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2005 - o Direito Luso Brasileiro No Antigo Regime PDF
2005 - o Direito Luso Brasileiro No Antigo Regime PDF
NO ANTIGO RÉGIME
DIREITO LUSO-BRASILEIRO
NO ANTIGO RÉGIME
F U N D A Ç Ã O
BOITEUX
Florianópolis
2005
Ficha Catalográfica
Inclui bibliografia.
ISBN: 85-87995-49-9
CDU: 34:336.2
PARTE I
Introdução ........................................................................................................ 17
1. Evolução recente da história institucional e política ........................... 17
2. Linhas de força da história institucional ................................................ 21
3. Este manual ................................................................................................. 23
1. A sociedade .................................................................................................. 29
2. As pessoas .................................................................................................... 41
3. As coisas e as situações reais no direito de Antigo Regime ................ 69
PARTE IV - OS PODERES
1 Ius commune, 1990, 433-435 (R. Rowland); The Journal of Modern History,
63.4(1991) 801-802 (B. Clavero); The American Historical Review, 97.1(1992)
221-222 (C. A. Hanson); The journal of modern history, 67.(1995) 758-759 (Julius
Kirchner); Latin American Review, 31.1(1996) 113-134; Ann. Econ. Soc. Civ.,
46.2(1991) N° 2 (mars-avril) 1991, 502-505 (J. F. Schaub).
2 Jean-Frédéric Schaub, “La penisola iberica nei secoli XVI e XVII: la questione dello
Stato”, Studi Storici, anno 36, gennaio-marzo 1995; Id., “ L’histoire politique
sans I’état: mutations et reformulations”, Historia a debate, III, Santiago de
Compostela, 1993, 217-235; Id., “Le temps et l’État: vers un nouveau régime
historiographique de l’ancien régime français”, Quad. fior. st. pens. giur. mod.,
25(1996) 127-182 Angelo Torre, “Percorsi della pratica. 1966-1995”, Studi storici,
1995, 799-829 (mais crítico); Roberto Bizzochi, “Storia debile, storia forte”,
Storia, 1996, 93-114
3 Paolo Grossi, L’ordine giuridico mediovavle, Bari, Laterza, 1995.
4 Jean-Frédéric Schaub, La France espagnole: Les racines hispaniques de l’absolutisme
français, Paris, Seuil, 2003.
5 Cf. A. M. Hespanha, “A constituição do Império português. Revisão de alguns
enviesamentos correntes”), 163-187; nesse volume, ainda, interessantes contri-
buições para uma nova história da administração colonial brasileira: Maria
Hebe Mattos, “A escravidão moderna nos quadros do império português: o
Antigo Regime em perspectiva Atlântica”, 141-161; Maria Fernanda Bicalho,
“As câmaras e o governo do Imperio”, 189-221; Maria de Fátima Gouvêa,
“Poder político e administração na afirmação do complexo atlântico portugu-
ês (1645-1809)”, 285-316; cf., também, sobre o tema, Pedro Cardim, “O gover-
no e a administracão do Brasil sob os Habsburgo e os primeiros Bragança”,
Hispania. Revista del Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, Madrid, vol.
LXIV/i, no 216 (Enero-Abril 2004) pp. 117-156.
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tos quase até aos nossos dias 18 . Por isso, muitos dos autores
leitores de Freyre dizem muito sobre esta sociedade perdida.
À parte estes, ultimamente, este mundo das sociabilidades
domésticas e, ao mesmo tempo, eclesiais, é abordado por Laura
de Mello e Souza, em Inferno Atlântico: demonologia e coloniza-
ção, séculos XVI-XVII 19 ; enquanto que à escravatura nos ofe-
receram interessantes estudos com elementos para a história
do direito, entre outros Alfredo Bosi, Dialética da Colonização 20 ;
Hebe Maria de Castro Mattos, com o colorido livro Das Cores
do Silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista –
Brasil séc. XIX 21
; Id., Escravidão e Cidadania no Brasil
Monárquico 22 ; Keila Grinberg, Liberata – a lei da ambiguidade:
as ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no
século XIX 23 ; Id., O Fiador dos Brasileiros: Cidadania, Escravi-
dão e Direito Civil no Tempo de Antonio Pereira Rebouças 24 ; Júnia
Furtado, Chica da Silva e o contratador de diamantes. O outro
lado do mito 25 ; Sílvia Lara (org.), Legislação sobre Escravos Afri-
canos na América Portuguesa 26 ; Kátia M. de Queirós Mattoso,
“A propósito de cartas de alforria. Bahia, 1779-1850” 27 , en-
1 8 Cf., por último, Joaquim Falcão e Rosa Maria Barboza de Araújo, O imperador
das idéias. Gilberto Freyre em questão, Rio de Janeiro, Topbooks, 2000.
19 São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
20 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992
21 Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995; que
22 Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1999.
23 Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1994.
24 Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002
25 S. Paulo, Companhia das Letras, 2003.
26 Madrid, Fundación Histórica Tavera, 2000; sobre o mundo indígena e o directo,
v., ainda, Tahís Luzia Colaço, “Incapacidade indígena”. Tutela religiosa e
violação do direito guarani nas missões jesuíticas,Curitiba, Juruá Editora, 2000.
27 Em Anais de História, (4): 23-52, 1972
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É com tudo isto, e com muito mais que aqui não fica
registado, que este livro deve ser reconsiderado. De momen-
to, deixo ao leitor mais essa tarefa 38 .
Por fim, agradeço à Fundação José Arthur Boiteux e
aos colegas Arno Dal Ri Júnior e Orides Mezzaroba a possi-
bilidade que me ofereceram de publicar este livro no Brasil,
onde ele era praticamente desconhecido.
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Objectivos da aprendizagem
Quando terminar esta unidade, o aluno deve ser capaz de:
• Explicar a autonomia da história institucional, que
a distingue tanto da história social como da histó-
ria pura do direito;
• Identificar as actuais linhas de força da história
institucional.
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44 Cf. R. Ruffili (ed.), Crisi dello Stato e storiografia contemporanea, Bolonha, 1979.
Que pensar com coragem e desassombro é uma tarefa arriscada prova-o a
trágica morte deste autor que, pela notoriedade que adquiriu como pensador
político alternativo, foi, pouco depois, assassinado pelas Brigade rosse.
45 Cf. alguns textos principais em A. M. Hespanha (dir.), Justiça e Litigiosidade.
História. e Prospectiva, Lisboa, Gulbenkian, 1994.
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3. Este manual
Neste manual de história institucional tento partir para
a descrição dos mecanismos institucionais concretos de uma
descrição da sua lógica profunda. Como já antes referi, uma
das mais fortes aquisições da história (da sociologia e da
antropologia) dos nossos dias é a ideia de que por detrás
dos actos da vida quotidiana existem constelações de repre-
sentações, de imagens, de categorias, de sentimentos, por
meio das quais apreendemos o mundo e com auxílio das
55 No capítulo sobre o direito penal (cf., infra, 4.5.2), mostraremos como os vários
conceitos (“tipos”) de crimes constituem uma grelha para classificar as acções
humanas, para estabelecer semelhanças e diferenças entre elas, e para lhes
atribuir resultados punitivos.
56 Sobre este tipo de análise do discurso jurídico, cf. Hespanha, 1978.
57 Cf., sobre isto, Hespanha, 1984, 24 ss., e Hespanha, 1986b.
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58 Como se pode ver, por exemplo, nas categorias do imaginário social descritas
no cap. II.1.
59 Aqui, no entanto, com algumas especialidades decorrentes da cultura da Re-
forma.
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Bibliografia citada
GROSSI, Paolo (dir.), Storia sociale e dimensione giuridica. Strumenti
d’indagine e ipotesi di lavoro, Milano, Giuffre, 1986, 2 vols.
HESPANHA, António Manuel, “O materialismo histórico na história
do direito”, in A. M. Hespanha, A História do Direito na História Social,
Lisboa, Livros Horizonte, 1978, pp. 9-69.
HESPANHA, António Manuel, “Para uma teoria da história político-
institucional do Antigo Regime”, in A. M. Hespanha (dir.), Poder e Insti-
tuições na Europa do Antigo Regime, Lisboa, Gulbenkian, 1984, pp. 7-90.
HESPANHA, António Manuel, “A história das instituições e a ‘morte do
Estado’”, in Anuario de filosofia del derecho, Madrid 1986a, pp. 191-227.
HESPANHA, António Manuel, “Para uma nova história do direito?”,
in Vértice, 470-472, 1986b, pp. 17-33.
* HESPANHA, António Manuel, Poder e Instituições no Antigo Regime.
Guia de estudo, Lisboa, Cosmos, 1992.
* HESPANHA, António Manuel, “O poder, o direito e a justiça numa
era de perplexidades” in Administração. Administração Pública de Macau
(15) (1992a), pp. 7-21 (incluindo a versão chinesa).
WIEACKER, Franz, História do Direito Privado Moderno (trad. port.
Privatrechtsgeschichte der Neuzeit [...]), 1967, 2.ed., Lisboa, Gulbenkian, 1993.
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O IMAGINÁRIO DA SOCIEDADE
E DO PODER
Objectivos da aprendizagem
Quando terminar esta unidade, o aluno deve ser capaz de:
• Identificar os traços fundamentais da constituição po-
lítica do Antigo Regime e derivá-los da ideia de corpo.
• Identificar os traços fundamentais do imaginário
absolutista e liberal e derivá-los da ideia de indiví-
duo, de vontade e de pacto.
• Compreender as razões do carácter central da ideia de
justiça no imaginário da sociedade de Antigo Regime.
• Compreender a oposição fundamental entre razão
e vontade, natureza e pacto, como fundamentos
teóricos da sociabilidade política.
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62 Cf. ibid.
63 Cf., infra, IV. 5.l. (“paradigmas de legitimação ...”).
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65 Sobre estas correntes, com bibliografia suplementar, Xavier, 1993, 127. Sobre as
escolas do pensamento político moderno, Ibid., 127 ss.
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Bibliografia citada
ALBUQUERQUE, Martim de, O Pensamento Político no Renascimento
Português, Lisboa, ISCSPU, 1968.
ALBUQUERQUE, Martim de, A Sombra de Maquiavel e a Ética Tradicio-
nal Portuguesa, Lisboa, Inst. Hist. Infante D. Henrique, 1974.
ALBUQUERQUE, Martim de, Jean Bodin na Península Ibérica. Ensaio de
História das Ideias Políticas e de Direito Público, Lisboa, Centro Cultural
de Paris, 1978.
ANDRADE, Alberto Banha de, Vemey e a Cultura do Seu Tempo, Coimbra,
Acta Universitatis Conimbrigensis, 1966.
* CURTO, Diogo Ramada, O Discurso Político em Portugal (1600-1650),
Lisboa, Universidade Aberta, 1988.
DIAS, José S. da Silva, “Pombalismo e teoria política”, in Cultura. His-
tória e Filosofia, (1982), pp. 45-114.
* MONCADA, Luís Cabral de, “Origens do moderno direito portugu-
ês. Época do individualismo filosófico e crítico”, in Estudos de História
do Direito, Coimbra, Acta Universitatis Conimbrigensis, 1949 pp. 55-178.
* MELO (Freire), José Pascoal de, Institutiones iuris civilis lusitani,
Ulysipone, 1789.
LANGHANS, Franz-Paul de Almeida, “História das instituições de
direito público. Fundamentos jurídicos da monarquia portuguesa”,
in Estudos de Direito, Acta Universitatis Conimbrigensis, Coimbra, 1957,
pp. 225-356.
PEREIRA, José Esteves, “A polémica do ‘Novo Código’”, in Cultura.
História e Filosofia, 1(1982), p. 289 ss.
PEREIRA, José Esteves, O Pensamento Político em Portugal no Século XVIII.
António Ribeiro dos Santos, Lisboa, INCM, 1983.
SAMPAIO, Francisco C. de Sousa, Prelecções de Direito Pátrio, Público e
particular, Lisboa, 1793.
SANTOS, António Ribeiro dos, Notas ao plano do Novo Código de direito
Publico de Portugal [...], Coimbra, Imp. Univ., 1844.
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Objectivos da aprendizagem
Quando terminar esta unidade, o aluno deve ser capaz de:
• Explicar o carácter histórico e cultural (por oposi-
ção a “natural”) de conceitos como o de “pessoa”
ou de “identidade pessoal”;
• Identificar pessoas “artificiais”;
• Explicar o significado central dos conceitos de “pes-
soa” e de “estado” (por oposição a “indivíduo”) no
imaginário jurídico e político do Antigo Regime;
• Definir alguns “estados” da sociedade de Antigo
Regime – nobres, clérigos, peões, escravos, estran-
geiros, mulheres, menores –, bem como os traços
fundamentais da sua situação jurídica e política.
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69 Cit. por Coing, 1985, I, 168. As interpolações que fizemos ao texto destinam-se
a evitar uma sua leitura banalizadora, reduzindo-o às evidências de hoje.
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73 Por exemplo, de rendas com as quais se pagassem missas pela sua salvação. A
instituição da alma como herdeiro foi proibida pela L. 9.9.1769; cf. alvo 20.5.1796.
74 Valasco, 1588, cans. 193, n. 1 ss.
75 Sobre este instituto, v. infra, II.3.
76 Com os quais se tivessem relações sexuais (bestialidade) ou responsáveis por
danos; sobre as acções de pauperie e noxal, utilizáveis no último destes casos, v.
Coing, 1985, 117; Pascoal de Melo, 1789 [Inst. iur. crim.], 1. 7, 8 (não estavam
em uso em Portugal).
77 Ferreira, 1870, I, 6. Só a reforma judiciária de 1832 teria posto fim a estas
práticas. Sobre a punição dos danos causados por animais, V. Manuel de
Almeida e Sousa (Lobão), Tratado pratico das avaliações e dos danos, § 36.
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95 “O pai e o filho são uma e a mesma pessoa pelo que respeita ao direito civil”,
Valasco, 1588, cons. 126, n. 12.
96 A relação entre estado e indivíduo chega a aparecer invertida, atribuindo-se ao
primeiro a eficácia de conformar o aspecto físico do segundo; diz-se, por exem-
plo, que o estado de escravidão destrói a fisionomia e majestade do homem (cf.
Carneiro, 1851, 69, nota a).
97 Cf., neste sentido, Clavero, 1986, maxime, 36.
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98 “Quem quer que não tenha nenhum destes estados [civil, de cidadania ou fami-
liar, status civilis, civitatis, familiae] é tido, segundo o direito romano, não como
pessoa, mas como coisa”, escreve Vulteius, 1727 (cit. por Coing, 1985, 170).
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99 “Os estados vulgares são infinitos”, escreve Lobão, 1828, II, tit. 1, § 1; outros
que podem ser considerados são os de ausente, cativo, miserável, infame,
indigno, solteiro, casado, viúvo, etc.
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104 A regra, nesta matéria, seria a de que têm nobreza “aqueles que se comportam
como nobres, andando a cavalo, adquirem o estado intermédio de nobreza (n.
457: Ord. fil., IV, 92, I). Mas admite, além disso, os “ricos adquirem nobreza,
independentemente de andarem a cavalo, desde que vivam honestamente e
não se ocupem de ofícios mecânicos” (n. 459); o mesmo aconteceria com os que
estão inscritos nas confrarias das misericórdias (n. 460) e os mercadores com
negócio superior a 100 000 réis (n. 466: Ord. fil.,I,90 e v.138).
105 V. infra, lV.2.
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113 V. g., interdições profissionais (como a dos cristãos-novos poderem ser admiti-
dos a certos cargos ou “ler no Paço”; como a dos clérigos poderem ser notários;
como a dos nobres poderem exercer ofícios vis); desigualdade do direito (v. g.,
Ord. fil., v. 120); preferência em (ou reserva absoluta de) cargos políticos (v. g.,
exercício de “cargos da governança” em certas terras).
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114 “A liberdade é a faculdade natural daquele que pode fazer aquilo que
quiser, a não ser que seja impedido pela força ou pelo direito. A escravatura
é uma criação do direito das gentes, pela qual alguém está, contra a natureza,
sujeito a outrem”.
115 Em obediência ao príncipio de que o filho segue a condição da mãe (partus
sequitur ventrem). Sobre a justificação deste princípio, que não apenas contra-
dizia o favor libertatis, mas ainda a ideia do carácter mais eficiente da pater-
nidade do que da maternidade (cf. infra, IV.I.), v. Fragoso, 1640, III, p. 618,
n. 11 (como o dono suporta o risco de vida em que incorre a escrava ao dar à
luz, é justo que tire também os benefícios correspondentes, adquirindo a
propriedade do filho!).
116 Cf. Fragoso, 1640, III, lib. 10, disp. 21 e 22. e literatura aí citada, nomeada-
mente, Azpilcueta Navarro, Luís de Molina e Femando Rebelo.
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117 Sobre isto, V. Anthony Pagden, The fall of the natural man and the origins of
comparative ethnology, Cambridge, 1982.
118 Em contrapartida, considerava-se que o direito pátrio (cf. Ord. fil., IV, 42)
extinguira os servos adscritícios; V. Fragoso, 1640, m, p. 615 s.; Pascoal de
Melo, 11, I, 13.
119 Cf. Fragoso, 1640, m, p. 621 ss.; Pascoal de Melo, 11, til. 1.
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120 No que respeita aos índios do Brasil, a tradição legislativa contrária à escravi-
dão é bastante antiga (cf. leis de 20.3.1570; 11.9.1595; 5.6.1605; 30.7.1609;
10.9.1611; 9.4.1655; 1.4.1680; 14.10. 1751).
121 Sobre a situação, no início do séc. XIX, v. Pascoal de Melo, II, til. 1; Carneiro,
1851, 101 ss.
122 Que não tinham correspondência nas anteriores, pelo que, antes, se aplicavam
as regras do direito comum (cf. Gilissen, 1988,547 ss.).
123 Isto é, de que a qualidade de natural ou de estrangeiro era determinada pelo
estatuto do pai.
124 Isto é, de que a qualidade de natural ou de estrangeiro era determinada pelo
lugar do nascimento.
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129 Sobre o direito dos estrangeiros, cf., ainda, Carneiro, 1851, I, 82.
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130 Em vários países da Europa, o príncipe era o sucessor dos estrangeiros (droit
d’aubaine; cf. Gilissen, 1988, 511); sobre os direitos dos residentes, Pascoal de
Melo, 1789,II 2, I.
131 Cf. Pegas, 1669, XI, ad 2,35, in princ., capo 4, n. 5; Portugal, 1673, II, c. 29, n.
156.
132 Cf. Thomaz, 1843, s.v., “conservatórias”.
133 Sendo então julgados pelo conservador da sua Nação (Carneiro, 1851,86 s.).
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IV, 76, ult); não podia estar em juízo senão por intermédio
do seu procurador (Ord. fil., III, 47; Ord. fil., v. 124, 16); não
ficava, em princípio, obrigada pela fiança dada a favor de
outrem (privilégio “Velleiano”, Ord. fil., IV, 61), estava feri-
da de incapacidades sucessórias (v. g., nos bens da coroa (cf.
infra, IV.A)134 , gozava de algum favor na aplicação das pe-
nas. No entanto, a organização corporativa não excluía as
mulheres, reservando-lhes mesmo uma lei de 8.11.1785 o
comércio de certos géneros.
No domínio dos ofícios, vigorava o princípio, de ori-
gem romana (D., 50, 17,2) de que as mulheres não deviam
ser admitidas aos cargos da república, embora se entendesse
que podiam exercer a jurisdição inerente a certa dignidade
(desde logo, à dignidade régia, de que não estavam excluídas
pelas leis fundamentais)135 .
No caso das mulheres casadas, o estatuto de mulher
combinava-se com o de esposa. Na verdade, era ao marido
que cabia exclusivamente a patria potestas. Mais tarde, a par-
tir de meados do século XVIII, embora se admita que, por
direito natural, à mãe competia também uma quota do po-
der sobre os filhos, continua a ser entendimento pacífico que
esta só o podia exercer na falta do pai. Por outro lado, a
mulher está, ela mesma, sujeita ao poder marital, ao abrigo
134 Sendo ainda habituais cláusulas de masculinidade nas regras sucessórias dos
morgados e dos prazos; cf. Fragoso, 1640, III, 347, n. 6; 356 ss.; 506, n. 1; 540,
n. 11; 603, n. 4.
