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CEDERJ – CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA


DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CURSO: Licenciatura em Química DISCIPLINA: Química X


CONTEUDISTA: Michelle Jakeline Cunha Rezende

AULA 8 – PROCESSOS INDUSTRIAIS LIMPOS

META DA AULA

Apresentar uma breve discussão e as perspectivas em relação ao desenvolvimento


de processos industriais ambientalmente corretos.

OBJETIVOS

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

1. Dissertar sobre o conceito de química verde;


2. Citar ações voltadas para implementação de um processo industrial limpo;
3. Identificar processos que envolvam biotransformações.

INTRODUÇÃO

Nesta aula estudaremos alguns aspectos relacionados a produtos e processos químicos


desenvolvidos visando a redução ou eliminação de impactos ambientais negativos. Existe
uma preocupação crescente em relação à redução da geração de resíduos de processos
industriais. Existe também um incentivo ao uso de componentes não tóxicos e que
aumentem a eficiência global do processo, além de uma série de outras questões que
serão abordadas ao longo da aula.

No início da década de 90, uma nova tendência na maneira como a questão dos resíduos
químicos deve ser tratada começou a tomar forma. Esta nova visão do problema
considera que é preciso buscar uma alternativa que evite ou minimize a produção de
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resíduos, em detrimento da preocupação exclusiva com o tratamento do resíduo no fim da


linha de produção. Este novo direcionamento na questão da redução do impacto da
atividade química ao ambiente vem sendo chamado de “green chemistry”, ou química
verde, química limpa, química ambientalmente benigna, ou ainda, química auto-
sustentável.

O conceito de química verde deve ser aplicado, por exemplo, para o desenvolvimento de
defensivos agrícolas biodegradáveis; para a melhoria na eficiência de bioprocessos; para
a introdução de novos catalisadores, de preferência biocatalisadores, que não dependam
do uso de metais pesados e de alto custo; para o uso racional dos recursos finitos
(petróleo e gás natural) e substituição de insumos derivados do petróleo por derivados de
fontes renováveis.

Uma outra questão que vem sendo discutida em virtude do aumento significativo da
pressão com relação a fatores ambientais, econômicos e uso de fontes renováveis de
energia, é a obtenção de produtos químicos a partir de métodos envolvendo biocatálise e
biotransformação. A biotecnologia e os processos catalíticos biológicos podem trazer
grandes contribuições para o avanço da Química, principalmente em segmentos nos
quais as metodologias químicas não possuem uma alternativa satisfatória e eficiente para
aplicação industrial.

A aplicação de transformações biológicas na obtenção de processos e produtos já vem


alcançando avanços significativos, como por exemplo, na obtenção de inúmeros
compostos poliméricos, entidades químicas, insumos para química fina e para aplicação
na indústria farmacêutica.

O CONCEITO DE QUÍMICA VERDE

O conceito de química verde já é relativamente comum em aplicações industriais,


especialmente em países com indústria química bastante desenvolvida e que apresentam
controle rigoroso na emissão de poluentes.

A idéia central é a suposição de que processos químicos que geram problemas


ambientais possam ser substituídos por alternativas menos poluentes ou não poluentes.
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Os produtos ou processos da química verde podem ser divididos em três grandes


categorias:

i) o uso de fontes renováveis ou recicladas de matéria-prima;

ii) aumento da eficiência de energia, ou a utilização de menos energia para produzir a


mesma ou maior quantidade de produto;

iii) evitar o uso de substâncias persistentes, bioacumulativas e tóxicas.

