, F).

2. Se ν, ν̃ : V → U são duas aplicações refinadoras, então νk∗ = ν̃k∗ .


3. Se V refina U, seja

hU k k
V : H (U, F) → H (V, F)

o homomorfismo induzido por alguma aplicação refinadora. Se


W refina V, então
hU V U
W = hW ◦ hV .

Demonstração. 1) Os homomorfismos νk foram definidos anterior-


mente e a comutatividade com os operadores de cobordo é de fácil
verificação.
2) Segue da proposição anterior.
3) Se ν : V → U e µ : W → V são aplicações refinadoras, então a
composição ν ◦ µ : W → U é uma aplicação refinadora e vale que
(ν ◦ µ)∗k = µ∗k ◦ νk∗ .
Proposição 12.5. Se

0 /A α /B β
/C /0

é uma sequência exata de feixes sobre M , então para cada subcon-


junto aberto U ⊂ M a sequência

0 / A(U ) αU
/ B(U ) βU
/ C(U )

é exata.
376 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Demonstração. 1) αU é injetiva. Para simplificar a notação, de-


notaremos pelo mesmo sı́mbolo rVU as restrições dos três feixes. Seja
s ∈ A(U ) tal que αU (s) = 0. Logo, para todo x ∈ U temos que

0 = rxU αU (s) = αx (rxU s).

Como αx é 1 − 1 temos que rxU s = 0. Logo a imagem de s pelo


isomorfismo A → Ã se anula e portanto s = 0.
2) Se s0 ∈ B(U ) é tal que βU (s0 ) = 0, então existe s ∈ A(U ) tal que
αU (s) = s0 .

Seja x ∈ U e s0x = rxU (s0 ). Como βx (s0x ) = 0, existe sx ∈ Ax tal que


αx (sx ) = s0x . Seja V ⊂ U um aberto contendo x e sV ∈ A(V ) tais que
sx = rxV (sV ). Afirmamos que αV (sV ) = rVU (s0 ). De fato as aplicações
y ∈ V 7→ ryV αV (sV ) e y ∈ V 7→ ryV rVU (s0 ) = ryU (s0 ) são duas seções
em B̄(V ) que coincidem no ponto x e, portanto, são iguais. Logo
αV (sV ) = rVU (s0 ) como afirmamos.SExistem portanto abertos Ui ⊂ U
e seções si ∈ A(Ui ) tais que U = Ui e αUi (si ) = rU U
i
(s0 ) para todo
i
i. Temos então que
Ui
αUi ∩Uj rUi ∩Uj
Ui
(si ) = rUi ∩Uj
Ui
αUi (si ) = rU rU (s0 ) = rU
i ∩Uj Ui
U
i ∩Uj
(s0 )

e também
U U
αUi ∩Uj rUij∩Uj (sj ) = rUi ∩Uj
(s0 ).
Por 1) a aplicação αUi ∩Uj é injetiva, e temos que
U Ui
rUij∩Uj (sj ) = rUi ∩Uj
(si ).
U
Logo existe s ∈ A(U ) tal que rU i
(s) = si para todo i. Como para
cada i
U
rU U
α (s) = αUi (rU
i U i
U
s) = αUi (si ) = rUi
(s0 )
e U = Ui , temos que αU (s) = s0 .
S
i

Observação 12.2. Os homomorfismos βU não são necessariamente


sobrejetivos como mostra o exemplo
exp
0 → ZC∗ → OC∗ → OC∗ ∗ → 0.
[SEC. 12.1: COHOMOLOGIA DE FEIXES 377

Corolário 12.6. Se
α β
0→A→B→C→0

é uma sequência exata de feixes sobre um espaço topológico M e U


é uma cobertura aberta de M , então as sequências
α βk
0 → C k (U, A) →k C k (U, B) → C k (U, C)

são exatas.
Definição 12.8. Se F é um feixe sobre um espaço topológico M ,
os grupos de cohomologia de C̆ech H̆ k (M, F) são definidos como o
limite direto limU H k (U, F).
Os homomorfismos

hU k k
V : H (U, F) → H (V, F)

induzem homomorfismos

hU : H k (U, F) → H̆ k (M, F)

tais que hU V U k k
V h = h se V refina U. Se [c] ∈ H (U, F) e [c̃] ∈ H (V, F),
U V
então h ([c]) = h ([c̃]) se, e somente se, existe uma cobertura W que
refina V e U tal que
hU V
W ([c]) = hW ([c̃]).

Lema 12.7. Seja


α β
0→A→B→C→0
uma sequência exata de feixes sobre uma variedade M . Dado c em
C k (U, C), com U uma cobertura aberta de M , existem uma cobertura
aberta localmente finita V, uma aplicação refinadora ν : V → U e uma
cocadeia c0 ∈ C k (V, B) tais que

βV (c0 ) = νk (c).

Demonstração. Como M é paracompacta, toda cobertura aberta


tem um refinamento localmente finito. Podemos portanto supor que
U já é localmente finita. Como M é localmente compacta, pode-
mos construir uma cobertura aberta W e uma aplicação refinadora
378 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

µ : W → U tal que para todo W ∈ W, W é compacto e W ⊂ µ(W ).


Seja p ∈ M . Como a cobertura U é localmente finita, o número de
k-simplexos σ = (Ui0 , . . . , Uik ) no nervo de U tais que p ∈ |σ| é fi-
nito. Como a sequência de feixes é exata, para cada k-simplexo σ
com p ∈ |σ| existem uma vizinhança aberta Vσ de p e uma seção
sσ ∈ B(Vσ ) tais que
|σ|
βVσ (sσ ) = rVσ (c(σ)).
Pela finitude do número de simplexos σ com p ∈ |σ|, existem uma
vizinhança aberta Vp de p e sσ ∈ B(Vp ) tais que
|σ|
βVp (sσ ) = rVp (c(σ)).
Tomamos também Vp suficientemente pequena para que
Vp ∩ W̄ 6= ∅ ⇒ Vp ⊂ µ(W ).
Seja V = {Vi } a cobertura de M e para cada i selecionamos Wi ⊃ Vi
e Ui = µ(Wi ).

Vamos definir c0 ∈ C k (V, B). Se σ 0 = (Vi0 , . . . , Vik ) é um k-simplexo


e p ∈ Vi0 ∩ · · · ∩ Vik , então p ∈ Wij para todo j = 0, . . . , k. Logo
Vi0 ⊂ Wij para todo j = 0, . . . , k. Se σ = (Ui0 , . . . , Uik ) não é um k-
simplexo, isto é, se duas coordenadas coincidem, definimos c0 (σ 0 ) = 0.
Se σ é um k-simplexo, então pela construção da cobertura V existe
s0 ∈ B(Vi0 ) tal que
|σ|
βVi0 (s0 ) = rVi c(σ).
0

Definimos então
V
c0 (σ 0 ) = r|σi00| (s0 ).
Tomando ν(Vi ) = Ui concluı́mos a demonstração do lema.
Teorema 12.8. [Leray] Se
α β
0→A→B→C→0
é uma sequência exata de feixes sobre uma variedade M , então exis-
tem homomorfismos
δ ∗ : H̆ k (M, C) → H̆ k+1 (M, A)
[SEC. 12.1: COHOMOLOGIA DE FEIXES 379

tal que a sequência longa abaixo é exata:

· · · → H̆ k (M, A) → H̆ k (M, B) → H̆ k (M, C) → H̆ k+1 (M, A) → · · ·

Demonstração. Para cada cobertura U temos um diagrama comu-


tativo onde as linhas são exatas e as colunas são complexos de coca-
deias
↓ ↓ ↓
0 → C k−1 (U, A) → C k−1 (U, B) → C k−1 (U, C)
↓ ↓ ↓
0 → C k (U, A) → C k (U, B) → C k (U, C)
↓ ↓ ↓
0 → C k+1 (U, A) → C k+1 (U, B) → C k+1 (U, C)
↓ ↓ ↓.

Um elemento θ ∈ H k (M, C) pode ser representado por um cociclo


z ∈ C k (U, C) para alguma cobertura U. Pelo lema anterior existe
um refinamento V de U e uma cocadeia c ∈ C k (V, B) cuja imagem
pela seta horizontal coincide com a imagem de z em C k (V, C), que é
também um representante de θ.

Seja c0 ∈ C k+1 (V, B) a imagem de c pela seta vertical. Como o di-


agrama comuta e a imagem de z pela seta vertical é 0, temos que a
imagem de c0 pela seta horizontal é também 0. Como a sequência
horizontal é exata, existe c00 ∈ C k+1 (U, A) cuja imagem pela seta
horizontal é c0 . Para mostrar que c00 é um cociclo observamos que a
imagem de c00 pela seta vertical se anula pois a coluna é um complexo
de cocadeias. Pela comutatividade do diagrama, a imagem pela seta
horizontal da imagem de c00 pela seta vertical é 0. Como a correspon-
dente seta horizontal é injetiva, temos que a imagem de c00 pela seta
vertical é 0. Portanto c00 é um cociclo que representa um elemento
θ0 ∈ H̆ k+1 (M, A), o qual definimos como a imagem de θ. Deixamos
ao leitor a tarefa de mostrar que θ0 não depende das várias escolhas
feitas e que a aplicação θ → θ0 é um homomorfismo e a sequência é
exata.
Definição 12.9. Uma partição da unidade em um feixe F subordi-
nada a uma cobertura aberta localmente finita {Ui }i é uma famı́lia
ϕi : F̄ → F̄ de homomorfismos tais que
380 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

1. ϕi (Fx ) = 0 para todo x em uma vizinhança de M − Ui .


P
2. ϕi (s) = s ∀ s ∈ F(Uj ) e para todo j.
i

Lema 12.9. Se {ϕi } é uma partição da unidade de um feixe F su-


bordinado a uma cobertura localmente finita {Ui }, então para todo
aberto V ⊂ M existem homomorfismos
i ∩V
ϕU
V : F(Ui ∩ V ) → F(V )

tais que para todo aberto W ⊂ V − Ui temos


i ∩V
V
rW ϕU
V (s) = 0

Demonstração. Basta definir



i ∩V
ϕi (s(x)) se x ∈ Ui ∩ V
ϕUV (s)(x) =
0 se x ∈ V − Ui

i ∩V
e daı́ ϕU
V (s) : V → F̄ é uma seção contı́nua.

Definição 12.10. Um feixe é bom (“fine”em inglês) se para toda


cobertura aberta localmente finita existe uma partição da unidade
subordinada a esta cobertura.
k
Exemplo 12.8. O feixe EM das k-formas diferenciais em M é um
bom feixe. De fato, dada uma cobertura aberta localmente finita
{Ui } de M , fixe {ρi : M → R} uma partição da unidade subordinada
a {Ui }. Os homomorfismos de pré-feixes

k ϕi,V
k
EM (V ) −→ EM (V )

definidos por ϕi,V (ω) = ρi .ω definem homomorfismos de feixes


k k
ϕi : EM → EM com as propriedades requeridas.

Lema 12.10. Se F é um feixe bom, então

H̆ k (U, F) = 0 para todo k > 0.


[SEC. 12.1: COHOMOLOGIA DE FEIXES 381

Demonstração. Basta construir homomorfismos


hk : C k (U, F) → C k−1 (U, F)
tais que
hk+1 dk + dk−1 hk = id.
Definimos
(hk+1 (c))(Ui0 , . . . , Uik ) =
X U ∩Ui0 ∩···∩Uik
= (−1)j ϕUi ∩···∩U i
c(Ui0 , . . . , Uij−1 , U, Uij , . . . , Uik ) .
0 k
U ∈U

Deixamos a cargo do leitor verificar a identidade.


Definição 12.11. Uma resolução boa de um feixe F é uma sequência
exata
0 → F → F0 → F1 → F2 → · · ·
onde os Fi são feixes bons.
Teorema 12.11. Se
0 → F → F0 → F1 → F2 → · · ·
é uma resolução boa e U é uma cobertura aberta tal que
Fi−1 (Ui0 ∩ · · · ∩ Uik ) → Fi (Ui0 ∩ · · · ∩ Uik ) → Fi+1 (Ui0 ∩ · · · ∩ Uik )
é exata para todo simplexo no nervo de U, então existe um isomor-
fismo canônico entre
Ker dk : F k (M ) → F k+1 (M )
Ĥ k (U, F) e para todo k ≥ 1.
Im dk−1 : F k−1 (M ) → F k (M )
Demonstração. Consideremos o diagrama comutativo
C 0 (U, F) → C 1 (U, F) → C 2 (U, F) → ···
↓ ↓ ↓
F0 (M ) → C 0 (U, F0 ) → C 1 (U, F0 ) → C 2 (U, F0 ) → ···
↓ ↓ ↓ ↓
F1 (M ) → C 0 (U, F1 ) → C 1 (U, F1 ) → C 2 (U, F1 ) → ···
↓ ↓ ↓ ↓
F2 (M ) → C 0 (U, F2 ) → C 1 (U, F2 ) → C 2 (U, F2 ) → ···
↓ ↓ ↓ ↓
.. .. .. ..
. . . .
382 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

A primeira linha é um complexo de cadeias que não depende re-


solução enquanto que a primeira coluna é um complexo de cadeias
que não depende da cobertura U. Queremos construir um isomor-
fismo canônico entre os grupos de cohomologia desses dois complexos.
Para tanto vamos usar que

1) as linhas, a partir da segunda, são exatas a partir da segunda


coluna.

2) a hipótese sobre U implica que as colunas, a partir da segunda,


são exatas a partir da segunda linha.

Um elemento de H̆ k (U, F) é representado por um cociclo z0 em


C k (U, F). Sua imagem z1 ∈ C k (U, F0 ) é também um cociclo pois
o diagrama comuta e sua imagem pela seta horizontal coincide com
a imagem pela seta vetical da imagem de z0 pela seta horizontal,
que é 0. Como a linha é exata, z1 é a imagem de uma cocadeia
c1 ∈ C k−1 (U, F0 ). Como a imagem de z1 pela seta vertical é 0, a
imagem z2 ∈ C k−1 (U, F1 ) de c1 pela seta vertical é um cociclo, pois
sua imagem pela seta horizontal coincide com a imagem de z1 pela
seta vertical, que é 0.

Como a linha é exata, z2 é a imagem de uma cocadeia c2 em


C k−2 (U, F1 ) pela seta horizontal. Indutivamente, podemos construir
uma cocadeia cj ∈ C k−j (U, Fj−1 ) e cociclos zj ∈ C k−j+1 (U, Fj−1 )
tais que zj é a imagem de cj−1 pela seta vertical e é a imagem de
cj pela seta horizontal. Finalmente, chegamos a um ciclo zk+1 em
C 0 (U, Fk ), e portanto, a um elemento de Fk (M ). A classe de coho-
mologia desse ciclo é a imagem da classe de cohomologia inicial. Não
é difı́cil verificar que a classe de cohomologia de zk+1 não depende das
escolhas das cadeias cj e nem da escolha do ciclo z0 inicial. Como o
processo é simétrico temos que essa aplicação é bijetiva e como todas
as setas são homomorfismos ela é um isomorfismo.

Corolário 12.12. Seja 0 → RM → E 0 → E 1 → E 2 → · · · a resolução


boa do feixe constante RM . Se U é uma cobertura aberta simples de
M , então H̆ k (U, RM ) é isomorfo à cohomologia de de Rham de M .
Além disso, H̆ k (U, RM ) é igual a H̆ k (M, RM ).
[SEC. 12.1: COHOMOLOGIA DE FEIXES 383

Demonstração. O fato de que a sequência do enunciado é exata já


foi mostrado anteriormente, e que cada um dos feixes E k é um bom
feixe foi visto no exemplo anterior. Uma cobertura simples de M
satisfaz à hipótese do teorema anterior. Logo H̆ k (U, RM ) é canonica-
k
mente isomorfo a HdR (M ). Como toda cobertura pode ser refinada
por uma cobertura simples, temos que H̆ k (M, RM ) = H̆ k (U, RM ) se
U é uma cobertura simples.
Exemplo 12.9. ( O feixe das cocadeias singulares)
. Se U ⊂ M é um subconjunto aberto, seja Ck (U ) o grupo das cadeias
singulares em U e C k (U ) o grupo das cocadeias singulares de U . Se
V ⊂ U é outro aberto, a aplicação de inclusão i : V → U induz um
homomorfismo i∗ = rVU : C k (U ) → C k (V ) que satisfaz rW
U V
= rW ◦ rVU
se W ⊂ V ⊂ U .

Logo temos um pré-feixe, o qual define um feixe C k . Os operadores


de cobordo dk : C k (U ) → C k+1 (U ) comutam com a restrição e, por-
tanto, definem homomorfismos dk : C k → C k+1 tais que dk+1 ◦ dk = 0.

Afirmamos que os feixes C k são bons. Seja U = {Ui } cobertura lo-


calmente finita e W = {Wi } uma cobertura tal que W i ⊂ Ui para
todo i com W i compacto.
S Selecionamos em cada Wi um subcon-
junto Ai tal que Ai = M e Ai ∩ Aj = ∅ se i 6= j. Para cada i
i
definimos ρi : M → {0, 1} por ρi (x) = 1 se x ∈ Ai e ρi (x) = 0 se
x ∈/ Ai . Definimos os operadores ϕi : C k → C k da seguinte forma:
se V ⊂ M aberto e c ∈ C k (V ) = C k (V ), então ϕi (c) é a cocadeia
singular ϕi (c) tal que se σ : ∆k → V é um k-simplexo singular, então
ϕi (x)(σ) = ρi (σ(c0 )) · c(σ). É fácil verificar que a famı́lia {ϕi } é uma
partição da unidade do feixe C k subordinada à cobertura U.

Se U é uma cobertura simples, então a resolução boa


0 → AM → C 0 → C 1 → · · ·
do feixe constante AM , com A = Z ou R, satisfaz às condições do
teorema.

Logo H̆ k (M, AM ) ∼
= H̆ k (U, AM ) ∼
= H k (M, A) onde H k (M, A) é o
grupo de cohomologia singular de M com coeficientes em A.
384 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Exemplo 12.10. ( A classe de Chern de um fibrado de linha)


. Seja π : L → M um fibrado de linha sobre M , isto é, um fibrado
vetorial tal que cada fibra é um C-espaço vetorial de dimensão com-
plexa 1. Dada uma cobertura {Ui } de M por abertos trivializantes
de π, temos para cada i o diagrama comutativo

π −1 (Ui )
φ
/ Ui × C

π π1
# |
Ui

Se Ui ∩ Uj 6= ∅, então

φj ◦ φ−1
i : (Ui ∩ Uj ) × C → (Ui ∩ Uj ) × C

é da forma (x, v) 7→ (x, gij (x)v), com gij : Ui ∩ Uj → C∗ de classe C ∞


satisfazendo
gii (x) = 1
gij (x) = gji (x)−1
gik (x) = gij (x) · gjk (x) se x ∈ Ui ∩ Uj ∩ Uk .
∗ ∗
Temos portanto um cociclo Z 1 (U, EM ) ⊂ C 1 (U, EM ) com coeficientes
no feixe das funções C de M no grupo multiplicativo C∗ e, conse-


quentemente, um elemento de H̆ 1 (M, EM ). Se φ̃i : π −1 (Ui ) → Ui × C
é outra famı́lia de trivializações locais, então φ̃i ◦ φ−1
i é um difeomor-
fismo da forma (x, v) 7→ (x, ψi (x) · v) com ψi : Ui → C∗ uma função
C ∞ . Segue daı́ que

g̃ij (x) = ψj (x)gij (x)ψi (x)−1

e os respectivos cociclos são cohomólogos. Se π : L → M e π̃ : L̃ → M


são fibrados de linha sobre M , podemos tomar uma cobertura aberta
U = {Ui }i de M onde estão definidas simultaneamente trivializações
locais φi : π −1 (Ui ) → Ui × C de π e φ̃i : π̃ −1 (Ui ) → Ui × C de π̃.
Se ψ : L → L̃ é um isomorfismo entre estes fibrados, então o difeo-
morfismo φ̃i ◦ ψ ◦ φ−1 é da forma (x, v) 7→ (x, ψi (x) · v), e assim os
cociclos gij e g̃ij são cohomólogos. Temos portanto uma bijeção entre
o conjunto das classes de isomorfismo de fibrados de linha sobre M e
[SEC. 12.2: O FEIXE DE ORIENTAÇÃO DE UMA VARIEDADE 385


o grupo de cohomologia H̆ 1 (M, EM ).

Observamos que se π : L → M e π̃ : L̃ → M são dois fibrados de


linha, então as funções de transição do fibrado L ⊗ L̃ → M são
x ∈ Ui ∩ Uj 7→ gij (x) · g̃ij (x). Verifica-se que o produto tensorial
define uma estrutura de grupo nas classes de isomorfismo de fibrados
de linha sobre M , chamado de grupo de Picard de M , de modo que
a bijeção construı́da é de fato um isomorfismo de grupos.

Consideremos a sequência exata curta de feixes

0 / ZM / EM exp
/ E∗ /0
M

e a correspondente sequência exata longa em cohomologia


∗ C
→ H 1 (M, ZM ) → H 1 (M, EM ) → H 1 (M, EM ) →1 H 2 (M, Z) → H 2 (M, EM ).

Como EM é um feixe bom, temos que

H 1 (M, EM ) = H 2 (M, EM ) = 0.

Logo a aplicação

C1 : H 1 (M, EM ) → H 2 (M, Z)

é um isomorfismo. Essa aplicação associa a cada classe de isomor-


fismo de fibrados de linha sobre M uma classe de cohomologia inteira,
chamada a classe de Chern do fibrado. A classe de Chern do produto
tensorial de dois fibrados é a soma das classes de Chern dos fatores
e toda classe de cohomologia em H 2 (M, Z) é a classe de Chern de
algum fibrado de linha sobre M .

12.2 O feixe de orientação de uma variedade


feixe de orientação
Seja M uma variedade de dimensão m. Se U ⊃ V são subconjun-
tos abertos de M , então a inclusão (M, M − U ) → (M, M − V ) induz
um homomorfismo ρU V : Hm (M, M − U ) → Hm (M, M − V ) tal que

ρVW = ρVW ◦ ρU
V se W ⊂ V ⊂ U.
386 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Temos portanto um pré-feixe. O feixe associado é chamado o feixe


de orientações de M . Denotaremos por π : Ō → M o espaço étalé
associado. A fibra pelo ponto x é o grupo Hm (M, M − x) que, pelo
teorema de excisão, é isomorfo a Hm (D, D − x), onde D é difeomorfa
a uma bola. Por sua vez

= H̃m−1 (S m−1 ) ∼
= H̃m−1 (D − x) ∼
Hm (D, D − x) ∼ = Z.
Definição 12.12. Se F ⊂ M é um subconjunto fechado, denotamos
por Γ(F ) o grupo das seções contı́nuas s : F → Ō e por Γc (F ) o sub-
grupo das seções com suporte compacto. Dizemos que M é orientável
ao longo de F se existe uma seção jF ∈ Γ(F ) tal que para cada x ∈ F ,
jF (x) é um gerador da fibra H(M, M − x).
Proposição 12.13. Seja F ⊂ M um subconjunto compacto contido
no domı́nio de uma carta local ϕ : U → Rm e tal que sua imagem seja
um subconjunto compacto e convexo de Rm . Então o homomorfismo
jF,x : Hm (M, M − F ) → Hm (M, M − x)
induzido pela inclusão é um isomorfismo para todo x ∈ F .
Demonstração. Pelo teorema da excisão, a inclusão induz isomor-
fismo Hm (U, U − F ) ≈ Hm (M, M − F ). O difeomorfismo ϕ induz
um isomorfismo entre Hm (U, U − F ) e Hm (Rm , Rm − ϕ(F )), o qual
pela sequência exata do par é isomorfo a Hm (Rm − ϕ(F )) e por in-
variância homotópica é isomorfo a Hm (Rm − ϕ(x)). Finalmente, este
último é isomorfo a Hm (U, U − x) que é isomorfo a Hm (M, M − x)
por excisão.
Proposição 12.14. Seja F ⊂ M um subconjunto fechado. Para
cada [c] ∈ Hm (M, M − F ) seja JF ([c]) : F → Ō a aplicação definida
por JF ([c])(x) = jF,x ([c]). Então JF ([c]) é uma seção contı́nua com
suporte compacto e
JF : Hm (M, M − F ) → Γc (F )
é um homomorfismo.
Demonstração. Seja c ∈ Cm (M ) uma cadeia que representa a classe
n
P N
P
de homologia [c]. Então c = ai σi e ∂c = bj τj , sendo que
i=1 j=1
[SEC. 12.2: O FEIXE DE ORIENTAÇÃO DE UMA VARIEDADE 387

τj (∆n−1 ) ⊂ M − F pois c é um ciclo relativo.


