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O DILEMA DOS

JOVENS
por Purushatraya Swami

Dedicado a:
Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta
Swami Prabhupada
Acarya-Fundador da ISKCON e BBT

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Sumário
Capa
Sumário
O Dilema dos
Capítulo 1 · Jovens I
O Dilema dos
Capítulo 2 ·
Jovens II
O Dilema dos
Capítulo 3 ·
Jovens III
O Dilema dos
Capítulo 4 ·
Jovens IV
Extra
Autor

3
Obras de Sua Santidade
Purushatraya Swami
Sanidade Espiritual - Reflexões do Aqui e do Porvir
O Monge e o Aposentado - Reencontro de Dois Amigos de
Infância

Disponíveis em:
sankirtana.com.br

4
A Sociedade Internacional para a
Consciência de Krishna (ISKCON) convida
os interessados no assunto a se
corresponderem ou visitarem um Templo,
Comunidade ou Centro de Estudos.

Acesse:
iskcon.com.br

Belo Horizonte Mandir


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Goura Vrindávana
Rodovia Rio-Santos, BR 101, KM 562,

5
Graúna
Paraty, Rio de Janeiro, Brasil
goura.com.br

6
Direitos Autorais 2006
Autor: Purushatraya Swami
Organizador: Sankirtana Dasa

ISBN
Primeira edição e-book: Novembro de 2017
versão 2.1 - 14.11.17
No trabalho de orientação de jovens, cada caso é um caso.
Cada caso deve ser avaliado tendo-se em vista os fatores que
definem a situação de vida do jovem - sua personalidade,
meio social em que foi criado, situação familiar, aptidões,
etc. Alguns têm o perfil que mostra claramente que são
talhados a se enquadrarem no sistema. Outros, entretanto,
têm uma natureza pessoal que se enquadra no caminho
alternativo. Minhas palavras aqui nesse ensaio destinam
especialmente a estes.

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Capítulo 1
O DILEMA DOS
JOVENS
PRIMEIRA PARTE

Já faz um tempinho que escrevi o


ensaio “Manifesto Alternativo”. O
presente ensaio segue essa mesma
linha. Acho importante repisar esse
assunto, pois tenho bem claro para
mim que o caminho alternativo é a
melhor opção para quem quer dar um
sentido espiritual à vida.

Muitas ideias que vou expor nesse

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ensaio são experiências que eu
próprio vivi ou convivi. Afinal de
contas, já fui jovem e tive de passar
por muitos dilemas próprios da
juventude. Tenho também
entrevistado muitos jovens para ficar
bem atualizado sobre a mentalidade
do presente. Portanto, considero que
este trabalho esteja fornecendo dados
e conclusões atualizadas.

No trabalho de orientação de jovens,


cada caso é um caso. Cada caso deve
ser avaliado tendo-se em vista os
fatores que definem a situação de
vida do jovem — sua personalidade,
meio social em que foi criado,
situação familiar, aptidões, etc.
Alguns têm o perfil que mostra
claramente que são talhados a se

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enquadrarem no sistema. Outros,
entretanto, têm uma natureza pessoal
que se enquadra no caminho
alternativo. Minhas palavras aqui
nesse ensaio destinam especialmente
a estes.

Alguns jovens aproximam-se do


modelo alternativo devido sua
incapacidade intelectual, carência
moral e inaptidão profissional para se
ajustar ao sistema. Aproximam-se de
um modelo alternativo por falta total
de opções, mas não possuem a
mentalidade adequada nem entendem
com clareza as propostas alternativas.
A situação deles é problemática e
exige outro tipo de estrutura
educacional especializada. Não é
exatamente para esses que esse ensaio

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se destina.

Proposta

A proposta principal desse ensaio é


oferecer uma diretriz para jovens de
boa índole que não são seduzidos
pelo modelo convencional
estabelecido pelo sistema e estão
abertos para adotarem a opção
alternativa de vida. Considero útil
também para os pais desses jovens.
Muitas vezes o jovem está num
dilema sobre que rumo dar em sua
vida. Que esse ensaio os ajude a
definir o caminho a seguir.

Em nossa função em Goura


Vrindávana, estamos trabalhando
com jovens que têm disposição e

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vocação alternativa, e possuem boa
base de educação e estrutura moral e
psíquica. Esses estão sendo
preparados para terem uma postura
digna e produtiva dentro da sociedade
e estão sendo treinados para serem os
futuros líderes.

“Você decide”

Volta e meia sou abordado por jovens


que estão vivendo seus dilemas. Uns
dizem: “Não sei se vou ou não para a
faculdade... Qual é a sua opinião?”
Outros dizem: “Não sei se tranco ou
não meu curso... O que você acha?” E
ainda há outros que dizem assim:
“Não sei se abandono ou não meu
curso... O que você sugere?” Em
todos os casos, minha resposta é

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sempre a mesma: “Você é que
decide”. Após ter decidido, aí então
posso dar minha orientação. Não
posso decidir por outra pessoa, pois
cada um tem sua história pessoal. No
futuro, se as coisas não dão certo, é
muito fácil colocar a culpa nos
outros. Dizer que foi induzido a
tomar uma decisão... Coisas assim...
Se, no entanto, o jovem escolhe o
caminho alternativo, pode contar
comigo para orientação.

Acomodação, por quê?

Teoricamente, para um devoto, não


deveria ser difícil adotar o modelo
alternativo. A cultura védica, que é o
nosso modelo, é eminentemente
agrária por natureza. O próprio

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Senhor Krishna criou-se num
ambiente rural, com Seus pés de lótus
no chão de terra. Srila Prabhupada
deu total ênfase às comunidades
rurais. “Vida simples e pensamentos
elevados” foi seu lema preferido.

Sinceramente, não entendo porque


tão poucos devotos dispõem-se a
abraçar o caminho alternativo,
sobretudo porque a vida urbana nas
cidades grandes brasileiras é caótica,
estressante, insalubre e perigosa.
Vive-se numa atmosfera de medo e
ansiedade. Um trânsito insuportável...
E ainda por cima, é o próprio reino de
Maya. É lá onde estão concentrados a
degradação, a imoralidade, as drogas
e a bandidagem. Educar uma criança
nesse meio é arriscado. Por mais

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cuidados que se tenha, a criança
poderá absorver influências perversas
que se alojarão em sua personalidade
para o resto da vida.

A única explicação que vejo para


aceitar passivamente essa situação tão
instável e degradante é que,
infelizmente, a mentalidade
consumista das massas entrou na
mente de muitos devotos. Esse
consumismo gera uma acomodação
crônica. A pessoa fica condicionada
por certas comodidades e, mesmo
reclamando e detestando, fica presa
ao sistema.

Srila Prabhupada mostrou, com seu


exemplo pessoal, o modelo de uma
pessoa flexível e não acomodada.

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Deveríamos ser mais revolucionários,
mais idealistas, como Srila
Prabhupada. Mais estritos e
confiantes nos ideais que ele
estabeleceu. Um devoto tem tudo
para ter uma mente mais flexível e
versátil. O próprio sadhana produz
naturalmente isso. A maioria das
pessoas que vivem aglomeradas nas
concentrações urbanas não tem
praticamente outra opção de vida.
Estão condenadas àquele modelo de
vida. Mas, graças a Srila Prabhupada,
nós, devotos, temos opção. Temos
um perfeito modelo de vida e uma
poderosa filosofia. O que está
faltando, então? Só falta a disposição
e a determinação para se colocar isso
em prática em nossa vida. Por que

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não aceitar esse risco, com confiança
e pé no chão? Cidades são boas para
se pregar, não para se viver!

Ajustado à sociedade

O modelo convencional do sistema


funciona, de maneira geral, no
seguinte cronograma: Segundo grau–
vestibular–faculdade–especialização–
emprego–trinta e cinco anos de
trabalho–aposentadoria e, por fim– o
fim... Para quem está ajustado a esse
modelo, o sistema oferece certas
garantias, como: estabilidade,
créditos financeiros, férias, planos de
saúde, aposentadoria, etc. A despeito
dessas facilidades, existem muitos
problemas, inseguranças e incertezas.
O que mais escutamos é um mar de

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lamentações. O pessoal não pára de
se queixar da vida que leva, das
condições das cidades, dos impostos,
dos preços, do tráfego, da
insegurança, dos salários, etc. A
insatisfação é geral.

A maioria chega à terceira idade num


estado lastimável: insatisfeitos,
inadaptados à vida fora da rotina do
trabalho, improdutivos, fora de
sintonia com o tempo presente,
vazios, sem perspectivas, sem
iniciativas, etc. Um terreno fértil para
neuroses. E para completar o quadro,
com a saúde arruinada, devido,
principalmente, aos maus hábitos
alimentares e outras condições
insalubres. Outra causa campeã de
doenças são os efeitos colaterais dos

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próprios medicamentos. O que
acontece com frequência é que todas
as economias feitas durante toda uma
vida de trabalho são escoadas para os
hospitais e clínicas, num esforço
desesperado para se aliviar o
sofrimento e tentar estender um
pouquinho mais a permanência nesse
mundo caótico.

É claro que não é todo mundo assim.


Mesmo na vida urbana convencional,
vamos encontrar algumas pessoas que
conseguem sobreviver à vida inóspita
das grandes metrópoles. Esses que,
não obstante às condições urbanas, se
mantêm saudáveis e não caem na
mediocridade, são, no entanto, cada
vez mais raros.

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Os jovens são, em geral, forçados a
ajustar-se ao modelo do sistema, na
grande maioria dos casos, por total
falta de opção. A família exerce uma
grande pressão para isso. Muitas
vezes, para adaptarem-se à sociedade,
os desajustados e rebeldes têm que
recorrer à psicanálise. Quanto a isso,
um famoso psiquiatra e autor inglês,
Ronald Laing, afirmou, a mais de
meio século atrás, num importante
congresso de psicologia: “Adaptação?
Adaptação a quê? A essa sociedade?
A esse mundo louco?” Foram
palavras duras, pouco compreendidas
na época, mas que são mais do que
óbvias hoje em dia. Outro grande
pensador, o psicólogo austríaco
Victor Frankl, escreveu: “Geralmente

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as pessoas desconhecem o que
efetivamente querem. Daí a tendência
de querer fazer apenas aquilo que os
outros fazem ou fazer apenas aquilo
que os outros querem que ela faça.”

Em geral, a família não aceita a


opção alternativa do jovem. Muitos
pais não conseguem acompanhar as
transformações que ocorrem nos
filhos e, por estarem presos a
modelos estereotipados, opõem-se,
muitas vezes, de forma bastante
improdutiva. Na difícil fase de
transição, quando o jovem passa por
experiências interiores bastante
intensas e tem que decidir sobre seu
futuro, ele tem, muitas vezes, que se
defrontar com muita oposição dentro
de sua própria casa. No entanto,

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quando há compreensão e boa
vontade, tudo se ajusta com
naturalidade e os relacionamentos
ficam enriquecidos.

