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ALBERTI, Verena. Literatura e Autobiografia A Questão Do Sujeito Na Narrativa. in Estudos Históricos. Rio de Janeiro, Vol.4, n.7, p.66-81, 1991 PDF
ALBERTI, Verena. Literatura e Autobiografia A Questão Do Sujeito Na Narrativa. in Estudos Históricos. Rio de Janeiro, Vol.4, n.7, p.66-81, 1991 PDF
AUTOBIOGRAFIA:
a questão
do suj eito na narrativa*
Verena Alberti
,
atualizadas pelo sujeito no ato de escrever mais no caso da autobiografia -Eão implica
são algumas das preocupações deste traba uma posição "monolítica" e "linear" do su-
lho,'"? o eito da criação, uma vez que o escritor, no
Como pano de fundo para o desenvol processo de produção da narrativa, se move
vimento da questão, definimos, de infcio, o continuamente entre o ue "é" e o que
espaço do "literário" em nossa cultura, in "poderia ser", E essa ambigüidade chega a
-
-
vestigando de que Conna se relaciona com ser tão profunda a ponto da "alteridade"
a questão do "suj�ito moderno", Isto por criada ganhar estatuto de "realidade", tor
que, se não se pode dizer que autobiografia, nando possível, por exemplo, chorar e tre
literatura e mesmo os relatos de viagem mer pela morte de alguém que não existe:
constituem "novidade" na cena "moderna"
- uma vez que se tem notícia de produçães "Sim, eusabia que, num dado momento,
análogas desde a Antiguidade -, de outro tinha que matá-Jo e não ousava. O
DU1obWVa{lO efict;60 _ tJOO C4S03' dD úuratura bra,rileira cOftleryor4Mo, defendida DO Programl de põ..oraduaçioem
Antropdo';. Social do Museu Nacional em abril de 1988, 111 qual Cll udamoa li eltpc:riénciaa de Mlroclo Pai .... e Eliane Macid
na produçio de suas IUlobiop6u e VUI romanea de fic:çio. Agrad CJCClTlOl oinoe.ntivo c oacomplllhamenlo de Âncell de
CutroGOIDCI dw'Inlc I dltxlI'Içio do trabalho, Luiz Fecnando Duarte, nono oricntldor, Gli
C.SIl'Ot membros di banca. lambém coIlboraram Iluvé$ dlS �ÇÕCI impallntC5 que rlZCt'un lotnobalho oriaiNlI.
coronel já estava velho, fazendo os seus largo delas, e é parte constituinte da cultura
peixinhos de ouro. E uma tarde pensei: acumulada pelos homens.
4Agora sim que não tem mais jeito!' Comecemos a investigar a questão a r
Tinha que maÚ-lo. Quando terminei o partir de um texto de Walter Benjamin,
capítulo, subi tremendo para o segundo sobre a "narração" e o 'Iromance" (1969).
andar da casa, onde estava a Mercedes. De acordo com Benjamin, o surgimento do
Soube o que havia ocorrido quando viu romance está estreitamente vinculado ao
a minha cara. 10 coronel já morreu" contexto de consolidação da burguesia,
disse. Deitei-me ria cama e fiquei cho momento em que a narração teria começa-
rando duas horas" (Garcia Márquez, do lia retroceder bem devagar para o arcai-
1982:37). co�' (Benjamin, 1969:60), sendo uma das
razões dessa transformação a instauração
o trecho anterior, apesar de deslocado do domínio da imprensa, que retira da nar
no que diz respeito l autobiografia - onde ração a função de informar e explicar acon
o "personagem" que morre efetivamente tecimentos de forma plausível,.e do narra-
existiu -, ilustra, no universo amplo da cria dor, a atribuição de difundir (e ensinar)
ção literária (e,. seria possível dizer, da . experiências para serem apropriadas pelos
criação artística em geral), a dimensão da ouvintes (como na tradição oral, no conto
l) relação de contigüidade entre IImador" e de-fadas, na saga e em outras fonnas de
Ucriatura", como se esta última fosse tão "gênero" épico). Essa lenta transfonnação
I real quanto o primeiro. ão esses udesliza ucria", segundo Benjamin, uma nova situa-
mentos" entre a Uidentidade" do autor e sua
-
ção, reservada ao romancista, que Usegre
aiação que aqui nos inter�am e que ire- gou-se. O local de nascimento do romance
.
