Você está na página 1de 14

OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO DE INTELIGÊNCIA

FUNDAMENTOS

Josemária da Silva Patrício

Resumo

Este trabalho consiste em apresentar os fundamentos do Conhecimento de Inteligência, ao


contemplar a possibilidade, a origem e a essência deste. O fato de a razão humana ser ou não
capaz de representar adequadamente a realidade é o cerne de uma reflexão fundamental para
legitimar o Conhecimento. Dessa forma, analisa-se a interpretação das várias correntes filosófi-
cas que influenciam o Conhecimento de Inteligência, as quais são instrumentos de um perma-
nente debate acerca dos critérios para validá-lo. O empirismo, o racionalismo, o fenomenologismo,
o intuicionismo, o materialismo dialético, o pragmatismo, o estruturalismo, o construtivismo e
pós-modernismo são algumas das abordagens filosóficas determinantes para a construção da
Teoria do Conhecimento. A discussão a respeito de quais aspectos seriam preponderantes – a
experiência ou a razão, a realidade ou a consciência, o sujeito ou o objeto, entre outros –
também é importante para definir qual seria o arcabouço teórico apropriado para fundamentar
a produção do Conhecimento na Atividade de Inteligência.

E ste trabalho objetiva argumentar so-


bre os fundamentos do Conhecimento
de Inteligência, os quais suscitam diver-
estudos sobre a relação da consciência e
a realidade e se a nossa mente é capaz de
conhecer e representar adequadamente o
sas indagações, sendo uma delas a mundo que nos circunda. Esses estudos
absorção, pela Atividade de Inteligência, envolveram filósofos como Platão,
das mesmas questões da filosofia que Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino,
versam sobre a possibilidade, a origem e Descartes, Locke, Kant, Husserl,
a essência do conhecimento. Heidegger, Sartre, Foucault, Jacob
Bazarian e Marilena Chauí.
Considerando que os pensadores das
questões fundamentais da filosofia se de- Também foram pesquisados os fundamen-
dicaram e se dedicam à busca da verdade tos teóricos produzidos pelo Serviço Na-
do conhecimento, o que os leva a optar cional de Informações (SNI) para compre-
por diversos caminhos e inúmeras varian- ender as razões pelas quais os
tes que traduzem o interesse de cada seg- doutrinadores da época buscaram exata-
mento das ciências particulares e das cul- mente esses fundamentos que até hoje são
turas em geral, diante de tal diversidade utilizados. Tendo encontrado uma apre-
de entendimento, passei a procurar junto sentação da Teoria do Conhecimento com
a alguns pensadores - antigos, modernos explicações das várias concepções que
e pós-modernos - que desenvolveram compõem esta teoria, e mais o seguinte:

Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 87


Josemária da Silva Patrício

Na Atividade de Informações, a produção Segundo filósofos modernos, os funda-


do conhecimento final é feita, inicialmente, mentos do conhecimento são estudados
pela apreensão dos fatos através dos
sentidos externos; posteriormente, aqueles
pela filosofia. Tais fundamentos refletem
sofrerão um processo de elaboração mental as circunstâncias em que ocorrem as for-
do analista. Dentro desse enfoque, a mulações de teorias, as quais traduzem a
Atividade de Informações enquadra-se realidade dos cenários de cada época. Por
dentro do intelectualismo
intelectualismo, na medida em isso, a primeira indagação deste trabalho
que o informe é o relato, a observação ou
é a que o título sugere: FFundamentos
undamentos do
o registro de um fato (logo, é empírico) e a
informação é resultante da integração e Conhecimento de Inteligência.
processamento de todos os informes
disponíveis sobre o assunto (portanto, é um A pr odução de Conhecimento de Inteli-
produção
processo racional). A posição do analista gência utiliza uma metodologia baseada
de informações, na produção do nas regras cartesianas e esse conheci-
conhecimento, deve ser objetiva mento deve ser ver dadeir
verdadeir
dadeiroo ou pr ovável,
provável,
(eliminando todo o subjetivismo ou opiniões
particulares e pessoais que possam ser
fundamentando suas conclusões em evi-
introduzidas em suas indagações) e dências contidas nas frações significati-
caracterizada por um realismo crítico
crítico, ou vas destacadas nos fatos e situações em
seja, admitindo a possibilidade da existência produção. O pr
produção. ofissional de inteligên-
profissional
de um engano ou erro no julgamento da cia, usando a metodologia adotada, for for--
realidade dos fatos, irá questioná-los
incessantemente, buscando o
mula uma imagem impar cial e objetiva
imparcial
convencimento sobre a verdade dos em sua mente que deverá cor responder
corresponder
mesmos. A pesquisa efetuada pelo analista, totalmente ao objeto (fato ou situação).
durante as atividades desenvolvidas para a Este é o discurso contido nos
produção do conhecimento, caracteriza-se ensinamentos da Escola de Inteligência
pelo ceticismo metódico
metódico, pois que os
(Esint) (grifo nosso).
informes deverão ser escoimados ou
decantados de seus falsos valores. Por outro
lado, ao elaborar a sua informação, o O mencionado discurso estaria fundamen-
analista não pode deixar de levar em conta tado na Doutrina Nacional de Inteligên-
o pragmatismo dos seus trabalhos, cia, a qual dispõe sobre os fundamentos
preocupando-se com o grau de utilidade em seu preâmbulo:
que o conhecimento final produzido irá ter
para quem vai dele se utilizar. Segundo o
resumo visto sobre a Teoria do Para garantia de sua eficácia, a Doutrina
Conhecimento filosófico, podemos Nacional de Inteligência adota como
estabelecer as relações de analogia com o fundamentos, de um lado, a teoria de
Conhecimento da Atividade de sentido especulativo e universal e, de
Informações. (QUEIROZ NETO, 1984, p. outro, a própria realidade em suas
10, grifo nosso). dimensões interna e externa. Do primeiro
fundamento, a teoria, derivam pro-
Com estes dados, foi possível estabele- posições situadas predominantemente no
cer uma trajetória de argumentos para plano do dever ser; do segundo,
reflexão e obtenção do que se procura realidade, emergem preceitos que se
sobre as questões do conhecimento e so- colocam basicamente na ordem do ser.
O correto entrosamento dessas pro-
bre esse modo tão singular de produção
posições e desses preceitos garante à
de conhecimento que se dá no âmbito da Doutrina Nacional de Inteligência caráter
Atividade de Inteligência, e assim poder de atualidade e praticidade. (SISTEMA...,
atingir o objetivo proposto. 2004, p. 12).

