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A noiva inglesa

Barbara Cartland

Coleção Barbara Cartland nº 360

Copyright: © 1995 by Barbara Cartland


Título original: THE KINGDOM OF LOVE
Tradução: Carmita Andrade
Copyright para língua portuguesa: 1995
CÍRCULO DO LIVRO LTDA.
EDITORA NOVA CULTURAL
uma divisão do Círculo do Livro Ltda.
Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346 — 9º andar
CEP 01410-901 — São Paulo — SP — Brasil
Fotocomposição: Círculo do Livro
Impressão e acabamento: Gráfica Círculo

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Cultura: um bem universal.

Digitalização:

Revisão: Cassia
A mais famosa autora de romances históricos, com 600 milhões de livros vendidos em
todo o mundo

Procura-se uma noiva… E um amor!


Ameaçados de invasão pela Rússia, os soberanos dos países dos Bálcãs só vêem uma
saída para obter segurança: que o príncipe Sokollz se case com uma dama da nobreza
a Grã-Bretanha, a fim de ter a proteção da rainha Vitória.
Disfarçado de conde, o príncipe de Sokollz vai a Londres procurar uma noiva.
Quando conhece Yeda, tem certeza de que ela é a mulher de sua vida, pois se
apaixonam à primeira vista.
Marcada a data do casamento, ele só tem um receio: como convencer Yeda de que seus
sentimentos são verdadeiros? Afinal, quando ela descobrir que na verdade ele é um
príncipe e que viera a Londres procurar uma esposa, não vai acreditar na veracidade
de seus sentimentos!

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NOTA DA AUTORA

Durante anos os russos lutaram desesperadamente para ocupar os países


dos Bálcãs, não apenas com o fim de conseguir expansão territorial, como
também encontrar uma saída ao Mediterrâneo.
Contudo, os pequenos principados eram salvos pela rainha Vitória que
mandava para lá moças inglesas de sangue azul, a maioria delas parentas
suas, com a finalidade de se casar com os soberanos desses pequenos países
Havia uma coisa que os russos não queriam por nada no mundo, e era
uma guerra com a Grã-Bretanha.
Infelizmente, quando Alexandre III subiu ao trono da Rússia, tornou a
situação ainda pior.
Era um homem duro, cruel, e a perseguição que fez aos judeus não teve
precedentes na História até o advento de Adolf Hitler, cinqüenta anos mais
tarde.
Alexandre deu muita força à “Terceira Seção”, polícia violenta, criada
por Nícholas I.
Ele não fez reviver a pena de morte, mas estava inteiramente
subentendido que se podia matar um homem com a penalidade do chicote.
Os exércitos do czar invadiram a Ásia, incorporando milhas de terra ao
império russo, chegando cada vez mais perto da índia.

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CAPÍTULO I

1883

— Não é justo! — Não é justo! — Não é justo! — Lady Marigolde


exclamava.
— Sei disso — o pai, o duque de Dumbleford, concordou. — Supliquei à
Sua Majestade, porém ela foi irredutível.
— Que falta de sorte! — Marigolde lamentou. — Não tendo permissão
de ser apresentada à Corte em maio, perderei todo o início da temporada.
— Sem dúvida — o duque disse, — e sinto muito, minha cara. — Mas
sabe como Sua Majestade é no referente a conservar o luto durante um ano.
Marigolde ergueu os braços num gesto de desespero e sentou-se no sofá.
Parecia-lhe extremamente injusto a rainha Vitória não permitir que ela
fosse apresentada à Corte na primeira festa que teria lugar no começo de
maio, aliás, na semana seguinte.
O duque fora ao Castelo de Windsor especialmente para pedir à Sua
Majestade que fizesse uma exceção à filha. Suplicou à soberana que a
deixasse tirar o luto dois meses mais cedo. Mas em vão.
Marigolde achava cruel e injusto não poder ser uma debutante naquele
ano, como não o fora no ano anterior.
Sua mãe morrera de repente há quinze meses. E agora, com dezenove
anos e ansiosa mais uma vez por ser apresentada à Corte, morria a avó. Isso
aconteceu meses antes da tão desejada apresentação. Conseqüentemente, ela
não poderia tomar parte nos bailes da Corte em Londres, como não pudera
no ano anterior. E, claro, o desaponto foi grande.
Sua irmã Yeda, dois anos mais moça, não fora tão afetada pelo luto por
ocasião da morte da mãe porque estava interna num colégio.
Sabendo que Yeda sofreria com a ausência da mãe mais do que a irmã
mais velha, o duque mandou-a para um colégio na Itália. Sabia que, embora a
dor fosse grande, não seria tão aguda como se ela ficasse na casa rodeada de
todas as lembranças da mãe que perdera.
Mas não havia nada que o duque pudesse ter feito com a filha mais
velha, Marigolde, que não gostava de escola e se sentira aliviada ao deixar de
freqüentá-la. Isso em especial quando imaginou que seria uma das mais belas