Sem “pendurar as chuteiras”

A todo o momento, encontro


exemplos que reforçam minha visão
alternativa da vida. Recentemente
encontrei no centro da cidade do Rio
um amigo de infância, que não via há
pelo menos trinta anos. Sempre o tive
como uma pessoa inteligente, mas já
não era a pessoa jovial e alegre que
conhecera. Disse-me que estava em
vias de aposentar-se como advogado,
depois de toda uma vida de trabalho
burocrático numa repartição pública.
De minha parte, falei sobre nosso

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projeto sustentável em Paraty, nossa
comunidade e sobre os planos
futuros. Ele então comentou: “Estou
impressionado com o que você disse.
Enquanto estou me aposentando e
não tenho nenhuma perspectiva de
vida daqui para frente, você, com
praticamente mesma idade que eu,
está cheio de entusiasmo, de
realizações e de planos para o
futuro.” Incidentes como esse,
fortalecem nossa convicção na opção
alternativa de vida.

Esse meu amigo é protótipo da


pessoa acomodada. Falta-lhe a
disposição e a flexibilidade para
ajustar-se a novas situações e aceitar
novos desafios e riscos. Isso não se
adquire facilmente no final da vida.

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Deve ser cultivado desde a juventude
e ao longo de toda vida.

Existe, todavia, outro tipo de pessoas


que não se pode dizer que são
acomodadas. São ativas e
apaixonadas. São, no entanto,
movidas pela paixão, ganância e
luxúria. Só pensam em si e o projeto
de vida é correr atrás do dinheiro, do
poder e da fama. Fazem de tudo para
maquiar os sinais da velhice e se
passarem por mais jovens. Vivem
movidos pelos apetites, tentando
curtir ao máximo os supostos
“prazeres da vida”. Vivem num
mundo de ilusão. Não são pessoas
acomodadas, mas ocupam-se em
atividades que não elevam a
consciência, mas, ao contrário,

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incham o ego. O resultado de uma
vida assim é muita ansiedade e
degradação.

Uma pessoa sã dedica sua vida a


atividades produtivas destinadas ao
autoaperfeiçoamento e à promoção
do bem-estar geral. Tais atividades
produzem naturalmente felicidade e
expansão da consciência. Esse é o
fruto de uma vida estável e tranquila,
no modo da bondade. Para esses, a
aposentadoria não faz sentido. Nunca
“penduram as chuteiras”.

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Capítulo 2
O DILEMA DOS
JOVENS
SEGUNDA PARTE

“Só sei o que não quero”

Muitos jovens não conseguem


enquadrar-se no sistema. Em geral,
eles não têm uma orientação
adequada por parte dos pais e
professores. Outros fatores que
contribuem para o desajuste são os
problemas econômicos e sociais do
meio em que vive, a própria fraqueza

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de caráter, o desleixo nos estudos, o
uso de drogas, a má associação, etc.
Esses não se atraem, tampouco, pela
via alternativa. Hoje em dia, um
número assustador de jovens, mesmo
de classe média para cima, acaba
caindo no narcotráfico. Os
universitários, principalmente os
“filhinhos de papai” são disparados o
melhor mercado. Por outro lado,
existem jovens que, aparentemente,
tem tudo para “vencer na vida”, mas
algo dentro de si os impelem em
outra direção. Não conseguem
ajustar-se.

Uma situação muito comum que o


jovem se depara é que consegue ter a
percepção daquilo que não quer fazer,
mas não consegue definir o que quer

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fazer. Só sabe o que não quer, mas
não sabe o que vai fazer em sua vida
— fica em dúvida para decidir que
direção tomar e definir o que seria o
melhor para ele. Conheço muito bem
essa fase, pois vivi essa experiência
quando jovem. É uma fase de muitas
incertezas, confusão mental e
ansiedades. O jovem se vê perdido.
Trata-se de uma situação muito
delicada, pois, quando isso ocorre, ele
muitas vezes não recebe o devido
respaldo no núcleo familiar. Os pais,
em geral, não estão preparados para
uma situação dessas. Não sabem
como agir apropriadamente nesse
caso. Querem impor modelos
estereotipados, baseados
exclusivamente na convenção social e

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no status quo. Ficam perplexos e
desgostosos e apelam, muitas vezes,
para chantagem emocional ou, se têm
condições financeiras, para barganhar
ao oferecer coisas atrativas, como
veículos, viagens e outras regalias.
Muitas vezes os filhos recuam de
seus planos para não causarem
desgostos aos pais ou então se
deixam vender pelas ofertas da
barganha. Os pais, por seu lado,
satisfazem seus egos ao sentirem que
são os “controladores” dos filhos.
Soluções como essas são paliativas,
não resolvem os problemas. O
problema em si permanece e a
situação tende a piorar cada vez mais.
O resultado é que o relacionamento
pais–filhos tende a ficar totalmente

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comprometido e todos sofrem.

Somente quando os pais conseguem


realizar e respeitar a individualidade
dos filhos, seja por visão filosófica,
ou mesmo, por bom senso, poderão
apoiá-los e orientá-los conforme suas
inclinações pessoais e, assim, o
jovem terá muita chance de tornar-se
uma pessoa adulta consciente e
madura, preparada para enfrentar com
segurança todas as situações da vida.
Para isso, os pais devem ter uma
estrutura moral íntegra e forte.
Devem ser os exemplos ideais para os
filhos. O “faça o que eu digo e não o
que faço” definitivamente não
funciona.

Famílias funcionais e disfuncionais

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Um psicólogo americano, John
Bradshaw, tornou-se especialista em
questões familiares. Escreveu o best-
seller “On Family” (Em Família).
Para ele, existem, basicamente, dois
tipos de famílias: as funcionais e as
disfuncionais. Na família funcional,
existe harmonia, confiança,
cooperação, respeito e maturidade nas
relações entre os pais e filhos, mesmo
nas horas mais difíceis. Nas
disfuncionais, as relações são
distorcidas. Para exemplificar uma
família funcional, ele contou a
história de uma família de cinco
membros que, num passeio pela
cidade, a caçulinha de dois anos foi
atropelada na frente de todos, sem
que pudessem fazer nada para evitar

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o acidente. Morreu na hora.
Desnecessário dizer que ficaram
literalmente arrasados. A fim de não
caírem no desespero e depressão
profunda, resolveram, apoiando-se
mutuamente, tentar superar juntos
essa situação extremamente grave.
Ninguém ficou jogando a culpa no
outro, como muitas vezes acontece
em casos assim. Ou então, tentando
esquecer de tudo ao apelar para o
álcool ou drogas. Não. Trataram de
fortalecer os relacionamentos entre
eles e assim, juntos, puderam superar
essa extrema crise sem desestabilizar
a família.

Quanto às famílias disfuncionais,


Bradshaw divide em três tipos:
autoritárias, caóticas e corruptas. Nas

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famílias autoritárias, os pais
excedem-se em sua autoridade sobre
os filhos ao impor normas por demais
rígidas e, não raro, apelando para a
“lei da chibata”. Tudo isso, muitas
vezes, devido ao excesso de zelo em
querer que os filhos sejam pessoas
exemplares. A relação pais–filhos é
geralmente ‘negociada’ em acordos
do tipo: “Para merecer meu amor,
deves obedecer-me sem questionar”.
Em geral, o “tiro sai pela culatra” e
muitos jovens, vítimas desse modelo
disfuncional, tornam-se rebeldes e
carentes. No segundo tipo, as famílias
caóticas, a estrutura familiar está
desbalanceada. O caso mais comum é
da separação dos pais. Hoje em dia,
exceção são as famílias

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estruturadas!.. Outra situação é
quando um dos cônjuges é um
alcoólatra. Em qualquer situação, o
relacionamento emocional normal
entre marido e esposa não ocorre em
forma saudável e, assim, tanto um
quanto o outro procurará suprir essa
carência emocional com algum filho
ou filha, geralmente os mais velhos.
A estrutura familiar fica
desequilibrada. Existe carência
afetiva por todos os lados. A relação
‘amorosa’ em geral se dá na seguinte
base: “É necessário que me ames.
Amar-te-ei se me amares”. Bradshaw
diz que é bastante comum o caso de
um dos filhos, numa compensação ao
desajuste na família, tornar-se uma
pessoa muito séria e responsável. Por

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outro lado, um outro filho geralmente
cai nas drogas e más companhias, e
se afunda. O referido psicólogo diz
que é exatamente este que une a
família. Quando tal filho está metido
em encrenca séria, essa é a única hora
em que o pai e a mãe param para
conversar para tentar resolver o
problema. No terceiro tipo, o caso de
uma família corrupta, o que vale é
manter externamente as aparências,
pois, por dentro, só há podridão. Os
escândalos e tramoias são
devidamente abafados para não
comprometer o ‘bom nome’ da
família. Para manter as relações dos
membros da família é feito um pacto:
“Temos de nos amar e ficarmos
juntos, e mentir uns pelos outros”.

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Isso acontece com certa frequência
em famílias mundanas abastadas.

É muito comum o caso de um jovem


que tem problemas familiares
identificar-se e solidarizar-se com os
problemas de uma jovem que passa
por situações semelhantes, ou vice-
versa. Por fim, acabam casando-se.
No início da relação tudo é um ‘mar
de rosas’, mas logo logo seus
problemas individuais não resolvidos
entram em cena e as vítimas da
“pedagogia tóxica” da infância
passam a ser os protagonistas da
perpetuação da disfunção familiar.
Bradshaw, que foi vítima de
dinâmicas disfuncionais em sua
própria família, afirma que a única
maneira da pessoa livrar-se da

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condição disfuncional é afastando-se
radicalmente do envolvimento
familiar. Caso contrário, tal disfunção
tende a se perpetuar e passar para as
gerações seguintes. Após um período
de afastamento, longe da família, se o
jovem conseguir superar-se das
mazelas causadas pela “pedagogia
tóxica” que foi vítima durante a
infância e adolescência, poderá voltar
e exercer uma influencia positiva em
sua família e, dessa forma, neutralizar
os fatores disfuncionais.

As últimas décadas

Minha experiência em trinta anos


lidando com jovens mostra que, de
vinte e tantos anos para cá, a
mentalidade dos jovens sofreu uma

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sensível mudança. Vou mostrar aqui
algumas tendências que prevaleceram
entre os jovens nas últimas décadas,
principalmente aquelas que mais
aproximaram jovens ao movimento
Hare Krishna.

Nos anos sessenta, a onda jovem mais


predominante foi o movimento
hippie, onda essa que começou nos
Estados Unidos. O pessoal rebelou-se
contra a guerra no Vietnã e contra o
status quo, o american way of life,
símbolo da opulência e progresso
material. Essa mentalidade espalhou-
se pelos jovens do mundo. No Brasil
muitos jovens adotaram esse modelo
colorido de vida despojada de
convenções. Sonhava-se com um
mundo de “paz e amor” — “paz” para

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curtir as viagens psicodélicas de LSD
e “amor” para curtir o sexo livre, sem
responsabilidades e deveres. Muitos
não conseguiram aterrissar de suas
“viagens” e outros tantos se
degradaram bastante. Mas, também,
houveram uns tantos que
sinceramente buscavam algo
espiritual. Foi nesse cenário que Srila
Prabhupada começou seu movimento
no Ocidente.

Depois da onda hippie, tivemos aqui


no Brasil, nos anos setenta, a onda
alternativa. Supunha-se que, por
simplesmente ir para o campo e viver
em comunidades, todos os problemas
da vida seriam resolvidos. A
Natureza era valorizada e seu caráter
sagrado era enfatizado. Muitas

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terapias naturais e meditações de
origem oriental surgiram nessa fase.
O yoga entrou no cenário. A
macrobiótica era muito apreciada.
Valorizavam-se muito as culturas
milenares e indígenas. Muitas
comunidades surgiram.