Basicamente, há doze princípios que precisam ser perseguidos quando se pretende


implementar a química verde em uma indústria:

1. Prevenção. Projetar as sínteses de modo a evitar a geração do resíduo, pois é melhor


do que tratá-lo ou “limpá-lo” após sua produção;

2. Economia de átomos. Deve-se procurar desenhar metodologias sintéticas que possam


maximizar a incorporação de todos os materiais de partida no produto final. Deve-se
projetar a síntese de forma a haver poucos ou nenhum átomo desperdiçado;

3. Síntese de produtos menos perigosos. Sempre que praticável, a síntese de um produto


químico deve utilizar e gerar substâncias que possuam pouca ou nenhuma toxicidade à
saúde humana e ao meio ambiente;

4. Desenho de produtos seguros. Os produtos químicos devem ser planejados de tal


modo que realizem a função desejada e ao mesmo tempo não sejam tóxicos;

5. Solventes e auxiliares mais seguros. O uso de substâncias auxiliares (solventes,


agentes de separação, secantes, etc.) precisa, sempre que possível, tornar-se
desnecessário e, quando utilizadas, estas substâncias devem ser inócuas;

6. Busca pela eficiência de energia. A utilização de energia pelos processos químicos


precisa ser reconhecida pelos seus impactos ambientais e econômicos e deve ser
minimizada. Se possível, os processos químicos devem ser conduzidos à temperatura e
pressão ambientes;
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7. Uso de fontes renováveis de matéria-prima. Sempre que técnica- e economicamente


viável, a utilização de matérias-primas renováveis deve ser escolhida em detrimento de
fontes não renováveis. A matéria-prima renovável muitas vezes envolve o uso de
produtos agrícolas ou resíduos de outros processos; a matéria prima não-renovável vem
de combustíveis fósseis ou da mineração;

8. Evitar a formação de derivados. A derivatização (uso de grupos bloqueadores, grupos


de proteção/desproteção, modificação temporária por processos físicos e químicos) deve
ser minimizada ou, se possível, evitada, porque estas etapas requerem reagentes
adicionais e podem gerar resíduos;

9. Catálise. Minimizar os resíduos através do uso de catalisadores (tão seletivos quanto


possível) em substituição aos reagentes estequiométricos. Os catalisadores são usados
em quantidades mínimas, podendo ser reutilizados muitas vezes;

10. Planejamento para a degradação. Os produtos químicos precisam ser planejados de


tal modo que, ao final de seu uso, possam ser degradados em substâncias inócuas e que
não persistam no meio ambiente;

11. Análise em tempo real para a prevenção da poluição. É necessário o desenvolvimento


de metodologias analíticas que viabilizem um monitoramento e controle dentro do
processo, em tempo real, para evitar ou eliminar a formação de produtos secundários
nocivos;

12. Química intrinsecamente segura para a prevenção de acidentes. As substâncias, bem


como o estado (sólido, líquido ou gasoso) pelo qual é utilizada em um processo químico,
devem ser escolhidos a fim de minimizar o potencial para acidentes químicos, incluindo
vazamentos, explosões e incêndios.

OS PRINCÍPIOS DA QUÍMICA VERDE E ALGUMAS DE SUAS APLICAÇÕES

A redução na fonte, de que trata o princípio 1, é sem dúvida a maneira mais eficiente de
minimizar o impacto ambiental de uma atividade industrial. A partir do momento em que
se investe em tecnologias mais limpas de produção, não há necessidade de
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investimentos pesados no tratamento de resíduos, que nem sempre resolve


satisfatoriamente o problema.

O princípio 2 destaca o conceito de economia de átomos ou eficiência atômica, que é


calculado dividindo-se a massa molecular do produto desejado pela obtida da soma de
todas as substâncias produzidas na(s) equação(ões) estequiométrica(s) envolvida(s) no
processo. Ele constitui um dos pilares de sustentação dos fundamentos da química verde
e foi introduzido por Trost em 1991. Exemplos de reações com baixa eficiência atômica
são as reações de substituição nucleofílica, de eliminação, acilação de Friedel-Crafts,
além da reação de Wittig, que utiliza grande quantidade de reagentes não incorporados
ao produto final (olefina). Por outro lado, reações de adição (Diels-Alder, adição a
olefinas) e rearranjos intramoleculares são altamente eficientes, pois em geral todos os
átomos dos reagentes são incorporados ou permanecem no produto final. Sínteses que
envolvem reações com boa economia de átomos (adição, rearranjos, reações envolvendo
catálise e biocatálise) são chamadas de síntese verde.