135 Sobre o exercício de jurisdição eclesiástica, v. infra, IV.2.
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65
Bibliografia citada
AMARAL, Antonio Cardoso do, Liber utilissimus judicum [= Summa seu
praxis judicum, Ulysipone, 1610], ed. util. Conimbricae, 1740.
CARNEIRO, Manuel Borges, Direito Civil de Portugal, Lisboa, 1851.
CARVALHO, João de Tractatus de una, et altera quarta Falcidia [...],
Comimbricae, 1634.
* CLAVERO, Bartolomé, Tantas personas como estados. Por uma
antropología política de la historia europea, Madrid, Tecnos, 1986.
COING, Helmut, Europäisches Privatrecht. 1500 bis 1800, München,
Verlag C. H. Beck, 1985.
DIAS, José Sebastião da Silva, Os Descobrimentos e a Problemática Cultu-
ral do século XVI, Coimbra, Faculdade de Letras, 1973.
FERREIRA, José Dias, Código Civil Anotado, Lisboa, 1870.
GILISSEN, John, Introdução Histórica ao Direito, Lisboa,
Gulbenkian, 1988.
HESPANHA, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e
Poder Político. Portugal -século XVII, Coimbra, Almedina, 1994.
* HESPANHA, António Manuel, “A nobreza nos tratados jurídicos
dos séculos XVI a XVIII”, in Penélope, 12, 1993.
LOBÃO, Manuel de Almeida e Sousa, Notas a Meio, Lisboa, 1828-1829.
MELO (Freire), José Pascoal, Instituciones Iuris civiles [et criminalis]
lusitani, Ulysipone,1789.
MOLINA, Luis de, Tractatus de iustitiae et de iure, Cuenca, 1593-1600.
MONTEIRO, Nuno G., “Os sistemas familiares”, in J. Mattoso (dir),
História de Portugal, Lisboa, Circulo de Leitores, 1993, vol. IV (<<O
Antigo Regime”, dir. A. M. Hespanha), pp. 279-282.
PEGAS, Manuel Alvares, Commentaria ad Ordinationes regni Lusitaniae,
Ulysipone 1669-1703,12+2 vols.
REBELO, Femando, De obligationibus iustitiae et charitatis, Lugduni, 1608.
ROCHA, Manuel Coelho da, Instituições de Direito Civil Português,
Coimbra, 1848.
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Objectivos da aprendizagem
Quando terminar esta unidade, o aluno deve ser capaz de:
• Explicar o carácter histórico e cultural (por oposi-
ção a “natural”) de conceitos como o de “coisa” (e
sua distinção em relação a “pessoa”);
• Definir o conceito de “coisificação” dos direitos na
ordem jurídica de Antigo Regime;
• Distinguir o conceito moderno de “domínio” do
conceito actual de “propriedade”;
• Definir institutos como os de propriedade, enfi-
teuse, censo;
• Explicar as tendências gerais do liberalismo indivi-
dualista no que respeita às situações reais e suas
manifestações em Portugal.
3.1 As coisas
O correspondente, para o direito, do nosso mundo
externo, é constituído pelo conjunto das coisas. No entan-
to, se nos detivermos um pouco sobre o que o direito co-
mum137 considera uma coisa, logo veremos que o mundo dos
objectos jurídicos é um estranho mundo, que pouco tem a
ver com o mundo dos objectos do senso comum. “Coisa é
um nome geral”, escreve António Cardoso do Amaral, um
jurista português do século XVII138 “compreendendo direi-
tos, contratos e todas as obrigações [...]; trata-se de uma de-
finição perigosa de coisa, pois, devendo a definição ser a
demonstração da substância do definido, se verificam neste,
no caso presente, muitas variações, de acordo com as cir-
cunstâncias dos negócios”. Nesta “definição” convém des-
tacar dois traços: por um lado, o vastíssimo âmbito de “coi-
sa”, que inclui realidades puramente imateriais (como os di-
reitos e as obrigações); por outro lado, a mutabilidade das
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145 Em todo o caso, o direito actual protege, como direito real, direitos sobre bens
imateriais (v. g. propriedade intelectual).
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146 Sobre os meios de defesa próprios do direito real no período do direito co-
mum, v. Coing, 1985, I, 341 ss.
147 V. Coing, 1985, 342 ss.
75
148 Como, neste último caso, não existe um substrato material sobre que o direito
real se exerça, a posse é feita equivaler a um uso longo do direito sobre que ela
incide; cf. Coing, 1985, I, 343.
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154 A apropriação das coisas alheias seria um acto caritativo, em benefício (espi-
ritual) dos próprios espoliados.
155 A Segunda Escolástica (nomeadamente, Domingo de Soto) nega, porém
esta conclusão, legitimando, com base no direito natural, a propriedade que
os povos “encontrados” tinham sobre as suas terras e coisas (Soto, 1556, IV,
2, 1 [287]).
82
156 Sobre o tema, v. Grossi, 1992, maxime, 150 ss. (com outras referências
bibliográficas).
157 Grossi, 1992, 156.
158 Cf., sobre isto, Grossi, 1973.
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159 “O domínio das coisas externas não se justifica senão pela razão de que cada
um é dono das suas próprias acções; é que o domínio que cada um tem dos
seus actos é a causa e a raiz daquele que tem sobre as outras coisas”, Soto.
160 Grossi, 1976, I, 200 ss.
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161 Daí que só possam ser sujeitos de domínio os seres dotados de entendimento
e livre arbítrio; o que exclui que se possa falar de propriedade na titularidade
de coisas ou de animais, como antes se admitia (cf. Sotto, 1556, 284).
162 Grossi, 1992, 169.
163 Nomeadamente, direitos concorrentes de outrem, como uma servidão ou um
usufruto.
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166 Costa, 1822, loc. cit.. Como aí se pode ver, o conceito de propriedade é
utilizado para descrever todas as relações jurídicas: a liberdade pessoal é a
propriedade sobre o próprio corpo, a liberdade intelectual é a propriedade
sobre o pensamento, etc.
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168 Correia Teles (Teles, 1835, I, § 741) ainda inclui no direito de propriedade os
direitos de jurisdição. Mas as servidões pessoais (personae servir rei) tinham
sido ou estavam a ser abolidas: a servidão doméstica, fora-o em 1771 (alvs.
16.1 e 19.9, completados pelos de 16.1.1773 e 10.3.1800); as servidões pessoais
a favor de prédios foram abolidas como direitos banais pela lei de 24.7.1846
(retomando a sua extinção em 1824). Cf. Rocha, 1848, §§ 524 e 587; Lobão,
1828, 437, 442-443.
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174 Os prazos perpétuos ou em vidas ainda podiam ser “de livre nomeação”, em
que cada enfiteuta designava o seguinte, ou “de pacto e providência”, em que
toda a linha de sucessão era fixada no pacto de constituição da enfiteuse.
175 A distinção prática entre enfiteuse e censos (ou mesmo arrendamentos a longo
prazo) não eram simples. Sobre a distinção, v. o interessante texto de Baptista
Fragoso, por mim publicado em Gilissen, 1988, 659.
176 Sobre os critérios gerais utilizados para a classificação das situações, v.
Gilissen, 1988,650.
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184 Cf. Manuel de Almeida e Sousa, Tratado pratico de todo o direito emphyteutico,
Lisboa 1814 (ed. cons. 1857), II, 148 ss.
185 Cf. Pascoal de Melo, 1789, III, 11,26.
186 No mesmo sentido, a C. L. de 4.7.1768 converte os prazos eclesiásticos de
passado em prazos vitalícios (§5).
100
Bibliografia citada
AMARAL, António Cardoso do, Liber utilissimus judicum [= Summa seu
praxis judicum, Ulysipone, 1610], ed. util. Conimbricae, 1740.
ATTALI, Jacques, Au propre et au figuré. Une histoire de la propiété, Paris,
Fayard, 1988.
COING, Helmut, Europäisches Privatrecht. 1500 bis 1800. 1. Älteres
Gemeinse Recht, München, C. H. Beck, 1985.
COSTA, Vicente José Cardoso da, Que he o Codigo civil, Lisboa, 1822.
GILISSEN, John, Introdução histórica ao direito, Lisboa, Gulbenkian, 1988.
* GROSSI, Paolo, Le situazione reali nell’esperienza giuridica medievale,
Padova, Cedam, 1968.
GROSSI, Paolo, “La proprietà nel sistema privatistico della Seconda
Scolastica”, in La Seconda Scolastica nella formazione del diritto privato
moderno. Atti dell-Incontro di studio di Firenze, Milano, Giuffre, 1973.
GROSSI, Paolo, “Tradizione e modelli nella sistemazione post-unitaria
della proprietà”, in Quad. fior. per la storia del penso giur. moderno, 5/6
(19761977); I.
* GROSSI, Paolo, Il dominio e le cose, Milano, Giuffre, 1992.
* HESPANHA, António Manuel, “O jurista e o legislador na constru-
ção da propriedade burguesa-liberal em Portugal”, in Histórias das
instituições. Textos de apoio, Lisboa, palie. 1979 (versão sem notas, An.
soe., 61-62 (1980) 211-236.
101
Notas
(1) Enumera aqui os doutores (n. 265 ss.: cf. Ord. fil., III,59,15; v.120; III,87,23), os
licenciados (n. 278 ss.: cf. Ord. fil., v.120; III.29; III,59,15; 1,66,42); os mestres
de artes (n. 283 ss.); os bacharéis, nomeadamente advogados (n. 284 ss.). Já o
estatuto dos médicos seria discutível (n. 296 ss.). E indiferente (não dando nem
tirando a nobreza), o dos cirurgiões (n. 308), dos boticários (n. 314), dos ouri-
ves (n. 324), dos músicos (n. 325) e dos matemáticos (n. 326).
(2) Além da “milícia armada” (n. 329 ss.) – cavaleiros das ordens militares (que
também têm o estatuto de clérigos), oficiais militares (condestável, almiran-
te, capitães-mores, capitães de fortalezas, cavaleiros das companhias e cava-
lo, capitães e alferes de ordenanças) – inclui aqui, significativamente, a “mi-
lícia inerme” (362 ss.), na qual enumera os oficiais palatinos (v. g., o mordomo-
mor, o camareiro-mor, os moços da câmara; “condes palatinos”, como o
trichante-mor, o estribeiro-mor, o mordomo das obras; outros oficiais, como
os capitães da guarda e de dos ginetes; “condes consistoriais”, como os
membros do Conselho de Estado, notários régios, secretários régios, oficiais
da fazenda). O mesmo estatuto teriam os oficiais da Casa de Bragança, que
então não era a casa real (n. 385).
(3) Dariam nobreza os ofícios e governadores de armas das províncias (n. 405),
regedor das Justiças (n. 406: Ord. fil., 1,1); presidente do Desembargo do Paço (n.
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(20) Cf. Manuel Femandes Thomaz, Observações sobre o discurso que escreveu Manoel
d’Almeida e Sousa em favor dos direitos dominicaes da coroa, donatarios e particulares,
Coimbra, 1814.
(21) Que só serão abolidos em 19.5.1863, embora legislação pombalina (Cs. L. de
7.9.1769 e de 3.8.1770; cf., suspendendo parte das suas disposições, a c.L. de
17.7.78) já tivesse tomado certas medidas destinadas a liberar a propriedade
vinculada: na verdade, estas leis proíbem (ou, no caso, dos morgados,
condicionam a autorização régia, dada pelo Desembargo do Paço), para o
futuro, a instituição de morgados e de capelas sobre bens de raiz, mandam
reverter à coroa os devolutos e extinguem os que não tenham um rendimento
superior a certa quantia. Estas duas cartas de lei devem ter gerado um movi-
mento de desvinculação que, no entanto, não foi ainda estudado (cf. Tomás
António de Villanova Portugal, em Memorias de litteratura, III, 460).
(22) Já havia uma tradição legislativa anterior, impondo limites aos censos ou aos
juros (cf. alvs. 13.12.1614; 12.10.1643; 23.5.1698). No entanto, as providências
pombalinas são especialmente relativas aos censos do Algarve. Cf. alvs.
16.1.1773 (limita os censos a 5% do produto); 4.8.1773 (reduz os censos a 1/
3); 15.7.1779 (volta atrás, reduzindo-os apenas a 1/2). Mais tarde, discute-se
a oportunidade de estender esta determinação a todo o reino.
(23) Sobre a lesão na enfiteuse, v. Manuel Gonçalves da Silva, Commentaria ad
Ordinationes, Ulysipone, 1740, IV, 327 ss.; Manuel de Almeida e Sousa, Discurso
juridico, historico e critico sobre os direitos dominicaes, Lisboa 1813, § 68 ss., n. 46 ss.
(24) O projecto baseava-se num voto ainda mais ousado do desembargador
Francisco de Abreu, que ampliava a anterior disposição a todos os particula-
res. V. a documentação no A.N.T.T., Reino, mç. 356.
(25) Com base num texto de Digesto relativo à concessão pública de águas (D.,
43,20,1,44), Bártolo defendia a opinião de que a equidade obrigava à renova-
ção da enfiteuse “equidade bartolina”). Sobre a equidade bartolina na doutrina
portuguesa pré-iluminista, v. António Cordeiro, Resoluções theojuristicas, Lis-
boa, 1718, resol. 1 a 12 (adversário da renovação, fundando-se no direito
comum e pátrio e na prática dos tribunais do reino, pelo menos a partir do
século XVI); quanto a este último ponto, as opiniões não são, contudo, unifor-
mes (cf. Alvaro Valasco, Decisionum, consultationum ac rerumjudicatarum,
Ulysipone 1583-1601 [ed. cons. 1730], que refere haver discrepâncias na juris-
prudência da Casa da Suplicação e da Casa do Cível).
(26) É o caso de Vicente José Cardoso da Costa, Memoria sobre a avaliação dos bens
de prazo, Lisboa 1802, 30 ss.
106
O DIREITO
Objectivos da aprendizagem
Quando terminar esta unidade, o aluno deve ser capaz de:
• Explicar o carácter modelar do discurso e das téc-
nicas de decisão do direito;
• Identificar os mecanismos pelos quais o direito moder-
no se renova e se abre ao contexto cultural e social;
• Identificar os traços de casuismo e de particularismo
do direito de Antigo Regime;
• Definir os traços gerais do processo de recepção do
direito romano e avaliar a sua importância do pon-
to de vista político;
• Caracterizar a ordem jurídica portuguesa moder-
na, pré e pós-pombalina.
110
188 Tendo como virtudes anexas a religião (em relação a Deus), a piedade (em
relação aos pais), a observantia (em relação aos diferentes estatutos sociais), a
verdade e a graça; cf. S. Tomás, Summa theologica, II.IIae, qu. 58-123.
189 Cf. S. Tomás, Summa theologica, II.IIae, qu. 47-57.
190 Sobre o juizo, S. Tomás, Summa theologica, II.IIae, qu. 60.
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192 Que, para este efeito, pode ser considerado como um “intertexto” no qual o
texto lido é integrado e do qual passa a receber sentido.
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194 Ou seja, estabelecem regras que são válidas pela sua evidência ou
racionalidade, independentemente de terem sido “recebidas” no discurso jurí-
dico; referem-se a um discurso a fazer (infieri) e não a um discurso feito (factum).
195 Embora deva ser salientado que o direito letrado não constituiu a única fonte
de regulamentação da sociedade; longe disso. Concorrendo com ele estavam,
para além do direito espontâneo, ordens normativas como a moral e a religião.
Para não falar já de formas menos estruturadas e visíveis de normação social
como a rotina e o senso comum.
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196 Qual seja a natureza das coisas, o que é que é equitativo, qual o equilíbrio
desejável do interesse, o que é que é exigido pelo interesse da comunidade.
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199 Cf. Siete Partidas: “estabecimientos porque los omes sepan bivir bie, e ordenada-
mente, segun el plazer de Dios” (I, 1, I); “lyeda q(ue) yase enseñamento, e castigo
escripto que liga, e apremia la vida del hombre que no faga mal” (I, 1,4).
200 Sobre o conceito de lei neste período, v., por todos, Gilissen 1988, 291 ss. (e a
minha nota, para Portugal, 318 ss.).
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perador, dos reis) tinham uma patria communis e que isso legi-
timava o recurso para uma última instância jurisdicional co-
mum – a curia (imperialis; regia). Mas estas ideias, se anima-
vam eventualmente algum jurista a declarar “odiosos” os pri-
vilégios ou a negar a validade de uma lei, um estatuto ou um
costume por serem contra tenorem iuris rationis (contra os prin-
cípios do direito), não era suficiente para tirar à ordem jurídi-
ca moderna o carácter particularista a que nos referimos.
É só na segunda metade do século XVIII, com o adven-
to de novas ideias (racionalistas, axiomáticas) sobre o direi-
to204 e com o aparecimento de novos projectos políticos de
exaltação da coroa (e da sua legislação) e de consequente
abatimento dos juristas como fonte autónoma de direito que
se imporão medidas tendentes a erigir a lei em primeira fonte
de direito, os “princípios gerais do direito” em fundamento
da ciência jurídica e a obediência cega à lei em norma
deontológia dos juristas205 .
204 Wieacker 1993, 279 ss.; Gilissen, 1988, 364 ss. Cf, para Portugal, Silva, 1985.
205 Hespanha, 1978.
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206 V., por todos, Amaral 1610, s.v. “consuetudo”. Outras fontes, Hespanha
1994, 356 ss.
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207 Uma das mais antigas definições de lei na tradição jurídica medieval e moderna
salienta esta necessária intervenção dos juristas na elaboração da lei (“lex est
constitutio populi virorum prudentium consulto promulgata”, Irnério, s,c. XII); a
mesma ideia de que a lei é antes de tudo, um ensinamento e não um comando
aparece nas Siete Partidas de Afonso X (I,1,1):“leyenda que yaze ensefiamento, e
castigo escripto [...]”. Cf. sobre o tema Hespanha 1.982,416 e Gilissen 1988, 318.
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208 Note-se que a palavra “parlamento” tanto designa um tribunal como uma
assembleia de estados.
209 Note-se, além do mais, que, nas faculdades, não aprendiam o direito pátrio,
mas apenas a tradição doutrinal do direito comum. Em Coimbra, v. g., o ensino
do direito pátrio apenas é (e precocemente) introduzido em 1772.
210 Sobre este vastíssimo tema v. Hespanha, 1982, 418; Hespanha, 1994,516 ss. (e
bibl. aí cit.); mais recentemente, v. os vários artigos incluídos em Sapere e potere...,.
138
211 Cf. Hespanha 1982,500 ss. e bibl. aí citada, nomeadamente Silva, 1985,221
ss... e Cruz 1975,241 ss.
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212 Aquilo a que hoje chamamos “direito privado” (contratos, direito das coisas,
família, sucessões) tinha um tratamento mínimo nas fontes jurídicas pátrias.
E, para muito do “direito público” (v. g., para o tratamento das relações entre
a coroa e os restantes poderes, designadamente a Igreja, para o regime das
doações de bens da coroa, para o regime dos ofícios) era indispensável integrar
eventuais dados da legislação portuguesa no contexto conceitua1 e doutrina1
do direito comum. Sobre a lei em Portugal nesta época, com indicação de
ritmos de edição e temáticas, v. a minha nota em Gilissen, 1988, 318 ss.
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213 Sobre a “Lei da Boa Razão” v., por todos, Hespanha, 1978, 73 ss.; Silva, 1985, 276.
214 Cf. Hespanha, 1978; Silva 1985, 259; Gilissen, 1988, 370.
141
142
Bibliografia citada
AMARAL, António Cardoso do, Liber utlissimus ..., Ulysipone, 1610.
BOURDIEU, Pierre, “La force du droit. Éléments pour une sociologie
du champs juridique”, in Actes de la recherche en sciences sociales,
64(1986.11) pp. 3-19 (trad. porto em P. Bourdieu, O poder simbólico,
Lisboa, Difel, 1990.
CAVANNA, A., Storia del diritto privato moderno in Europa. 1. Le fonti e
il pensiero giuridico, Milano, Giuffre, 1982.
CRUZ, Guilherme Braga da, “O direito subsidiário na história do direi-
to português”, in Revista Portuguesa de História, 14(1975), pp. 177-316.
