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Qualquer um que acredite que, com o advento da globalização, as disputas pelas fronteiras territoriais já perderam significado, deveria prestar

atenção ao Mar do Sul da China.


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Ruben Bauer Naveira

O Mar do Sul da China será o campo de batalha do futuro


Se os cálculos chineses estiverem corretos, o Mar do Sul da China contém mais petróleo do que
qualquer outra área no planeta, à exceção da Arábia Saudita. Alguns observadores chineses
chamam o Mar do Sul da China de ‘o segundo Golfo Pérsico’
29/03/2016
Trecho do livro Asia’s Cauldron de Robert D. Kaplan, transcrito no Business Insider

Tradução por Ruben Bauer Naveira

O Mar do Sul da China funciona como uma garganta entre os oceanos Pacífico Ocidental e Índico — o aglomerado de tecido econômico
conectivo onde as rotas marítimas globais se entrecruzam.

Fica lá o coração das costas navegáveis da Eurásia, recortado pelos estreitos de Malaca, Sunda, Lombok e Makassar.

Mais da metade da tonelagem das marinhas mercantes do mundo, e um terço de todo o comércio marítimo mundial, circulam através
desses estreitos.

O petróleo transportado pelo Estreito de Malaca, proveniente do oceano Índico rumo ao leste asiático através do Mar do Sul da China, é
o triplo da quantidade que passa pelo Canal de Suez e quinze vezes a quantidade que transita pelo Canal do Panamá.

Aproximadamente dois terços dos suprimentos de energia da Coreia do Sul, cerca de sessenta por cento dos suprimentos de energia do
Japão e de Taiwan e oitenta por cento das importações chinesas de petróleo vêm através do Mar do Sul da China. Enquanto no Golfo
Pérsico somente se transporta energia, no Mar do Sul da China tem-se energia, bens acabados e bens semiacabados.

Além dessa centralidade geográfica, o Mar do Sul da China possui reservas provadas de sete bilhões de barris de petróleo, e uma
estimativa de novecentos trilhões de metros cúbicos de gás natural.

Se os cálculos chineses estiverem corretos quanto a que o Mar do Sul da China renderá no final das contas cento e trinta bilhões de
barris de petróleo (e existem sérias dúvidas quanto a essas estimativas), então o Mar do Sul da China contém mais petróleo do que
qualquer outra área no planeta, à exceção da Arábia Saudita. Alguns observadores chineses chamam o Mar do Sul da China de “o
segundo Golfo Pérsico”.

Caso exista mesmo tanto petróleo assim no Mar do Sul da China, então a China ficará parcialmente aliviada de seu “dilema Malaca” – a
sua dependência do apertado e vulnerável Estreito de Malaca para o tanto de suas necessidades de energia que provém do Oriente
Médio.

E a China National Offshore Oil Corporation já investiu vinte bilhões de dólares na crença de que tamanhos volumes de petróleo
realmente existam no Mar do Sul da China. A China está desesperada por mais energia. As reservas de petróleo da China respondem por
1,1 por cento da produção mundial, enquanto que ela consome mais de dez por cento de todo o petróleo e mais de vinte por cento de
toda a energia no planeta.

Mas não são apenas a localização geográfica e as reservas energéticas que prometem conferir uma importância geoestratégica crítica ao
Mar do Sul da China. São as disputas territoriais que rondam essas águas, lar para mais de duzentas ilhas pequenas, ilhotas, rochedos e
recifes de corais, dos quais somente três dúzias encontram-se permanentemente acima do nível do mar.

Ainda assim, essas partículas de terra sujeitas a tufões são valiosas principalmente porque o petróleo e o gás natural podem estar
repousando em meio às redobras dos intrincados níveis de rocha debaixo do mar.

Brunei reclama um recife ao sul das ilhas Spratley. A Malásia reclama três ilhas nas Spratley. As Filipinas reclamam oito ilhas nas Spratley
e porções significativas do Mar do Sul da China. Vietnam, Taiwan e a China, cada um, reclamam a maior parte do Mar do Sul da China
bem como a totalidade das ilhas Spratley e Paracel.

Em meados de 2010 deu-se uma convulsão quando a China anunciou haver declarado o Mar do Sul da China um “interesse central”. Nem
por isso os oficiais chineses se desdisseram. E os mapas chineses têm estado conformes.

Pequim reclama a posse daquilo que chama sua “linha histórica”: quer dizer, o coração inteiro do Mar do Sul numa grande volta – a
“língua da vaca”, como essa volta é conhecida – ao redor desses arquipélagos, desde a ilha chinesa de Hainan, mil e duzentas milhas ao
sul até perto de Singapura e da Malásia.

Daí resultou que todos esses países costeiros encontram-se mais ou menos articulados contra a China, e dependentes dos Estados
Unidos como uma retaguarda tanto diplomática como militar.

Por exemplo, o Vietnã e a Malásia estão procurando partilhar todos os recursos do subsolo e do leito marinho da parcela sul do Mar do
Sul da China entre o Sudeste Asiático continental e a parte malaia da ilha de Bornéu, iniciativa que suscitou uma furiosa resposta
diplomática por parte da China. Essas demandas conflitantes tendem a se tornar mais críticas à medida que se espera que venha a
dobrar até 2030 o consumo de energia nos países em desenvolvimento asiáticos, com a China respondendo por metade desse
crescimento.