Apesar desse boom, praticamente


todas as iniciativas comunitárias
sucumbiram. Qual teria sido o motivo
desse fracasso? Vejo duas causas
principais: os conflitos de egos e
despreparo generalizado. Existem
critérios para se viver
comunitariamente. Só aqueles que
estão sintonizados num ideal comum,
que inspiram confiança mútua e que
sabem conviver em harmonia, estão
qualificados a participar de um

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convívio comunitário. A outra causa
óbvia do fracasso das comunidades
foi o despreparo individual e coletivo.
O estilo de vida alternativa exige, na
verdade, muito preparo. Manter-se no
campo não é fácil para ninguém,
mesmo para aqueles que nasceram no
campo, quanto mais para quem vem
de um background urbano. Nessa
onda alternativa, muitos jovens
rejeitaram a vida do sistema, mas não
conseguiram se firmar na vida
alternativa. Os mais capazes tiveram
que reintegrar-se no sistema e colocar
terno e gravata de novo, enquanto que
os mais relaxados ficaram
marginalizados, mendigando
migalhas do sistema — os chamados
“bichos-grilo”. Houve, no entanto,

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muitos jovens que nutriam certo
idealismo e atração pela
espiritualidade. Nesse cenário
começou o movimento no Brasil.

Nessa fase, o movimento Hare


Krishna cresceu muito. Os templos
não davam conta de abrigar tantos
brahmacaris e brahmacarinis.
Dormia-se pelo chão, até pelos
corredores. A vida era austera, mas
havia muito entusiasmo. Todavia,
nem todos se adaptavam à vida
monástica e “blupiavam”, como se
costumava dizer com relação àqueles
que abandonavam o templo. Mas isso
não constituía um sério problema,
pois sempre havia novos candidatos
chegando e os ashrams continuavam
sempre cheios.

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As coisas mudaram

De uns tempos para cá, no entanto, as


coisas mudaram: os pretendentes à
vida espiritual escassearam-se.
Muitos devotos, que estavam vivendo
nos ashrams casaram-se e assim
houve um esvaziamento dos templos.
Hoje em dia, são bem raros os casos
de jovens que se juntam ao
movimento. Qual seria a principal
causa disso?

A meu ver, o que mais influenciou na


mudança de mentalidade dos jovens
de hoje foi o surgimento da era da
informática. As novas tecnologias
tornaram-se muito atrativas. Diante
de um monitor, o jovem pode
identificar-se com o super-herói de

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um videogame ou, através da
Internet, ter acesso às coisas mais
excitantes que acontecem no mundo.
O bate-papo no Orkut pegou a cabeça
da rapaziada. Horas que poderiam ser
dedicadas ao estudo e às coisas sérias
são desperdiçadas em papo furado e
futilidades.

No reino da informática, o mundo


virtual é tido como sendo mais
interessante que o mundo real. O
pouco contato que se tem com a
Natureza é só para curtir. Dois ou três
dias acampados numa praia de surf,
no máximo. Ou então, pela prática de
certos esportes radicais que se utiliza
da Natureza sem ter o mínimo
respeito por ela. Conhecimento da
Natureza?.. Quase que

44
exclusivamente através do Discovery
channel. Sentado numa poltrona
confortável, pode-se conhecer
detalhes da vida íntima dos pingüins
da Antártida ou das espécies em
extinção nas estepes da Mongólia,
mas não se é capaz de distinguir uma
goiabeira de um abacateiro, o que
dizer de botar a mão na terra. Vida no
campo é vista por essa rapaziada
alienada como coisa retrógrada e
primitiva. Vida interessante está nos
shoppings, nas academias de
malhação, nas discotecas, nos points.
A cultura do corpo virou uma
verdadeira religião. Com um pit-bull
do lado, sente-se como se fosse um
“semideus”. As aparências e as
roupas de grife são valorizadas.

45
Quanto aos ídolos, os rock-stars.
Tatoos fantasmagóricos, preguinhos
por todo corpo e grandes furos na
orelha. Tudo isso de um gosto
estético duvidoso, mas com um
intuito infantil de ser diferente dos
padrões normais. O caso é que
quando milhões querem ser diferentes
do mesmo jeito, o “diferente” fica
massificado, e vira então um padrão
convencional. Em suma, prevalece
entre os jovens que entraram de
cabeça no consumismo uma tremenda
consciência mundana e materialista.
Esse é o quadro atual.

Outra coisa que influenciou


sensivelmente os hábitos foi a
telefonia celular. Hoje em dia, todos
têm seu celular e são, dessa forma,

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facilmente rastreados pelos familiares
e amigos, coisa que não acontecia
antes. Com isso, pelo menos, podem
ser mais controlados. De certo ponto
de vista, isso é bom, pois, para os
pais, vale sempre o aviso: “Adote seu
filho, antes que um traficante o faça.”
Mesmo assim, com essa e outras
facilidades de comunicações, a
maioria das tentativas de livrar os
jovens das drogas têm se resultado
infrutíferas. O consumo de drogas
aumenta dia a dia. Está presente em
todo lugar: tanto nas favelas e redutos
de marginais na periferia, quanto nas
áreas chiques da cidade e no meio
considerado “educado” da sociedade.
Um dos mais fortes centros de drogas
são as universidades. Muitos jovens

47
já não concebem um mundo sem
drogas.

Desenvolver as potencialidades

O fato consumado é que, hoje em dia,


o jovem é muito mais reticente em
optar por uma proposta alternativa do
que antes. Ele é programado para se
ajustar totalmente ao sistema. Essa é,
praticamente, sua única opção. A
meta máxima da vida dentro do
sistema é ganhar muito dinheiro e
curtir ao máximo. Todo estudo visa
alcançar essa meta. A maioria, no
entanto, não consegue alcançar esse
“ideal”. As oportunidades de se
conseguir altos salários são bastante
limitadas. A saída, então, para
muitos, é geralmente a mesma: fazer

48
um concurso público e conseguir um
emprego burocrático, não importa
qual seja, para ter, pelo menos, um
dinheirinho para cobrir as despesas.
Aí se pode respirar aliviado por
algum tempo e procurar achar alguma
felicidade na mediocridade...

Nesse ponto, quero deixar bem claro,


que não quero ofender ou desmerecer
ninguém, muito menos aqueles que
são funcionários públicos e
burocratas. Sei muito bem que
existem milhares de circunstancias às
quais não se pode fugir e assim todos
tentam moldar e ajustar sua vida com
o que se apresenta. A maioria não
teve nenhuma chance para optar. Já
está tão envolvida com o sistema que
não dá mais para se desligar dele.

49
Portanto, aqueles que, porventura,
estão enquadrados no sistema, por
favor, não me levem a mal. Conheço
pessoas que vivem vidas dignas e
produtivas dentro do sistema.
Conheço, no entanto, muitas outras,
que são insatisfeitas e só reclamam.

O intuito desse ensaio é encontrar os


jovens que ainda não se envolveram
com o sistema e oferecer-lhes uma
opção de vida. Se não houver uma
opção digna e progressista, eles serão
fadados a serem pessoas infelizes,
como muitas que conhecemos.
Sempre reclamando de tudo. Não
adianta simplesmente um “canudo”
na mão ou um dinheirinho no banco.
Se quisermos ser realmente felizes, é
necessário sentir que a vida tem um

50
significado, que a minha atividade
proporciona meu crescimento como
pessoa e que estou contribuindo para
um mundo melhor.

Temos que criar condições para


desenvolver nossas potencialidades
latentes. O governo e os patrões não
estão muito interessados nisso. O
governo quer manter as pessoas
submissas e ajustadas ao sistema,
para serem bons consumidores e bons
pagadores de impostos. Os patrões só
pensam em ganhar mais dinheiro.
Não estão preocupados em promover
o desenvolvimento da consciência e
as potencialidades de seus
empregados. Isso deve partir da
iniciativa individual. Para aqueles que
almejam fazer de seu

51
desenvolvimento pessoal seu projeto
de vida, a melhor coisa é buscar um
modelo adequado para esse fim. Todo
jovem deve ter essa oportunidade.

O fantasma do desemprego

Uma das coisas que mais preocupam


um jovem formado é a competição no
mercado de trabalho. O fantasma do
desemprego vive sempre rondando.
Muitos não conseguem nem começar
a vida profissional! Se para aqueles
que aproveitaram bem os estudos da
universidade já é difícil arranjar um
emprego, o que dizer dos relapsos
que estudaram somente para passar.
Uma fisioterapeuta bem competente e
bem sucedida na profissão disse-me
que dos cinquenta de sua turma,

52
somente dez, no máximo, tinham
condições de tornarem-se bons
profissionais. Ao comentar esse dado
com outro jovem formado, ele disse:
“Dez numa turma de cinquenta já é
um ótimo resultado. Na minha turma,
somente dez por cento conseguiram
colocação profissional satisfatória”.
Outro devoto contou que seu primo é
uma pessoa muito inteligente e
sempre foi um estudante exemplar.
Formou-se em jornalismo há cinco
anos, mas não consegue, de jeito
nenhum, arranjar o emprego que
sempre sonhou na carreira
jornalística. Até agora conseguiu
somente subempregos. Está
desiludido. Pensa fazer uma outra
faculdade para ver se pode ter mais

53
chance em outra profissão.
Recentemente, conheci um jovem
formado em Biologia. Perguntei o
que fazia e ele me disse que, durante
o verão dá massagem nas praias de
Santa Catarina e durante o ano
trabalha numa loja no shopping.
Casos como esses são o que há de
mais comum.

Hoje em dia, em todo lugar, mesmo


em cidades pequenas, proliferam as
faculdades particulares. Qualquer um
pode achar, sem grandes problemas,
uma faculdade para conseguir seu
diploma. Isso não é difícil. Além
disso, existem cotas para pobres,
cotas para negros, etc. São milhares e
milhares de economistas, biólogos,
advogados, pedagogos, filósofos, etc.,

54
que entram no mercado de trabalho
anualmente. Será que existe emprego
para todo esse povo? Quanto mais
candidatos a empregos, menores
salários. É isso que os patrões
querem. Hoje em dia, funcionários
antigos das empresas vivem
morrendo de medo de serem
despedidos para darem seu lugar a
recém-formados com salários pela
metade. As ofertas de mão de obra
estão sobrando... Essa é a lógica que
governa atualmente o mercado de
trabalho. Isso está criando uma
tremenda paranoia na cabeça das
pessoas: o pavor de ser despedido do
emprego. Por que arriscar entrar num
sistema tão disfuncional e desumano
como esse? Por que se deixar seduzir

55
por esse engodo? Temos algo muito
melhor em mãos.

Os “free lancers”

Para os incompetentes somente resta


os subempregos. É um fato de que
quem não se prepara devidamente
não tem nenhuma chance de
conseguir um emprego satisfatório.
Essa é a turma dos “free lancers”.
Arranjam um trabalhinho aqui, outro
ali. Vendem algumas coisinhas,
fazem algum serviço de moto-boy,
trabalham por algum tempo numa
lojinha de shopping, arranjam um
“bico” para carregar equipamentos
numa filmagem ou num festival de
rock, etc., mas nunca se firmam em
nenhuma atividade. No Rio, por

56
exemplo, está cheio dos tais “ratos de
praia”, como são chamados,
queimadões o ano todo. Malandros.
Isso quando não caem no tráfico de
drogas, que é o recurso mais fácil de
ganhar dinheiro. Quantos marmanjos
estão por aí vivendo à custa dos
pais!!! Comentando isso com um
jovem da zona sul do Rio, ele disse
simplesmente isso: “Ih! Conheço um
monte deles...” A crua realidade é que
para muitos desses desempregados ou
malandros, a única esperança é herdar
os espólios dos pais, para ter algum
lugar onde cair morto. Muitos jovens
tratam de sair do país, buscando
facilidades para ganhar dinheiro. Uns
conseguem visto para os Estados
Unidos e lá, arranjam bicos

57
ordinários, como entregadores de
pizzas, faxineiros, balconistas, etc. A
coisa mais humilhante é que muitos
dos que estão mendigando as esmolas
nos países de primeiro mundo,
sujeitando-se a empregos medíocres,
tem um canudo de ensino superior na
mão.