N
S
Como K = τj (∆n−1 ) é um compacto disjunto de F , temos que
j=1
cada x ∈ F tem uma vizinhança U cujo fecho é disjunto de K.
Logo c representa uma classe de homologia α ∈ Hm (M, M − Ū ) e
a aplicação x ∈ U 7→ jŪ ,x (α) ∈ Hm (M, M − x) é uma seção contı́nua
que coincide com a restrição de jF,x ([c]) a U ∩ F . Logo a aplicação
x ∈ F → jF,x ([c]) é uma seção contı́nua. Resta mostrar que tem
suporte compacto. Para tanto observamos que existe um compacto
C ⊂ M tal que σi (∆m ) ⊂ C para todo i = 1, . . . , n. Se x ∈ / C,
então a imagem de c por Cm (M, M − F ) → Cm (M, M − x) é 0. Logo
jF,x ([x]) = 0 para todo x ∈ / C.

Lema 12.15. Valem as seguintes propriedades

1. Se F1 ⊃ F2 são subconjuntos fechados, então o diagrama abaixo


é comutativo:

Hm (M, M − F1 ) / Hm (M, M − F2 )

J F1 JF2
 
Γc (F1 ) / Γc (F2 )

2. Se F1 e F2 são dois subconjuntos fechados, então a sequência


h k
0 → Γc (F1 ∪ F2 ) → Γc (F1 ) ⊕ Γc (F2 ) → Γc (F1 ∩ F2 )

com

h(s) = (s|F1 ) ⊕ (s|F2 )


k(s1 ⊕ s2 ) = s1 |F1 ∩F2 − s2 |F1 ∩F2

é exata.
T
3. Se K1 ⊃ K2 ⊃ · · · são subconjuntos compactos e K = Ki ,
i
então lim Γ(Ki ) = Γ(K).
−→
388 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Demonstração. Deixamos ao leitor a prova de 1) e 2). Para provar


3) consideremos duas seções s, s0 ∈ Γ(Ki ) cujas restrições a K coin-
cidem. Cada ponto de K tem uma vizinhança U e uma seção sU em
U que estende as restrições s|U ∩K = s0 |U ∩K . Cobrimos K por um
número finito de abertos Uj e para cada Uj escolhemos uma seção sj
em Uj que coincide com s em Uj ∩ K. Podemos ainda, diminuindo
Uj se necessário, supor que se Ui ∩ Uj 6= ∅, então Ui ∩ Uj ∩ K 6= ∅.
Portanto a restrição de si a Ui ∩ Uj coincide com a restrição de sj
a Ui ∩ Uj pois as duas seções coincidem em um ponto de interseção
e, portanto, são iguais. Logo existe uma seção sU em U = ∪Uj cuja
restrição a cada Uj coincide com sj . Assim (sU )|K = s|K = s0 |K .
Seja Kj ⊂ Ki tal que Kj ⊂ U . Então a restrição de sU a Kj coincide
com a restrição se s a Kj e à restrição de s0 a Kj . Logo as imagens
de s e s0 pelo morfismo Γc (Ki ) → lim Γ(Ki ) coincidem. Por outro
−→
lado, se s ∈ Γ(K) temos pelo argumento acima que existe um aberto
U ⊃ K e uma seção sU ∈ Γ(U ) cuja restrição a K coincide com s.
Para cada Ki ⊂ U denotamos por si ∈ Γ(Ki ) a restrição de sU a Ki .
Então se Kj ⊂ Ki temos que a restrição de si a Kj coincide com sj
e portanto ambas determinam o mesmo elemento de lim Γ(Ki ).
−→

Teorema 12.16. Seja M uma variedade topológica de dimensão m.


Se F ⊂ M é um subconjunto fechado, então

a) Hk (M, M − F ) = 0 para todo k > m;

b) JF : Hk (M, M − F ) → Γc (F ) é um isomorfismo.

Demonstração. Para facilitar a escrita, seja F o conjunto dos sub-


conjuntos fechados de M e considere a função

VM : F → {0, 1}

tal que VM (F ) = 0 se, e somente se, a) e b) são verdadeiros.

1) Dizemos que um subconjunto compacto K ⊂ M é simples se


existe uma carta local ϕ : U → Rm com K ⊂ U tal que ϕ(K)
é o fecho de um aberto convexo. Então VM (K) = 0 para todo
compacto simples pela proposição 12.13.
[SEC. 12.2: O FEIXE DE ORIENTAÇÃO DE UMA VARIEDADE 389

2) Se valem VM (F1 ) = VM (F2 ) = VM (F1 ∩ F2 ) = 0, então vale


VM (F1 ∪ F2 ) = 0 pois basta analisar a sequência de Mayer-
Vietoris e o lema anterior.
T
3) Se K1 ⊃ K2 ⊃ K3 ⊃ · · · são compactos, K = Ki e vale
VM (Ki ) = 0 para todo i, então VM (K) = 0. De fato, para cada
k as inclusões (M, M − Ki ) → (M, M − K) induzem isomorfis-
mos

lim Hk (M, M − Ki ) → Hk (M, M − K)
−→

e para k = m temos um diagrama comutativo



lim Hm (M, M − Ki )
= / Hm (M, M − K)
−→

= ∼
=
 ∼ 
lim Γc (Ki )
= / Γc (K)
−→

4) Se K ⊂ Rm é um compacto, então VRm (K) = 0. Para ver isso,


mostremos primeiro que se K é uma união finita de compactos
simples, então VRm (K) = 0. De fato, suponhamos por indução
que VRm (K) = 0 quando K é a união de k − 1 compactos
simples. Se K = K1 ∪ · · · ∪ Kk onde K é um compacto simples,
temos por indução que VRm (Kk ) = 0, VRm (K1 ∪ · · · ∪ Kk−1 ) = 0
e
VRm (Kk ∩ (K1 ∪ · · · ∪ Kk−1 )) = 0
pois

Kk ∩ (K1 ∪ · · · ∪ Kk−1 ) = (Kk ∩ K1 ) ∪ · · · ∪ (Kk ∩ Kk−1 )

é também a união de k − 1 compactos simples. Logo pelo caso


1) temos que VRm (K) = 0.

Consideramos agora K ∈ Rm um compacto qualquer. Seja K1


uma cobertura finita de K por bolas fechadas de raio 1/2. Seja
K2 a união de uma cobertura finita de K por bolas fechadas
de raio menor ou igual a 1/22 contidas no interior de K1 . Por
indução construimos Ki união finita de bolas fechadas de raio
390 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

menor ou igual a 21i contidas no interior de Ki−1 . Pelo que


provamos acima, VRm (Ki ) = 0 e, pelo item (3) VRm (K) = 0.

5) Se K ⊂ M é um compacto então VM (K) = 0. Por indução


mostramos que VM (K) = 0 se K é uma união finita de com-
pactos, cada um contido em um domı́nio de uma carta local pois
a interseção de dois compactos com essa propriedade também
tem essa propriedade. Como no casoT anterior, construimos uma
sequência K1 ⊃ K2 ⊃ · · · com Ki = K tal que cada Kj é
uma união finita de compactos sendo que cada um está contido
no domı́nio de uma carta local. Logo VM (K) = 0.

6) Sejam Ki ⊂ Ui famı́lias de subconjuntos com Ki compacto e Ui


SUi ∩ Uj = ∅ se i 6= j, então
aberto tais que S se vale VM (Ki ) = 0
para todo i e Ki é fechado, então VM ( Ki ) = 0. De fato,
!
exc. [
Hk (M, M − ∪Ki ) ≈ Hk Ui , ∪Ui − Ki
i
M
≈ Hk (Ui , Ui − Ki )
i
M
≈ Hk (M, M − Ki )
i

e [  M
Γc Ki = Γc (Ki ).
i


S
7) Se F ⊂ M é um fechado, então VM (F ) = 0. Seja M = Ki
i=1
onde Ki é compacto e Ki ⊂ int Ki+1 e Li = Ki − int Ki−1 .

Se
!
[ [
F1 = F ∩ L2i = (F ∩ L2i )
i i
!
[ [
F2 = F ∩ L2i+1 = (F ∩ L2i+1 ),
i i
[SEC. 12.2: O FEIXE DE ORIENTAÇÃO DE UMA VARIEDADE 391

então temos que F1 , F2 e F1 ∩ F2 satisfazem as condições do


caso 5). Logo

VM (F1 ) = VM (F2 ) = VM (F1 ∩ F2 ) = 0

e portanto VM (F ) = 0.

Corolário 12.17. Valem as seguintes propriedades para uma varie-


dade topológica M de dimensão m:

1. Hj (M ) = 0 para j > m;

2. Se M não é compacta, então Hm (M ) = 0;

3. Se M é compacta e orientável com respeito a um anel A, então


Hm (M, A) ≈ A;

4. Se M é compacta a não Z-orientável, então Hm (M, Z) = 0 e


Hm (M, Z2 ) = Z2 .

Demonstração. Para 1), basta tomar F = M . Para 2) Tomamos


F = M e observamos que se M é não compacta, então Γc (M ) = 0.
Para 3), se M é orientável, então Γc (M ) ∼
= A.

Definição 12.13. Se M e N são variedades topológicas compac-


tas e orientadas de mesma dimensão e f : M → N é uma aplicação
contı́nua, o grau topológico de f é o inteiro g ∈ Z tal que a imagem
do gerador de Hm (M, Z) por f∗ é g-vezes o gerador de Hm (N, Z).

Proposição 12.18. Valem as seguintes propriedades para o grau


topológico:

1. Em variedades diferenciáveis as duas definições de orientabili-


dade coincidem.

2. Em variedades diferenciáveis o grau topológico coincide com o


grau de Brower.
392 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

12.3 O anel de cohomologia

Vimos que o produto exterior de formas diferenciais induz uma es-


trutura de álgebra comutativa graduada nos grupos de cohomologia
de de Rham de uma variedade diferenciável. Vamos agora construir
uma estrutura de anel na cohomologia singular com coeficientes em
um anel A de um espaço topológico X. O produto cup em cocadeias

^: C k (X; A) × C l (X; A) → C k+l (X; A).

é definido da seguinte maneira: dados φ ∈ C k (X, A), ψ ∈ C l (X, A)


e σ um k + l-simplexo em X, colocamos

(φ ^ ψ)(σ) = φ(σ|[e0 ,...,ek ] ) · ψ(σ|[ek ,...,ek+l ] ).

É fácil ver que o produto cup assim definido é bilinear e asso-


ciativo. O lema a seguir vai mostrar que esse produto a nı́vel de
cocadeias induz um produto bilinear e associativo a nı́vel de cohomo-
logia.

Lema 12.19. Para todos φ ∈ C k (X, A) e ψ ∈ C l (X, A) vale

δ(φ ^ ψ) = δφ ^ ψ + (−1)k φ ^ δψ.

Demonstração. Se σ é um (k + l + 1)-simplexo, temos

δ(φ ^ ψ)(σ) = (φ ^ ψ)(∂σ)


k+l+1
!
X
i
= (φ ^ ψ) (−1) σ|[e0 ,...,eˆi ,...,ek+l+1 ]
i=0
k
X
= (−1)i φ(σ|[e0 ,...,eˆi ,...,ek+1 ] ) · ψ(σ|[ek+1 ,...,ek+l+1 ] ) +
i=0
k+l+1
X
+ (−1)i φ(σ|[e0 ,...,ek ] ) · ψ(σ|[ek ,...,eˆi ,...,ek+l+1 ] ).
i=k+1
[SEC. 12.3: O ANEL DE COHOMOLOGIA 393

Por outro lado,

(δφ ^ ψ)(σ) = δφ(σ|[e0 ,...,ek+1 ] ).ψ(σ|[ek+1 ,...,ek+l+1 ] )


k+1
X
= (−1)i φ(σ|[e0 ,...,eˆi ,...,ek+1 ] ).ψ(σ|[ek+1 ,...,ek+l+1 ] )
i=0
k
X
= (−1)i φ(σ|[e0 ,...,eˆi ,...,ek+1 ] ).ψ(σ|[ek+1 ,...,ek+l+1 ] ) +
i=0
+ (−1)k+1 φ(σ|[e0 ,...,ek ] ).ψ(σ|[ek+1 ,...,ek+l+1 ] )

(−1)k (φ ^ δψ)(σ) = (−1)k φ(σ|[e0 ,...,ek ] ).δψ(σ|[ek ,...,ek+l+1 ] )


k+l+1
X
= (−1)i φ(σ|[e0 ,...,ek ] ).ψ(σ|[ek ,...,eˆi ,...,ek+l+1 ] )
i=k
k+l+1
X
= (−1)i φ(σ|[e0 ,...,ek ] ).ψ(σ|[ek ,...,eˆi ,...,ek+l+1 ] ) +
i=k+1

+ (−1)k φ(σ|[e0 ,...,ek ] ).ψ(σ|[ek+1 ,...,ek+l+1 ] )

o que prova o Lema.

Do lema concluı́mos que o produto cup de dois cociclos é um


cociclo e que o produto cup de um cobordo por um cociclo ou de
um cociclo por um cobordo é um cobordo. Logo temos um produto
bilinear e associativo em cohomologia:

^: H k (X; A) × H l (X; A) → H k+l (X; A).

A nı́vel de cocadeias não temos nenhum tipo de comutatividade


do produto cup. No entanto, vale o seguinte teorema.

Teorema 12.20. Se α ∈ H k (X, A) e β ∈ H l (X, A), então

α ^ β = (−1)kl β ^ α.
394 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Demonstração. Definimos primeiramente o morfismo

ρ: Cn (X) −→ Cn (X)
σ 7−→ n · σ|[en ,...,e0 ]
n(n−1)
onde n = (−1) 2 . A prova do teorema consiste em mostrar as
três seguintes afirmações:

1. ρT (ψ ^ φ) = (−1)kl ρT (φ) ^ ρT (ψ);

2. ρT δ = δρT ;

3. Existe um homomorfismo P : Cr (X) → Cr+1 (X) tal que

P ∂ + ∂P = ρ − id.

De fato, 2) implica que ρ induz um homomorfismo ρ∗ em cohomolo-


gia e 1) implica que ρ∗ (ψ ^ φ) = (−1)kl ρ∗ (φ) ^ ρ∗ (ψ). Finalmente,
3) implica que ρ∗ é a identidade pois ρT − id = P T δ + δP T . Vamos
provar então as afirmações.

1) Temos que

(ρT φ) ^ (ρT ψ)(σ) = φ(k σ|[ek ,...,e0 ] ).ψ(l [σ|[ek+l ,...,ek ] )


= k l φ(σ|[ek ,...,e0 ] ).ψ(σ|[ek+l ,...,ek ] ),

e por outro lado,

ρT (ψ ^ φ)(σ) = ψ ^ φ(ρ(σ))
= ψ ^ φ(k+l σ|[ek+l ,...,e0 ] )
= k+l · ψ(σ|[ek+l ,...,ek ] ).φ(σ|[ek ,...,e0 ] ).

Como k+l = (−1)kl k l , concluimos a prova da identidade em 1).

2) Basta provar que ∂ρ = ρ∂. Temos que


n
X
∂ρ(σ) = ∂(n σ|[en ,...,e0 ] ) = n (−1)i σ[en ,...,ên−i ,...,e0 ]
i=0
[SEC. 12.3: O ANEL DE COHOMOLOGIA 395

n
!
X
ρ(∂σ) = ρ (−1)i σ|[e0 ,...,êi ,...en ]
i=0
n
X
= (−1)i ρ(σ|[e0 ,...,êi ,...en ] )
i=0
n
X
= (−1)n−i σ|[en ,...,ên−i ,...,e0 ] .
i=0

Como (−1)n n−i = n , concluimos a prova de 2).

Para ver 3), seja σ : ∆n → X um simplexo singular. Definimos

n
X
P (σ) = (−1)i n−i Pi (σ)
i=0

onde Pi (σ) : ∆n+1 → X é o simplexo singular

Pi (σ) = σ ◦ π ◦ [A0 , . . . , Ai , Bn , . . . , Bi ]

sendo que π : ∆n ×[0, 1] → ∆n é a projeção, Ai = (ei , 0) ∈ ∆n ×[0, 1],


Bi = (ei , 1) × [0, 1] e [A0 , . . . , Ai , Bn , . . . , Bi ] : ∆n+1 → An × [0, 1] é
a aplicação afim que leva ej em Aj se j ≤ i e ej em Bn−j+i se j ≥ i.

Temos então que


396 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS


n
X X
∂P (σ) = (−1)i n−i  (−1)j σ ◦ π[A0 , . . . , Âj , . . . , Ai , Bn , . . . , Bi ]+
i=0 j≤i

X
+ (−1)i+1+n−j σ ◦ π[A0 , . . . , Ai , Bn , . . . , B̂j , . . . , Bi ]
j≥i
n
X X
= (−1)i n−i (−1)j σ ◦ π[A0 , . . . , Âj , . . . , Ai , Bn , . . . , Bi ]+
i=0 j<i
!
X
+ (−1)i+1+n−j σ ◦ π[A0 , . . . , Ai , Bn , . . . , B̂j , . . . , Bi ] +
j>i
X
+ n [Bn . . . , B0 ] + n−i σ ◦ π[A0 , . . . , Ai−1 , Bn , . . . , Bi ] +
i>0
X
+ (−1)n+i+1 n−i σ ◦ π[A0 , . . . , Ai , Bn , . . . , Bi+1 ] −
i<n

− σ ◦ π[A0 , . . . , An ].

Como (−1)n+i n−i+1 = −n−i , temos


n
X X
∂P (σ) = (−1)i n−i (−1)j σ ◦ π[A0 , . . . , Âj , . . . , Ai , Bn , . . . , Bi ]+
i=0 j<i
!
X
+ (−1)i+1+n−j σ ◦ π[A0 , . . . , Ai , Bn , . . . , B̂j , . . . , Bi ] +
j>i
X
+ n−i σ ◦ π[A0 , . . . , Ai−1 , Bn , . . . , Bi ] +
i>0

+ n [Bn . . . , B0 ] − σ ◦ π[A0 , . . . , An ].

Por outro lado,


n
!
X
P (∂σ) = P (−1)j σ ◦ [e0 , . . . , eˆj , . . . , en ]
j=0
Pn P
j i−1
= j=0 (−1) j<i (−1) ◦ σ ◦ [A0 , . . . , Âj , . . . , Ai , Bn , . . . , Bi ]+
n−i π

P i
+ i<j (−1)  n−i−1 π ◦ σ ◦ [A0 , . . . , A i , B n , . . . , B̂j , . . . , B i ] .
[SEC. 12.3: O ANEL DE COHOMOLOGIA 397

Como n σπ[Bn , . . . , Bi ] = ρ(σ) e σ ◦ π ◦ [A0 , . . . , An ] = σ, temos que

∂P (σ) = −P ∂σ + ρ(σ) − σ

o que prova 3).

Proposição 12.21. Uma aplicação contı́nua f : X → X induz um


homomorfismo nos anéis de cohomologia.

Demonstração. A aplicação induzida a nı́vel de cocadeias já pre-


serva o produto cup, como é de fácil verificação.

Exemplo 12.11. O anel de cohomologia sobre o anel dos inteiros de


uma variedade compacta orientável de dimensão dois.

Considere um polı́gono plano P de 4g lados e vértices v1 , . . . , v4g .


Identificando os lados [v4i+1 , v4i+2 ] com [v4i+4 , v4i+3 ] e os lados
[v4i+2 , v4i+3 ] com [v4i+5 , v4i+4 ] pelas aplicações afim, obtemos uma
superfı́cie Mg de genus g. Seja q : P → Mg a aplicação quociente.
Se 0 é o centro do polı́gono P , consideremos os seguintes simplexos
singulares em Mg :
q
rj : [e0 , e1 ] → [0, vj ] → Mg
q
aj : [e0 , e1 ] → [v4j+1 , v4j+2 ] → Mg
q
bj : [e0 , e1 ] → [v4j+2 , v4j+3 ] → Mg
q
σj : [e0 , e1 , e2 ] → [0, vj , vj+1 ] → Mg
onde a primeira aplicação é afim em cada um dos casos. Temos

∂σ4j+1 = r4j+1 + aj − r4j+2

∂σ4j+2 = r4j+2 + bj − r4j+3


∂σ4j+3 = r4j+3 + aj − r4j+4
∂σ4j+4 = r4j+4 + bj − r4j+5
398 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Consideremos as cocadeias αj , βj , j = 1, . . . g definidas por

αj (aj ) = αj (r4j+2 ) = αj (r4j+3 ) = 1

e αj (τ ) = 0 para todos os outros simplexos singulares,

βj (bj ) = βj (r4j+1 ) = βj (r4j+4 ) = 1

e βj (τ ) = 0 para todos os outros simplexos singulares. É fácil verifi-


car, usando as definições acima, que αj e βj são cociclos e
 P
αj ^ βk = i σi se j = k
0 se j 6= k
e
αj ^ αk = βj ^ βk = 0 para todos j, k.
Portanto os cociclos αj , βj geram H 1 (Mg , Z) e αj ^ βj é gerador de
H 2 (Mg , Z).

Teorema 12.22. Sobre o anel de cohomologia singular dos espaços


projetivos, temos

1. H ∗ (RPn , Z2 ) = Z2 [α]/(αn+1 ) com |α| = 1;

2. H ∗ (CPn , Z) = Z[α]/(αn+1 ) com |α| = 2;

3. H ∗ (HPn , Z) = Z[α]/(αn+1 ) com |α| = 4.

Demonstração. Faremos o cálculo da cohomologia de CPn , sendo


que os outros dois itens são análogos. Lembramos que da homolo-
gia celular (cap. X) temos que CPn tem uma única célula em cada
dimensão par e não tem células em dimensão ı́mpar, de modo que
H 2j (CPn ) = Z para j ≤ n e H 2j+1 (CPn ) = 0 para todo j. Conside-
remos os mergulhos

φn−1 : CPn−1 −→ CPn


[z0 , . . . , zn−1 ] 7−→ [z0 , . . . , zn−1 , 0]
e
φ1 : CP1 −→ CPn
[z0 , z1 ] 7−→ [0, . . . , 0, z0 , z1 ].
[SEC. 12.3: O ANEL DE COHOMOLOGIA 399

Temos que
n−1
M
φ∗n−1 : H 2j (CPn ) → H ∗ (CPn−1 )
j=0

é um isomorfismo que preserva o produto cup. Por indução, temos


que para i + j ≤ n − 1

(gerador de H 2i (CPn−1 )) ^ (gerador de H 2j (CPn−1 ))

é um gerador de H 2(i+j) (CPn−1 ) e portanto

(gerador de H 2i (CPn )) ^ (gerador de H 2j (CPn ))

é um gerador de H 2(i+j) (CPn ) pois φ∗k−1 preserva o produto cup.


Resta mostrar que se i + j = n, então

(gerador de H 2i (CPn )) ^ (gerador de H 2j (CPn ))

é um gerador de H 2n (CPn ). Consideremos os mergulhos

φi : CPi −→ CPn
[z0 , . . . , zi ] 7−→ [z0 , . . . , zi , 0, . . . , 0]
e
ψj : CPj −→ CPn
[z0 , . . . , zj ] 7−→ [0, . . . , 0, z0 , . . . , zj ]
e finalmente

Bn −→ h CPn i
pP
(z1 , . . . , zn ) 7−→ z1 , . . . , zi , 1 − |zj |2 , zi+1 , . . . , zn .