I mos discutir no caso especifico da autobi9- é o indivíduo na sua solidão, que já não
consegue exprimir-se exemplarmente", co-
\ grafi'hAntes, porém, gostaríamos de levan
tar algumas questões sobre o lugar da mo exemplo de ensinamento usobre seus
literatura na modernidade. interesses fundamentais, pois ele mesmo
está desorientado e não sabe mais aconse-
Ibar. Escrever um romance significa levar o
incomensurável ao auge na representação
da vida humana. Em meio à plenitude da
I. UTERATURA NA MODERNIDADE vida e através da representação dessa pleni-
tude, o romance dá noticia da profunda
"Que é, pois, tal linguagem, que nada desorientação de quem vive" (Benjamin,
diz, jamais se cala e a que se chama 1969:60).
'literatura'?" O que esta caracterização do romance e
(Foucault, 1966:399). do romancista tem de comum com a idéia
que fazemos de literatura e lIescritor"? São
A pergunta feita por Foucault parece aquela linguagem de que fala Foucault e o
condensar aquilo que, aos olhos dos pensa sujeito que a cria construções específicas da
dores contemporâneos, diz respeito illitera "modernidade", produzidas e consumidas
tura: algo difícil - ou impossível- de defi pelo "indivíduo" em sua solidão?
nir e que, ao mesmo temHo, diz e não diz. É claro que a designação "literatura"
( Uma linguagem esj>ecífi C!!l a que se voltam não se aplica apenas a llromance", e mesmo
escritores e leitores, que precisa do ulivro", o aparecimento deste último não significou
atravessa a editora, as livrarias, é objeto de um corte irreversível que inviabilizasse o
circulaçã.o, levanta questões, ou passa ao desenvolvimento de outro tipo de "gênero"
6. ES1UIXlS HISTÔRICXlS -1991/1
literário, ou de '4gáleros anteriores" lque1e tão, que aquele que copia não t lutor. Por
'
que então se instituía. Mas o simples apa outro lado, se o "escritor" era até esse mo
recimento da idéia do individuo-sujeito mento o "copista' , coma novl acepção se
aiador já nos convida a estabelecer um tomará termo laudatório para designar os
paralelo com a possibilidade de emergSncia aiadores de literatura de arte, ultrapassan-
�
em relação a culturas nlo marcadas pelo reservado apenas aos "autores" que tem u m
"individualismo" seria mais apropriado fa· valor a mais, à ueles que juntam l aia - o
lar de "namção": a (in)formação dos ou a arte da forma.
vintes atrav& de relatos que dão conta de
experiências, acontecimentos, explica-
- ?
çoes .
-
tenimento. A substituição dessa designação que, apesar de constar nos dicion'rios como
abrangente pelo�ermoresaitor' parece lo sinônimo de Udoutrina" e "erudição" - isto
calizar-se ainda no século XVll, quando �, saber daqueles que leram muito e muito
"esaitor" começa a ganhar o sentido de retiveram das leituras; saber dos "letrados" I
criador de obras com objetivo estético, o enfim -, começa a aproximar-se das belle9
qual passou a se impor sobre a aplicação em Lettres, em oposição às Lettres savantes.