FOUCAULT, Michel, L’archéologie du savoir, Paris, Gallimard, 1969.
GILISSEN, John, Introdução Histórica ao Direito, Lisboa, Gulbenkian, 1988.
HESPANHA, António Manuel, “Sobre a prática dogmática dos juris-
tas oitocentistas”, in A. M. Hespanha, A História do Direito na História
Social, Lisboa, Livros Horizonte, 1978, pp. 70-149.
HESPANHA, António Manuel, História das Instituições. Épocas medie-
val e moderna, Coimbra, Almedina, 1982.
HESPANHA, António Manuel, “Savants et rustiques. La violence
douce de la raison juridique”, in Ius commune (Max-Planck-Institut f.
europ. Rechtsgeschichte, Frankfurt/Main), 10(1983) 10 ss.
HESPANHA, António Manuel, “Da ‚iustitia‘ à disciplina. Textos,
poder e política no Antigo Regime”, in Estudos em Homenagem ao Prof.
Doutor Eduardo Correia, Coimbra, 1986 (saído) em 1989.
HESPANHA, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e
Poder Político. Portugal, século XVII, Coimbra Almedina, 1994.
Sapere ele potere. Discipline, dispute e professioni nell università medievale
e moderna. “Atti Del 4º Convegno” (dir. L. Avellini, A. Cristiani, A. de
Benedicitis), Bologna, Comune di Bologna, 1990.
HOLUB, C., Teoria della ricezione, Torino, Einaudi, 1989.
MARQUES, Mário Reis, “Ciência e acção: o poder simbólico do dis-
curso jurídico universitário do período do ‘commune’”, in Penélope, 6
(1992), pp. 63-72.
143
Notas
(1) Por “sociedade tradicional europeia” entendo, neste contexto, a sociedade
medieval e moderna, mas também a sociedade tradicional camponesa dos
séculos seguintes até à actualidade. A antropologia jurídica actual não deixa
de encontrar um imaginário do mesmo tipo nas sociedades contemporâneas,
nas sociedades fortemente dualistas não europeias, mas ainda no centro do
primeiro mundo. Cf. Boaventura Sousa Santos, “O discurso e o poder. Ensaio
sobre a sociologia da retórica jurídica”, Boi. Fac. Direito de Coimbra, 1979; Richard
Abel, “Theories of 1itigation in society. “Modem” dispute institutions in “tribai”
societies and “tribal” dispute institutions in “modem” society as altemative
legal forms”, in E. Blankenburg (ed.), Alternative Rechtsfformen und Alternativen
zum Recht, Westdeutscher Verlag, 1982, 165-191.
(2) Que inclui, de resto, muitas obras que, em rigor, se poderiam classificar tam-
bém de jurídicas, como, v. g., todos os comentários à “secunda secundae” da
Summa theologica de S. Tomás, nomeadamente das quaestiones – que são a
maioria – em que ele se ocupa das virtudes que têm uma dimensão social,
como a prudência ou a justiça.
(3) Mas encontram-se também no C. J. Cano textos apenas doutrinais (como é o
caso dos textos de Santo Isidoro de Sevilha incluídos no Decretum de Graciano).
(4) Gnósticos ou cabalísticos; mesmo no domínio do direito, existe alguma literatu-
ra de recorte cabalístico (v. g., tratados sobre numerologia jurídica).
(5) Figurando, inclusivamente, como opinião comum, reservando-se para a nova a
designação de “opinião mais recente” (recentior opinio, “hodie autem ...”, “nos
autem ...”) ou, inclusivamente, de “opinião mais comum” (communior opinio).
(6) Nem sempre a ruptura é tão dramática como aqui se supõe. De facto, o novo
ciclo textual (v. g., de comentários à legislação régia, como a série de comentá-
rios às Ordenações portuguesas) pode manter conexões muito fortes com o
anterior, nomeadamente enquanto, para a interpretação do novo texto, se con-
tinua a recorrer à tradição textual mais antiga (no mesmo exemplo, a tradição
do direito comum). Inclusivamente, esta pode reabsorver a nova no seu intertexto.
Isto acontece, utilizando ainda o mesmo exemplo, quando se limita o alcance
dos novos textos legislativos dos “direitos próprios” em função do conteúdo
da tradição do “direito comum”.
144
145
OS PODERES
Objectivos da aprendizagem
Quando terminar esta unidade, o aluno deve ser capaz de:
• Explicar o carácter naturalmente regulado das re-
lações familiares na sociedade de Antigo Regime e
as consequências normativas desta ideia;
• Avaliar a área de expansão do “modelo domésti-
co” como paradigma de organização política;
• Identificar os princípios estruturais do imaginário
da família – naturalidade, unidade, honestidade;
• Caracterizar os traços gerais do regime do poder
paternal, dos deveres dos filhos e da sua capacidade
patrimonial, dos deveres da mulher, da transmissão
do património familiar, da situação dos criados.
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220 “Copula [vel osculi, amplexus, tactus vel delectatio memoriae] ex sola
delectatione [...] habet finem indebitum” (a cópula, beijos, abraços, afagos ou
o deleite pelas recordações que visem apenas o prazer têm um fim indevido), S.
José, 1791, tr. 34, n. 149 e 156 ss.
221 Sobre a gestualidade sexual, v. S. José, 1791, tr. 34, ns. 158 ss.: condenação de
todas as posições sexuais diferentes daquela que veio a ser conhecida como a
“posição do missionário” (amantes deitados, voltados um para o outro, com
o homem por cima). Tal opção não era arbitrária, mas antes justificada com
argumentos ligados à natureza e finalidade do coito humano: na verdade, esta
posição seria a que melhor garantiria a fecundação, denotava a superioridade
do homem e, pondo os amantes de frente um para o outro, realçava a dimen-
são espiritual do acto.
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222 Constituíam pecado venial (ou mortal, no caso de fazerem correr o risco de
ejaculação) (S. José, 1791, tr. 34, n. 158).
223 Durante a menstruação, a gravidez e o puerpério (S. José, 1791, tr. 34, ns.
150153), durante a Quaresma e dias santos de guarda (ibid., 150).
224 Em lugar público ou sagrado (salva necessita te ...); o mesmo valia para as
carícias (S. José, 1791, tr. 34, n. 156).
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229 O direito canónico alargava ainda a noção de família – e alguns dos corres-
pondentes deveres – aos pais espirituais, condição que se adquiria pelo baptismo,
confissão e crisma, além de incluir também os tutores e os mestres (Fragoso,
1641, p. III. 1. 1, d. 1, §4, n.50).
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230 Dever de auxílio mútuo (cf. Ord. fil, v. 124,9), direitos sucessórios (Ord. Fil,
IV, 90,94, pr., 96), direito de reagirem judicialmente contra a usurpação de
armas e apelidos (Pegas, 1685, v. c. 116).
231 Que alguns estendem até ao ponto de abranger o dever de ser útil aos vizinhos
(Natividade, 1653, op. v. cap. 13.).
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244 Pois, além da deserdação das filhas, nos termos aí consignados, cominava
ainda a deserdação dos filhos, qualquer que fosse a sua idade (!), que se
casassem, fosse com quem fosse, indigno ou digno, sem consentimento dos
pais (Collecção chronologica dos assentos..., ass. 282).
245 Cf., v. g., as leis abolindo a distinção entre cristãos velhos e cristãos novos,
25.5.1773 e 15.12.1 774; e o dec. contra os “puritanos” de 1768.
166
246 Fragoso, 1641, III, 1. l0, d. 22, § 5, ns. 117/118, p. 650; Lobão, 1628, § 22 (este
mais restritivo quanto aos deveres dos filhos).
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256 Embora tal uso atribuísse ao primogénito uma certa “preeminência e dignida-
de” (Pegas, 1685, cap. 1, n. 3 ss.; Fragoso, 1641, p. 3, 1. 9, d. 20, § 1, n. 8, 576).
257 Sobre o princípio da primogenitura na história do direito europeu, Gilissen,
1988, 681 s.; para Portugal, Ibid., 694 ss.
258 Daí que, em geral, se excluis sem as mulheres da sucessão dos morgados,
dada a sua incapacidade para transmitir o nome: “a família aumenta pelos
varões em dignidade e honra e destrói -se e extingue-se pela mulheres; e por
isso se diz que as mulheres são o fim da família” (Miguel de Reinoso, Obser-
vationes [...], ob. 14, nºs 9/11).
172
259 Gaetano Filangieri, Scienza della legislazione, 1780, 1,18,10; cf., para a discus-
são, Lobão, II, §§ 1-18.
173
175
ainda a adscrição (cf. Ord. fil., IV, 28). Mas as relações entre
o senhor e os servos criados desenvolviam-se no ambiente da
família patriarcal (da “casa”) que criava, de parte a parte,
laços muito variados.
Desde logo, “criados” (famuli, “família”) eram, tradi-
cionalmente, aqueles que viviam com o senhor “a bem fa-
zer”, ou seja, pelo comer e dormir. São quase apenas estes
que as Ord. Man. (de 1521, IV, 19) consideram, não lhes re-
conhecendo (como, de resto, acontece com o direito comum)
direito a reclamarem uma soldada. Apesar da inversão
verificada com as Ord. fil. – que passam a reconhecer um
direito geral a um salário e reflectem o advento de um mun-
do (urbano?) muito mais expandido de relações mercenárias
de trabalho (cf. IV, 32 ss.) –, a doutrina continua a resistir a
integrar as relações domésticas de trabalho no “mercado do
trabalho” e distingue os criados domésticos, segundo o mo-
delo tradicional261 – cujo direito ao salário entende estar de-
pendente de uma longa série de avaliações arbitrárias (cf. o
comentário de Silva 1731 a Ord. fil., IV, 30) –dos trabalhado-
res mercenários externos. Os laços de vinculação pessoal –
que se traduziam, nomeadamente, num muito débil direito
ao salário (ou, pura e simplesmente, na sua ausência) e na
necessidade de licença do senhor para abandonar a casa –
261 “Domestici sunt illi, qui cum aliquo continue vivunt, data aliqua inferioritate,
ad unum panem, & ad unum vinum” (domésticos são aqueles que vivem
com alguém, implicando alguma inferioridade, por um pão e um copo de
vinho, Pegas, 1789, III, ad I,24, gl. 20, n. 2); cf. também Reinoso, 1625, ob. 32,
n. 4 e Ord. fil., II, 11.
176
262 Lobão invoca, significativamente, o direito dos Estados alemães que, como se
sabe, conservaram até muito tarde o regime de servidão e de adscrição.
263 Cf., em geral, sobre o tema, Natividade, 1653, op. XII.
177
178
179
Bibliografia citada
ANDRADE, Diogo Paiva de, Cazamento peifeito em que se contem
advertencias muyto importantes para viverem os cazados em quietação e
contentamento, [...], Lisboa, 1630.
ANTOINE, Gabriel S. J., Theologia moralis ad usum parochorum &
confessariorum, Romae, 1741.
BARROS, João de, Espelho de cazados, Porto, 1540.
* CASEY, James, História da Família (trad. port. de The history ofthe
Familily, 1989), Lisboa, Teorema, s./d. [1991].
CHAVES, Castelo Branco (org.), O Portugal de D. João V visto por Três
Forasteiros, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1989.
COING, Helmut, Europaisches Privatrecht. Band I. Alteres Gemeines Recht
(1500 bis 1800), München, C. H. Beck, 1985.
CORDEIRO, António, Resoluçoens theojuristicas [...]. V. De morgados, ou
capelas vinculadas, Lisboa Occidental, 1718.
FERNANDES, Maria de Lurdes C., “As artes da confissão. Em torno
dos manuais de confessores do séc. XVI em Portugal”, Humanística e
Teologia, 11(1990), pp. 47-80.
180
181
Notas
(1) O bimester tinha como finalidade permitir a qualquer dos cônjuges uma últi-
ma reflexão sobre o ingresso no estado religioso. Mas, subsidiariamente, des-
tinava-se a aumentar, pela espera, o desejo de consumação (S. José, 1791, tr.
34, II, n. 110).
(2) As limitações ao dever de entrega eram poucas: doença sexual transmissível,
demência, embriaguez, pendência de divórcio, incapacidade da mulher para
dar à luz filhos vivos (mas não já perigo de parto difícil). Algumas destas
causas de inexigibilidade do débito cessavam sempre que a recusa causasse
perigo de desavença ou de incontinência (e, logo, pecado) do outro cônjuge (S.
José, 1791, tr. 34, II, n. 135 ss.). Fora destes casos, a exigência de relações
sexuais tinha que se conformar, como se verá, àquilo que era considerado como
um “uso honesto” do casamento (S. José, 1791, Ibid.; Larraga, 1788, tr. 9, § 8).
(3) Isto penalizava, naturalmente, a sexualidade da mulher, cuja satisfação po-
dia não coincidir com o momento da inseminação. Neste ponto, os moralis-
tas, condescendiam um pouco com o erotismo, permitindo à mulher que não
tivesse tido o orgasmo durante o coito excitar-se até o atingir ou consentindo
ao marido prolongar o coito depois do seu orgasmo até ao orgasmo da
mulher (S. José, 1791, tr. 34, n. 161; Larraga, 1788, tr. 9, 1, 269 ss.). Não se
tratava, em todo o caso, de uma obrigação para ele, pois a mulher apenas
tinha direito a um coito consumado [do ponto de vista da sua eficácia
182
generativa], mas não a um coito satisfatório; por outras palavras, tinha direi-
to a engravidar, mas não a gozar.
(4) Cf. Natividade 1653, op. IV, c. 3, n. 2/3, pg. 110. Existem algumas limitações
a este princípio, consubstanciadas em direitos dos filhos (v. g., “alimentos”,
dotes, bens integrados em pecúlios próprios), da mulher (v. g., “alimentos” ou
reparação de “injúrias”), dos criados (v. g. “soldadas”) e, até, dos escravos (v.
g., a vindicação da “liberdade” ou reparação de “injúrias”), oponíveis judicial-
mente ao pater.
(5) A questão da ordo amoris, em geral, era discutida na qu. 26 da IIa.IIae da
Summa theologica: é maior o que se tem pelos mais próximos do que o que se
tem pelos melhores (princípio que não deixa de ser subversivo em relação a um
princípio constituinte da sociedade política), art. 7; o pai prefere a mãe, na
ordem do amor, art. 10; os filhos preferem os pais, art. 9; a mulher prefere os
pais, art. 11; o beneficiado o beneficiante, art. 12).
(6) Cf. S. Thomas, Sumo theol., IIa.IIae, qu. 26; Fragoso, Regimen..., p. 3, 1. 1, d. 1,
§ 1, ns. 8/9). As fontes escriturais desta eminência do amor entre os cônjuges
eram, sobretudo, Gen., 11,24 (“pela esposa, deixe o marido o seu pai e a sua
mãe”), Mat., 19,6 (“e assim já não são dois, mas uma só carne”); Paul., 28,33
(“os maridos devem amar as suas esposas como a si mesmos”).
(7) No caso dos filhos legítimos e naturais, os alimentos eram devidos de acor-
do com a qualidade e possibilidades do pai; nos espúrios apenas segundo
a sua indigência (utfame non pereant), Fragoso, 1641, m, p. 153 (o A. afasta-
se desta opinião, que seria a recebida, sendo favorável à plena equipara-
ção); Lobão, 1828,7.
(8) Cf. Fragoso, 1641, III, I. 2, d. 3, ? 3, ns. 1 ss. [sobre o termo do poder paternal]
e 82 a 114 [sobre este último ponto]; Pascoal de Melo, 1789,II,5,21 ss. (contra,
Lobão, 1818, ad v.27, rubr.)
(9) “Confesso que nunca vi provada claramente, nem julgada no foro tal socieda-
de universal tacita com effeitos de expressa, nem tão pouco jámais vi escriptura
de sociedade universal expressa”, escreve Lobão (Tratad ..., § 789); mas não
deixa de expor uma série de regras sobre as partilhas de sociedades de amanho
comum das terras paternas, constituídas, nomeadamente em meios rústicos,
entre irmãos, com suas mulheres e filhos (cf. § 777 e ss.; no caso de os irmãos
serem “nobres”, § 785).
(10) V., sobre o seu conteúdo (doutrina sagrada; pelo menos, o credo, o decálogo,
o padre-nosso e os principais mistérios da fé (Fragoso, 1641, p. III, 1. 1, d. 1, §
6, p. 21 s.). Também, Natividade 1653, op. X).
(11) Cf. Ord.fil., IV,97,7; v. também, sobre o alcance desta obrigação paterna,
Fragoso, 1641, p. III, 1. 1, d. 1, § 6, ns. 96 ss. (em Portugal, seria costume dever
o pai custear os estudos e livros universitários do filho, mesmo que não concor-
de com eles. Tudo isto limitado, naturalmente, pela condição familiar e pelas
posses do pai. Lobão (1828, § 47 ss.) entende que os pais nobres estão obriga-
dos a pagar os estudos até ao grau de bacharelou doutor (§ 48).
(12) Decorre das mesmas listas de “bons” e “maus” teólogos (cf. XI e 38) que
dos dois lados estavam jesuítas; mas o sentido geral da teologia moral da
Segunda Escolástica, dominada pelos jesuítas, era, de facto, liberalizador
quanto a este ponto.
183
(13) Para mais detalhes, v. o meu artigo “Carne de uma só Carne”. Para uma
compreensão dos fundamentos histórico-antropológicos da família na época
moderna” (a publicar em Análise social (1993), núm. de homenagem ao Prof.
Doutor Adérito Sedas Nunes).
(14) Nos seus vários tipos de castrense, quasi castrense, adventício e profecticio, enume-
rados por ordem decrescente de poderes de disposição; cf. Fragoso, 1641, III, 1.
1, d. 2, §8, ns. 229 ss.; Lobão, 1828, cap. 13. Sobre a capacidade para se
obrigarem, Fragoso, 1641, III, 1. 1, d. 2, §9.
(15) Fragoso, 1641, III, 1. 1, d. 1, § 3, n. 42. Daí que os juristas entendam que o
adultério mútuo e recíproco não se pode compensar, pois “a impudícia na
mulher é muito mais detestável do que no homem”, Ibid., III, 1. 3, d. 4, § 2, n. 41.
É também esta desigualdade, do amor, do ciúme e da dor que faz com que o
marido não seja punido (no secular, pois, no espiritual, sempre incorre em peca-
do mortal) se matar a mulher colhida em flagrante de adultério (desde que mate
também o seu parceiro) (Ord.fil., v. 38, pr.; comentário, Fragoso, Ibid., § 3, 63).
(16) Cf. Ord. fil.; v. 36,1; 95, 4. A propósito da moderação dos castigos, Pascoal de
Meio comenta que, em portugal, mais nas classes populares do que nas eleva-
das, o castigo frequentemente degenera em sevícias, por causa das quais quo-
tidianamente se afadigam osjuízes (1789, H, 7, 2).
(17) Este modelo de encabeçamento era conhecido noutros domínios, nomea-
damente, no da recepção de rendas e tributos, como forma de reduzir o
peso do governo.
(18) Cf. Lobão, 1814, §6 ss., insistindo na origem “hispânica” da instituição (em
Portugal, L. 15.9.1557; Ord. fi/., 100,4; em Castela, Leis de Toro [1535] e Nova
rec., v.7.). Para Castela, V. o livro fundamental de Bartolomé Clavero, Mayorazgo.
Propiedad feudal en Castilla. 1369-1836, ed. alt., Madrid, Siglo XXI, 1989.
(19) Já no direito seiscentista português, os direitos dos filhos eram acautelados:
a livre instituição só se admitia pelas forças da quota disponível (“terça”); no
caso de a instituição se fazer em prejuízo da quota legitimária dos filhos,
carecia-se de um acto de graça do rei (por intermédio do seu tribunal de graça,
o Desembargo do Paço), por se tratar de uma derrogação dos direitos dos
filhos (Pegas, 1685, cap. 3, ns. I e 2).
