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Jornal Pare o Trem, 18/04/2010

GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO SUL:


PETRÓLEO NAS MALVINAS AMPLIA DISPUTA ENTRE INGLATERRA E ARGENTINA

Lucas Kerr de Oliveira

Publicado no jornal online "Pare o Trem".

A atual crise nas Malvinas é apenas mais um capítulo de uma longa disputa entre
Argentina e Inglaterra pela posse destas ilhas de localização estratégica e com recursos
petrolíferos ainda por serem mapeados.
A disputa remonta ao século XIX,
quando a Inglaterra invadiu e anexou as ilhas.
A Inglaterra, que já era a maior potência naval
do mundo, considerava as ilhas importantes
como base para a Royal Navy, pois sua
localização permitia vigiar facilmente a única
passagem existente entre o Atlântico Sul e o
Pacífico – a “Passagem de Drake”, entre a
América do Sul e a Antártida.
A utilidade da ilha foi comprovada
As Malvinas e a “Passagem de Drake” entre o Atlântico
Sul e o Pacífico Sul durante a I Guerra Mundial, quando sua posse
deu grande vantagem à Royal Navy da
Inglaterra, na luta contra Kaiserliche Marine, a marinha imperial da Alemanha, durante o
episódio que ficou conhecido como “Batalha das Falklands“, em dezembro de 1914.

Posteriormente a posse das Malvinas e outras ilhas do Atlântico Sul seriam usadas como
justificativa para tentar legitimar reivindicações
territoriais do Reino Unido sobre territórios na
Antártida. Embora reivindicações desta natureza
tenham sido suspensas (ao menos por enquanto)
pelo Tratado da Antártida de 1959, continuavam
interessantes para o futuro. Isto porque, para a
Inglaterra, manter a posse das ilhas significava
(e talvez ainda tenha este significado), a
perspectiva futura de voltar a reivindicar
territórios na Antártida quando a vigência do
tratado se encerrar, e possivelmente, este
Antártida Britânica: reivindicação territorial da
Inglaterra na Antártida
continente puder vir a ser ocupado para fins
econômicos.

Não bastassem estes aspectos


estratégicos, somaram-se fortes interesses
econômicos imediatos pela posse de uma
grande área marítima de 200 milhas no
entorno das ilhas, o chamado mar
patrimonial ou Zona Econômica Exclusiva
(ZEE). Nesta área a Inglaterra tem
exclusividade para a exploração de recursos
Malvinas: Zona Econômica Exclusiva (ZEE) da Inglaterra naturais como a pesca, o turismo ou a
extração de petróleo e gás natural.
A perspectiva da exploração petrolífera se ampliou nos anos 1970, quando foram
encontrados os primeiros indícios de petróleo na região. Entretanto, ainda eram reservas
petrolíferas de difícil acesso, e o preço do barril do petróleo no início dos anos 1970 não
passava dos US$ 2,00 ou 3,00. Foram necessárias duas crises do petróleo nos anos 1970 para
mudar radicalmente este quadro.

A conjuntura da Guerra das Malvinas em 1982


A Guerra das Malvinas, em 1982, ocorreu após quase uma década de crise petrolífera
mundial, quando o mundo sofrera as consequências da crise petrolífera de 1973 e voltara a
sentir os duros efeitos do aumento repentino do preço do
petróleo, na crise de 1979-1980. Esta crise foi resultante da
Revolução no Irã (1979) e da subsequente eclosão da
Guerra Irã-Iraque (1980). Os preços do barril tiveram um
pico de mais de US$ 40,00 em 1981-1982, e no ano
seguinte estavam na faixa dos US$ 30,00/barril.
Isto contribuiu para que a
Inglaterra decidisse travar uma
guerra de grandes proporções
com a Argentina, deslocando
cruzadores, porta-aviões,
bombardeiros estratégicos,
submarinos nucleares e
milhares de soldados para o Atlântico Sul. Margareth Tatcher
teria, inclusive, ordenado o deslocamento de armas nucleares
táticas para o cenário da conflagração. Como as armas nucleares
inglesas eram, na prática, americanas, ficou subentendida a
Tropas inglesas nas Malvinas aprovação dos EUA, que na pior das hipóteses fizeram “vista
grossa”. Quando questionada na Europa a razão de tal atitude, a
Inglaterra teria argumentado que deslocava estas armas para o Atlântico Sul
porque não sabia se a Argentina também não tinha armas nucleares, já que
tinha um programa nuclear secreto.
Após a curta retomada das Malvinas pela Argentina, a União Européia
– na época Mercado Comum Europeu -, iniciou um embargo comercial à
Argentina, que incluiu tanto o bloqueio da importação de produtos
argentinos como carne e trigo, como restrições para a exportação de determinados produtos,
como armas, à Argentina. Em meio a uma batalha aeronaval, a Argentina se viu impedida de
adquirir novos mísseis anti-navio, que o país não fabricava e dependia de países fornecedores
que eram membros da OTAN.