88 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.


Os fundamentos do Conhecimento de Inteligência

O teor do discurso e a teoria de sentido de representação de fatos e situações pro-


especulativo e universal referida na dou- duzidas pela mente especializada do pro-
trina me levam a considerar alguns aspec- fissional de Inteligência, e considerando
tos. A mencionada teoria revela um am- a missão atribuída à Atividade de Inteli-
plo leque de possibilidades, porém, im- gência, conforme o conceito supracitado,
precisas ao não indicar nominalmente qual deve-se entender a importância da ado-
o referencial teórico que fundamenta a ção de fundamentos filosóficos que sus-
produção de conhecimentos, fato que não tentem um arcabouço teórico condizente
ocorre com o discurso - baseado no con- com os interesses desta atividade. Para
teúdo da nota de aula denominada Pro- argumentar sobre esses fundamentos,
dução de Conhecimentos - no qual se necessário se faz lembrar um pouco da
identifica, de forma explícita, fundamen- história e do conteúdo da teoria adotada
tos da Teoria do Conhecimento formula-
pela Inteligência para melhor visualizar a
da no século XVII, sistematizada por John
razão da escolha.
Locke e inspirada no racionalismo, afir-
mando a capacidade que o homem tem
de conhecer a realidade que o circunda.
Com uma posição de
mediação entre o
Outro aspecto e que resulta desta
constatação, é o de explicitar em que con-
racionalismo e o empirismo,
siste a Teoria do Conhecimento, para de- sur giu uma orientação
surgiu
pois identificar sua correlação com o dis- epistemológica denominada
curso e assim verificar quais fundamentos
são utilizados pela Atividade de Inteligên- Intelectualismo afirmando
cia. Para compreendermos como estes fun- que o conhecimento tem a
damentos seriam utilizados e o porquê da participação de ambos, pois
sua adoção, é necessário em primeiro lu-
gar definir o que é Inteligência. enquanto o racionalismo
xistência
participa com a eexistência
A doutrina preconiza que Inteligência é:
de juízos necessários ao
[...] o exercício permanente de ações pensamento e com validade
especializadas orientadas para obtenção
de dados, produção e difusão de
universal, o empirismo
conhecimentos, com vistas ao sustenta que retira os
assessoramento de autoridades
governamentais, nos respectivos níveis e elementos desses juízos
áreas de atribuição, para o planejamento,
a execução e o acompanhamento das
xperiência.
da eexperiência.
políticas de Estado. Engloba, também, a
salvaguarda de dados, conhecimentos, Uma Teoria do Conhecimento é formula-
áreas, pessoas e meios de interesse da da a partir das necessidades que o ho-
sociedade e do Estado. (SISTEMA..., mem tem de garantir a sua sobrevivência,
2004, p. 15). o que ocasiona questões de ordem práti-
Por se tratar da produção de conhecimen- ca e do pensamento, considerando que
tos deste cabedal e objetivá-lo verdadei- para fazer frente ao mundo que o rodeia,
ro, imparcial, oportuno e útil, resultante primeiramente precisa compreendê-lo e

Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 89


Josemária da Silva Patrício

conhecê-lo, para então sobreviver. Isso A Teoria do Conhecimento, a partir do


leva o homem a produzir mecanismos século XVII, passou a nortear as ciências
suficientes às suas necessidades cada vez particulares, apresentando-se como mais
mais crescentes e a se indagar o que mais um ramo da filosofia e priorizando o su-
poderá fazer a respeito. Desse processo jeito do conhecimento ao afirmar sua ca-
surgiram, ao longo do tempo, as ques- pacidade cognoscente para conhecer uma
tões identificadas e estudadas pela filoso- realidade exterior ao seu pensamento e
assim atingir a verdade do conhecimento.
fia, o que ensejou a formulação de teori-
as sobre o conhecimento. No século XVII, No entanto, essa visão racional, conside-
ocorreu uma sistematização, com rada um marco para a filosofia e as diver-
metodologias e procedimentos, sob uma sas ciências particulares, não passou in-
posição filosófica de princípios e funda- cólume por mudanças e transformações
mentos racionalistas, para encontrar res- de cenários com circunstâncias peculia-
postas às questões da possibilidade, da res às épocas, que ensejaram o apareci-
origem e da essência do conhecimento, mento de teorias, doutrinas, escolas e
validando-o. pensamentos vários, para concordar ou
discordar sobre o que se formulava a res-
Abordar unilateralmente a Teoria do Co- peito do conhecimento, sob a ótica do
nhecimento que fundamenta o Conheci- interesse de cada segmento. Aliás, os
mento de Inteligência sem mencionar al- pensadores do século XVIII chegariam à
gumas existentes no universo filosófico, conclusão de que não existiria verdade
ou pelo menos as mais utilizadas e co- universal, por isso, cada segmento deve-
nhecidas, bloqueia a compreensão daquilo ria procurar a verdade do tipo de conhe-
que se quer mostrar e também impossi- cimento do seu interesse, apagando as-
bilita a amplitude necessária à consecu- sim a concepção que predominava desde
ção do objetivo a alcançar. os gregos com a ideia absoluta e o espíri-
to absoluto do medievo.
Para não estabelecer uma longa faixa de
As questões da Teoria do Conhecimento,
tempo que possa levar a digressões não
ou seja, as mesmas desde que o homem
objetivadas por este trabalho, começarei
passou a descobrir a si mesmo antes de
pela formulação da Teoria do Conheci- perguntar sobre o mundo, permaneceram
mento que, ao ser sistematizada, possi- como objetos de questionamento para a
bilitou saltar da gangorra filosófica elaboração de novos pensamentos, à épo-
metafísica desde Sócrates para uma esta- ca. Isso porque a influência medieval era
bilidade epistêmica, a qual permaneceu consistente, pela forte presença do cristia-
inconteste até meados do século XX, nos nismo que até então respondia a todos os
efervescentes anos sessenta, quando o questionamentos com a verdade do misté-
movimento pós-moderno, com suas crí- rio divino. Os pensadores modernos, ao
ticas ao estabelecido, apresentou uma constatarem a separação estabelecida en-
negação total da teoria do conhecimen- tre Deus e o homem, pelo cristianismo,
to, ocasionando uma aparente ruptura em face do pecado original, se depararam
epistemológica. com um grande problema: pode o homem,

90 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.


Os fundamentos do Conhecimento de Inteligência

um pecador, conhecer a realidade que o mento de várias concepções, principal-


cerca com seus misteriosos objetos a co- mente por pensadores com posição céti-
nhecer? A resposta dos filósofos moder- ca e suas variantes absolutas e relativas.
nos foi que poderiam, sim, e por intermé-
dio da razão humana. Assim, estabelece- Com uma posição de mediação entre o
ram que o homem passasse a ser o sujeito racionalismo e o empirismo, surgiu uma
e o objeto do seu conhecimento. orientação epistemológica denominada
Intelectualismo afirmando que o conhe-
... sobre essa questão há cimento tem a participação de ambos, pois
enquanto o racionalismo participa com a
dois entendimentos opostos: existência de juízos necessários ao pen-
o entendimento que nega samento e com validade universal, o
a possibilidade de empirismo sustenta que retira os elemen-
tos desses juízos da experiência.
conhecermos, como o
ceticismo e suas variantes, e Porém, pela visão da Teoria do Conheci-
o entendimento que afirma mento, somos capazes de conhecer. Nos-
sa consciência tem uma atividade sensí-
que podemos conhecer
conhecer,, vel e intelectual, com um poder de análi-
como o das doutrinas se e síntese e representação dos objetos
dogmáticas e as materialistas. por intermédio de ideias e de avaliação,
bem como de interpretação desses obje-
Daí, a razão passou a fundamentar o co- tos, por meio de juízos, e não por meio
nhecimento e René Descartes, com o da luz divina (na visão do cristianismo),
Cogito ergo sum e a Dúvida metódica, como até então se acreditava.
desenvolveu todo um trabalho voltado à
razão, cujos princípios permanecem, con- Somente no final do século XIX, Edmund
forme se vê, quando da elaboração de Husserl, da escola alemã, apresentou uma
qualquer conhecimento, pois sempre ana- nova abordagem do conhecimento, pela
lisamos as causas que podem nos levar a fenomenologia, para descrever a Teoria
errro, ou seja, os preconceitos e a veloci-
er do Conhecimento em âmbito geral, o que
dade com que concluímos sobre algo sem representou de forma mais contundente,
verificar se os juízos emitidos são verda- diante das várias concepções reinantes, a
deiros. Concomitantemente, John Locke sistematização efetuada por Locke. A
concluiu que todos os princípios do co- fenomenologia visa descrever todos os
nhecimento derivam da experiência, res- fenômenos, os materiais, naturais, ideais,
ponsável pela existência das nossas ideias, culturais, do conhecimento e das realida-
enquanto Descartes afirmava que o co- des, e considera o fenômeno como a pre-
nhecimento deriva da razão, por opera- sença real das coisas reais diante da cons-
ções do nosso intelecto. ciência, daquilo que se apresenta direta-
mente a ela. Também se propõe afirmar a
Surgiram então duas perspectivas diferen- prioridade do sujeito do conhecimento
tes para a Teoria do Conhecimento. Es- com consciência reflexiva diante dos ob-
sas perspectivas resultaram no apareci- jetos, aos quais intenciona, visa, pro-

Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 91


Josemária da Silva Patrício

curando apreender as características e de- a imagem do objeto na sua mente que o


terminações destes objetos, o que é é, e nessa determinação pelo objeto há
basilar a todo conhecimento. Por isso, a receptividade do sujeito a respeito dele,
fenomenologia não afirma que o homem objeto, em razão da intencionalidade. Ao
possa conhecer a realidade em toda a sua mesmo tempo se apresenta uma espon-
essência, e sim somente tal como apare- taneidade do objeto a respeito da ima-
ce e se apresenta a sua consciência e o gem em formação, na qual a mente terá
faz por intermédio de representações ou uma participação criadora na sua repre-
afigurações. sentação, isto porque o sujeito lhe dá sig-
nificado, com a intencionalidade. Toda-
Assim, a metodologia fenomenológica, via, quando determina o sujeito, o objeto
considerando a capacidade de o homem mostra-se independente, transcendental,
conhecer um fenômeno exterior à sua pois todo conhecimento visa a um objeto
consciência e definindo o conhecimento independente da consciência cognos-
como relação do sujeito com o objeto, cente, por isso todos os objetos do
destaca que este se constitui de três ele- conhecimento são transcendentes, reais
mentos: o sujeito cognoscente, fonte de ou ideais. Os reais são os dados na expe-
intencionalidades; o objeto a conhecer,
riência externa ou interna, e os ideais são
independente do seu pensamento; e a
os meramente pensados e mesmo assim
imagem formada pela mente do sujeito,
possuem um ser em si, uma
correspondente ao objeto. Portanto, o
transcendência. Como na matemática e
processamento do fenômeno do conhe-
as operações aritméticas com os núme-
cimento ocorre da seguinte maneira: na
relação, a função do sujeito é apreender, ros, eles existem, mas são objetos ideais
captar o objeto, o qual tem a função de e não reais.
ser apreendido pelo sujeito. Essa apreen-
Consequentemente, na visão feno-
são figura para o sujeito como uma saída
menológica, ocorre o fenômeno do co-
de sua própria esfera para invadir a esfera
nhecimento quando o sujeito capta as
do objeto, apreendendo as determinações
determinações do objeto e com isso for-
ou as propriedades deste. Nisto, o obje-
ma uma imagem do mesmo e, para efe-
to não é arrastado para a esfera do sujei-
to, ele permanece independente, não sen- tivar esse conhecimento, a imagem de-
do nele que ocorre uma alteração pela verá corresponder totalmente ao obje-
função cognitiva. É no sujeito que houve to, pois se assim não for, teremos ape-
alteração com o surgimento da imagem nas um erro, não do objeto, mas ocorri-
contendo as determinações do objeto, do na mente do sujeito. Contudo, essa
para o qual esse fato se apresenta como descrição do processo do conhecimen-
um alastramento das suas determinações to pelo método fenomenológico não ex-
no sujeito, ocasionando uma preponde- plica e nem interpreta o conhecimento,
rância do objeto sobre o sujeito, tornan- apenas descreve o fenômeno ocorrido,
do-o determinado e ele, o objeto, cabendo à Teoria do Conhecimento fazê-
determinante. lo, o que nos reporta às indagações que
dizem respeito à possibilidade, a origem,
Porém, com isso, o sujeito não passa a a essência, os tipos do conhecimento e
ser um simples determinado, mas apenas o critério da verdade.

92 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.


Os fundamentos do Conhecimento de Inteligência

Cabendo à Teoria do Conhecimento a in- podemos conhecer, como o das doutri-


terpretação filosófica do fenômeno do co- nas dogmáticas e as materialistas.
nhecimento, vejamos sob a visão de ou-
tras concepções que, quiçá, possibilite Os céticos absolutos negam que o sujei-
ampla condição de avaliação do por que to seja capaz de apreender o objeto, ali-
se julgaria como mais apropriada a Teoria ás, o desconhecem e concentram toda sua
do Conhecimento para fundamentar o atenção nos fatores subjetivos do conhe-
Conhecimento de Inteligência. Conside- cimento humano. Suas variantes relativas
remos que todas as teorias ou entendi- negam parcialmente a possibilidade de
mentos acerca do conhecimento come- conhecer a verdade em determinados
çam questionando seus elementos sobre campos e na sua totalidade, ou seja, o
a possibilidade de conhecer, o que dá homem só pode conhecer a aparência das
sequência à abordagem das demais ques- coisas e não a sua essência. Só podería-
tões da filosofia sobre o conhecimento. mos conhecer a manifestação exterior da
coisa em si (o objeto) como se apresenta
Estabelecida a essência do à nossa consciência, sendo tarefa do nos-
so pensamento dar forma e ordem nessas
conhecimento como relação sensações, conforme Kant. Por isso, não
entre o sujeito e o objeto, conhecemos a sua essência e sim a re-
conforme afirma o presentação, revestida dos elementos sub-
jetivos nos quais a enquadramos, o que
materialismo filosófico, podemos ver no ceticismo relativo de
resta-nos saber a origem do Kant, no positivismo de Comte e na
conhecimento. Saber se os fenomenologia de Husserl, representan-
do as variadas formas do ceticismo.
sentidos, a razão e a intuição
participam do conhecimento
conhecimento.. O entendimento que afirma a possibilida-
de de conhecer se manifesta no
Se existe possibilidade do conhecimento, dogmatismo e no materialismo filosófico.
ou seja, se a nossa mente é capaz de co- A doutrina dogmática, com sua crença de
nhecer e refletir de forma adequada so- conhecer a verdade absoluta, de forma
bre o que nos rodeia, se é capaz de efeti- imediata e direta por meios empíricos,
vamente captar o objeto, conhecer a sua racionais ou suprarracionais, ignora des-
verdade - essa dúvida também poderá se modo o conhecimento como uma re-
ocorrer na Atividade de Inteligência, ao lação entre o sujeito e o objeto. Quanto
perguntarmos se o profissional de Inteli- ao materialismo filosófico e sua variante,
gência pode chegar à verdade dos fatos e o materialismo dialético, revelam-se como
situações utilizando o modelo da Teoria mediadores entre o ceticismo relativo e o
do Conhecimento pela descrição dogmatismo, ao afirmarem da existência
fenomenológica -, sobre essa questão há real do mundo exterior refletido por nos-
dois entendimentos opostos: o entendi- sa consciência, e distinguindo o objeto
mento que nega a possibilidade de co- do sujeito cognoscente. Afirmam também
nhecermos, como o ceticismo e suas va- e principalmente que a matéria é anterior
riantes, e o entendimento que afirma que à consciência, e nossas sensações, re-

Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 93


Josemária da Silva Patrício

presentações e conceitos são reflexos das derante no conhecimento, se a realidade


coisas que existem, independentemente ou a consciência, o sujeito ou o objeto,
da nossa consciência. se a consciência é um reflexo e reprodu-
ção do objeto, ou o objeto é um reflexo e
Destacados alguns entendimentos sobre uma reprodução da consciência, dois seg-
a capacidade do sujeito conhecer ou não, mentos doutrinários, o idealismo e o ma-
pergunta-se em que consiste o conheci- terialismo, nos apresentam os seguintes
mento, a sua essência, que relação há entendimentos: o idealismo e suas vari-
entre o sujeito e o objeto, o que constitui antes (objetiva e subjetiva) afirmam que o
questão fundamental para a filosofia e as sujeito determina o objeto. A variante
atividades em geral, e que nos arrasta à objetiva afirma que o que prepondera é a
questão do centro de gravidade no fenô- ideia absoluta universal, a von-
absoluta, o espírito universal
meno do conhecimento: o que prepon- tade universal existentes antes da nature-
dera, o sujeito ou o objeto? Essa também za e dos homens e teria criado o mundo,
seria uma preocupação crucial para a Ati- sendo que todas as coisas materiais são
vidade de Inteligência, considerando que seus produtos, o que podemos
hoje nos deparamos, pelo menos no mun- exemplificar por Platão, com o Mito da
do ocidental e em relação a diversas ati- caverna, e Hegel, com seu Demiurgo. A
vidades, com um conflito de mentalida- variante subjetiva apregoa o eu absoluto
des. Esse conflito resultaria do fato de que da consciência do sujeito individual, afir-
algumas instituições com atividades se- ma que toda realidade está encerrada na
culares de Estado veem o conhecimento sua consciência, sendo a matéria uma ideia
como uma criação fundamentada por prin- que dela fazemos, é uma construção da
cípios e modelos já estabelecidos, sendo consciência.
o objeto o elemento preponderante do
conhecimento, crença vigente à época das Contrapondo-se a esse entendimento, o
formulações. Hoje temos uma geração materialismo filosófico nos afirma que há
formada sob a orientação de outra posi- objetos reais e independentes do pensa-
ção filosófica para a qual o elemento pre- mento, que a matéria é anterior à consci-
ponderante do conhecimento é o sujei- ência, que é o reflexo ou produto da ma-
to, e acreditando ser o conhecimento téria. Ao materialismo filosófico se atri-
uma construção do homem interagindo bui resolver cientificamente o problema
com seu meio social e as diferenças ali fundamental da essência do conhecimen-
existentes. to ao mostrar que o mundo é material
por natureza, considerando o ser (obje-
Da essência do conhecimento precisamos to) como matéria, e que nossas sensações
estabelecer o referido centro de gravida- e ideias são imagens do mundo exterior.
de. O aspecto nevrálgico da preponde-
rância nos apresenta entendimentos an- Estabelecida a essência do conhecimento
tagônicos e, considerando o fator huma- como relação entre o sujeito e o objeto,
no, nunca deixarão de sê-lo, só restando conforme afirma o materialismo filosófi-
a cada atividade optar pela interpretação co, resta-nos saber a origem do conheci-
mais apropriada aos seus fins e interes- mento. Saber se os sentidos, a razão e a
ses. Responder qual o elemento prepon- intuição participam do conhecimento. Vis-

94 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.


