Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O contato com o filme de Maya Deren levou Barbara Hammer a perceber que estava
diante de imagens dotadas de uma sensibilidade diferente e, a partir dali, ela teve
consciência de que também poderia ter espaço dentro do cinema, como uma mulher que
fazia filmes4. Apesar de propostas estéticas distintas e filmografias consolidadas em
tempos históricos diferentes – Deren com apenas 9 filmes (7 completos e 2 inacabados)
realizados ao longo dos anos 40 e 50 e Hammer com mais de 80 filmes feitos desde o
final dos anos 60 até hoje –, é possível traçar intersecções, pontes ou diálogos entre as
obras das duas cineastas.
1
Jornalista, crítica de cinema e realizadora. Doutoranda em Comunicação e Cultura pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dirigiu os curtas “Multidões” (2013) e “Rua dos Vagalumes”
(2015). Escreve críticas no blog Sobrecinema e no site Verberenas. É fundadora e curadora do
Cineclube Delas, no Rio de Janeiro, com ênfase na exibição de filmes dirigidos por mulheres.
2
“Os filmes, a escrita crítica e as estratégias de exibição e distribuição de Maya Deren têm grande
influência para a minha realização de cinema e minha vida profissional” (HAMMER, 2001, p. 261)
3
Em depoimento para o documentário “No Espelho de Maya Deren” (Im Spiegel der Maya Deren,
2002), de Martina Kudlácek.
4
É importante lembrar como a própria Maya Deren tinha consciência de seu cinema a partir do que ela
chamava de “qualidade do tempo de uma mulher”, que implica a espera (diretamente relacionada ao
tempo que toda mulher tem ao conceber uma criança) em contraposição à urgência do homem (as
“criaturas do agora”). Confira tal trecho no documentário “No Espelho de Maya Deren” (Im Spiegel
der Maya Deren, 2002), de Martina Kudlácek.
5
Confira os áudios da cineasta em “No Espelho de Maya Deren” (Im Spiegel der Maya Deren, 2002),
de Martina Kudlácek.
A noção de geografia criativa implica na experimentação de uma montagem que
expande o tempo e o espaço. Em Meshes of the Afternoon, o mesmo gesto dos pés de
Maya caminhando é apresentado de modo contínuo em cinco planos distintos que
mostram a ação acontecendo sucessivamente em espaços diferentes (na areia, na terra,
na grama, no piso e no tapete). Hammer se apropria da ideia de geografia criativa para
expandir os limites do frame retangular do filme e da projeção de tela em Available
Space (1978). Neste trabalho, Hammer aparece em cena, literalmente empurrando os
limites do quadro, do frame fílmico e do frame espacial, em oito planos diferentes. Nas
projeções, ela inclusive mudou o espaço arquitetônico das salas de cinema, até mesmo
portas ou janelas, dependendo do lugar em que o filme era exibido.
Outro filme de Hammer influenciado pela geografia criativa dereniana é Bent Time
(1983). Neste curta de 21 minutos, ela usa lentes de ângulo aberto de 9 mm para compor
um passeio visual por paisagens dos Estados Unidos – da Califórnia até a ponte do
Brooklyn – a partir de um só ponto de perspectiva. Tal estratégia só foi possível pelo
uso de “um frame de filme por pé de espaço físico”6 para simular o conceito de que o
tempo se dobra.
Além das diversas projeções não só de trechos do emblemático filme como também de
fotografias antigas em diferentes superfícies – na pia, nas paredes, nas cortinas –,
Hammer não só brinca com fusões, justaposições e incrustações de imagens, que
revelam mais uma vez seu apreço pela filmagem vertical. Ela procura reconstituir
algumas cenas de Meshes mediante a performance de Bekka Lindstrom (atriz bem
parecida fisicamente com a cineasta ucraniana), e propõe a leitura de textos originais de
Deren que se interpõem com depoimentos dos atuais proprietários da casa e de críticos
que falam de sua obra e vida. Talvez seja a mais bela demonstração do amor de Hammer
pelo cinema de Maya Deren por explicitar sua aproximação afetiva mediada pela
fantasmagoria: o espectro de sua eterna mentora cinematográfica.
Bibliografia
HAMMER, Barbara. Hammer! Making Movies Out of Sex and Life. New York: The
Feminist Press, 2010.
_________________. “Maya Deren and Me”. In.: NICHOLS, Bill (ed.). Maya Deren
and the American Avant-Garde. California: University of California Press, 2001,
pp. 261-266.
KELLER, Sarah. “‘Art Is Energy’: Barbara Hammer Speaks with Sarah Keller about the
State of Experimental Cinema after Maya Deren”. In.: The International Journal
of Screendance 3, 2013, pp. 61-71.
TRANOULI, Eleni. “About Maya Deren’s Sink” In.: The International Journal of
Screendance 3, 2013, pp. 61-71.
Filmes consultados de Maya Deren
Dyketactics (1974)
Menses (1974)
Multiple Orgasm (1976)
Women I Love (1976)
Available Space (1978)
Pools (1981)
Pond and Waterfall (1982)
Bent Time (1983)
Stone Circles (1983)
Opctic Nerve (1985)
Horse is Not a Metaphor (2009)
Maya Deren’s Sink (2011)
Filmes adicionais
No Espelho de Maya Deren (Im Spiegel der Maya Deren, 2002), de Martina Kudlácek