Identificando CPi , CPj e Bn com suas imagens em CPn , temos que


CPi ∩ CPj = {p}, onde p = [0, . . . , 0, 1, 0, . . . , 0] é o centro de Bn .
Sejam
Bi = {(z1 , . . . , zn ) ∈ Bn ; zk = 0 se k > i}

Bj = {(z1 , . . . , zn ) ∈ Bn ; zk = 0 se k ≤ i}.
400 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Daı́ Bi ∩ Bj é o centro da bola Bn . Temos um diagrama comutativo


induzido por morfismos naturais

H 2i (CPn ) × H 2j (CPn )
^
/ H 2n (CPn )
O O
A B
2i n n
H (CP , CP − CP ) × H (CP , CP − CP )j 2j n n i ^
/ H 2n (CPn , CPn − {p})
O
C
D
2i n n j
H (B , B − B ) × H (B , B − B ) 2j n n i ^
/ H 2n (Bn , Bn − {0})

O teorema segue então das duas afirmações abaixo.

Afirmação 1: A, B, C e D são isomorfismos.

Afirmação 2:

(gerador de H 2i (Bn , Bn − Bj )) ^ (gerador de H 2j (Bn , Bn − Bi ))

é um gerador de H 2n (Bn , Bn − {0}).

Prova da afirmação 1.

Seja Z = {[z0 , . . . , zi , 0, zi+1 , . . . , zn ] ∈ CPn } ⊂ int (CPn − {p}).


Então CP n − Z = Bn e (CPn − {p}) − Z = Bn − {0}. Logo D é
isomorfismo por excisão. Para provar que B é um isomorfismo, con-
sideremos a inclusão (CPn , CPn−1 ) → (CPn , CPn −{p}) e o diagrama
comutativo

H 2n−1 (CPn − {p}) / H 2n (CPn , CPn − {p}) / H 2n (CPn ) / H 2n (CPn − {p})

 a
b c d
0=H 2n−1
(CP n−1
) / H 2n (CPn , CPn−1 ) e / H 2n (CPn ) / H 2n (CPn−1 ) = 0

A aplicação
CPn − {p} → CPn − {p},
[z0 , . . . , zi−1 , zi , zi+1 . . . , zn+1 ] 7→ [z0 , . . . , zi−1 , (1−t)zi , zi+1 , . . . , zn+1 ]
mostra que a inclusão CPn−1 → CPn − {p} induz isomorfismos em
cohomologia. Logo as aplicações a, b e d do diagrama são isomorfis-
mos bem como c, que é a identidade. A aplicação e é um isomorfismo
[SEC. 12.3: O ANEL DE COHOMOLOGIA 401

pois H 2n−1 (CPn−1 = 0 = H 2n (CPn−1 ). Logo B = e ◦ b é um isomor-


fismo.

Consideremos a homotopia

ft : (Bi × Bj , Bi × Bj − {0} × Bj ) ←-,

ft (z1 , . . . , zn ) = (z1 , . . . , zi , tzi+1 , . . . , tzn ).


Temos que f1 é a identidade e f0 é uma retração de
(Bi × Bj , Bi × Bj − {0} × Bj ) sobre (Bi , Bi − {0}). Da mesma forma,
a homotopia
gt : CPn → CPn
definida por

gt ([z0 , . . . , zn+1 ]) = [z0 , . . . , zi , tzi+1 , . . . , tzn+1 ]

mostra que CPi−1 , mergulhado em CPn , é um retrato por deformação


de CPn − CPj . Consideremos o diagrama comutativo

H 2i (CPn ) o H 2i (CPn , CPi−1 ) o / H 2i (Bn , Bn − Bj )


f g h
H 2i (CPn , CPn − CPj )

 o
 m
 k
i
H (CP ) o H (CP , CPi−1 ) o / H 2i (Bi , Bi − {0})
2i i n 2i i l j
H 2i (CPi , CPi − {p})

Por excisão, j é um isomorfismo. Como CPi−1 é um retrato por


deformação de CPi − {p}, temos que l é um isomorfismo. Usando a
homotopia gt concluimos que m é um isomorfismo. Por cohomologia
celular temos que n e o são isomorfismos. Logo, pela comutatividade
do diagrama acima, concluimos que

H 2i (CPn , CPn − CPj ) → H 2i (CPn ) e

H 2i (CPn , CPn − CPj ) → H 2i (Bn , Bn − Bj )


são isomorfismos. Da mesma forma, temos que

H 2j (CPn , CPn − CPi ) → H 2j (CPn ) e

H 2j (CPn , CPn − CPi ) → H 2j (Bn , Bn − Bi )


são isomorfismos, o que conclui a demonstração do ı́tem 2) do teo-
rema.
402 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Se as cocadeias φ e ψ se anulam em cadeias contidas em um


subespaço Y ⊂ X então, pela formula que define o produto cup,
φ ^ ψ também se anula em cadeias contidas em Y . Logo, a mesma
formula induz produtos cup nos grupos de cohomologia relativos:

H k (X; A) × H l (X, Y ; A)
^ / H k+l (X, Y ; A)

H k (X, Y ; A) × H l (X; A)
^ / H k+l (X, Y ; A)

H k (X, Y ; A) × H l (X, Y ; A)
^ / H k+l (X, Y ; A)

Se Y e Z são subespaços de X, podemos considerar o subcomplexo


C r (X, Y +Z; A) de C r (X; A) constituido das cocadeias que se anulam
em cadeias que são somas de cadeias em Y com cadeias em Z. Temos,
usando a mesma fórmula, um produto cup em nı́vel de cadeias:

C k (X, Y ; A) × C l (X, Z; A) → C k+l (X, Y + Z; A)

Por outro lado, se Y , Z são subconjuntos abertos de X (ou sub-CW-


complexos de X se X for um CW-complexo), temos que a restrição

C r (X, Y ∪ Z; A) → C r (X, Y + Z; A)

induz isomorfismos nos grupos de cohomologia

H n (X, Y ∪ Z; A) × H l (X, Z; A) → H k+l (X, Y ∪ Z; A).

Se M e N são espaços topológicos, podemos definir uma aplicação


bilinear
H k (M ; A) × H l (N ; A) −→ H k+l (M × N ; A)
∗ ∗
(α, β) 7−→ (πM α) ^ (πN β)
onde πM : M ×N → M e πN : M ×N → N são as projeções canônicas.
Essa aplicação bilinear induz uma aplicação linear

H k (M ; A) ⊗ H l (N ; A) → H k+l (M × N ; A)

que por sua vez induz uma aplicação linear


r
M
K: H k (M ; A) ⊗ H r−k (N ; A) → H r (M × N ; A)
k=0
[SEC. 12.3: O ANEL DE COHOMOLOGIA 403

chamado homomorfismo de Künneth. Se X ⊂ M é um subespaço,


temos também um homomorfismo
r
M
K: H k (M, X; A) ⊗ H r−k (N ; A) → H r (M × N, X × N ; A)
k=0

e, se M e N são CW-complexos, X ⊂ M , Y ⊂ N são CW-subcomplexos


temos também um homomorfismo
r
M
K: H k (M, X; A)⊗H r−k (N, Y ; A) → H r (M ×N, X×N ∪M ×Y ; A).
k=0

Teorema 12.23. Se M e N são CW-complexos e H k (N ; A) é livre


e finitamente gerado para todo k, então
r
M
K: H k (M, X; A) ⊗ H r−k (N ; A) → H r (M × N, X × N ; A)
k=0

é um isomorfismo.
Corolário 12.24. Seja πi : Tn → S 1 a projeção no i-ésimo fator e
αi = πi∗ α, onde α é um gerador de H 1 (S 1 ). Então H k (Tn ) é o A-
modulo com base αi1 ^ · · · ^ αik , com 1 ≤ i1 < i2 < · · · < ik ≤ n.
Demonstração. Como Tn = Tn−1 × S 1 , o corolário segue do teo-
rema por indução.
Para provar o teorema necessitamos de um resultado preliminar.
Definição 12.14. Uma teoria de cohomologia com coeficientes em
um anel A é um funtor que associa a cada par de espaços topológicos
(X, Y ) uma famı́lia de A-módulos hk (X, Y ; A), k ∈ N, e a cada função
contı́nua f : (X, Y ) → (X 0 , Y 0 ) associa uma famı́lia de morfismos
hk (f ) : hk (X 0 , Y 0 ; A) → hk (X, Y ; A) satisfazendo os seguintes axio-
mas:

1. se f é a identidade, então hk (f ) é a identidade para todo k;


2. hk (g ◦ f ) = hk (f ) ◦ hk (g);
3. se f, g : (X, Y ) → (X 0 , Y 0 ) são contı́nuas e homotópicas, então
hk (f ) = hk (g) para todo k;
404 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

4. se i : Y → X e j : X = (X, ∅) → (X, Y ) são inclusões, então


existem morfismos δ : hk (Y ) → hk+1 (X, Y ) tais que a sequência
abaixo é exata:
k k

... / hk (X, Y ) h (j)


/ hk (X) h (i)
/ hk (Y ) δ / hk+1 (X, Y ) /

5. se Z ⊂ int Y e l : (X − Z, Y − Z) → (X, Y ) é a inclusão, então


hk (l) é isomorfismo para todo k;
6. se X é a união disjunta de pares de espaços topológicos (Xi , Yi ),
então !
G G Y
k
h Xi , Yi = hk (Xi , Yi )
i i

7. se X é constituı́do de um único ponto, então H k (X) = 0 se


k > 0.
Uma transformação natural µ entre duas teorias de cohomolo-
gias h, g associa homomorfismos µk : hk (X, Y ) → g k (X, Y ) tais que
o diagrama abaixo comuta:

hk (i) hk (j)
hk (X) / hk (Y ) δ
/ hk+1 (X, Y ) / hk+1 (X)

   
µ µ µ µ
g k (i) g k (j)
k
g (X) / g k (Y ) δ
/ g k+1 (X, Y ) / g k+1 (Y )

Lema 12.25. Se µ é uma transformação natural entre duas teorias


de cohomologia na categoria de pares de CW-complexos que induz
isomorfismos em dimensão 0, então µ induz isomorfismos em todas
as dimensões.
Demonstração. Observamos inicialmente que se o lema é verda-
deiro para todo par (X, ∅), ele é verdadeiro para todo par (X, Z). De
fato, pelo lema dos 5, o homomorfismo do meio no diagrama comu-
tativo abaixo é um isomorfismo se os homomorfismos dos extremos o
forem.
g k (X) / g k (Z) / g k+1 (X, Z) / g k+1 (X) / g k+1 (Z)

    
hk (X( / hk (Z) / hk+1 (X, Z) / hk+1 (X) / hk+1 (Z)
[SEC. 12.4: O PRODUTO CAP E DUALIDADE DE POINCARÉ 405

Lema 12.26. Fixando o espaço topológico Y , consideremos para


cada par de espaços topológicos (X, Z) os A-módulos
M
g k (X, Z) = H i (X, Z; A) ⊗ H k−i (Y ; A)
i

hk (X, Z) = H k (X × Y, Z × Y )
e os homomorfismos
µk : g k (X, Z) −→ hk (X, Z)

α⊗β 7−→ πX α ^ πY∗ β.

Então
1. g ∗ e h∗ são teorias de cohomologia na categoria de pares de
CW-complexos;
2. µ é uma transformação natural;
3. µ é um isomorfismo se X se reduz a um ponto.

12.4 O produto cap e dualidade de Poincaré


O produto cap é uma operação que relaciona homologia e cohomolo-
gia. A nı́vel de cadeias e cocadeias o produto

_: Ck (X; A) × C l (X; A) → Ck−l (X; A)

para k ≥ l é definido da seguinte maneira: dado um k-simplexo σ e


uma l-cocadeia φ, colocamos

σ _ φ = φ(σ|[e0 ,...,el ] ) · σ|[el ,...,ek ] .

Lema 12.27.

∂(σ _ φ) = (−1)l ((∂σ) _ φ − σ _ (∂φ))

Demonstração. Deixamos ao leitor a tarefa de verificar a identi-


dade.
406 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Como consequência do lema temos que o produto de um ciclo


com um cociclo é um ciclo, o produto de um bordo com um cociclo
é um bordo e o produto de um ciclo com um cobordo é um bordo.
Assim, temos uma aplicação induzida em homologia e cohomologia
que é A-linear em cada variável:

_ : Hk (X; A) × H l (X; A) → Hk−l (X; A).

Usando as mesmas fórmulas podemos definir também os produtos


cap relativos:

_: Hk (X, Y ; A) × H l (X; A) → Hk−l (X, Y ; A),

_: Hk (X, Y ; A) × H l (X, Y ; A) → Hk−l (X, Y ; A)


Se Y e Z são subconjuntos abertos de X, temos um isomor-
fismo entre Hk (X, Y ∪ Z; A) e Hk (X, Y + Z; A) e daı́ podemos definir
também o produto cap

_: Hk (X, Y ∩ Z; A) × H l (X, Y ; A) → Hk−l (X, Z; A).

Se M é uma variedade compacta e A-orientada, usando o produto


cap e a classe fundamental α ∈ Hm (M ; A) definimos o operador de
dualidade
DM : H k (M ; A) −→ Hn−k (M ; A)
φ 7−→ α _ φ.

Teorema 12.28. [Dualidade de Poincaré topológica]


Se M é compacta e A-orientável, então DM é um isomorfismo para
todo k.
Assim como na prova da dualidade de Poincaré na cohomologia
de De Rham, o teorema acima é consequência de um teorema mais
geral que relaciona a cohomologia com suporte compacto, definida
abaixo, com a homologia de variedades orientadas, não necessaria-
mente compactas.

Consideremos o submodulo Cci (M ; A) ⊂ C i (M ; A) constituı́do das


cocadeias φ tais que exista um compacto K, que depende de φ, tal
[SEC. 12.4: O PRODUTO CAP E DUALIDADE DE POINCARÉ 407

que φ(c) = 0 pra toda cadeia c ∈ Ci (M − K; A) ⊂ Ci (M ; A). É claro


que se φ ∈ Cci (M ; A) então δφ também pertence a Cci+1 (M ; A). Te-
mos assim um subcomplexo Cc∗ (M ; A) ⊂ C ∗ (M ; A) e portanto uma
cohomologia correspondente, chamada de cohomologia com suporte
compacto de M e é denotada por Hck (M ; A) para cada k. Uma ma-
neira alternativa de descrever estes grupos é observar que

Hck (M ; A) ∼
== lim H k (M, M − K; A)
−→

onde o limite direto acima está indexado pelos subconjuntos compac-


tos de M e os homomorfismos H k (M, M −K; A) → H k (M, M −L; A)
são induzidos por inclusão.

Se H ⊂ L ⊂ M são compactos e i : (M, M − L) → (M, M − K),


então temos o diagrama comutativo

Hm (M, M − L) × H k (M, M − L)
O _
+
i∗ i∗ 3 Hm−k (M )
 _
Hm (M, M − K) × H k (M, M − K)

Existe um único αK ∈ Hm (M, M − K) tal que para todo x ∈ K,


jK,x (αK ) ∈ Hm (M, M − x) é a orientação positiva. Temos também
que i∗ (αL ) = αK e i∗ (αL ) _ φ = αL _ (i∗ φ) para todo φ em
H k (M, M − K).

Os homomorfismos DK : H l (M, M − K) → Hm−k (M ) que asso-


ciam cada classe de cohomologia φ à classe de homologia αK _ φ
induzem um homomorfismo no limite direto

DM : Hck (M ) → Hm−k (M ).

Teorema 12.29. Se M é uma variedade topológica A-orientável,


então os homomorfismos de dualidade

DM : Hck (M ; A) → Hm−k (M ; A)

são isomorfismos.
408 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

A prova desse teorema consiste, como no caso da dualidade de


Poincaré na cohomologia de De Rham, em usar sequências de Mayer-
Vietoris e a comutatividade do diagrama abaixo para U e V subcon-
juntos abertos de M .

Hck (U ∩ V ) / Hck (U ) ⊕ Hck (V ) / Hck (U ∪ V ) / Hck+1 (U ∩ V ) / ...

   
DU ∩V DU ⊕DV DU ∪V DU ∩V

Hm−k (U ∩ V ) / Hm−k (U ) ⊕ Hm−k (V ) / Hm−k (U ∪ V ) / Hm−k−1 (U ∩ V ) / ...


Capı́tulo 13

Análise e Geometria em Variedades

Muitas das estruturas que definimos em variedades, tais como formas


diferenciais e métricas Riemannianas, são seções de certos fibrados so-
bre a variedade. Em geral o espaço de tais seções é de dimensão infi-
nita, portanto é natural procurar um mecanismo de selecionar dentre
elas algumas seções especiais. Discutiremos nesse capı́tulo dois tais
mecanismos. O primeiro consiste em definir um operador diferencial
natural no espaço de seções e procurar seções no núcleo desse ope-
rador. Esse mecanismo conduz em geral a problemas de equações a
derivadas parciais lineares. O segundo mecanismo é mais geral e con-
siste em definir funcionais em certos espaços de seções e procurar as
seções que são pontos crı́ticos de tais funcionais, de maneira análoga
ao que fizemos ao selecionar as geodésicas como pontos crı́ticos do
funcional energia no espaço das curvas diferenciáveis que passam por
dois pontos fixados em uma variedade Riemanianna.

13.1 Geometria dos Fibrados e o morfismo de Chern-


Weil
Seja G um grupo de Lie e g = T Gid sua álgebra de Lie. Se g ∈ G, seja
Ad(g) : g → g a derivada na identidade da conjugação, Cg : G → G,
Cg (h) = ghg −1 . A ação G × g → g definida por (g, A) 7→ Ad(g)(A) é
chamada representação adjunta de G.

409
410 [CAP. 13: ANÁLISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Seja π : P → M um fibrado principal com grupo G sobre uma


variedade compacta M . Lembramos que o grupo G age à direita em
P e essa ação é transitiva nas fibras e sem pontos fixos. Portanto M
é o espaço de órbitas dessa ação. Seja R : P × G → P essa ação. Para
cada z ∈ P a aplicação Rz : G → P definida por Rz (g) = R(z, g) é
um difeomorfismo de G sobre a fibra π −1 (π(z)). Sua derivada na iden-
tidade é um isomorfismo entre a álgebra de Lie g e o espaço tangente
à fibra π −1 (π(z)) no ponto z, o qual denotaremos por Vz , o subespaço
vertical no ponto z. Seja Lz : Vz → g o isomorfismo inverso. Se g ∈ G
denotamos por Rg : P → P o difeomorfismo Rg (z) = R(z, g). Como
as fibras são as órbitas da ação temos que DRg (z)(Vz ) = VRg (z) .
A cada elemento ξ da álgebra de Lie g associamos um campo de
vetores vertical Xξ ∈ X∞ (P ) definido por Xξ (z) = DRz (id) · ξ.
Proposição 13.1. A aplicação

ξ ∈ g 7→ Xξ ∈ X∞ (P )

é um morfismo injetivo da álgebra de Lie de G na álgebra de Lie dos


campos de vetores em P .
Demonstração. Devemos mostrar que

X[ξ,η] = [Xξ , Xη ]

onde o colchete do segundo membro é o colchete de Lie de campos de


vetores. Seja σ : U ⊂ M → π −1 (U ) uma seção local, e que portanto
define uma trivialização

Φ : U × G → π −1 (U ) (x, h) 7→ Rh (σ(x)).

Nessa trivialização a expressão da ação R é ((x, h), g) 7→ (x, hg), o


espaço vertical V(x,h) é {0} × T Gh ⊂ T Mx × T Gh e o campo é dado
por Xξ = 0 × DLh (id) · ξ, onde Lh (g) = hg. Portanto a expressão do
campo Xξ nessas coordenadas coincide com o campo invariante por
translações à esquerda e o colchete de Lie de dois desses campos é
precisamente o colchete de Lie da álgebra de Lie do grupo.
Definição 13.1. Seja π : P → M um G-fibrado principal. Uma
conexão afim em M é uma distribuição C ∞ que a cada z ∈ P associa
um subespaço Hz ⊂ T Pz tal que:
[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 411

• T Pz = Hz ⊕ Vz
• DRg (z)Hz = HRg (z) .
Um campo de vetores X em P é chamado de campo horizontal
se para todo z ∈ P , X(z) ∈ Hz . Como a Dπz : Hz → T Mπ(z) é
um isomorfismo, temos que para cada campo de vetores X em M
existe um único campo de vetores horizontal X̃ em P que está π-
relacionado com X. Se X̃ é o levantamento horizontal do campo X,
então R∗g X̃ = X̃ para todo g ∈ G.
Na proposição a seguir mostraremos a existência do transporte
paralelo associado a uma conexão afim.
Proposição 13.2. Seja Hz uma conexão afim em um fibrado prin-
cipal π : P → M . Se α : [0, 1] → M é imersão C 1 então dado
z ∈ π −1 (α(0)) existe uma única curva α̃ : [0, 1] → P tal que α̃(0) = z
, π(α̃(t)) = α(t) e o vetor tangente a α̃ em todo ponto é horizontal.
A aplicação Tα : π −1 (α(0)) → π −1 (α(1)) que a cada ponto z associa
o ponto final do levantamento horizontal de α é um difeomorfismo
equivariante: Tα ◦ Rg = Rg ◦ Tα .
Demonstração. Seja t0 ∈ [0, 1] máximo tal que existe um levanta-
mento horizontal de α|[0,t0 ] . Vamos mostrar que t0 = 1. Seja  > 0
tal que a restrição de α ao intervalo (t0 − , t0 + ) seja um mergulho
e seja C = α(t0 − , t0 + ). Então C̃ = π −1 (C) é uma subvariedade
de codimensão m − 1 e em cada ponto z ∈ C̃ o espaço tangente a C̃
intersecta o subespaço horizontal Hz em um subespaço de dimensão
um. Logo existe um único campo de vetores X em C̃ que é horizontal
e se projeta no vetor tangente a C . Todo levantamento da restrição
de α a (t0 − , t0 + ) é uma órbita desse campo de vetores. Podemos
então estender α̃ por α̃(t0 +t) = Xt (α̃(t0 )). Portanto t0 = 1. A unici-
dade segue da unicidade de soluções de equações diferenciais. Se α̃ é
um levantamento horizontal de α então Rg ◦ α̃ também é e, portanto,
o transporte paralelo Tα é um difeomorfismo equivariante.
Dada uma conexão afim Hz em M podemos definir uma 1-forma
ω em P com valores na algebra de Lie g da seguinte forma: para cada
z ∈ P , ω(z) : T Pz → g é a transformação linear cujo núcleo é Hz e
cuja restrição ao espaço tangente à fibra é o isomorfismo Lz , inverso
do isomorfismo DRz : g → T (π −1 (π(z)))z . Temos que a forma ω é
412 [CAP. 13: ANÁLISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

equivariante: R∗g ω = Ad(g) ◦ ω. Reciprocamente, dada uma 1-forma


equivariante cuja restrição aos subespaços verticais coincide com o
isomorfismo Lz , seu núcleo define uma conexão afim.
Mostremos que a forma de conexão é equivariante. Seja

θ(z, h) = R(R(z, h), g) = R(z, gh).

Temos que
θ(z, id) = R(z, g)

e
∂θ ∂R ∂R
(z, id).η = (z, g). (z, id).η = DRg (z).DRz (id).η.
∂h ∂z ∂h
Por outro lado, seja

φ(z, h) = R(R(z, g), h) = R(z, hg).

Temos que
θ(z, h) = φ(z, ad(g)(h))

e, portanto

∂θ ∂φ
(z, id).ξ = (z, id).Ad(g).ξ = DRR(z,g) (id).Ad(g).ξ
∂h ∂h
Assim,
DRR(z,g) (id)Ad(g)ξ = DRg (z)DRz (id)ξ.

Se v ∈ Vz , então

(R∗g ω)(z).v = ω(Rg (z))DRg (z).v = LRg (z) DRg (z).v

e
(Ad(g) ◦ w)(z).v = Ad(g)ω(z).v = Ad(g)Lz (v).

