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Pessoal boa noite !

O assunto é música, algo sobre o qual venho pensando bastante ultimamente. A reflexão é
especificamente sobre a canção “Maria de Verdade”, de Carlinhos Brown, gravada no disco
“Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão”, de Marisa Monte, 1994. Acho “Maria de
Verdade”, entre outras canções de Carlinhos, bastante inusitada, e tentava pensar alguma
questão econômico-jurídica a partir dela. Como entendo pouco de música não consigo falar
sobre economia da composição, é dizer, sobre as regras da composição que são consagradas
no domínio da música, na arte de estruturar canções, construção e ligações das notas,
harmonia, melodia etc. Portanto, falarei breve e intuitivamente. Começando pela letra, Brown
abre com o seguinte verso “Pousa-se toda Maria”, é contundente pela delicadeza e pelo
inusitado da abertura de uma ação que é ao mesmo tempo repouso, Maria se pousa. De algum
modo, até certo ponto, a experiência humana é em tudo retórica, é tb o que soa. E o que soa, e
soa bem, a imagem lisérgica do segundo verso “no varal das 22 fadas nuas lourinhas”. E
apesar de não ser o verso e o ponto mais alto do som da canção me parece o momento que
mais toca em nossa civilização brasileira ao dizer “Farinhar bem, derramar a canção”, este
verso é das coisas mais elegantes das quais já tive notícia. Além da belíssima imagem de um
verbo derivado da farinha no infinitivo (e quase sem querer eu escrevia intransitivo por ato
falho-influência do título do romance de Mário de Andrade). A farinha é um dos caminhos
para dominar o mundo através de um soft power alimentar, junto com café entre outros
produtos. A belíssima imagem (in)contida no verso “DERRAMAR A CANÇÃO” ; a junção
destas duas ideias é (soa) espetacular, na (des)medida em que o farinhar é derivado de algo
seco e sólido (e insólito), enquanto que o derramar liga-se a ideia do líquido que transborda.
Ainda sobretudo sobre a letra, a imagem de “revirar trens, louco mover paixão” me toca
profundamente pq não é qquer coisa que revira um trem, e ele indica três palavras de rara
contundência neste processo de revirada, “louco mover paixão”, uma mobilidade apaixonada
e insana ou apaixonadamente insana, e pra quem não tem disciplina o melhor caminho é a
paixão. E logo em seguida vem o maior momento da canção enquanto som para mim no verso
“NAS DIREÇÕES, programado e emoldurado”, neste trechinho quando Marisa Monte canta
“NAS DIREÇÕES” me parece o tom mais belo de toda a música (no cifraclub a nota que
aparece aqui é um si bemol com sétima); sobretudo o canto começando mais agudo em DIRE
e se tornando mais grave na sílaba ÇÕES fica muito belo, pena que Marisa Monte não
explorou tanto isso na gravação original dela. Mas a canção e a gravação são antológicas,
além deste disco ser belíssimo. Num país como o nosso com uma língua tão sonora como o
português me parece que é possível fazer coisas esplendorosas para expor ao mundo,
sobretudo depois que Dylan ganhou o Nobel. E creio que ouvir e pensar sobre estas coisas é
um desafio mesmo para o enfrentamento maior da vida com desdobramentos em ideias e
ações solitárias e coletivas que movem uma pessoa ou um país.

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