Um conceito também introduzido recentemente para descrever a eficiência de uma


reação de maneira semelhante à economia de átomos é chamado de fator E. Utilizado
especialmente a nível industrial, o fator E considera a quantidade de resíduo gerado para
cada quilograma de produto obtido. Por resíduo, aqui, considera-se tudo o que é
produzido além do produto desejado ao longo do processo de fabricação. A indústria
farmacêutica e de química fina são as grandes vilãs na geração de resíduos,
apresentando um elevado fator E especialmente porque, ao longo dos anos, suas plantas
industriais foram projetadas para empregar reações estequiométricas clássicas, que
geram uma quantidade enorme de sais inorgânicos como resíduos.

Os princípios 3 e 4 podem ser considerados complementares, pois envolvem tanto a


toxicidade dos reagentes quanto dos produtos envolvidos em um processo. Várias
empresas e pesquisadores se destacaram nos últimos anos por desenvolverem produtos
e processos menos agressivos ao ambiente. A multinacional Rohm and Haas
desenvolveu o CONFIRMTM (Figura 8.1), um inseticida da família das diacil-hidrazinas,
eficaz no controle de lagartas lepdópteras, que atacam diversas lavouras em todo o
mundo. A EPA classificou o CONFIRMTM como um inseticida de risco reduzido, que não
traz prejuízo a outras formas de vida além daquela para a qual foi desenvolvido. A mesma
empresa desenvolveu o SEA-NINE®, um antilimo para emprego na proteção de cascos
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de navio, que substitui o óxido de tributilestanho, considerado mutagênico e persistente


(meiavida superior a 6 meses na água do mar). Este novo produto tem como agente
biocida a 4,5-dicloro-2-n-octil-4-isotiazolina-3-ona (DCOI), membro da família das
isotiazolonas, que se degrada rapidamente em produtos não tóxicos à vida marinha
(meia-vida inferior a 1 h na água do mar).

Boxe multimídia
EPA é a agência de proteção ambiental dos Estados Unidos. Para mais informações
acesse o site da agência (http://www.epa.gov).
Fim do boxe multimídia

Figura 8.1: Agentes biocidas. FONTE: Lenardão e colaboradores (2003).

O princípio 5 leva em consideração substâncias auxiliares (solventes, agentes secantes,


agentes de separação, etc.) que são empregadas na maioria das produções industriais. É
evidente que o resíduo gerado pela utilização destas substâncias auxiliares é significativo
e ultrapassa a quantidade de resíduo (se avaliarmos em termos de massa) gerada
diretamente na reação. Por outro lado, muitas reações utilizam grandes quantidades de
solventes orgânicos, que são freqüentemente tóxicos e nem sempre sua reutilização é
viável economicamente. Muitas vezes estes solventes são descartados na água, no ar e
no solo, poluindo o ambiente. Um grande esforço está sendo feito no sentido de substituir
solventes orgânicos convencionais por solventes verdes, como fluidos super críticos
(particularmente CO2, a 31,1 oC e 73,8 atm), líquidos iônicos à temperatura ambiente
(Figura 8.2), hidrocarbonetos perfluorados e água (a água próxima do estado super crítico
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possui características semelhantes às da acetona, em termos de capacidade de


dissolução e solvatação). Alternativamente, as reações também podem ser efetuadas na
ausência de solvente, o que também é bastante desejável quando se busca a redução de
resíduos.

Verbete
Líquidos iônicos são solventes formados por ânions inorgânicos e cátions orgânicos
ajustáveis.
Fim do verbete

Figura 8.2: Exemplos de líquidos iônicos. FONTE: Lenardão e colaboradores (2003).

O princípio 6 considera a energia necessária para realização de determinada reação.


