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LLS - A regra do precedente (ou stare decisis) se explica pelo adágio stare
decisis et non quieta movere, que quer dizer continuar com as coisas decididas
e não mover as "coisas quietas". O precedente possui uma holding, que irradia
o efeito vinculante para todo o sistema. Isso não está na Constituição, nem na
lei, e, sim, na tradição. Para a vinculação, a matéria (o caso) deve ser similar. A
aplicação não se dá automaticamente. Nesse sistema, sempre se deve examinar
se o princípio que se pode extrair do precedente constitui a fundamentação da
decisão ou tão-somente um dictum. Portanto, também nos EUA - e não poderia
ser diferente - texto e norma não são a mesma coisa. Somente os fundamentos
da decisão possuem força vinculante. O dictum é apenas uma observação ou
uma opinião. Mas o mais importante a dizer é que os precedentes são "feitos"
para decidir casos passados; sua aplicação em casos futuros é incidental. Tudo
isso pode ser resumido no seguinte enunciado: precedentes são formados para
resolver casos concretos e eventualmente influenciam decisões futuras; as
súmulas, ao contrário são enunciados "gerais e abstratos" - características
presentes na lei - que são editados visando à "solução de casos futuros"
(conservemos as aspas, na falta de notas de rodapés).
LLS - Sim: venho insistindo há muito tempo que texto e norma não são "colados",
nem cindidos. A questão de direito, que surge do julgamento anterior (ou da
cadeia de julgamentos), será sempre uma questão de fato e vice-versa. Por isso
- e nisso reside o equívoco de setores da doutrina - é impossível transformar
uma súmula em um "texto universalizante". Insisto: isso seria voltar à filosofia
clássica-essencialista. É preciso entender que a "aplicação" de uma súmula não
pode ser feita a partir de um procedimento dedutivo. Que as súmulas são textos,
não há dúvida. Só que "esse texto" não é uma proposição assertórica. Portanto,
não pode ser aplicada de forma irrestrita e por "mera subsunção" ou por
"dedução". No paradigma filosófico em que nos encontramos, é equivocado falar
ainda em subsunção, indução ou dedução.
LLS - Muito se tem dito sobre essa súmula (problemática que pode ser aplicada
às demais). A doutrina em geral tem até razão quando diz que a súmula "mais
parece texto legislativo", porque assim é e sempre foi. Como falei no inicio,
súmulas têm pretensão de "generalidade e abstração", como a lei. Por isso, sua
redação sempre pareceu mais com a de um artigo ou parágrafo de lei do que
com uma decisão judicial: "Não cabe mandado de segurança contra lei em tese"
(n. 266 do STF); "A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício" (n.
33 do STJ). Quem acha que as súmulas são "demasiadamente vagas" deixa a
impressão de que as dificuldades de aplicação devem ser solucionadas com
"outras súmulas" ou um "comentário sobre as súmulas". Não deixa de ser
sintomático que a doutrina, ao identificar complexidades no sistema, proponha
resolvê-las com "mais do mesmo", ou seja, com outros modelos pré-concebidos
de interpretação. Apesar disso, a filosofia nos salva. Insisto: é graças a ela que
não acreditamos mais em isomorfia entre texto e realidade. Se eu fosse resumir
o problema das súmulas em uma frase, diria que "o "e;precedente"e; não cabe
na súmula". Trata-se de um "enigma" hermenêutico que deve ser decifrado. É
impossível transformar o problema da aplicação (Anwendungsdiskurs) em um
problema de validade (prévia) dos discursos jurídicos (discursos de justificação
- Begründungsdiskurs). O problema é que isso já acontece de há muito no direito
de terrae brasilis. Aliás, é prática recorrente - afinal, não há sentença ou acórdão
que assim não proceda - a mera menção de ementas de acórdãos, utilizados
como pautas gerais nas decisões. Tal circunstância acarreta um
enfraquecimento da força persuasiva da doutrina, deixando-se a tarefa de
atribuição do sentido das leis aos tribunais, fenômeno que é retroalimentado por
uma verdadeira indústria de manuais jurídicos, que colacionam ementários para
servirem de "pautas gerais". Verbetes. Enunciados. Tentativas de
conceptualizações. Nada mais, nada menos do que a velha metafísica, recheada
de conceitos sem coisas. Por tudo isso, as súmulas (vinculantes ou não) não
deveriam causar surpresa. E nem estranheza. Elas sempre estiveram aí, no
nosso imaginário.