Consequências da Guerra das Malvinas e a conjuntura dos anos 1980 e 1990


As consequências imediatas da guerra todos conhecemos e são sempre lembradas pela
mídia: acelerou o declínio da ditadura militar na Argentina, que colapsou em seguida.
O Tratado Interamericano de Assistência Recíproca
(TIAR) passou a ser considerado “letra morta” por muitos
países latino-americanos, pois os Estados Unidos deixara claro
que um membro da OTAN era muito mais importante do que
um membro do TIAR. Até mesmo o México, país membro do
NAFTA, acabaria por denunciar o tratado anos depois.
Outras consequências foram ainda mais profundas, para o
bem e para o mal, algumas das quais perduraram por muito
tempo.
O receio de que os países da região se tornassem alvo das
potências nucleares também mobilizou esforços da parte da
Soldados argentinos nas Malvinas em diplomacia brasileira em favor da criação da Zona de Paz e
1982
Cooperação do Atlântico Sul, visando declarar o Atlântico Sul
uma zona desnuclearizada. Embora ainda não tenha resultado
em avanços maiores, o tratado da ZPCAS ou ZoPaCAS, pode ser considerado a semente para
uma futura organização regional que ajude a preservar um futuro de paz para a região.
O principal resultado positivo da guerra foi, sem dúvida, a aproximação entre Brasil e
Argentina. O Brasil, desde o início, se declarou favorável às reivindicações argentinas.
Durante a guerra, o Brasil teria fornecido aviões-patrulha para ajudar a patrulhar as águas
territoriais argentinas, o que na prática permitiu liberar mais aeronaves argentinas para
atuarem no cenário do conflito. O Brasil também dificultou a passagem de equipamento
militar inglês rumo às Malvinas. Como o Chile, tradicional rival da Argentina, forneceu apoio
indireto e informações aos ingleses, o Brasil passou a ser visto como aliado da Argentina na
região.
Com o embargo europeu aos produtos argentinos, o Brasil passou a comprar grandes
quantidades de carne, trigo e outros produtos produzidos por aquele país. O processo de
aproximação resultou em
novos tratados, inclusive em
um acordo nuclear bilateral,
para fins pacíficos; passo
fundamental para acabar com
as desconfianças mútuas no
plano político-militar. Este
tratado ocorreu no contexto
em que foram assinados uma
série de tratados bilaterais no
período dos Presidentes
Sarney e Alfonsín, que
resultaram na criação
do Mercosul.
Rumo ao Mercosul: Raúl Alfonsin, da Argentina, José Sarney, do Brasil, e Julio
Maria Sanguinetti, do Uruguai (à direita)