Inteligência, esperança e fé

Por tudo isso que foi dito, e por tantas


outras coisas, é que nós desconfiamos
das “atraentes” propostas oferecidas
pelo sistema. Nossa proposta é bem
mais modesta. Estamos ainda criando
e estruturando nossas bases. Não
temos ainda nada definitivamente
estabelecido. Tudo está ainda no
começo. Temos, contudo, um

58
modelo, que foi estabelecido por Srila
Prabhupada, baseado em princípios
da cultura védica e, sobretudo, no
bom senso. Temos que confiar
também na nossa inteligência e ter
esperança e fé de que podemos
organizar um sistema alternativo
paralelo baseado em princípios éticos
e espirituais. É isso que Srila
Prabhupada espera de nós.

59
Capítulo 3
O DILEMA DOS
JOVENS
TERCEIRA PARTE

(Antes de começar essa terceira parte


do ensaio, quero deixar claro que às
vezes uso palavras um pouco duras.
Não tenho, no entanto, nenhuma
intenção de ferir ninguém ou rebaixar
ninguém. Um leitor ficou um pouco
incomodado com a minha colocação
do termo “free-lancer”. Talvez haja
outros casos de pessoas que ficaram
incomodadas mas não se

60
manifestaram. Gostaria de me
desculpar publicamente.)

Despreparo para a vida

É um fato que, hoje em dia, quem


está disposto a adotar a vida
monástica e alternativa é uma rara
exceção à regra geral. Encontrar
jovens com vocação para a vida
espiritual é como no garimpo,
tentando encontrar pedras preciosas
no meio do cascalho.

Em geral, os jovens estão


completamente despreparados para
vida. Tanto em casa, como na escola,
eles não recebem a devida orientação.
Os pais, de um modo geral, querem a
todo custo que seus filhos vão para as

61
universidades. Dão facilidades para
os filhos e até sacrificam-se para que
isso se realize. O investimento é,
geralmente, bastante alto. O ingresso
numa boa universidade é difícil e
exige muito empenho. Na
universidade, se o curso é de bom
nível, o estudante tem que estudar
muito, tem que pesquisar muito e
escrever longas dissertações. O que
geralmente acontece é que todo o
tempo vago fora dos estudos é
ocupado com coisas inúteis e até
prejudiciais: ociosidade, papo furado,
futilidades, intoxicação, bebedeiras,
curtição e farras. É raro encontrar um
jovem universitário dedicado a coisas
construtivas e elevadas fora do
período de estudo. Enquanto isso, os

62
barzinhos estão sempre lotados e
galões de chope são consumidos, para
não dizer dos embalos movidos a
maconhas e cocaínas. O pessoal troca
a noite pelo dia. O argumento de
sempre é que “deve se ter uma
válvula de escape, senão ninguém
aguenta...". O resultado é que o
jovem sai da universidade sem
nenhum preparo mais sério para sua
entrada na fase madura da vida. Ao
invés disso, sai da universidade com
um canudo na mão, mas continua
sendo uma pessoa completamente
despreparada para vida, sem ter um
caráter formado e íntegro e cheio de
péssimos hábitos e contaminações.
Em suma, uma pessoa estragada.

Dá-se mais importância ao ensino

63
acadêmico do que ao preparo do
jovem como pessoa. Se isso ocorre
com os estudiosos, imaginem com os
relapsos! Para esses, o que se reserva
é uma vida caótica. Situação
igualmente difícil é daqueles que, no
decorrer do curso, constatam que a
escolha do curso foi equivocada, que
não tem vocação para a carreira
escolhida, nem interesse pelo objeto
de seu estudo. Ou então, estão na
universidade exclusivamente devido à
pressão dos pais. Esses completam o
curso, (quando completam...) só para
cumprir com essa obrigação e
satisfazer os pais. Para esses, o
despreparo é dobrado.

Adolescência prolongada

64
Um psicólogo de renome afirmou que
uma das doenças mais comuns hoje
em dia é a “adolescência
prolongada”. O jovem entra na idade
madura, mas ainda se comporta como
um adolescente. Apesar do corpo
adulto, o nível de consciência não é
compatível com a idade biológica.
Age irresponsavelmente, sem refletir
nas consequências de seus atos.
Simplesmente vai vivendo sem fazer
nenhum planejamento sério para a
vida. É incapacitado para trabalhos
mais sérios e esquiva-se de todo jeito
em assumir qualquer tipo de
responsabilidade. A coisa se complica
quando, devido à liberdade sexual
dos dias de hoje, aparecem bebês no
cenário. O número de mães solteiras e

65
papais irresponsáveis é assustador.
Consequentemente, o despreparo para
se educar essas crianças é total. Qual
será o futuro de uma criança nascida
numa situação caótica como essa?
Com a palavra, os assistentes sociais,
pedagogos, psicólogos e educadores...

Portanto, sem querer generalizar, pois


existem os louváveis casos dos jovens
que assumem uma postura madura
diante da vida, vemos que a
universidade não é a única solução
definitiva para a formação dos
jovens. O papel básico da
universidade é dar conhecimentos
gerais sobre assuntos específicos e o
jargão técnico da ciência estudada.
Dá também um documento legal que
rotula a pessoa numa profissão

66
formal. Com isso o jovem poderá
concorrer no mercado de trabalho.
Ele é assim programado para atuar no
modelo dessa sociedade de consumo
e se tornar um bom consumidor.
Como se sabe, cada vez mais, os
interesses comerciais estão presentes
nas universidades ditando a linha de
programação da formação dos
estudantes.

Uma minoria ínfima dos formados


consegue sobressair-se em suas
profissões. A grande maioria tem
desempenho medíocre. Estão
meramente programados e adaptados
para se enquadrar à estrutura do
sistema e sobreviver.

Não queremos aqui, desmerecer

67
totalmente o papel das universidades.
Para aqueles que querem se ajustar ao
modelo dessa sociedade, esse é o
caminho. Pode ser, dependendo do
caso, um caminho honroso. Mas, qual
é a opção para aqueles que não
desejam nem se sentem inclinados a
se enquadrarem a esse modelo?

Shudras com diplomas

O processo da consciência de Krishna


se destina à formação de brahmanas.
Um brahmana é uma pessoa que é
plenamente consciente e
independente. Sabe exatamente qual é
o propósito da vida e está sempre
dedicado ao seu aperfeiçoamento
pessoal e pronto a ensinar aos outros.
Um brahmana genuíno não aceita um

68
patrão. Não tem sentido trabalhar
como empregado para uma pessoa
muito mais desqualificada
espiritualmente do que ele, um patrão
que está preocupado em enriquecer a
custa do trabalho de outros. Esse é
um ponto filosófico muito sério.
Trabalhar por trabalhar, só pelo
dinheiro, definitivamente não é o
padrão brahmínico. Temos que
ajustar nossa vida em concordância
com a filosofia que seguimos. A vida
do brahmana está nas mãos de Deus.
Esse sim, é seu patrão.

No modelo vigente da sociedade é


normal que as pessoas com terceiro
grau sujeitem-se aos caprichos de
patrões. São shudras com diplomas.
Muitos trabalham num contexto

69
impessoal, em companhias muito
grandes, sociedades anônimas,
diretamente para o Estado ou em
companhias estatais, ou em outras
estruturas empregatícias onde não se
sente a figura de um patrão
enriquecendo a custa dos
empregados. Mas, no fundo é a
mesma coisa. Pode-se argumentar
que em profissões liberais trabalha-se
por conta própria. Certo, mas sempre
existe a possibilidade de estar se
vendendo aos interesses de outros.
Por exemplo: um advogado defende
os interesses de seus clientes em
causas muitas vezes de ética
duvidosa; um arquiteto tem que se
sujeitar às vaidades dos seus clientes;
um professor é obrigado a seguir ao

70
currículo estabelecido pela escola —
não pode ensinar aquilo que ele pensa
ser o melhor para seus alunos, e
assim por diante. No final das contas,
tudo é a mesma coisa — a pessoa,
mesmo que tenha muita coisa para
oferecer, tem que se sujeitar aos
caprichos daqueles que estão lhe
pagando o seu salário. O grande
desafio e a grande tarefa da vida dos
devotos é poder organizar suas vidas
de forma a estar fora desse
compromisso empregatício de
patrão–assalariado com pessoas
materialistas. Por isso enfatizamos o
caminho alternativo. Isso, para um
devoto, é o ideal, pois assim a vida
prática fica em total consonância com
a sua visão filosófica na perspectiva

71
espiritual. Isso vai valorizar
completamente a vida. Não podemos
imaginar Srila Prabhupada, por
exemplo, sendo, durante sua
juventude e vida familiar, um shudra
com diploma. Certamente ele
preferiria morrer a se submeter a tal
coisa. Sei que esse é um assunto um
tanto delicado, polêmico e sujeito a
muitas variantes, mas é bom termos a
noção clara do que é o ideal para
nossa vida.

Muitas vezes, jovens sem a


capacidade de encarar a vida no
sistema juntam-se àqueles que estão
no caminho alternativo. Estes, por
terem feito uma opção racional para
suas vidas, atuam com muita
motivação e empenho. A experiência

72
nos mostra que os que tentam o
caminho alternativo por falta de
opção são tomados facilmente pela
letargia, perdem facilmente o gosto
do que fazem e esquivam-se a todo
custo de assumir qualquer tipo de
responsabilidade. Embora seu corpo
esteja presente no ambiente
alternativo, sua mente está longe,
atraída pelos “encantos” urbanos.
Essa situação é insustentável. Isso se
deve a uma carência de referencial. O
que fazer com eles? Serão perdedores
em todas as situações? É triste
constatar isso. O pior é que essa é
uma situação bastante comum.

O jovem que escolher o caminho


alternativo deve desenvolver uma
confiança muito grande em si e estar

73
pronto para superar todos os
obstáculos que aparecerão no
caminho. Deve estar convicto da
decisão tomada e nunca se queixar
nem se lamentar, achando que estaria
melhor em outra situação. Tudo isso
implica em ser uma pessoa
psicologicamente sã.

Frustração, nunca!

Darei aqui meu exemplo pessoal.


