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Dicas para Elaborar Resumos Científicos
Dicas para Elaborar Resumos Científicos
Solange L’Abbate
Universidade Estadual de Campinas
RESUMO:
A gênese da Análise Institucional é indissociável das condições histórico-sociais que a
produziram, sendo a articulação entre teoria e prática sua marca fundamental. Para
melhor explicitar aspectos dessa origem, o texto apresenta, de forma breve, algumas
contribuições de René Lourau, Georges Lapassade e Félix Guattari para a constituição
dessa disciplina. São apresentados e discutidos também os significados da palavra
intervenção, no sentido de demonstrar a especificidade da Socioanálise, que é a Análise
Institucional em situação. Ressalte-se que qualquer intervenção se realiza no âmbito de
um contexto mais amplo, daí a necessidade de distinguir e, ao mesmo tempo, articular
campo de análise e campo de intervenção. Para tanto, os conceitos de implicação e
transdução devem estar associados. A apresentação de algumas inserções da Análise
Institucional na Saúde Coletiva busca apontar as possibilidades de aplicação dessa
abordagem e, ao mesmo tempo, identificar algumas transformações da intervenção
socioanalítica em anos recentes.
ABSTRACT:
The genesis of Institutional Analysis is inseparable from the social and historical
conditions that produced it and the articulation between theory and practice is its
fundamental feature. To better explain some aspects of that origin, our paper presents
some contributions by René Lourau, Georges Lapassade and Félix Guattari who helped
establish that discipline. The meanings of the word intervention are also presented and
discussed to demonstrate the specificity of Socio-analysis, which is Institutional
Analysis in situation. We further highlight that all interventions occur within a broader
context, hence the need to distinguish and to articulate the field of analysis and the field
of intervention. To this end, the concepts of implication and transduction must be
associated. We present some implementations of Institutional Analysis in Collective
Health to demonstrate its possible application and at the same time to identify some
transformations of the socio-analytical intervention in recent years.
mais adequados para o registro das atividades que ocorrem numa intervenção
(HESS,1988 e 2006; PEZZATO e L’ABBATE, 2011).
Atenção especial deve ser dada ao conceito de implicação, que Lourau
desenvolveu ao longo da sua obra (LOURAU, 1975, 1981, 1988, 1994, 1997) e que é,
sem dúvida, um dos mais relevantes para a Análise Institucional. De forma geral,
implicação refere-se ao nosso envolvimento sempre presente e até de natureza
inconsciente com tudo aquilo que fazemos. Barbier (1985) definiu as três dimensões da
implicação: a afetivo-libidinal, a existencial e a estruturo-profissional. Ou seja, somos o
tempo todo movidos pelas nossas escolhas afetivas, ideológicas e profissionais, com
relação à nossa prática de pesquisa e/ou de intervenção, com as instituições às quais
pertencemos, com nosso campo teórico-metodológico e com a sociedade da qual
fazemos parte. (LOURAU, 2004b: 246-258) Não há como negar a existência da
implicação e, sem dúvida, ter consciência de sua existência colabora para o melhor
entendimento da forma como atuamos como analistas institucionais e socioanalistas.
Mas do socioanalista se exige que ele, além de compreender, coloque em análise suas
próprias implicações (GUILLIER e SAMSON, 1997/8).
René Lourau deu o exemplo ao expor fragmentos do diário que escrevia
enquanto elaborava investigações relativas à análise da implicação de alguns
intelectuais, cientistas sociais, filósofos e escritores, não só através das suas obras, mas
também dos diários que escreveram ao longo das suas vidas, sendo que alguns,
considerados diários íntimos6, foram ocultados durante muito tempo (LOURAU, 1988 e
2004c). Nestes fragmentos, Lourau analisava suas próprias implicações, revelando as
dificuldades que enfrentava durante a elaboração dos trabalhos, a satisfação com a
descoberta de textos até então desconhecidos, tudo isto entremeado com acontecimentos
da sua vida familiar e profissional.
contexto da sociedade francesa, mas que entrara em crise em 1962. O sindicato pedia a
presença de Lapassade, com os objetivos de contribuir para uma maior aproximação
entre a direção e as bases e para desburocratizar os métodos de formação, mas ele teve
dificuldades em formar uma equipe de interventores, devido a vários desacordos, pois
os colegas psicossociólogos insistiam na direção “personalista e afetivista dos grupos
T”7, enquanto ele insistia na “dimensão intervencionista da situação”. Conclui a autora:
O modo de ação proposto por Lapassade tinha por meta a percepção, pelos
participantes, de que a compreensão exclusiva de questões internas ao grupo – afetos,
lideranças, cliques, redes etc – ocultava as condições de instauração do grupo como
tal. A análise destas condições poderia levar respostas a algumas perguntas: quem
decidiu a formação?, onde quando e como?; por quê? – passiveis de exibir a
presença da instituição no grupo.(RODRIGUES,1997:24-5, destaque da autora).
