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O HOMEM E O TRABALHO

O trabalho é uma atividade por meio da qual o homem transforma o ambiente em que vive

e também é transformado por ele. O trabalho é um componente central para a compreensão da

sociedade, da saúde, das formas de sociabilidade e dos modos de produção da vida, para a

sobrevivência e um fator de reconhecimento e inclusão social. Ele marca a identidade das pessoas

e está diretamente ligado à qualidade de vida. O tema relaciona-se diretamente com a saúde do

homem, na medida em que, segundo a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem

(PNAISH), uma questão relevante para a não procura dos serviços de saúde pelos homens é que

o horário de atendimento coincide com o horário de trabalho. Isso ocorre, pois, o trabalho possui

destaque dentre as preocupações masculinas, visto que o homem culturalmente possui o papel

de provedor e responsável pelo sustento da família.

De acordo com Dias (2000), a Saúde do Trabalhador demarca as ações de saúde

relacionadas ao trabalho, e constitui um campo de estudo e atuação multidisciplinar. O processo

saúde-doença dos trabalhadores, como e por que adoecem e morrem, e como são organizadas e

atendidas suas necessidades de saúde, são construções sociais que mudam em cada sociedade

e momento histórico.

A dimensão do trabalho se destaca no campo da saúde com base em um conceito

ampliado, que considera a condição de saúde e doença como um processo resultante dos

determinantes e condicionantes que o envolvem,

sendo as condições de trabalho um desses

mediadores (BRASIL, 1990).

No estudo da Saúde do Trabalhador é

importante compreendermos o processo de

reestruturação produtiva que ocorreu ao longo

dos últimos anos e que gerou profundas

transformações na forma de se trabalhar e de se

viver.
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE SAÚDE OCUPACIONAL

A construção do conceito de saúde do trabalhador se deu por meio de um processo de


amadurecimento do entendimento sobre os impactos do trabalho na saúde do homem e a este
processo somaram-se novas teorias que analisam o trabalho de maneira mais ampla.
Acompanhe a seguir alguns dos conceitos e aspectos históricos que originaram a definição de
saúde do trabalhador.

A medicina do trabalho

A medicina do trabalho surge na Inglaterra, na primeira metade do século XIX, com a


Revolução Industrial, enquanto uma intervenção no processo acelerado e desumano de produção
existente. A presença de um médico nas indústrias representava um esforço em detectar os
processos danosos à saúde e um aliado do empresário para recuperação do trabalhador, visando
seu retorno à linha de produção.
Instaurava-se assim a Medicina do Trabalho, sob uma visão biológica e individual, no espaço
restrito da fábrica, em busca das causas de doenças e acidentes. Outro papel importante da
Medicina do Trabalho é a detecção de doenças na seleção da força de trabalho, um recurso para
impedir o recrutamento de indivíduos com problemas de saúde que possam ser percebidos, dentre
tantas outras características (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997).
A implantação de serviços de medicina do trabalho baseados no modelo da unicausalidade
rapidamente se expandiu por outros países capitalistas além da Inglaterra, com a
transnacionalização da economia.

A saúde ocupacional
A saúde ocupacional surge enquanto intervenção do Estado no processo de expansão do
capitalismo. Veja a seguir como foi definida pelo Comitê Misto da OIT-OMS, em 1950.
A Saúde Ocupacional surge dentro das grandes empresas, com o traço
da interdisciplinaridade, com a organização de equipes multiprofissionais, e ênfase na higiene
industrial, relacionando o ambiente de trabalho e seus efeitos sobre o corpo do trabalhador.
Incorpora a teoria da multicausalidade, na qual um conjunto de fatores de risco é considerado na
produção da doença, avaliada por meio da clínica médica e de indicadores ambientais e biológicos
de exposição e efeito.
A Saúde Ocupacional utiliza dos fundamentos teóricos de Leavell & Clark, a partir do
modelo da História Natural da Doença, simplificando em demasia o entendimento do processo
saúde-doença, como derivado da interação entre agente-hospedeiro-ambiente. Essa concepção,
no entanto, continua insuficiente para uma adequada análise das relações entre o homem e o
trabalho (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997).
O enfoque dessa área ampliou a atuação da medicina do trabalho, que anteriormente se
voltava basicamente para o tratamento dos doentes, passando a avaliar não apenas o indivíduo,
mas o grupo de trabalhadores expostos e não expostos a agentes patogênicos, visando agir no
nível de prevenção no ambiente de trabalho.