Entretanto, na sequência, o acordo de cooperação nuclear para fins pacíficos entre Brasil
e Argentina foi relegado ao segundo plano. Nunca foi criada uma empresa binacional de
energia atômica e os investimentos necessários para tal empreendimento nunca foram
viabilizados. Sem cooperação de verdade, os dois países continuaram relativamente
dependentes de tecnologias estrangeiras, de alto custo, mas estratégicas para a manutenção de
suas usinas nucleares ou para a construção de novas usinas.
Na prática os programas nucleares da
Argentina e do Brasil foram paralisados nos
anos 1990 devido ao corte de verbas para a
área militar ou para áreas civis estratégicas,
durante os governos neoliberais. Isto
significou o fechamento ou atraso no
desenvolvimento de uma série de tecnologias
estratégicas de uso dual, como as áreas
nuclear e aeroespacial, ou no setor de
informática e computação, setores que
representam grande peso na balança
comercial destes países até hoje.
Como parte deste processo, nos anos 1980 a 1990, a indústria de defesa dos dois países
foi desmontada, o que colaborou para encerrar todo um ciclo de desenvolvimento tecnológico
autônomo que os dois países vinham tentando desenvolver ao longo do século XX.
No auge do ufanismo neoliberal dos anos 1990, muitos defenderam que o Brasil não
precisaria mais ter Forças Armadas, pois o mundo pós-Guerra Fria seria pacífico e o país não
teria inimigos. Bastava ser um país pacífico, não fazer mal a ninguém e ninguém faria mal ao
Brasil. No máximo, diziam, o país deveria manter uma parte do exército, mas apenas para
usar como força de polícia especial, de forma esporádica ou ocasional, como, por exemplo,
para ocupar favelas no Rio de Janeiro. O resultado foi que muitos aceitaram este discurso
liberal e o país “desmontou” grande parte da sua capacidade defensiva, acreditando em um
período de “paz e prosperidade” sob a hegemonia dos EUA. Além disso, foi desmontada uma
capacidade industrial já instalada em setores de alta tecnologia, que envolviam tecnologias de
uso dual, muitas das quais o país levara anos para desenvolver em escala laboratorial, mas
que nunca foram transformadas em produtos ou serviços que, finalmente, pudessem ajudar o
povo brasileiro.