Por outro lado, v = DRz (id).ξ e, portanto,

(Ad(g) ◦ ω)(z).v = Ad(g)Lz (DRz (id)).ξ = Ad(g)(ξ)


[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 413

(R∗g ω)(z).v = LRg (z) DRg (z).v


= LRg (z) DRg (z)DRz (id)ξ
= LRg (z) DRR(z,g) (id)Ad(g)ξ
= Ad(g)ξ,

Logo
R∗g ω(z).v = Ad(g) ◦ ω(z).v
se v é um vetor vertical no ponto z. Por outro lado se v é um vetor
horizontal ambos os membros se anulam. Assim, ω é equivariante.
Proposição 13.3. 1. Sejam π 0 : P 0 → M 0 , π : P → M fibrados
principais com grupo G e f˜, f : (P 0 , M 0 ) → (P, M ) aplicações
C ∞ tais que π ◦ f˜ = f ◦ π 0 e a restrição de f a cada fibra seja
um difeomorfismo equivariante. Se ω é uma forma de conexão
em P , então f˜∗ ω é uma forma de conexão em P 0 .
2. Todo fibrado principal possui uma conexão afim.
Demonstração. Deixamos a prova de 1) como exercı́cio. É claro que
um fibrado trivial M × G possui uma conexão afim: basta definir o
espaço horizontal H(x,g) como o subespaço T Mx ×{0} ⊂ T Mx ×T Gg .
Se π : P → M é um fibrado principal, seja Ui uma cobertura aberta
localmente finita tal que o fibrado p−1 (Ui ) → Ui seja trivial para
todo i. Seja ωi uma forma de conexão em p−1 (Ui ) e λi uma partição
P em M subordinada à cobertura {Ui }. Sejam λ̃i = λi ◦ π.
da unidade
Então i λ̃i ωi é uma forma de conexão em P como é fácil ver.

Teorema 13.4. Seja π : P → M × [0, 1] um fibrado principal. Seja


i1 : M → M × [0, 1] a inclusão x 7→ (x, 1) e p : M × [0, 1] → M a
projeção (x, t) 7→ x. Então p∗ i∗1 (P ) é isomorfo a π : P → M × [0, 1].
Demonstração. Consideremos uma conexão afim no fibrado prin-
cipal. Seja X o campo de vetores em M × [0, 1] tangente às curvas

{x} × [0, 1] e que se projeta no campo unitário dt em [0, 1]. O fluxo
de X leva o ponto (x, t) em (x, 1) no tempo 1 − t. Seja X̃ ∈ X(P )
o levantamento horizontal de X. Se y ∈ P se projeta em (x, t), seja
414 [CAP. 13: ANÁLISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

p̃(y) a imagem de y pelo fluxo de X̃ no tempo 1 − t. Temos que


p̃ : P → π −1 (M × {1}) é um morfismo de fibrados principais que
cobre a aplicação p : M × [0, 1] → M × {1}, (x, t) 7→ (x, 1).

Corolário 13.5. Seja it : M → M × [0, 1] a inclusão x 7→ (x, t). Se


π : P → M × [0, 1] é um fibrado principal, então os fibrados i∗1 (P ) e
i∗0 (P ) são equivalentes.

Demonstração. Como p ◦ i0 é a identidade de M , temos pelo teo-


rema anterior que i∗0 (P ) é isomorfo a

i∗0 (p∗ i∗1 (P )) = (p ◦ i0 )∗ i∗1 (P ) = i∗1 (P ).

Desse corolário segue o seguinte teorema:

Teorema 13.6. Seja π : P → M um fibrado principal. Se


f, g : N → M são aplicações homotópicas então os fibrados f ∗ (P )
e g ∗ (P ) são equivalentes.

Demonstração. Seja H : N × [0, 1] → M uma homotopia entre f e


g. Seja it : N → N × [0, 1] a inclusão x 7→ (x, t). Assim f = H ◦ i0 e
g = H ◦ i1 .
Considerando o fibrado principal H ∗ (P ), temos pelo corolário acima
que f ∗ (P ) = i∗0 (H ∗ (P )) é isomorfo a i∗1 (H ∗ (P )) = g ∗ (P ).

Corolário 13.7. Se M é contrátil, todo fibrado principal sobre M é


trivial.

Esses resultados se estendem imediatamente para fibrados asso-


ciados à fibrados principais. Dado um fibrado principal π : P → M
e uma ação ρ : G × F → F em uma variedade F , temos um fibrado
πρ : E → M , com fibra F e grupo G, onde o espaço total E é o espaço
quociente do produto P × F pela seguinte relação de equivalência:

(y, z) ∼ (y 0 , z 0 ) ⇔ ∃g ∈ G tal que y 0 = yg e z 0 = ρ(g −1 )(z).

Denotando por [y, z] a classe de equivalência de (y, z), a aplicação


πρ : E → M , πρ ([y, z]) = π(y) está bem definida. Para mostrar
[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 415

que esse é o fibrado associado tomamos uma famı́lia de seções locais


σi : Ui → P do fibrado principal cujos domı́nios cobrem M . Sejam
gij : Ui ∩ Uj → G tais que σj (x) = σi (x).gij (x). Se q : P × F → E é
a aplicação quociente definimos Φi : Ui × F → E por

Φi (x, z) = q(σi (x), z).

Temos que Φi é um homemorfismo de Ui × F sobre πρ−1 (Ui ) e a


mudança de coordenadas

Φ−1
j ◦ Φi : (Ui ∩ Uj ) × F → (Ui ∩ Uj ) × F

é o difeomorfismo (x, v) 7→ (x, ρji (x)(v)) onde ρji (x) = ρ(gji (x)).

Corolário 13.8. Todo fibrado com grupo estrutural G sobre uma


variedade contrátil é trivial.

Demonstração. De fato, o fibrado é associado à uma ação do grupo


G nas fibras e ao fibrado principal π : P → M que, pelo corolário, é
trivial e, portanto, tem uma seção global. Logo o fibrado associado é
trivial pelo argumento acima.

Corolário 13.9. O pull-back por duas aplicações homotópicas de


um fibrado associado a um fibrado principal são fibrados equivalentes.
Em particular, se o fibrado inicial é um fibrado vetorial, temos uma
equivalência de fibrados vetoriais.

Demonstração. Seja π : P → M o fibrado principal, F a fibra e ρ


a ação à esquerda de G na fibra F . Portanto o fibrado associado se
escreve como πρ : P ×ρ F → M , onde P ×ρ F é o espaço quociente do
produto P × F pela relação de equivalência definida anteriormente.
O pull-back desse fibrado por uma aplicação f : N → M é associado
à mesma representação e ao fibrado principal f ∗ (P ), e se f e g são
homotópicas existe um isomorfismo Φ : f ∗ (P ) → g ∗ (P ) que cobre a
identidade. Como Φ(y.g) = Φ(y).g para todo y e todo g ∈ G, temos
que a aplicação Φ̂ : f ∗ (P ) × F → g ∗ (P ) × F , Φ̂(u, v) = (Φ(y), v)
preserva as relações de equivalência, e portanto induz um isomorfismo
Φ̃ : f ∗ (P ) ×ρ F → g ∗ (P ) ×ρ F . Se F é um espaço vetorial e ρ é uma
representação do grupo, o isomorfismo Φ̃ é linear nas fibras e portanto
um isomorfismo de fibrados vetoriais.
416 [CAP. 13: ANÁLISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

A seguir vamos mostrar que podemos identificar o espaço das


seções do fibrado associado com o espaço das funções f : P → F que
são equivariantes, isto é,

f (y.g) = ρ(g −1 )(f (y)).

De fato, dada uma função equivariante f , podemos definir uma seção


s : M → E da seguinte forma. Dado x ∈ M , escolha y ∈ P tal que
π(y) = x e defina s(x) = q(y, f (y)). Da equivariância de f segue que
s(x) não depende da escolha de y na fibra sobre x. Reciprocamente,
dada uma seção s : M → E, definimos f : P → F da seguinte forma:
sejam y ∈ P , x = π(y) e s(x) = [y 0 , z 0 ]. Como π(y 0 ) = x = π(y),
existe um único g ∈ G tal que y 0 = y.g. Tomando z = ρ(g)(z 0 ) temos
que (y, z) ∼ (y 0 , z 0 ). É fácil ver que f é tão diferenciável quanto s e
é equivariante.
Consideremos agora o caso especial de um fibrado vetorial, isto é, ρ é
uma representação do grupo G em um espaço vetorial F . Lembramos
que, nesse caso, o espaço das seções de classe C ∞ é um espaço veto-
rial de dimensão infinita. A seguir vamos mostrar que a existência de
uma conexão afim em um fibrado principal permite definir uma deri-
vada em seções de fibrados vetoriais associados na direção de campos
de vetores da base. Para isso, dada uma conexão afim no fibrado
principal, vamos definir para cada campo de vetores X ∈ X∞ (M )
uma aplicação linear

∇X : Γ(E) → Γ(E)

denominada derivada covariante. Se f : P → F é uma função equi-


variante e X̃ é o levantamento horizontal do campo X, então X̃(f ) é
também equivariante, e portanto é uma seção do fibrado, a qual será
denotada por ∇X .
O espaço das seções de um fibrado vetorial é um módulo sobre a
álgebra das funções C ∞ na base. A derivada covariante tem as se-
guintes propriedades:

• ∇X (φ.s) = (LX φ).s + φ.∇X s, chamada Regra de Leibniz ;


• ∇X+Y s = ∇X s + ∇Y s;
• ∇φX s = φ∇X s.
[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 417

para todos φ ∈ C ∞ (M ), s ∈ Γ(E) e X, Y ∈ X(M ). Observamos


que (∇X s)(x) depende apenas de X(x) e do jato de ordem 1 de s
no ponto x. Portanto, toda seção s define para cada x ∈ M uma
aplicação linear de T Mx na fibra sobre o ponto x, que a cada vetor v
associa ∇X s(x) com X qualquer campo de vetores de classe C ∞ tal
que X(x) = v. A imagem do vetor v ∈ T Mx é denotada por ∇v s(x).
Se s̃ é uma outra seção C ∞ tal que s̃(x) = s(x) e Ds̃(x).v = Ds(x).v
então ∇v s̃(x) = ∇v s(x). Dessas propriedades segue que a derivada
covariante define uma aplicação

∇ : Γ(E) → Γ(T M ∗ ⊗ E).

Podemos também identificar a fibra do fibrado associado pelo ponto


x com o espaço das funções da fibra do fibrado principal pelo ponto
x na algebra de Lie que seja equivariantes. Seja α : [0, 1] → M uma
curva e ξ0 ∈ πρ−1 (α(0)). Seja f0 : π −1 (α(0)) → g a aplicação equi-
variante associada a ξ0 . Definimos, para cada t ∈ [0, 1], a função
ft : π −1 (α(t)) → g dada por ft (p) = f0 (p0 ) se p é o transporte pa-
ralelo de p0 ao longo de α. Temos que ft é equivariante, e portanto
está associada a um elemento ξt da fibra do fibrado associado sobre
o ponto α(t). A curva t → ξt é chamada de transporte paralelo de ξ0
ao longo da curva α.

Uma forma de conexão é um caso particular de um conceito mais


geral : formas diferenciais com valores em um fibrado vetorial. Uma
forma diferencial de ordem k com valores em um fibrado vetorial
π : E → M de fibra V é uma aplicação k-linear alternada

γ : X∞ (M ) × · · · × X∞ (M ) → Γ∞ (E)

tal que
γ(X1 , . . . , Xk )(x) = γ(Y1 , . . . , Yk )(x)
se Xj (x) = Yj (x) para todo j. Portanto, para cada ponto x ∈ M a
forma associa uma aplicação k linear alternada de T Mx × · · · × T Mx
na fibra sobre o ponto x. O pull-back de γ por uma aplicação
f : N → M de classe C ∞ é a k-forma com valores no fibrado f ∗ E,
a qual em cada ponto x ∈ N associa a aplicação k-linear alternada
(v1 , . . . , vk ) 7→ γ(f (x))(Df (x)v1 , . . . , Df (x)vk ), onde estamos identi-
ficando a fibra de f ∗ E no ponto x com a fibra de E no ponto f (x).
418 [CAP. 13: ANÁLISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Em uma trivialização local do fibrado sobre um aberto U ⊂ M , uma


seção local é uma aplicação C ∞ de U na fibra V , e se x : U → Rm é
uma carta local em M , então a forma γ se escreve como
X
γ= γi1 ,...,ik dxi1 ∧ · · · ∧ dxik
1≤ii <···<ik ≤m

com γii ,...,ik : U → V seções locais do fibrado. Podemos então definir


a derivada exterior como no caso de formas diferenciais usuais:
m
X X ∂γi 1 ,...,ik
dγ = dxj ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik .
∂xj
1≤ii <···<ik ≤m j=1

Assim, note que uma k- forma com valores no fibrado vetorial


π : E → M é o mesmo que um elemento em Γ(Λk M ⊗ E) e a derivada
exterior define uma aplicação linear

d : Γ(Λk (M ) ⊗ E) → Γk+1 (Λk+1 (M ) ⊗ E).

Em particular, se o fibrado vetorial é trivial, uma k-forma com va-


lores no fibrado é o mesmo que uma k-forma com valores no espaço
vetorial (a fibra).

Seja ω0 uma conexão em um G-fibrado principal π : P → M . Uma


k-forma α com valores em g é horizontal se α(X1 , ..., Xk ) = 0 toda
vez que algum Xi é vertical. Ela é equivariante se R∗g α = Ad(g −1 )◦α
para todo g ∈ G. Uma k-forma horizontal e equivariante é uma k-
forma em M com valores no fibrado adjunto Ad(P ) → M associado
à representação adjunta do grupo em sua álgebra de Lie. De fato,
dada uma k-upla (X1 , . . . , Xk ) de campos de vetores em M , a função
f : P → g definida por f = α(X̃1 , . . . , X̃k ), com X̃j o levantamento
horizontal de Xj , é uma função equivariante e, portanto, uma seção
do fibrado adjunto. Em particular, a cada forma de conexão ω po-
demos associar a forma horizontal e equivariante ω − ω0 e, portanto
uma 1-forma em M com valores no fibrado adjunto. Temos então
uma bijeção afim entre o espaço das conexões do fibrado principal e
o espaço das seções do fibrado vetorial Λ1 (M ) ⊗ Ad(P ). Portanto o
espaço das conexões é um espaço afim de dimesão infinita.
[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 419

Se a fibra sobre cada ponto tem uma estrutura de álgebra de Lie e


α, β são 1-formas com valores no fibrado, podemos definir a 2-forma
[α, β](X, Y ) = [α(X), β(Y )] − [α(Y ), β(X)]
onde no segundo membro estamos usando, sobre cada ponto, o col-
chete da fibra correspondente. Como no caso de formas usuais, a
derivada exterior pode ser expressa em função de derivadas de Lie e
do colchete de Lie de campos de vetores. Em particular, a derivada
exterior de uma 1-forma α é a 2 forma
dα(X, Y ) = Xα(Y ) − Y α(X) − α([X, Y ]).
Um caso importante é a 1-forma α de Maurer-Cartan no grupo de
Lie G com valores em g definida por α(g)(X) = DLg−1 (g)(X), onde
Lg−1 é a translação à esquerda por g −1 . Assim, se X é um campo de
vetores invariante à esquerda em G, então α(X) é constante. Lem-
bramos que o colchete na álgebra de Lie é o colchete de Lie dos cor-
respondentes campos invariantes à esquerda. Logo, se α é a forma de
Maurer-Cartan, e X, Y são campos de vetores invariantes à esquerda
temos que dα(X, Y ) = Xα(Y ) − Y α(X) − α([X, Y ]) = −α([X, Y ]).
Logo,
dα = −[α, α].
O produto exterior de uma k-forma α por uma l-forma β com
valores no fibrado vetorial : E → M é a k + l-forma α ∧ β com
valores no fibrado vetorial E ⊗ E → M definida por:
α ∧ β(x)(v1 , . . . , vk+l ) =
k!l! X
= (−1)|τ | α(x)(vτ (1) , . . . , vτ (k) ) ⊗ β(x)(vτ (k+1 , . . . , vτ (k+l) )
(k + l)! τ
onde τ percorre o conjunto das permutações de {1, . . . , k + l} e |τ | é
igual a 0 se a permutação for par e 1 se for ı́mpar.

Se as fibras do fibrado possuem estrutura de álgebra de Lie que


varia diferenciavelmente com a fibra, podemos, generalizando a de-
finição anterior para 1-formas, definir uma forma [α, β] com valores
no próprio fibrado tomando
[α, β](x)(v1 , . . . , vk+l ) =
420 [CAP. 13: ANÁLISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

k!l! X
= (−1)|τ | [α(x)(vτ (1) , . . . , vτ (k) ), β(x)(vτ (k+1 , . . . , vτ (k+l) )].
(k + l)! τ
EmP uma trivialização local do fibrado associado, temos
α = I αI dxI e β = J βJ dxJ , com αI e βJ aplicações do aberto
P
trivializador em g. Daı́
X
[α, β] = [αI , βJ ]dxI ∧ dxJ .
I,J

Exercı́cio 13.1. Mostre que

[β, α] = (−1)kl+1 [α, β]

e
d([α, β]) = [dα, β] + (−1)k [α, dβ]
se α é uma k-forma e β é uma l-forma.
Definição 13.2. (Derivada exterior covariante) Seja ω uma co-
nexão no fibrado principal π : P → M . A derivada covariante de
uma k-forma η com valores na álgebra de Lie g é a k + 1 forma dω η
definida por

dω η(X1 , . . . , Xk+1 ) = dη(X1H , . . . , Xk+1


H
)

onde dω é a derivada exterior usual e Xj (p) = XjH (p) + XjV (p) com
XjH (p) ∈ Hp e XjV (p) ∈ Vp . A curvatura da conexão ω é a derivada
covariante da própria forma de conexão:

Ω = dω (ω).

Se uma k forma η é equivariante, então sua derivada exterior


também o é, bem como a derivada covariante dω η. Portanto a cur-
vatura de uma conexão é uma 2-forma equivariante.
Teorema 13.10. (Equação de Cartan) A curvatura Ω de uma
conexão ω em um fibrado principal satisfaz à equação:

Ω = dω + [ω, ω]
[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 421

Demonstração. Temos que

dω(X, Y ) = Xω(Y ) − Y ω(X) − ω([X, Y ]).

Vamos considerar vários casos.


1. Suponha que X(z), Y (z) ∈ Vz . Nesse caso o primeiro membro
se anula. Para calcular o segundo membro no ponto z podemos
substituir os campos X e Y por campos de vetores verticais X̃
e Ỹ que coincidem com X e Y no ponto z e que em cada ponto
w Lw (X̃(w)) = Lz (X(z)) e Lw (Ỹ (w)) = Lz (Y (z)). Logo ω(X̃)
e ω(Ỹ ) são funções constantes e portanto

dω(z)(X(z), Y (z)) = −ω[X̃, Ỹ ](z).

2. Se v, w ∈ T Pz são dois vetores horizontais, então

Ω(z)(v, w) = dω(v, w)

e [ω, ω](z)(v, w) = [ω(z)v, ω(z)w] = 0 e a equação de Cartan


também é verificada nesse caso.
3. Resta considerar o caso em que v ∈ Vz e w ∈ Hz . Seja a ∈ g tal
que DRz (id)a = v. Então Xt : P → P , Xt (z) = Rexp(ta) (z),
é o fluxo do campo vertical X definido por X(y) = DRy (id)a.
Seja Y um campo horizontal tal que Y (z) = w. Como Ω é
uma forma horizontal temos que Ω(X, Y ) = 0. Por outro lado,
ω(X) é a função constante igual a a e ω(Y ) = 0. Portanto
Xω(Y ) + Y ω(X) = 0. O colchete de Lie dois dois campos
d
satisfaz à equação [X, Y ] = LX (Y ) = dt Xt∗ Y |t=0 . Como Y
é um campo horizontal e Xt = Rexp(ta) temos que Xt∗ Y é um
campo horizontal para todo t e, consequentemente, [X, Y ] é um
campo horizontal, o que implica ω([X, Y ]) = 0 e concluı́mos a
prova da equação de Cartan.

Proposição 13.11. (Equação de Bianchi) A curvatura Ω de uma


conexão ω de um fibrado principal satisfaz à equação

dΩ = [Ω, ω]
422 [CAP. 13: ANÁLISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Demonstração. Pela equação de Cartan, temos que

dΩ = [dω, ω] − [ω, dω]

pois d2 ω = 0. Por outro lado, tomando uma carta local no fibrado


podemos mostrar a igualdade abaixo:

dΩ − [Ω, ω] = [[ω, ω], ω].

Por outro lado, usando novamente a expressão do segundo membro


numa carta local vemos que essa forma se anula como consequência
da identidade de Jacobi na álgebra de Lie.

Exercı́cio 13.2. Seja ω uma forma de conexão em um fibrado prin-


cipal π : P → M e Ω sua curvatura. Sejam σi : Ui → P seções locais
cujos domı́nios cobrem M . Sejam Ai = σi∗ ω e Fi = σi∗ Ω. Mostre que
1.
Aj (x) = Ad(gij (x)−1 ) ◦ Ai (x) + gij

α
para todo x ∈ Ui ∩ Uj , onde gij : Ui ∩ Uj → G são as funções
de transição e α é a forma de Maurer-Cartan.
2.
Fj (x) = Ad(gij (x)) ◦ Fi (x)

3.
Fi = dAi + [Ai , Ai ]

4. Mostre que dada uma famı́lia de 1-formas em Ui com valores


na álgebra de Lie satisfazendo 1), existe uma forma de conexão
ω tal que σi∗ ω = Ai .
Seja V um espaço vetorial de dimensão finita. Seja Sk (V ) o espaço
vetorial das aplicações k-lineares e simétricas em V . Consideremos o
produto
: Sk (V ) × Sl (V ) → Sk+l (V )
definido por
1 X
p1 p2 (v1 , . . . , vk+l ) = p1 (vτ (1) , . . . , vτ (k) ).p2 (vτ (k+1) , . . . , vτ (k+l) ).
(k + l)! τ
[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 423

Dada uma base e1 , . . . , en de V , podemos associar a cada p ∈ Sk (V )


um polinômio
P homogêneo definido por p̃(x1 , . . . , xn ) = p(v, . . . , v)
onde v = i xi ei . Seja Pk [x1 , . . . , xn ] o espaço vetorial dos po-
linômios homogêneos de grau k nas variáveis x1 , . . . , xn e o produto
usual

Pk [x1 , . . . , xn ] × Pl [x1 , . . . , xn ] → Pk+l [x1 , . . . , xn ].

Proposição 13.12. 1. A aplicação

Sk (V ) → Pk [x1 , . . . , xn ]

que a cada forma k-linear simétrica p associa o polinômio p̃ é


um isomorfismo.

2.
1 p2 = p
p^ e1 .e
p2

3. O produto define uma estrutura de anel em ⊕k Sk (V ) que é


isomorfo ao anel dos polinômios ⊕k Pk [x1 , . . . xn ].

Demonstração. É fácil verificar o ı́tem 2). Para provar 1) verifi-


camos inicialmente que a aplicação é injetiva, o que também é fácil.
Em seguida, usando 2) temos que a imagem da aplicação

⊕k Sk (V ) → ⊕k Pk [x1 , . . . , xn ]

é um subanel do anel dos polinômios. Tomando k = 1, verificamos


que esse sub-anel contém os monômios x1 , . . . , xn e, portanto, o sub-
anel coincide com o anel.

Definição 13.3. Seja G um grupo de Lie e g sua álgebra de Lie.


Dizemos que p ∈ Sk (g) é invariante se

p(Ad(g)ξ1 , . . . , Ad(g)ξn ) = p(ξ1 , . . . , ξn )

para todo g ∈ G. O subespaço das formas invariantes é denotado por


Ik (g).
424 [CAP. 13: ANÁLISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Seja π : P → M um G-fibrado principal, ω uma conexão em P e


Ω sua curvatura. Uma k-forma β em P com valores em K ( K = R
ou C) é invariante se R∗g β = β para todo g ∈ G. É fácil ver que
se β é invariante e horizontal, então existe uma forma β̂ em M tal
que π ∗ β̂ = β. Um elemento p ∈ Ik (g) define uma aplicação linear
p : g⊗· · ·⊗g → K. Como p é invariante e Ωk = Ω∧· · ·∧Ω é uma forma
com valores em g ⊗ · · · ⊗ g, temos que p(Ωk ) é uma forma invariante
e horizontal pois Ω é horizontal e equivariante. Logo p(Ωk ) é o pull-
back de uma forma em M , que denotaremos por p̂(Ωk ) ∈ Ω2k (M, K).