(20) V. comentário detalhado em Pascoal de Melo, 1789, III, t. 9 e Lobão, 1814,
II, ? 13 ss.; III (max., sobre as categorias admitidas de nobreza, §§ 6 ss.; sobre
as qualidades dos comerciantes, agricultores [não os da pequena agricultura
ao norte do Tejo, mas os da grande agricultura do Alentejo] e letrados que
podiam instituir morgados, V. §§ 13 e 16). Esta lei alargava ainda a necessi-
dade de licença régia a toda e qualquer instituição de morgado (§ 13) e
reduzia a uma única (a da Ord. fi/., IV, 100) a fórmula de sucessão nos
morgados (§ 10). Esta última disposição implicava, v. g., a revogação da
legislação anterior que impedia a união de morgados, a expulsão ou prejuízo
das mulheres da sucessão nos vínculos, a exclusão de cristãos-novos. Note-
se, em todo o caso, como a interpretação que desta última regra faz Lobão
(ao admitir substituições fideicomissárias complementares à vocação
sucessória estabelecida na lei, nos termos da Ord. fil., IV, 87; cf. 1814, cap. 9,
§15 ss.), lhe tira muito do seu alcance.
(21) Cf. Ord. fi/., IV, 30: casamento, cavalo, armas, dinheiro ou outro qualquer
galardão). Os criados dos estudantes, estavam obrigados a servir apenas pela
roupa e calçado; os músicos e cantores, apenas pela comida (Fragoso, 1641, p.
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3, 1. 10, d. 21, § 5); o mesmo valia para as criadas das monjas, pois se entendia
que o eram com o intuito de ingressarem no convento (Silva, 1731, IV, ad IV,29,
pr., n. 28), para os aprendizes (ib., 30) e para os menores de sete anos, que
serviam “pela criação” Ord.fi/., IV,3I,8).
(22) Dos portugueses, para além dos respectivos capítulos dos compêndios ge-
rais ou prontuários de teologia moral (dos quais destaco, Manuel Lourenço
Soares [1590-.. ..], Principios, e deffiniçães de toda a teologia moral muito proveitoso
e necessario [...], Lisboa, 1642; Angelo de Santa Maria [1678-1733], Breviarii
moralis Carmelitani partes, Ulysipone, 1734-1738,7 tomos; Rebelo Baptista, Summa
de theologia moral, Ulysipone, 1728; Bento Pereira, S.J., Elucidarium theologiae
moralis, Ulysipone, 1671-1676; João Pacheco, Promptuario de theologia moral,
Lisboa, 1739; Manuel da Silva de Morais, Promptuario de theologia moral, Lis-
boa, 1732; Tomé Botelho Chacón, Compendio de theologia moral, Lisboa 1684), v.
Manuel Lourenço Soares, Compendium de sacramento matrimonii tractatus Thomae
Sanches Jesuitae alphabeticum breviter dispositum, Ulysipone, 1621 (trata-se de
uma adaptação de um tratado célebre, aparentemente com grande influência
em Portugal): Barbosa Machado dá notícia de outros tratados manuscritos
sobre o matrimónio (v.g., de Amaro de Aregas, Manuel Jorge Henriques).
185
Objectivos da aprendizagem
Quando terminar esta unidade, o aluno deve ser capaz de:
• Definir os contornos da Igreja como grupo e a evo-
lução verificada a este propósito;
• Definir o estado eclesiástico e o seu estatuto jurídi-
co-político;
• Avaliar o impacto normativo da moral cristã e os
mecanismos da sua inculcação;
• Explicar o âmbito da jurisdição eclesiástica;
• Definir ofício eclesiástico e enunciar as suas com-
petências;
• Enunciar os principais tributos eclesiásticos.
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272 António de San Jose, Compendium salmanticense [...] universae theologiae moralis,
ed. cons. (5.a), Pamplona, 1791. Trata-se de uma obra de vulgarização teológi-
ca, organizada em perguntas e respostas e constituindo uma súmula do famo-
so “Curso teológico” dos carmelitas de Salamanca (Collegii salamanticensis fartrum
discalceatorum [...] cursus theologicus D. Thomae complectens. Segoviae,1634-1637).
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2.2 Os clérigos
Como todas as sociedades humanas, a Igreja era uma so-
ciedade ordenada e hierarquizada. A grande distinção entre os
seus membros – uma distinção que se foi tomando cada vez
mais estruturante275 – era a distinção entre clérigos e leigos.
Um famoso jurista setecentista estabelece a distinção
nos seguintes termos:
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277 Bastava a suspeita forte, indiciada pelo facto de se ter sido pronunciado.
278 Era esta interdição de efundirem sangue que impedia os clérigos de con-
denarem em pena de sangue (Amaral, 1740, s.v. “Ordo”, n.º 26; Carneiro,
1896, 57).
279 Sobre elas, Amaral, 174O, S.v. “Ordo”, n.o 10 e ss.
280 “Ordinari potest homo masculus”, Amaral, 174O, s. v. “Ordo”, n.º 9.
281 Abolido pelo alv. 17.7.1771, art.ºX.
282 Saber ler e escrever, para a primeira tonsura; saber latim, para as ordens
menores; licenciatura em teologia ou cânones, para o episcopato (em princí-
pio). Cf. Conc. Trento, sess. XXII, cap. II, sess. XXIII, cap. IV e XI, de reformat.;
cf. Amaral, 1740, V. “Ordo”, n.º 10.
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285 Os clérigos menores casados (uma vez só e com mulher virgem) gozam de
privilégio clerical apenas no foro criminal (Trento, sess. XXIII de reformat. cap.
6), se andarem de hábito e tonsura e forem destinados pelo bispo ao serviço em
alguma igreja (Trento, sess. XXIII de reformat., cap. 6).
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288 Cf., para Portugal, Pereira, 1973; Soares, 1972; Carvalho, 1985a; 1990.
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290 A dignidade da Igreja estaria para a dos reis, como o sol estaria para a lua, ou
como a alma estaria para o corpo (Fragoso, 1641, pt I,, lb. 2, dp. 4, epit., n. 269
e 302; pt. 2, lb. 1, d. 1, § 12, n. 283)
203
291 “São, de facto, dois, Augusto Imperador, os poderes porque se rege principal-
mente o mundo: a autoridade dos sagrados Pontífices e o poder real” (c. duo sunt
quippe, Decretum, I, d. 96, c. 10). V. nesta distinctio, outros textos sobre o tema.
292 Somoza, 1669, Ibid.; Mo1ina, 1593, I, disp. 29.
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296 Era o que acontecia, por exemplo, com a admissão, pelo direito civil, da usura
ou da prescrição aquisitiva de má fé.
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297 Sobre a situação da doutrina setecentista sobre as relações entre a Igreja e a Coroa
em Portugal, Rodrigues, 1988. Para uma perspectiva mais geral Genet, 1986.
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305 Era o caso da dízima, da portagem e da sisa (Ord. fil., II, 11, 1; II, 1, 19); mas
os eclesiásticos estavam sujeitos a jugadas, salvo privilégio (Ord. fil., II, 33, 8;
57,1; 33, 25). Sobre o tema, Hespanha, 1994.
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306 Se o ofício é “perpétuo” (no sentido de indisponível por quem o dá), a jurisdi-
ção é ordinária; se é precário, a jurisdição é delegada.
218
307 Sobre este tema, v., v. g., Barbosa, 1632, cap. IV; mais recente, útil como
roteiro, Carneiro, 1869, § 121 ss.
308 Cf. Fragoso, 1641, pt. II, lb. 1, dp. 20, § 1, ns. I ss. (655 ss.).
309 O Concílio de Trento (sess. 25, cap. 9) exigiu, pelo menos, documento autên-
tico ou posse imemorial para prova do direito de padroado, mandando consi-
derar como nulos todos os padroados fundados noutros títulos, salvo quando
os seus titulares fossem os reis ou imperador (cf. Bernhard, 1990,377 s.).
219
220
a) Bispos
O ofício eclesiástico central era o de bispo. O próprio
Papa se intitulava bispo de Roma, tratando de irmãos os res-
tantes bispos (ao passo que tratava os reis por filhos). A diocese
era, portanto, a célula básica da administração da Igreja.
Os bispos gozavam da jurisdição ordinária na sua
diocese. As suas competências312 eram: (i) a administração
221
222
317 Cf. aviso 3.7.1672 e Pascoal de Melo 1789, IV,7,34; magistrado competente:
Juiz dos feitos da coroa da Casa da Suplicaçâo (Ord. fil., I,9,12; I, 12,5/6). Este
recurso (neste caso, de agravo) existia em todos os casos de abuso da jurisdição
eclesiástica (cf. Ord.fil., II,1,12-14; cf. Castro 1622; Sampaio, 1793, 109 ss.).
318 Cf. L. 2.3.1568, em Leão 1569, 279. A provisão de 19.3.1569 (= concórdia de
1578, art. XII) não foi recebida pelas Ord. fil. Sobre este tema, Caetano, 1965 e,
agora, Carvalho, 1988.
223
b) Cônegos
As conezias (ou canonicatos) são outros ofícios eclesi-
ásticos de nível diocesano. A instituição de cónegos dioce-
sanos remonta aos primeiros tempos da Igreja. Tratava-se de
oficiais eclesiásticos escolhidos pelo bispo, para o ajudar e se
ocuparem das funções litúrgicas ou administrativas da sé.
Como viviam em comunidade e debaixo de uma regra (canon),
recebiam o nome de cónegos (do latim canonicus, depois
cónegos). Com o tempo, distinguiram-se dois tipos de cónegos,
os regulares e os seculares. Os primeiros – de que se desta-
cam os cónegos regulares de Santo Agostinho – vivem em
comunidade e sob voto de pobreza, não podendo possuir
quaisquer bens pessoais, nem mesmo em administração(36).
Quanto aos cónegos regulares, viviam fora da catedral, ten-
do, porém, aí alguma função (i. e., tendo aí um ofício) ou
recebendo, apenas, aí alguma prebenda. Na Época Moder-
na, são estes que constituem a regra319 . Os ofícios canónicos
eram vários. Deles se distinguiam alguns, instituídos por di-
reito comum. Assim, o arcedíago (archidiaconus) ou primeiro
diácono substituía o bispo nas suas funções temporais, no-
meadamente judiciais320 . Nestas últimas funções adquiriram
tal importância que, pouco a pouco, a sua jurisdição foi sen-
do considerada como ordinário (e não delegada pelo bispo);
o Concílio de Trento reagiu contra este abuso, reafirmando o
carácter apenas delegado da sua jurisdição e retirando-lhes
224
225
c) Párocos
O pároco constitui o mais comum dos ofícios da Igreja.
A sua função fora definida por Cristo como a de “apascen-
tar as suas ovelhas”, tarefa que os comentadores subdividi-
am em apascentar pela palavra, pelo exemplo e pela oração
e que o concílio de Trento concretizara da seguinte forma:
“... vigiar as Suas ovelhas, oferecer sacrifícios por elas,
apascentá-las [=alimentá-las] pela pregação da palavra divi-
na, pela administração dos sacramentos e pelo bom exemplo
em todas as obras; cuidar dos pobres e outras pessoas mise-
ráveis com cuidado paterno e incumbir-se das restantes tare-
fas pastorais” (sess. 23, can. 1).
A vigilância dos fiéis consiste no seu conhecimento (no
seu registo)(38) e no permanente cuidado em os defender dos
maus costumes e em promover neles os bons (Abreu, 1700,
lib. 2, cap. 2 e lib. 3). Do dever de oferecer sacrifícios, salien-
329 Nos tempos primitivos, os cabidos elegiam o novo bispo; na Época Moderna,
essa nomeação é papal, mediante prévia apresentação do rei; mesmo os vigá-
rios capitulares deviam ser “insinuados” pelo rei; cf. Carneiro, 167 s.
330 Foram muito abundantes, tendo sido extintas em 1846, com excepção das
mais importantes (lista em Carneiro, 1869, 179).
226
227
228
337 Sobre a história das décimas, V. Lobão, 1819, 86 ss., maxime, 96. Fontes de
direito canónico, Decretais, III, 30 (De decimis, primitiis et oblationibus).
338 As Decretais (III, 30,14) dizem que elas constituem um quasi debitum exigível
em juízo.
229
339 Cf. Decretais. III, 30, 13; para Portugal, Viterbo, Elucidário, v. “Terças pontificais”.
340 As Decretais (III, 30, 15 e 17), proíbem a concessão de décimas a leigos. Mas
esta proibição podia ser contornada por privilégio papal (cf. Barbosa, 1623,
Ibid., n. 50 ss.). Também se admitia a invocação de concessão ou prescrição
anterior ao concílio de Latrão (1139).
341 Sobre elas, v., por todos, Barbosa, 1623, l, caps. 24 a 27; Lobão, 1819.
230
342 “Sobre a simonia e que ninguem exija ou prometa algo em troca de coisas
espirituais” (epígrafe do título v.3).
343 Estas prestações estabelecidas pelo costume são, por isso, chamadas usuais
(quando tivessem lugar em época certa) ou casuais (quando correspondessem
a actos de culto sem momento certo [incertus an, incertus quando]).
344 Cf. Lobão, 1819, 94, 97. V. ainda Frei Joaquim de Santa Rosa Viterbo, Elucidario
..., vs. “decimas”, “mortalhas”, “obradas”, “obladas”, “tenças pontifícias”, etc.
231
345 É O caso das ofertas funerárias, que prejudicavam quer os órfãos (cujos
interesses eram tutelados pela coroa, através dos juízes dos órfãos e provedo-
res), quer os cativos (que beneficiavam tanto de deixas expressas como
232
233
pias as terças dos que faleciam sem testamento, uso a que foi
posto termo por um assento de 1567 (Lobão, 1819, 124).
Além destas, muitas outras ofertas existiam (usuais, ca-
suais dos párocos), algumas delas residuais dos antigos
dízimos pessoais, abolidos ainda na Idade Média, outras pura
e simplesmente fundadas nos costumes diocesanos ou paro-
quiais. Era o caso, entre outras, dos mortuarios matrimónios,
conhecenças, as aleluias, loas de Natal, ofertas de Sexta Feira San-
ta, do dia dos fiéis, etc. (Lobão, 1819, p. 154).
d) Abades
Um último ofício eclesiástico é o de abade, superior de
uma comunidade de monges.
A palavra “abade” significa pai, o que logo nos remete
para o imaginário político que estruturava as relações dentro
destas comunidades – o da família347 . De facto, embora os aba-
des disponham de poderes jurisdicionais sobre os seus mon-
ges(51), as relações entre uns e outros, bem como o estatuto
destes últimos em relação à casa, adequa-se perfeitamente ao
modelo das relações intrafamiliares. Assim, os prelados e su-
periores dos regulares têm sobre eles toda a jurisdição espiritu-
al e temporal, aplicando-lhes penas espirituais (excomunhão
e outras privações), temporais (jejum, abstinência, prisão), “ha-
vendo-se como pais” (Carneiro, 1851, I, p. 299). Isto é ainda
mais nítido nas comunidades femininas, pois aqui a abadessa
347 Do mesmo modo, o convento era também designado por “casa”. As abades-
sas eram tratadas por “mãe” (ou “madre”).
234
348 Sobre as obrigações dos regulares, v. Fragoso, 1641, II, lib. 11, disp. 24, § 9.
349 O direito comum admitia que os monges herdassem para o convento; uma lei
de 17.7.1769, de sentido desamortizador, priva, no entanto, os monges de
capacidade hereditária passiva (Carneiro, 1851, I, 315).
350 O concílio de Trento tinha proibido os pecúlios monásticos, por serem fonte de
abusos (sess. 25, cap. 39, §§ 4/5); mas a prática subsequente voltou a admiti-los.
235
351 Para alguns monges existe um quarto voto: de defesa da religião com armas
(ordens militares), de redenção dos cativos (ordem da Santíssima Trindade),
obediência devota ao papa (jesuítas), cf. Carneiro, 1851, I, 292.
352 As congregações, em contrapartida, podem possuir bens, com as restrições já
referidas para a aquisição de bens por entidades eclesiásticas; algumas ordens
mais rigoristas (v.g., capuchinhos) não podiam possuir quaisquer bens (cf.
conc. Trento, sess. 25, cap. 3).
236
Bibliografia citada
ABREU, Sebastião de, lnstitutio parochi seu speculum parochorum,
Eborae, 1700.
AMARAL, António Cardoso do, Liber utilissimus judicibus et advocatis,
Conirnbricae, 1740, 2 vols.
BARBOSA, Agostinho, De officio, et potestate episcopi tripartita descriptio,
Romae, 1623.
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238
239
240
Notas
(1) Tudo isto se relaciona, em todo o caso, com questões teológicas mais vastas,
nomeadamente, a da natureza da graça, dos sacramentos e, concretamente, do
sacramento do baptismo. Quanto a este último ponto, uma concepção
espiritualista da Igreja, “desmaterializa” o baptismo, considerando que, ao
lado do baptismo institucional (“pela água”, baptismumfluminis), existe um
baptismo espiritual que consiste apenas na pura vontade (votum baptismi) –
dirigida pela chama da graça (logo, baptismum flaminis, baptismo pela chama)
– de se abrir à salvação (d. S. Tomás, Sumo th., III, q. 68, a. 2; q. 69, a. 7; bem
como o texto de Santo Agostinho, aí citado [q. 68, a. 2, “sed contra”], falando
da possibilidade e um “sacramento invisível”). Em contrapartida, uma con-
sideração jurisdicionalista da Igreja tende a reservar o carácter sacramental
para o baptismo institucional (baptismum fluminis): “um só Deus. uma só fé. um
só baptismo; e assim, só o baptismo fluminis é Sacramento. O baptismo flaminis,
et sanguinis (i. e., pelo martírio) não são Sacramentos, chamando-se baptismos
porque substituem e fazem as vezes do Baptismo fluminis quanto ao efeito,
sempre que o sujeito não pode receber o Sacramento do Baptismo in re (i. e., em
si mesmo)” (Francisco de Larraga, Promptuario de la theologia moral, ed. cons.
Madrid, 1788, I, trat, 2, § 1, pp. 47-48); era a doutrina dominante depois de
Trento (cf. sess. 7, can. 5); cf. Compendium salmanticense [ou] universae theologiae
moralis, 00. cons. (5.ª), Pamplona, 1791, tract. 23, cap. un. Quanto aos restan-
tes sacramentos, o concílio de Trento (sess. 7, can. 10) condenou a proposição
de que qualquer fiel podia administrar os sacramentos, apesar de, segundo os
Evangelhos, Cristo ter dado a todos os homens o poder de baptizar, de admi-
241
nistrar a eucaristia e de perdoar os pecados, (Mat., 28, 19; Luc., 22, 19, João, 20,
23). Cf., v. g.. Abreu, 1700, lib. 9, sec. III, n. 19 (p. 486).
(2) Embora aqui pareça estar a pensar apenas nos que estão em fase de doutrina-
ção para receberem o baptismo formal (catecúmenos) e não ao “homo nutritus
in sylva” (selvagem) que recebeu o dom da graça independentemente de qual-
quer contacto com a Igreja institucional.
(3) Embora, em seguida, se matize um pouco, admitindo que os não baptizados
podem fazer parte de uma Igreja invisível (o que, todavia, não lhes permitiria
participar dos sacramentos); também os hereges e cismáticos seriam membros
de direito, mas não de facto, da Igreja.
(4) Entre tantos exemplos, V. Sebastião de Abreu [jesuíta, professor de teologia na
Universidade de Évora], lnstitutio parochi seu speculum parochorum, Évora, 1700.
Encontram-se estas definições no comentário ao Credo (“Creio na Igreja, una,
santa, católica e apostólica [...]”).
(5) Note-se que o próprio poder papal se ia também temporalizando. Com o
progresso da concepção jurisdicionalista da Igreja e com a consequente e pro-
gressiva contaminação da teoria da Igreja por uma teoria do Papado concebi-
do à maneira de um poder temporal, o Papa tende a conceber-se, cada vez
mais, como um soberano entre os outros, perdendo a sua dimensão ecuménica
e situando-se ao mesmo nível dos outros soberanos, no palco da política mun-
dana. V., sobre isto, o decisivo livro de P. Prodi, Il soverano pontifice. Un corpo e
due anime: la monarchia papale nellaprima étà moderna, Bologna, li Mulino, 1982.
(6) Para fazer corresponder os graus da ordem (i. e., a hierarquia da igreja militante)
à hierarquia dos anjos (i. e., da igreja triunfante: anjos, arcanjos, tronos, domina-
ções, virtudes, principados, potestades, querubins, serafins, Decreto, 11. parte, C.