vigor até então, de '4escriba", "copista". Entretanto, essa mutação iniciada em
É interessante observar a sobreposição meados do século XVII não deve levar-nos
do tenno uesaitor' 10 de "autor", Viala a inferir a existência do "Jitcr6rio" nl socie
chama atenção para a etimologia do segun dade clássica: o autor sublinba que sua au
do lermo, que reúne as acepções grega e tonomia estava apenas se esboçando, no
•
"( ...) desde Dante, desde Homero, coincidindo com aquilo que, segundo Ben-
jamin, caracterizaria o romance: � indiví·
-
de bienlrquia (Viveiros de Castro & Araúj o, algumas das id�ias sobre a arte de escrever
1977:139). Sendo assim, num primeiro nl- da modernidade: criaçio solilAria, envol
-7 vel, ni � sslvel pensar o indivldu9 como vendo uma "psicologia" dos personagens e
2Posto 1 sociedade, uma vez que tal "COII uma "psicologia" do .Iutor, axiada sobre o
trato" pressupõe sua existência e autonomia tema da "inspiraçlo Intima", devendo bro
anteriores, sendo firmado com base nos tar das profundezas do indivlduD-lutor
direitos e deveres dos indivlduos como su (Duarte,1981:43); al�m disso e especifica
jeitos morais e pollticos. Entretanto, como mente, uma linguagem pr6pria ao individuo
bem mostram Viveiros de Castro e Araújo, criador (e, portanto, contrária 1 norma), de
ao lado do ser moral autÔnomo, signalArio funçlo expressiva (e não estritamente co
. rontrato socid, a modernidade tamb�m' municativa), onde se privilegia a polisse
do -
_.,,
� cria o individuo único e singular, o ser mia (em detrimento da clareza) e efeitos de
. - - -
.
icol lco, qu�a parççe quando o social deslocamento; linguagem esta que por mui
$SI • se� visto como estatal, o oficiã., � to tempo foi associada li Uconotaçio", em
central, aquilo que � essencialmente exte oposiçAo l "denotaçAo",utilizada na comu
rior 1 dimensio interna dos indivrauos, on-' nicaçlo cotidiana, não "p�tica", da socie
o amor e senbm.entos_ dade (Costa Lima, 1973:3-6)-0ssim,.al�m
•
•
::
:
oposiçlo entre individuo e sociedade. a arte de esc= ,=
e::'
ve::r :i-':::::
. É em grande parte a este "individuo" que nossa cultura, revela seu ancoramento ao
se pode relacionar o espaço da literatura na primeiro termo da dicotomia ind.irid�uo x
modernidade; e não SÓ O deI., como tam soeiedadfj"
�m o da arte como um todo,da genialidade E, se fonnos um pouco adiante, veremos
e da loucura. O gEnio, o louco, •o artista e o que, se � no "Íl@vldllo" (sujeito criador ou
escritor destacam-se, por assim dizer, do sujeito leitor) que a literatura se consJ!1>s-
"todo" social e podem falar além dele, fora laneia é nele tam�m .9ue ela pYa; ou seja:
•
dele, sobre ele t, principalmente, com mais se o desvio � valorizado como manifestaçio
"sabedoria" "razão" e "originalidade". do da individualidade única em sua plenitude,
I
que os indivíduos comuns. Se, num primei s6 o � enquanto limitado 1 dimensão indi
ro movimento, constituem expressões de viduai; enquanto escritor e sociedade parti
um "desvio" 1 nonna,nio se ooe esquecer Ibarem "da mesma convicçlo quanto à
que esse mesmo "desvio" vem aCOIl'!-pa�a: 'normalidade' do não-po�tico, isto �, da
do de elevada valorizaçlo em nossa cultura, sociedade" (Costa Lima, 1973:7) e a cria
-
que, ao mesmo tempo em que privilegia a ção Iiter4ria nio incidir sobre objetos udo_
. .
,
" -
ça -, pan preservar o valor encomp�ssa dade pr6pria, queJbe confere plena liberl!!-
dor do individualismo (Duarte, 1980:8 e aede .
-
12). e
O espaço da literatura, da criação literá por isso mesmo e nestes re-
ria, em nossa cultun, então, encontraria velar 1 sociedade sua loucura, propor ques
paralelo com aquilo que confere ao indivi tões, permitindo o prazer na dúvida (COSia
duo, como ser único e singular, lugar espe Lima, 1972:65; 1984:71): "Discurso do
cial e privilegiado, destacado da sqciedade. desvio, por excelência (... ), a literatura pode
E não t em outra direçlo que caminham sê-lo sob o preço de nunca se tomar o
UIERAnJRA E AUTOBIOORAFlA 71
à -
na, encontra-
do em todas as sociedades e O individuo
�-
2. A literatura como "valor"
-
difícil considerar que çom o nascimento do ao fato, com que aprendemos a conceber o
"individuo" ocidental moderno deu-se a
-
mundo.
E, se é possível reconhecer neste "indi_
víduo" o espaço da totalidade em nossa
cultura, acreditamos poder avançar um
pouco e supor que tal espaço seja também,
ocupado pela literatura.
