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Critério de Kelly – Jogos

Favoráveis e Aplicações no
Mercado Financeiro

Alexandre Rubesam
20/08/2010
Resumo

 Jogos favoráveis e definição do problema


 Resultados e aproximações
 Aplicação no mercado financeiro
 Exemplo com futuros de IBOV e DÓLAR
Jogos Favoráveis
 Problema fundamental em apostas é encontrar apostas com valor
esperado positivo (em investimentos, é encontrar investimentos
com retorno em excesso positivo)
 Uma vez que uma oportunidade é encontrada, o apostador
(investidor) deve decidir quanto apostar
 Vamos utilizar o exemplo de apostar em uma moeda para definir
o conceito de aposta de Kelly, mas os resultados são
generalizáveis para várias situações, entre elas o mercado de
capitais
Lançamento de moeda
 Moeda favorável com:
PGanhar  p  0.5
PPerder   q  1  p  0.5
 Capital inicial = X 0
 Queremos maximizar o valor esperado do nosso capital após n
lançamentos da moeda, E X n 
 Quanto devemos apostar, Bk , no lançamento k?

 1, vitória no k - ésimo lançamento


Seja Tk  
 1, caso contrário
Então

X k  X k 1  Bk Tk , k  1,2,3,...
e após n lançamentos,
n
X n  X 0   Bk Tk
j 1

O valor esperado é
E X n   X 0   EBk Tk   X 0    p  q EBk 
n n

j 1 j 1

Portanto se quisermos maximizar E X n , devemos maximizar


EBk , ou seja, apostar todo nosso capital a cada lançamento.

Problema: PRuína  P X n  0  1  P X n  0  1  p n n

0 , ou
seja, perderemos todo o dinheiro quase certamente.
Por outro lado, tentar minimizar a prob. de ruína leva a minimizar
o tamanho da aposta, o que minimiza o ganho esperado.

Isso sugere a existência de uma estratégia ótima, intermediária


entre esses dois extremos.

Suponha que iremos apostar uma fração fixa 0 < f < 1 do capital.
Então após n lançamentos, temos:

X n  X 0 1  f  1  f  ,
S F

onde S e F são os números de sucessos e falhas nos n lançamentos


da moeda, S + F = n.

Note que, como f > 0, a ruína não pode (estritamente) ocorrer. Por
outro lado, podemos reinterpretar “ruína” no sentido de que, para
qualquer   0 , lim
n 
P X n     1.
Note que podemos escrever o ganho relativo, X n / X 0 , como:
1
 X n
Xn n log  n 
e  X0 
,
X0
e portanto a quantidade abaixo mede a taxa exponencial de
crescimento do capital por lançamento da moeda:
1

Xn  S n
F
G  f   log    log1  f   log1  f 
X0  n n

Kelly (1956) decidiu maximizar o valor esperado do coeficiente de


crescimento, g  f , onde
  n 
1

 Xn  S F 
g  f   E log     E  log1  f   log1  f 
  X 0   n n 
 p log1  f   q log1  f 

Obs: Como g ( f )  (1 / n) E log X n  (1 / n) log X 0 , então para n fixo,


maximizar g  f  é equivalente a maximizar E log X n .

A maximização de g  f  resulta na chamada fração de Kelly


f *  p  q . O gráfico de g  f  revela algumas propriedades
interessantes.
Propriedades de g  f :

 Único máximo em f  f *  p  q
 Existe um valor único f c  0, com 0  f *  f c  1 ,
tal que g  f =0. Apostar qualquer fração acima de
f c leva implica em ganho esperado negativo
 Apostar uma fração menor do que f * leva a
crescimento sub-ótimo do capital, porém sempre
positivo
 Apostar menos do que a fração de Kelly f * é bem
mais seguro do que apostar mais e arriscar
ultrapassar o valor f c
 Apostar qualquer fração entre 0 e f c implica em
crescimento exponencial do capital; mas o
crescimento é maximizado com f *
 Uma escolha comum é usar half-Kelly, ou seja,
calcular a fração de Kelly e usar a metade
Exemplo 1: O jogador A joga contra um adversário infinitamente rico
(e estúpido) o seguinte jogo. O capital inicial é X 0 . Uma moeda é
lançada e o jogador A ganha o valor apostado com
probabilidade p  0.53.

A fração de Kelly é f  f *  p  q  0.53  0.47  0.06 , portanto o


jogador A deve apostar 6% do seu capital a cada lançamento da
moeda, para que seu capital X n cresça à maior taxa possível.