23, q. 3 de poenit., dist. 2, C. 45), alguns canonistas falavam de nove graus,
juntando um superior (o episcopado) e um inferior (a prima tonsura). Outros,
pelo contrário, consideravam que o episcopado era uma dignidade e a primeira
tonsura, uma preparação para a ordem. Cf. Cardoso, 1740, V. “Ordo”, n.º 3.
(7) Decorrente de heresia, cisma ou apostasia; de condenação em crime civil que a
importasse (v. g., lesa-majestade); de descender de herege relapso; de se ter
envolvido em duelo, como duelista ou padrinho; de condenação por sedição,
libertinagem ou usura (cf. Carneiro, 1896,61 e bibl. cit.).
(8) Os casados com mulher virgem podem ordenar-se, desde que declarem publi-
camente guardar castidade e adoptem vestes religiosas; o mesmo pode fazer
quem se encontre separado da mulher por adultério desta. Em contrapartida,
não podem ser ordenados os casados por duas vezes ou os casados com
mulher que conhecida por qualquer outro homem. Cf. Amaral, 1740, S.V.
“ardo”, n.º 17. A ordenação impede a celebração do matrimónio (Extrav. Jo.
XXII,liv. VI, cap. un.).
(9) Bastava a cegueira do olho esquerdo, para evitar que o sacerdote virasse a cara
ao cálice e à hóstia durante a consagração, quando o missal está do lado
esquerdo. A perda de um dedo, salvo o polegar, não era irregularidade.
(10) Cf. CR 17.5.1612 (mandando executar um breve de Paulo V que excluía os
cristãos novos do sacramento da ordem); revogado pelas LL de 25.5.1773 e
15.12.1774 (e breve de Pio VI, de 14.7.1779).
(11) Variava com as ordens e com as dioceses (em Lisboa e Évora, por exemplo,
não se podia receber a primeira tonsura antes dos sete anos; o diaconato exigia
os 23 anos e a ordem presbiterial, os 25).
242
(12) A principal fonte para o estudo da teologia moral deste período continua a
ser a parte II da Summa theologica, de S. Tomás de Aquino (há edições moder-
nas, bilingues e traduzidas em francês, italiano e espanhol). Mas, nos séculos
XVI e XVII, produziram-se sumas que exerceram grande influência em Portu-
gal e na Espanha. Sobre as principais e sobre a teologia moral da época, v.
Melquíades Andrés (dir.), Historia de la teologia española, Madrid, Fundación
Universitaria Espafiola, 1983, 2 vols.
(13) É a doutrina tradicional (S. Tomás, Summa theol., IIa.IIae, qu. 99, art. 3),
reafirmada pelo concílio de Trento (sess. 25, c. 20); sobre o tema, Fragoso, 1641,
pt. I, lb. II, dp. 4, epit., n. 264 ss.
(14) Sobre esta última questão, v. Fragoso, 1641, pt. I, lb. 1, dp. 2, § 4, ns. 191 ss.
Gudeus), 225 ss. (pagãos); também, Serafim de Freitas, De iusto imperio
lusitanorum asiatico, 1625 (ed. bilingue, Lisboa, I.N.I.C., 1983).
(15) Desde o português Álvaro Pais no seu De planctu Ecclesiae, até alguns dos
teólogos juristas da Segunda Escolástica (Gabriel Vasquez de Menchaca,
Torquemada), passando pelos grandes canonistas italianos dos sécs. XII e XIII
(Cardeal-Hostiense, Abade Panormitano, João de Andrea). Uma das fontes
jurídicas invocadas era o cânone Grandi non immerito (Liber sextum, I, 8,2),
relativo à deposição de D. Afonso III.
(16) O Gen. falava da criação de dois luzeiros no céu, donde Inocêncio III derivara
a ideia de dois poderes (“Deus fez dois grandes luzeiros, ou seja, instituiu
duas dignidades, quais são a autoridade pontifícia e o poder real”, cit. Fragoso,
1641, Pt. 11, Ib. 1, dp. 1, § 12, n. 283); os Evangelistas insistiam na ideia de que
“o Filho de Deus não veio ao mundo para julgar o mundo, mas para o salvar”
(João, 3; Luc., 7).
(17) Assim, o príncipe cristão está obrigado a impedir a divulgação de doutrinas
que possam perturbar a fé dos fiéis, ou de confissões e práticas religiosas que,
pela sua perfídia ou aberração, escandalizem ou corrompam os costumes.
Escrevendo nos finais do séc. XVI, Baptista Fragoso – que, assume uma posi-
ção tolerante para com os judeus (Fragoso, 1641, Pt. I, lb. 1, dp. 2, § 4, n. 191
ss.) – afirma que “os impérios e os reinos são corroídos se as pessoas públicas
por temeridade ou audácia chegarem a pensar que para a conservação da
República e consecução da paz pública nada se deve acautelar no domínio da
religião, antes se devendo permitir que cada um viva como quiser e siga o que
entender mais conveniente em matéria religiosa [...] O qual erro, como muito
pernicioso, deve ser erradicado completamente e por nenhumas razões permi-
tido ao magistrado [...]” (/bid., n. 213); o que levava ao ideal expresso numa
inscrição que teria visto em Paris, “unus Deus, una fides, unus Rex, una lex”.
(18) Em Portugal e em Espanha existem, pelo menos a partir do séc. XVII, fortes
correntes “regalistas”, defendendo as prerrogativas do monarca em relação à
Igreja. Para além de tirarem partido de argumentos doutrinais como os referi-
dos no texto, apoiam-se nos dados do direito nacional, estabelecido em
concordatas sobretudo dos sécs. XV e XVI pelas quais os reis peninsulares
teriam adquiridos direitos e isenções particulares em relação ao direito canónico
comum (cf., para Portugal, o tratado sobre o poder real, de Gabriel Pereira de
Castro [n. 1571; Castro, 1622]). Com o pensamento político ilurninista (cf.
supra, 2.1), a isenção do poder temporal é fundada em argumentos doutrinais
novos (cf. Santos, 1770; Pascoal de Melo, 1789, I, 5).
243
(19) A edição oficial conjunta do C.J. Cano é de 1582. Manteve-se em vigor até 1917,
embora actualizado pelos novos cânones e decretais (jus novissimum). Sobre a
sistematização interna de cada uma das suas partes, V. Gilissen, 1988, 147.
(20) É só com a lei “da Boa Razão” (de 18.8.1769) que o direito canónico se
deixará de aplicar no foro civil. Mas a disciplina eclesiástica sobre certas maté-
rias, que hoje nos parecem como essencialmente seculares, como o casamento
ou o registo pessoal, manteve-se até muito mais tarde. O registo civil só é
definitivamente estabelecido com o Código Civil de 1867, enquanto que os
casamentos celebrados canonicamente só deixarão de ser regulados, mesmo à
face do direito secular, pelo direito canónico em 1975.
(21) Cf. Ord. fil., II, 1: eclesiásticos sem superior no reino (Ord. fil., II, 1, pr.,
magistrado competente Corregedor dos feitos cíveis), eclesiásticos que residis-
sem na corte (Ord. fil., II,1,4:idem), membros das ordens menores (Ord. fil.,
II,1,4; II, 1,27: competência das justiças ordinárias laicas), questões sobre bens
da coroa ou “reguengos” (património fiscal do rei) (Ord. fil., II,1,17 ss.: compe-
tência das justiças especializadas nestas matérias); outros casos: Ord.fil., II,1,1;
II,1,5; II,1,20. No domínio criminal, os eclesiásticos gozavam de uma isenção
geral, salvo para os crimes de lesa-majestade (Ord. fil., II, 1, pr.; II, 1,4/27).
Para além das fontes citadas, podem ver-se os respectivos comentários de
Pegas, 1669, e, para o período iluminista, de Melo Freire, 1789, I, 5, 23 ss.
(22) Em que o vigário-geral apenas recebia as denúncias, remetendo-as ao Tribu-
nal do Santo Ofício, cuja competência nestas matérias era exclusiva.
(23) Se o fosse, a competência era da justiça secular: Ord. fil., II, 1, 5 ss.
(24) Que obriga a observar o processo canónico devido (cf. Pegas 1669, t. 8, p. 142,
com bibl.; Manuel Mendes de Castro, Practica Lusitana, 1619 I, n. 294 e 2 p., c. 34
per totum); a origem do preceito das Ord. fil. era uma concórdia de D. Sebastião,
visando evitar o “costume de darem na estação aos domingos a pena, e admoes-
taçam publica somente pelas testemunhas da Visitaçam, infamando os
Vassalos, que clamavam” (cap. 13, apud Pegas, ib., 143 n. 12). Sobre o tema v.,
agora, Carvalho 1990.
(25) As causae mixti fori compreendiam: questões sobre obras pias (Ord.fil., 1,62,39-
40-42), sobre capelas ou associações religiosas (Ord. fil., I, 62,39), sobre casos
de concubinato (Ord. fil., II,1,13; II, 9), sobre delitos mixti fori (lenocínio, inces-
to, envenenamento, blasfémia, usura – Ord. fil., II,9), sobre testanientos. A
competência dos tribunais laicos eclesiásticos era concorrente: a partilha fazia-
se segundo as regras da preventio ou da alternativa. Os casos mixti fori foram
abolidos pelo decreto n.o 24, de 16.5.1832. Para além das fontes citadas, v. os
respectivos comentários em Pegas 1669.
(26) Os cavaleiros de Malta, por sua vez, seguiam a regra geral dos eclesiásticos,
gozando de uma isenção geral em” matéria cível e crime (Leis de
18.9.1602,6.12.1612, art. 6). Cf. Manuel Mendes de Castro, Pratica Lusitana,
1619, I, p. 24, n. 10; Melo Freire 1789, IV, t. 3, par. 54.
(27) Vale a pena transcrever uns passos: “ [...] quando em seus reinos, e senhorios
alguns clérigos de ordens menores, ou sacras, ou beneficiados, comendadores
e outros religiosos, e pessoas de jurisdição eclesiástica, fossem culpados em
malefícios, e julgados pelo eclesiástico, e não fossem punidos, como por direi-
to, e justiça deverião ser, e o dito Senhor soubesse em certo, elle não como juiz,
mas como seu rei, e senhor, por os castigar, e evitar que tais malefícios se não
cometessem, os lançaria de seus moradores, e tiraria as terras, e jurisdições,
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245
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(44) Note-se, porém, que estas aquisições estavam interditas pelas Ordenações
(Ord. fil., II, 18), que proibiam qualquer aquisição de bens por contrato e
obrigavam a Igreja e pessoas eclesiásticas a vender no prazo de ano e dia os
bens adquiridos por qualquer outro título (cf. Sampaio, III, 18, p. 64 ss.).
Esta norma foi, porém, pouco praticada; daí a reacção que suscitou a amea-
ça de a executar à risca, feita, como medida de chantagem sobre a Igreja,
durante o valimento de Olivares. Era, por exemplo, frequente que a Igreja
recebesse bens em domínio pleno e apenas alienasse, por meio de contratos de
enfiteuse, o domínio útil, mantendo, portanto, as rendas. Note-se ainda como
a aplicação desta lei, que obrigava à venda dos bens de raiz adquiridos e
proibia a aquisição de outros bens imóveis com o produto da venda, produ-
ziria enormes quantidades de dinheiro líquido nas mãos das entidades ecle-
siásticas; o que explica a sua propensão, quer para despesas sumptuárias ou
de consumo (também caritativas), quer para a colocação do dinheiro em
padrões de juro (embora a distinção, para este efeito, entre juros e outras
rendas periódicas, fosse pouco nítida na doutrina; decisivo era o critério da
ligação da renda a algum bem imóvel).
(45) Pelo rigor do direito, eram devidas mesmo de actividades ilícitas e torpes, como
o meretrício ou as comédias, embora não estivesse em uso cobrá-las. Já os lucros
usurários, eram sujeitos a décima (Barbosa, 1623, I, cap. 28, § 1,31-33).
(46) Decretais, m, 30, 7; 22; 26; 28. Discutindo a questão, Barbosa, 1623, ibid., ns.
35-37;-Lobão, 1819,32 ss. O princípio da tributação do rendimento líquido é
adoptado, em Portugal, pelas décimas civis, quando adoptadas; nos finais do
Antigo Regime, há quem pretende estendê-lo aos tributos forais e mesmo aos
cânones enfitêuticos e censíticos (cf., supra, 2.3).
(47) Era o caso dos cistercienses, templários e hospitalários, dominicanos,
franciscanos, cartuxos, clarissas, etc., quanto às terras que cultivassem pelas
próprias mãos (mas já não pelas que dessem de colonia) (Barbosa, 1623, I, cap.
28, § 2, n. 18 s.
(48) Nos finais do século XVIII, verifica-se um movimento de paróquias das
dioceses de Braga e Porto no sentido de os fiéis não poderem ser constrangidos
a pagar as oblatas. A questão chega à Rainha que, num decreto em que aflora
claramente uma política de protecção dos paroquianos contra as exacções
eclesiásticas, manda que se faça silêncio sobre a questão, enquanto não se
tomassem medidas definitivas, cujo estudo encomenda ao Arcebispo de Braga
(dec. 30.7.1790, Lobão, 1819, 129.
(49) Segundo Lobão (Lobão, 1819, 124), uma lei de 1515 fixou a funerária numa
certa quota da terça (ou quota disponível, de que o de cujus pode livremente
dispor), lei que teria sido revogada em 1640, tendo subsistido os costumes
locais sobre os ofícios devidos e o seu custo, consoante a natureza do falecido.
O poder temporal tenta restringir as exacções eclesiásticas. Uma provisão de
1712, dirigida aos provedores, proibiu que se forçassem os herdeiros a pagar
sufrágios e obras pias não estabelecidas pelos defuntos. E uma lei de 25.6.1766,
fixa as despesas com sufrágios e funerárias numa quantia “racionáveis, e
conforme ao direito” (Lobão, 1819, 126 ss.).
(50) Das despesas funerárias, uma parte era obrigatoriamente para o pároco, a
título de retribuição do seu trabalho: era a “quarta funerária”, por se ter fixado
o seu montante numa quota parte das despesas funerárias e em obras pias
(Barbosa, 1623, c. 25).
247
(51) A sua jurisdição sobre os monges é semelhante à dos bispos nas respectivas
dioceses (Fragoso, 1641, II, lib. 11, disp. 24, n. 1).
(52) É a lição de S. Tomás: “foemina non potest habere aliquam jurisdictionem
spiritualem [...] non habent clavem ordinis, aut jurisdictionis”; (as mulheres
não podem ter qualquer jurisdição espiritual [...] pois não têm a chave da
ordem ou da jurisdição); no mesmo sentido, diz Baptista Fragoso que a aba-
dessa só tem o governo doméstico e que monjas que lhe desobedeçam pecam
da mesmo forma que as filhas. Por carecerem de jurisdição, as abadessas não
podiam benzer nem pregar. Todavia, os bispos ou provinciais podem cometer
às abadessas, em caso de urgente necessidade, poderes de impor preceitos sob
penas espirituais (Fragoso, 1641, II, lib. 11, disp. 24, § 6, n. 9).
248
Objectivos da aprendizagem
Quando terminar esta unidade, o aluno deve ser capaz de:
• Definir os fundamentos doutrinais e jurídicos da au-
tonomia política das comunidades locais (concelhos);
• Identificar os principais cargos concelhios e as suas
atribuições;
• Avaliar o equilíbrio entre o poder da coroa e os
poderes comunitários, nomeadamente quanto à
capacidade normativa, ao controlo dos oficiais lo-
cais e à autonomia financeira.
353 Citado por F. Calasso, Medioevo dei diritto, Torino, UTET, 501.
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251
252
253
358 Mas admitia-se que, obtido o acordo geral, nos termos prescritos nas Ordena-
ções (I,66,28), se estabelecessem penas e multas, se proibisse ou obrigasse à
venda, se estabelecessem regimes obrigatórios de pasto, de rega, etc. Cf.
Hespanha, 1994, II.4.
359 Cf. Pegas, 1669, ad I,66,28, c. IV; Fragoso, 1641, I, 1, 7, d. 19,§ 1.
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366 Nas terras mais pequenas é muito comum haver apenas dois vereadores (e
um só juiz, em vez de dois).
367 Ord. fil, I, 69.
368 Ord. fil, I, 69.
369 Ord.fil., I, 70, 2.
370 Sobre os tipos de vantagens auferidas pelos magistrados camarários, v.
Hespanha, 1994, II,4.
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380 Um dos argumentos tradicionais das teses que descrevem o sistema político
moderno como “centralizado” é justamente a da substituição dos juízes ordi-
nários por juízes de fora, de nomeação régia. O que acaba de ser dito mostra
até que ponto tais teses são, pelo menos neste particular, infundadas.
260
261
383 Cf. Ord. fil., I, 48. V. sobre estes últimos oficiais e sobre a apreciação que deles
fazia a doutrina erudita, V. Hespanha, 1994.
384 Cf. o regimento que lhes foi dado em 20.1.1519, citado por José Anastácio de
Figueiredo, Synopsis chronologica, I, 231/2.
385 Cf., para o nosso direito, os comentários de Pegas, 1669, VII (ad I,87). Fragoso,
1641, I,lb. 6, d. 15.
262
263
264
391 Esse recurso era obrigatório, oficiosamente (“por parte da justiça”), nas cau-
sas crime de maior gravidade, que não podiam, portanto, ser definitivamente
sentenciadas a nível local.
265
266
gado nos termos gerais (ou seja, ocorrendo uma justa causa
relacionada com a suprema utilidade pública)393 .
Por último, um factor de autonomia ou dependência
política eram as finanças. Neste plano, a base da autonomia
concelhia era que o concelho pudesse fazer frente aos seus
gastos com recurso às receitas próprias. Apesar de, durante os
séculos XVII e XVIII, ter havido momentos de crise financeira
que atingiram também os concelhos, o certo é que as institui-
ções concelhias dispunham de uma capacidade de resistência
à crise maior do que as da administração central. Nestas, de
facto, o volume dos gastos (com salários e despesas fixas de
funcionamento) era relativamente grande e incomprimível.
Enquanto que, nos concelhos, como uma administração ho-
norária ou paga com emolumentos, as despesas fixas eram
muito menores, pelo que o aparelho político-administrativo se
podia adaptar melhor aos períodos de penúria394 .
393 Cf. alv. 28.2.1634 (JJAS). Detalhes em Hespanha, 1994, II.5 e V.3.
394 Monteiro, 1994, 322 ss..; Rodrigues, 1992.
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398 V., para mais detalhes e indicações de fontes, Hespanha, 1994, II. 4.
269
399 Sobre a residência (sindicância ou inspecção) dos juízes de fora e dos correge-
dores, feita por um desembargador nomeado pelo rei, v. Ord.fil., I,58, 31 ss.; I, 60.
400 Sobre o seu sentido político e ideológico, v. infra II.1 e Dias, 1982.
270
271
272
273
274
275
Bibliografia citada
* COELHO, Maria Helena Cruz, O Poder Concelhio. Das Origens às cor-
tes constituintes, Lisboa, C.E.F.A., 1986.
DIAS, José Sebastião da Silva, “O sentido político do pombalismo”,
História e filosofia, 1982), pp. 45-114.
FIGUEIREDO, José Anastácio de, Synopsis chronologica [...] da legislação
portuguesa (1143-1549), Lisboa, 1790,2 vols.
FRAGOSO, Baptista, Regimen Republicae Christianacae, Elaborae, 1641.
* HESPANHA, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e
Poder Político. Portugal- século XVII, Coimbra, Almedina, 1994.
MONTEIRO, Nuno Gonçalo, “As comunidades territoriais”, in J.
Mattoso (coord.), História de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, vol.
V (“O Antigo Regime”, dir. A. M. Hespanha), pp. 303-332.
PEGAS, Manuel Álvares, Commentaria ad Ordinationes Rgeni
Portugalliae,Ulysipone, 1669-1703, 12 (+2) tomos.
RODRIGUES, Luís Nuno, “Um século de finanças municipais: Cal-
das da Rainha (1720-1820) ”, in Penélope, 1992, pp. 49-70.
* SILVA, Ana Cristina Nogueira da, e A. M. Hespanha, “O quadro
espacial”, in J. Mattoso (coord.),História de Portugal, Lisboa, Círculo de
Leitores, vol. V (“O Antigo Regime”, dir. A. M. Hespanha), 1993 pp.
