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Planejando um Sistema de Gestão - Cuidados e Oportunidades

Pedro Augusto Junqueira Pradez*

* Engenheiro Químico com Mestrado em Engenharia Química pela COPPE/UFRJ (1983).


Auditor e instrutor para sistemas de gestão da qualidade (ISO 9001), ambiental (ISO 14001) e
de segurança e saúde ocupacional (OHSAS 18001) pelo Lloyd´s Register Quality
Assurance. Registrado no IBAMA e no IRCA/Inglaterra.

Em nível mundial, conscientes de que a qualidade de vida da população vem sendo atingida
pela degradação ambiental do planeta (1), o reconhecimento e adoção da ISO 14001 como
norma internacional para Sistemas de Gestão Ambiental (SGA) endossa os princípios do
desenvolvimento sustentável (2) e os esforços da CNUMAD (3) realizada no Rio de Janeiro
em 1992. A ISO 14001 foi buscar suas bases na norma britânica BS 7750, a qual inaugurou um
novo conceito em normas de gestão de sistemas. Elege uma ferramenta da qualidade, o
"PDCA" (4), que passa a estruturar também a norma ISO 9001 na sua versão 2000. Sendo
inovadora quanto ao modelo adotado e ao tema normatizado, é justamente no seu primeiro
elemento, ou seja, no "planejamento" do sistema que o autor tem constatado ao longo de três
anos de auditorias as maiores dificuldades de interpretação e, ao mesmo tempo, as maiores
oportunidades na adoção da norma.

As empresas brasileiras voltadas para a exportação saíram na frente em busca da certificação


ISO 14001. Estão entre elas empresas dos setores de celulose e papel, eletro-eletrônico,
mineração, petroquímico e químico (5). Vem crescendo também o número de empresas do
setor automotivo, liderado pelas montadoras, dentre outros.

No Brasil, em particular, a preocupação com o meio ambiente acentuou-se com a aprovação


da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9605/98). Segundo pesquisa (6) publicada por ocasião da
aprovação da referida lei, cerca de 85% das empresas no Brasil associam a área ambiental ao
cumprimento da legislação e à redução de custos com a reutilização e reciclagem.

No planejamento de um SGA outros cuidados e oportunidades existem além de procedimentos


para assegurar cumprimento legal e redução de custos. Faz-se importante no planejamento do
sistema uma visão ampla das necessidades da organização e dos benefícios que se pretende
alcançar com a implementação desse sistema. Selecionamos dez pontos que julgamos
relevantes. Este artigo tem por objetivo incentivar a reflexão do gestor ambiental para essas
recomendações, apresentadas a seguir:

1. Planeje para fazer as coisas acontecerem. Designe uma equipe ambiental com
atribuições e responsabilidades específicas que assegure a implementação e manutenção
do SGA, de modo que qualquer questão ambiental possa ser a ela encaminhada, analisada e
resolvida de forma eficaz.

2. Seja claro e objetivo nos compromissos assumidos na política ambiental, em linha com os
requisitos normativos e estabelecida como diretriz para a implementação e aprimoramento do
SGA. Identifique claramente a área de atuação da organização e explicite o foco da gestão
ambiental, base para o estabelecimento dos objetivos e metas, assegurando o entendimento
da política pelas partes interessadas internas e externas.

3. Atente para a consistência do sistema. A norma fornece uma sequência lógica partindo do
levantamento dos aspectos ambientais e seus impactos associados, objetivos e metas, até os
programas de gestão e controle operacional. Merece atenção a inter-relação entre a política
ambiental e cada um desses elementos. Por exemplo, se uma organização expressa em sua
política o compromisso com a redução de resíduos, seria esperado que o mesmo estivesse
refletido nos objetivos, metas, programas e controle operacional.
4. Garanta credibilidade e confiabilidade ao sistema. Um SGA é construído em cima dos
aspectos ambientais significativos. Defina critérios sólidos, com respaldo na legislação
ambiental, para determinar significância dos aspectos. Questione-se acerca de aspectos
ambientais regulamentados por legislação que tenham ficado fora do conjunto dos
significativos. Assegure-se que cada aspecto significativo esteja coberto por procedimento
documentado do controle operacional. Falhas na identificação de aspectos podem
comprometer a credibilidade e confiabilidade do SGA.

5. Identifique as interfaces com outros sistemas de gestão, permitindo criar sinergias através
da integração da área ambiental (ISO 14001) com as áreas de qualidade (ISO 9001) e de
segurança e saúde ocupacional (OHSAS 18001). Modelos relacionados à organização e
limpeza, que podem ir de um simples "Housekeeping" a um disciplinado "5S", vistos como
ferramentas da qualidade, também apresentam interfaces em maior ou menor grau com a área
ambiental dependendo do seu nível de implementação numa organização. Esses modelos
podem ser perfeitamente incorporados a um sistema de gestão seja ele ISO 9001, ISO 14001
ou OHSAS 18001 através de planejamento adequado. Essa combinação pode ser entendida
como bastante benéfica à organização ao assegurar a manutenção das premissas do modelo
através dos mecanismos de controle proporcionados pelos sistemas de gestão acima
mencionados.