Em primeiro lugar, isso ocorre porque a \
I
literatura constitui uma das modalidades de
expressão e operação daquela totalidade: I
seja porque, no processo de criação, o es
critor procure, em seu "foro {ntimo", na
completude da solidão, uma lógica cósmica
que reúna ao mesmo tempo sua experiência
de vida, a experiência do mURdo e o inco+
mensurável, dando-lhe sentido e conferin
do uma totalidade própria àquilo que antes
parecia fragmentado; seja porque uma tota
lização semelhante é operada pelo leitor,
na solidão da leitura, e a partir de uma
experiência de vida distinta; seja ainda, por
que a própria obra impressa, independente
e solitária, guarda em si uma totalidade
secreta, é possível identificar na literatura1
uma vontade .de totalização, articulada �
que se deposita no indivJ
como valor.
Em segundo lugar, porque não deve ser
,
por acaso que conferimos à literatura atri- ..
bUlaS "sagrados", emprestados, portanto,
ao domínio da religião, "categoria de nossa
cultura segmentada com que procur[amos)
entender o espaço da totalidade" (Duarte,
1980:5). O escritor tocado pela inspiração
atinge um estado sublime, pura levitação de
espírito, a que o leitor E também levado,
numa espécie de sagração purificadora do
que nele há de mais íntimo. Nesse "culto"
a que chamamos literatura, a obra literiria,
se consagrada, transforma-se em uma espE
cie de "escritura", e o escritor, assim como
os deuses, toma-se um imortal, porque de
tém, indecifrável, um dom especial: "Ela [a
criação artística) não se reduz (00') a uma
transcrição dos aspectos formais ou forma
lizados da experiência de vida do artista, ela
se enriquece da expressão de alguma quali-
mERATIJRA E Atrro BIOGRAFlA 73
uma moda-
11. O SUJEITO NA NARRATIVA •
•
lidade discursiva, que, segundo Benjamin,
AUTOBIOGRAFICA - '-
..
. c.:o..:,
�taria retrocedendo ara o uac: .
-
do texto, aLautobiografia are� ser a atua Esse quadro paradoxal, em que convi
rativa ficcional se dissipa no espaço aberto saio. comparação resulta que a auto-
pelo ângulo de refração, permitindo ao es biografia t principalmente uma narrativa
aitor "irrealizar-se enquanto sujeito", "in_ (récir), com perspectiva retrospectiva e cu-
ventar-se múltiplas possibilidades", imagi jo assunto tratado é a vida individual� e
1:)
nar-se, enfim, "outro de si mesmo", E, no implica necessariamente a identidade entre
extremo dessa "movêneia" do eu, é dada ao autor, narrador e personagem (p. 14-5).
escritor (e ao leitor, que também se trans A gradação sugerida pelos adv�rbios
porta para o imaginário) a possibilidade de grifados significa dizer que os três elemen
chorar pela morte de um personagem, como tos podem não constar em todas as páginas
se estivesse sendo "possuido" por, ou se de uma autobiografia, sendo apenas predo
"metamorfoseando" em sua aiação? minantes, mas que
non
,
rio pacto a identidade entre
o nome exposto na capa e na folha de rosto
2. A construção autobIográfica (um nome que equivale a uma assinatura) e
o nome que o narrador se dá como persona-
Investiguemos agora, como contraponto gem principal, acrescida na maioria das
a essa modalidade de "possessão" do sujei vezes da indicação, na capa, na folba de
to moderno, o que ocorre com o "eu" do rosto, nas orelbas e na contracapa, de que
escritor na criação autobiográfica..E!'l se trata de uma autobiografia. O pacto au
p!."incí2i. o. poder-se-ia dizer que, na recons tobiográfico se dá, então, quando a identi
tituição de sua experiêneia de vida,1!.ã-º dade entre autor, narrador e personagem é
cabe ao autor' e "irrea-
-�
assumida e tomada explícita pelo autor, ao
I�r" um persona sentido, a al;(- . contrário do ·� to,-" ..an�sc�", declara-
,:;;
�
..