Como mencionei anteriormente, vivi
a fase na juventude de “só sei o que
não quero mas não sei o que quero”.
Uma fase de muitas incertezas. De
treze aos quatorze anos, fiz a escolha
de minha carreira “para toda a vida”.
Um amigo da família tinha se
formado na marinha e estava fazendo

74
a viagem de final de curso pelo
mundo afora. Isso me encantou.
Outro motivo foi querer me
desvencilhar do regime disciplinar da
casa de meus pais. Era o típico
adolescente rebelde. Assim que
terminei o ginasial, passei no difícil
concurso para o Colégio Naval, em
Angra dos Reis. Desde o princípio,
pude perceber que não tinha vocação
militar, mas mesmo assim segui em
frente. Completando o científico,
entrei automaticamente para o curso
superior na Escola Naval, na ilha de
Villegagnon, no Rio de Janeiro.
Depois de quatro anos de estudos
bem puxados, formei-me oficial de
marinha e fiz a tal da viagem que
sonhara aos treze anos. Ao voltar da

75
viagem e começar efetivamente
minha carreira, resolvi dar baixa da
carreira militar, antes que me
envolvesse mais e fosse cada vez
mais difícil para sair. O que iria
fazer? Não sabia... Estava largando o
certo pelo incerto. Dava um friozinho
na barriga... Nessa fase, tomei a
resolução de que nunca iria me
lamentar da decisão tomada e
alimentei confiança em mim de que,
em qualquer caminho que trilhasse,
não seria um perdedor. Aproveitando
os créditos de matérias já cursadas,
completei um curso de administração
de empresas. Consegui um cobiçado
emprego numa multinacional. Nova
carreira garantida surgiu em minha
frente. Agora, com terno e gravatas

76
importadas, meu ambiente era o meio
empresarial da Avenida Paulista, em
São Paulo. Não durou muito. A
constatação da futilidade e do caráter
ilusório e hipócrita da vida
materialista trouxe-me uma
insatisfação profunda.
Definitivamente não estava talhado a
me enquadrar no sistema.
Novamente, deixei o certo pelo
incerto. Passei num vestibular para
Arquitetura, comecei o curso, mas
resolvi voltar para minha cidade, Rio
de Janeiro. Fiz uma sociedade com
um amigo e comecei um novo
projeto, desta vez mais ligado à vida
natural. Tínhamos uma plantação de
plantas ornamentais e fazíamos
projetos de paisagismo. Entrei para a

77
Escola de Belas Artes da
Universidade Federal. Larguei o
curso no meio. Nessa fase, despertou
em mim um interesse muito grande
pelos assuntos espirituais. Lia tudo
que aparecia em minha frente.
Buscava livros raros nos sebos do Rio
e em São Paulo. Buscava
sinceramente um caminho espiritual
para seguir. Procurei ali e acolá, mas
nada me convencia de verdade.
Depois de algum tempo de busca,
decidi esquecer a busca espiritual e
concentrar-me no caminho material.
Logo depois de ter feito essa decisão,
Krishna apareceu em minha vida: o
templo Hare Krishna estabeleceu-se
na rua em que morava. Comprei e li
imediatamente o Bhagavad-gita de

78
Srila Prabhupada e isso acendeu
novamente a atração para a vida
espiritual. Vi-me então em meio a um
impasse: Justo agora que havia me
decidido e estava me preparando para
ir fundo no caminho material!.. Teria
de escolher entre vida espiritual e
vida material. Por sorte, esse conflito
não durou muito. Consegui resolvê-lo
com a seguinte proposição dialética.
Pensei assim: “Sempre tive atração
pela vida monástica e agora se
apresentou uma oportunidade real. Se
eu não tiver essa experiência agora,
que garantia posso ter de não ficar
frustrado no futuro por ter
desperdiçado a oportunidade? Na
verdade, frustração é um sentimento
terrível. É a última coisa que quero

79
para mim.” Pensando assim, resolvi
experimentar o processo da
consciência de Krishna. “Se não der
certo”, pensava eu, “não será a
primeira vez que vou ter que começar
tudo de novo...” Pelo visto, a coisa
deu certo, pois estou
“experimentando” por mais de trinta
anos... E escapei também da
frustração.

Espírito empreendedor

Esse é o ponto principal de nosso


ensaio. Estamos hoje trabalhando
com jovens em nossa comunidade
sustentável Goura Vrindávana, em
Paraty, e temos tido ótimos
resultados. Estamos incutindo nos
jovens o desejo e o empenho em

80
desenvolver suas potencialidades,
principalmente o espírito
empreendedor. Espírito
empreendedor compreende em
desenvolver-se na capacidade de
visualizar e antever as coisas e agir de
forma a atingir as metas propostas. O
espírito empreendedor amplia a
capacidade de realização. Desenvolve
a criatividade. É o espírito
empreendedor que impulsiona os
projetos. Aquele que desenvolve um
espírito empreendedor, torna-se um
líder. Considero que mais importante
do que ter alguma graduação
acadêmica é desenvolver o espírito
empreendedor. Um empresário não
precisa de ter grau universitário. Mas
ele tem as ideias e a disposição de

81
fazer as coisas acontecerem. Quando
precisa do trabalho de profissionais
qualificados, ele os contrata. Um
profissional com grau universitário
sem espírito empreendedor será
sempre um empregado. Só sabe fazer
as coisas referentes à sua
especialidade e precisa alguém para
lhe mandar fazer as coisas.

Em psicologia e gestão
administrativa, fala-se de pessoas
proativas e reativas. A maioria das
pessoas é reativa, isto é, suas ações
são reações às circunstancias e
estímulos externos. Esperam as coisas
acontecerem para então agir ou têm
que ser impelidas para a ação.
Alguém tem que planejar, organizar,
instruir, controlar o que ela tem para

82
fazer. Precisam de uma estrutura já
feita para se encaixarem. Não têm a
iniciativa nem a criatividade para
criarem sua própria estrutura.
Geralmente, colocam a culpa nos
outros ou nas circunstancias, para
seus fracassos. Muitas vezes, num
grupo, uma pessoa tem uma boa
ideia, mas não discute com os outros
para não ter que assumir a
responsabilidade e se encarregar
daquela missão. O reativo tende a cair
na passividade e acomodação. Está
mais interessado em aumentar sua
taxa de conforto pessoal do que
arriscar fazer algo grande para seu
próprio benefício e o benefício da
comunidade.

Já o proativo assume a

83
responsabilidade pelos seus erros,
aprende com eles e segue tentando
estabelecer seu esquema de ação. Não
depende exclusivamente dos outros.
Ele interage com as outras pessoas e
persegue suas metas com muita
determinação. É uma locomotiva que
sai arrastando muitos vagões sem
propulsão própria. Uma pesquisa
científica séria apontou que as
pessoas mais felizes são as proativas.
Muitas delas tiveram que lutar muito
em suas vidas para conseguir seus
objetivos, mas realizam que essa luta
valeu, pois isso lhes trouxe uma
satisfação interna muito grande.

Exemplo: o melhor mestre

Para se desenvolver a capacidade

84
empreendedora, o jovem tem que
conviver com pessoas que
desenvolveram tal capacidade. Temos
observado muitos casos de jovens que
vêm de boas famílias, têm boa índole,
são inteligentes, tiveram boa
educação e bom preparo acadêmico
básico, mas não possuem esse
espírito empreendedor. Não tomam
decisões. Não têm iniciativas. Ficam
esperando que as coisas aconteçam
para assim se encaixarem no que já
está estabelecido. Esquivam-se de
assumir responsabilidades maiores.
Vemos que não lhes faltam
capacidades, mas falta-lhes o espírito
empreendedor.

Por que isso ocorre? Minha conclusão


é que lhes falta um referencial. Esse

85
referencial deve vir de casa,
principalmente da figura do pai. Um
caso típico é de um pai que teve um
bom emprego burocrático, que
comprou um ótimo apartamento já
pronto, numa boa localização, que
mobilhou-o de forma a enaltecer o
conforto, que pagou colégios caros
para o filho, que se aposentou na
meia idade e que agora curte uma
vida relaxada, sem pressões das
obrigações do trabalho, que pode,
inclusive, dormir até um pouco mais
tarde e, para não fugir à regra, que
despende diariamente algumas horas
passivamente em frente da televisão.
O filho, embora bem educado e com
boa base moral, carece do referencial
de uma pessoa proativa. Muitas vezes

86
os pais se sacrificam para dar a
melhor educação aos filhos e ajudam,
inclusive, a deslanchar suas carreiras
profissionais, e assim ficam com a
consciência tranquila do dever
cumprido. Mas faltou o mais
importante: transmitir o referencial
do espírito empreendedor. Essa
informação não ficou incorporada, o
jovem não captou essa imagem em
sua consciência. Ele será sempre
dependente de alguma estrutura já
feita para poder se encaixar. Ele
prefere se sujeitar à mediocridade do
sistema a ter que arriscar a uma vida
incerta, mas rica em possibilidades
auspiciosas. Não tem o ímpeto de
desbravar novos horizontes e fazer as
coisas acontecerem. A situação se

87
complica quando o pai está
desempregado ou tem um simples
emprego medíocre.

No meu caso pessoal, tive e tenho o


exemplo de meu pai. Ele nunca teve
um empregão. Formou-se em
medicina, mas optou pelo magistério.
Era um profissional competente como
professor, mas teve que lutar
tremendamente para manter o padrão
da casa e educar os seis filhos. A
imagem dele que ficou para mim foi
que ele era uma pessoa
tremendamente dedicada ao que
fazia. Trabalhou duro, até mesmo em
idade avançada. Durante as férias
escolares, em vez de relaxar e curtir,
ele, normalmente, se ocupava
intensamente na manutenção da

88
grande casa que vivíamos. Às vezes
era a reforma do jardim, outras vezes
a pintura da casa e outras reformas.
Era também bastante religioso. Outra
coisa que ficou gravada em mim foi
sua concentração na leitura. Lia
diariamente, por horas. Tudo que faço
é simplesmente seguir essas
impressões que ficaram registradas
em mim e executar minha própria
missão pessoal. Tudo fica mais fácil e
natural quando essas referências
proativas estão interiorizadas na
pessoa.

89
Capítulo 4
O DILEMA DOS
JOVENS
ÚLTIMA PARTE

Daremos aqui, extratos de


depoimentos de alguns participantes
do projeto de Goura Vrindavana:

Setukara Dasa, 51, presidente da


comunidade. (Setukara formou-se em
engenharia mecânica, e fez pós
graduação em engenharia nuclear.
Por concurso, entrou para os quadros
da antiga Nuclem (atualmente

90
Eletronuclear) durante a implantação
das usinas nucleares em Angra dos
Reis. Largou uma cobiçada carreira
para dedicar-se integralmente ao
projeto alternativo de Goura
Vrindavana.)

* Já tiveram devotos que vieram ao


nosso projeto e disseram: “Aqui não,
é muito arriscado...” Outra coisa que
de vez em quando eu ouço: “Gostei
muito do projeto, mas que garantia
posso ter de que isso vai dar certo?”
Minha resposta sempre é: “Nenhuma.
Não temos nenhuma garantia.
Estamos aceitando esse risco e
queremos pessoas que estejam
dispostas a correr esse risco
também.” Na verdade, estamos
convencidos de que vale a pena

91
correr esse risco. Quem está aqui,
deixou para trás situações muito mais
garantidas materialmente, mas corre
esse risco com satisfação e confiança.
Embora com todos os “riscos” (como
se não houvesse riscos em outros
lugares e situações...), consideramos
que o modelo alternativo é a melhor
opção do jovem para crescer e
evoluir.