Teorema 13.13. (Chern-Weil) Seja π : P → M um G-fibrado


principal, ω uma forma de conexão em P e Ω sua curvaura.

1. Se p ∈ Ik (g), então pb(Ωk ) é uma forma fechada;

2. Se p ∈ Ik (g) e q ∈ Il (g). então


k+l
q(Ωω
p[ ) = pb(Ωk ) ∧ qb(Ωl );

3. A classe de cohomologia, c(P, p) ∈ H 2k (M, K) de pb(Ωk ) não


depende da conexão ω;

4. Para cada fibrado principal π : P → M , a aplicação

⊕k Ik (g) −→ ⊕k H 2k (M, K)
p 7−→ c(P, p)

é um homomorfismo de anéis.

5. Se
f0
P0 /P
π0 π
 
M0
f
/M

é um morfismo de fibrados principais e p ∈ Ik (g), então

c(P 0 , p) = f ∗ (c(P, p)).


[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 425

Demonstração. 1) Como p é simétrica e k-linear, temos que

dp(Ωk ) = kp(dΩ ∧ Ωk−1 ).

Logo, pela equação de Bianchi,

dp(Ωk ) = kp([Ω, ω] ∧ Ωk−1 ).

Como a forma do segundo membro é horizontal, ela é nula se, e so-


mente se, se anula em vetores horizontais e isso ocorre pois [Ω, ω] se
anula em conjuntos de vetores horizontais. Como π ∗ é injetivo e co-
muta com a derivada exterior, concluimos que pb(Ωkω ) também é uma
forma fechada.

2) Se V e W são espaços vetoriais e Ωk (M, V ) é o espaço vetorial


das k-formas com valores em V , então toda transformação linear
T : V → W induz uma aplicação linear T : Ωk (M, V ) → Ωk (M, W )
que satisfaz d(T ω) = T (dω). Se T : V ⊗ W → W ⊗ V é dado por
T (v ⊗ w) = w ⊗ v, temos que

ω2 ∧ ω1 = (−1)kl T (ω1 ∧ ω2 )

se ω1 ∈ Ωk (M, V ) e ω2 ∈ Ωl (M, W ). Considemos agora para cada


permutaçao τ de 1, . . . , k + l o isomorfismo

Tτ : g⊗(k+l) → g⊗(k+l)

definido por

Tτ (ξ1 ⊗ · · · ⊗ ξk+l ) = (−1)τ ξτ (1) ⊗ · · · ⊗ ξτ (k+l) .

Como Ωj é uma 2j-forma em P com valores em g⊗j , temos que

Ωk ∧ Ωl = Ωk+l = Tτ ◦ Ωk+l ,

e, como
1 X
p q = (p ⊗ q) ◦ Tτ ,
(k + l)! τ
426 [CAP. 13: ANÁLISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

temos que
1 X
(p q)(Ωk+l ) = (p ⊗ q) ◦ Tτ ◦ (Ωk+1 )
(k + l)! τ
1 X
= (p ⊗ q)(Ωk ∧ Ωl )
(k + l)! τ
1 X
= p(Ωk ) ∧ q(Ωl )
(k + l)! τ
= p(Ωk ) ∧ q(Ωl )

o que prova 2).

3) Se ω0 e ω1 são conexões em P , então para todo t ∈ R temos que a


forma ωt = (1 − t)ω0 + tω1 também é uma conexão em P . Considere
a projeção no primeiro fator π1 : M × [0, 1] → M e o morfismo de
fibrados induzido π̃1 : π1∗ (P ) → P . No fibrado pull-back consideremos
a conexão ω definida por

ω(y)ξ = ωt (π̃1 (y))Dπ̃1 (y)ξ

se y pertence à fibra sobre (x, t). Se it : M → M × [0, 1] é a inclusão


x 7→ (x, t) e p ∈ Ik (g), então i∗0 (p(Ω)) = p(Ω0 ) e i∗1 p(Ω) = p(Ω1 ),
onde Ω é a curvatura de ω e Ωi a curvatura de ωi . Pelo lema 5.4 do
capı́tulo 5 existe uma aplicação linear I : Ω∗ (M × [0, 1]) → Ω∗−1 (M )
tal que

i∗1 p(Ω) − i∗0 p(Ω) = I(dp(Ω)) + dI(p(Ω)) = dI(p(Ω))

pois p(Ω) é fechada.

4) Segue do fato que o pull-back de uma conexão é uma conexão no


fibrado pull-back.

As classes de cohomologia c(P, p) são chamadas classes carac-


terı́sticas do fibrado π : P → M . Veremos em seguida mostrar alguns
exemplos clássicos dessas classes, considerando certos polinômios par-
ticulares. Seja π : E → M um fibrado vetorial complexo de posto
[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 427

n. Utilizando uma partição da unidade em M subordinada a uma


cobertura por abertos sobre os quais o fibrado é trivial, podemos cons-
truir uma métrica hermitiana nas fibras que varia diferenciavelmente
com a fibra. Com isso construı́mos o fibrado principal Π : P → M
dos referenciais ortonormais nessa métrica. O grupo estrutural do
fibrado é o grupo unitário U (n) cuja álgebra de Lie, u(n) é o espaço
vetorial das matrizes anti-hermitianas e a ação adjunta do grupo é
por conjugação: A 7→ U AU −1 se U ∈ U (n) e A ∈ u(n). Logo, se
1
A ∈ u(n) então 2πi A é uma matriz hermitiana e seus autovalores são
reais. Portanto, escrevendo
  X
1
det λI − A = pk (A, . . . , A)λn−k
2πi
k

temos que pk ∈ Ik (u(n)) é um polinômio real. As classes carac-


terı́sticas ck (E) = c(P, pk ) ∈ H 2k (M, R) do teorema de Chern-Weil
são chamadas de classes de Chern do fibrado E. Na definição da
classe de Chern de um fibrado vetorial usamos uma métrica hermiti-
ana nesse fibrado. Vamos agora mostrar que a classe de Chern não
depende da escolha dessa métrica.
Proposição 13.14. Sejam < ·, · >x e < ·, · >0x , x ∈ M , métricas
hermitianas no fibrado vetorial π : E → M . Então os fibrados dos
referenciais ortonormais correspondentes a essas duas metricas são
equivalentes.
Demonstração. Sejam Π : P → M e Π0 : P 0 → M os fibrados dos
referenciais ortonormais correspondentes às métricas fixadas. Seja
p : M × [0, 1] → M a projeção no primeiro fator. Na fibra sobre o
ponto (x, t) do fibrado vetorial π ∗ (E) tomamos o produto hermitiano
(1 − t) < ·, · >x +t < ·, · >0x . Seja P̃ → M × [0, 1] o correspon-
dente fibrado dos referenciais ortonormais. Seja it : M → M × [0, 1]
a inclusão x 7→ (x, t). Como i∗0 (P̃ ) é isomorfo a π : P → M e i∗1 (P̃ )
é isomorfo a π 0 : P 0 → M , pelo corolário ?? os dois fibrados princi-
pais são equivalentes e, portanto, as correspondentes classes de Chern
coincidem.
Proposição 13.15. Seja π : E → M um fibrado vetorial complexo e
f : N → M . Então as classes de Chern do fibrado f ∗ (E) coincidem
com o pull-back das classes de Chern de E.
428 [CAP. 13: ANÁLISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Demonstração. Uma métrica hermitiana em E define uma métrica


hermitiana em f ∗ (E) e o correspondente fibrado dos referenciais or-
tonormais é o pull-back do fibrado dos referenciais ortonormais do
fibrado π : E → M .

Proposição 13.16. labelprop13.16 Seja M uma variedade compacta.


Então existe um inteiro N tal que para todo fibrado vetorial π : E →
M de posto r existe uma aplicação C ∞ f : M → G(rN, r) tal que o
fibrado é isomorfo ao pull-back do fibrado universal sobre a grassma-
niana complexa G(rN, r).
Demonstração. Sejam Wi ⊂ Wi ⊂ Vi uma coleção de N elementos,
com Wi , Vi abertos, Vi contrátil e ∪i Wi = M . Seja λi : M → [0, 1]
de classe C ∞ tal que λi (x) = 1 se x ∈ Wi e λ(x) = 0 fora de uma
vizinhança de Wi cujo fecho está contido em Vi . Seja π : E → M um
fibrado vetorial complexo. Como Vi é contrátil existe um isomorfismo
Φi : π −1 (Vi ) → Vi × Cr cobrindo a identidade de Vi . Definimos então
φi : E → Cr colocando φi (y) = 0 se π(y) ∈ / Vi e φi (y) = π2 Φi (y)
se π(y) ∈ Vi , onde π2 : Ui × Cr → Cr é a projeção no segundo fator.
Temos que a restrição de φi a cada fibra é linear e é injetiva nas fibras
sobre Wi . Seja então φ : E → Cr × · · · × Cr a função cuja i-esima
coordenada é φi . Temos que a restrição de φ a cada fibra é uma
aplicação linear injetiva e sua imagem é um subespaço de dimensão
r em CrN . Basta então definir f (x) = φ(π −1 (x)).
Observação 13.1. O resultado acima vale também para variedades
não compactas e, de fato, o inteiro N depende apenas da dimensão da
variedade. Para provar isso tomamos uma cobertura da variedade por
abertos contrateis. Usando um resultado da teoria de dimensão, [?]
teorema V1 da pagina 54, essa cobertura pode ser refinada por uma
cobertura tal que cada ponto pertence a no maximo m + 1 elementos
da nova cobertura. Usando essa novaa cobertura podemos decompor
a variedade M como a união de m + 1 abertos Xi tais que cada um
é a união disjunta de elementos da segunda cobertura, veja prova da
proposição 4.1 da página 97 de [?]. Logo todo fibrado sobre M é
trivial sobre cada Xi .
Vamos agora considerar fibrados vetoriais reais orientados π : E →
M . Usando uma partição da unidade podemos também construir um
[SEC. 13.2: O LAPLACIANO DE HODGE 429

produto interno em cada fibra que varia diferenciavelmente com a fi-


bra e considerar o correspondente fibrado dos referenciais ortonormais
positivos. Este é um fibrado principal com grupo SO(r) se a fibra
tem dimensão r. Como anteriormente podemos construir polinômios
invariantes
  X
1
det λI − A = pk (A, . . . , A)λn−k .

k

Como as matrizes A ∈ so(r) são antisimétricas, temos que os


polinômios pk (A, . . . , A) se anulam se k é ı́mpar. Portanto, pelo ho-
momorfismo de Chern-Weil, temos as Pk (E) := p2k (E) ∈ H 4k (M )
que são as chamadas as classes de Pontryagin do fibrado.

Quando a dimensão da fibra é par, r = 2k, podemos construir


um outro polinômio invariante além dos mencionados acima que é
chamado polinômio Pfaffiano de grau k. Esse polinômio é definido
por
1 X
Pf(A) = (−1)τ aτ (1),τ (2) aτ (3),τ (4) . . . aτ (2k−1),τ (2k) .
22k π k k! τ

Um cálculo direto mostra que se U é uma matriz inversivel, então

Pf(U AU −1 ) = det(U )Pf(A).

Logo, para A ∈ so(2k) e U ∈ SO(2k) o polinômio é invariante e


define uma classe caracterı́stica Pf(E) ∈ H 2k (M ). No caso em que
o fibrado é o fibrado tangente de uma variedade compacta orientada
de dimensão par = 2k, Chern mostrou que a classe Pfaffiana é um
múltiplo da classe de Euler que depende apenas da dimensão e, por-
tanto, provou o famoso teorema de Chern-Gauss-Bonet:
Z
Pf(T M ) = χ(M ).
M

13.2 O Laplaciano de Hodge


Definição 13.4. Seja π : E → M um fibrado vetorial sobre uma
variedade compacta M . Um operador diferencial de ordem ≤ r é
430 [CAP. 13: ANÁLISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

uma aplicação linear contı́nua D : Γ(M, E) → Γ(M, E) no espaço


vetorial das seções de classe C ∞ de E munido da topologia C ∞ , tal
que se s1 , s2 são duas seções com os mesmos jatos de ordem r no
ponto x, então D(s1 )(x) = D(s2 )(x). Se D não é de ordem ≤ r − 1,
dizemos que D é de ordem r.
Para uma variedade Riemanniana orientada M , vamos definir
agora um operador de segunda ordem em Ωk (M ) = Γ(M, Λk T M ∗ ).
Lembramos que uma métrica Riemanniana

x ∈ M 7→< ·, · >x : T Mx × T Mx → R

estabelece um isomorfismo entre T Mx e o seu dual T Mx∗ , e portanto


induz um produto interno em T Mx , para cada x ∈ M . Esse produto
interno induz um produto interno nos espaços vetoriais Λk (T Mx∗ )
definido da seguinte maneira: dada uma base ortonormal λ1 , . . . , λm
de T Mx∗ , declaramos a base λi1 ∧· · ·∧λir , 1 ≤ i1 < · · · < ir ≤ m, como
uma base ortonormal de Λr (T Mx∗ ). Em particular, se λ1 , . . . , λm é
uma base ortonormal dual de uma base positiva de T Mx , então o
elemento de volume vol = λ1 ∧ · · · ∧ λn define um isomorfismo entre
Λm (T M ∗ ) e R. Combinado com esse isomorfismo, o produto exterior
estabelece um isomorfismo ∗ : Λk (T Mx∗ ) → Λm−k (T Mx∗ ) determinado
pela equação ω ∧ ∗η =< ω, η > vol. Temos portanto uma aplicação
linear
∗ : Ωr (M ) → Ωm−k (M )
induzida pela aplicação linear correspondente a cada x ∈ M . Cha-
mamos o operador de estrela de Hodge. É fácil ver que se λ1 , . . . , λm
é uma base ortonormal positiva em T Mx∗ , então

∗(λi1 ∧ · · · ∧ λir ) = λj1 ∧ · · · ∧ λjm−r

tal que 1 ≤ j1 < · · · < jm−r ≤ m e i1 , . . . , ik , j1 , . . . , jm−r é uma


permutação positiva de 1, . . . , m, mostrando em particular que o ope-
rador não depende da base ortonormal escolhida. Dessa propriedade
segue também que

∗k ◦ ∗m−k = (−1)k(m−k) .

Combinando o operador estrela com a diferencial exterior, po-


demos definir o codiferencial, o qual veremos que faz um papel de
[SEC. 13.2: O LAPLACIANO DE HODGE 431

adjunto da derivada exterior. Definimos

δ: Ωk (M ) −→ Ωk−1 (M )
η 7−→ −(−1)m(k+1) ∗ d ∗ η.

E finalmente, combinando a diferencial exterior com o codiferencial,


podemos definir o operador laplaciano de formas como

∆ : Ωk (M ) −→ Ωk (M )
η 7−→ dδη + δdη.

O operador estrela induz um produto interno no espaço de formas


diferenciais da seguinte maneira: para η, θ ∈ Ωkc (M ), colocamos
Z Z
(η, θ) = < η(x), θ(x) > vol = η ∧ ∗θ.
M M

Proposição 13.17. Dados η, η̃ ∈ Ωkc (M ) e θ ∈ Ωk+1


c (M ), valem

1. (dη, θ) = (η, δθ);

2. (∆η, η̃) = (η, ∆η̃).

Demonstração. Temos que

η ∧ ∗δθ = −(−1)m(k+2) η ∧ ∗ ∗ (d ∗ θ)
= −(−1)mk η ∧ (−1)k(m−k) d ∗ θ
= −(−1)k η ∧ d ∗ θ,

daı́

d(η ∧ ∗θ) = dη ∧ ∗θ + (−1)k η ∧ d ∗ θ = dη ∧ ∗θ − η ∧ ∗δθ

e finalmente, pelo Teorema de Stokes


Z
0= d(η ∧ ∗θ) = (dη, θ) − (η, δθ).
M

A segunda parte segue imediatamente da primeira.

Definição 13.5. Uma k-forma η em M é harmônica se ∆(η) = 0.


432 [CAP. 13: ANÁLISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Corolário 13.18. Uma forma η ∈ Ωk (M ) é harmônica se, e somente


se, dη = 0 e δη = 0.

Demonstração. Da definição de ∆, a condição é evidentemente su-


ficiente. Reciprocamente, se ∆(η) = 0 temos

0 = (∆η, η)
= (dδη, η) + (δdη, η)
= (δη, δη) + (dη, dη)
= kδηk2 + kdηk2 .

Assim dη = 0 e δη = 0.

Seja Hk o espaço vetorial das k formas harmônicas. Como δ é o


adjunto formal de d, temos imediatamente que os espaços vetoriais
Hk , d(Ωk−1 (M )) e δ(Ωk+1 (M )) são dois a dois ortogonais e que a
imagem de δ é ortogonal ao núcleo de d. Podemos então enunciar o
teorema

Teorema 13.19. (Teorema de Hodge) Vale uma decomposição

Ωk (M ) = Hk (M ) ⊕ d(Ωk−1 (M )) ⊕ δ(Ωk+1 (M ))

e cada classe de cohomologia de de Rham contém uma e somente uma


forma harmônica.

A prova desse teorema involve argumentos de análise funcional e


pode ser encontrada em [T]. Usando o teorema de Hodge podemos
dar uma nova prova da dualidade de Poincaré para variedades com-
pactas orientadas. De fato, se ω é uma k-forma harmônica, então ∗ω
é uma (m − k)-forma harmônica. O operador estrela estabelece um
isomorfismo entre Hk (M ) e Hm−k (M ) e, pelo teorema de Hodge, um
k m−k
isomorfismo entre HdR (M ) e HdR (M ).

13.3 A equação de Yang-Mills


Como no caso de formas diferenciais usuais, uma métrica Riemanni-
ana em M define um isomorfismo entre os fibrados Λk (M ) ⊗ E → M
[SEC. 13.3: A EQUAÇÃO DE YANG-MILLS 433

e Λm−k ⊗ E → M que a cada


P
P elemento i αi ⊗ vi da fibra sobre o
ponto x associa o elemento i (∗αi ) ⊗ vi da fibra do segundo fibrado
sobre o ponto x. Temos portanto um isomorfismo linear

∗k : Γ Λk (M ) ⊗ E → Γ(Λm−k (M ) ⊗ E)


que, como antes, satisfaz

∗m−k ◦ ∗k = (−1)k(m−k) .

Como vimos no Capı́tulo 7, se o fibrado vetorial E → M é asso-


ciado ao fibrado principal P → M e a uma representação ρ do grupo
de Lie G no grupo dos automorfismos lineares da fibra V e se a fibra
V possui um produto interno que é preservado por todos os elemen-
tos ρ(g), então cada fibra do fibrado possui um produto interno que
varia diferenciavelmente com o ponto da base. Esse produto interno
nas fibras define um morfismo de fibrados vetoriais entre E ⊗ E e
M × R que leva v ⊗ w na fibra sobre x no número real < v, w >x .
Compondo o produto exterior de formas com esse morfismo obtemos
uma aplicação bilinear

∧ : Γ(Λk (M ) ⊗ E) × Γ(Λl (M ) ⊗ E) → Ωk+l (M ).

Localmente, se α = I αI dxI e β = J dxJ temos que


P P

X
(α ∧ β)(x) = < αI (x), βJ (x) >x dxI ∧ dxJ .
I,J

Exercı́cio 13.3. Mostre que se α é uma k-forma e β é uma l forma


então
β ∧ α = (−1)kl α ∧ β
e
d(α ∧ β) = (dα) ∧ β + (−1)k α ∧ (dβ).
Proposição 13.20. Para α, β ∈ Γ(Λk (M ) ⊗ E), o pareamento defi-
nido por Z
(α, β) := α ∧ ∗β
M
é um produto interno.
434 [CAP. 13: ANÁLISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Demonstração. Se p é a dimensão da fibra V do fibrado e U é


um aberto de M no qual existam p seções σ1 , . . . , σj : U → π −1 (U )
tais que em cada x ∈ U formam base ortonormal de Ex e m cam-
pos de vetores X1 , . . . , Xm que em cada x ∈ U formam uma base
ortonormal positiva dePT Mx , então a aplicação U × Rp → π −1 (U )
p
definida por (x, v) 7→ i=1 vi σi (x) é uma trivialização local. Sejam

λ1 , . . . , λm : U → T M a base dual. Nessa trivialização, a forma ω é
dada por X
ω= ωI λI
I

onde I = (i1 , . . . , ik ), com 0 ≤ i1 < · · · < ik ≤ m é um multi-ı́ndice


e λI = dλi1 ∧ · · · ∧Pdλik e ωI : U → Rp são aplicações C ∞ . Da
mesma forma η = I ηI λI . Se ∗I é o multi-ı́ndice (j1 , . . . , jm−k )
com 0 ≤ j1 < · · · < jm−k ≤ m tal que i1 , . . . , ik , j1 , . . . , jm−k é uma
permutação par de 1, 2, . . . , m, então
X
∗η = ηI λ∗I .
I

Logo, X
ω ∧ ∗η(x) = < ωI (x), ηI (x) >x λ1 ∧ · · · ∧ λm
I
pois λI ∧ λJ = 0 se J 6= ∗I e λI ∧ λ∗I = λ1 ∧ · · · ∧ λm . E assim
(η ∧ ∗ω)(x) = (ω ∧ ∗η(x)) e (ω ∧ ∗ω)(x) ≥ 0.
Consequentemente, a forma bilinear é simétrica e
Z
ω ∧ ∗ω = 0 ⇐⇒ ω(x) = 0 ∀x ∈ M.
M

A seguir vamos particularizar a discussão para o fibrado adjunto


de um fibrado principal. Lembramos que se G é um grupo de Lie e
g ∈ G, temos a conjugação Cg : G → G dada por Cg (h) = ghg −1 .
Segue facilmente que Cgh = Cg ◦ Ch . Daı́ temos a representação
adjunta de G, definida por
Ad : G −→ Aut(g)
g 7−→ (DCg )e .
[SEC. 13.3: A EQUAÇÃO DE YANG-MILLS 435

Se G é um grupo de matrizes, então sua álgebra de Lie é um espaço


vetorial de matrizes e o colchete é o comutador: [A, B] = AB − BA.
Nesse caso, pela linearidade da conjugação, a representação adjunta
também é dada por conjugação: Ad(g)(A) = gAg −1 . A representação
adjunta também respeita a estrutura de álgebra de Lie:

Adg ([A, B]) = [Adg A, Adg B].

Portanto as fibras do fibrado adjunto Ad(P ) associado ao fibrado


principal tem uma estrutura de álgebra de Lie tal que o colchete de
duas seções C ∞ é uma seção C ∞ .

Lembramos que associado a cada elemento A ∈ g temos o grupo


a um parâmetro: t 7→ exp(tA). Para um grupo de matrizes, temos
que

X Aj
exp(A) = .
j=0
j!

Dado um elemento B ∈ g, associamos um outro elemento



d
adA (B) = Adexp(tA) (B).
dt t=0

Se G é um grupo de matrizes teremos

Adexp(tA) (B) = (I + tA + O(t2 ))B(I − tA + O(t2 ))


= B + t(AB − BA) + O(t2 )
= B + t[A, B] + O(t2 )

e portanto adA (B) = [A, B]. A aplicação adA : g → g é linear e


satisfaz
adA ([B, C]) = [adA (B), C] + [B, adA (C)],

ad[A,B] = adA ◦ adB − adB ◦ adA = [adA , adB ].


Da primeira equação (regra de Leibniz) temos que ad é uma derivação
da álgebra de Lie e da segunda temos que ad é um morfismo da
álgebra de Lie g na álgebra de Lie dos endomorfismos de g.
436 [CAP. 13: ANÁLISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Proposição 13.21. Se ξ ∈ g seja adξ ∈ End(g) a aplicação linear


η 7→ [ξ, η]. Então a forma de Killing

K: g × g −→ R
(A, B) 7−→ T r(adA ◦ adB )

é simétrica e invariante por Ad(g) para todo elemento g do grupo G.