Os fundamentos do Conhecimento de Inteligência

to pela ótica de cada um desses elemen- olhar apreende imediatamente o objeto,


tos, teremos o empirismo, o racionalismo, é uma experiência externa que se baseia
intuicionismo e o materialismo dialético. nos juízos que temos nas leis lógicas do
O empirismo, espécie que tem como úni- pensamento. Essa apreensão imediata do
ca fonte do conhecimento a experiência objeto se dá sob as formas da intuição
recebida pelos sentidos e que acredita sensível, intuição mística e a intelectual.
suficiente para conhecer a verdade, tem
como forma de conhecimento a sensa- Vistas algumas questões detectadas na
ção, a percepção e a representação. descrição fenomenológica do conheci-
mento, estas nos direcionam para a gran-
O racionalismo defende que a fonte do de questão da validade do conhecimen-
conhecimento é a razão, o pensamento to: a verdade, e o critério utilizado para
abstrato. Afirma que os sentidos nos en- lhe atribuir a certeza. O conceito de ver-
ganam e, portanto, não podem produzir dade, como a concordância do conteúdo
um conhecimento verdadeiro, logicamente do pensamento com o objeto, constitui a
necessário e universalmente válido, o qual concepção transcendente de verdade, no
só pode ser alcançado pela razão. entanto, há o conceito da imanência que
afirma ser a verdade a concordância do
O Intuicionismo afirma que é possível pensamento consigo mesmo, e nada existir
conhecer a verdade sem os sentidos e a exterior à consciência. Portanto, manifes-
razão, mas por uma faculdade irracional tam-se assim os segmentos idealistas e
ou sobrenatural chamada intuição. materialistas, bem como os aspectos sub-
jetivos e objetivos da verdade. O idealis-
O materialismo dialético, apesar de afir-
mo subjetivo versa sobre o conceito
mar serem o empirismo, racionalismo e
imanente de verdade, e o objetivo, sobre
intuicionismo unilaterais, propõe uma sín-
a concepção transcendente.
tese dos três, como partes na elaboração
do conhecimento, que é um processo Não podemos ignorar, todavia, a doutri-
dialético. Essas referências podem ser na denominada e conhecida por
identificadas no discurso da Atividade de pragmatismo, afirmando um entendimen-
Inteligência. to oposto à corrente que defende a
transcendência. Segundo esta doutrina, o
Ao apresentar os diversos entendimentos
conhecimento é verdadeiro quando pro-
sobre a origem do conhecimento nos vem
duz resultados práticos e eficazes, sendo
a indagação sobre seus tipos e formas,
seu critério de verdade a utilidade. O
pelo menos os mais conhecidos, que são
pragmatismo ignora o conhecimento
o racional discursivo e o intuitivo. No ra-
como relação do sujeito e objeto.
cional discursivo, a consciência serve-se
de diversas formas de operações mentais, Como podemos afirmar, a certeza da ver-
como a ideia (ou conceito), juízo e racio- dade é incumbência dos critérios e há
cínio, relacionando o objeto a outros, várias concepções para atribuir essa cer-
comparando e tirando suas conclusões. teza, a saber: o critério da autoridade (uti-
É um conhecimento mediato. No tipo in- lizado pela teologia), o da evidência (de-
tuitivo, o conhecimento é imediato, o fendido pela teoria do conhecimento e a

Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 95


Josemária da Silva Patrício

inteligência), o da ausência de contradi- Contudo, todas essas concepções acerca


ção (idealismo subjetivo), da utilidade do conhecimento humano vigoraram
(pragmatismo, materialismo dialético) e incontestes aproximadamente até meados
o da prova (ciências particulares). O cri- do século XX, principalmente para a ati-
tério da evidência, como o mais conhe- vidade científica e instituições seculares
cido e aceito, é visto como plena clare- de estado e alguns pensadores. Até hoje,
za da verdade e a certeza é o estado sub- seja qual for a teoria que sistematiza a
jetivo que a acompanha. Porém, não é produção do conhecimento, ela se orien-
um critério último de verdade, pois fa- ta pelos mesmos princípios diante da pro-
tores como a ignorância, ilusões dos sen- blemática de interesse, ou seja, de fato
tidos, paixões e preconceitos podem le- ou situação ou qualquer objeto a conhe-
var a uma falsa evidência, precisando, cer. O homem planeja o que vai fazer,
portanto, de outro critério para atribuir coleta o material necessário, avalia suas
à verdade uma certeza. fontes, interpreta e busca o que todos
querem: o conhecimento considerado
O critério da evidência nos lembra uma verdadeiro. A base para esses procedi-
questão bastante controversa para a Ati- mentos e entendimentos é a razão huma-
vidade de Inteligência, a imparcialidade. na, em que os pensadores modernos
Pode o sujeito conhecer de forma im- acreditaram.
parcial? Argumenta-se o seguinte: no
processo do conhecimento, o sujeito Norteando o Conhecimento
apreende as determinações ou proprie- de Inteligência com seus
dades do objeto e a imagem formada fundamentos, esta teoria
deverá corresponder totalmente a este
objeto e, como este é transcendente ao influencia não somente a
sujeito, portanto, a imagem formada não metodologia utilizada pela
deverá conter o já existente no pensa- Atividade de Inteligência
mento do sujeito e sim corresponder
somente às propriedades que são apre-
na sua pr odução, mas
produção,
endidas do objeto, o que resultaria numa também nas questões da
imagem imparcial, ou o mais próximo sua identidade; do perfil
possível da mesma. do profissional; e do
profissional;
Utilizando também da argumentação do produto
pr oduto final do pr ocesso
processo
materialismo filosófico e dialético, do su- de pr odução.
produção.
jeito ser capaz de conhecer a verdade
objetiva, que afirma a apreensão do obje- Mas, o tempo é inexorável com as ideias,
to com suas determinações e característi- em razão de ocasionar mudanças e, por
cas essenciais, é possível a imparcialida- conseguinte, acarretar novos pensamen-
de, argumento aceito até pelos céticos tos diante dos desafios. A descontinuidade
relativos. Somente na concepção idealis- corrente na filosofia, a herança dos es-
ta subjetiva a concordância do pensamen- combros materiais e mentais da Segunda
to é consigo mesmo e não com o objeto. Guerra Mundial, a bipolaridade

96 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.


