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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE

ENGENHARIA AMBIENTAL
DISCIPLINA: Gestão da Poluição nos Processos Industriais
PROF.: Waldir Nagel Schirmer

GESTÃO DOS RESÍDUOS INDUSTRIAIS

A produção mais limpa

De acordo com Torres (1996, citado por Fronza, 2004), é prática normal nas
empresas a adoção de uma escala de prioridades, de modo a facilitar a solução do
problema da geração de resíduos. A escala mais adotada na forma decrescente de
importância estabelece os seguintes passos:
a) evitar a geração;
b) minimizar a geração;
c) reciclar o resíduo;
d) reutilizar o resíduo;
e) tratamento químico, biológico e incineração;
f) disposição no solo.
Nos dias de hoje, os modelos de gestão ambiental têm como principal objetivo a
substituição da gestão de fim-de-tubo (tratamento direto, após a geração do resíduo)
pela gestão que se baseia no princípio da PREVENÇÃO DA POLUIÇÃO (PP ou 2P). A
gestão ambiental baseada na prevenção da poluição derruba o velho paradigma de que
os resíduos são subprodutos inevitáveis, inerentes de todo processo produtivo. Não
pressupõe que esses resíduos podem sim serem prevenidos (minimizados ou mesmo
evitados) (KIPERSTOK et al, 2002).
É conveniente salientar ainda que essa preocupação em substituir essas formas
de gestão é encarada muitas vezes mais como uma forma econômica do que ambiental.
Isso porque a gestão baseada na prevenção, a partir do momento que reduz o impacto na
fonte, reduz também o desperdício de matérias primas e energia, convertidos
comumente em resíduos sólidos, líquidos e gasosos, que sempre agregam custos aos
processos produtivos gerando problemas ambientais que exigirão ainda mais custos para
sua solução. Muitas empresas usam isso como estratégia de marketing, uma vez que
proporciona melhoria da imagem diante da sociedade e mesmo do mercado competitivo.
Na literatura, é comum encontrar referências em relação à produção limpa como:
tecnologias limpas, tecnologias mais limpas, produção mais limpa, tecnologias de
baixos desperdícios, etc. A prevenção da poluição defende a exploração sustentável de
fontes de matérias primas e a redução no consumo de água e energia. Acrescenta ainda,
que a produção mais limpa:
- deve se basear no princípio da precaução;
- avalia o ciclo de vida do produto-processo;
- limita o uso de aterros sanitários e outras formas de disposição mais onerosas
ou menos ambientalmente corretas, etc.
A Produção mais Limpa (P+L) revela-se um importante ferramenta de
prevenção da poluição, definida como “a aplicação contínua de uma estratégia
preventiva, econômica, ambiental e tecnológica integrada aos processos e produtos,
afim de aumentar a eficiência no uso de matérias primas, água e energia, através da não-
geração minimização ou reciclagem de resíduos gerados em todos os setores
produtivos.”
O escopo da P+L inclui o uso mais eficiente das matérias primas, insumos e
energia, a redução dos materiais tóxicos e perigosos e a minimização na fonte dos
resíduos. Para os produtos, a busca pela redução dos impactos ambientais é baseada em
alguns instrumentos, como a Análise do Ciclo de Vida (ACV) e Sistemas de Gestão
Ambiental (SGA). Esses dois sistemas serão discutidos posteriormente.
A implantação de um sistema P+L implica em uma nova estruturação da
empresa, atingindo níveis que vão desde os operadores até a alta administração. Nesse
caso, qualquer sistema de gestão (quer seja de qualidade ou ambiental), pra funcionar
efetivamente, precisa vir de cima pra baixo, ou seja, tem que partir da mais alta
administração até atingir os níveis inferiores na escala hierárquica da empresa. Caso
contrário, se não houver um comprometimento dessas partes, qualquer programa estará
condenado ao fracasso (KIPERSTOK et al, 2002).
A Tabela 1 relaciona as principais diferenças entre as tecnologias de fim-de-tubo
e a produção mais limpa.

TABELA 01 – Diferenças entre tratamento direto e a P+L.