LLS - Sim. Temos que encontrar o fio condutor da tradição que se liga ao
enunciado e, caso nenhuma tradição se ligue ao dito no enunciado, já estaremos
diante de uma inconstitucionalidade. Teremos que buscar os "casos" e o
"contexto" em que esse enunciado foi produzido (pensemos na súmula 5, que,
aplicada tábula rasa, revoga dispositivo da CF). Não é possível, portanto,
continuarmos analisando os textos das súmulas como se ali fosse "o lugar da
verdade" e como se o sentido "imanente" desse texto nos desse as respostas
para a sua futura aplicação. É o que tenho trabalhado com a "resposta adequada
a Constituição" ou "resposta correta", especialmente no livro Verdade e
Consenso, da Lumen Juris. Cada enunciado sumular/jurisprudencial, etc, tem
um "DNA". Esse "DNA" é a integridade e a coerência de que fala Dworkin. O
"DNA" contém também, necessariamente, os genes da doutrina, sob pena de
sacramentarmos a tese de que o direito é aquilo que o judiciário diz que é
(lembremos sempre do Min. Barros Monteiro, que dizia "não me importa o que a
doutrina diz..."- sic). O juiz Holmes já morreu. E mais: não há grau zero de
significação. Embora nosso sistema não seja de precedentes, o direito não é um
conjunto de casos dispersos, em que, pragmaticamente, o jurista possa dizer
qualquer coisa sobre qualquer coisa. E a doutrina deve voltar a doutrinar e não
se quedar submissa e caudatária da "jurisprudência" (na verdade, por vezes, de
citações "pela metade" e de casos isolados). Por tudo isso, a súmula não é um
"mal em si". Insisto: é um "mal" como é qualquer enunciado ou lei "injusta" e/ou
inconstitucional. A propósito, a doutrina deve iniciar a discussão acerca do que
fazer com as SV inconstitucionais (formal ou materialmente). No fundo, não há
maiores diferenças entre uma lei e uma súmula; a diferença é que, por incrível
que pareça, às SV os juristas respeitam. E a lei? Bem, a lei acaba tendo menos
força que as SV. Por exemplo: antes da SV 10, os tribunais eram useiros e
vezeiros em não suscitar incidentes de inconstitucionalidade. Isto é, não
obedeciam aos arts. 97 da CF e os arts. 480 e segs do CPC. Com a edição da
SV n. 10, passaram a obedecer. Aliás, até demais, uma vez que agora nem mais
fazem interpretação conforme e nulidade parcial sem redução de texto. E olha
que a SV n. 10, examinada em seu "DNA", nem trata desses dois mecanismos
hermenêuticos. Sintomas da crise, pois não? Ainda, por fim, há um outro enigma
a ser decifrado. E qual seria? É que as súmulas representam um paradoxo. E
por que? Porque elas não diminuem e, sim, aumentam a competência dos
juízes. Eles e os tribunais é que ainda não se deram conta. Talvez nem venham
a perceber isso. A hermenêutica explica, mas esse é um assunto para outra
entrevista.
NOTAS SOBRE OS CONCEITOS DE JURISPRUDÊNCIA, PRECEDENTE
JUDICIAL E SÚMULA.
Como bem observa Michele Taruffo, não é fácil desvendar, entre inúmeros
arestos citados à guisa de jurisprudência, qual a posição realmente
dominante.[2]
Na verdade, em nossa experiência jurídica, num universo jurídico com mais de
50 tribunais de segundo grau, a respeito de muitas teses descobrem-se, não
raro, num mesmo momento temporal, acórdãos contraditórios, evidenciando
significativa ausência de uniformidade da jurisprudência e, como natural
decorrência, consequente insegurança jurídica. E esse grave inconveniente
pode ser inclusive constatado, por paradoxal que possa parecer, num mesmo
tribunal, revelando divergência de entendimento, intra muros, entre câmaras,
turmas ou sessões.
Não obstante, afirma ainda Taruffo, que a jurisprudência pode desfrutar de
acentuada eficácia persuasiva se ficar demonstrado que o julgamento sobre
determinada quaestio iuris, reiterado em vários acórdãos, desponta uniforme e
sedimentado.
Saliente-se, por outro lado, que os órgãos judicantes, no exercício regular de
pacificar os cidadãos, descortinam-se como celeiro inesgotável de atos
decisórios. Assim, o núcleo de cada um destes pronunciamentos constitui, em
princípio, um precedente judicial. O alcance deste somente pode ser inferido
aos poucos, depois de decisões posteriores.[3] O precedente então nasce como
uma regra de um caso e, em seguida, terá ou não o destino de tornar-se a regra
de uma série de casos análogos.
