Você está na página 1de 10

   

REVISTA MUNDORAMA
DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS - ISSN 2175-2052

SOBRE MUNDORAMA COMO PUBLICAR BIBLIOTECA EVENTOS

PAÍSES & REGIÕES ECONOMIA & POLÍTICA CONTATO

PESQUISAR …

A geopolítica dos
mares chineses:
Considerações
sobre as disputas
nos mares da
China Meridional
e da China
Oriental, por
William Fujii
 28/12/2014   Ásia-Pacífico 
0

As
Tópicos
disputas
nos 0.1 Referências Bibliográficas
mares 1 Relacionado
da
China
Meridional e da China Oriental têm suas 
origens no final do século 19, quando o
colonialismo ocidental atingiu seu ponto
máximo no continente asiático. Nesse
período, a colonização de diversos países da
região envolveu a cessão de territórios e a
imposição de tratados desiguais, o que
tornou a região um campo fértil para futuras
disputas territoriais. Assim, quando os
comunistas chineses chegaram ao poder em
1949, herdaram da dinastia Qing fronteiras
relativamente mal definidas que dariam
margem para contenciosos.

Além de fatores históricos, ambas as


disputas envolvem uma mistura de
elementos geopolíticos e econômicos, uma
vez que as duas áreas em litígio são ricas em
recursos naturais, tais como petróleo, gás
natural e peixes. Do ponto de vista da
segurança regional, o mais imediato risco
existente é um conflito militar entre as
partes envolvidas, como no caso de China e
Vietnã no Mar da China Meridional. As
relações entre os dois países deterioraram
desde a tomada parcial das ilhas Paracel por
Pequim em 1974, cuja soberania é
reclamada pelo Vietnã em sua totalidade.
Como consequência, os dois países entraram
em confronto direto em 1988 quando a
marinha chinesa afundou três navios
vietnamitas, matando 74 pessoas (Koo,
2009). Apesar de as tensões terem sido
reduzidas a partir dos anos 1990, a contenda
está longe de ser resolvida e navios chineses
continuam expulsando embarcações
vietnamitas da região.

Da mesma forma, a disputa no Mar da China


Oriental apresenta riscos de conflito entre a
China e o Japão – situação ainda mais
delicada, considerando a história dos dois
países e que eles são as maiores economias
da Ásia. Após décadas de relativa
estabilidade, a tensão diplomática entre os

dois países aumentou consideravelmente
nos últimos anos devido à adoção, por parte
da China, de uma política mais assertiva na
área disputada.  Apesar disso, ambos os
governos são cautelosos e é pouco provável
que eles realmente estariam dispostos a
iniciar uma guerra pelas ilhas da região. Não
obstante, os riscos de um conflito armado
permanecem reais, assim como na disputa
do Mar da China Meridional.

Do ponto de vista econômico, considerando


o fato de que nesse mar estão algumas das
rotas marítimas mais movimentadas do
mundo, a disputa na área pode
potencialmente causar sérios danos às
economias asiáticas, sobretudo do leste do
continente. O mesmo pode ser dito sobre a
disputa no Mar da China Oriental, dada sua
localização estratégica entre as fortes
economias da China, Coreia do Sul, Japão e
Taiwan. Como o Mar da China Meridional, o
Mar da China Oriental possui vias marinhas
de grande importância não só para os países
da região Ásia-Pacífico, mas para
virtualmente todo o mundo (Horton, 1998). À
medida que o eixo da economia mundial se
desloca do Atlântico para o Pacífico, com a
economia da região tornando-se a mais
dinâmica do mundo, a estabilidade da
economia global certamente seria ameaçada
por um eventual conflito armado no Mar da
China Oriental.

Contudo, em que pese as semelhanças entre


as duas disputas, os dois casos possuem
diferenças facilmente perceptíveis. Devido
ao grande número de partes envolvidas e à
imensa área em litígio, a disputa do Mar da
China Meridional é, ao menos em tese, mais
complexa: sete países pleiteiam partes de
2
um território com mais de 3 milhões Km
(Richardson, 2013) que se estende do
estreito de Taiwan à Indonésia. Ainda, a

questão abrange uma série de disputas
bilaterais e multilaterais em diferentes
pontos, como no caso da fronteira marítima
ao longo da costa leste vietnamita, que é
contestada por China, Taiwan e o próprio
Vietnã; também é o caso dos limites
territoriais do estreito de Luzon, área
reclamada pelas Filipinas e Taiwan, sendo as
ilhas mais ao sul pleiteadas por China,
Malásia, Taiwan, Vietnã e pelas Filipinas
(Amer, 2002). Em contraste, a disputa no Mar
da China Oriental envolve um menor
número de países e compreende uma área
2
de 68.000 Km (Richardson, 2013), sendo
principalmente reclamada pelo Japão de um
lado e por China e Taiwan de outro.