“Paradoxalmente, se a era pós-moderna é dominada pela globalização”, escreve o especialista naval britânico Geiffrey Till, então “tudo
aquilo que forneça base” para a globalização, como as rotas de comércio e as reservas de energia, acaba tomado por competição.

E, quando se trata de rotas de comércio, noventa por cento de todos os bens comerciais que trafegam de um continente a outro o fazem
pelo mar.
Esse aumento dos interesses marítimos em consequência da globalização veio a se dar em um tempo em que um punhado de novos
países do Sudeste Asiático de independência relativamente recente, e que apenas recentemente reuniram capacidades para poder exibir
sua força no mar, estão fazendo demandas territoriais uns aos outros, que nos tempos do império britânico jamais teriam sido possíveis,
por causa da supremacia global inglesa com sua ênfase no livre comércio e na livre navegação.

Essas exibições de força adquirem a feição de aproximações “de rotina” no mar entre navios de guerra das diferentes nações,
constituindo um risco embrionário de conflito armado.

Um alto oficial de um país costeiro do Mar do Sul da China foi particularmente cru numa conversa em off que tivemos em 2011, ao dizer:
“os chineses jamais dão justificativas para suas demandas. Eles têm verdadeiramente uma mentalidade de serem o Império do Meio,  e
são irredutivelmente contrários a levar essas disputas a julgamento. A China”, prosseguiu ele, “nos nega o nosso direito sobre a nossa
própria  plataforma continental. Mas nós não seremos tratados como o Tibete ou como a província de Xinjiang”.

Esse oficial contou que a China é tão dura com um país como as Filipinas quanto o é com o Vietnã, porque, enquanto este último é
histórica e geograficamente um intenso competidor da China, aquele é apenas um país fraco que pode ser intimidado. “Simplesmente
existem reclamantes demais para as águas do Mar do Sul da China”.

“A complexidade das questões rema contra uma solução abrangente, e assim a China simplesmente vai ganhando tempo até que se
torne mais forte. Economicamente, todos esses países acabarão dominados pela China”, continuou o oficial. A menos, é claro, que a
própria economia chinesa desande.

Uma vez que a base subterrânea de submarinos chinesa na ilha de Hainan fique pronta, “a China se tornará mais capaz de fazer o que
queira”. Enquanto isso, mais e mais navios de guerra americanos vêm visitando a área, “de tal modo que as disputas estão se
internacionalizando”. Uma vez que não existe nenhuma solução prática seja política ou judicial, “nós vamos levando esse estado de
coisas”.

“Se isso não funcionar, qual é o plano B para lidar com a China?”, eu perguntei.

“O plano B é o Comando do Pacífico da Marinha de Guerra dos Estados Unidos. Mas, de público, nós nos manteremos neutros em
qualquer disputa entre americanos e chineses”. Para ter certeza de que eu o havia entendido bem, o oficial reforçou: “é necessária uma
presença militar americana para contrabalançar a China, mas não somos nós que vamos verbalizar isso”. A saída de um único porta-
aviões americano do Pacífico Ocidental pode virar o jogo.

Nesse meio tempo, o Mar do Sul da China acabou se tornando um acampamento militar, mesmo que a corrida por novos recifes já esteja
em sua maior parte encerrada. A China confiscou doze acidentes geográficos, os vietnamitas vinte e um, os malaios cinco e as Filipinas
nove. Em outras palavras, fatos consumados já foram estabelecidos.

Talvez ainda possa haver alguns arranjos de partilha para os campos de petróleo e de gás natural. Mas não há clareza quanto ao acordo
possível entre países com contencioso de demandas juntamente com relações diplomáticas especialmente tensas, como Vietnam e
China.

Considerem-se as Spratleys, com reservas significativas de petróleo e gás natural, que estão sendo reclamadas na sua totalidade por
China, Taiwan e Vietnam, e parcialmente pela Malásia, Filipinas e Brunei. A China construiu heliportos de concreto e estruturas militares
em sete recifes e bancos de areia.
No recife Mischief, que a China ocupou debaixo do nariz da marinha filipina nos anos 1990, a China construiu um prédio de três andares
e cinco estruturas octogonais de concreto, todas para uso militar.

No recife Johnson, a China ergueu uma estrutura armada de metralhadoras de grosso calibre. Taiwan ocupou a ilha de Itu Aba, onde
construiu dúzias de prédios de uso militar, protegidos por centenas de soldados e vinte canhões costeiros.

O Vietnã ocupa vinte e uma ilhas nas quais construiu pistas de pouso, píeres, quartéis, tanques de combustível e posições fortificadas. A
Malásia e as Filipinas, como mencionado, possuem respectivamente cinco e nove localidades, ocupadas por destacamentos navais.

Qualquer um que acredite que, com o advento da globalização, as disputas pelas fronteiras territoriais já perderam significado, deveria
prestar atenção ao Mar do Sul da China.

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