* Nosso país, com todos os seus


probleminhas e deficiências, é o lugar
ideal para esse tipo de projeto. Em
países economicamente mais
avançados, tudo já está feito; não
existe esse “pioneirismo” que aqui
podemos experimentar. A situação é
muito mais complicada que aqui.
Existem muito mais restrições legais;

92
os investimentos são muitíssimo mais
altos. Não existe essa beleza natural e
um clima favorável durante todo o
ano. A mão de obra aqui não é tão
cara, e muitas outras vantagens.
Temos que aproveitar esse potencial
inigualável. Quando escutamos que
alguns devotos saem do país,
seduzidos por euros e dólares, mas
têm que se sujeitar a subempregos ou
trabalhos indignos só para se
manterem, isso nos soa como
aborígines trocando suas valiosas
riquezas naturais por espelhinhos...

* O mais importante de tudo é moldar


a vida no modo da bondade. Isso
implica em saber lidar e equilibrar os
modos inferiores — paixão e
ignorância. A menos que estejamos

93
situados no modo da bondade, a vida
espiritual pessoal será um fracasso.
Portanto, aqueles que assumiram a
responsabilidade pelo seu avanço
espiritual devem esforçar-se para
moldarem suas vidas no modo da
bondade. A maioria contenta-se com
a desculpa de que já estão tão
envolvidos que não dá mais para
mudar. Outros, por outro lado,
querem largar tudo pensando que isso
resolverá todos seus problemas
materiais. Nesse caso, só mudam o
foco dos problemas: antes tinham
problemas no sistema e passam a ter
problemas dentro da comunidade.
Dentro da comunidade existem
também muitas dificuldades, mas
deve-se estar preparado para lutar.

94
Luta é o que não falta. Mas é um luta
compensadora. Pior é gastar a vida
numa luta inglória.

O modo da bondade nos dá visão e


clareza para definirmos o propósito
de nossa vida. Além disso, é a única
maneira de administrar corretamente
todos os setores da vida: saúde,
alimentação, estado emocional,
maturidade psíquica,
relacionamentos, educação dos
dependentes, capacitação profissional
e, também, a vida prática do dia a dia.
Na paixão e ignorância a pessoa não
pode fazer ideia do que sua vida vai
resultar. Geralmente o resultado é um
desastre.

* Estive conversando com o meu

95
sobrinho que, como outros jovens de
sua idade, tiveram sua educação no
Gurukula. Por causa de certas
deficiências nesse período, alguns
jovens colocam a culpa no
movimento pela condição em que se
encontram. Então, eu lhe disse:
“Reconhecemos que tiveram
problemas que podem ter afetado, de
uma forma ou outra, a vida de vocês,
mas, agora, já passado dos vinte anos
de idade, o que você está fazendo
para resolver os seus problemas e
melhorar a sua vida? Até quando vai
ficar colocando a culpa nos outros
para justificar suas fraquezas. Isso é
muito fácil. Difícil é tomar as rédeas
da própria vida e lutar para se
aperfeiçoar. Na sua idade a pessoa já

96
está capacitada para assumir a
responsabilidade pela própria vida.

Agora a responsabilidade é
totalmente sua. Não adianta mais
colocar a culpa nos outros. Ao invés
de alimentar uma mentalidade
medíocre e irresponsável de
“curtição”, ociosidade, futilidades e
rebeldia (em outras palavras,
prolongar a adolescência), é a hora de
ter uma postura séria diante da vida,
fortalecer o caráter e preparar-se para
ter uma vida produtiva e auspiciosa.
Se não tomares uma atitude positiva
agora, serás certamente uma pessoa
derrotada e frustrada. Seu futuro está
em suas mãos.”

Bhaktin Valéria, 38.

97
* Formei-me em Biologia na Federal
do Paraná (UFPR). Fiz mestrado em
“Ecologia” na UNICAMP e
doutorado em “Meio Ambiente e
Desenvolvimento” também na UFPR.
Completei esses estudos em treze
anos intensivos. Com todos esses
títulos nas mãos, tive várias
oportunidades de trabalho, tanto no
magistério quanto em empresas.
Acontece que não obtive satisfação
na carreira. Era como faltasse alguma
coisa. Toda minha bagagem era
exclusivamente teórica. Nunca fiz
nada prático. Tinha sempre a
sensação de que faltava algo. Tudo
era muito vazio. Aqui em Goura
Vrindavana, estou me encontrando
realmente. Estou experimentando e

98
aprendendo muitas coisas. Vejo que
posso dar uma contribuição efetiva a
esse projeto, tão rico e complexo.
Sinto-me completamente satisfeita. A
gente sente que está construindo um
projeto. Não é a mesma coisa que se
sente num emprego, onde se é uma
mera peça ou engrenagem, que pode
ser facilmente substituída. Aqui não,
é um projeto de vida.

* Todos os acadêmicos (que têm pós-


graduação, mestrado ou doutorado)
são cadastrados no CNPQ, importante
órgão do governo. O currículo de
cada um é publicado num banco de
dados. Isso se chama curriculum
lattes. Até recentemente, não
conseguia preencher com precisão
meu currículo, pois em certos

99
quesitos, como área de atuação e
linha de pesquisa de interesse, não
conseguia propriamente me achar.
Agora eu preenchi tudo com a
informação atualizada de que estou
atuando no projeto de Goura
Vrindavana, e finalmente consegui
me achar. Aqui em Goura
Vrindavana pude perceber claramente
qual é a minha área de atuação e meu
verdadeiro interesse.

* Fui professora universitária e


passava para os alunos somente a
teoria que havia aprendido. O ensino
nas universidades é assim. Tudo
teórico. Os professores só têm teorias
para passarem para os alunos e esse
modelo tende a se perpetuar, pois os
alunos do presente serão os futuros

100
professores. Considero que a linha
seguida em Goura Vrindávana, em
que se enfatiza o desenvolvimento no
jovem do “espírito empreendedor”,
muito mais eficaz e poderosa do que
toneladas de conhecimento teórico
ensinados nas faculdades. A
aprendizagem no campo é muito mais
intensa e útil do que a aprendizagem
teórica.

Vanamali Dasa, 21.

* Assim que acabei o segundo grau,


vim para Goura Vrindavana, não sem
forte pressão por parte de meus pais
para que fosse cursar uma
universidade. Essa minha decisão,
aparentemente imatura, foi na
verdade a coisa mais sensata que

101
poderia ter feito. Sempre estudei nos
melhores colégios. No meu colégio,
um colégio de Patricinhas e
Mauricinhos, pude ver claramente o
que passa na cabeça do pessoal. O
que pode se esperar da cabeça de
jovens de dezessete ou dezoito anos?
É pura confusão. Ninguém sabe
realmente o que quer na vida.
Imagine! Com essa idade tem-se que
escolher a carreira para toda vida!
Nessa fase o pessoal não consegue ter
uma visão clara das coisas.
Alimentam a maior ilusão de que, se
seguir o esquema padrão, tudo vai
sair perfeito: completar o segundo
grau num bom colégio; depois, entrar
em qualquer faculdade; ao se formar,
conseguir um ótimo emprego com

102
alto salário, para poder curtir
ilimitadamente, comprar o que quiser,
viajar pelo mundo, etc. É só
“viagens”... Todo jovem tem essa
ilusão de que, se seguir esse caminho
convencional, vou chegar lá!
Ninguém consegue avaliar realmente
a realidade da vida. O que acontece é
que ao longo do caminho, que é
bastante longo, o pessoal só pensa em
curtir. Poucos são aqueles que se
dedicam seriamente. A maioria vai
“empurrando com a barriga” e não
resulta em nada. Eu tenho exemplos,
mesmo na minha família, de jovens
que fizeram tudo “certinho”, mas não
conseguiram nada. Todo sonho foi
por água abaixo. Conseguiram, a
duras penas, um emprego em que

103
tiveram que sujeitar a um salário
ridículo. Imagine o drama desses
jovens que estavam acostumados a
uma vida de mordomias à custa dos
pais... Se eu não tivesse vindo para cá
(Goura Vrindavana) seria mais um
jovem perdido e bobão em
Copacabana... Fui salvo!!

Goura Vrindavana Devi Dasi, 28

* A cada ano que passa, minha


experiência em Goura Vrindavana
torna-se mais completa, tanto do
ponto de vista espiritual, quanto
profissional, emocional e material.
Acredito que o desenvolvimento
humano, para ser integral e são, deve
abranger todos esses aspectos. Desde
que fui morar na comunidade, em

104
2001, experimentei como é
importante se integrar no serviço "ao
todo" , sem ter que necessariamente
buscar fora da comunidade, de
maneira independente, uma estrutura
material para se viver. Esse é o ideal
da vida comunitária em consciência
de Krishna. Todos os membros,
sejam monges ou famílias, devem
trabalhar em conjunto para a missão
de Srila Prabhupada e terem sua
estrutura material advinda desse
trabalho. O serviço devocional é
completo, ele traz força e sentido para
a vida, e nos deixa sob a proteção de
Krishna. A estrutura e organização da
fazenda, liderada por Setukara
Prabhu, proporciona oportunidades
muito enriquecedoras para o

105
amadurecimento dos devotos.
Aprendemos a fazer de tudo, mas, ao
mesmo tempo, nos especializamos
em determinada atividade e
assumimos as responsabilidades
desse setor. As atividades simples são
tão valorizadas quanto as atividades
administrativas, sendo o dia a dia
sempre útil e produtivo. Vejo por aí
muitas pessoas que se sentem
inseguras quanto ao seu futuro
profissional, mas em Goura esse
desenvolvimento é constante e
garantido. Atividades da fabricação e
comercialização da banana passa, por
exemplo, que é a atividade produtiva
principal da comunidade, nos
capacita em diferentes áreas de
conhecimento, como administração,

106
gerência de produção, finanças,
contabilidade, linha de montagem,
design gráfico, informática,
marketing, comercialização, e por aí
vai. As possibilidades são inúmeras!
O mais importante é que, no dia a dia,
estamos juntos construindo essa
estrutura. Tudo tem que ser criado.
Nada está definitivamente pronto. A
própria prática, integração e
criatividade do grupo fomentam o
conhecimento que se adquire. Em
outras áreas da fazenda, a mesma
coisa ocorre: na agricultura , no
trabalho com os animais, nas obras,
na recepção e hospedagem, na
administração dos funcionários, etc.
Outra coisa importante que vejo é que
as potencialidades dos devotos são

107
sempre incentivadas. Mesmo tendo-
me graduado numa universidade
conceituada, posso dizer com
segurança que minha formação
profissional e intelectual começou
realmente na fazenda, e está em
constante desenvolvimento. Para um
jovem, é uma oportunidade de ouro
ter uma vivência como essa. O
conhecimento que adquirimos em
Goura não é teórico e nem está preso
a nenhum modelo estereotipado,
desta ou daquela linha ou tendência
acadêmica. É um conhecimento
integral e natural, que
verdadeiramente se constrói com a
prática e que, depois de interiorizado,
passa a ser de nossa propriedade. No
aspecto espiritual, essa atmosfera

108
dinâmica também está presente.
Temos uma super biblioteca de
Filosofia e Teologia, onde os devotos
podem se debruçar no estudo e na
pesquisa e, com isso, formar sólida
estrutura intelectual. Além disso, o
ambiente rural e o contato com a
natureza constituem constantes
estímulos na compreensão de Krishna
Bhakti. Como amar um menino
travesso e vaqueiro, que rouba
manteiga batida fresca? Como
apreciar a lila dos habitantes de
Vrindavana, sempre absortos em seus
afazeres simples e rurais? Sem
dúvida, a experiência da vida no
campo em serviço devocional é uma
bênção especial para um devoto de
Vrajendra-nandana Sri Krishna! Para

109
concluir, gostaria de ressaltar que em
Goura o convívio entre os devotos é
muito bom, temos fortes laços de
amizade e confiança uns com os
outros. Os momentos de dificuldade
existem, mas são enfrentados com
cooperação e união. Todos se
preocupam com o bem estar
individual de cada um. Nesse
ambiente maravilhoso nos sentimos
felizes e entusiasmados com a vida.