Pode-se verificar empiricamente que f c  0.11973 , portanto se a


fração apostada for maior do que aprox. 12% do capital, o capital do
jogador A irá se aproximar cada vez mais de 0.
Exemplo 2 (Blackjack): Suponha que a cada rodada de um jogo de
blackjack, o jogador lida com um dos dois casos abaixo com prob. 0.5:
Caso 1: “situação favorável” - P( X  1)  0.51, P( X  1)  0.49
Caso 2: “situação desfavorável” - P( X  1)  0.49, P( X  1)  0.51

O jogador sabe antes de apostar qual caso se aplica. Suponhamos que


o jogador faça pequenas “apostas de espera” nas situações
desfavoráveis, e apostas maiores nas situações favoráveis, e.g.:

Apostar f nos casos favoráveis e af ,0  a  1 nos casos desfavoráveis

A taxa de crecimento é
g ( f )  0.50.51log(1  f )  0.49 log(1  f ) 
 0.5(0.49(log(1  af )  0.51log(1  af ))

Dado um valor de a, podemos encontrar o valor de f que maximiza a


expressão acima.
Exemplo 2 (Blackjack cont.)

O gráfico abaixo mostra o f ótimo para vários valores de a:

f* versus a

0.0250

0.0200

0.0150
f*

0.0100

0.0050

0.0000
0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 0.9 1
a

Obs: se a = 0, o problema se resume ao caso anterior; se a=1, temos


um jogo justo e portanto a fração de Kelly é 0.
Aproximação contínua – Alocação em 1 ativo de risco

 Uma aposta (investimento) em um ativo financeiro pode ter muitos


resultados diferentes
 f passa a ser a proporção de capital investido no(s) ativo(s), e pode
ser negativo (ficar vendido)

Vamos considerar uma variável aleatória X com


P X  m  s   0.5  P X  m  s 
Então temos E  X   m e Var  X   s 2 . Com capital inicial V0 ,
retorno em um ativo sem risco (eg títulos do governo) r, retorno por
unidade de X e fração de aposta f, temos que

V  f   V0 1  (1  f )r  fX   V0 1  r  f  X  r 

Agora dividimos o intervalo de tempo em n partes independentes,


mantendo a mesma média e a mesma variância.
Ou seja, em cada parte i =1,...,n temos uma variável X i com média
m / n e variância s 2 / n , e o retorno no ativo sem risco é r/n.
Quando n   temos que a taxa de crescimento esperada, g  f ,
converge para
g   f   r  f (m  r )  s 2 f 2 / 2 ,
que é maximizada por
S
f  (m  r ) / s 
* 2
onde S  Sharpe ratio .
s

É possível mostrar que :

g  f *   S 2 / 2  r
Consideremos o caso em que a aproximação acima é usada para alocar
o capital do investidor entre o portfolio de mercado, quem tem retorno
médio m e volatilidade s, e títulos do governo, que tem retorno r.
Temos os seguintes casos:
S  s  f * 1
S  s  f * 1
S  s  f * 1

No primeiro caso, o investidor aloca todo seu recurso no portfolio de


mercado; no segundo caso, ele usa alavancagem (empresta dinheiro
para investir no mercado); no último caso, ele aloca parte do capital no
mercado, e o restante em renda fixa.
Exemplo 3 (Alocação em IBOV e renda fixa) – Usando dados de
2000 a 2010, temos as seguintes estimativas:
m  0.1828
s  0.3178
r  0.1461

Para definir a alocação, usamos a fórmula anterior:

f *  (m  r ) / s 2  0.3630

Ou seja, o investidor alocará aprox. 36% do seu capital no mercado de


ações, e 64% em renda fixa. Isso está de acordo com a relação
anterior, já que que a razão de Sharpe no exemplo é
S  0.1828  0.1461 0.3178  0.1154  0.3178  s

Obs.: Note que um investidor usando o critério de Kelly diretamente


faz uma escolha que não contempla risco.
Critério de Kelly vs Apreçamento de Ativos

Markowitz (1952) estudou o problema de um investidor que precisa


alocar recursos entre vários ativos de risco e um ativo sem risco.
Temos o seguinte problema:

 investir em n ativos com frações F   f1 ,... f n  , e investir o restante


T

do capital, f 0 , no ativo sem risco


 C = matriz de covariância entre os ativos
 M = vetor de médias dos ativos
 F   f1 
 R  r , r ,...r  = vetor de retornos no ativo sem risco
T

A média e variância do portfolio são dados por


m  f 0 r  f1m1  ...  f n mn  r  F T ( M  R)
s 2  F T CF
O problema de Markowitz então é colocado como:

Min
F
F T
CF t.q.  f 1 e m  m ,
i
i 0

ou seja, encontrar o portfolio de mínima variância para um dado nível


de retorno esperado. Esse processo, feito para vários níveis de retorno
esperado, leva à chamada Fronteira Eficiente: os portfolios que
possuem o menor risco para cada nível de retorno (ou
equivalentemente, maior nível de retorno para cada nível de risco):
E(RP)
A
N
Z’