Tratamento direto P+L
Como se pode tratar os resíduos ? De onde vêm os resíduos ?
... parte da reação. ... parte da ação.
Geralmente conduz a custos adicionais Redução de custos
Tratamento das emissões Prevenção das emissões
Processo condizente a especialistas Tarefa de todos da empresa
Trazido de fora Desenvolvido a partir do processo da
empresa
Aumenta o consumo de energia Reduz o consumo de energia
Remediação dos problemas ambientais Conhecimento dos problemas ambientais
da empresa para eliminação das causas da
poluição
CNTL*5 (2000, citado por Kiperstok et al, 2002)

Em relação ao tratamento direto, a P+L pode apresentar várias vantagens, como:


- potencial para soluções econômicas na redução da quantidade de materiais e
energia utilizados;
- inovação dentro da empresa decorrente da avaliação de todo o processo
produtivo;
- redução de riscos no campo das obrigações ambientais e da disposição de
resíduos;
- facilitação do caminho em direção a um desenvolvimento econômico mais
sustentável.
A implantação do P+L numa empresa consiste na avaliação do processo
produtivo, seja qual for a natureza, e na aplicação de técnicas que possam envolver
desde a mudança de matéria prima, consumo de água, energia, tecnologia, processo, e
até produto. O processo de implantação de um programa P+L pode seguir o seguinte
(Figura 01):

Figura 01 – Fluxograma da implantação do P+L.


Fonte: KIPERSTOK et al (2002)

Pelo fluxograma, vê-se que a implantação do P+L envolve a sensibilização dos


funcionários, onde se ressalta as vantagens da implantação do programa; a elaboração
do diagnóstico ambiental (uma espécie de raio-X da empresa) onde vai se identificar os
principais problemas; construção de um diagrama de blocos do processo produtivo onde
vai se identificar as principais entradas e saídas do processo produtivo. Numa segunda
etapa da implantação, ocorre a identificação das principais fontes geradoras de resíduos;
identificação e quantificação desses resíduos; definição de indicadores de modo a
possibilitar uma avaliação do desempenho ambiental da empresa (KIPERSTOK et al,
2002).
Sistema de gestão ambiental (SGA) baseado na norma ISO 14001 e a P+L

De acordo com a ISO 14001, a prevenção da poluição “constitui-se no uso


quaisquer processos, práticas, materiais ou produtos que evitem, reduzam ou controlem
a poluição, os quais podem incluir reciclagem, tratamento, mudanças no processo,
mecanismos de controle, uso eficiente de recursos e substituição de materiais.”
Um dos objetivos do SGA por parte das empresas é demonstrar que seus
processos, produtos e serviços estão de acordo com as normas ambientais
internacionalmente aceitas. Embora sua adoção seja voluntária, muitas empresas vêem-
se obrigadas a adotar o SGA, por parte da imposição de barreiras mercadológicas
impostas por países desenvolvidos no que se refere à aceitação de seus produtos. A série
ISO 14000, da Organização Internacional de Padronização, é a resposta mais comum a
essa exigência e consiste num conjunto de normas técnicas que orienta como implantar
um SGA numa empresa, de modo a se conseguir uma certificação que ateste a
conformidade do seu sistema no que se refere à questão ambiental (similar à ISO 9000,
de gestão de qualidade).
Para a implantação do SGA de uma empresa, de acordo com a ISO 14000, são
necessárias as seguintes etapas:
- definição da política ambiental, que se constitui na “declaração dos
princípios e intenções da empresa em relação ao seu desempenho ambiental e que
devem nortear o planejamento de ações e o estabelecimento de seus objetivos e metas
ambientais”;
- planejamento, contendo os procedimentos de identificação dos principais
impactos do processo produtivo da empresa bem como o estabelecimento de objetivos e
metas a serem alcançados;
- implementação e operação, consistindo na definição de toda a estrutura
básica necessária para a implantação do SGA, como recursos físicos, materiais e
humanos, responsabilidades, documentação e comunicação, etc.
- verificação e ações corretivas, com a finalidade de adequar o SGA
implantado à política e objetivos ambientais da empresa, geralmente através de autorias
internas.
- análise crítica pela alta administração, afim de identificar novos objetivos
e metas ambientais a serem alcançados, de modo a melhorar continuamente o sistema.