39-48, (abrev. A. D. S.)
SILVA, António Delgado, Collecção de legislação portuguesa [1750-1820],
Lisboa, 1825-1830.
SILVA, José Justino de Andrade e, Collecção chronológica de legislação
portuguesa (1603-1711), Lisboa, 1854-1859, (abrev. J. J. A. S.)
SOISA, José Roberto M. C. c., Sistema dos regimentos reais, 1783, Lisboa
6+3 vols.
SUAREZ, Francisco, Tractatus de legibus ac Deo legislatore, Coimbra, 1612.
276
Notas
(1) Pagus ou villa é a povoação onde não há nem governo nem tribunal próprio, ou
seja, o agregado desprovido de autonomia jurisdicional. Quanto muito, pode
existir algum magistrado ou oficial, com poderes delegados pelos magistrados
da circunscrição político-administrativa em que se insere. Em Portugal, aldeias
eram os “casais”, “lugares” ou, mesmo, as freguesias (que apenas tinham
organização político-administrativa eclesiástica). No entanto, as Ordenações
(Ord. fil., I, 65, 73/4) previam a existência de juízes vintaneiros ou pedâneos,
delegados dos juízes ordinários do concelho, em aldeias maiores, com atribui-
ções judiciais sobre causas de pouco valor.
(2) A cidade é a circunscrição com autonomia de governo. O direito conhecia uma
gradação entre elas, consoante o âmbito dessa autonomia (cf. Hespanha, 1993,
II.3). Na época moderna, o título de cidade era atribuído apenas a certos
aglomerados urbanos dotados de certa grandeza, definida por diversos critéri-
os, dos quais se destacava o ser sede de bispado (cf. Hespanha, II.3). Em
termos mais gerais, porém, cidade era qualquer povoação com jurisdição se-
parada, ou seja, com autonomia de governo e de jurisdição; a que correspondia,
no plano institucional, um órgão de governo colectivo (em Portugal, uma câ-
mara e juízes). Logo, o que a doutrina jurídica diz, em geral, para as civitates
aplica-se, entre nós, aos concelhos.
(3) A comarca corresponde ao âmbito territorial da jurisdição de um corregedor
(“correição”). Rigorosamente, não compreendia as terras isentas de correição.
Mas, na linguagem vulgar, a palavra correição designava um território contí-
nuo encabeçado pelo cabeça de correição (cujos limites coincidiam com os da
provedoria respectiva), ainda que dentro dele existissem terras senhoriais isen-
tas. Cf. Hespanha, 1994. Sobre a graduação das comarcas, cf. infra, IV.4.
(4) A “província” era, em geral, a circunscrição atribuída à jurisdição de um
magistrado. Em todo o caso, o termo aplicava-se também a uma circunscrição
com uma identidade apenas “naturai”, proveniente das características do am-
biente físico e do temperamento das suas gentes. Em Portugal, as províncias
(Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Alentejo e Algarve)
não tinham expressão institucional, salvo, a partir dos meados do séc. XVII, no
domínio militar (governadores das províncias). Cf., sobre o conceito de provín-
cia, Hespanha, 1994, sobre a sua identidade corográfica, cf. Silva, 1993.
(5) Competência que a lei (Ord. fil., I, 66), seguidamente, miudamente especifica,
em atribuições do domínio político (defesa das jurisdições do concelho, n. 13;
elaboração ou modificação de posturas, n. 28 ss.); do domínio económico – no
sentido alargado que a palavra tem na linguagem política moderna (guarda e
gestão dos bens do concelho, ns. 2, 6, 12; supervisão das obras do concelho, n.
24; fomento da arborização, n. 26; garantia do abastecimento, n. 8; tabelamen-
277
278
sões” que traziam aos povos (cap. XXX III do povo e XIII da nobreza). Tam-
bém Manuel Severim de Faria recomendava a isenção de serviço militar como
um dos privilégios com os quais se podiam motivar os lavradores para aumen-
tar as suas culturas (cf. “Arbitrios pera a abundancia de pam em Portugal”,
intr. e notas de V.M. Godinho, em “Rev. de hist. Econ. e soc.”, 5(1980), 108).
São as grandes reformas militares de D. João IV que modificam radicalmente
a organização honorária da milícia (regimentos das ordenanças, retomando a
regulamentação sebástica, de 1642; criação da Junta dos Três Estados controlo
financeiro e logístico das tropas; decreto de 18.1.1643 e regimento de 9.5.1654,
JJAS; regimento do Conselho de Guerra, de 22.12.1644 – cf. Pegas, 1669, XII,
279 ss. e JJAS.; regimento das fronteiras, de 29.7.1645 – cf. Soisa, 1783, v. 416
ss.; regimento dos governadores de armas de 1.1.1650 e de 1.6.1678 – fun-
damental que, com os que instituem o Conselho de Guerra e a Junta dos Três
Estados, cria uma estrutura permanente de comando e controlo financeiro e
logístico, J.J.A.S., 59; Pegas, 1669, XII, 284 ss.; Soisa, 1783, v. 180 ss. O carácter
revolucionário desta nova estrutura militar fica expresso nos problemas políti-
cos e militares que causou e que levaram à extinção, em plena guerra, dos
governadores de armas, a pedido dos povos (em 13.3.1654; cf. JJAS).
(12) Existem tentativas de micro-reformas territoriais durante todo o período
pombalino, muitas vezes relacionadas com planos de fomento económico (v.g.,
do Alto Douro e Trás-os-Montes duriense, em 6.4.1759); Açores, em 2.8.1766;
Algarve, em 18.2.1773). Só mais tarde, por volta de 1790, se projecta uma
reforma territorial geral (cf. Fernando de Sousa, “Portugal nos fins do Antigo
Regime (Fontes para o seu estudo)”, Braccara Augusta, 31 (1977); José M. Ama-
do Mendes, Trás-as-Montes nos fins do séc. XVIII segundo um manuscrito de 1796,
Coimbra, 1981, “Introdução”, 1 ss.
279
Objectivos da aprendizagem
Quando terminar esta unidade, o aluno deve ser capaz de:
• Equacionar a problemática da caracterização como
feudal ou não do regime político-institucional dos
senhorios portugueses;
• Definir “direitos reais”, “jurisdições”, “bens da coroa”;
• Identificar e definir os diferentes poderes e atribui-
ções atribuíveis aos senhores;
• Descrever os traços gerais de constituição e trans-
missão dos senhorios;
• Distinguir entre senhores e meros donatários
da coroa;
• Delinear as linhas gerais de evolução da política da
coroa em relação aos senhorios.
4.1 Introdução
A historiografia político-institucional tradicional des-
valorizou, em regra, a importância dos poderes senhoriais.
Primeiro, pela resposta que dava à questão da existência ou
não de um regime “feudal” em Portugal (v. infra). Depois,
406 Para Portugal, o panorama mais recente do regime senhorial na Época Moder-
na é o dado por Monteiro, 1993 (com indicações bibliográficas; v. outra biblio-
grafia em Hespanha, 1992).
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286
413 A definição dos feudistas era a seguinte: “o feudo é uma concessão livre e
perpétua de uma coisa imóvel, ou equivalente, com a transmissão do domínio
útil, retendo a propriedade, com prestação de fidelidade e exibição de servi-
ços” (Curtius, Baldo).
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288
414 Decerto por atracção exercida pelo regime da sucessão da coroa e do princípio
aristotélico, recebido pelo direito comum, bem como pelos direitos feudais
franco e siciliano, de que “as dignidades e jurisdições não se dividem”.
415 Excluindo, portanto, a possibilidade de aquisição por prescrição, admitida
pelo direito comum.
289
4.3.1 Jurisdição
Por iurisdictio (jurisdição) entendia-se, o “poder insti-
tuído pela república de dizer o direito e decidir em equidade
[enquanto pessoa pública]”(2). Quanto ao imperium, ele é
290
417 Cf. D., 2,1,3 (note-se que o conceito de “espada” se foi desmaterializando,
abarcando qualquer tipo de coerção usada ex officio pelo magistrado).
418 Sobre estas classificações v. Hespanha, 1984; Vallejo, 1992, max. 82 ss.
419 É nestes termos que Domingos Antunes Portugal descreve o conteúdo dos
dois conceitos: “O mero império [...] consiste no poder supremo de gládio [...].
Assim, diz respeito à coerção dos criminosos, como, por exemplo, à condena-
ção ou deportação e a outras coisas relativas à punição dos delitos e à com-
posição dos litígios [...]. O misto império compete aos magistrados por direito
próprio, pois adere e está compreendido na jurisdição [...], por esta razão se
dizendo misto, pois está misturado com a jurisdição de tal modo que não se
podem separar. E como nesta mistura umas vezes se salienta o império e
noutras a jurisdição, costuma-se falar de dois graus de misto império, no
primeiro dos quais se compreendem aquelas atribuições em que o império
suplanta a jurisdição, como mandar fazer estipulações pretórias ou entregar a
posse [...] e no segundo aquelas em que a jurisdição suplanta o império, como
dar juízes aos litigantes” (Portugal, 1673,13, c. 44, n. 16).
291
de tal terra, porque ainda que destas o seja, não é das pesso-
as”, (Pegas, 1669). Em todo o caso, senhores podem ainda
ser aqueles a quem a república atribuiu jurisdição.
O direito comum e feudal tendia a conceber a jurisdi-
ção senhorial como ordinária, i. e, decorrente da própria na-
tureza política da sociedade. Os dados específicos do direito
português posterior à Lei Mental (v. infra) levavam, porém, a
que os nossos juristas realçassem, pelo contrário, o carácter
delegado da jurisdição senhorial, considerando os senhores
como lugares-tenentes do rei420 . No século XVIII, quando se
insiste ainda mais no primado (ou, mesmo, no carácter ex-
clusivo) do poder real em relação a todos os outros poderes,
refere-se que era justamente esse carácter delegado dos po-
deres dos senhores portugueses que levara D. Duarte a subli-
nhar na Lei Mental (v, infra) o seu carácter não feudal.
292
421 Aqui se fundava o direito às terças dos concelhos, à expropriação por utilida-
de pública e à requisição de bens pela mesma razão.
422 Por aqui se justificavam as décimas das alfândegas.
423 Aqui fundavam alguns a pretensão portuguesa e castelhana ao monopólio do
comércio com o ultramar.
424 Aqui se fundava o direito de pôr tributos no sal, bem como o domínio real das
salinas, salgados e sapais (que muitas vezes eram dadas em sesmaria, para
secagem e cultivo, Cabedo, 1601, II, 53).
425 Aqui se fundavam as sisas do pescado e os impostos das almadravas.
426 Aqui se fundava a cobrança de quintos ou outros tributos sobre a mineração.
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435 Isto significa que estes direitos em relação à coroa podiam ser livremente
transmitidos pelos seus titulares (cf., em todo o caso, Ord. fil., IV, 14).
436 Sobre a classificação de reguengos, capelas e comendas, v. Hespanha, “Os
conceitos de património” (artigo a publicar).
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445 Estes bens são da coroa, mas não estão sujeitos ao regime especial de inaliena-
bilidade e indivisibilidade prescrito na Lei Mental (cf. Pegas, 1669, XI, c. 28, p. 62).
303
446 Referimo-nos, não às terças “dos concelhos”, mas às terças das dizimas
eclesiásticas, concedidas aos reis de Castela e de Portugal pelo Papa (Cabedo,
1601, p. 2, dec. 63).
304
447 Uma vez que não há variações decisivas nas diversas Ordenações, e como as
Ordenações Filipinas são as que cobrem o período que nos interessa mais
directamente, basearemos a análise subsequente sobretudo nestas últimas.
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306
451 O sentido das expressões “mero e misto império” foi objecto de intermináveis
discussões, desde o tempo dos glosadores (v. Hespanha 1986a, I, 526). Como
síntese, a opinião comum mais tardia aceita a seguinte distinção: o mero impé-
rio seria o conjunto de competências coercitivas do juiz atinentes à utilidade
pública e que, portanto, ele poderia exercitar motu proprio, nomeadamente, as
suas atribuições penais (potestas gladii [...] in animdvertendum facinorosos homines
“poder de gládio [...] para atemorizar os criminosos”); o misto império, as
competências coercitivas do juiz dirigidas à consecução de uma utilidade
particular; a jurisdição simples, o conjunto de competências meramente
jurisdicionais (i. e., não coercivas), visando a utilidade das partes.
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4.5.1 Correição
Nos termos da lei (Ord. fil., II, 45, 8/9), a correição não
estava incluída nas doações, a não ser que expressamente
doada. No entanto, não faltam os casos de doação da
correição, quer durante o século XVI, quer durante o século
XVII, quer a senhorios eclesiásticos, quer a senhorios laicos.
A isenção da correição tinha como efeito, pela negativa,
proibir a entrada do corregedor régio nas terras dos donatários
e, pela positiva, sub-rogar o ouvidor senhorial nas funções
desse magistrado real. Assim, no caso de doação da correição,
os ouvidores senhoriais exercitariam todos os poderes dos
corregedores, incluídos os relativos ao conhecimento de feitos
por acção nova ou por via de agravo (Ord. fil., I, 65, 22 ss.).
4.5.2 Apelações
Como já vimos, a jurisdição senhorial é, em Portugal,
uma jurisdição de segunda instância, já que a de primeira
instância pertence às justiças concelhias. O conhecimento dos
recursos das sentenças dos juízes das terras constitui, por-
tanto, a sua manifestação. Mas mesmo quanto aos recursos,
as justiças senhoriais não podiam, salva doação expressa –
que é corrente em relação às principais casas senhoriais –,
conhecer dos agravos; pois estes deviam subir directamente
(“omisso medio”) aos corregedores ou aos desembargadores
dos agravos das Casas da Suplicação ou do Cível (cf. infra)452 .
310
4.5.3 Jurisdição
Como já se disse, a doação da jurisdição era domina-
da pelo princípio do carácter intermédio da jurisdição se-
nhorial, que ressalvava, para baixo, a jurisdição dos juízes
das terras e, para cima, o direito real de apelação (Ord. fil., II,
45, 50 e III, 71).
A jurisdição senhorial era exercida ou pessoalmente
pelo senhor ou pelos ouvidores senhoriais, providos
trienalmente. Devendo estes residir na terra de que são ouvi-
dores, com jurisdição sobre outras terras do mesmo senhor
num raio de 5 léguas (Ord.fil., II, 45, 32; 41/41). Por vezes, os
senhores obtinham o privilégio de os juízes de fora de terras
próximas serem seus ouvidores, o que os dispensava de pa-
gar a um ouvidor próprio; outras vezes, obtinham licença
para que o seu ouvidor residisse na cidade mais próxima,
onde a facilidade de recrutar pessoa competente era maior.
453 Sobre as dúvidas quanto a este ponto, Hespanba, 1994, III. 5. b).
311
454 São coisas diferentes. A “dada” consiste na nomeação definitiva pelo senhor.
A “apresentação” consiste na proposta de nomeação feita pelo senhor, man-
tendo-se a confirmação pelo corregedor ou Desembargado do Paço. Na “con-
firmação”, mantém-se a escolha (ou “eleição”) pelo concelho, substituindo-se
o senhor ao corregedor ou Desembargo do Paço na ratificação da escolha.
312
455 Cf. Pegas. 1669, XII. ad II, 45,34; Portugal, 1673.1. 3. c. 43, n. 47 ss.; Fragoso,
1641, 1. 3, d. 7, n. 55 ss. (p. 349).
456 Para uma análise detalhada de cada tipo de direitos, v. Hespanha, 1994, III.5.
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457 A solução vem a ser adoptada por D. João IV – a pedido das cortes de 1641
(cap. 27 da nobreza e 26 do clero); cf. Capítulos gerais, pp. 55, 76 e 81. V.
Hespanha, 1994, III.5.
316
(Fragoso, 1641, III, pg. 149, ns. 46). Estes eram compensados
pelo pagamento de uma soma em dinheiro, eventualmente
obtida pelo empenhamento de bens da coroa; por bens
patrimoniais; pela obtenção de ofícios, de títulos ou mesmo
de morgados ou novos lotes de bens da coroa (eventualmen-
te por doação, autorizada pelo rei, de certos bens da coroa já
possuídos); ou, finalmente, pela obtenção de uma situação
confortável na vida militar, eclesiástica ou universitária.
Do ponto de vista da coroa, o reforço do modelo
linhagístico também apresentava riscos, pois fomentava a
constituição de casas muito poderosas, defendidas da usu-
ra das partilhas. Tanto mais que, nos bens da coroa, não
existia preceito paralelo àquele que proibia ou dificultava a
acumulação de morgados (Ord. fil., IV, 100, 5). E, na verda-
de, quase todas as grandes casas senhoriais acabam em con-
flito (e subsequente confisco) com a coroa – Vila Real e ane-
xas (século XVII), Aveiro (século XVIII) ou, no século XV, a
própria casa de Bragança.
A fonte inspiradora do princípio da transmissão dos
bens da coroa por linha masculina pode encontrar-se ou num
texto do Digesto (D., 50, 17,2 – que excluía as mulheres das
magistraturas e ofícios da cidade – ou uma lei dos Libri
feudorum (I, 8) que excluía as filhas da sucessão dos bens feu-
dais, no caso de o contrário não estar convencionado no pac-
to de investidura (cf. ainda II, 9; II, 30; II, 50; IV, 114). Tam-
bém as Partidas excluíam a linha feminina na doação de ter-
ras. A ideia que estava na base desta exclusão era a da inca-
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469 Sobre a política senhorial da coroa durante o século, XVII e XVIII, v. Hespanha.
1994, III.5; e Monteiro, 1993 (que inclui cartografia dos domínios senhoriais).
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476 V., por último, Monteiro, 1993, no sentido de desvalorizar a sua importância
prática.
477 E mesmo, lendo em conta a centralidade destes temas no pensamento político
da época, do imaginário político em geral
478 E não somente a justiça soprema, por via de recurso ordinário ou extraordiná-
rio, como antes se defendia, nos quadros da teoria corporativa da sociedade e
do poder.
479 Persistem diversas limitações a este principio, pois se mantém, até ao fim do
Antigo Regime, jurisdições especiais (do clero, dos estrangeiros, dos
militares,etc.).
331
332
Bibliografia citada
AMARAL, António Cardoso do, Summa seu praxis judicum, et
advocatorum a saeris canonibus deducta, Ulyssipone 1610 (ed. cons. ecit.
Liber utilissimus ..., Conimbricae 1740 [adições de José Leitão Teles].
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CASTRO, Gabriel Pereira de, Tractatus de manu regia, Ulysipone, 1622-
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soe., 61-62, (1980), pp. 211-236.
* HESPANHA, Antônio Manuel, História das instituições. Épocas medie-
val e moderna, Coimbra, Almedina, 1982.
333
334
Notas
(1) Sobre a Lei Mental, para além das sínteses de Hespanha, 1982,286 n. 526 e
Caetano 1981, 513 ss., v. Figueiredo 1790, I, 26n, 167 e Ribeiro 1829, 91, 110/
111, Manuel Paulo Merêa, “Génese da “Lei Mental” (algumas notas)”, Bol. Fac.
Dir. Coimhra, 10(1926-1928) 1-15; J. Mattoso, Identificação de um país, Lisboa,
Estampa, 1985, 101. A Lei Mental, com as declarações e interpretações a que
foi sujeita, pode ler-se em Ord. man, II, 17, donde passou, pouco modificada,
para as seguintes (Ord.fil., n, 35). Fontes doutrinais: Manuel da Costa, Tractatus
335
circa maioratus, seu concessionem bonorum regiae coronae, Conimbricae, 1569; Por-
tugal, 1673; Pegas, 1669, tomos X e XI, Pascoal de Melo, 1789, tom. II. Exem-
plos textuais, Gilissen, 1988, 193 ss.
(2) Potestas de publico introducta cum necessitate iurisdicendi, & aequitatis statuendae
[tanquam publica persona]. É a definição da Glosa, com um inciso ulterior de
Bártolo. Para Portugal, V., V.g., a definição estreitamente inspirada nesta, de
Domingos Antunes Portugal (portugal, 1673,1. 3, c. 44, n. 12). Sobre a evolu-
ção conceitual e divisões, cf., agora, Jesús Vallejo, Ruda equidad, ley consuma-
da. Concepción de la potestad normativa (1250-1350), Madrid, C.E.C., 1992,
maxime, 35-100.