Conflitos em zonas petrolíferas e as mudanças na geopolítica do petróleo


Entretanto, o mundo mudou rapidamente e o Brasil, mais uma vez, saiu perdendo. O
mundo não entrou em uma era de paz kantiana. O Sistema
Internacional tem se mostrado progressivamente instável, na medida
em que as grandes potências continuam dispostas a defender seus
interesses, se necessário, por meio da força contra os mais fracos.
A instabilidade política tornou-se crescente no mundo,
especialmente em regiões disputadas entre as grandes potências. Guerra do Golfo – 1991: Poços
petrolíferos queimam em meio
Essa instabilidade progressiva ficou mais clara em zonas ao cenário de guerra
petrolíferas, onde proliferaram uma infinidade de conflitos armados,
guerras civis, separatismo, terrorismo e todo tipo de insurgência armada, inclusive com a
consolidação de “senhores da guerra” em países onde o Estado foi destroçado. Além disso,
voltaram à cena internacional as guerras de ocupação proto-colonial,
como no Iraque. Tornaram-se ainda mais claras as novas disputas
internacionais pelo controle de reservas de recursos petrolíferos ou
gasíferos, ao ponto de se estabelecer uma clara disputa estratégica
pelo controle das rotas de passagem ou escoamento destes recursos
Oleoduto na Nigéria atacado através de oleodutos ou gasodutos.
por insurgentes separatistas
Ao invés de tornarem-se exceção, as guerras e a instabilidade
parecem ser a regra em regiões ricas em recursos naturais estratégicas mas sem Estados
capazes de defender sua soberania política ou a cidadania de sua população.
É preciso planejamento para evitar que o Brasil seja afetado pelo conjunto de problemas
que se convencionou chamar de “maldição do petróleo“, incluindo desde os problemas do
câmbio sobrevalorizado, o chamado “Mal Holandês”, até os inúmeros tipos de conflitos
armados em zonas petrolíferas. Para isso, é muito importante que as decisões políticas
envolvendo a exploração petrolífera sejam transparentes, envolvam debates com toda a
sociedade. Afinal, as decisões que o Brasil tomar hoje sobre os rumos da exploração
petrolífera, poderão impactar o país positivamente ou negativamente, por décadas. Por isso, o
mais importante é que esses debates não sejam direcionados pelos interesses das grandes
corporações petrolíferas multinacionais, que, todos sabem, estão preocupadas única e
exclusivamente com o seu próprio lucro.
O Brasil em tempos de pré-sal, a Geopolítica do Atlântico Sul e as perspectivas
para um futuro de escassez petrolífera
A descoberta de gigantescas reservas de petróleo na camada pré-sal do litoral
brasileiro, simplesmente pode atrair a cobiça internacional sobre as riquezas brasileiras em
uma escala como nunca se viu antes. Há projeções que falam em mais de 100 bilhões de
barris de petróleo no pré-sal, o que significa algo
como um Kuwait ou um Iraque no nosso litoral.
Por si só, isto já seria suficiente para modificar a
geopolítica do Atlântico Sul.
Não é difícil imaginar o que poderá
acontecer se novas descobertas deste tipo, forem
feitas em formações geológicas semelhantes ao
nosso pré-sal (bacias petrolíferas abaixo de
camadas de rochas salinas), em outros locais do
Atlântico Sul, tanto no litoral da América do Sul, O Pré-Sal : Imagem da Petrobrás
como da África.
Isto é mais um elemento que nos ajuda a entender
porque o Brasil simplesmente não pode esperar que o mundo
torne-se mais pacífico em um futuro próximo. Menos ainda
acreditando que isto, como por mágica, tornaria a América do
Sul e o Atlântico Sul regiões mais pacíficas.
Ao contrário, com o esgotamento das reservas
petrolíferas mais antigas e de mais fácil acesso – o fim do
petróleo barato -, e o aumento da demanda energética dos países emergentes, a perspectiva da
escassez petrolífera relativa, mas em escala global, torna-se sombria para um futuro não tão
distante, como 2015, 2020 ou 2030.
Afinal, quem pode garantir que, em um cenário destes, por volta de 2025, uma potência
emergente qualquer, alegando razões de Segurança Energética e de Segurança Nacional, não
acabe decidindo, de uma hora para outra, que “precisa” das enormes reservas de petróleo do
pré-sal brasileiro a qualquer custo? Basta projetar uma situação meramente hipotética, para
imaginarmos o que significaria para o Brasil uma ameaça vinda de uma potência emergente,
mas com grande capacidade bélica.
Imaginemos, por exemplo, que, um
país como a Índia, que hoje já tem armas
nucleares, e que, neste caso
hipotético, poderá ter em 2025 ou 2030 uma
grande marinha de guerra, com vários porta-
aviões e submarinos lançadores de mísseis
nucleares. Apenas para ilustrar este exemplo
fictício, segundo algumas projeções, em
Blocos de exploração petrolífera nas Malvinas 2025 a Índia terá cerca de 1,5 bilhão de
habitantes, possivelmente o 5º ou 6º PIB
mundial. Este país vai depender ainda mais do que já depende
na atualidade, de petróleo e gás mineral importado.
Possivelmente estará importando algo em torno de 90% do
petróleo que irá consumir. Sob certas circunstâncias de
escassez petrolífera global, um chefe de Estado indiano, por
exemplo, de um partido radical religioso ou fundamentalista
hindu, ficaria muito tentado a dizer que recebeu instruções de
qualquer um dos mais de 5 mil deuses do país, para exigir o
petróleo brasileiro para o seu país , pois afinal de contas, está
no mar, não em território brasileiro.
Com certeza, em 2025, o Brasil será rico em petróleo,
HMS Invincible: Porta-Aviões inglês
mas não temos como saber se o país terá capacidade de defesa utilizado durante a Guerra das Malvinas
contra uma ameaça de tal natureza.
O grande problema é que não é possível prever o que acontecerá em 2020, 2025, ou
2030, quando qualquer uma das grandes potências mundiais de então, poderá ter capacidade
militar para ameaçar o Brasil e pode querer se aventurar na tentativa de tomar nossas
riquezas, como as grandes reservas de água, a Amazônia ou o petróleo do pré-sal.
O problema é que se o Brasil não
possuir uma capacidade defensiva
minimamente compatível com a necessidade
de garantir sua soberania e o bem estar do seu
povo, poderá se tornar presa fácil das
pressões e chantagens das grandes potências.
Isto porque não é necessário nem ao menos
uma invasão do território continental para
causar grandes danos ao país, o simples
ataque à infra-estrutura petrolífera em alto-
Plataformas petrolíferas do Irã no Golfo Pérsico, atacadas mar já seria catastrófico, e há exemplos
pelos Estados Unidos em 18 de abril de 1988
históricos deste tipo de acontecimento que
não pode ser ignorados.
Embora esse seja um cenário pouco provável, e, muitas vezes possa parecer apenas mais
um devaneio, sabemos que a Inglaterra foi à guerra para preservar o controle de uma reserva
petrolífera em alto mar, no caso as Malvinas, distante de seu território e cujo volume das
reservas de petróleo não se sabe ao certo até os dias de hoje. O que isto poderá significar para
os países sulamericanos e africanos que têm reservas sabidamente gigantes de petróleo em
alto mar?