Depois de realizar essas etapas, a empresa está apta a solicitar a certificação


precedida de uma auditoria externa, que irá verificar se todas etapas do SGA foram
devidamente implantadas e se estão sendo cumpridas. É importante salientar que ter um
certificado de SGA não significa que uma empresa é ambientalmente mais correta que
outra que não possui certificado.
Assim como na ISO 9001, a principal preocupação da 14001 é a padronização
dos procedimentos. Entretanto, o enfoque principal do processo de implantação é o fim-
de-tubo bem como o atendimento à legislação. Diferentemente da P+L, em que a
preocupação é a prevenção da poluição, identificando as causas geradoras da poluição e
priorizando medidas que efetivamente resultem na minimização dos resíduos e,
conseqüentemente, na melhoria do desempenho ambiental. Assim, a P+L é um
instrumento de gestão aplicável tanto em empresas certificadas (com interesse em
minimizar seus resíduos) quanto nas que não têm interesse pela certificação, mas que
desejam melhorar seu desempenho ambiental (KIPERSTOK et al, 2002).
Análise do ciclo de vida – ACV

A ACV encaixa-se no contexto da prevenção da poluição e constitui-se


instrumento fundamental para avaliação do impacto ambiental dos produtos.
Segundo Chehebe (1998), “A ACV é uma técnica para avaliação dos aspectos
ambientais e dos impactos potenciais associados a um produto, compreendendo etapas
que vão desde a retirada da natureza de matérias primas elementares que entram no
sistema produtivo (berço) à disposição do produto final (túmulo)”.
A ACV torna-se útil a partir do momento que ela auxilia na identificação da
etapa de maior impacto de um dado produto, que pode ser a extração da matéria prima
necessária à sua produção, a sua fabricação ou até a sua disposição final. Por exemplo,
um dado produto X pode consumir maior quantidade de matéria prima não-renovável na
sua produção que um produto Y, mas o produto Y apresenta uma disposição final (na
natureza) muito mais impactante que o produto X de modo, no cômputo total, o Y é
ambientalmente “menos correto”.
Assim, a ACV deve incluir o ciclo de vida completo do produto, processo ou
atividade, englobando a extração e processamento das matérias primas, fabricação,
transporte e distribuição, uso e reuso, manutenção, reciclagem e disposição final. Logo,
a ACV ultrapassa os limites da fábrica (etapa de manufatura) e faz uma análise mais
ampla, permitindo identificar onde e em que momento um produto/serviço apresenta
maior risco ambiental, permitindo identificar oportunidades de mudanças e melhorias
ambientais.
A ACV ataca questões como, por exemplo, o uso de toalha de tecido ao invés de
tolha de papel. Nesse caso, usando toalha de pano estar-se-ia evitando o desperdício de
papel e todo o impacto ecológico que isso traz. Entretanto, pode-se gerar um problema
ainda maior, uma vez que geraria um grande volume de efluentes líquidos a serem
tratados, com detergente e/ou outros componentes químicos auxiliares na limpeza das
toalhas de pano. À ACV cabe, então, pesar os prós e contras desses dois produtos,
apontando o mais ambientalmente correto.
A ACV é normatizada pela série da ISO 14040 e aborda os seguintes itens:
a) Objetivo e escopo: essa fase compreende a razão do estudo da ACV, sua
abrangência e limites, metodologia bem como procedimentos necessários à qualidade
do estudo. A ACV deve ser o mais abrangente possível. Quanto mais superficial ela for,
mais passível de falhas de avaliação, podendo não representar de modo significativo os
impactos de um dado produto. Ainda, as maiores limitações da ACV são, de modo
geral: dificuldades de coleta de campo, tempo, acesso aos dados, custos, etc. Quanto
mais abrangente a ACV, mais cara e complexa ela se torna (CHEHEBE, 1998;
KIPERSTOK et al, 2002).
Uma das primeiras ações que a ACV prevê é a determinação dos limites do
sistema, ou seja, indicar, para um determinado sistema, todas as correntes de entrada e
saída. A partir daí identificam-se todos os vilões do processo: substâncias tóxicas
contidas nas matérias primas, resíduos gerados na fabricação, produtos e subprodutos,
etc.
Um outro detalhe super importante é o seguinte: o impacto ambiental de um
produto bem como seus benefícios dependem do seu rendimento ou desempenho
produtivo. Por exemplo, um dado detergente A apresenta um impacto ambiental 20%
maior que um detergente B. Entretanto, se o A lavar 50% mais pratos que o B, o
impacto ambiental é revertido. Assim, torna-se indispensável identificar um parâmetro
funcional, chamado de unidade funcional, que permite que produtos diferentes sejam
comparados e que, no momento da comparação, se igualem na função que
desempenham, tornando assim possível essa comparação (base única).
Ex.: Pneus → unidade funcional: Km rodados
Lâmpadas → horas de duração ou luminosidade que proporciona
Detergente → número de pratos que lava