A saúde dos trabalhadores:


A temática da saúde do trabalhador ganha reconhecimento nos países industrializados do
mundo ocidental, notadamente Alemanha, França, Inglaterra, Estados Unidos e Itália, e se espalha
mundo afora. Em especial, entre 1965 e 1970, período marcado pelas grandes mobilizações das
lutas de massas populares, como o movimento operário e o movimento estudantil parisiense.
Como resposta ao movimento social e dos trabalhadores, surgem novas políticas sociais,
introduzindo significativas mudanças na legislação do trabalho e, em especial, nos aspectos de
saúde e segurança do trabalhador. Assim, na Itália, em 1970 o “Estatuto dos Trabalhadores“ é
publicado, e tem como pilares comuns o reconhecimento do exercício dos seguintes direitos
fundamentais dos trabalhadores, segundo Mendes e Dias (1991):
 O conhecimento sobre a natureza dos riscos, as medidas de controle que estão sendo

adotadas pelo empregador, os resultados de exames médicos e de avaliações ambientais.

 A recusa ao trabalho em condições de risco à saúde.

 A consulta prévia aos trabalhadores, pelos empregadores, antes de mudanças de

tecnologia, métodos, processos e formas de organização do trabalho.

 O estabelecimento de mecanismos de participação, desde a escolha de tecnologias até a

escolha dos profissionais que irão atuar nos serviços de saúde voltados aos trabalhadores.
Ao lado deste processo de questionamentos da participação do Estado, na década de 1970

ocorrem profundas mudanças nos processos de trabalho, como o início das terceirizações nos

países desenvolvidos, o declínio do setor de produção industrial e o crescimento do setor de

serviços com intensa mudança no perfil dos trabalhadores e nos processos de trabalho.

O conceito da saúde ocupacional, com a nova visão do caráter histórico do processo


saúde-doença, passou a ser criticado, pois o trabalho é visto apenas como um problema
ambiental, onde o trabalhador está exposto a agentes físicos, químicos, biológicos e psicológicos.
Laurell (1981) chama a atenção para o fato de que o trabalho, enquanto categoria social, deve ser
assim tratado em suas múltiplas determinações, e não só como um fator de risco ambiental.
Em sua natureza, a saúde do trabalhador é um campo interdisciplinar e multiprofissional.
Entre as várias áreas de conhecimento e especialidades envolvidas na saúde do trabalhador,
destacam-se as ciências sociais e humanas, as ciências biomédicas e áreas tecnológicas
(PORTO; ALMEIDA, 2002).

Em 2002, institui-se legalmente a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do


Trabalhador (Renast) pela Portaria GM/MS nº 1.679 de 19 de setembro de 2002 e redefinida pela
Portaria nº 2.728/GM de 11 de novembro de 2009. Considerada a principal estratégia para garantir
uma estrutura melhorada de atenção integral à saúde dos trabalhadores e trabalhadoras, possui
como pressuposto o trabalho como determinante no processo saúde-doença.
A Renast é assumida enquanto estratégia principal para implementação da Política
Nacional de Saúde do Trabalhador no SUS. A Renast está estruturada partir dos Centros de
Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest). No ano de 2005, como resultado das deliberações
da 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, foi publicada a Portaria nº 2.427 do
Ministério da Saúde, que ampliou a rede dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador e
enfatizou a importância das ações de vigilância e o envolvimento da atenção básica (AB).

Completando um quadro de grandes avanços legais na Saúde do Trabalhador, a Política


Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora foi instituída após mais de uma década de
debates por meio da Portaria 1.823/2012 do Ministério da Saúde, e tem como finalidade definir os
princípios, as diretrizes e as estratégias a serem observados pelas três esferas de gestão do SUS
para o desenvolvimento da atenção integral à saúde do trabalhador, com ênfase na vigilância,
promoção e proteção da saúde dos trabalhadores e a redução da morbimortalidade decorrente
dos modelos de desenvolvimento e dos processos produtivos.
Nesse longo processo histórico marcado por avanços do ponto de vista da legislação em
defesa da saúde dos trabalhadores, precisamos ficar atentos para a necessidade de lutas e
mobilizações para que a atual Política Nacional de Saúde do Trabalhador amparada pela Renast
e Cerest não fiquem apenas no papel. A vigilância sobre as conquistas históricas dos
trabalhadores deve ser acentuada, pois muitas movimentações em sentido contrário à ampliação
ou manutenção dos direitos dos trabalhadores vêm acontecendo.