� .::
76 ESTIJDOS HlSTÓRlr05-199111
cação do sujeito coincide com a própria síntese (um concebido)? Isso acontece num
significação da autobiografia, uma vez que movimento tal que esse "semelhante" de si
"on ne peut assumer sa vie sans d'une cer mesmo toma-se um "indivíduo" único e
taine maniere en {rxer le sens; ni I'englober totalizado, o sujeito "psicológico", cuja
suns en [ave la synthese; expliquer qui on constituição "mítica" já foi inclusive suge
élai4 sans dire qui on esl (p. 174)..
"
rida por Lévi-Strauss ao final de sua análi
Assim. se alguém se põe a escrever uma se sobre a cura xamanfstica: "sabe-se bem
autobiografll
l , que todo mito � uma procura do tempo
.um sentido em sua vida e dela operar uma perdido.
síntese. Síntese que envolve omissões. se Esta forma moderna da técnica xamanís
eção de acontecimentos a serem relatados tiça, que é a psicanálise, tira, pois, seus
e desequilíbrio entre os relatos (uns adqui caracteres particulares do fato de que,na
rem maior peso, são namdos mais longa civilização mecânica, não há mais lugar
mente do que outros), operações que o autor
para o tempo mELico; senão no próprio 110-
s6 é capaz de fazer na medida em que se
mem" (Lévi-Strauss, 1949:236; grifo nos
orienta pela busca de uma significação:
so). Ou seja, sobre o pano de fundo da
busca essa que lhe dirá quais acontecimen-·
modernidade, é possível dizer que o esforço
tos ou reflexões devem ser omitidos e quais
autobiográfico, análogo ao psicanalítico,
(e como) devem ser narrados. É essa busca
constitui também a "procura do tempo per
também que prevalece na estrutura do tex
dido", expressão e atualização do tempo
to, os relatos ganbando sentido à medida
mítico, localizado, na "civilização mecâni
que vão sendo narrados, acumulando-se
no "próprio homem".
"
uns aos outros, de modo que a significação
ca ,
Dito assim, não é difícil supor a relação tradição antes experimentada entre o que
entre a construção autobiográfica e um mo "fui" e o que "sou":
vimento "mítico,,6 do eu do autor, na medi
•
vida por Gilberto Velho, como sendo uma dizer que o escritor de autobiografia é "pos
elaboraçio consciente, posslvel de ser co suído" por, ou se "metamorfoseia" no ima
municada, d. tentativa "de dar um sentido ginário, de alguma forma é posslvel reco
nhecer, em seu afã de expressar e resgatar I
ou uma coerência" • "experiencia fragmen
experiencia de vida, uma �ntativa de su
tadora" do individuo nas sociedades com
plantar as descontinuidades que o separam
plexas (Velho, 1981:31). •
do sujeito do enunciado.
E � por esse ato de conlar, justamente,
Ao analisar a produçio de autobiogra
que o projeto autobiográfico parece tomar fias na terceira pessoa, em que o autor refe
se passlvel, na medida em que exige do re-se a si mesmo como se fora outro, Phi
escritor o esforço dç tomar inleleg(vel para lippe Lejeune (1980) adverte que tal figura
os outros sua experiência "fragmentada", (a terceira pessoa) MO deve ser tida como
Caso contrário, se teria, no limite da busca uma forma "indireta" de falar de si mesmo,
de sentido para a própria vida, um "veto 11 em oposição ao cariter "direto" da primeira
comunicação", uma "radicalização do au pessoa, pois "elle uI une mani�re de réali
tobiográfico, implicando a impossibilidade ser, sous la forme d'un dédoublement, ce
de partilhar os seus significados" (Costa que la premi�re personne réalise sous la
Lima, 1985:307), uma vez que s6 o autor forme d'une confusion: I'inéluclable duaU
seria capaz de signfficar-se a si mesmo,não lé de la 'personne'gramalicale. Dire 'je'UI
dando condições ao leitor de "partilbar o plus Iulbituel (dane p/us 'nalurel') que dire
que ali se oferece" (p. 306). 'U' quand on parle de so� mais n'eSI pas
plus simple" (Lejeune, 1980:34; grifos do
Nesse sentido, talvez, a funçio da narra
tiva na autobiografia seja análoga Aquela autor).