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debutantes da temporada.
Como filha do duque seria convidada a todos os bailes e festas dadas
pela alta sociedade. E até já comprara alguns vestidos com que pretendera
estarrecer Londres.
Seu sonho, contudo, não se transformara em realidade. E agora, com a
morte da avó, era forçada a permanecer na casa de campo onde não tinha
nada a fazer além de se divertir com os amigos da vizinhança. Ridículo
prêmio de consolação.
O duque, seu pai, lhe dera permissão para organizar todas as festas e
bailes que desejasse, mas no campo, não em Londres. Providenciou até
algumas corridas de cavalo, convidando pessoas jovens.
Contudo, nada disso servia de consolo para Marigolde que tinha certeza
de pasmar Londres com suas toaletes e sua beleza.
Ela herdara muito da beleza do pai e da mãe. Os cabelos deles eram
louros, os de Marigolde também, porém tinha um tom dourado mais intenso,
o que lhe valera o nome de gold, ouro. Os traços clássicos herdaram-os da
mãe que fora a mais linda princesa vinda à Inglaterra, da Suécia.
Yeda, a filha mais moça, não possuía a beleza da mãe, mas tinha algo que
encantava qualquer pessoa que viesse a conhecê-la. De estatura baixa, os
cabelos não possuíam o viço dos da irmã, mas os olhos eram lindos, do tom
azul de céu pela manhã. Qualquer coisa nela fascinava quem a fitasse, a
ponto de repetir mil vezes que Yeda era muito especial.
O pai caçoava dizendo que a filha devia ter o dom dos espíritos que, de
acordo com a mitologia sueca, guiavam as pessoas que nasciam naquele país.
Esses espíritos transmitiam um conhecimento secreto de outros mundos
além do mundo em que viviam no momento. As duas irmãs eram bem
diferentes uma da outra. Marigolde esperava por aplausos. Queria passar a
vida indo de festa em festa e, se possível, dançando a noite inteira. Tinha
absoluta certeza de que, quando o pai fosse ao Castelo de Windsor,
conseguiria o que ela desejava. Como persona grata da soberana, iria obter o
favor pedido. Seria simples para a rainha dar à filha de homem tão
importante a permissão para que fosse apresentada à sociedade no início da
temporada.
— Trata-se apenas de cancelar dois meses de luto, madame — o duque
dissera. — Tenho certeza de que a senhora entenderá que minha filha vai
ficar desapontada ao saber que perderá os primeiros meses de vida adulta
por causa do luto.
A rainha Vitória, contudo, fora intransigente. Considerava o luto uma

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coisa sagrada. Tomá-lo mais curto seria um insulto aos mortos. E respondera,
sem hesitar:
— Se eu ainda posso chorar a morte de meu marido, que se deu há
muitos anos, lady Marigolde poderá ficar de luto por mais dois meses e só
depois disso ser apresentada à Corte.
Enquanto voltava para casa o duque sabia que a filha ficaria furiosa.
De fato, Marigolde ficou irritada ao saber que o pai falhara em sua
missão.
— Você insistiu com a soberana, papai? — Ela perguntou.
— Claro — o duque respondeu. — Mas você sabe que Sua Majestade
nunca mais tirou o luto depois da morte do Príncipe Alberto. — E garanto
que o usará até o túmulo.
— Sem problemas se ela se sente bem assim — Marigolde retrucou —,
mas eu conheci pouca minha avó. — Não vejo razão para fingir que estou
sofrendo quando quase me esqueci do rosto dela.
— Sua avó foi dama de companhia da soberana e pessoa muito querida.
— Bem, então ela que chore a morte de vovó, se desejar, mas não há
razão para exigir que eu faça o mesmo.
O duque percebeu que não adiantaria discutir. Conhecia a filha muito
bem, por sinal bastante diferente da mãe e da irmã mais moça. Marigolde
nunca parava de se lamuriar quando privada de alguma coisa. Continuaria se
queixando dia após dia, durante dois meses, até enfim ter permissão de ir a
Londres.
— Não posso abrir nossa casa em Park Lane — o duque repetiu o que já
dissera centenas de vezes — porque, se Sua Majestade vier, a saber, que você
se encontra lá, concluirá logo que não está respeitando o luto como deveria.
— E em conseqüência disso sua entrada no Castelo de Windsor será
vedada para sempre.
— Tudo o que posso dizer é que esse procedimento é injusto, cruel e me
parece um ato vingativo de Sua Majestade. — Só porque ela quer chorar a
morte de um homem que se foi há anos, não vejo motivo para forçar que a
copiemos.
— Ela é nossa rainha — o duque disse calmamente — e devemos
admirar a excelente maneira como cuidou para que nosso Império crescesse
desde que assumiu o trono.
— Bem, tudo o que espero é que ela não perca o que conquistou, por ser
tão egoísta fazendo seus súditos sofrer dessa maneira — Marigolde declarou
irritada.