Os fundamentos do Conhecimento de Inteligência

subsequente, o estado pós-industrial, os construído, e questionar todas as formas


modelos existentes não correspondendo que nos conceituaram como sujeito e in-
mais às necessidades e expectativas da divíduo, principalmente junto às ciências
sociedade e da ciência, a cibernética e o humanas, das quais os modelos formula-
novo modelo de comunicação, o capital dos não nos ser viriam mais. As
financeiro gerindo a política e a econo- metodologias e procedimentos baseados
mia, a formação de movimentos sociais, num modelo racional discursivo passari-
o Construtivismo, a Gestalt, as ambições am ao modelo similar ao construtivista e
imperialistas, ensejaram, nos anos sessen- sem fundamentos prontos.
ta a oitenta, uma postura de negação e
angústia diante da sensação de que o que Como evidência da mencionada ruptura,
se acreditava ou foi levado a acreditar, usarei as questões da Teoria do Conheci-
estava errado e não mais servia para a mento como parâmetro da crucial
sociedade, considerando o que houve e discordância à mentalidade moderna e às
o que estava ocorrendo no mundo. afirmações do discurso pós-moderno por
destacados arautos. Quanto à possibili-
Assim, as bases e os valores racionalistas dade do conhecimento, o ser humano não
implantados desde o século XVII que conhece ou não precisa conhecer a reali-
nortearam a filosofia e as ciências foram dade que o cerca, ele a constrói, pois a
negados. Do racionalismo ao empirismo, base racional e todo o discurso moderno
do idealismo ao materialismo dialético. seria, nesta nova visão, um disfarce para
Não se ignorou, mas também não se de- o exercício da dominação dos homens,
fendeu as bandeiras do estruturalismo e por isso a negação a sistemas prontos que
do construtivismo. Aconteceu uma rup- induzem a pensar o que se quer que pen-
tura epistemológica e estabeleceu-se o se. A essência do conhecimento, que é a
pós-modernismo como uma posição fi- relação do sujeito e o objeto, foi consi-
losófica discordante. Entre seus pensado- derada sem fundamento, pois tanto a fi-
res mais conhecidos, destacam-se Sartre, losofia quanto as ciências são construções
Michel Foucault, François Lyotard, Gilles subjetivas de seus objetos, os quais nada
Deleuze, Jaques Derrida e Bruno Latour, mais são do que os resultados de opera-
os quais negaram todas as teorias, valo- ções teóricas e técnicas, considerando que
res, conceitos, doutrinas, enfim, tudo o que os cientistas não observam as realidades,
constitui o universo filosófico moderno. mas as constroem. Portanto, os objetos
independentes do sujeito não existem, são
As propostas pós-modernas partem da apenas construções teóricas.
determinação de romper e descronstruir
criticamente o modelo epistemológico Daí podem ser identificados reflexos do
que estava em vigor, bem como questio- idealismo e a sua concepção imanente de
nar fundamentos que girem em torno de verdade (a concepção imanente de ver-
verdades, recusar o dogmatismo da ciên- dade é defendida por uma parcela signifi-
cia, isto é, recusar a ideia de que a ciên- cativa de pensadores pós-modernos),
cia é uma representação da realidade tal porém, aí não há construção interativa
como é em si mesma e adotar a ideia de nenhuma, pois a apreensão do objeto pela
que o objeto científico é um modelo mente do sujeito corresponde ao conteú-

Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 97


Josemária da Silva Patrício

do da própria mente, sendo este um pro- Por conseguinte, passando por


cesso individual. A filosofia e o próprio descontinuidades e rupturas ou propos-
conhecimento, passaram a ser considera- tas de ruptura na história do conhecimen-
dos uma criação feita pela linguagem, as- to, os períodos mais marcantes da filoso-
sim como a literatura, onde não se diz fia nos legaram pelo menos quatro siste-
como as coisas são, elas são criadas, e esse mas que revolucionaram o pensamento
entendimento é reflexo do estruturalismo. humano, notadamente no milênio anteri-
or, que foram a metafísica grega, a teolo-
A origem do conhecimento não é conce- gia do medievo, a teoria do conhecimen-
bida como no modernismo, pois o ho- to moderna e a concepção pós-moderna
mem não é um animal racional com livre do conhecimento.
vontade, ele é passional, se move por ins-
tintos e por isso instituiu uma ordem social A visão das diversas concepções, doutri-
para reprimir seus desejos e paixões, pro- nas e teorias versando sobre a essência,
posição diametralmente oposta ao pen- possibilidade, origem, tipos, formas e cri-
samento moderno. A verdade do conhe- tério de verdade do conhecimento, pos-
cimento como correspondência da ima- sibilita a oportunidade de constatar que,
gem formada, cujo critério é a evidência, do discurso da Atividade de Inteligência
não seria apropriada, considerando que e do disposto em sua doutrina, podería-
o conhecimento, seja qual a espécie, só é mos afirmar quais fundamentos da Teoria
válido se for útil e eficaz para a obtenção do Conhecimento foram utilizados para a
dos fins desejados por quem conhece, não
formulação de uma peculiar teoria do
importando que fins sejam esses.
conhecimento de Inteligência.
O discurso que reveste essa concepção
Esta afirmação pode ser verificada ao iden-
de critério da verdade pode ser identifica-
tificarmos fundamentos do materialismo
do no pragmatismo e no materialismo
filosófico na afirmação de que o profissi-
dialético, se bem que os pensadores da
onal de Inteligência pode produzir conhe-
escola de Frankfurt, que foram os últimos
a abandonar a versão comunista do mate- cimentos pela metodologia com a qual
rialismo dialético, nada levaram ou contri- trabalhamos, dirimindo a questão da pos-
buíram com esta doutrina para o pós-mo- sibilidade do conhecimento. Também se-
dernismo, considerando que os pós-mo- riam fundamentos oriundos do materia-
dernos também negaram o socialismo apa- lismo dialético e do intelectualismo as
rentemente em razão do modelo russo. explicações sobre a origem do conheci-
mento como conjugação do racionalismo
Todavia, as concepções, os conceitos, as e empirismo, que compõem a represen-
significações, proposições e enunciados, tação de fatos ou situações; que seria dos
segundo a linguagem de Foucault, logo fundamentos identificados na descrição
tiveram discordâncias, isto é, o mesmo fenomenológica da Teoria do Conheci-
fenômeno ocorrido à teoria do conheci- mento e no realismo crítico, a explicação
mento, e a pós-modernidade passou a ser sobre a essência do conhecimento como
denominada de neo-capitalismo, lógica relação do sujeito e objeto e que este pre-
cultural do capitalismo tardio, pondera sobre aquele; que o tipo de co-
modernidade líquida, neo-conservadora nhecimento que se produz é identificado
em combate aos ideais iluministas. com o racional ou abstrato; e as formas