A reflexão feita por René Lourau, em um dos seus últimos livros “Implicação-
transdução”, (LOURAU, 1997) é, a meu ver, um ponto de partida para a atitude do
pesquisador-socioanalista. Ao discutir as relações entre campo de análise e campo de
intervenção, ele afirmava que
Boa parte do sistema de referência ou quadro teórico deve ser potencializada, pois
todo praticante de intervenção- não importa qual seja seu paradigma- sabe que nem
as técnicas mais etno-metodológicas de observação, nem a atitude de escuta mais
empática nem as representações que pouco a pouco fazemos da situação, levando-a a
entrar no “molde” de nossos conceitos, são tão operatórios quanto o humilde
material colhido na negociação permanente, e com frequência muito terra-a-terra,
entre interventores e clientes (...) (LOURAU, 2004a:218-9).
Com certeza poder operar com esse humilde material pressupõe que o
pesquisador-interventor tenha uma postura bastante diversa daquela comum à prática
cientifica mais usual, o que levou Lapassade (1973) a afirmar que, no desenvolvimento
do corpo teórico-conceitual da Análise Institucional, ocorrem três reversões
epistemológicas: a primeira é a do instituinte contra o instituído, ou seja, interessa mais
à pesquisa aquilo que no grupo ou instituição está em mudança, em tensão, em conflito,
enfim o acontecimento, do que o estabelecido, definido, estruturado; a segunda reversão
é o fato de que é o analisador que faz a análise. Se o analisador é “aquilo que permite
revelar a estrutura da instituição, provocá-la, forçá-la a falar”, conforme afirmou Lourau
(1975: 284), são os analisadores que trazem os elementos para a análise. E, finalmente,
a terceira reversão é a da implicação contra a neutralidade, ou seja, numa atividade de
intervenção, as implicações, sempre presentes em suas várias dimensões, devem ser
consideradas e analisadas.
Na realidade devemos, ao final, nos interrogar sobre a relação sujeito-objeto.
Para Lourau, quando se pensa essa relação do ponto de vista da transdução9, sujeito e
objeto são “como no espectro das cores, dois pólos extremos e periféricos – são finais,
limites. É a partir do centro (o verde-amarelo) que se sucedem as várias cores
localizáveis e designáveis, fundando-se umas nas outras. Este movimento, resultado de
potencializações e atualizações, é a transdução” (LOURAU, 2004a:213, parêntese do
autor).
‘coletivo’ para qualificar ‘saúde’, realizada por Maria Cecília de Ferro Donnangelo,
com a intenção de instituir um novo paradigma que permitisse outro tipo de articulação
entre as diferentes formas de atuar das instituições da Saúde Pública e da Assistência
Médica (DONNANGELO 1983).
A partir dos conceitos de instituição e de analisador, a trajetória da Saúde
Coletiva foi abordada em suas dimensões científico-acadêmica e político-ideológica nos
artigos acima mencionados, com a intenção de desvendar seus processos instituintes,
produzidos pelos inúmeros desafios colocados pelo contexto sócio-econômico e político
do país, com ênfase nas questões mais específicas da organização do sistema público de
saúde, na construção e concretização do Sistema Único de Saúde (SUS).
Uma intervenção de longa duração (1993-1999), que envolveu cerca de 92
profissionais do Serviço Social do Hospital das Clinicas e do Centro de Assistência à
Saúde da Mulher (CAISM) da Unicamp, pode ser considerada como Análise
Institucional na Saúde Coletiva, ou seja, ‘análise em situação’.O trabalho resultou de
uma encomenda das direções dos respectivos serviços, com base em dois conteúdos
básicos: um primeiro, direcionado para a reflexão sobre a natureza e especificidade da
atuação do assistente social num hospital público, e um segundo, voltado para a análise
das relações interpessoais que ocorriam nas equipes desses profissionais. Na realidade,
tais temáticas foram propostas a partir de demandas dos próprios trabalhadores, num
momento em que a categoria buscava maior qualificação profissional (L’ABBATE,
2001/2002 e 2004).