O Brasil do Pré-Sal e o futuro da integração sul-americana


Contudo, com o aprofundamento da integração regional, tanto no âmbito da Mercosul
como da UNASUL, é possível esperar que a cooperação regional crie novas dificuldades para
as ambições imperialistas das grandes potências.
Também é possível esperar que a cooperação Brasil-Argentina em áreas estratégicas
seja retomada em larga escala. A retomada da cooperação
nuclear para fins pacíficos e, quem sabe, a criação de um
programa espacial conjunto, seriam iniciativas
fundamentais para alavancar o desenvolvimento
tecnológico desses países que hoje formam o “núcleo
duro” da integração sul-americana.
É preciso avançar na cooperação tecnológica, pois
grande parte das tecnologias de ponta é de uso múltiplo, e
além de fortalecer o país no campo estratégico, aumenta a
geração de emprego e renda. Iniciativas como a
construção de um submarino brasileiro-argentino
poderiam permitir a fabricação de equipamentos deste
tipo em escala. A escala de produção de qualquer produto
continua sendo necessária para baratear o processo
produtivo, e neste caso, o produto é vital para a defesa do
litoral de ambos os países contra ameaças extra-regionais.
O mesmo seria válido para a
cooperação na fabricação de aeronaves,
tripuladas ou não, ou de mísseis anti-navio,
que seriam de valor absolutamente
estratégico para os dois países n o caso de
um confronto com uma potência naval
superior. Além disso, o processo de
desenvolvimento conjunto de produtos de
ponta ajudaria a integrar as indústrias de alta
tecnologia dos dois países, fortalecendo
Submarino brasileiro no Rio de Janeiro ainda mais o processo de integração sul-
americana.
Uma opção interessante seria a criação de programas de cooperação na indústria de bens
de produção, por exemplo, na fabricação de turbinas, motores e geradores mais limpos e
eficientes, por exemplo, movidos a biocombustíveis. Motores a Células-combustíveis e
turbinas movidas a combustíveis mais limpos, de fabricação regional teriam um duplo
impacto na economia e na sociedade: além dos
benefícios ambientais, trazem claros resultados sociais,
na medida em que geram tecnologia, emprego e renda.
O mesmo é válido para áreas estratégicas como a
fabricação dos materiais semicondutores utilizados na
produção de painéis com células fotovoltáicas, ou de
materiais supercondutores que podem viabilizar o
aumento da geração de eletricidade e reduzir Fábrica de semicondutores para painéis
significativamente as perdas na transmissão de fotoelétricos na China
eletricidade.
A cooperação no ramo petrolífero também é fundamental. É preciso criar uma nova
empresa petrolífera sul-americana, que permita a esses países se beneficiarem da economia de
escala da produção para o mercado sulamericano, ao mesmo tempo em que se viabiliza uma
escala de investimentos ainda maior, para grandes investimentos em infra-estrutura, que
nenhum destes países conseguiria sozinho.
Isto pode ampliar também a integração
da indústria naval destes países, um dos
ramos da indústria pesada que mais gera
novos empregos na atualidade. A integração
destas indústrias, assim como as cadeias
produtivas ligadas ao fornecimento de bens e
serviços ao setores petrolífero e
energético, resultaria na geração de mais
empregos na região, com uma vantagem
Indústria Naval brasileira: milhares de empregos criados sobre outros setores, geralmente são
para atender a demanda da Petrobrás empregos mais qualificados e que pagam
melhor os seus funcionários.
Uma nova empresa petrolífera sul-americana poderia garantir que os equipamentos,
dutos, navios e plataformas tivessem peças fabricadas necessariamente nos países da América
do Sul. Também permitiria consolidar a liderança destes países na exploração e extração de
petróleo em águas ultra-profundas, com foco no Atlântico Sul. Esta capacidade industrial-
tecnológica daria grande vantagem competitiva ao conjunto desses países, mas também
facilitaria a manutenção da soberania sobre as áreas petrolíferas localizadas em alto mar. Hoje
a única empresa sul-americana competitiva neste ramo é a Petrobrás, que já está procurando
áreas do tipo pré-sal no litoral africano. Contar com uma mega-empresa sul-americana,
apoiada em várias
empresas dos países
da região, seria uma
forma de fortalecer a
integração regional
em um patamar
qualitativamente bem
superior.
Por enquanto é
difícil saber se a
camada de rochas do
tipo pré-sal,
possivelmente
existentes na Bacia
Sedimentar das
Bacias Sedimentares no Atlântico Sul – fonte: Getech – Geodynamics and Petroleum Malvinas, tem
Geology of the South Atlantic Margins
grande potencial
petrolífero. Mas
mesmo que não tenha muito petróleo nas rochas pré-sal, as reservas já encontradas na camada
pós-sal parecem ser grandes o suficiente, ao
menos para despertar os interesses e a cobiça de
um país como a Inglaterra. Esta potência
decadente, que já esgotou quase todo o seu
próprio petróleo , extraído das outrora grandes
reservas do Mar do Norte, deixou de ser um país
exportador de petróleo para tornar-se novamente
um importador. O curioso é que a Inglaterra
exportou grande parte do seu petróleo nos anos
1990, quando o preço variava em torno de US$
15,00/barril, e tornou-se novamente um país
importador na atual década, em que o petróleo tem
se mantido acima dos US$ 40,00, atualmente na
faixa dos US$ 75,00.
A Argentina sozinha não tem força política Integração energética sul-americana: infra-estrutura
ou econômica para mudar o status de colônia de oleodutos e o papel da Petrobrás