Além disso, cada homomorfismo adA é anti-simétrico com respeito à
forma de Killing: K(adA (B), C) = −K(B, adA (C)).
Demonstração. A simetria da forma de Killing segue da simetria do
traço de transformações lineares: T r(AB) = T r(BA). Resta provar
a invariância. É fácil ver que

Adg ◦ adA ◦ Ad−1


g = adAdg (A) ,

logo

K(Adg (A), Adg (B)) = T r(adAdg (A) ◦ AdAdg (B) )


= T r Adg ◦ adA ◦ Ad−1 −1

g ◦ Adg ◦ adB ◦ Adg

= T r(Adg ◦ adA ◦ adB ◦ Ad−1


g )
= T r(adA ◦ adB )
= K(A, B).

Para provar que adC é anti-simétrica basta tomar g = exp(tC) na


fórmula anterior:

K(Adexp(tC) (A), Adexp(tC) (B)) = K(A, B)

e derivar em t = 0, obtendo

K(adC (A), B) + K(A, adC (B)) = 0,

o que conclui a prova.

Por um teorema de E. Cartan, uma álgebra de Lie é semi-simples


se, e somente se, sua forma de Killing é não degenerada e, nesse
caso, se o grupo é compacto, então a forma de Killing é negativa de-
finida. Esse último fato pode ser obtido observando que se o grupo é
[SEC. 13.3: A EQUAÇÃO DE YANG-MILLS 437

compacto podemos construir um produto interno invariante em sua


álgebra de Lie partindo de um produto interno qualquer e tomando
a média no grupo dos produtos internos pull-back do produto inicial
pelas aplicações Adg . Como as aplicações Adg preservam esse pro-
duto interno, as aplicações adA são anti-simétricas com relação a esse
produto interno. Logo a transposta de adA é −adA e

K(A, A) = T r(adA ◦ adA ) = −T r(adtA ◦ adA ).

Por outro lado,


P para
P uma matriz anti-simétrica B = (bij ) temos que
T r(B t B) = i j (btij bji = i j −b2ji ≤ 0. Portanto −K define
P P
um produto interno na álgebra de Lie invariante pela ação adjunta, e
portanto uma métrica no fibrado adjunto. Combinando essa métrica
nas fibras com uma métrica Riemanniana na base, que define o ope-
rador estrela de Hodge, temos um produto interno no espaço vetorial
das k-formas na base com valores no fibrado adjunto Ad(P ). Como
vimos, esse espaço vetorial se identifica com o espaço vetorial das
k-formas em P com valores em g que são equivariantes e horizontais
com respeito a uma conexão ω. Nesse espaços podemos considerar a
derivada exterior covariante

dω : Γ(Λk (M ) ⊗ Ad(P )) → Γ(Λk+1 (M ) ⊗ Ad(P )).

Proposição 13.22. Se α é uma k-forma em P com valores na álgebra


de Lie g que é horizontal e equivariante, então

dω α = dα + [ω, α] − (−1)k [α, ω].

Teorema 13.23. Seja π : P → M um G-fibrado principal sobre uma


variedade compacta orientada com G compacto e semisimples. Seja

∧ : Γ(Λk (M ) ⊗ Ad(P )) × Γ(Λl (M ) ⊗ Ad(P )) → Ωk+l (M )

a aplicação bilinear associada ao produto exterior e à métrica do


fibrado e

(·, ·) : Γ(λk (M ) ⊗ Ad(P )) × Γ(λk (M ) ⊗ Ad(P )) → R

o produto interno Z
(µ, ν) = µ ∧ ∗ν.
M
438 [CAP. 13: ANÁLISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Se α é uma (k − 1)-forma e β é uma k-forma, então

(dω α, β) = (α, ∗dω ∗ β).

Demonstração. Vamos mostrar que

(dω α) ∧ ∗β − α ∧ (∗dω ∗ β) = d(α ∧ ∗β)

e o teorema seguirá do Teorema de Stokes. Temos

d(α ∧ ∗β) = dα ∧ ∗β + (−1)k−1 α ∧ d ∗ β


= dα ∧ ∗β + (−1)k−1 (−1)(k−1)(m−k+1) α ∧ ∗ ∗ d ∗ β
= dα ∧ ∗β − (−1)m(k+1)+1 α ∧ ∗ ∗ d ∗ β.

Por outro lado,

dω α = dα + [ω, α] − (−1)k−1 [α, ω]


= dα + 2[ω, α]

e, da mesma forma,

dω ∗ β = d ∗ β + 2[ω, ∗β].

Logo

dω α ∧ ∗β − (−1)m(k−1)+1 α ∧ ∗ ∗ dω ∗ β =
= d(α ∧ ∗β) + 2([ω, α]) ∧ ∗β − (−1)m(k−1)+1 α ∧ (∗ ∗ 2[ω, ∗β]).

A soma da segunda e da terceira parcela, que devemos mostrar ser


nula, é igual a
2
2[ω, α] ∧ ∗β = (−1)(k−1) 2[α ∧ [ω, ∗β]]

pois [ω, ∗β] é uma (m − k + j)-forma e ∗∗ = (−1)(m−k+1)(k−1) nesse


espaço de formas. Para mostrar que essa forma se anula, considere-
mos as expressões locais das formas usando as 1-formas λ1 , . . . , λm
duais de campos de vetores ortonormais que em cada ponto consti-
tuem uma base positiva do espaço tangente a M . Temos:
X
ω= ωj λj ,
j
[SEC. 13.3: A EQUAÇÃO DE YANG-MILLS 439
X
α= αI λI
I
X
∗β = βJ λJ
J
I J
onde λ = λi1 ∧ . . . λik−1 e λ = λj1 ∧ · · · ∧ λjm−k Daı́
X
[ω, α] = [ωj , αI ]λj ∧ λI
j,I

e X
[ω, α] ∧ ∗β = − K([ω, α], ∗β)λj ∧ λI ∧ λJ
j,I,J

onde K é a forma de Killing. Da mesma forma


X
α ∧ [ω, ∗β] = − K(αI , [ωj , βJ ])λI ∧ λj ∧ λJ .
j,I,J

Assim, a forma acima se anula pois λI ∧ λj = (−1)k−1 λj ∧ λI e


2
(−1)k−1 = (−1)(k−1) e a forma de Killing tem a propriedade:

K([A, B], C]) = K(B, [A, C]).

Definição 13.6. Se π : P → M é um G-fibrado principal com G


compacto e semisimples, a ação de Yang-Mills associa a cada forma
de conexão ω em P com curvatura Ω o número real
Z
AY M (ω) = (Ω, Ω) = Ω ∧ ∗Ω.
M

Teorema 13.24. Os pontos crı́ticos da ação de Yang-Mills são as


conexões que satisfazem as equações:

dω (Ω) = 0 e dω (∗Ω) = 0.

Demonstração. A primeira equação é de fato uma identidade cha-


mada identidade de Bianchi, válida para toda conexão. A equação
de Yang-Mills se reduz portanto à segunda equação. Trata-se de uma
440 [CAP. 13: ANÁLISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

equação a derivadas parciais de segunda ordem que, no caso de grupo


ser não abeliano, é não linear devido à segunda parcela do segundo
membro da equação de Cartan.

Uma variação da conexão ω é uma famı́lia ω + tσ de conexões, onde,


como vimos, σ é uma 1-forma equivariante e horizontal, isto é, uma
1-forma no fibrado adjunto Ad(P ). Seja Ωt a curvatura da conexão
ω + tσ. Temos então que
1
Ωt = d(ω + tσ) + [ω + tσ, ω + tσ] = Ω + t(dσ + [ω, σ]) + O(t2 ).
2
Logo
AY M (ω + tσ) = (Ω + tdω σ + O(t2 ), Ω + tdω σ + O(t2 ))
= AY M (ω) + 2t(dω σ, Ω) + O(t2 )
= AY M (ω) + 2t(σ, ∗dω ∗ Ω) + O(t2 ).
d

Logo dt A
t=0 Y M
(ω + tσ) = 0 para todo σ se, e somente se,
∗dω ∗ Ω = 0 ⇒ dω ∗ Ω = 0
que é a equação de Euler-Lagrange da ação de Yang-Mills.
O fibrado ad(P ) → M associado ao fibrado principal P e a re-
presentação por conjugação do grupo nos automorfismos do grupo
é também um fibrado com fibra G e as fibras têm também uma
estrutura de grupo. O espaço das seções desse fibrado, denotado
por G, é também um grupo, chamado grupo das transformações de
Gauge. Um elemento γ do grupo G é uma famı́lia γi : Ui → G tal que
γj = ad(δij ) ◦ γi em Ui ∩ Uj .

O automorfismo γ bi : Ui × G → Ui × G,b γi (x, h) = (x, γi (x)h),


comuta com Φ−1 i ◦Rg ◦Φ i e Φi ◦b
γ i ◦Φ −1
i = Φj ◦b
γ j ◦Φ−1
j em π
−1
(Ui ∩Uj ).
Logo define um automorfismo de P que denotaremos também por γ,
que comuta com Rg para todo g ∈ G. Portanto se z 7→ Hz é uma
conexão em P , então γHz = Dγ(γ −1 )(z)(Hγ −1 (z) ) é também uma
conexão pois γ comuta com Rg .
Proposição 13.25. A ação de Yang-Mills é invariante pela ação
do grupo de transformações de Gauge no espaço das conexões em
π : P → M.
[SEC. 13.3: A EQUAÇÃO DE YANG-MILLS 441

Demonstração. Como γ ∗ [ω, η] = [γ ∗ ω, γ ∗ η] para todas 1-formas ω e


η, temos, pela fórmula de Cartan, que a curvatura da conexão γ ∗ ω é a
bi∗ Ω̃
2-forma γ ∗ Ω onde Ω é a curvatura de ω. Sejam F̃i = s∗i Ω̃ e Ω̃i = γ
onde γ̃i : Ui × G → Ui × G é o automorfismo (x, h) 7→ (x, γi (x)h) e
Ωi é o pull-back de Ω pela trivialização local. Logo,

Ω̃i (x, h)((v, 0), (w, 0)) = Ωi (x, γi (x)h)((v, Dγi (x)v), (w, Dγi (x)w)
= Ω(x, γi (x)h)((v, 0), (w, 0))

pois Ω é uma forma horizontal. Logo

F̃i (x)(v, w) = Ω̃i (x, id)((v, 0), (w, 0))


= Ωi (x, γi (x))((v, 0), (w, 0))
= Ad(γi (x))Ωi (x, id)((v, 0), (w, 0))
= Ad(γi (x))Fi (x)(v, w).

Sejam l1 , . . . , lm 1-formas em Ui tais que em cada x ∈ Ui formam


uma base ortonormal positiva de T Mx∗ . Então
X
Fi (x) = Fi,I (x)lI
I

com I = (i1 , i2 ), 0 ≤ ii < i2 ≤ m, e lI = li1 ∧ li2 . Considere


como antes ∗I = (j1 , . . . , jm−2 ) tal que 0 ≤ j1 < · · · < jm−2 ≤ m e
li1 , li2 , lj1 , . . . , ljm−2 seja uma base positiva de T Mx∗ . Então lI ∧lJ = 0
se J 6= ∗I e lI ∧ l∗I = l1 ∧ · · · ∧ lm . Portanto,
X
Fi (x) ∧ ∗Fi (x) = (Fi,I (x) ⊗ Fi,∗I (x))l1 ∧ · · · ∧ lm .
I

Da mesma forma,
X
F̃i (x) ∧ ∗F̃i (x) = (F̃i,I (x) ⊗ F̃i,∗I (x))l1 ∧ · · · ∧ lm .
I

O funcional T r : g ⊗ g → R foi definido usando o produto interno


em g dado pela forma de Killing, que estabelece um isomorfismo
entre g ⊗ g e g ⊗ g∗ que por sua vez é isomorfo a L(g, g), onde está
definido o traço de operadores. Temos então que se a ⊗ b ∈ g ⊗ g,
442 [CAP. 13: ANÁLISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

então T r(a ⊗ b) é simplesmente o produto interno < a, b > como


pode ser facilmente verificado. Por outro lado, esse produto interno
é invariante por Ad(g) para todo g ∈ G. Logo,
X
T r(F̃i (x) ∧ ∗F̃ i (x)) = < F̃i,I , F̃i,I > l1 ∧ · · · ∧ lm
I
X
= < Ad(γi (x))Fi,I (x), γi (x)Fi,I (x) > l1 ∧ · · · ∧ lm
I
X
= < Fi,I (x), Fi,I (x) > l1 ∧ · · · ∧ lm
I
= T r(Fi (x) ∧ ∗Fi (x)).

Portanto
Z Z

AY M T r(γ ω) = Ω̃ ∧ ∗Ω̃ = T r(Ω ∧ ∗Ω) = AY M (ω).
M M

Como vimos, a equação de Yang-Mills é uma equação a deriva-


das parciais de segunda ordem não linear (exceto quando o grupo
é abeliano). Se a variedade M tem dimensão quatro, existe uma
classe importante de soluções da equação de Yang-Mills, chamadas
de instantons, que são de fato soluçôes da equação de primeira ordem
abaixo:
∗Ω = Ω.
A identidade de Bianchi implica que as conexões que satisfazem essa
simetria são automaticamente soluções da equação de Yang-Mills. O
espaço dos instantons é evidentemente invariante pela ação do grupo
de Gauge e o espaço das órbitas desempenha um papel fundamental
na topologia das variedades compactas de dimensão 4 via os traba-
lhos de Donaldson [].

Em Fı́sica de Partı́culas, o espaço base M é o espaço tempo de


dimensão 4 munido de uma métrica de Lorentz com a qual podemos
também definir um operador ∗ com as mesmas propriedades. Os cam-
pos de forças são representados por conexões nos fibrados principais
sobre o espaço tempo com os grupos de simetria da fı́sica que são
[SEC. 13.3: A EQUAÇÃO DE YANG-MILLS 443

S 1 , correspondente ao eletromagnetismo, SU (2), correspondente às


chamadas forças fracas, e SU (3), correspondentes às forças fortes. Os
campos de partı́culas são representados por seções de fibrados veto-
riais associados aos fibrados principais. A interação de um campo de
forças com um campo de partı́culas é via a derivada covariante asso-
ciada à conexão, que permite definir a energia cinética da partı́cula.
A fı́sica das partı́culas é representada por uma ação que envolve os
vários campos e a ação de Yang-Mills é uma das parcelas desta ação.
Os campos fı́sicos são os pontos crı́ticos desta ação. No caso do grupo
S 1 , a equação de Yang-Mills coincide com as equações de Maxwell do
eletromagnetismo.
Apêndice A

Teorema do Coeficiente Universal

Definição A.1. Seja H um grupo abeliano. Uma resolução livre de


H é uma sequência exata
→ F2 → F1 → F0 → H → 0
com os Fi ’s sendo grupos abelianos livres.
Exemplo A.1. Seja F0 o grupo abeliano livre gerado por um con-
junto de geradores de H e F1 o núcleo do homomorfismo F0 → H
que leva cada gerador de F0 no correspondente gerador de H. Como
todo subgrupo de um grupo abeliano livre é um grupo abeliano livre,
temos a resolução livre
0 → F1 → F0 → H → 0
Exemplo A.2. Sejam
∂k+1 ∂k−1
. . . Ck+1 / Ck ∂k
/ Ck−1 / ...

um complexo de cadeias, Zk = Ker ∂k e Bk = Im ∂k+1 . Como Ck−1 é


livre, segue que Bk−1 também é livre. Temos portanto uma resolução
livre
0 / Zk / Ck ∂k / Bk−1 /0

Se H é um grupo abeliano e A é um anel, então H ⊗ A e Hom(H, A)


tem estruturas naturais de A-módulos. Se

. . . F2
f2
/ F1 f1
/ F0 f0
/H /0

444
445

é uma resolução livre, então


f2 ⊗id f1 ⊗id
... / F2 ⊗ A / F1 ⊗ A / F0 ⊗ A /0

é um complexo de cadeias e

f1T f2T
0 / Hom(F0 , A) / Hom(F1 , A) / Hom(F2 , A) / ...

é um complexo de cocadeias.
Proposição A.1. Os grupos
Ker(f1 ⊗ id)
Tor(H, A) =
Im(f2 ⊗ id)
e
Ker(f2T )
Ext(H, A) =
Im(f1T )
não dependem da resolução livre F .
Demonstração. Vamos provar inicialmente a seguinte afirmação:
Se
... / F2 f2 / F1 f1 / F0 f0 / H,

f20 f10 f00


... / F20 / F10 / F00 / H0

são resoluções livres e g : H → H 0 é um homomorfismo, então existem


homomorfismos g 0 : Fi → Fi0 que tornam o diagrama abaixo comuta-
tivo:
... / F2 f2 / F1 f1 / F0 f0 / H /0

g2 g1 g0 g
 f20  f10  f00 
... / F20 / F10 / F00 / H0 /0

Além disso, se gi0 : Fi → Fi0 é outra famı́lia de homomorfismos com a


0
mesma propriedade, existem homomorfismos hi : Fi → Fi+1 e
0
h−1 : H → F0 tais que

gi − gi0 = hi−1 ◦ fi + fi+1


0
◦ hi .
446 [CAP. A: TEOREMA DO COEFICIENTE UNIVERSAL

De fato, como os grupos são livres basta definir gi nos geradores.


Começamos por g0 . Seja x um gerador de F0 . Como f00 é sobrejetivo,
existe y ∈ F00 tal que f00 (y) = g◦f0 (x) e daı́ defina g0 (x) = y. Supondo
por indução que já construı́mos gi−1 vamos construir gi . Seja x um
gerador de Fi . Temos que fi (x) está no núcleo de fi−1 . Logo ,
0
pela comutatividade do diagrama, gi−1 (fi (x)) está no núcleo de fi−1 .
0 0
Portanto existe y ∈ Fi tal que fi (y) = gi−1 (fi (x)). Definimos então
gi (x) = y, o qual se estende a um homomorfismo gi : Fi → Fi0 tal que
gi−1 ◦ fi = fi0 ◦ gi . Construimos os homomorfismos hi : Fi → Fi+1 de
maneira análoga. Para definir h−1 em um gerador x ∈ H tomamos
y ∈ F00 tal que f00 (y) = g(x) e definimos h−1 (x) = y. Suponhamos,
por indução, que ja construı́mos os homomorfismos hj para j ≤ i − 1.
Seja x ∈ Fi um gerador. Temos que

fi0 (gi (x) − gi0 (x)) = gi−1 (fi (x)) − gi−1 (fi (x))

gi−1 (fi (x))−gi−1 (fi (x)) = fi0 hi−1 fi (x)+hi−2 ◦fi−1 ◦fi (x) = fi0 hi−1 fi (x).

Logo fi0 (gi (x) − gi0 (x) − hi−1 fi (x)) = 0 e, portanto, existe y ∈ Fi+1
0

tal que
0
fi+1 (y) = gi (x) − gi0 (x) − hi−1 fi (x).
0
Colocando hi (x) = y, construı́mos um homomorfismo hi : Fi → Fi+1
satisfazendo
gi − gi0 = fi+1 ◦ hi − hi−1 ◦ fi ,
o que conclui a prova da afirmação.

As aplicações hTi e hi ⊗ id são portanto homotopias algébricas e as


0
aplicações giT e giT (resp. gi ⊗ id e gi0 ⊗ id) induzem os mesmos
homomorfismoss em cohomologia (resp. homologia). Em particular,
se H = H 0 e g = id temos que existem um isomorfismos canônicos
entre os grupos de homologia (resp. cohomologia) dos dois complexos.

Observação A.1. Como todo grupo abeliano livre H tem uma re-
solução livre
. . . 0 → 0 → F̃2 → F̃1 → H → 0,
447

temos que para qualquer resolução livre F os grupos de homologia


(resp. cohomologia) do complexo F ⊗ A (resp. Hom(F, A)) em di-
mensão k se anulam para todo k ≥ 2.
Lema A.2. Se
g1 g2
G1 → G2 → G3 → 0
é uma sequência exata de grupos abelianos e A é um anel com uni-
dade, então a sequência
g1 ⊗id g2 ⊗id
G1 ⊗ A / G2 ⊗ A / G3 /0

também é exata.
Demonstração. Como g2 é sobrejetivo temos que também g2 ⊗ id
também é. É claro também que a composta de duas quaisquer das
três aplicações se anula.

Como a sequência

G1
g1
/ G2 g2
/ G3 /0

G2
é exata em G2 , existe um isomorfismo g̃2 : Im g1 → G3 tal que sua
G2
composição com a aplicação quociente G2 → Im g1 → G3 seja a g2 .
G2 g̃2 ⊗id
Logo a aplicação Im g1 ⊗ A → G3 ⊗ A é um isomorfismo. Também
a aplicação  
G2 G2 ⊗ A
⊗A→
Im g1 Im (g1 ⊗ id)
que associa [x] ⊗ a a classe de equivalência [x ⊗ a] está bem definida
e é um isomorfismo. Portanto a composta do isomorfismo
 
G2 ⊗ A G2
→ ⊗A
Im (g1 ⊗ id) Im g1
 
G2
com o isomorfismo Im g1 ⊗ A → G2 ⊗ A é um isomorfismo cuja
2 ⊗A
composição com a aplicação quociente G2 ⊕ A → ImG(g 1 ⊗id)
é igual
a g2 ⊗ id. Logo o núcleo de g2 ⊗ id é igual à imagem de g1 ⊗ id e a
sequência é exata também em G2 ⊗ A.
448 [CAP. A: TEOREMA DO COEFICIENTE UNIVERSAL

Teorema A.3. Seja C o complexo de grupos abelianos livres

· · · → Ck+1 → Ck → Ck−1 → . . .

e A um anel com unidade. Então a sequência:


α
0 → Hk (C) ⊗ A → Hk (C, A) → Tor(Hk−1 (C), A) → 0

é exata e separável, onde α é o homomorfismo α([c] ⊗ a) = [c ⊗ a].


Demonstração. A sequência exata

0 / Bn in
/ Zn πn
/ Hn /0

é uma resolução livre de Hn . O complexo de cadeias

0 / Bn ⊗ A in ⊗id
/ Zn ⊗ A πn ⊗id
/ Hn ⊗ A /0

tem homologia zero em Zn ⊗ A e em Hn ⊗ A e sua homologia em


Bn é Ker(in ⊗ id) que, por definição, coincide com Tor(Hn , A). Logo
temos uma sequência exata

0 / Tor(Hn , A) / Bn ⊗ A in ⊗id
/ Zn ⊗ A .

Como Bn−1 é um subgrupo do grupo abeliano livre Cn−1 , ele é


também um grupo livre. Logo existe um morfismo s0n : Bn−1 → Cn
tal que ∂n ◦ s0n é a identidade de Bn−1 . Assim, a sequência

0 / Zn jn
/ Cn ∂ / Bn−1 /0

é exata e separável e existe um homomorfismo sn : Cn → Zn tal que


sn ◦ in é a identidade de Zn . Logo a sequência

jn ⊗id
0 / Zn ⊗ A / Cn ⊗ A ∂⊗id
/ Bn−1 ⊗ A /0

é também exata e separável com homomorfismo separador sn ⊗ id.


Temos portanto o diagrama comutativo abaixo, onde as linhas são
exatas bem como as colunas laterais. A coluna do meio é um com-
plexo de cadeias cuja homologia no nı́vel do meio é Hk (C, A).
449

0

0o Bk ⊕ A o Ck+1 ⊕ A Tor(Hk−1 , A)
  
0 / Zk ⊕ A m / Ck ⊕ A / Bk−1 ⊕ A /0

  
Hk ⊕ A Ck−1 ⊕ A o Zk−1 ⊕ A o 0

0

Vamos definir o homomorfismo α. Seja x ∈ Hk ⊗ A. Então existe


y ∈ Zk ⊗ A cuja imagem pelo homomorfismo vertical é x. Seja
z ∈ Ck ⊗ A a imagem de y. A imagem de z pelo homomorfismo
horizontal se anula pois coincide com a imagem de y pela composta
de dois homomorfismos horizontais. Logo, pela comutatividade do
diagrama, a imagem de z pelo homomorfismo vertical também se
anula e assim z é um ciclo. Sua classe de homologia não depende da
escolha de y pois se y 0 ∈ Zk ⊗ A também se aplica em x então, como
a sequência vertical é exata, existe b ∈ Bk ⊗ A que se aplica em y − y 0 .
Como a primeira linha horizontal é exata, existe b0 ∈ Ck+1 ⊗ A que
se aplica em b. Se z 0 ∈ Ck ⊗ A é a imagem de y 0 então, pela comu-
tatividade do diagrama, a imagem de b0 é igual a z − z 0 . Logo z 0 é
homólogo a z. Definimos então α(x) como a classe de homologia de z.