98 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.


Os fundamentos do Conhecimento de Inteligência

que utilizamos conferem com as do co- julgado uma delas, a Teoria do Conheci-
nhecimento racional (conceito ou ideia, mento sob a visão fenomenológica, a mais
juízos e raciocínios). adequada ao objetivo a que se propõe, em
face das correlações já mencionadas.
Assim, se entendermos como teoria o
conjunto de concepções, fundamentos, Essas correlações também se prendem ao
conceitos, metodologias e demais proce- fato de que, se a produção de conheci-
dimentos formando uma singular posição mentos de inteligência objetiva represen-
filosófica que sustenta a existência da Ati- tar a realidade, portanto, sob uma posi-
vidade de Inteligência enquanto produ- ção cética relativa, não possibilitaria facil-
tora de conhecimentos e diretamente mente a utilização de metodologias fun-
norteia o exercício da atividade, a Teoria damentadas em teorias de construção
do Conhecimento passaria a ser a mais interativa do conhecimento (diferindo de
apropriada, pela correlação aos interes- várias ciências particulares), em razão dos
ses de objetivos e sobrevivência desta ati- fins a que se destina o mencionado co-
vidade, dando a validade necessária ao nhecimento. Obviamente, não é impossí-
conhecimento produzido. vel, mas ainda não se vê claramente que
processo pós-moderno seria adequado
Norteando o Conhecimento de Inteligên-
para representar fatos e situações que já
cia com seus fundamentos, esta teoria in-
ocorreram, ocorrem e poderão vir a ocor-
fluencia não somente a metodologia utili-
rer, mostrando deles a verdade (para a
zada pela Atividade de Inteligência na sua
Atividade de Inteligência), por evidência,
produção, mas também nas questões da
sua identidade; do perfil do profissional; e sem cair em erro ou possível dispersão
do produto final do processo de produ- resultantes apenas da cosmovisão de cada
ção. Por conseguinte, não podemos atri- profissional e assim se distanciar do fato
buir a responsabilidade de todo o proces- em si, sem utilidade para o usuário.
so somente às regras cartesianas, aponta-
Consequentemente, ao final destes argu-
das como inspiradoras da metodologia uti-
mentos, os quais representam os objetos
lizada, considerando que só temos em
pesquisados e não o conteúdo da minha
mente os princípios contidos nas mesmas
quando da aplicação da metodologia, e não consciência, pode-se constatar que, para
da atividade como um todo. a Atividade de Inteligência, as questões
da filosofia acerca do conhecimento não
A Atividade de Inteligência com a atribui- se transformaram em problemas por ra-
ção de produzir conhecimentos sobre fa- zão da crença na posição filosófica ado-
tos e situações constantes da realidade, tada. A certeza dessa crença seria deriva-
objetivando assessorar as decisões gover- da dos valores e concepções funda-
namentais em benefício do Estado e da mentadores considerados apropriados ao
sociedade, teria que adotar um arcabouço exercício da Atividade de Inteligência e
teórico apropriado que fundamentasse o para esta vigentes, apenas, passando a
exercício da atividade. Para escolha, teve a serem discutidos e discordados quando
seu dispor desde a metafísica grega e a te- da comparação com a posição filosófica
ológica, a teoria moderna e a concepção pós-moderna, de discurso oposto ao que
pós-moderna do conhecimento. E teria utilizamos.

Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 99


Josemária da Silva Patrício

Referências

BAZARIAN, Jacob. O problema da verdade. São Paulo: Alfa-Ômega, 1994.


BRASIL. Serviço Nacional de Informações. Coletânea L. Brasília: SNI, 1984. nº 51 e 57.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2006.
DESCARTES, René. Os pensadores. São Paulo: Victor Civita, 1983. v 5.
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
––––––. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1999.
HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
HUSSERL, Edmund. Os pensadores. São Paulo: Victor Civita, 1983. v. 7.
KANT, Emmanuel. Os pensadores. São Paulo: Victor Civita, 1983. v 6.
QUEIROZ NETO, João Amâncio. As características do pesquisador em informações. Coletânea L, Brasília,
ano VII, n. 51/52, mar/maio; jun/ago 1984.
SISTEMA BRASILEIRO DE INTELIGÊNCIA. Conselho Consultivo. Manual de Inteligência: Doutrina
Nacional de Inteligência: bases comuns. Brasília: Abin, 2004. 44 p.

100 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.

Você também pode gostar