britânica a que estão submetidas as Malvinas.


Embora o Comitê de Descolonização da ONU atualmente classifique o território como
ocupado, ou sem governo próprio, dificilmente a Inglaterra irá descolonizá-lo apenas por
pressão de declarações do governo argentino.
Mas esta seria uma excelente oportunidade para que a UNASUL mostrasse unidade em
torno de um tema que já é consenso em toda a América Latina: que as Malvinas pertencem à
Argentina e não à Inglaterra. Além das declarações já emitidas pelo Cúpula dos chefes de
Estado da América Latina e do Caribe nesta direção, seria fundamental uma declaração
conjunta do Conselho de Segurança da UNASUL. Acompanhado de medidas práticas, como
restrições coletivas às empresas petrolíferas que extraírem petróleo nas Malvinas ocupadas,
este tipo de atuação multilateral pode alterar o peso político da América do Sul nesta questão.
É importante que os países da região criem mecanismos para situações mais extremas,
que exijam respostas mais duras do que declarações, como sanções comerciais. Se a
Argentina impõe unilateralmente sanções comerciais às empresas petrolíferas inglesas que
estão extraindo petróleo das Malvinas, o resultado pode ser
pequeno, ou se voltar contra a os argentinos. Mas se todos os
países membros do Mercosul ou Unasul impõem sanções
comerciais deste tipo, pode ser suficiente para inviabilizar o projeto
inglês de explorar o petróleo desta região sem a participação
argentina.
É pouco provável que a atual crise em torno das Malvinas resulte em uma nova guerra.
Mas isto não significa que o Brasil pode descuidar do seu futuro.
De uma forma ou de outra, o futuro do Brasil estará profundamente ligado ao futuro da
América do Sul, assim como o futuro da Petrobrás está ligado ao desenvolvimento do pré-sal.
O Brasil tem uma oportunidade ímpar em sua história: a disponibilidade de um recurso
estratégico que o país tem plena capacidade tecnológica e econômica para desenvolver, com
tempo e recursos humanos suficientes para planejar utilizá-lo da melhor forma possível.
Pela primeira vez o país pode planejar o uso do pré-sal de
forma estratégica, para que sua exploração resulte em benefícios
para todo o povo brasileiro, mas também para as futuras
gerações, ao mesmo tempo em que pode fortalecer os laços com
os países vizinhos, consolidando de tal forma a integração
sulamericana que esta não possa mais regredir quando vierem
novas crises.
As primeiras linhas desta história o país está escrevendo
hoje, nas discussões que resultarão na Nova Lei do Petróleo, que
integrará um novo marco regulatório para o petróleo no Brasil.
Este é o passo inicial para garantir a soberania sobre os
Campanha recursos petrolíferos do país. Soberania esta, que é premissa
“O Pré-Sal tem que ser Nosso” fundamental para que possamos utilizar estas riquezas em prol
do nosso povo, para a geração de emprego e distribuição de renda, para investir em educação,
saúde, tecnologia e infra-estrutura de energias mais limpas e transportes mais eficientes. Ou
seja, é a oportunidade para criar um novo tipo de desenvolvimento, socialmente e
ambientalmente mais sustentável, que ajude a melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro
e dos povos irmãos da América do Sul.

Lucas Kerr de Oliveira


-
Publicado no jornal online "Pare o Trem", 6ª edição, em 18/04/2010.

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