Vamos provar que α é injetivo. De fato, se α(x) = [z] = 0, com


z ∈ Ck ⊗ A imagem de y ∈ Zk ⊗ A que se aplica em x, então existe
b ∈ Ck+1 ⊗ A que se aplica em z. Seja b0 ∈ Bk ⊗ A a imagem de
b. Se y 0 ∈ Zk ⊗ A é a imagem de b0 então, pela comutatividade do
diagrama, a imagem de y 0 pelo homomorfismo horizontal é z. Como o
homomorfismo horizontal é injetivo temos que y 0 = y. Logo a imagem
de y pelo homomorfismo vertical coincide com a imagem de b0 pela
composta de dois homomorfismos verticais. Logo x = 0 e α é injetivo.

Vamos agora definir o homomorfismo φ : Hk (C, A) → Tor(Hk−1 , A).


Seja z ∈ Ck ⊗A um ciclo e y ∈ Bk−1 ⊗A sua imagem. Como a imagem
450 [CAP. A: TEOREMA DO COEFICIENTE UNIVERSAL

de z pelo homomorfismo vertical se anula então, pela comutatividade


do diagrama, a imagem de y pelo homomorfismo vertical também
se anula pois sua imagem pelo homomorfismo horizontal se anula.
Logo, como a sequência vertical é exata, existe x ∈ Tor(Hk−1 , A) que
se aplica em y. Se o ciclo z é um bordo, então existe b ∈ Ck+1 ⊗ A
que se aplica em z. Seja b0 ∈ Bk ⊗ A sua imagem e z 0 ∈ Zk ⊗ A
a imagem de b0 . Pela comutatividade do diagrama, a imagem de z 0
pelo homomorfismo horizontal coincide com z. Logo y, que é a ima-
gem de z 0 pela composta de dois homomorfismos horizontais é igual
a zero. Portanto x também é igual a zero. Isto mostra que x depende
apenas da classe de homologia do ciclo z e podemos definir φ([z]) = x.

Vamos mostrar que φ é sobrejetivo. Sejam x ∈ Tor(Hk−1 , A) e


y ∈ Bk−1 ⊗ A sua imagem. Seja z ∈ Ck ⊗ A cuja imagem é y.
A imagem de y pelo homomorfismo vertical é zero pois coincide com
a imagem de x pela composta de dois homomorfismos verticais. Logo,
pela comutatividade do diagrama, a imagem de z pelo homomorfismo
vertical também se anula. Logo z é um ciclo cuja classe de homologia
é levada em x. Seja z ∈ Ck ⊗ A um ciclo cuja classe de homologia
está no núcleo de φ. Se y ∈ Bk−1 ⊗ A é a imagem de z então y
é a imagem de 0 pelo homomorfismo vertical e, portanto, é igual a
zero. Logo existe y 0 ∈ Zk ⊗ A cuja imagem é z. Se x ∈ Hk ⊗ A é a
imagem de y 0 então α(x) é a classe de homologia de z. Logo o núcleo
de φ está contido na imagem de α. Seja z ∈ Ck ⊗ A um ciclo cuja
classe de homologia é α(x). Logo existe y ∈ Zk ⊗ A cuja imagem
pelo homomorfismo vertical é x e que se aplica, pelo homomorfismo
horizontal, em um ciclo z 0 homólogo a z. Logo a imagem de z 0 pelo
homomorfismo vertical se anula pois coincide com a imagem de y pela
composta de dois homomorfismos horizontais. Logo φ([z 0 ]) = 0 e a
imagem de α está contida no núcleo de φ. Portanto a sequência é
exata.

Sejam z ∈ Ck ⊗ A um ciclo , y = (s ⊗ id)(z) e x ∈ Hk ⊗ A a imagem


de y. Se o ciclo z é um bordo, existe b ∈ Ck+1 ⊗ A que se aplica em z.
Seja b0 ∈ Bk ⊗ A a imagem de b. Pela comutatividade do diagrama
e a injetividade do homomorfismo horizontal, temos que a imagem
de b0 pelo homomorfismo vertical é igual a y. Logo x se anula pois é
a imagem da composta de dois homomorfismos verticais. Portanto,
451

dado um ciclo z, o elemento x construido depende apenas da classe


de homologia de z.
Temos assim um homomorfismo S : Hk (C, A) → Hk ⊗ A que, como
é fácil verificar, é tal que S ◦ α é a identidade em Hk ⊗ A. Logo a
sequência é separável.
Um teorema de estrutura para grupos abelianos livres finitamente
gerados afirma que se H é um grupo abeliano finitamente gerado,
então existem inteiros p, q1 , ..., qr tais que

H∼
= Zp ⊕ Zq1 ⊕ Zq2 ⊕ · · · ⊕ Zqr

e os qj são potências de certos números primos. A proposição abaixo


permite calcular Tor(H, A) desses grupos.
Proposição A.4. Valem as seguintes propriedades
1. Tor(H1 ⊕ H2 , A) = Tor(H1 , A) ⊕ Tor(H2 , A);
2. Se H é um grupo livre, então Tor(H, A) = 0;
×n
3. Tor(Zn , A) ∼
= Ker(A → A).
Demonstração. O ı́tem 1) segue do fato que a soma conexa de
resoluções livres é uma resolução livre da soma direta dos grupos. O
ı́tem 2) segue do fato que se H é um grupo livre, então

0→H→H→0

é uma resolução livre de H. Para provar 3) observamos que

0 /Z ⊗n
/Z / Zn /0

é uma resolução livre de Zn . Da comutatividade do diagrama abaixo


segue o ı́tem 3).

0 / Z ⊗ A ×n⊗id/ Z ⊗ A / Zn ⊗ A /0
∼
= ∼
= 
A
×n
/A / A
nA
452 [CAP. A: TEOREMA DO COEFICIENTE UNIVERSAL

Observação A.2. Como a sequência do teorema anterior é exata,


para todo par de espaços topológicos (X, Y ) temos um isomorfismo
Hk (X, Y ; A) ∼
= (Hk (X, Y ; Z) ⊗ A) ⊕ Tor(Hk−1 (X, Y ; Z)).
É fácil ver que a sequência exata é natural, isto é, uma aplicação
contı́nua φ : (X, Y ) → (X 0 , Y 0 ) induz homomorfismos que tornam
comutativo o diagrama abaixo.
0 / Hk (X, Y ; Z) ⊗ A / Hk (X, Y ; A) / Tor(Hk−1 (X, Y ; Z), A) /0

φ1 φ2 φ3
  
0 / Hk (X 0 , Y 0 ; Z) ⊗ A / Hk (X 0 , Y 0 ; A) / Tor(Hk−1 (X 0 , Y 0 ; Z), A) /0

No entanto a decomposição como soma direta não é natural.


Teorema A.5. Sejam C o complexo de grupos abelianos livres
· · · → Ck+1 → Ck → Ck−1 → . . .
e A um anel com unidade. Então a sequência

0 / Ext(Hn−1 (C), A) / H n (C; A) β


/ Hom(Hn (C), A) /0

é exata e separável, onde β([f ])([c]) = f (c).


Demonstração. É análoga à demonstração do teorema anterior usando
o diagrama comutativo abaixo.

0O

0 / Hom(Bp , A) / Hom(Cp+1 , A) Ext(Hp−1 , A)


O O

0o Hom(Zp , A) o 0 Hom(C , A) o Hom(Bp−1 , A) o 0


O O p O

Hom(Hp , A) Hom(Cp−1 , A) / Hom(Zp−1 , A) /0


O

0
453

Proposição A.6. Valem as seguintes propriedades:

1. Ext(H ⊕ H 0 ; A) = Ext(H; A) ⊕ Ext(H 0 ; A);


2. Ext(H; A) = 0 se H é livre;
A
3. Ext(Zn ; A) ∼ nA .

Demonstração. A prova é análoga à proposição relativa ao funtor


Tor.

Se A é um corpo de caracterı́stica 0, como por exemplo Q, R ou


C, então a aplicação natural

H n (X, Y ; A) → Hom(Hn (X, Y ; A), A)

é um isomorfismo. Isso segue do fato que uma sequência exata curta


de espaços vetoriais é sempre separável, pois todo espaço vetorial tem
uma base.

Corolário A.7. (Coeficientes universais para cohomologia) Seja (X, Y )


um par de espaços topológicos. Então a sequência
β
0 → Ext(Hn−1 (X, Y ; Z), A) → H n (X, Y ; A) → Hom(Hn (X, Y ; Z), A) → 0

é exata e separável, onde β([f ])[c] = f (c).


Apêndice B

O Teorema de Seifert- van Kampen

Nesse apêndice vamos mostra o Teorema de Seifert-van Kampen que


permite calcular o grupo fundamental de um espaço que é a união de
dois abertos conexos por caminho e cuja interseção é também conexo
por caminho em termos dos grupos fundamentais desses abertos e de
sua interseção. Antes de enunciar o teorema precisamos de alguns
conceitos algébricos que desenvolveremos a seguir.
Seja {Gλ ; λ ∈ Λ} uma famı́lia arbitraria de grupos. Vamos mos-
trar a existência de um grupo ∗λ Gλ e homomorfismos iλ : Gλ →
∗λ Gλ , chamado produto livre dos grupos Gλ , que satisfaz à seguinte
propriedade universal: dados um grupo H e homomorfismos fλ : Gλ →
H, existe um único homomorfismo f : ∗λ Gλ → H tal que f ◦ iλ = fλ .
É fácil ver que se P é um outro grupo e jλ : Gλ → P são homomor-
fismos satisfazendo à mesma propriedade universal então existe um
único isomorfismo φ : ∗λ Gλ → P tais que jλ = φ ◦ iλ . Alem disso,
iλ é injetivo, iλ (Gλ ) ∩ iλ0 (Gλ0 ) é a identidade e a união das imagens
dos grupos Gλ geram o produto livre.
Vamos agora mostrar a existência do produto livre. Uma palavra
finita no alfabeto ∪λ Gλ é uma sequência finita g1 g2 . . . gm de elemen-
tos do alfabeto. A palavra é reduzida se cada gi é diferente da iden-
tidade e se gi e gi+1 pertencem a grupos distintos. A cada palavra
g1 g2 . . . gm está associada uma única palavra reduzida [g1 g2 . . . gm ]
obtida da palavra inicial por um número finito de operações que con-
siste em substituir duas letras consecutivas que pertencem ao mesmo
grupo pelo produto delas no grupo se o produto for diferente da iden-

454
455

tidade ou elimina-las caso contrario. Seja e a palavra vazia que con-


sideraremos também como uma palavra reduzida. Definimos então o
conjunto ∗λ Gλ como o conjunto das palavras reduzidas. O produto
de duas palavras reduzidas é definido como a palavra reduzida asso-
ciada à justaposição das palavras. Assim, se g1 . . . gm é uma palavra
reduzida então seu produto pela palavra gm −1
. . . g1−1 é a palavra vazia,
que chamaremos de identidade. A aplicação iλ : Gλ → ∗λ Gλ que leva
a identidade do grupo em e e leva cada elemento g diferente da iden-
tidade na palavra com a única letra g é injetiva, preserva os produtos
e a interseçao da imagem de duas aplicações se reduz à identidade.

Proposição B.1. A multiplicação acima definida é associativa e,


portanto, ∗λ Gλ é um grupo, iλ : Gλ → ∗λ Gλ são homomorfismos e a
propriedade universal é satisfeita.

Demonstração. Seja PΛ o grupo das permutações do conjunto ∗λ Gλ .


Para cada λ seja φλ : Gλ → PΛ a aplicação que a cada g ∈ Gλ associa
a permutação φλ (g) : [g1 . . . gm ] 7→ [gg1 . . . gm ] cuja inversa é φλ (g −1 ).
É fácil ver que φλ (g1 .g2 ) = φλ (g1 ) ◦ φλ (g2 ), isto é, φλ é um homo-
morfismo de grupo.
Definimos então φ : ∗λ Gλ → PΛ compondo as permutações, isto é,

φ(g1 . . . gk ) = φλ(g1 ) (g1 ) ◦ · · · ◦ φλ(gk ) (gk )

onde estamos usando a notação g ∈ Gλ(g) . É fáci verificar que φ


preserva os produtos. Logo, como a composição de permutações é
associativa temos que o produto em ∗λ Gλ é também associativo e
portanto o produto livre é um grupo.
Para mostrar a propriedade universal basta definir f : ∗λ Gλ → H
por
f ([g1 . . . gm ]) = fλ(g1 ) (g1 ). . . . .fλ(gm ) (gm )

Exercı́cio B.1. Usando a propriedade universal do produto livre


mostre que se G1 , G2 , G3 são grupos então (G1 ∗ G2 ) ∗ G3 é isomorfo
a G1 ∗ G2 ∗ G3 ,

Dado um conjunto U = {uλ ; λ ∈ Λ}, seja Gλ o grupo livre gerado


por uλ . Temos então que ∗λ Gλ é o grupo livre gerado pelos elementos
456 [CAP. B: O TEOREMA DE SEIFERT- VAN KAMPEN

iλ (uλ ). Portanto a cada conjunto temos associado um único, modulo


isomorfismo, grupo livre e os grupos livres associados a dois conjun-
tos são isomorfos se e sòmente se os dois conjuntos tem a mesma
cardinalidade.
Dado um grupo G, seja X ⊂ G um conjunto de geradores de
G. Seja L o grupo livre associado ao conjunto X. Uma bijeção dos
geradores de L com X se estende a um homomorfismo φ : L → G.
Como X é um conjunto de geradores de G, o homomorfismo φ é
sobrejetivo e seu núcle N é um subgrupo normal de L e G é isomorfo
ao grupo quociente L/N . Usaremos a notação < ui ; rj = 1 > para
denotar o grupo quociente do grupo livre L gerado pelos ui pelo
subgrupo normal gerado pelos elementos rj ∈ L. Os ui ’s são os
geradores e os ri ’s as relações. Um grupo é finitamente apresentado se
tiver uma apresentação com um número finito de geradores e relações.
Assim Zn =< u; un = 1 >. O produto livre de dois grupos é o grupo
com conjunto de geradores igual a união disjunta dos geradores e
conjunto de relações igual a união dos conjuntos de relações dos dois
grupos. Assim, Z2 ∗ Z2 =< x, y; x2 = y 2 = 1 > é o grupo infinito
cujos elementos são id, x, y, xy, yx, xyx, yxy, xyxy, yxyx . . . .
Sejam F, G1 , G2 grupos e αi : F → Gi homomorfismos. O espaço
quociente do grupo G1 ∗ G2 pelo subgrupo normal gerado pelas pa-
lavras {(α2 (g))−1 α1 (g) ∈ G1 ∗ G2 ; g ∈ F } é chamado de produto
amalgamado e denotado por G1 ∗F,α1 ,α2 G2 .
Lema B.2. Sejam q : G1 ∗ G2 → G1 ∗F,α1 ,α2 G2 a aplicação quociente
e i1 : G1 → G1 ∗ G2 a inclusão que a cada g ∈ G1 associa a palvra
reduzida [g]. Se α2 : F → G2 é um isomorfismo então q ◦ i1 : G1 →
G1 ∗F,α1 ,α2 G2 é um isomorfismo.
Demonstração. Vamos mostrar que q ◦ i1 é sobrejetivo. Seja x ∈
G1 ∗F,α1 ,α2 G2 . Seja g1 . . . , gm ∈ G1 ∗G2 uma palavra reduzida que se
projeta em x tal que m seja minimal. Se m > 1 seja j tal que gj ∈ G2 .
Então [g1 . . . , gj−1 α1 ◦ α2−1 (gj )gj+1 . . . gm ] também se projeta em x
e o número de letras dessa palavra reduzida é menor que m o que é
absurdo. Logo existe uma palavra [g] que se projeta em x. Podemos
supor que g ∈ G1 pois, caso contrario, α1 ◦ α2−1 (g − 1) ∈ G1 e [g] se
projeta no mesmo ponto que [α1 ◦ α2−1 (g − 1)g −1 g] = [α1 ◦ α2−1 (g − 1)].
Portanto x é a imagem de g ∈ G1 por q ◦ i1 .
Como α2 injetivo temos que q ◦ i1 é também injetivo.
457

Teorema B.3. Teorema de Seifert-Van Kampen


Seja X um espaço topológico que é a união de uma famı́lia Aλ
de subconjuntos abertos conexos por caminho tais que para todos
λ, λ0 , λ00 temos que Aλ ∩ Aλ0 e Aλ ∩ Aλ0 ∩ Aλ00 são conexos por ca-
minho e contém o ponto base x0 . Sejam jλ : π1 (Aλ ) → π1 (X) e
iλλ0 : π1 (Aλ ∩ Aλ0 ) → π1 (Aλ ) os homomorfismoss induziedos pelas
inclusões Aλ ,→ X, Aλ ∩ Aλ0 ,→ Aλ . Seja

φ : ∗λ π1 (Aλ ) → π1 (X)

o homomorfismo que composto com a inclusão π1 (Aλ ) ,→ ∗λ π1 (Aλ )


é igual a jλ .
Então φ é sobrejetivo e seu núcleo é o subgrupo normal N gerado
pelas palavras da forma iλλ0 (ω)iλ0 λ (ω)−1 e, portanto, φ induz um
isomorfismo
π1 (X) ∼ (∗λ π1 (Aλ ))/N

Exemplo B.1. O grupo fundamental de um buquê de espaços


topológicos
Sejam Xi espaços topológicos conexos por caminho, xi ∈ Xi e Vi ⊂ Xi
uma vizinhança contrátil de xi em Vi . Seja ∧i Xi o espaço quociente
da união disjunta dos Xi pela relação de equivalência que identifica
dois pontos se e sòmente se eles pertencem ao conjunto {xi }. Seja x
a imagem de xi pela aplicação quociente, X̃i ⊂ ∧i Xi a imagem de
Xi e V a imagem da união disjunta dos Vi ’s. Temos que V é uma
vizinhança contrátil de x em ∧i Xi . Sejam Ai = X̃i ∪ V . Como V
é contráatil em X̃i é homeomorfo a Xi temos que π1 (Ai ) = π1 (Xi ).
Como π1 (V ) = 0 temos, pelo teorema de Seifert-Van Kampen, que
π1 (∧i Xi ) = ∗i π1 (Xi ).
Exemplo B.2. O grupo fundamental das superfı́cies compac-
tas.
Como ja vimos, a esfera é simplesmente conexa. Uma superfı́cie ori-
entada de genus g ≥ 1, Mg , é homeomorfa ao espaço quociente de um
polı́gono plano de 4g lados a1 , b1 , a1−1 , b−1 −1
1 , . . . , ag , bg , ag , bg −1 onde
o lado ai é identificado com ai e bi é identificado com b−1
−1
i . Por-
tanto todos os vertices são identificados a um único ponto x0 ∈ Mg ,
os lados ai a cı́rculos αi e bi a cı́rculos βi . Seja A1 a projeção de
458 [CAP. B: O TEOREMA DE SEIFERT- VAN KAMPEN

um disco no interior do polı́gono e A2 a projeção do complementar


de um disco fechado contido no primeiro disco. Assim A2 tem o tipo
de homotopia do buquê de cı́rculos α1 ∪ β1 , . . . , αg , βg e π1 (A1 ) = 0.
Por outro lado A1 ∪ A2 é um cilindro que tem o tipo de homoto-
pia de um cı́rculo e a imagem do gerador de π1 (A1 ∩ A2 em π1 (A2 )
é α1 β1 α1−1 β1−1 , . . . , αg βg αg−1 βg−1 . Portanto, pelo teorema de Seifert-
Van Kampen,

π1 (Mg ) =< α1 , β1 , . . . , αg , βg ; α1 β1 α1−1 β1−1 , . . . , αg βg αg−1 βg−1 = 1 > .

Como uma variedade não orientável de genus g, Ng , é obtida como


o espaço quociente de um polı́gono plano de lados a1 , b1 , a−1 −1 −1
1 , b1 , . . . , ag , bg , ag , bg −1, a, a
temos, pelo mesmo argumento,

π1 (Ng ) =< α1 , β1 , . . . , αg , βg , α; α1 β1 α1−1 β1−1 , . . . , αg βg αg−1 βg−1 α2 = 1 > .

Exemplo B.3. O grupo fundamental da soma conexa de duas


variedades de dimensão maior ou igual a 3 Seja M uma vari-
edade de dimensão maior ou igual a 3 e A1 ⊂ M uma bola aberta
mergulhada. Seja A2 ⊂ M o complementar de uma bola fechada
contida em A1 . Então A1 ∪ A2 é homeomorfo ao produto de uma
espera S n−1 por um intervalo e, portanto tem o tipo de homotopia
de S n−1 . Como n ≥ 3 tempos então que π1 (A1 ) = 1 = π1 (A1 ∩ A2 ).
Logo, pelo teorema de Seifert-Van Kampen, π1 (A2 ) = π1 (M ).
Sejam M1 e M2 variedades compactas de dimesão n ≥ 3. Pelo que
vimos acima, a soma conex M1 #M2 é a união de dois abertos A1 , A2
tais que πi (Ai ) = πi (Mi ) e A1 ∩ A2 é homeomorfa ao produto da
esfera S n−1 por um intervalo. Logo π1 (A1 ∩ A2 ) = 0 e, pelo teorema
de Seifert-Van Kampen,

π1 (M1 #M2 ) = π1 (M1 ) ∗ π1 (M2 )

.
Exemplo B.4. Todo grupo finitamente apresentado é o grupo
fundamental de uma variedade de dimensão 4
Seja M uma variedade de dimesão 4 e U ⊂ M uma aberto que é
imagem de um mergulho φ : S 1 × D3 → M . Seja V o complementar
em M da imagem de S 1 × D(1/2). Temos então que U ∩ V tem
o tipo de homotopia de S 1 × S 2 e o homomorfismo de seu grupo
459

findamental no grupo fundamental de A1 indizido pela inclusão é um


isomorfismo. Logo, pelo teorema de Seifert-van Kampen e o lema B.2
temos que a inclusão de A2 em M induz um isomorfismo dos grupos
fundamentais.
Seja < u1 , . . . , un ; r1 = 1, . . . , rn = 1 > o grupo fundamental de
M . Seja r um elemento desse grupo. Vamos, usando uma cirur-
gia, construir uma variedade N cujo grupo fundamental é isomorfo
a < u1 , . . . , un ; r1 = 1, . . . , rn = 1, r = 1 >, isto é, tem os mes-
mos geradores e uma relação a mais. Como estamos em dimensão
4 (dimensão 3 seria suficiente) podemos representar a classe de ho-
motopia r por um cı́rculo mergulhado. Tomemos uma vizinhança
tubular desse cı́rculo, portanto um mergulho φ : S 1 × D3 → M tal
que φ(S 1 × {0} seja esse cı́rculo. Como o bordo de S 1 × D3 , S 1 × S 2 é
o mesmo que o bordo de D2 × S 2 , podemos construir uma variedade
compacta N colando M − φ(S 1 × D3 com D2 × S 2 . Essa variedade se
escreve então como a união de dois abertos U, V tais que V é home-
omorfo a D2 × S 2 e U tem o tipo de homotopia de M − φ(S 1 × D3 ).
Portanto o grupo fundamental de U é isomorfo ao grupo fundamental
de M e o grupo fundamental de V é trivial. A interseção U ∩ V tem
o tipo de homotopia de S 1 × S 2 e, portanto o seu grupo fundamental
é cı́clico. A inclusão de U ∩ V em U leva o gerador do grupo funda-
mental no elemento do grupo fundamental correspondente a r. Como
o grupo fundamental de V é trivial o resultado segue do teorema de
Seifert-van Kampen.
Dado um grupo finitamente apresentado < u1 , . . . , un ; r1 = 1, . . . , rn =
1 > tomamos M0 como a soma conexa de m cópias de S 1 × S 3 . Pelo
exemplo anterior, o grupo fundamental de M0 é o grupo livre com m
geradores. Usando o argumento acima, construimos uma variedade
M1 cujo grupo fundamental é isomorfo a < u1 , . . . , um ; r1 = 1 >.
Repetindo o argumento construimos uma variedade Mn cujo grupo
fundamental coincide com o grupo dado.
Um resultado muito mais profundo foi obtido por Taubess em
[Tau]: todo grupo finitamente apresentado é o grupo fundamental de
um variedade algébrica compacta de dimensão complexa 3. A prova
envolve técnicas sofisticadas de análise. Uma prova um pouco mais
elementar foi obtida recentemente em [PP].
Exercı́cio B.2. 1) Mostre que em um CW-complexo, a inclusão do
460 [CAP. B: O TEOREMA DE SEIFERT- VAN KAMPEN

esqueleto de dimensão dois no CW-complexo induz isomorfismos nos


grupos fundamentais.