Durante estes seis anos, os diferentes grupos de assistentes sociais (dos
ambulatórios, das enfermarias da seção de diagnóstico e do pronto socorro) reunidos
regularmente, realizaram uma Análise Institucional das Práticas Profissionais, próxima
da perspectiva colocada acima por Danielle Guillier (GUILLIER 2003).
Observe-se também que, para exercer esta atividade, eu recebia uma
complementação salarial à qual tinha direito como docente da FCM-Unicamp. Tal
complementação era atribuída a todos os docentes da faculdade que exerciam atividades
relacionadas diretamente e/ou como apoio à assistência à saúde do usuário. E esta
atividade se enquadrava nesta última categoria. 15
Ao analisar minha implicação com este trabalho, e sabendo da relevância do
dinheiro como analisador, uma vez que, para René Lourau, “o analisador dinheiro é um
dos mais sensíveis da socioanálise” (LOURAU, 1997a: 30), propus colocar em análise a
existência deste pagamento. Este fato provocou diferentes reações dos profissionais,
tarefa de construir a grupalidade nas diferentes equipes em meio à “roda viva” na qual o
trabalho cotidiano se desenvolvia.
Foi possível perceber que a intervenção afetou não apenas os profissionais das
equipes da SMS envolvidas no trabalho, mas também o próprio grupo de analistas, que
se viram na contingência de transversalizar seus saberes, possibilitado pelo processo de
co-gestão vivenciado pelo grupo, sobretudo através das duplas, conforme explicitado
acima. E as condições para tanto decorreram do “espaço de livre circulação da palavra e
à regra da restituição preservados durante todos os encontros (MOURA et alli.,
2003:181).
Ao final, concluímos que o processo de análise, embora tenha se encerrado no
final de 2002, de certa forma encontrava-se, do ponto de vista das equipes, apenas no
seu momento inicial. Por isso,
(...) pensamos que isto talvez se deva igualmente ao fato de que o que se refere à
gestão - seja da intervenção, seja das próprias ações dos participantes das equipes no
seu dia-a-dia -se faz de um modo, diríamos, silencioso, mais na condição de um ato
produtor de novos settings, visando a mudanças que coincidem com as preconizadas
tanto pelo método proposto por Campos [o método Paidéia], quanto pela Análise
Institucional e por uma certa concepção no campo da gestão (MOURA et alli., 2003:
183-4, destaque do texto).
Resta colocar que o modelo de Saúde Paidéia manteve-se até 2005 e, a partir daí,
foi sofrendo paulatinamente um grande desgaste, produzido pelo descompromisso da
direção municipal eleita naquele ano (e que permaneceu até o final de 2011) com a
proposta e com o atendimento à saúde da população de forma geral. Tal desgaste se
acentuou fortemente nos dois últimos anos devido à enorme crise provocada pela série
de escândalos nos quais a administração municipal se envolveu.18
Concluindo
Referências
7
Grupo T ou Training Group é um grupo de formação. Segundo R. Mergniez, citado por Georges
Lapassade, é um grupo no qual o monitor fala com freqüência “nas leis gerais do grupo, de que o grupo
presente não seria mais do que um exemplo” (LAPASSADE, 1989: 83).
8
Jean Oury trabalhou com Guattari na constituição do projeto do Hospital de La Borde, na perspectiva
da Psicoterapia institucional..
9
Conceito originado da Física, introduzido por Gilbert Simondon, que designa “o movimento pelo qual
um acontecimento, uma partícula propaga pouco a pouco uma desordem dos campos de forças e é criador
de formas novas”(GUILLIER e SAMSON, 1997/98: 29).
10
A 1ª edição dessa coletânea é de 1992.
11
No curso dos últimos vinte anos, a AI destacou certo número de “efeitos” que se manifestam no campo
do conhecimento ou, mais amplamente, no campo social. O que é um efeito? Não é uma lei sociológica,
mas a formalização de um fenômeno recorrente que se reproduz em certas condições. Uma vez
estabelecidas essas “constâncias” sociais, seu conhecimento pode guiar análises em curso ou futuras
(HESS e SAVOYE, 1993:72). A partir dessa definição, nos autorizamos a inventar e nomear outros
efeitos.