Gopinatha Das, 25

* Sempre tive uma relação muito


forte com o campo. Nunca me a
costumei à vida na cidade. Isso foi
um dos motivos por ter procurado
Goura Vrindavana. No meu período
de vida na cidade, uma das coisas que

110
mais me causou frustração foram os
relacionamentos. Eu criei uma
imagem de que o relacionamento com
os pais, irmãos, parentes, amigos,
conhecidos e pessoas em geral teriam
um caráter, digamos assim, “divinos”.
Eu queria que tudo fosse perfeito e
ideal. Mas, no decorrer do tempo
pude entender que haviam muitos
interesses e muita hipocrisia nos
relacionamentos. Isso me causou
muita dor e decepção. Na verdade, eu
também tinha meus interesses... O
caso é que fui me frustrando. Quando
conheci Goura Vrindavana, tomei a
decisão de colocar Deus como o
centro de minha vida. Antes o centro
de minha vida eram minhas próprias
ideias e relacionamentos. Encontrei

111
no projeto de Goura Vrindavana uma
nova forma de viver. Uma mudança
radical ocorreu em minha vida.
Aquilo que tinha sido minha
frustração, os relacionamentos, eu
encontrei em Goura Vrindavana em
sua forma mais perfeita. Lá eu não
escolhi minhas amizades.
Simplesmente cheguei e já as
encontrei prontas — os mesmos
anseios, as mesmas metas de vida.
Tudo, então, passou a fluir
naturalmente. Sem competitividade,
sem falso ego. Mesmo entre as
diferentes atividades da fazenda —
agricultura, animais, produção
comercial, administração, etc. —
cada uma depende da outra e cada
uma contribui para o todo. Lá fora,

112
estaria trabalhando para mim e outros
estariam ganhando dinheiro com meu
trabalho. Aqui eu trabalho para a
comunidade. Trabalho para Deus, que
é o novo paradigma em minha vida.
Em Porto Alegre, eu estava cursando
Administração e Comércio
Internacional. Na faculdade, o
discurso girava sempre em torno de
“qualidade de vida” e
“relacionamentos interdependentes”.
Tudo na teoria. Aqui em Goura
Vrindavana essas coisas acontecem
na prática. Estava no último ano do
curso. Faltava um semestre para
terminar. Decidi não terminar o curso
na faculdade. Não preciso. A
experiência que estou tendo
atualmente, gerenciando a fábrica de

113
banana passa, é dez vezes superior a
qualquer experiência que poderia ter
lá fora. É uma atividade bastante
complexa. O que foi mais difícil para
mim foi lidar com lado emocional
dos funcionários. Tive seriamente que
reciclar o meu emocional também.
Uma experiência totalmente nova
para mim. Não digo que a faculdade e
os estágios que fiz não tiveram
validade. Tiveram e têm, mas minha
experiência atual é muitas vezes
superior. Outra coisa que estou
valorizando aqui é que agora eu
quero me analisar muito bem,
aperfeiçoar-me e adquirir virtudes.
Antes eu não dava a mínima
importância a essas coisas. Aqui em
Goura Vrindavana, o aspecto da

114
Divindade está muito presente e isso
faz com que eu me preocupe em
aperfeiçoar-me cada vez mais.

Venu Gopal Das, 29

* Tive a oportunidade de estudar num


ótimo colégio. Tive o tipo de
educação acadêmica que visa
exclusivamente fazer o estudante
passar no vestibular. O estudante não
é preparado para outras coisas. Por
exemplo, sempre tive dificuldades de
falar em público. Para mim, isso era
um verdadeiro terror e sentia que isso
travava meu desenvolvimento. Mas
nunca tive nenhuma instrução para
poder superar isso e me destravar. As
matérias são dadas com um único
intuito de se passar nos exames. Aos

115
dezessete anos, tive que escolher um
curso universitário para ser minha
carreira e profissão por toda a vida.
Logo me dei conta de que não estava
preparado para fazer essa escolha,
assim como a maioria dos jovens
dessa idade. Ingressei no curso de
engenharia química numa
Universidade Federal. Tive uma
tremenda decepção na vida
universitária, principalmente no que
diz respeito ao comportamento e à
moralidade dos estudantes. Encontrei
uma atmosfera completamente
mundana. Entre meus colegas, de um
lado estavam os “caretas”, o pessoal
da cervejinha e caipirinha; do outro
lado, o “pessoal da pesada”, das
drogas. A coisa se resumia nisso:

116
álcool, drogas e sexualidade, e as
conversas, as mais fúteis possíveis.
Não existe nas universidades
nenhuma orientação para o
aperfeiçoamento do caráter dos
jovens, e o que dizer, do
desenvolvimento da espiritualidade.
O pessoal fica largado por conta de
suas próprias mentes. A tendência é
degradar-se. Estava cursando o
primeiro ano da faculdade quando
tive meu primeiro contato com os
livros de Srila Prabhupada. Seus
ensinamentos tocaram fundo no meu
coração. Tranquei a faculdade e
ingressei no movimento. Estou
engajado no projeto de Goura
Vrindavana desde 1999. Nos
primeiros cinco anos, estive fazendo

117
um trabalho externo, distribuindo
livros nas ruas e coletando fundos
para o projeto. Essa experiência de
contato com o público foi muito
importante para minha “destravação”
e para romper com minha timidez.
Minha mudança de vida de cidade
para a vida no campo deveu-se à
leitura do “Manifesto Alternativo”,
ensaio de Purushatraya Swami.
Anteriormente, não tinha tido
nenhuma experiência de como viver
dependendo da Natureza. Nada sabia
sobre a vida rural, vida simples no
campo, ciclos da Natureza, e o que
dizer de ter botado a mão na terra.
Tudo isso foram experiências muito
enriquecedoras. Uma experiência
marcante foi meu contato com os

118
bovinos — como zelar e cuidar da
vida de outros seres vivos e fazer com
que humanos e não-humanos
cooperem nos serviços no campo.
Outra coisa que tenho experimentado
é ver como Krishna faz arranjos para
enriquecer a vida de seus devotos.
Antes, não tinha nenhuma pré-
qualificação em atividades rurais.
Meu background era exclusivamente
urbano. Na hora em que me interessei
por esses assuntos, todo esse
conhecimento veio até mim por
diferentes fontes. Sempre aparece
uma pessoa chave, na hora certa, que
passa, de boa vontade, o
conhecimento que estamos
necessitando naquele momento. Essa
experiência tem acontecido

119
repetidamente aqui em Goura
Vrindavana. É uma coisa meio
mística... Ingressei no movimento há
dez anos, com dezenove anos de
idade. No início, meus pais ficaram
superapreensivos e preocupados.
Qual será o futuro de nosso filho?..
Ao passar dos anos, nossa relação foi
melhorando cada vez mais, devido a
que eles podiam ver que minha vida
transformava-se para melhor, com o
cultivo de bons hábitos e valores
espirituais. O interessante foi que
essa minha nova postura influenciou
neles um fortalecimento de suas vidas
religiosas. E assim eles passaram a
valorizar mais a vida devotada a
Deus. A vida alternativa força a
pessoa a depender mais de Krishna

120
— ter a confiança de que, havendo
empenho e dedicação, Krishna vai
suprir as necessidades. Nossa fé em
Krishna fica assim fortalecida. Não
vai ser o governo, nem a sociedade,
nem uma empresa, nem a família que
irá preencher nossa vida. O devoto
passa a depender dos recursos que
Krishna lhe oferece, através da terra,
através das vacas...

Nityananda Dasa, 34

* Dias atrás, minha esposa fez uma


observação que até então tinha
passado despercebido para mim. Ela
disse: “Pode-se dizer que você é um
hare krishna autêntico... — entrou no
movimento aos vinte anos, logo após
ter terminado o segundo grau; como

121
brahmacari, dedicou-se ao sankirtana
(distribuição de livros) durante sete
anos; atualmente está no ashrama de
grhastha (vida familiar); vive numa
comunidade rural do movimento;
mantém a família com a venda de
prasada (alimento vegetariano
oferecido a Krishna); e dá aulas de
Srimad Bhagavatam e Bhagavad-gita.
Um hare-krishna integral...” Nesses
treze anos de movimento, esse é o
meu currículo. Realizo que minha
trajetória dentro do movimento tem
sido bastante bem sucedida, mesmo
do ponto de vista prático e material.
A questão da responsabilidade, por
exemplo, eu aprendi isso bem cedo.
Durante vários anos, bem jovem
ainda, tinha que me esforçar, junto de

122
outros colegas, para arranjar fundos
para pagar as despesas e o aluguel do
templo. Isso fez com que, bem cedo,
adquirisse o senso de
responsabilidade. Quanto ao
desenvolvimento profissional,
vejamos o seguinte: Por anos, eu
vendi livros e incensos nos ônibus
dos subúrbios do Rio, e agora, como
representante comercial da fábrica de
banana passa de nossa comunidade,
estou fechando contratos com a mais
poderosa rede de supermercados do
país. Tenho também participado de
licitações que exigem alto grau de
profissionalismo, junto à maior rede
de lojas de produtos naturais do país.
Nosso produto é reconhecido, assim
como nossa forma de

123
comercialização. Fica evidente, que
pude galgar um pequeno sucesso em
minha vida profissional, dentro do
movimento. Por permanecer dentro
do movimento, não abdiquei de meu
desenvolvimento profissional e
pessoal. Nunca fui à faculdade. Meu
caminho é eminentemente
alternativo. Mesmo assim, tenho
experimentado, inúmeras vezes, que
ao trocar ideias com pessoas
graduadas em universidades, eu tenho
também coisas relevantes para serem
ditas e consideradas, seja em assuntos
de filosofia, psicologia, literatura,
gestão administrativa, espiritualidade,
etc. Muitas vezes me vejo numa
situação de estar aconselhando outras
pessoas com graus acadêmicos bem

124
superiores ao meu, em diferentes
ramos de conhecimento. Eu,
pessoalmente, aprendi muito com
duas pessoas: Purushatraya Swami e
Setukara Prabhu, que têm
preocupação com a formação dos
devotos jovens. Minha conclusão é
que, tirando por mim, o movimento
tem sido uma tremenda escola para
formação do indivíduo. Mesmo
quando existem alguns problemas
institucionais, temos que aprender e
amadurecer nossa personalidade com
eles. Temos que impedir que nossa
vida espiritual fique afetada por
problemas de ordem material ou
institucional. Só assim podemos tocar
nossa missão para frente.