Uma reação ideal, em termos de eficiência de energia, deve ocorrer à temperatura e
pressão ambientes. Entretanto, muitos procedimentos requerem aquecimento prolongado
ou resfriamento. Há ainda muitos casos que requerem pressões diferentes da ambiente.
Em geral, o suprimento de energia para estas necessidades vem da queima de
combustível fóssil, não renovável. Um dos desafios para os químicos e engenheiros
químicos é o desenvolvimento de novas reações que possam ser efetuadas de maneira a
minimizar o consumo de energia.

O sétimo princípio da química verde nos alerta para a necessidade de utilização de fontes
renováveis de matéria-prima (biomassa). Materiais derivados de plantas e outras fontes
biológicas renováveis ou reciclados devem ser utilizados, sempre que possível. O recente
avanço no interesse pelo biodiesel (um biocombustível, obtido através da alcoólise de
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óleos vegetais) pode ser considerado como um ganho ao ambiente, pois muitos
geradores de energia hoje movidos a óleo derivado do petróleo estão sendo substituídos
por esse combustível verde.

Idealmente, uma síntese deve levar à molécula desejada a partir de materiais de partida
de baixo custo, facilmente obtidos, de fonte renovável, em uma única etapa, simples e
ambientalmente aceitável, que se processe rapidamente e em rendimento quantitativo.
Além disso, o produto precisa ser separado da mistura da reação com 100 % de pureza.
Obviamente, esta situação ainda é muito difícil de conseguir. Entretanto, deve-se buscar
esta situação ideal, evitando etapas desnecessárias, como a derivatização excessiva,
como descreve o oitavo princípio da química verde.

O princípio 9 mostra que reações catalíticas são superiores às reações estequiométricas.


O desenvolvimento de catalisadores altamente seletivos e efetivos em transformações
complexas e difíceis de serem previstas até então, nos aproximou um pouco mais da
chamada “síntese ideal”.

Na literatura, atualmente, há muitos exemplos descrevendo as vantagens em substituir


metodologias clássicas de obtenção de fármacos, ou outras matérias-primas para
indústria química, por reações catalíticas. Em geral, reações que utilizam catalisadores
heterogêneos são mais limpas, mais seletivas e, como há possibilidade de reciclar e
reutilizar o catalisador por várias vezes há, invariavelmente, vantagens econômicas. Além
disso, grandes quantidades de resíduos são evitadas, pois há redução na formação de
sais inorgânicos. Além do uso da catálise, a biocatálise, a fotoquímica e a síntese
biomimética também se enquadram na tecnologia limpa de processos químicos. Na
Figura 8.3 são mostradas duas alternativas verdes para a preparação do ácido adípico.

O ácido adípico é um produto químico importante, utilizado na fabricação do nylon-6,6,


presente em fibras de carpete, tapeçaria, reforço de pneus, partes de automóveis, etc. A
produção mundial de ácido adípico gira em torno de 2,2 milhões de toneladas e utiliza, em
geral, ácido nítrico como agente oxidante em uma de suas etapas. Estes processos
industriais são responsáveis pelo lançamento na atmosfera de 5 a 8 % de todo N2O
antropogênico, considerado um dos principais contribuintes para o efeito estufa e a
destruição da camada de ozônio. Atuando em duas frentes diferentes, porém com o
mesmo objetivo (desenvolver um procedimento verde para a oxidação de
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hidrocarbonetos), Thomas e Noyori eliminaram a utilização de ácido nítrico na produção


do ácido adípico. Mais importante, tornaram o processo de produção mais eficiente e
economicamente mais atraente. Thomas e colaboradores (2001) utilizaram catálise
heterogênea e ar como agente oxidante, enquanto que Sato e colaboradores (1998)
empregaram condições de catálise de transferência de fase (CTF) e água oxigenada
aquosa como agente oxidante. Em ambos os casos, a necessidade de solventes e a
produção de resíduos tóxicos foi eliminada.