No entanto, apesar de abarcar uma área


consideravelmente menor, é justamente na
disputa no Mar da China Oriental que
existem riscos de um confronto entre as
duas maiores potências globais, China e
Estados Unidos. Embora não seja um
contendor direto na disputa, o Tratado de
Cooperação Mútua e Segurança de 1960
obriga os Estados Unidos a defenderem o
Japão caso o país seja atacado por uma
terceira parte, com evidentes implicações
para a disputa no Mar da China Oriental.
Ainda que Washington tenha mantido uma
posição mais cautelosa com relação a essa
disputa, o fato de as ilhas Senkaku terem
sido devolvidas ao Japão como parte da
província de Okinawa, em 1972, significou
um reconhecimento tácito da soberania
japonesa. Para colocar um fim a qualquer
ambiguidade e incertezas quanto à
aplicabilidade do tratado às ilhas Senkaku, o
Congresso norte-americano aprovou uma lei
que reconhece explicitamente a soberania
japonesa no arquipélago, e em 2014 o
presidente Barack Obama reafirmou o
compromisso do país em defender seu

aliado japonês caso haja uma agressão por
parte da China (McCurry, 2014). Apesar
disso, é pouco provável que os Estados
Unidos tomem alguma atitude agressiva com
relação à China, sendo que sua mera
presença militar na região e compromissos
legais com o Japão devem dissuadir Pequim
de tomar medidas que possam acarretar
hostilidades em grande escala, pelo menos
no curto e médio prazo (Drifte, 2003).

No Mar da China Meridional, por sua vez, a


possibilidade de um conflito entre grandes
potências é menos provável, inclusive
porque nem Japão nem Estados Unidos
estão envolvidos no litígio. Ao contrário, essa
é uma disputa menos equilibrada onde uma
grande potência compete com países
pequenos e algumas médias potências que
não estão em pé de igualdade com Pequim.
Assim, os riscos de um conflito entre
algumas das principais potências do mundo
são menores nesse mar, onde os chineses
gozam de formidável vantagem vis-à-vis seus
rivais (Koo, 2009). Mesmo assim, os riscos
em torno dessa disputa não podem e não
devem ser subestimadas. Ainda que os
chineses tenham grande vantagem
econômica e militar em relação aos demais
atores envolvidos na disputa, as riquezas
naturais das águas do Mar da China
Meridional elevam os possíveis danos que
uma guerra na área poderia causar aos
países da região, inclusive à China. No que
diz respeito a recursos naturais, a disputa
nessas águas é acentuadamente mais
importante do que a outra contenda.

Mas, se por um lado a disputa no Mar da


China Meridional tem um caráter
notoriamente econômico, a disputa no Mar
da China Oriental possui motivações
relativamente mais complexas, onde fatores
econômicos se confundem com fatores

políticos e históricos. Na realidade, é possível
argumentar que elementos políticos têm
mesmo um peso maior, sobretudo na
perspectiva chinesa. Isso não quer dizer que
a área não possua riquezas, como já dito
acima, principalmente petróleo e gás natural;
mas não é raro que outros elementos se
sobreponham aos puramente econômicos.
O nacionalismo – tanto o chinês como o
japonês –, por exemplo, tem tido papel
fundamental nos confrontos diplomáticos
entre China e Japão nesse mar, chegando a
influenciar ambos os governos a tomarem
medidas mais duras com certa frequência
(Koo, 2009).

Ainda, a questão das ilhas Senkaku insiste


em surgir como obstáculo a uma solução
pacífica: o arquipélago foi cedido ao Japão
pela China em 1895, após a derrota desta na
Primeira Guerra Sino-Japonesa, por meio do
Tratado de Shimonoseki; quando os dois
países restabeleceram relações diplomáticas
nos anos 1970, o governo chinês deixou de
lado esse problema por temer que ele
pudesse atrapalhar as negociações com o
Japão, deixando para resolvê-lo no futuro
(Drifte, 2003). Nos últimos anos, Pequim
passou a recorrer às invasões históricas
perpetuadas pelo Japão para angariar apoio
e simpatia às suas pretensões nas ilhas
Senkaku, bem como para desviar a atenção
da população chinesa dos problemas
domésticos. Além disso, não se pode ignorar
o fato de que, para a China, as questões
ligadas ao imperialismo japonês do passado
tendem a ter precedência sobre os aspectos
econômicos da disputa (Shirk, 2007).

A estratégia de usar a memória do


colonialismo japonês na Ásia tem se
mostrado eficaz na medida em que tem
servido para agitar o nacionalismo chinês e,
ao mesmo tempo, aumentar o apoio da

população às reivindicações do governo
chinês no Mar da China Oriental. Todavia, o
mesmo não pode ser feito na disputa do Mar
da China Meridional, uma vez que não há
potências imperialistas envolvidas. Assim
sendo, a retórica anti-imperialista à qual
Pequim recorre no outro litígio não pode ser
empregada nessa disputa, nem para
aumentar sentimentos nacionalistas nem
para conquistar apoio doméstico
(Richardson, 2013). Essa realidade explica
parcialmente o porquê de a disputa no Mar
da China Oriental ser mais politizada e
significar maiores riscos do que a existente
nas águas ao sul da China, apesar de esta
compreender uma área muito maior e ter
um número maior de litigantes.