Palavras Finais

125
Um problema muito comum que os
jovens enfrentam é que, devido ao
apego natural, os pais querem sempre
manter os filhos gravitando em torno
do núcleo familiar. Isso tem o lado
positivo e o lado negativo. O lado
positivo é o sentimento de proteção e
carinho que surge com o contato
íntimo com aos entes queridos, mas o
lado negativo é que tal envolvimento
pode tolher o crescimento interior dos
filhos e tender a um estado de
acomodação e passividade. A menos
que os pais sejam exemplos
impecáveis de valores morais,
espirituais, desapego, desenvoltura ao
lidar com a vida prática e outras
qualidades, e estejam instigando a
todo instante uma postura proativa

126
dos filhos, o envolvimento familiar
muitas vezes retarda e interfere no
crescimento do jovem. Este, por sua
vez, deve ser o maior interessado em
seu próprio desenvolvimento. Os pais
ficam muito preocupados quando os
filhos se afastam de casa, pois têm
receios de que seus filhos sejam
desviados para o mau caminho ou
acabem tornando-se pessoas inúteis e
sofram com isso. Isso é natural, pois
o que mais existe são lugares que
exercem influências prejudiciais e
perversas. É raro encontrar um lugar
seguro e que proporcione as melhores
condições para o desenvolvimento
dos jovens. Goura Vrindavana é um
desses raros lugares. Por sua vez, o
jovem deve ser uma pessoa

127
responsável. A noção de
responsabilidade está diretamente
relacionada com a liberdade que a
pessoa adquire. Quanto mais
responsabilidade, mais liberdade
pode ser conquistada. A liberdade
tem que ser conquistada. Ela não vem
“de mão beijada”, como se diz
popularmente. Se o jovem quiser
romper consciente e maduramente
com esse forte condicionamento
familiar e enfrentar a vida com suas
próprias pernas, ele tem que ser uma
pessoa íntegra e confiável. Caso
contrário, será uma pessoa inútil e
derrotada, e motivo de apreensão e
desgosto para os pais.

A separação física do núcleo familiar


não significa descaso, negligência ou

128
desconsideração. O vínculo
permanece e pode, inclusive tornar-se
muito mais saudável e natural. Em
nossa comunidade estamos sempre
vivenciando isso. Por sua parte, os
pais devem superar o apego
sentimental piegas e compreender
filosoficamente que cada ser tem sua
individualidade e seu caminho
pessoal. No inicio dessa ruptura, é
natural um período de certas
ansiedades, mas com o tempo isso
passa e cada um passa a desempenhar
com muito mais autenticidade a seu
próprio papel nessa vida. Ao finalizar
esse ensaio, quero conclamar aos
jovens que cultivam dentro de si o
mínimo que seja de apreciação pela
vida natural e alternativa, que deem

129
essa chance para si mesmos — de
terem uma experiência prática da vida
dentro de um ashrama, numa
comunidade rural. Acho
importantíssimo terem essa
experiência, para a própria avaliação
e decisão do melhor caminho a tomar
na vida. Normalmente esse caminho
alternativo rural não é levado em
consideração. Todas as opções ficam,
em geral, no âmbito urbano, dentro
dos padrões do sistema estabelecido.
É um fato de que são pouquíssimas
iniciativas comunitárias que tem dado
certo no mundo. Nossa comunidade
está tentando romper com esse tabu.
Tenho viajado intensamente, dentro e
fora do país, e vemos que nosso
projeto de Paraty está posicionado na

130
vanguarda mundial dessa postura
alternativa. Isso tudo se deve a Srila
Prabhupada, que deixou um legado
de ensinamentos e instruções
preciosíssimos para aqueles que
querem dedicar-se a autorrealização.
O importante é não desperdiçar essa
oportunidade.

Hare Krishna!!

131
Extra
Já houve um tempo em que velhice
era sinal de sabedoria. Os jovens
recorriam aos anciãos para receberem
conselhos, pois viam neles uma
experiência sólida acumulada pelos
anos vividos. Havia respeito e até
veneração. Mas e hoje? Será que não
se fazem mais velhos como
antigamente? Esse deve ser um sinal
dos tempos...

Os velhos que me perdoem, mas


tenho que dizer algumas verdades
duras. Aos jovens, preparem-se, pois
não é hora de adular ninguém, mas
cair na realidade.

132
O fato é que se formou um profundo
abismo entre as gerações. A maioria
das pessoas da terceira idade parou
no tempo e não consegue acompanhar
a cabeça dos jovens. Posso falar com
experiência própria, pois já conquistei
o direito de viajar de graça nos ônibus
urbanos e o privilégio de entrar na
fila preferencial no caixa dos bancos,
e sei que é difícil acompanhar o
“pique” da rapaziada. Mas, mesmo
assim, sem exagero de se passar por
um velhinho avançado, é dever dos
mais velhos contribuir para que os
jovens tenham um presente e um
futuro melhor e mais produtivo.

A maioria dos velhos se abstém de


dar essa contribuição aos mais
jovens, pois ficaram defasados com o

133
tempo presente e não têm nada para
contribuir. Assim, é comum
escutarmos: “Porque no meu
tempo...”. Quando se fala assim,
sabemos que se perdeu o “trem” da
história e que sua consciência ficou
identificada completamente com a
senilidade de seu corpo velho.

Essa identificação da alma com o


corpo é um problema filosófico e
psíquico sério. É muito difícil se
desvencilhar desse conceito. É,
inclusive, considerado como a
essência da ignorância pelo
conhecimento dos Vedas.

Um problema sério da velhice é a


tendência à acomodação e à falta de
perspectiva na vida. Dias atrás, uma

134
senhora confidenciou-me: “Depois
que se aposentou, meu marido acorda
às dez da manhã, nem troca o pijama,
toma um cafezinho, acende um
cigarro, deita-se no sofá e liga a
televisão. Todos os dias!”. Trata-se
de um morto vivo. Vida improdutiva.
Que exemplo essa pessoa passa para
os filhos!

A coisa mais comum em todos os


lugares em que passamos é ver, nas
praças das cidades, um monte de
aposentados desocupados jogando
carteado ou dominó. Dia após dia, a
mesma rotina. Dá dó de ver. Uma
falta total do que fazer. Uma vida
pobre, inútil e sem propósito.

Muitos idosos têm problemas sérios

135
de saúde devido a anos de maus
hábitos alimentares e estilos de vida
viciosos. Em geral, as pessoas são
conscientes de que a dieta alimentar
que têm adotado por anos a fio é a
causadora direta de sua doença, mas
elas insistem em não mudar seus
hábitos. “É o bife de cada dia”. Não
conseguem mudar; não querem
mudar. Perderam a capacidade de
exercer a vontade sobre si mesmas.
São totalmente condicionadas, como
os cães de Pavlov. Vivem na
esperança de que as pílulas receitadas
pelos seus médicos, que geralmente
estão nas mesmas condições que seus
pacientes, vão lhes trazer saúde e
alívio. Em geral, tornam-se
hipocondríacos.

136
A consequência de uma vida
insalubre é o sofrimento. A esses, só
resta então se lamentar. A lamentação
passa a ser a rotina de muitos idosos.
Meditam profundamente em seu
próprio sofrimento. Um sofrimento
principalmente no nível mental.
Quando encontramos um desses
sofredores profissionais, temos que
ouvir um longo relato de doenças,
com todas as minúcias, pois a mesma
história já foi repetida antes pelo
menos uma dúzia de vezes. Em suma,
existe uma carência total de
satisfação e de realizações em suas
vidas. Só frustração e sensação de
derrota. Nesse estado, quem é capaz
de inspirar e aconselhar alguém?

Em geral, todo velhinho ou toda

137
velhinha parece uma pessoa
boazinha. Muitos têm realmente bom
coração e são desprovidos de malícia.
Obviamente, todos têm os seus
defeitinhos e manias, como todo
mundo tem. Levam suas vidinhas
domésticas e se contentam com o
conforto da mediocridade.

A vida medíocre é uma vidinha que


nem é muito boa nem muito ruim.
Não se pode exigir nada especial de
um medíocre. Na mediocridade não
se tem a responsabilidade de se
mostrar como um exemplo para os
mais jovens. Nem são convocados
para missões que exigem empenho e
certo risco. Contentam-se com seu
entretenimento doméstico, sua TV
NET de oitenta canais e assim vão se

138
definhando pacificamente. Livros?
Ninguém mais os lê. Com a tevê,
você não precisa pensar... Os jovens
presenciam essas cenas dentro de
suas casas.

A inaptidão para orientarem seus


filhos faz com que os pais deleguem
essa responsabilidade para a escola e
o governo. Nem a escola nem o
governo se preocupam em dar aos
jovens o embasamento moral e
espiritual necessário para ter uma
vida virtuosa e chegar a uma velhice
digna. A escola preocupa-se
exclusivamente com a formação
profissional imediatista, e o governo,
em fazer da pessoa um bom
consumidor e um bom pagador de
impostos.

139
E como ficam os jovens diante disso
tudo? Coitado deles, digo eu. A
maioria está completamente
desorientada e desprotegida. A
condição de ser um jovem hoje em
dia é muito precária e vulnerável. A
pouca idade e a falta de experiência
do jovem não lhe permite administrar
apropriadamente sua vida. Isso é
natural nessa idade. Eles necessitam
de orientação e bons conselhos dos
mais velhos. Definitivamente, a
velhice não pode ser sinônimo de
fracasso e derrota. Deve sim ser a
reserva moral da sociedade e o
manancial de sabedoria e realizações
profundas.

O que acontece na prática é que,


quando os jovens olham para os mais

140
velhos e veem um estado de
marasmo, alienação, decrepitude e
acomodação, o pensamento que
naturalmente vem à mente deles é:
“O negócio é aproveitar e desfrutar
da vida ao máximo agora, pois daqui
a algum tempo ficarei assim como
eles. Não posso perder essa chance”.
Então, mergulham em todo tipo de
excessos: nas drogas, no álcool, nas
baladas, nas raves, na degradação,
nos esportes radicais, nas noites em
claro etc.

A maioria se estraga logo, pois o


corpo não aguenta tal “tranco”.
Muitos se degradam com as más
companhias. Em outros, a vida acaba
em tragédia. Nosso país é campeão
em jovens mutilados por todo tipo de

141
acidentes. Aqueles que “botaram pra
quebrar” e chegaram à terceira idade
acabam inevitavelmente numa
situação mais crítica e bem pior do
que aquela de seus pais!
Completamente degradados de corpo
e mente. E esse ciclo tende a se
perpetuar nas próximas gerações.
Onde estão os pais para darem bons
exemplos? Estão perdidos também. A
situação é crítica. Coitado deles...

Aos idosos que não se enquadram no


modelo descrito acima e aos jovens
que não se degradaram e não se
massificaram com os modismos
fúteis e com os engodos dessa
sociedade desorientada e caótica,
“tiro meu chapéu” em respeito e
admiração.

142
Autor

Sua Santidade Purushatraya


Swami é um dos principais líderes
mundiais da Sociedade Internacional
para a Consciência de Krishna
(ISKCON). Na vida monástica desde
1976 e sannyasi (ordem de vida
renunciada) desde 1985, o Swami
coordena atualmente o bem-sucedido
projeto da Comunidade
Autossustentável de Goura
Vrindavana (www.goura.com.br), no
meio da Mata Atlântica, em Parati
(RJ), após ter ficado cerca de 8 anos
na Índia, ministrando aulas de

143
filosofia em diversas instituições no
país. Paralelamente, estudou piano na
juventude e gravou dois CDs de
mantras com diversas participações
especiais, e viaja ao redor do mundo
dando palestras sobre a Filosofia
Védica.

144
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147
148
Índice
Sumário 3
O Dilema dos Jovens I 8
O Dilema dos Jovens II 26
O Dilema dos Jovens III 60
O Dilema dos Jovens IV 90
Extra 132
Autor 143

149

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