Figura 8.3: Obtenção de ácido adípico pelo processo industrial clássico e duas
alternativas de síntese verde. FONTE: Lenardão e colaboradores (2003).

A síntese verde do ácido adípico pode ser considerada como um excelente exemplo onde
os princípios da química verde foram alcançados, quase integralmente. Exceto pelo fato
de que a matéria-prima utilizada (cicloexano e cicloexeno) não é de fonte renovável, os
ganhos ambientais com as novas metodologias são enormes. Tanto do ponto de vista
energético como da eficiência atômica (ou fator E) há um ganho bastante importante em
relação aos métodos industriais atualmente em uso para a obtenção do ácido adípico.
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BIOCATÁLISE NA INDÚSTRIA

A capacidade das enzimas em atuar a temperaturas brandas, condições neutras e


aquosas, além do elevado número de reutilizações, chama a atenção para o uso de
enzimas em síntese química. Os biocatalisadores permitem a biotransformação de
compostos polifuncionalizados e sensíveis em condições amenas, ao contrário das
variantes químicas correspondentes que exigem condições reacionais severas.

Verbete
O termo biotransformação pode ser aplicado para modificações específicas ou
interconversões na estrutura química, realizadas por enzimas presentes nas células ou na
forma isolada.
Fim do verbete

As principais abordagens exploradas em catálise biológica envolvem transformações em


uma única etapa utilizando enzimas isoladas e imobilizadas, células íntegras e
processos multienzimáticos. Inúmeros métodos empregando catalisadores enzimáticos
são utilizados para a produção bem sucedida de solventes e ácidos orgânicos,
aminoácidos, antibióticos, enzimas, vitaminas, pigmentos, vacinas, proteínas terapêuticas,
anticorpos monoclonais, inseticidas, entre outras aplicações.

Verbete
As técnicas de imobilização têm sido desenvolvidas para fornecer estabilidade às enzimas
e facilitar sua recuperação e reutilização.
Fim do verbete

Dentre as classes de enzimas mais comumente aplicadas em síntese orgânica (Tabela


8.1), as enzimas hidrolíticas compreendem o grupo com maior aplicação por catalisarem
reações com alta quimio-, regio- e enantiosseletividade. As lipases, esterases e proteases
constituem importantes subclasses das hidrolases e atuam nas reações de hidrólise e
formação de ésteres e amidas.
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Tabela 8.1: Classes de enzimas e suas aplicações em processos.

FONTE: Oliveira e Mantovani (2009).

Dentro da classe das hidrolases, as reações catalisadas por lipases possuem uma grande
importância biotecnológica. As lipases pertencem a um grande grupo de enzimas capazes
de hidrolisar ligações éster em triglicerídeos, processar gorduras ou atuar como detergen-
tes. O entendimento do ciclo catalítico das lipases representou um importante passo para
disseminar sua aplicação em síntese orgânica. Possuem baixo custo e alta eficiência
sendo aplicadas em inúmeros processos da indústria farmacêutica.

Um exemplo da aplicação de enzimas hidrolíticas é o uso da enzima Novozyme-435 na


acilação quimio- e regiosseletiva do 506U78, uma droga terapêutica utilizada no
tratamento da leucemia produzida pela Glaxo Wellcome. As lípases são empregadas na
síntese do Taxol e as nucleosídeo fosforilases na síntese do agente antiviral Ribavirina.
Algumas empresas como BASF, DSM, Lonza, Eli Lilly, Bristol-Myers Squibb e Yamasa
desenvolvem e aplicam processos biocatalíticos para a produção em larga escala de um
número considerável de produtos (Tabela 8.2).
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Tabela 8.2: Sistemas biocatalíticos aplicados por indústrias químicas.

FONTE: Oliveira e Mantovani (2009).