Desse modo, pode-se concluir que apesar de


possuir alguns aspectos em comum, as
disputas nos dois mares têm características
e motivações sensivelmente diferentes, e a
possibilidade de um conflito militar na região
é relativamente remota no curto e médio
prazos.

Referências Bibliográficas

◾ AMER, R. (2002) ‘Claims and conflict


situations’, in War or peace in the South
China Sea?, Kivimaki, T.  Copenhague:
NIAS Press.
◾ DRIFTE, R. (2003) Japan’s security
relations with China since 1989: from
balancing to bandwagoning, Londres:
Routledge.
◾ EMMERS, R. (2009) ‘The de-escalation
of the Spratly dispute’, in Security and
international politics in the South China
Sea: towards a cooperative management
regime, Bateman, S. Emmers, R.
Abingdon: Routledge.
◾ HORTON, S. W. (1998) ‘US Pacific
Command cooperative engagement

strategy and freedom of navigation in
the East China Sea’, in Security
flashpoints: oil, islands, sea access and
military confrontation, Nordquist, M. H.
Moore, J. N. The Hague, Kluwer Law
International.
◾ KOO, M. G. (2009) Island disputes and
maritime regime building in East Asia:
between a rock and a hard place,
Heidelberg, Londres, Nova Iorque:
Springer.
◾ LO, C. (1998) China’s policy towards
territorial disputes: the case of the South
China Sea islands, Abingdon, Routledge.
◾ MCCURRY, J. ‘Obama says US will
defend Japan in island dispute with
China’, The Guardian, 24 de abril de
2014. Disponível em:
[http://www.theguardian.com/world/2
014/apr/24/obama-in-japan-backs-
status-quo-in-island-dispute-with-
china]. Acesso em 15/12/2014.
◾ PAN, J, (2009) Toward a new framework
for peaceful settlement of China’s
territorial and boundary disputes,
Leiden: Martinus Nijhoff Publishers.
◾ RICHARDSON, M. ‘China using
Senkakus dispute to test Japan, US’,
The Japan Times, 14 de março de 2013.
Disponível em:
[http://www.japantimes.co.jp/opinion/
2013/03/14/commentary/china-using-
senkakus-dispute-to-test-japan-
u-s/#.UUh5-hw06vs]. Acesso em
15/12/2014.
◾ SHIRK, S. L. (2007) China: the fragile
superpower, Oxford: Oxford University
Press.

William Fujii é mestrando em História


pela Universidade de Brasília – UnB
(william.fujii@yahoo.com.br)

  

Relacionado

Uma nova Um Dilema O Lugar da


carta no Regional: os China no
grande jogo Contencioso “Realismo
pelo controle s no Mar do Ofensivo” de
do Mar do Sul e Leste John
Sul da China: da China, por Mearsheimer
a decisão Maurício e na Teoria
arbitral do Kenyatta do “Universo
caso Filipinas em
v. China, por Expansão”
Cristine de José Luís
Zanella Fiori, por
Maria Rita V.
Cintra

 CHINA MARES

SEGURANÇA REGIONAL

ARTIGO PRÓXIMO ARTIGO


ANTERIOR

ARTIGOS RELACIONADOS

China – a What Tools A


alma da Do We economia
nova Have To chinesa no
geopolítica Understan pós – crise
de sua rota d a New de 2008:
e cinto, por World desacelera 
Paulo Order in ção
Antonio Progress, econômica
Pereira by Anthony e
Pinto Spanakos desequilíbr
and Joseph ios
C. Marques econômico
s, por
Rafael
Manzi

SEJA O PRIMEIRO A COMENTAR

Você precisa fazer log in para comentar.

Biblioteca MUNDORAMA POR CITANDO E SOBRE


E-MAIL REDISTRIBUINDO O MUNDORAMA
Como publicar NOSSO CONTEÚDO

Edição atual Digite seu endereço de Mundorama é uma


email para assinar este publicação on-line do
Edições Anteriores
blog e receber Centro de Estudos
This work is licensed
Contato notificações de novas sobre as Relações
under a Creative
publicações por email. Internacionais do Brasil
Commons Attribution
Junte-se a 9.543 outros Contemporâneo, um
4.0 International
assinantes laboratório do Instituto
License.
Endereço de email de Relações
Assinar Internacionais da
Universidade de
Brasília.

SOBRE MUNDORAMA COMO PUBLICAR BIBLIOTECA EVENTOS

PAÍSES & REGIÕES ECONOMIA & POLÍTICA CONTATO

Copyright © 2019 | MH Magazine WordPress Theme by MH Themes

Você também pode gostar