(3) Cf., sobre a diferença entre rei e senhor e a explicação de porque é que os reis de
Portugal se intitulavam apenas “senhores” da Guiné, João de Barros, Décadas
..., I, liv. 6, cap. L
(4) Para uma detalhada explicação do conteúdo deste título, cf., por todos, o
respectivo comentário de Manuel Alvares Pegas (Pegas, 1669, IX, 1 ss.); tam-
bém Portugal, 1673,1. 3, c. 42; Cabedo, 1601, II, dec. 42 ss.).
(5) Caso típico é o das capelas ou morgados a que faltasse sucessor dentro da
ordem de sucessão definida pelo instituidor (Cabedo, 1601, II, 51, n. 3).
(6) Destes direitos, os juristas distinguiam entre direitos reais reservados ao príncipe
e aqueles que ele podia transferir para outrem. Entre os primeiros contavam-se
os sinais de supremo poder, como a feitura de leis gerais, a reunião de cortes, a
criação de magistraturas, a justiça suprema (nomeadamente a revisão de sen-
tença ou a justiça em última instância), o uso do poder extraordinário (potestas
extraordinaria) e a concessão de medidas de graça. Embora alguns autores, na
sequência da doutrina feudalisante do direito comum, entendessem que o rei
podia conceder estes direitos a vassalos, desde que o não fizesse perpetuamente
(cf. Cabedo, 1601, p. 2, dec. 66), mais comum era opinião no sentido da sua
inseparabilidade da pessoa do príncipe, “a cujos ossos adeririam”.
(7) Cf., para Portugal, Cabedo, 1601, n, dec. 42; Portugal, 1673,1.2, C. 4; 1.3, c. 43,
I ss.; Pegas, 1669 (este vo1. X, de facto, 1689), X, p. 13; XI, p. 2; Pascoal de
Melo, 1798a, 1,4,1 ss.; Sampaio, 1793, III, 83.
(8) Conforme diz, esta distinção inspirava-se nas Siete Partidas, II, 17, 1.
(9) Pondera que “hoje os príncipes não costumam ter erários distintos e todas as
rendas se recolhem juntamente [...], não se devendo estabelecer nenhuma dife-
rença entre o erário público e o privado [...] esquecido o nome de erário, se lhe
substitui o de fisco, que entre nós e os castelhanos se diz câmara real [...]”
(Ibid., 1. 3, c. 43, n. 6). “Quanto ao foro – escreve também M.A. Pegas (Pegas
1669, X, p. 14, n. 2) – nada interessa se o património do príncipe é privado ou
público, nem mesmo quanto à possibilidade de ser protegido pelo Juiz dos
Feitos da Coroa”.
(l0) “Enquanto que o príncipe pode usar e abusar livremente das coisas que
pertencem ao seu património privado, aliená-las livremente [...] e transmiti-las
aos herdeiros, ainda que não sucedam no principado [...], já aquelas coisas que
não são do príncipe, mas da majestade ou coroa, não transitam para os herdei-
ros e ficam sempre no império e principado, sendo apenas devidas aos que
sucedem no reino” (ibid., ns. 7-8).
(11) Sobre a incorporação, cf. Ord. fil., II, 36; Portugal, 1673, n. 94; Pegas, 1669, X,
p. 16, n. 8; Ord. fil., II, 46; II, 35, 22.
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338
Objectivos da aprendizagem
Quando terminar esta unidade, o aluno deve ser capaz de:
• Identificar as áreas de governo da coroa (justiça,
graça, economia e política) e os modelos de
processamento administrativo ligados a cada uma
delas, bem como o estatuto típico do pessoal políti-
co-administrativo que lhes corresponde;
• Descrever os traços gerais da administração perifé-
rica da coroa, identificando, nomeadamente, as
cadeias hierárquicas, entre as diversas magistratu-
ras e desenhando os respectivos organigramas;
• Compreender que o “crime” é o produto de uma
definição histórica e culturalmente situada;
• Descrever o regime de punição de cada um dos
grandes campos penais, distinguindo os vários cri-
mes que os constituem e identificando o sistema de
valores que lhes subjaz;
• Descrever o modo como a punição e a graça se in-
tegram, completamente, na estratégia de discipli-
na da sociedade de Antigo Regime.
5.1.1 Introdução
A acção política requer a disponibilidade de meios: fi-
nanceiros, logísticos, institucionais, humanos, para não falar
de outros habitualmente menos notados, como os meios sim-
bólicos (saberes, discursos, iconografias).
O presente capítulo visa justamente averiguar a estru-
tura de uns desses meios os aparelhos administrativos da
coroa, quer da administração central (curial, palatina,
cameral), quer da administração periférica. Nele procurare-
mos distinguir seus os vários ramos, o tipo de actividade po-
lítico-social que levavam a cabo, as suas dependências. Ob-
servaremos, depois, a importância quantitativa de cada ramo
e as principais assimetrias regionais480 . Afinal, procuraremos
fazer um balanço da influência do funcionamento do apare-
lho político-administrativo no desenho do sistema do poder.
Na estrutura político-administrativa dos meados do
século XVII podem ser identificadas quatro grandes áreas:
480 Para este efeito, socorremo-nos dos dados averiguados, para os meados do
século XVII, no nosso trabalho As vésperas do Leviathan [...] (Hespanha, 1986,
republicado em 1991, com alterações, Hespanha, 1991), para onde remetemos
o leitor interessado numa descrição mais detalhada.
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488 Cf. Hespanha, 1990, 142, e bibl. aí cit., sobretudo os exemplares trabalhos de
Daniela Frigo.
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493 Noutros autores aparece o ramo da milícia, que este não considera por o
julgar fora do âmbito da sua obra (embora, de seguida, enumere os seus
principais órgãos, cf. 198 ss.). É de notar a dificuldade que transparece na
classificação da Mesa da Consciência (cf. 196).
355
494 Numa outra obra celebérrima, pouco anterior (Pascoal de Melo, 1789, I), esta
hierarquia já se manifestava, embora as matérias de polícia e de economia não
obtivessem este destaque. A polícia é definida, não como a actividade
complexiva do Estado, mas por uma enumeração das matérias aí incluídas
(económicas, sumptuárias, funéreas, sanitárias, edilícias, criminais, urbanísti-
cas, educativas, de precedência e etiqueta, sobre vadios e mendigos, sobre
colégios e universidades (ibid., I, 170). Significativamente, os oficiais agrupa-
dos neste sector são todos os magistrados locais que, no âmbito da polis tinham
estas atribuições como naturais. A única excepção é o Intendente Geral de
Polícia (criado em 25.6.1760), cujos choques com os magistrados políticos
tradicionais não deixam de ser referidos e lamentados (Ibid., I, 189).
495 Os assuntos de Estado são definidos, no alv. de 29.11.1643, como “contratos,
cazamentos, alianças, instruções, avizos publicos, ou secretos, que se derem a
quaisquer embaixadores, comissarios, agentes, rezidentes, agentes, e quais-
quer poessoas [...] que se despacharem dentro ou fora do Reino, e negócios que
forem da qualidade referida” (ANTT, ms. 2608).
356
357
5.1.3.1 A justiça
Neste domínio, a administração régia apoia-se sobre dois
tipos de funcionários, os juízes de fora e os corregedores.
Os juízes de fora são, tal como os juízes eleitos, os
magistrados ordinários dos concelhos, tendo, em princípio,
atribuições iguais(1). Porém, dada, sobretudo, a formação
letrada desta magistratura, a doutrina – e a própria lei – esta-
beleciam alguma distinção entre uns e outros496 e dos pa-
drões oficiais e letrados de julgamento. Embora também se
pudesse dizer que, sendo estes juízes nomeados pela coroa,
se instituiriam, deste modo, laços mais apertados de depen-
dência e redes mais eficazes de comando entre os magistra-
dos locais e a administração central. Não sublinharemos no
entanto, este segundo aspecto, pois o estatuto do juiz de fora
é igual, no que respeita à sua autonomia em relação a cadei-
as hierárquicas, ao do juiz ordinário, estando ambos apenas
sujeitos a um controlo indirecto, ou através dos mecanismos
do recurso, ou através da sindicância periódica destinada
apenas a verificar da observância das obrigações impostas
pelo regimento(2),(3). Dir-se-ia, até, que aos juízes de fora é
496 As principais diferenças do regime dos juízes de fora em relação aos juízes
ordinários eleitos são: (i) eram nomeados pelo rei, depois de aprovados no
Desembargo do Paço (leitura de bacharéis: exame pelos desembargadores da
Casa da Suplicação, votação pela mesa do Desembargo do Paço, Reg. Des.
Paço, § 6); (ii) tinham, como adiante se dirá no texto, jurisdição privativa em
relação aos corregedores; (iii) tinham uma maior alçada, Ord. fil., 1,65,617; (iv)
usavam varas brancas, enquanto que os juízes da terra as usavam vermelhas;
(v) não eram inspeccionados pelos corregedores. Sobre esta diferença de regi-
me, V. Pegas, 1669, v. ad 1,65, rubr., n. 26. (p. 5).
358
497 Feitos em que fossem parte juízes, alcaides, procuradores, tabeliães, fidalgos,
abades, priores ou, em geral, quaisquer pessoas poderosas (Ord. fil., I,58,22).
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502 Fonte legal: Ord. fil., I, 62; as atribuições dos provedores relativas a capelas,
hospitais, albergarias, confrarias, gafarias, obras, terças e resíduos estavam
regulamentadas no reg. manuelino de 27.9.1514 (em R. M. C. Soisa, Systema dos
regimentos reais 1783, I, 37 ss.; sobre este regimento, v. Figueiredo, Synopsis
chronologica, 1790, I, 176 ss.) e na lei de 6.7.1596.
503 Estes últimos tinham eventualmente, jurisdições particulares – tal era o caso
do Hospital de Todos-os-Santos, da Misericórdia de Lisboa, das Capelas de D.
Afonso IV (em Estremoz, Torres Vedras e Vieiros [Aviz]).
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370
5.1.3.2 A fazenda
A fazenda constitui um domínio bem caracterizado da
administração real periférica. Não apenas pela especificidade
do seu objecto, mas ainda porque, aqui, os laços de depen-
dência são mais apertados, aproximando-se mais do modelo
da hierarquia administrativa em sentido próprio.
Isto acontece, sobretudo, porque a construção dogmá-
tica tradicional do ofício506 não atingira esta zona, sendo aqui
505 A redenção dos cativos era urna obra de misericórdia atribuída à Ordem
da Santíssima Trindade, por quem foi demitida à coroa em 1562 (cf. Alv. de
10.3 desse mesmo ano). Regimento dos mamposteiros de 11.5.1560, Soisa,
1783, v. 486 ss.
506 Sobre o terna, Hespanha, 1994, V. 3.
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372
507 Lista das contadorias, em 1516: Santarém, Leiria, Alenquer, Setúbal, Évora,
Beja, Coimbra, Viseu, Guarda, Algarve, Porto, Guimarães, Moncorvo (Reg.
17.10.1516, cap. 34, em Soisa, 1783, I, 24). No século XVII, aparecem, a
mais, as de Viana, Esgueira, Lamego, Pinhel, Castelo Branco, Tomar,
Estremoz e Ourique.
373
508 No século XVII, era a seguinte a rede aduaneira: Entre Douro e Minho –
Caminha, Vila Nova de Cerveira, Vila do Conde, Esposende, Porto; Trás-os-
Montes – Freixo, Freixeda, Bragança e Vinhais; Beira Litoral e Estremadura –
Aveiro, Buarcos, Peniche e Lisboa; Alentejo Litoral – Setúbal e Sines; Alentejo
interior – Montalvão, Marvão, Castelo de Vi de, Arronches, Alegrete, Alcoutim,
Vila Torpim (onde ?), Serpa, Moura, Elvas, Terena, Mértola e Campo Maior;
Algarve – Lagos, Portimão, Albufeira, Faro, Tavira e Castro Marim. Durante a
guerra da Restauração, os portos secos estiveram inactivos, sendo restaurados
após a paz (cf. novo regimento de 10.9.1668, Soisa, 1783, II, 274 ss).
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375
509 Os ofícios das sisas eram locais (v. supra). Em Lisboa, as sisas eram lançadas
e cobradas nas “casas de Lisboa”, sobre as quais, v. Hespanha, 1994, II 4.2.
510 Sobre o consulado, v. Hespanha, 1994, II.4.
511 Reg. 20.5.1640, Soisa, 1783, v. 655 ss.
376
5.1.3.3 A milícia
Sobre a administração militar dependente da coroa já
foi dito o principal. Salvo alguns pequenos núcleos de solda-
dos pagos em pontos nevrálgicos da defesa da costa, ela é
inexistente antes das guerras da Restauração. Com excepção,
é claro, dos alcaides dos castelos (Ord. fil., 1,74); mas, na épo-
ca moderna, as alcaidarias já eram postos mais honoríficos
do que operacionais.
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5.1.5.2 Secretários
Os secretários (da câmara, de despacho, de Estado) apoi-
avam o rei nas decisões correntes em matéria de graça e de
governo516 . Constituem a sequência dos oficiais que, desde a
idade média, preparavam o despacho (ou “desembargo”) do
rei. Na segunda metade do século XVI, com o desenvolvimen-
to da administração sinodal, os secretários asseguram, frequen-
temente, a ligação entre o rei e um dos conselhos palatinos (v.
g., o secretário “de Estado”, com o Conselho de Estado; o “da
Índia”, com a repartição da Índia do Conselho da Fazenda ou,
515 Para indicações bibliográficas sobre a Casa Real e os seus oficiais, v. Hespanha
1994, I, 228.
516 V. bibliografia em Hespanha, 1982, 342 e Hespanha, 1994, 243 ss.
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529 Sobre esta última fase da alta administração financeira, v. Subtil, 1993, 171
ss., 181 s.
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como dos das terras das ordens (ns. 18 ss. e n. 26); o governo
espiritual das conquistas (n. 23; correndo, entre 1604 e 1614,
o seu governo temporal pelo Conselho da Índia, então cria-
do); bem como, em geral, todas as coisas que toquem à cons-
ciência do rei (n. 27). No domínio contencioso, era tribunal
de recurso nas matérias de foro privilegiado dos cavaleiros
das ordens (n. 10), bem como a instância por onde se passa-
vam os perdões e cartas de fiança dos privilegiados (ns. 43
ss.) ou se concediam autorizações para a alienação ou sub-
rogação dos bens das comendas (n. 42).
As reformas do Erário régio promovidas por D. José I, a
partir da lei de 22.12.1761, tendentes, sobretudo, à centrali-
zação da administração financeira, levam a que, por Alv. de
20.6.1774, se extingam os contos dependentes da Mesa, quer
quanto às rendas das Ordens, quer quanto às dos cativos,
integrando-se tudo no Erário (AD.S, 776).
Em 22.4.1808 cria-se uma Mesa da Consciência no
Rio de Janeiro (cf. também A 12.5.1809, sobre os ordena-
dos dos seus membros).
Embora tenha estado projectada a sua reforma nos
finais do século XVIII, tendo para tal Pascoal de Melo redi-
gido um relatório (Merêa, 1949), a Mesa acabou por ser ex-
tinta em 16.8.1833 532 .
532 Sobre os seus funcionários, cf. Hespanha, 1994, 253; Subtil, 1993, 169.
393
533 V., para mais pormenores, Hespanha, 1994, 255 ss. (e bibl. aí citada).
394
395
396
5.1.6 Súmula
Traçado este panorama dos grandes ramos do apare-
lho político-administrativo, na periferia e no centro, importa
fazer um balanço final, em que se avalie a importância rela-
tiva desses ramos, se visualize o peso que este aparelho tem
em relação à população do reino (notando as eventuais
assimetrias regionais) e se determine o peso de cada uma das
principais categorias de oficiais no conjunto.
Os cálculos numéricos de seguida apresentados basei-
am-se em estudos efectuados para o século XVII. Desde já
se adverte que a extrapolação para os fins do século XVIII é
muito arriscada, tudo indicando que se verifica, a partir dos
meados de setecentos, uma sensível intensificação das es-
truturas políticas e administrativas centrais539 . Como tam-
bém se dá uma alteração da importância política e simbóli-
ca dos vários órgãos.
Por volta de 1640, existem em Portugal cerca de 11 700
oficiais da administração periférica, a que haverá que somar
cerca de 500 outros da administração palatina.
A importância de cada um dos ramos do aparelho ad-
ministrativo anteriormente descritos é-nos dada pelo Qua-
dro e pelo conjunto de Gráficos. Nestes últimos, os ofícios
aparecem repartidos em dez grandes ramos: (1) os ofícios da
administração real periférica não incluídos nas categorias 2
539 Cf., com novos dados numéricos, para os finais do séc. XVIII, que documen-
tam um enorme crescimento da administração central (6 ou 7 vezes), Subtil,
1993, 190 ss.
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401
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403
404
405
Bibliografia citada
ALBUQUERQUE, Martim de, “Política, moral e direito”, Estudos de
cultura portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional, I, 1985.
CABEDO, Jorge de, Decisionum ac rerumjudicatarum, Ulyssipone, 1601.
COSTA, João Martins da, Domus Suplicationis Curiae Lusitaniae [...]
stylisupremique Senatus consulta, Ulyssipone, 1622.
FRAGOSO, Baptista, Regimen reipublicae christianae, Lugduni, 1641-1652.
HESPANHA, António Manuel, As vésperas do Leviathan. Instituições e
poder político. Portugal, século XVII, Lisboa, ed. autor, 1986,2 vols.
HESPANHA, António Manuel, “Justiça e administração entre o Anti-
go Regime e a Revolução”, in P. Grossi (ed.), Hispania. Entre derechos
proprios y derechos nacionales, Milano, 1990, I, pp. 135-204.
* HESPANHA, António Manuel, Poder e instituições no Antigo Regime,
Lisboa, Cosmos, 1992.
* HESPANHA, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e
poder político. Portugal- século XVII, Coimbra, Almedina, 1994.
HESPANHA, António Manuel, “A “Restauração” portuguesa nos
capítulos das cortes de Lisboa de 1641”, Penélope. Fazer e desfazer a
história,1993, pp.29-60.
HESPANHA, António Manuel, La gracia dei direcho. Economia de la cultu-
ra en la Edad Moderna, Madrid, Centro Estudios Constucionales, 1993.
LANDIM, Nicolau Coelho, Nova et scientifica tractatio [...] I. De Syndicatu,
Ulysipone, 1627.
MELO (Freire), Pascoal, Institutiones iuris civilis lusitani, Conimbricae,
1789.HESPANHA, António Manuel, História das instituições. Época
medieval e moderna, Coimbra, Almeida, 1982.
MONTEIRO, Nuno Gonçalo, “Os concelhos e as comunidades”, in J.
Mattoso (dir.), História de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993-
1994, IV, pp. 333-380.
PASCOAL DE MELO, Institutiones iuris lusitani, Ulysipone, 1789.
PEGAS, Manuel Álvares, Commentaria ad Ordinationes Regni Portugaliae,
Ulysipone, 1669-1703, 12 tomos + 2.
406
Notas
(1) Sobre a jurisdição dos juízes de fora, v. Ord. fil., I, 65. Sobre as origens e
evolução dos juízes de fora, cf. Hespanha, 1982, 254 s. e bibliografia aí citada.
(2) Sobre a residência (sindicância ou inspecção) dos juízes de fora e dos
corregedores, feita por um desembargador nomeado pelo rei, V. Ord.fil., I,6.
Doutrina: por todos, Landim, 1627.
(3) Também não vingou, por outro lado, a tentativa de transformar os juízes de
fora em supervisores dos juízes eleitos das terras vizinhas. D. João I tentara-o,
com o argumento de que era provável que estes últimos não “pudessem fazer
direito”. Mas, face às reacções, desiste do seu intento (cf. Ord. af, II, 59,6).
Durante o século XVIII, ter-se-á formado a prática de alguns juízes de fora
exercerem jurisdição sobre concelhos vizinhos. Prática que é coonestada, para
os casos em que existisse, pelo alv. de 22.1.1785, António D. S. Silva, Coll.
chron. leg., loc. respect).