Dentre alguns processos biocatalíticos desenvolvidos em indústrias podemos destacar


aqueles utilizados pela BASF (Alemanha), que desde 1993 aplica lipases na produção de
álcoois enantiomericamente puros a partir de misturas racêmicas; reações de
condensação e redução de cetonas para a separação dos racematos; separação de
aminas em escala de centenas de toneladas (os produtos formados são recuperados e
separados por destilação e apresentam elevadas purezas óptica e química). Um exemplo
representativo deste último é ilustrado pela produção anual de 2000 toneladas de S-
metóxi-isopropilamina, um bloco de construção quiral utilizado para a obtenção do
herbicida Frontier X2. A empresa utiliza também processos empregando nitrilases para a
preparação de ácido (R)-mandélico em escala de multitoneladas.

Outro exemplo é a substituição do processo químico multietapas para a produção de


vitamina B2, utilizada como suplemento em ração animal, por um processo de
fermentação biológica em uma única etapa pelo fungo geneticamente modificado Ashbya
gossipi (Figura 8.4). O fungo utiliza óleos vegetais como nutriente e produz os cristais de
vitamina B2, os quais são então separados do excesso de líquido. Esse processo permitiu
ampliar a produtividade em 20 % utilizando o micro-organismo, reduzir os custos do
processo em 50 %, além da redução de 60 % dos resíduos descarregados em água e de
50 % de resíduos gasosos.
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Figura 8.4: Obtenção de vitamina B2 (BASF). FONTE: Oliveira e Mantovani (2009).

O adoçante aspartame (éster metílico da L-α-aspartil-L-fenilalanina) é produzido em


escala de quilotoneladas pela Holland Sweetner Company, uma joint venture formada
pela Tosoh e DSM. O processo de produção do aspartame utiliza uma enzima
proteolítica, a termolisina, para catalisar a formação de um dipeptídeo derivado do ácido
L-aspártico N-protegido e do éster metílico da D/L-fenilalanina. O ácido L-aspártico
também é obtido por biocatálise promovida por uma aspartase que catalisa a adição de
amônia ao ácido fumárico. A termolisina promove o acoplamento entre os aminoácidos
conduzindo ao produto desejado com uma seletividade acentuada. O éster metílico da
fenilalanina remanescente pode ser racemizado e reciclado ao longo do processo.

Verbete
Joint venture é uma associação de empresas, que pode ser definitiva ou não, com fins
lucrativos, para explorar um determinado negócio, sem que nenhuma delas perca sua
personalidade jurídica.
Fim do verbete

Atualmente, a DSM aplica um processo extremamente eficiente para a obtenção da


cefalexina. A via antiga foi desenvolvida em 1970 e combinava uma etapa de fermentação
(etapa 3) com 7 etapas de síntese química (Tabela 8.3). Com o intuito de diminuir o
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número de etapas utilizadas no processo e obter um método mais eficiente, econômico e


ambientalmente amigável para a síntese da cefalexina, a resposta foi encontrada com a
integração entre síntese química, conversão enzimática e fermentação. Em 2000, a
empresa divulgou a nova rota para a síntese da cefalexina (Tabela 8.4), consistindo de
uma etapa de síntese orgânica (etapa 1), uma etapa de fermentação (etapa 2) e duas
etapas enzimáticas (etapas 3 e 4).

Tabela 8.3: Rota utilizada para a síntese da cefalexina em 1970.


Etapa Conversão
1 Benzaldeído → D-fenilglicina
2 D-fenilglicina → cloridrato de D-fenilglicina
3 Açúcar + ácido fenilacético → penicilina G
4 Penicilina G → Penicilina G sulfóxido
5 Penicilina G sulfóxido → Penicilina G sulfóxido trimetilsilil éster
6 Expansão de anel da Penicilina G sulfóxido trimetilsilil éster para o ácido 7-
aminodeacetoxipenicilânico (7-ADCA) protegido
7 Hidrólise (7-ADCA) protegido para formação do 7-ADCA
8 Cloridrato de D-fenilglicina + 7-ADCA → cefalexina
FONTE: Oliveira e Mantovani (2009).

Tabela 8.4: Rota utilizada para a síntese da cefalexina em 2000.