b) Análise do inventário: Essa é a fase de coleta e quantificação de todos os


parâmetros pertinentes ao sistema (matéria prima, transporte, resíduos, etc.) envolvidos
no estudo. Essa provavelmente é a fase mais trabalhosa, uma vez que aqui devem ser
levantados todos os dados do estudo, como os balanços de matéria e energia (correntes
que saem e entram do sistema).

c) Avaliação do impacto: Avalia (quali e quantitativamente) a magnitude do


impacto ambiental baseando-se na análise do inventário.

d) Interpretação: Consiste na análise dos resultados obtidos nas 2 fases


anteriores. Permite ainda identificar oportunidades de melhoria do projeto/estudo. Essas
melhorias podem ser traduzidas em mudanças no processo de manufatura ou mesmo
alteração do produto, de modo a torná-lo ambientalmente mais correto.

Exemplo) ACV de dois tipos de garrafas: retornável e não-retornável (Referência:


Kiperstok et al, 2002; de Bart van Hoof – Análisis de Ciclo de Vida (ACV) y su
aplicación em Colômbia).
Objetivos: verificar o impacto ambiental devido ao uso das garrafas retornável e
não-retornável.
Unidade funcional: 100 litros de cerveja, engarrafados e colocados no mercado,
para cada um dos seguintes produtos:
a) garrafa retornável de 300 mL (210 g);
b) garrafa não-retornável de 300 mL (190 g).
Resultados: De acordo com a “ecopontuação” obtida pelos ciclos de vida de
cada garrafa, a não retornável impacta consideravelmente mais que a retornável. O
principal motivo disso é a economia de recursos naturais na produção da garrafa
retornável. Os resultados indicaram que as fases de matéria prima e produção da garrafa
não retornável impactam mais que as mesmas fases da garrafa retornável; e o contrário
ocorre para a fase de reciclagem. O estudo apontou ainda que o maior problema
ambiental causado pela garrafa não retornável é a acidificação, na fase de produção; as
principais emissões geradas no ciclo de vida responsáveis por esse problema são o NOx
e SO2, pela utilização de combustíveis fósseis. Por outro lado, o maior impacto
ambiental da garrafa retornável são os compostos cancerígenos, detectados nos
processos de lavagem e enchimento. O maior problema na fase de matérias primas de
ambas as garrafas são os metais pesados (chumbo dissolvido na água nos processos de
lavagem).
Conclusão principal: o produto mais correto, ambientalmente, é a garrafa
retornável.

Referências bibliográficas

CHEHEBE, José Ribamar B. Análise do ciclo de vida de produtos – ferramenta


gerencial da ISO 14000. Rio de janeiro: Qualitymark,1998. 104 p., il.
CNTL*5. Manual 5 de produção mais limpa. UNIDO-UNEP-CNTL-SENAI. 2000.
FRONZA, N. Estudos das potencialidades do reuso de água em uma indústria
frigorífica. 82f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Alimentos) – Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.
KIPERSTOK, A.; COELHO, A.; TORRES, E. A.; MEIRA, C. C.; BRADLEY, S. P.;
ROSEN, M. Tecnologias e gestão ambiental – Prevenção da poluição. Brasília: Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), 2002. 290p.
TORRES, E. M. A necessidade de redução da geração de resíduos nos processos de
fabricação. Revista de Química Industrial, p. 12-14, 1996.

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