(4) Assim, não poderiam exercer em relação aos juízes de fora as atribuições de
Ord. fil, I,58, 5 e 34 (cf. Pegas, 1669, IV, ad 1,58, gl. 10, n.º 1 [pg. 543] e
literatura aí citada).
(5) Cf. Ord. fil., I,58,23. e Reg. do Desembargo do Paço, § 45. Pegas vai mesmo ao
ponto de duvidar da possibilidade de o corregedor avocar os feitos do juiz de
fora no âmbito do n. 22 (feitos de poderosos) (cf. Pegas, ad I,58, gl. 24 (p. 554),
407
408
(16) Sobre este foro especial, e os abusos a que dava lugar, Col. lego estrav., I, 14
ss., 52 ss.
(17) Cf. A Arala Pinto, O pinhal do rei. Subsídios, Alcobaça, 1938-1939,2 vols.
Novo regimento em 25.7.1751 (A.D.S.).
(18) Reg. do Arquiduque Alberto, cap. VI e VII; Reg. do Conde de Basto, de
18.7.1633, J.J.A.S., p. 318 ss., art. 16.
(19) Não existem monografias actualizadas sobre o tema, pelo que uma inves-
tigação de fundo teria que começar pelos textos legais (para a Casa da
Suplicação, Ord. fil., I, 5-34; para a Casa do Cível, Ord. fil., I, 35-46; legislação
extravagante abundante em Thomaz, 1843, S.V. “Relação ...”, “Casa da
Suplicação”, “Casa do Cível”, “Desembargadores”) e pelos comentários
doutrinais: antes de todos, Pegas, 1669, tomos II e III (v. os “estilos” da Casa
do Cível, em IV, p. 13 ss.), João Martins da Costa, Domus Sul/icationis... Styli,
Ulyssipone, 1608. Literatura secundária em Hespanha, 1994, 228 ss. Recen-
temente, com organigrama, Subtil, 1993, 170.
(20) Literatura e fontes em Hespanha, 1993,236 SS. Dado o seu paralelismo com
a evolução portuguesa, ainda que manifestando uma sistemática precocida-
de, tem interesse recordar os traços gerais da alta administração financeira
castelhana. O Consejo de Hacienda existia desde 1532, com atribuições e estrutu-
ra semelhantes ao português. A cobrança e administração dos serviços (millones)
votados em cortes corria pela Comissión de millones, criada por 1590, integrada
no Consejo em 1658, e correspondente, nas suas funções, à nossa Junta dos Três
Estados. O reforço da via governativa em matéria de fazenda leva à criação,
desde 1714, de uma Secretaria de Estado e Despacho especializada, margina-
lizando o respectivo conselho.
(21) No domínio da administração, competia-lhes: arrecadar as rendas reais (cap. 3);
administrar o comércio ultramarino (incluindo as rendas da Madeira) e decidir
sobre temas com ele conexos (como o abastecimento, defesa e obras das conquis-
tas), cap. 6; tomar as contas aos almoxarifes e contadores das comarcas, bem
como a outros oficiais que lhas devessem (vedores da fazenda do Algarve e do
Porto, contador-mor de Lisboa, recebedores e rendeiros), passando as respecti-
vas cartas de quitação, caps. 6 e 30. ss:; administrar os bens próprios do rei
(lezírias, paços, casas, armazéns, terecenas, fortalezas), cap. 6; preparar a deci-
são real em todos os assuntos de graça que tocassem a fazenda, nomeadamente
tenças, ordenados, padrões, dada de jurisdições, etc., caps. 7,9,50,51-54; dar
condicionalemente – por cartas de “se assim é” – rendas reais, caps. 11,20; dar
ofícios das sisas e direitos reais, caps. 21-33. No domínio da jurisdição voluntária,
cabia-lhes: arrendar e aforar propriedades (cap. 3); arrendar rendas reais (caps.
3, 10, 52); despachar, por si ou por consulta ao rei, todas as cartas em matéria de
fazenda (cap. 5). No domínio da jurisdição contenciosa, estava-lhes atribuído o
conhecimento: dos recursos (eventualmente, de acções novas) em matéria de
sisas, cap. 23; dos feitos em que fossem parte os rendeiros de rendas da coroa,
capo 23; dos erros dos oficiais da fazenda, cap. 24; das apelações das decisões
de almoxarifes, recebedores e rendeiros, capo 25; e, em geral, de “todas as cousas
que pertencem à nossa fazenda, & della dependerem por qualquer via que seja”,
quer por acção nova, quer por apelação, cap. 23.
(22) V. lista dos seus oficiais, denotando algumas reformas internas, no reg.
29.12.1753 (Col. Leg. extr. Leis e alvs., III, 188).
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540 Pascoal de Melo um grande jurista (e, também, um grande penalista), que
escreveu na segunda metade do séc. XVIII. É autor de umas famosas lnstitutiones
iuris criminalis lusitani, Ulysipone, 1789, bem como de um projecto de código
criminal, pioneiro e muito avançado para a época. V., Hespanha, 1989.
541 Cf. U.A.S.; sobre a competência do Santo Ofício, em Portugal e em geral,
Fragoso, 1641, II, lib. v. disp. 13 per totam.
412
542 Cf. lei de 1211, lei 3; Livro das leis e posturas, 10/11; Partidas, VII, 26, pr. e ss.
543 No entanto, um cânone do Sextum (V, 13) prevê a punição dos judeus conver-
tidos ao cristianismo e novamente tomados ao judaísmo.
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547 V. g., os feiticeiros não são punidos senão pela malícia e sofrimentos físicos a
que as beberagens derem causa, Pascoal de Melo, 1844, 9495; os perjúrios,
pelos prejuízos provocados a terceiros, Cod., VII; 1.
548 Isto é, da definição das condutas que integram certo tipo penal e a que,
portanto, corresponde uma certa pena.
416
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549 Sobre a política da coroa relativamente à Inquisição, no séc. XVIII, v., por
último, Marcos, 1990,29 ss.
550 Levítico, c. 24; D., 12,2, de jurejurando; Decretais, v. 26, c. 2.
551 Partidas, VII, 28.
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552 Adivinhar em espelho, água, cristal ou coisa luzente, cabeça de homem mor-
to, animal, ou na palma da mão de menino ou mulher virgem; encantamentos;
feitiços de amor; beberagens. Permitidos são a astronomia e os encantamentos
benéficos (tirar demónios, desfazer nuvens de granizo, matar gafanhotos ou
pulgões). Uma lei de 22.3.1499 (cf. Ord. man., v. 33) acrescenta-lhes práticas
especificamente portuguesas (v. g., benzer com espada que tivesse passado
três vezes o Douro e Minho).
553 Cf. Cod., “Provas”, p. 28.
420
554 Por sua vez, o juramento era definido como “pedido, dirigido formalmente ou
virtualmente a Deus para que sirva como testemunha para confirmar a verda-
de daquilo que se afirma ou se promete”. V. Amaral, 1610, v. “juramentum”,
n. 36 ss.; Fragoso, 1641, p. 630, n. 115.
555 Pascoal de Melo, 1789, n, 17 ss.; -Pascoal de Melo, 1844,1. 7; “Provas”, 25 ss.
421
556 Sobre o impensado das obrigações sexuais dos cônjuges, cf. supra.
557 “O adultério comete-se na mulher casada, sendo o seu nome assim composto
a partir de “parto concebido com outro”, D., 48, 5, 34, 1). Consequentemente,
o adultério apenas podia ser cometido pela mulher casada e pelo seu amante,
já não por homem casado com mulher solteira. Nem por mulher casada de
mau porte (exceptio plurium).
558 A doutrina estabelecia uma complicada casuística das relações amorosas que
configuravam o adultério, bem como dos factos que o indiciavam. Neste
422
423
561 Ord. fil., v. 28, pr. (concubina “teúda e manteúda” no domicílio conjugal).
424
562 Isto acontecia quando o marido sustentasse a concubina (Ord. fil., v. 28, pr.),
mas já não quando ele “tivesse o hábito da promiscuidade carnal” (Amaral,
1610, v. “concubinatus”, p. 218, col. 1).
425
426
564 Alguns autores introduziam ainda outras restrições à sexualidade inter valen-
tes: as ordens clericais, certas relações político-sociais (v. g., entre ama e escravo
ou criado, entre tutor e tutelada, etc.), a diversidade de religião, bem como
aquilo que era considerado como a natureza do sexo (sobre este último ponto,
v. Gomez, 1555, ad 1. 80, ns. 5 ss.).
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571 D., 48, 6, ad legem Corneliam de vi publica; D., 48, 7, da legem Corneliam de
vi privara.
433
572 Baseada no Cod. vis., VIII, I, de invasionibus et direptionibus, e nas Partidas, VII, 10.
434
573 É também este o sentido da distinção no projecto de Pascoal de Melo (tits. 16-24).
574 Não eram indemnizáveis senão os danos morais, mesmo no caso da ofensa
corporal, pois os danos físicos não poderiam ser objecto de avaliação, já que o
corpo de um homem livre não tinha preço (in hominis liberi corpore nulla corporis
aestimatio fie ri potest (cf. D., 9, 3, I, 5; D., 9, 3, 7).
575 Cf. Partidas, VII, 9.
435
436
578 Para a doutrina dominante, dar bofetadas constitui uma injúria atroz, que
dava lugar a uma pena que podia ir até à de morte, “de acordo com o estado
da pessoa que comete a injúria e do da que a recebe” (Gomes, 1552, III, ad.
cap. 4, n.º 5, p. 91).
579 A doutrina do direito comum introduzia uma excepção a este princípio: devia
avaliar-se a cicatriz ou deformidade causada a uma rapariga não casada, aos
escravos (e aos animais), pois nestes casos a integridade física tinha um valor
económico (v. Gomez, 1552, III, ch. 4, n. 12, p. 88).
437
580 Ord. af., v. 31; 37-40; 55; 60; 89; Ord. man., v. 7-9; 56; 59; 62; 64-65; 86;
Ord.fil., v. 52-59; 64-67; 71-74; 76.
438
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441
442
584 Isto levou a que se determinasse que o lugar do degredo fosse fixado generi-
camente (“para Angola”, “para o Brasil”), embora conheça decisões de degre-
do “para Bissau”, “para Cacheu”, “para a ilha do Principe”, “para o Maranhão”.
443
444
445
588 Sobre esta discussão, com exposição e crítica dos diferentes argumentos, v.
Repertório às Ordenações, maxime, IV, 40(a) e I, 434(b).
446
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593 Sobre os poderes punitivos destas ordens infra-reais: (i) sobre o poder puniti-
vo do pater, Fragoso, 1641, I disp. I, 4 n.º 89 e III, dispo 3 parág. 2; 1610, S,V.
“pater”, n.º ss.; cf. Ord. fil., v. 38 e V. 95, 4 e respectivos comentadores; (ii) sobre
o poder punitivo da Igreja, V. o voI. II da mesma . obra, per totum.
451
Bibliografia citada
AMARAL, António Cardoso do, Summa seu praxis judicum,
Ulysipone, 1610.
BARBOSA, Manuel, Remissiones doctorum [...], Ulysipone, 1618.
CASTRO, Gabriel Pereira de, Tractatus de manu regia [...], Ulysipone,
1622-1625.
CORELIA, Jaime de, Pratica de confessionario, Coimbra, 1744.
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453
Notas
(1) Cf., sobretudo, Cod. theod., XVI, 5, 43/52/54; c., 1,5, de hereticis et manicheis et
samaritiis; C., I, 7, de apostatis; C., I, 9, de iudeis et coelicolis; Dec. Grat., C. I, q. 5 e
C. I, q. 6; Decretais, v. 7; Sextum, v. 2.
(2) Note-se que uma concordata de 3.1.1416, atribui a natureza de “caso real”,
dependente da justiça real, a punição de judeus e mouros convertidos ao
cristianismo e que retomassem à antiga fé. Cf. Castro, 1610, I, ns. 175/176.
(3) Um outro exemplo de um elemento tipificador tornado inútil é a distinção
entre a ofensa à religião católica feita por um baptizado ou um não baptizado.
Tal distinção tinha antes sentido, na medida em que, na heresia, como violação
da ortodoxia, não podia cair senão um crente. No entanto, a extensão do
conceito aos não crentes tinha uma antiga tradição no direito português (lei de
3.1.1416, baseada num costume anterior e num texto do Corpus iur. cano (Sextum,
v. 13). Também o perjúrio já estava fortemente laicizado, pois a doutrina fazia
equivaler ao perjúrio a violação de compromissos tomados sem juramento
religioso (Barbosa, 1618, ad. Ord. fil. v. 54, n. 7).
(4) A regra de que ao mais digno se devia aplicar uma pena mais pesada aflora
frequentemente nas fontes romanas e canónicas. Baldo (§ si quis vero usu temerario
do tit. II, 53, de pace tenenda ods Lib. feud.) distinguirá: “ou pela nobreza se
aumenta a qualidade do delito, sendo o nobre mais punido; ou pela nobreza
não se aumenta a qualidade do delito e então o nobre é mais punido do que o
plebeu se se tratar de pena pecuniária; mas, tratando-se de pena corporal, o
plebeu é mais punido”.
(5) Tradição textual: Dec. Grat., II, C. 26, q. 1, C. 1 (“os feitiços são aquelas artes
pelas quais, sob a capa de uma religião fingida, se chamam os santos, se usa
da ciência da adivinhação ou se promete uma qualquer visão do futuro” (a
definição é de Santo Isidoro de Sevilha, Ethim., VIII, c. 9); qs. 3 e 4; C., IX, 18;
Partidas, VII, 23). Ord. aj., v. 42; Ord. man., v. 33; Ord. fil., v. 3. A feitiçaria era
um crime de foro misto, punido com penas eclesiásticas e civis. V. Barbosa,
1618, ad Ord., v. 3 a 5; Amaral, 1610, V. “sortilegium”; Fragoso, 1641, I, p. 1,
I. lI, p. 161 (dec. 4, § 6).
(6) No projecto de Código criminal de Pascoal de Melo, que aqui nos continua a
servir como modelo da política criminal iluminista, a principal novidade, no
que respeita ao tratamento penal das injúrias, consiste na punição “pública”
pelo encarceramento e multas a favor de obras pias. Ou seja, a honra particular
torna-se num bem público protegido pelo Estado. Embora o mesmo Estado
tenda a reduzir o âmbito dos actos capazes de injuriar, reagindo contra a
susceptibilidade exarcebada da sociedade de Antigo Regime às questões da
honra (cf. Hespanha, 1990).
(7) Cf. Hespanha, 1990. No projecto de Pascoal de Melo (tit. 34) estabelece-se uma
pena pública para os ferimentos, que acrescia à indemnização civil. Por outro
lado, a medida da pena é fixada segundo critérios funcionais e fisiológicos
(feridas mortais, perigosas, que causem deformação, simples).
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(8) Gomez, 1555, ad I. 83 finalem, p. 337. As principais fontes são D., 48, 10, 3, que
contempla a falsificação de testamento, de documentos, de moeda, o uso de
nome falso, a venda da justiça, a venda dupla da mesma coisa, o parto supos-
to, a redacção de documentos que não correspondem à vontade das partes.
Cf., ainda, Partidas, VIl,7.
( 9 )Sobre a evolução dos crimes de falso nos finais do Antigo Regime, cf.
Hespanha, 1990.
(10) Phaebus, 1619, d. 156, ns. 5-10.
(11) Barbosa, 1618, ad Ord. v. 18,3, n, 10 [p. 298].
(12) Portugal, 1673, 1,2, C. 25, n. 53/5.
(13) Ibid., n. 42-42, 52, infine, p. 53 e 60-62. Na literatura clássica, estabelecera-se
uma larga polémica com os estóicos, para quem a clementia em relação aos
criminosos equivalia à licença. Mais tarde, penalistas iluministas reagirão, de
novo, contra o perdão, com idêntico fundamento.
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594 CL, sobre a justiça no quadro dos meios de resistência ao poder, Hespanha,
1993, 451 ss.
595 Sobre as formas de resistência ao poder na sociedade de Antigo Regime, v.
Hespanha, 1993, ibid..
596 E não, apenas, no plano da filosofia política e jurídica.
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597 Estas ideias são comuns aos juristas e teólogos peninsulares dos finais do séc.
XVI e inícios de XVII. Seguimos de perto a linha de exposição desenvolvida por
João Salgado de Araújo, num seu interessante texto sobre a “constituição” do
reino português (Araújo, 1627); cf. Também Suarez, 1612, 133 ss.
598 A “lei régia” era o acto pelo qual o povo romano, reunido em comício, atribuía
o poder ao Imperador.
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599 Este pacto obrigaria também por direito divino, pois esta eleição popular teria
sido apenas a concretização numa pessoa de uma disposição da ordem divina
da Criação segundo a qual as comunidades humanas devem dispor de gover-
no. Utilizando uma fórmula muito característica da época, dir-se-ia que, a
eleição popular constituia a matéria a que a vontade de Deus dava a forma
(Araújo, 1627, p. 7).
600 Cf. Portugal, 1673, I. 2, c. 24, n.5.
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602 Ou melhor, pode haver factos, mas estes ou são inúteis (se corroboram a
ordem da natureza) ou ineficazes (se a contrariam).
603 Esta concepção naturalista, objectivista ou necessária dos laços jurídico-
políticos não era exclusiva da teoria constitucional; também a natureza da
família exigia um certo desenho (forçoso e limitador da vontade dos seus
membros) dos status do marido, da mulher, dos filhos, dos parentes, ete. (cf.
supra, IV.l).
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621 Exemplos de utilização deste poder: Portugal, 1673, II, c. 11,7 ss.
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622 Também podiam pedir a declaração judicial da sua nulidade (cf Hespanha,
I 993a, 5.1).
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Bibliografia citada
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Notas
(l) A formulação concreta, de Araújo, 1627, p. 6 (também 7 V., n. 26; 24, n. 71 s.]).
(2) Cf. a referência de Aristóteles à variabilidade das formas de governo, de acordo
com as constituições pactadas de cada cidade, Politica, 2 e 3.
(3) O livro de Suarez é uma resposta, discretamente encomendada pelo Papa, às
obras de Jaime I de Inglaterra sobre o poder soberano e absoluto dos reis e sobre
o direito de exigirem um juramento de fidelidade dos súbditos. A ed. util. à a
do Corpus hispanorum de pace, Madrid, 1963.
(4) Cf., v. g., Araújo, 1627; Portugal, 1673, n, c. 24, ns. 21/22; 33/34; Pegas, 1669,
I, ad proem., gl. 101, n. 1.
(5) Já a contradição com a mera razão jurídica (do direito “civil” por oposto a
direito “natural”) importava uma consequência grave, mas menos radical:
uma determinação contra rationem iuris era insusceptível de ser estendida para
além do caso concreto a que dissesse respeito; cf. D., 1,3,14 (“o que é recebido
contra a razão do direito não deve ser levado às consequências [i.e., é
insusceptível de extensão]”, cf. ainda D., 1,3,15 e 16.
(6) Segundo Salgado de Araújo (Araújo, 1627, p. 23, n. 68) as espécies do poder
do príncipe são: (i) ordinário, sujeito às leis quanto à sua observância; (ii)
absoluto regulado, sujeito à razão e lei natural; e (iii) absoluto irregular. Este
último não competiria a ninguém, nem mesmo a Deus (“tal soberania com-
pete mais ao imperador dos turcos e aos mais príncipes que vivem, sem lei, e
sem vestígio, nem mesmo de razão natural [...]; mesmo o segundo modo de
poder nunca foi concebido pelo povo em virtude da Lei Régia a príncipe
nenhum, senão que foram eles que com ele se alçaram, o qual dizem que com
a tácita permissão dos povos, foi lançando raízes, de sorte que já hoje os reis
o têm e lhes convém para muitas coisas em ordem à recta administração da
justiça. (n. 69, p. 23 v.).
(7) Sobre a potestas absoluta vel extraordinaria, v. Portugal, 1673, n, c. 2, n. 16 ss.;
Cabedo, 1601, II, dec. 79; Fragoso, 1641, p. I, 1. 1, d. 3, ? 2, n. 211. Ainda que
as duas expressões sejam equivalentes, os autores usam a primeira (“absolu-
ta”) para designar o poder de decidir contra a lei e a segunda (“extraordiná-
ria”), para designar o poder de violar direitos de particulares.
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