Z’’
Z Feasible set

P*
Minimum-
variance
Individual assets
frontier
B
p
P*: Global minimum variance portfolio
Sharpe (1964) considera a alocação entre o ativo sem risco e a
fronteira eficiente, o que leva à derivação da Linha do Mercado de
Capitais: um investidor irá alocar parte do capital no portfolio de
mercado, e parte no ativo sem risco, de acordo com sua aversão ao
risco.
 Qualquer combinação
Sharpe’s Capital Market Line (CML)
= New mean variance efficient
retorno-risco na linha pode
frontier for risky portfolios ser obtida variando-se a
E(RP)
proporção do capital a ser
CAL2
alocada no portfolio de
CAL1
E(RM)
M mercado
 Investidores mais aversos a
B risco irão manter maior
A proporção do capital no ativo
Rf sem risco
M
P  Investidores menos aversos a
risco irão investir mais no
portfolio de mercado; em
particular, podem até ficar
alavancados
A equação da linha é dada por:
 E  RM   R f 
E  RP   R f   P
 M 

Ou seja, a inclinação da reta é dada pela razão de Sharpe do portfolio


de mercado. Logo, o investidor que usa o critério de Kelly pode ficar à
esquerda ou à direita do portfolio de mercado no gráfico acima,
dependendo do Sharpe do mercado.

Conclusão:
 No paradigma de Finanças, primeiro partimos do apetite do
investidor por risco, para depois definir a alocação (que é a mais
eficiente do ponto de vista risco/retorno;
 O critério de Kelly produz uma alocação única (que produz a
maior taxa de crescimento esperada do capital). Risco não é
contemplado diretamente (mas o investidor pode usar o Kelly
fracional, i.e., uma fração fixa da fração de Kelly, para gerir
risco/conservar capital)
Kelly para um portfolio de Ativos
 investir em n ativos com frações F   f1 ,... f n  , e investir o restante
T

do capital, f 0 , no ativo sem risco


 C = matriz de covariância entre os ativos
 M = vetor de médias dos ativos
 F   f1 
 R  r , r ,...r  = vetor de retornos no ativo sem risco
T

A média e variância do portfolio são dados por


m  f 0 r  f1m1  ...  f n mn  r  F T ( M  R)
s 2  F T CF

Podemos aplicar a fórmula anterior e maximizar g F   m  s 2 / 2 .


O resultado da maximização irrestrita é
F *  C 1 M  R 
Inclusão de restrições

Obviamente, o problema de maximização pode ser modificado para


incluir restrições na venda de ativos, na proporção a ser investida em
ativos específicos, e na alavancagem total.

f i  f max (limitação por ativo)


fi  0 (não pode ficar vend ido)
n


i 1
f i  l (limitação de alavancagem)
Aplicação: Kelly em um Portfolio com IBOV e
DÓLAR usando futuros
 Investidor pode investir no mercado de ações e câmbio usando
contratos futuros
 Vamos construir estimativas e calcular as frações de Kelly ao
longo do tempo usando EWMA
 Precisamos estimar, no tempo t, as quantidades abaixo

mIBOV ,t  retorno médio do IBOV


mDÓLAR,t  retorno médio do DÓLAR
c IBOV,DÓLAR,t  covariância entre IBOV e DÓLAR
s IBOV,t  volatilid ade do IBOV
s DÓLAR,t  volatilid ade do DÓLAR
O resultado da aplicação da fórmula é um vetor Ft   f IBOV ,t , f DÓLAR,t 
com a proporção do capital a ser comprado/vendido cada ativo

Resultados hipotéticos: abaixo temos resultados hipotéticos desta


aplicação, sem custos transacionais e usando os retornos dos spots.
Accumulated returns
12

10

2 CUMULATIVE RETURN
CUM. CDI
CUM. IBOV
0
0

0
00

00

00

00

00

00

00

00

00

00

01
2

2
3/

3/

3/

3/

3/

3/

3/

3/

3/

3/

3/
1/

1/

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Bibliografia
Kelly, J.L. (1956), A New Interpretation of the Information Rate, AT&T
research paper.
Markowitz, H. (1952), Portfolio Selection, Journal of Finance, Vol. 7, No
1.
Thorp, E. (2007), The Kelly Criterion in Blackjack, Sports Betting, and
the Stock Market. Handbook of Asset and Liability Management, Volume
1.
Thorp, E. (1969), Optimal Gambling Systems for Favorable Games,
Review of the International Statistical Institute, Vol. 37, No. 3.

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