Bem é de ver que, pressupondo, sob o aspecto temporal, uma decisão já
proferida, todo precedente judicial é composto por duas partes distintas: a) as
circunstâncias de fato que embasam a controvérsia; e b) a tese ou o princípio
jurídico assentado na motivação (ratio decidendi) do provimento decisório, que
aspira certo grau de universalidade.
O precedente sempre corresponde a um pronunciamento judicial atinente a um
caso concreto. Não é possível conceber um julgado como precedente se a
interpretação da norma por ele aplicada não estiver diretamente conectada ao
caso concreto que foi objeto de decisão.[4]
Quando se alude a precedente refere-se, geralmente, a uma decisão relativa a
uma situação particular, enquanto, como acima visto, a citação da jurisprudência
encerra uma pluralidade de decisões relativas a vários e diversos casos
concretos.
A diferença não é apenas semântica. O fato é que nos sistemas de common law,
que se fundam tradicional e tipicamente na máxima do stare decisis, geralmente
a decisão que é considerada precedente é apenas uma[5]; ou, no mínimo,
poucas decisões sucessivas que vêm citadas para sustentar o precedente.
Desse modo, é fácil identificar quais pronunciamentos realmente “geram
precedente”.
Diferentemente da citação da jurisprudência, na qual se reportam a trechos ou
extratos mais ou menos sintéticos da motivação, o precedente somente é
compreendido pela interpretação da controvérsia antes resolvida. É assim do
cotejo — técnica do distinguish — da integralidade de pelo menos duas
situações fáticas (a já julgada e a que está sob julgamento), que o julgador
estabelece a relação de precedente aplicável ou não incidente ao caso
concreto. Ressalte-se, a propósito, segundo precisa observação de Thomas
Bustamante, que o distanciamento do precedente não implica seu completo
abandono — “ou seja, sua validade como norma universal não é infirmada” —
, mas tão-somente a sua não aplicação em determinada hipótese concreta.[6]
Ademais, sob outro enfoque — ainda segundo Taruffo —, não é simplesmente
uma questão quantitativa: o precedente produz uma regra universal, que pode
ser aplicada como critério de decisão num caso sucessivo em função da
identidade ou da analogia entre os fatos do primeiro caso e os fatos do segundo
caso. “Naturalmente, a analogia dos dois casos concretos não é dada in re ipsa...
É, com efeito, o juiz do caso sucessivo que estabelece se existe ou não existe o
precedente e, portanto, ‘cria’ o precedente. A estrutura fundamental do raciocínio
que leva a aplicar o precedente ao caso sucessivo é fundada sobre a
comparação dos fatos. Se esta análise justifica a aplicação no segundo caso
da ratio decidendi aplicada no primeiro, o precedente é eficaz e pode determinar
a decisão do segundo caso. Note-se que, quando se descortinam estas
condições, apenas um único precedente é suficiente para fundamentar a decisão
do caso sucessivo”.[7]
Sob o aspecto institucional, a situação típica de aplicação do precedente é
aquela de eficácia vertical, decorrente da autoridade hierárquica do órgão que
emitiu o precedente em relação ao órgão incumbido de decidir o litígio posterior.
Diante desta importante perspectiva, os tribunais superiores são atualmente
concebidos, especialmente em países federados, como o Brasil, para exercerem
a importante função nomofilácica em prol da uniformização da interpretação e
aplicação do direito, ou seja, de verdadeiras cortes de precedentes.[8]
Ao enfrentarem questões polêmicas ou teses jurídicas divergentes, os tribunais
também produzem máximas ou súmulas que se consubstanciam na enunciação,
em algumas linhas ou numa frase, de uma “regra jurídica”, de conteúdo
preceptivo. Trata-se de uma redução substancial do precedente. A aplicação da
súmula não se funda sobre a analogia dos fatos, mas sobre a subsunção do caso
sucessivo a uma regra geral.[9]
A construção de súmulas remonta a uma prática tradicional e consolidada do
sistema judiciário luso-brasileiro. Não deriva da decisão de um caso concreto,
mas de um enunciado interpretativo, formulado em termos gerais e abstratos.
Por consequência, o dictum sumulado não faz referência aos fatos que estão na
base da questão jurídica julgada e assim não pode ser considerado um
precedente em sentido próprio, “mas apenas um pronunciamento judicial que
traduz a eleição entre opções interpretativas referentes a normas gerais e
abstratas. Sua evidente finalidade consiste na eliminação de incertezas e
divergências no âmbito da jurisprudência, procurando assegurar uniformidade
na interpretação e aplicação do direito”.[10]