6. Explore todo o potencial de redução de custos que um SGA pode proporcionar. Aplique as
premissas do desenvolvimento sustentável a oportunidades tangíveis de prevenção de
poluição aliada a uma análise profunda de diminuição de desperdícios. Não fique limitado aos
programas convencionais de reutilização e reciclagem, tais como adoção de embalagens
retornáveis ou coleta seletiva de lixo, ainda que importantes, mas já comuns à maioria das
empresas. Inove fazendo uso de tecnologias, materiais e energias alternativos, maximizando
iluminação e ventilação naturais, otimizando layouts e fluxos de processo etc. Igualmente
combata o desperdício através do uso racional dos recursos naturais, rendimento de processo,
eficiência de máquinas e veículos, logística etc. além de ações voltadas para a minimização de
efluentes e resíduos.

7. Alinhe-se com o planejamento de orçamento da organização, base do suporte financeiro


para implementação e manutenção do SGA. Os custos com a implementação normalmente
são assumidos como custos de curto prazo. Entretanto, para a manutenção do SGA, devem
ser considerados custos de longo prazo consistentes com a política e controles ambientais de
modo a assegurar as tomadas de decisão na área de meio ambiente. Esse cuidado vai permitir
que os objetivos e metas ambientais da organização sejam planejados e consolidados
financeiramente em sintonia com o processo normal de planejamento de seu orçamento de
capital.

8. Defina indicadores para medir o impacto financeiro do SGA, alem daqueles normalmente
identificados para o desempenho ambiental. Contabilizar e informar periodicamente os
resultados financeiros alcançados deve ser entendido como parte compensatória dos esforços
da implementação e do desempenho. Essa iniciativa também faz parte do marketing de
divulgação do SGA. Recomendável, portanto, que esses resultados não sejam tratados como
assunto confidencial pela organização.

9. Demonstre comunicação pró-ativa no relacionamento com a comunidade e órgãos de


controle ambiental. A questão ambiental interfere na qualidade de vida de todos nós, por isso
ganha cada vez mais espaço: as empresas têm sido alvo da mídia e de organizações
ambientalistas em todo o mundo. A comunidade, representada seja por grupos sociais que
possam ser afetados por uma atividade, seja por associações civis interessadas na defesa
ambiental, ou ainda, pelo público em geral, deveria ser envolvida nas decisões ambientais
relevantes, não se limitando aos casos de audiências públicas previstas em lei (7). Igualmente,
sempre tome a iniciativa de consultar e informar aos órgãos de controle ambiental quaisquer
decisões que envolvam licenciamento ambiental, monitoramento ambiental e acidentes
ambientais.
10. Estenda à cadeia de suprimentos os compromissos ambientais da organização. Encoraje
fornecedores e clientes a demonstrarem que também são responsáveis pelo meio ambiente. A
certificação ISO 14001 ainda não é requisito obrigatório em comércio exterior, mas algumas
empresas no País já relutam em fazer negócios com aquelas que ainda não se enquadraram.
No setor automotivo, por exemplo, Fiat (8), Ford (9), Scania (10) e Volvo (11) pressionam seus
fornecedores à certificação ISO 14001. Numa semelhança com os certificados da qualidade
série ISO 9000, onde nos últimos anos quem não se adequou aos novos padrões de qualidade
ficou para trás ou fechou as portas, ter fornecedores que não se preocupam com o meio
ambiente é apoiar-se num cadafalso.

Concluímos que a implementação de um SGA segundo a norma ISO 14001 pode ser
adequadamente visto como o desdobramento de uma visão empresarial daquelas
organizações que se preocupam com as questões ambientais, empenhadas em agregar valor
no seu relacionamento com as partes interessadas internas e externas, incluindo-se aí seus
funcionários, acionistas, clientes, fornecedores, órgãos de controle ambiental e comunidade.

Referências:

(1) WHO - World Health Organization, Our Planet, our Health: report of the WHO Commission on Health and Environment.
WHO, Geneva, 1992.
(2) CMMAD - Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Nosso Futuro Comum. Ed. FGV, Rio de Janeiro,
1988.
(3) CNUMAD - Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Agenda 21. Rio de Janeiro, junho
1992.
(4) Deming. W. E., Out of the Crisis. Cambridge University Press, Cambridge - Mass., 1986, pp. 86-90.
(5) As primeiras 100 empresas certificadas em conformidade com a norma ISO 14001. Revista Meio Ambiente Industrial, No.
18, maio/junho 1999.
(6) Pesquisa Gestão Ambiental na Indústria Brasileira. Confederação Nacional da Indústria (CNI), Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), Rio de Janeiro,
1998.
(7) Brasil. Lei 6938 (31/08/1981); Decreto 88351 (01/06/1983); Resolução Conama 001 (23/01/1986); Resolução Conama 9
(03/12/1987).
(8) Paiva, P. B., Fiat vai cortar fornecedor que polui. In: Gazeta Mercantil (07/02/1999).
(9) Carta aos fornecedores, Certificação Ambiental ISO 14001. Ford Motor Company Brasil Ltda., São Bernardo do Campo,
setembro 1999.
(10) Carta aos fornecedores, Gestão Ambiental. Scania do Brasil Ltda., São Bernardo do Campo, março 1999.
(11) Carta aos fornecedores, Quality System and Environmental System Requirements. Volvo do Brasil Veículos Ltda., Curitiba,
dezembro 1998.

Fonte: site http://www.gerenciamentoverde.com.br

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