2) Mostre que em um CW complexo a inclusão do esqueleto de di-


mensão um no esqueleto de dimensão dois induz nos grupos funda-
mentais um homomorfismo sobrejetivo.

3) Mostre que o grupo fundamental de uma variedade compacta é


finitamente gerado.
Apêndice C

O grupo fundamental π1(X, x0) e o


grupo de homologia H1(X, Z).

Vamos mostrar um teorema devido a Poincaré, segundo o qual o


grupo de homologia com coeficientes nos inteiros, H 1 (X; Z) é iso-
morfo ao quociente do grupo fundamental pelo subgrupo comutador.
Mais precisamente, se α ∈ π1 (X, x0 ) é a classe de homotopia de
φ : (S 1 , z0 ) → (X, x0 ) definimos h(α) como sendo a imagem pelo ho-
momorfismo φ∗ : H1 (S 1 ) → H1 (X) do gerador de H1 (S 1 ). Temos
então,

Teorema C.1. Se X é um espaço topológico conexo por caminhos


então a aplicação
h : π1 (X, x0 ) → H1 (X)
é um homomorfismo sobrejetivo cujo núcle é o grupo [π1 (X, x0 ), π1 (X, x0 )].
Consequentemente H1 (X) é isomorfo ao abelianizado do g rupo fun-
damental.

Demonstração. h está bem definido pois duas aplicações homotópicas


induzem o mesmo homomorfismo em homologia. Podemos identificar
caminhos φ : [0, 1] → X com simplexos de dimensão 1 ∆1 → X defi-
nido port te0 + (1 − t)e1 7→ φ(t). Em particular, um caminho fechado
é um ciclo. Se α é um caminho, não necessariamente fechado, deno-
taremos por [α] sua classe de homologia, isto é, o conjuto das cadeias
c ∈ C1 (X; Z) tais que c − α é o bordo de uma cadeia em C2 (X; Z),
e por {α} sua classe de homotopia com extremos fixos. Denotamos

461
462[CAP. C: O GRUPO FUNDAMENTAL π1 (X, X0 ) E O GRUPO DE HOMOLOGIA H1 (X, Z).

também por Ω(X, x0 ) o espaço dos caminhos fechados com origem


x0 . Portanto, se α ∈ Ω(X, x0 ) então

h({α}) = [α].

1) h é um homomorfismo.
Lembramos que se α e β são caminhos tais que β(0) = α(1) então o
camino α ∗ β é definido por t 7→ α(2t) se 0 ≤ t ≤ 12 e t 7→ β(2t − 1)
se 12 ≤ t ≤ 1 e o caminho α−1 é definido por t 7→ α(1 − t).
Afirmação:
[α ∗ β] = [α] + [β].
De fato, seja σ : ∆2 → X o simplexo singular cuja restrição a cada
um dos intervalos indicados na figura C.1 é a composta de α (resp. β)
com a aplicação afim que leva o segmento no intervalo [0, 1]. Então
∂σ = α + β − α ∗ β o que demonstra a afirmação.

Figura C.1: [α ∗ β] = [α] + [β]

Se α, β ∈ Ω(X, x0 ) temos que

h({α}{β}) = h({α ∗ β)}) = [α ∗ β] = [α] + [β]

e h é um homomorfismo.
2) h é sobrejetivo.
Se α, β, γ são caminhos tais que β(0) = α(1) e γ(0) = β(1), denota-
remos por α ∗ β ∗ γ o caminho definido por t 7→ α(3t) se 0 ≤ t ≤ 31 ,
t 7→ β(3t − 1) se 13 ≤ t ≤ 23 e t 7→ γ(3t − 2) se 32 ≤ t ≤ 1.
Usando o simplexo σ : ∆2 → X como na figura C.2 concluimos que
[α ∗ β ∗ γ] = [α] + [β ∗ γ] e, portanto,

[α ∗ β ∗ γ] = [α] + [β] + [γ].


463

Figura C.2: [α ∗ β ∗ γ] = [α] + [β] + [γ]

Vamos escolher, para cada x ∈ X, um caminho ηx : [0, 1] → X tal


que ηx (0) = x0 e ηx (1) = x. Se x = x0 tomamos ηx0 como o caminho
constante. A cada caminho α associamos o caminho fechado
−1
α̃ = ηα(0) ∗ α ∗ ηα(1) .
P
Seja z = i ni αi um ciclo. Consideremos o caminho fechado γ =
ni
Q
i (α̃i ) . Vamos mostrar que [γ] = [z]. De fato,
P P
[γ] = i ni [α̃i ] = i ni ([ηαi (0) ] + [αi ] − [ηαi (1) ]) =
P P P
= i ni [αi ] + i ni (ηαi (0) − ηαi (1) = [z] + i ni [ηαi (0) − ηαi (1) ]
P
Como z é um ciclo, temos que 0 = ∂z = i ni (αi (1) − αi (0)). Isto
implica que para cada x ∈ X o número de indices i tais que αi (0) = x
é igual ao número de j’s tais que αj (1) = x e isso implica que a última
parcela do segundo membro da equação acima se anula. Portanto h
é sobrejetivo.
30 O núcle de h é o comutador [π1 , π1 ] Como o grupo de ho-
mologia é comutativo temos que o núcle de h contém o comutador.
Resta mostrar a outra inclusão. Para isso temos Se q : πi (X, x0 ) →
π1 (X, x0 )/[π1 , π1 ] a projeção no grupo comutativo quociente. Se
dois elementos de π1 (X, x0 ) se escrevem como produto de um certo
número de elementos e os produtos diferem apenas pela ordem dos
fatores então eles tem a mesma imagem.PSe β ∈ Ω(X, x0 ) é tal que
{β} pertence ao núcle de h, então β = ∂( i ni σi ) onde σi é um sim-
plexo singular de dimensão 2 e podemos Q escrever ∂σi = σi0 −σi1 +σi2 .
−1
Consideremos o caminho fechado γ = i (γini ) onde γi = (σ̃i0 σ̃i1 σ̃i2 ).
Como σi2 (0) = σi1 (0), σi2 (1) = σi0 (0) e σi0 (1) = σi1 (1) temos
464[CAP. C: O GRUPO FUNDAMENTAL π1 (X, X0 ) E O GRUPO DE HOMOLOGIA H1 (X, Z).

−1
que γi é homotópico a Q
ησi0 (0) σi0 σi1 σi2 ησ−1
i0
que é homotópico a x0
mod (0,1).Q Portanto { i (γi ) } = i {γi }ni = 1 e, conseqquente-
ni
Q
mente, q( i {γi }ni ) = 0, onde estamos denotando por 0 a identi-
dadePdo grupo comutativo π1 (X, x0 )/[π1 , π1 ]. Por outro lado, como
β = i ni (σQi0 − σi1 + σi2 ), podemos, alterando a ordem dos fatores
do produto i γini , obter um caminho fechado homotópico a β. Logo
q({β}) = 0 e, portanto, {β} pertence ao comutador.
Apêndice D

Grupos de Homotopia- Teorema de


Hurewicz

Como vimos, o grupo fundamental foi introduzido por Poincaré. Va-


mos agora discutir uma generalização introduzida por Hurewicz nos
anos 30: os grupos de homotopia. Como conjunto, o grupo de homo-
topia πn (X, x0 ) é simplesmente o conjunto das classes de homotopia
de aplicações f : (S n , z0 ) → (X, x0 ) onde duas aplicações f0 , f1 são
homotópicas se existe uma aplicação F : [0, 1] × S n → X tal que
F (0, z) = f (z), F (1, z) = g(z) e f (t, z0 ) = x0 para todo z ∈ S n e
para todo t ∈ [0, 1]. Como duas aplicações homotópicas induzem o
mesmo homomorfismo nos grupos de homologia e o grupo de homo-
logia de dimensão n é isomorfo a Zn podemos fixar um gerador (ou
orientação da esfera) e definir a aplicação

h : πn (X, x0 ) → Hn (X; Z)

que a cada classe de homotopia de aplicação f : (S n , z0 ) → (X, x0 ) as-


socia a imagem por f∗ : Hn (S n , Zn ) → Hn (X; Z) do gerador. Vamos
mostrar que πn (X, x0 ) tem uma estrutura de grupo, que é comuta-
tivo se n ≥ 2, e que a aplicação h é um homomorfismo. Alem disto
provaremos o teorema de Hurewicz segundo o qual h é um isomor-
fismo se X é n-conexo, isto é, se os grupos de homotopia πm (X, x0 )
se anulam se m < n.
Uma maneira de introduzir uma estrutura de grupo no conjunto
π2 (X, x0 ) é identificar esse conjunto com o grupo fundamental de um

465
466 [CAP. D: GRUPOS DE HOMOTOPIA- TEOREMA DE HUREWICZ

outro espaço topológico. Se Z e W são espaços topológicos, podemos


introduzir uma topologia no espaço das funções contı́nuas C 0 (Z, W ),
chamada topologia compacto-aberto, tomando com base de abertos
os subconjuntos [K, U ] das aplicações f tais que f (K) ⊂ U , onde
K ⊂ Z é compacto e U ⊂ Z é aberto. Se Z é compacto, essa
topologia coincide com a topolologia C 0 de Whitney que definimos no
capı́tulo 8. Na topologia compacto-aberto, uma sequência de funções
fn converge a uma função f se e sòmente se converge uniformemente
em cada subconjunto compacto. Deixamos ao leitor a tarefa de provar
as seguinter propriedades desta topologia:
• A aplicação

C 0 (Z, W ) × Z → W, (f, x) 7→ f (x)

é contı́nua
• Se Y é um espaço topológico então uma aplicação F : Y →
C 0 (Z, W ) é contı́nua se e sòmente se a aplicação

Y × Z → W, (y, x) 7→ F (y)(z)

é contı́nua.
Considerando o espaço dos laços Ω(X, x0 ) com a topologia indu-
zida do espaço C 0 ([0, 1], X) temos então que uma homotopia entre
dois laços α0 e α1 é simplesmente uma aplicação contı́nua H : [0, 1] →
Ω(X, x0 ) tal que F (0) = α0 e F (1) = α1 . Logo o grupo fundamen-
tal é o conjunto das componentes conexas do espaço de laços e X
é simplesmente conexo se Ω(X, x0 ) é conexo. Seja c0 ∈ Ω(X, x0 ) o
caminho constante. Podemos então considerar o espaço topológico
Ω(Ω(X, x0 ), c0 ) dos laços em Ω(X, x0 ) com extremidades c0 . Pelo
que vimos acima, um laço s ∈ [0, 1] 7→ αs Ω(X, x0 ) corresponde a
uma aplicação contı́nua f : [0, 1] × [0, 1] → X tal que fs (t) = fs (t).
Logo f (∂([0, 1] × [0, 1]) = x0 . Reciprocamente, uma função contı́nua
f com essa propriedade define um laço no espaço dos laços. Portanto
esse espaço de laços pode ser identificado com espaço das aplicações
contı́nuas C 0 (([0, 1]×[0, 1], ∂([0, 1]×[0, 1]), (X, x0 )) que, por sua vez é
naturamente identificado com o espaço C 0 ((S 2 , z0 ), (X, x0 )). Temos
então uma bijeção do grupo fundamental π1 (Ω(X, x0 ) com o espaço
467

das componentes conexas de C 0 (([0, 1], ∂([0, 1])), (Ω(X, x0 ), c0 )) que


está em bijeção com o conjunto das componentes conexas de C 0 (([01]×
[0, 1], ∂([0.1]×[0, 1]), (X, x0 ))) que podemos identificar com o conjunto
das componentes conexas de C 0 ((S 2 , z0 ), (X, x0 )) que é identificado
com π2 (X, x0 ). Portanto temos uma bijeção entre π2 (X, x0 ) e o grupo
fundamental π1 (Ω(X, x0 ), c0 ). Essa identificação. Mais geralmente,
podemos consideral o espaço ωn (X, x0 ) das aplicaçoes contı́nuas de
[0, 1]n que levam o bordo de [0, 1]n no ponto x0 com a topologia
compacto-aberto e a aplicação constante c ∈ Ωn (X, x0 ) e identificar
πn+1 (X, x0 ) com o grupo fundamental π1 (ωn (X, x0 ), c).
A seguir vamos descrever mais explicitamente a estrutura de grupo
de πn (X, x0 ).
Definição D.1. Sejam f, g : [0, 1]n → X transformações contı́nuas
que levam o bordo de [0, 1]n no ponto x0 . Definimos então a aplicação
f ∗ g : ([0, 1]n , ∂[0, 1]n ) → (X, x0 ) por
1
f ∗ g(x1 , . . . , xn ) = f (2x1 , x2 , . . . , xn ) se 0 ≤ x1 ≤ 2
1
= g(2x1 − 1, x2 , . . . , xn ) se 2 ≤ x1 ≤ 1

O produto da classe de homotopia de f pela classe de homotopia


de g é então a classe de homotopia de f ∗ g.
Proposição D.1. Se n ≥ 2 eñtão πn (X, x0 ) é comutativo.
Demonstração. A homotopia Fs entre f ∗ g e g ∗ f é descrita na
figura D.1 onde a restrição de Fs à região indicada por f , resp. g,
é a composta do difeomorfismo afim entre esta região e [0, 1]n com
f , resp. com g, e o complementar destas duas regiões é aplicado no
ponto x0 .

Figura D.1: [[f ][g] = [g][f ]


468 [CAP. D: GRUPOS DE HOMOTOPIA- TEOREMA DE HUREWICZ

Uma aplicação contı́nua f : (X, x0 ) → (Y, y0 ) induz um homomor-


fismo f∗ : πn (X, x0 ) → πn (Y, y0 ). Evidentemente, o homomorfismo
induzido pela identidade é a identidade e (g ◦ f )∗ = g∗ ◦ f∗ . Em par-
ticular espaços homemomorfos tem grupos de homotopia isomorfos.
Um caminh α : [0, 1] → X com α(0) = x0 induz um isomorfismo
[α] : πn (X, x0 ) → πn (X, x1 ). De fato, dado uma aplicação contı́nua
f : (([0, 1]n , ∂[0, 1]n ), X, x0 ) associamos uma aplicação f˜: (([0, 1]n , ∂[0, 1]n ), (X, x1 ))
da seguinte forma. A restrição de g a [1/2, 2/3]n é a composta de f
com a com o difeomorfismo afim [1/3, 2/3]n → [0, 1]n e a restrição de
g a cada segmento radial entre [1/3, 2/3/]n e [0, 1]n é a composta de
α com o difeomorfismo afim desse segmento e o interval [0, 1]. Se fs é
uma homotopia entre f0 e f1 então f˜s é uma homotopia entre f˜0 e f˜1 .
Definimos então a imagem da classe de homotopia de f como a classe
de homotopia de f˜. Essa aplicação é um isomorfismo e depende ape-
nas da classe de homotopia de α Essa construção, aplicada a laços,
define uma ação do grupo fundamental nos grupos de homotopia.
Assim como na homologia, podemos também definir grupos de
homotopia relativo de um par : πn (X, Y, x0 ) onde Y ⊂ X e x0 ∈ Y .
De fato, seja In−1 = {z ∈ [0, 1]n ; zn = 0}. Se Y é um subespaço de
X contendo o ponto x0 definimos πn (X, Y, x0 ) como o conjunto das
classes de equivalência de C 0 (([0, 1]n , In−1 , [0, 1]n − In−1 , (X, Y, x0 )).
Se n ≥ 2 a mesma definição de produto torna πn (X, Y, x0 ) um grupo
que é comutativo se n ≥ 3. Identificando In−1 com [0, 1]n−1 temos
um homomorfismo

∂ : πn (X, Y, x0 ) → πn−1 (Y, x0 )

que associa à classe de homotopia de f : ([0, 1]n , In−1 , [0, 1]n −In−1 ) →
(X, Y, x0 ) a classe de homotopia de sua restrição a Y que leva (In−1 , ∂In−1 )
em (Y, x0 ). Combinando esse homomorfismo com os homomorfismos
induzidos pela inclusão Y → X obtemos a sequência exata de homo-
topia de um par (X,Y):

. . . πn (Y, x0 ) → πn (X, x0 ) → πn (X, Y, x0 ) → πn−1 (Y, x0 ) → . . .
Referências Bibliográficas

[BO] Bott, R., Morse theory indomitable. Publications


Mathématiques de l’IHÉS, vol 68, no 1, 99-114, 1988.
[B-T] Bott, R & L. Tu, Differential forms in algebraic topology.
Graduate Texts in Mathematics, 82. Springer-Verlag, New
York-Berlin, 1982
[BR] Bredon, G., Topology and Geometry. Springer-Verlag, 1993.
[C] C. Chevalley. Theory of Lie Groups I. Princeton University
Press, Princeton, 1946
[CE] Chevalley, C.& Eilenberg, S. Cohomology theory of Lie
groups and Lie algebras. Trans. Amer. Math. Soc. 63, (1948).
85?124
[dC] M. do Carmo. Riemannian geometry. Translated from the
second Portuguese edition by Francis Flaherty. Mathema-
tics: Theory & Applications. Birkhäuser Boston, Inc., Bos-
ton, MA, 1992
[dR] G. de Rham. Variété Differentiables. Hermann & Cie. Paris
1955.
[Ehresmann1950] C. Ehresman. Les connecxions infinitésimales dans
un espace vibré différentiables. Colloque de Topologie (espa-
ces fibrés). Bruxelles 1950.
[F] J. Franks. Manifolds of C r mappings and applications to Dy-
namical Systems. Advances in Math. Suppl Study vo. 42,
edited by Gian-Carlo Rota. Ac. Press 1979.

469
470 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[GH] M.J. Greenberg & J.R. Harper. Algebraic Topology. A First


Course. Benjamin/Cummings, 1980.

[GG] M. Golubitsky & V. Guillemin. Stable mappings and there


singularities. Graduate text in mathematics 14. Springer Ver-
lag, 1973

[G] V. Guilhemin & A. Pollack, Differential topology. Prentice-


Hall, Inc., Englewood Cliffs, N.J., 1974.

[Ha] A. Hatcher. Algebraic topology. Cambridge University Press,


Cambridge, 2002.

[Hor] L. Hormander. An Introduction to Complex Analysis in Seve-


ral Variables. Van Nostrand Reinhold Company, New York,
1966.

[HW] W. Hurewicz, H. Wallman. Dimension Theory. Princeton


Mathematical Series, v. 4. Princeton University Press, Prin-
ceton, N. J., 1941. vii+165 pp.

[KMS] I. Kolár & P. Michor &J. Slovák. Natural operations in dif-


ferential geometry. Springer-Verlag, Berlin, 1993.

[K] K. Kodaira. On Kähler varieties of restricted type (an intrin-


sic characterization of algebraic varieties). Ann. of Math. (2)
60, (1954). 28-48.

[Ku] Kupka, I* Counterexample to the Morse-Sard theorem in the


case of infinite-dimensional manifolds. Proc. Amer. Math.
Soc. 16 , 954?957, 1965.

[Kos] A. A. Kosinski. Differential manifolds. Pure and Applied


Mathematics, 138. Academic Press, Inc., Boston, MA

[L] S. Lang, Analysis I.. Reading, Mass.: Addison-Wesley, [1968]

[LA] Laudenbach, F., On the Thom-Smale complex. Asterisque,


vol 205, 219-233, 1992.

[EL] Lima, E.L., Homologia Básica. IMPA, 2009.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 471

[Ma-T] Madsen, Ib & Tornehave, J. From calculus to cohomology.


(English summary) de Rham cohomology and characteristic
classes. Cambridge University Press, Cambridge, 1997.

[Man] R. Mañe. Ergodic theory and differentiable dynamics. Er-


gebnisse der Mathematik und ihrer Grenzgebiete (3) [Results
in Mathematics and Related Areas (3)], 8. Springer-Verlag,
Berlin, 1987

[Mas] W. S. Massey. A Basic Course in Algebraic Topology. Gra-


duate Texts in Mathematics, Springer-Verlag, 1991

[Michor1978] P. Michor. Manifolds of differentiable mappings. Shiva


Mathematics Series, 3. Shiva Publishing Ltd., Nantwich,
1980.

[Mi2] P. Michor. Gauge theory for diffeomorphism groups. Diffe-


rential geometrical methods in theoretical physics (Como,
1987), 345?371, NATO Adv. Sci. Inst. Ser. C Math. Phys.
Sci., 250, Kluwer Acad. Publ., Dordrecht, 1988.

[M] J. Milnor. Topology from the differentiable viewpoint. Ba-


sed on notes by David W. Weaver The University Press of
Virginia, Charlottesville, Va. 1965

[M2] J. Milnor. Morse theory. Based on lecture notes by M. Spi-


vak and R. Wells. Annals of Mathematics Studies, No. 51
Princeton University Press, Princeton, N.J. 1963

[PdM] J. Palis & W. de Melo. Geometric theory of dynamical sys-


tems. Springer-Verlag, New York-Berlin, 1982.

[PP] Panov, D., Patrunin, A. Telescopic Axtions ar-


Xiv:1104.4814v6 2012

[PS] Palais, R, Smale, S, A generalized Morse theory. Bull. Amer.


Math. Soc. 70, 165-172, 1964.

[R] W. Rudin. Real and complex analysis, second edition.


McGraw-Hill, 1974.
472 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[SS] Smale, S An infinite dimensional version of Sard’s theorem.


Amer. J. Math. 87 861-866, 1965 .
[Sm] Smale, S., On gradient dynamical systems. The Annals of
Mathematics, vol 74, no 1, 199-206, 1961.
[Sp] M. Spivak. Calculus on Manifolds. W. A. Benjamin, In., Re-
ading. Mass., 1965
[ShSu] M.Shub, D. Sullivan A remark on the Lefschetz fixed
point formula for differentiable maps. Topology 13 (1974),
189?191.
[St] Steenrod, N.E., The topology of fiber bundles. Princeton Univ
Pr, 1951.
[Tau] Taubes, C., The existence of anti-self-dual conformal struc-
tures. J. Differential Geom. 36, n. 1, 163-253 1992.
[We] Weber, J., The Morse-Witten complex via dynamical sys-
tems. Expositiones Mathematicae, vol 24, no 2, 127-159, El-
sevier, 2006.
[Wi] Witten, E., Supersymmetry and Morse theory. J. Differential
Geometry, vol 17, no 4, 661-692, 1982.
[T] M. E. Taylor. Partial Differential Equations I, Basic Theory.
Applied Mathematical Sciences115. Springer-Verlag, 1997.
[W] R. O. Wells, Jr. Differential Analysis on Complex Manifolds,
Third Edition. Springer-Verlag 2007
[Wh] H. Whitney, Differentiable manifolds. Ann. of Math. (2) 37
(1936), no. 3, 645-680.
[Wh1] H. Whitney, Geometric integration theory. Princeton Univer-
sity Press, Princeton, N. J., 1957.
ı̈¿ 21 NDICE 473

ı̈¿ 12 ndice
474 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ı̈¿ 12 ndice de sı̈¿ 21 mbolos

Você também pode gostar