Etapa Conversão
1 Benzaldeído → D-fenilglicina amida
2 Açúcar + ácido adípico → 7-ADCA-amida do ácido adípico
3 7-ADCA-amida do ácido adípico → 7-ADCA + ácido adípico (reciclado para uso
na etapa 2)
4 D-fenilglicina amida + 7-ADCA → cefalexina
FONTE: Oliveira e Mantovani (2009).

O processo antigo, além de seguir uma sequência multietapas linear, requer uma grande
quantidade de energia e gera cerca de 30-40 kg de resíduos por kg de produto. O novo
processo, além de integrar etapas de conversão biológica, eliminou a necessidade de
utilizar cloreto de metileno como solvente e reduziu drasticamente a geração de resíduos
e emissão de compostos tóxicos.
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INDÚSTRIA DE COMMODITIES

O uso de fermentação para obtenção de commodities químicos é atualmente o grande


objetivo a ser alcançado pela indústria química. Existem duas vertentes para atuação
utilizando processos de fermentação microbiológica: a primeira voltada para a obtenção
de biopolímeros e a segunda, voltada para a obtenção dos monômeros petroquímicos a
partir de fontes renováveis de carbono.

A obtenção de monômeros petroquímicos, como ácido fumárico, ácido lático, 1,2-


propanodiol, 1,3-propanodiol, ácido succínico, 1,4-butanodiol, ácido adípico e ácido
propiônico, entre outros, por processos fermentativos são estratégias que estão ganhando
um grande enfoque e já compõe objetos de estudos de vários grupos de pesquisa e
indústrias, como a DSM.

Em 1995, a DuPont firmou uma parceria com a Genencor, empresa especializada em


biotecnologia, para o desenvolvimento de rotas que levassem à produção biológica de
monômeros – em grandes quantidades e a baixo custo – para a síntese de polímeros, em
substituição às vias petroquímicas. O estudo garantiu a produção de 1,3-propanodiol a
partir da glicose utilizando microrganismos recombinantes, o qual participa do processo
de polimerização junto ao ácido tereftálico ou dimetiltereftalato originando o
politrimetilenotereftalato. Após o desenvolvimento do processo biotecnológico, DuPont e
Tate & Lyle, Plc., uma das maiores companhias produtoras de milho e especializada em
processos de fermentação, formaram uma joint venture para a construção de uma planta
para a produção do 1,3-propanodiol (Sorona®) com expectativas de 50.000 toneladas
métricas por ano a partir de 2006. Esse processo de produção do Bio-1,3-propanodiol
consome cerca de 40 % menos energia que a produção via rota petroquímica e é, sem
dúvida, um novo modelo para a produção de monômeros petroquímicos a partir de fontes
renováveis de carbono.

ATIVIDADE FINAL

RESUMO
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Dalla-Vecchia, R.; Nascimento, M. G.; Soldi, V. Aplicações sintéticas de lipases


imobilizadas em polímeros, Química Nova, v. 27, p. 623-630, 2004.

Lenardão, E. J.; Freitag, R. A.; Dabdoub, M. J.; Batista, A. C. F.; Silveira, C. C. “Green
chemistry” – os 12 princípios da química verde e sua inserção nas atividades de ensino e
pesquisa, Química Nova, v. 26, p. 123-129, 2003;

Oliveira, L. G.; Mantovani, S. M. Transformações biológicas: contribuições e perspectivas


Química Nova, v. 32, p. 742-756, 2009.

Sato, K.; Aoki, M.; Noyori, R.; Science, v. 281, p. 1646, 1998.

Thomas, J. M.; Raja, R.; Sankar, G.; Bell, R. G.; Lewis, D. W.; Pure Appl. Chem., v. 73, p.
1087, 2001.

Vichi, F. M.;, Mansor, M. T. C. Energia, meio ambiente e economia: o Brasil no contexto


mundial, Química Nova, v. 32, p. 757-767, 2009.

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