12
Isto pode ser constatado nos Les Cahiers de l’implication, Revue d’analyse institutionnelle criada por
René Lourau e seu grupo do Laboratório de Pesquisas em Análise Institucional do Departamento de
Ciências da Educação da Universidade Paris 8-Saint Denis, França, em 1997, publicada até 2008. Nos
oito números publicados, há cinco artigos que tratam de temas relacionadas à saúde, quatro deles de
autores brasileiros.
13
Nas duas coletâneas referidas (KAMKHAGI e SAIDÓN, 1987; RODRIGUES et alli., 2000), há apenas
um texto que refere uma intervenção sobre um trabalho relacionado à saúde comunitária em dois
momentos publicado nas duas coletâneas.
14
Tais atividades deram seqüência ao meu pós doutorado em Análise Institucional realizado junto ao
Depto de Ciências da Educação da Universidade Paris 8 Saint-Denis, França, de agosto de 1999 a
dezembro de 2000, sob orientação dos Profs René Lourau e Antoine Savoye.
15
Esta complementação, à época da intervenção denominada Fundo de Complementação Salarial
(FUCS), corresponde a cerca de 20% da verba que o SUS repassa à Universidade como subvenção para
pagar a assistência prestada à população pela Faculdade de Ciências Médicas no Complexo Hospitalar
Universitário (CHU), e é recebida mensalmente pelos docentes. (L’ABBATE, 2004: 83). Atualmente é
denominada Fundo de Valorização da Atividade Docente (FVDA).
16
Gastão Wagner de Sousa Campos, Prof Titular do Depto de Medicina Preventiva e Social, atual Depto
de Saúde Coletiva.
17
“Apoiador: função que substitui o antigo papel de supervisor nos moldes tayloristas identificado com o
controle, o autoritarismo, a hierarquização e a rigidez das diferentes linhas de mando aí presentes. Os
apoiadores constituem-se em equipes interdisciplinares formadas por diferentes profissionais da área da
saúde e devem sustentar o apoio aos gestores e às equipes assistenciais com recursos pedagógicos,
analíticos e políticos”. (MOURA et alli., 2003:176)
18
Tais escândalos, envolvendo membros da administração municipal, estão em análise pelo Ministério
Público, mas já provocaram a cassação do prefeito e do vice-prefeito, e na eleição pela câmara de
vereadores de um novo prefeito (no caso o presidente da câmara). E como se não bastasse isto,
recentemente, há a iminência de demissão de cerca de 1200 funcionários da rede pública da saúde, devido
à irregularidade de seus contratos de trabalho, situação questionada pelo Ministério Público. A
contratação de novos funcionários será por concurso, prevendo-se, portanto, um longo período para o
quadro ser reposto, isto apesar da luta do Conselho Municipal de Saúde que tem se posicionado contrário
a estas demissões. Infelizmente, por tudo isto, a rede básica de saúde de Campinas, considerada até há
pouco tempo, um modelo para outros municípios, vive atualmente uma situação extremamente precária,
com visível piora do atendimento à população, conforme vem sendo demonstrado cotidianamente pelo
noticiário local televisivo, radiofônico e jornalístico.
19
Esta produção será analisada por mim na Introdução ao livro “Análise Institucional e Saúde no Brasil”,
em preparação pelo grupo do Diretório. A publicação pela Editora Hucitec está prevista para o final de
2012.
20
Os trabalhos são os seguintes: SILVA, Ana Lúcia Abrahão da. Produção de subjetividade e gestão em
saúde: cartografias da gerência. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas/Unicamp,
Campinas, 2004; SPAGNOL, Carla Aparecida. A trama de conflitos vivenciada pela equipe de
enfermagem no contexto da instituição hospitalar: como explicitar seus “nós”? Tese de Doutorado.
Universidade Estadual de Campinas/Unicamp, Campinas, 2006; PEZZATO, Luciane Maria. Encontros,
Instituições e Sujeitos em Análise: a Alta Pactuada em Saúde Bucal. Tese de Doutorado. Universidade
Estadual de Campinas/Unicamp, Campinas, 2009; JESUS, Aidecivaldo Fernandes. O processo de
institucionalização de um serviço de Saúde Mental em um município de pequeno porte: o caso de
Paraisópolis/MG. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas/Unicamp, Campinas, 2012.
Todas essas teses encontram-se disponíveis no site da FCM/Unicamp (Pós Graduação em Saúde Coletiva)
21
Exceção à intervenção realizada por Carla Aparecida Spagnol (SPAGNOL, 2006).