RISCOS À SAÚDE DO TRABALHADOR


Na saúde do trabalhador as ações de vigilância devem considerar os diversos riscos
ambientais e organizacionais a que estão expostos os trabalhadores. As características dos
processos produtivos e a natureza da atividade têm grande influência sobre estes riscos.
Com base na Portaria 3.214, do Ministério do Trabalho do Brasil, de 1978, os riscos são
classificados em cinco tipos no ambiente de trabalho. Acompanhe as características de cada um
deles.

A avaliação dos riscos relacionados ao trabalho deve transpor de relação unicausal entre
o risco e o seu efeito direto. Nem todos os riscos podem ser identificados, quantificados e
localizados fisicamente no ambiente de trabalho. Como exemplo, podemos citar os riscos
psicossociais.
A lógica tradicional da cultura de segurança se ancora nas relações unicausais entre os
riscos e as consequências advindas da adoção dos chamados “atos inseguros”. É como se os
acidentes de trabalho ocorressem pela falta de consciência do risco, na maioria das vezes por
parte do trabalhador. Essa concepção apresenta profundas limitações, uma vez que desconsidera
as causas objetivas e as circunstâncias dinâmicas envolvidas no contexto de trabalho.
As intenções do campo da saúde do trabalhador se pautam na concepção de que a saúde
no trabalho não significa apenas a ausência de doenças ocupacionais e acidentes de trabalho,
mas principalmente a transformação dos processos de trabalho em seus diversos aspectos, na
direção de buscar outra inserção do trabalhador no processo produtivo que seja potencializadora
de sua saúde e bem-estar.
DOENÇAS E ACIDENTES NO TRABALHO
As doenças relacionadas ao trabalho e os acidentes de trabalho sempre tiveram destaque
no campo da saúde do trabalhador, principalmente por conta do alto gasto previdenciário
direcionado ao pagamento de auxílios, aposentadorias e pensões advindas da ocorrência destes
eventos.
Além disso, há que se considerar que tanto os acidentes quanto as doenças diminuem
consideravelmente a capacidade de trabalho do homem e podem provocar perdas de ordem
funcional, como restrições de movimentos, paralisias e desajustes orgânicos, e, no caso dos
acidentes de trabalho, também perdas de ordem material, como danos às instalações ou ao
patrimônio das empresas.
Veja como a legislação brasileira caracteriza o acidente de trabalho:

“o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico


ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei,
provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou
redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho (Art. 19 da Lei nº 8.213
de 24 de julho de 1991, com redação dada pela Lei Complementar nº 150 de 1º de junho
de 2015).”

A definição sobre doença, dada pela mesma lei, aparece subordinada à definição de

acidente de trabalho e está caracterizada de duas maneiras (Art. 20 da Lei nº 8.213 de 24 de julho

de 1991, incisos I e II):

 Doença profissional (doença ocupacional): produzida ou desencadeada pelo exercício do


trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo
Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
 Doença do trabalho: adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em
que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente (...).
Sobre o adoecimento da população trabalhadora, o Manual de Procedimentos para os Serviços
de Saúde sobre doenças relacionadas ao trabalho, publicado pelo Ministério da Saúde (BRASIL,
2001) adverte para o fato de que:

“Os trabalhadores compartilham os perfis de adoecimento e morte da população em geral,


em função de sua idade, gênero, grupo social ou inserção em um grupo específico de risco.
Além disso, os trabalhadores podem adoecer ou morrer por causas relacionadas ao
trabalho, como consequência da profissão que exercem ou exerceram, ou pelas condições
adversas em que seu trabalho é ou foi realizado. Assim, o perfil de adoecimento e morte
dos trabalhadores resultará da confluência desses fatores (...)”

Segundo Mendes e Dias (1999), esses fatores podem ser sintetizados em quatro grupos
de causas. Acompanhe:

É possível perceber que os três últimos grupos constituem o universo das doenças
relacionadas ao trabalho. Evidentemente, a natureza dessa relação varia entre os grupos.

DOENÇAS OCUPACIONAIS

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