que adquire na concepçio moderna de his Isto acontece porque "eu" � sempre uma
figura aproximativa nos discursos (1 exce
tória: a de elaborar uma ex Iica o (um
çio dos enunciados performativos), por
concebido) para o passado,na qual o tempo
que, nela, se confundem e se mascaram as
linear finalmente pára, aceitando uma con-
•
embora Agostinho "certamente estivesse 0008- vações sobre a obra de Nik:olai LeskoW-, em
ciente da i4iossincra.sia pessoal, não a via como BENJAMIN, W. el alii, Texlos escolhidos. •
algo Cle valor em si mesmo ou merecedora de São Paulo, Abril CUltural, 1980. (Os Pensa-
cultivo' (Costa Lima, 1985:257), de modo que dores) .
8 "singularidade" da experiência "individual" COSTA LIMA, Luiz. 1972. "Mito e provérbio
não entrava a( em questão. .
em Guimarães Rosa"� emA mdamorfose do
3. R'SSa analogia entre a ormovênci a" do sujei si/i.ncio. Rio de Janeiro, Eldorado, 1974.
to e fenômenos de "possessão" ou "metamorfo (Enfoque)
se" foi desenvolvida em nossa dissertação de _. 1 973. "Poética da denotação", emA mela
mestrado a partir do conceito de "ritual" e "sa� morfose do silêncio. Rio de Janeito,
ajUcio" de Lévi-Strauss. Para um aprofunda� Eldorado, 1974. (Enfoque)
mente da questão, induindo a relação entre, de --,'1984. "Literatura e sociedade na América
um lado, a literatura e, de outro, a oposição Hispania", em Sociedade e discursa pccio
'évi�straussiana entre "mito" e "ritua''', ver Al� nal. Rio de Janeiro, Guanabara, 1986,
berti, 1990. _. 1984a, "Documento e ficção", em Socieda
4. A respeito dessa identidade, ver, também, de e discurso ficcional. Rio de Janeiro,
Costa Lima (1985:252-3). Guanabara, 1986.
S. Em sua análise, Lejeune lança mão de uma
quarta figura, o modelo, aquilo ao qual o enun� j _. 1985. "Júbilos e misérias do pequeno eu",
em Sociedade e discurso ficcionaL Rio de
Janeiro, Guanabara, 1986.
dado pretende assemelbar�se, como forma de
instrumentalizar a oontraposiç2io da autobiogra� DUARTE, Luiz Fernando. 1980. "O culto do eu
no templo da razão", em "Três ensaios sobre
fia à biografia. Como, entretanto, modelo e autor
se confundem na a utobiografia (Lejeune,
pessoa e modernidade", Bolelim do Museu
NacionaL Rio de Janeiro, (41):2-27, 1983.
1975:40), optamos por adotar a figura "autor"
(N. Série-Antropologia.)
quando se trata da relação de semelhança no
_. 1981. "A oonstrução social da memória
nível do enunciado.
moderna-, em "Três ensaios sobre pessoa e
6. Utilizamos aqui principalmente a noção de
•
DUMONT. Louis. ) 983. Essais sur " individua PAlVA, Marcelo Rubens. ) 986. Blecaule. 71 ed.
lisme: une perspeclive anllrropologique sur São Paulo. Brasiliense.
I'idéologie moderne. Paris, Seuil. SIMMEL, Georg. 1902. "A metrópole e a vida
FOUCAULT, Michel. 1966. As palavras e as mental, em VELHO, Otávio G. (org.). O
coisas: uma arqueologia das ciências huma fenômeno urbano. 31 ed., Rio de Janeiro,
nas. Lisboa, Portugália, 1968. Zahar, 1976.
- GARCiAMÁRQUEZ, Gabriel. 1982. Cloeiro de
goiaba: conversas com PlinioApuleyo Men-
I VELHO, Gilberto. 1981. "Projeto, emoção e
orientação em sociedades complexas", em
• doza. 31 ed., Rio de Janeiro, Record. Individualismo e cultura: notas para uma
HER1Z. Robcrt. 1960. .. A preeminência da mão anJropolog;a da sociedade contemporânea.
direita: um estudo sobre a polaridade religio
Rio de Janeiro, Zahar. (Antropologia 50-
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