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— Com o fim de alegrar você um pouco — o duque declarou —
providenciei uma corrida de obstáculos com um grupo de homens que
convidei. — Temos muitos cavalos para livre escolha de todos eles.
— A corrida será aqui, papai? — Marigolde perguntou, surpreendida.
— Claro. — Pensei em agradar você, minha cara. — Será uma festa
discreta, só para amigos em quem confio que não revelarão nada à rainha.
Marigolde deu um grito de alegria.
— Oh, papai, isso será muito bom.
— Será mesmo — Yeda, que estivera, quieta o tempo todo enquanto a
irmã falava, concordou.
— O que não podemos fazer — o duque continuou — é comentar sobre
isso para não termos curiosos nos observando. — Meus amigos ficarão
hospedados aqui em casa.
— Espero que sejam jovens atraentes e saibam dançar — Marigolde
comentou.
O duque riu muito.
— Se são meus amigos, alguns não são muito moços. — Mas há vários
cavaleiros jovens e garanto que gostarão de dançar depois do jantar.
Num ato impulsivo Marigolde abraçou e beijou o pai.
— Agora você me animou papai — ela disse. — Se planejar outros
divertimentos como esse, não estarei de cabelos brancos quando finalmente
for apresentada à Corte.
O duque riu e Yeda comentou:
— Umas coisas, papai, precisaram fazer; treinar um pouco os cavalos que
você acabou de comprar. — Acho que são muito bons, mas necessitam de
algum treino se vai tomar parte na corrida de obstáculos.
— Concordo. — Na verdade, fiz uma compra excelente — o duque
acrescentou. — Tive sorte de poder comprar quase na totalidade os animais
de lorde Huntley antes de serem levados ao leilão de Tattersall.
— Montei já quase todos eles em meus passeios pela manhã — Yeda
informou — e constatei que são os melhores cavalos que já tivemos.
O duque sorriu. Era o que ele pensava.
— Ainda não os fiz saltar — Yeda explicou — porque imaginei que você,
papai, quisesse experimentá-los antes. — Mais ainda, eu não tinha muita
certeza se já tinham tido algum treino.
— Fez muito bem, minha filha. — Agora que estou em casa podemos
cavalgar juntos todos os dias e ver quais são os melhores. — Ele sorriu antes
de dizer: — Eu gostaria de vencer ao menos uma corrida em minha

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propriedade.
— Como vem acontecendo cada ano — Yeda comentou. — E
naturalmente não pode ser diferente este ano.
— Conte-nos quem você convidou papai — Marigolde pediu. — Espero
que haja muitos rapazes simpáticos.
— Não vai desapontar minha filha. — E há um estrangeiro muito
interessante.
— Um estrangeiro! — Marigolde exclamou. — Achei que você não
gostava de estrangeiro. — Acha-os cansativos.
— É verdade — o duque concordou. — Em especial quando não posso
falar a língua deles. — Mas esse homem a que me refiro é primo distante do
príncipe Ivor de Sokollz e tenho a impressão de que veio de visita ao Castelo
de Windsor porque o príncipe Ivor receia a invasão dos russos nos Bálcãs.
— Não me causa surpresa — Yeda murmurou.
— Ele espera, penso — o duque prosseguiu —, que a rainha Vitória lhe
forneça uma esposa inglesa, como vem fazendo com muitas outras realezas.
As duas moças ficaram silenciosas. Ambas sabiam que os russos haviam
se inspirado nos alemães nesse assunto de invasões. Bismarck desenvolvera
um sistema que consistia em ocupar vários pequenos principados. E a Rússia
copiara-o, invadindo os países balcânicos. Dizia-se que, com deliberação,
provocava desordens nesses países para depois ocupá-los com suas tropas,
em nome da paz. E isso vinha causando revolta em vários países da Europa.
A rainha Vitória, muito prática, já providenciara o casamento de muitas
de suas parentas com os governantes dos países ameaçados de invasão. Isso
impedia que os russos causassem problemas, por respeito à Inglaterra.
Se havia uma coisa que eles não tinham condições de enfrentar, era uma
guerra com a Grã-Bretanha. Portanto, quando a bandeira inglesa tremulava
num desses pequenos países, os russos procuravam outro.
— O estrangeiro sobre o qual você falou, papai — Marigolde indagou —
é enviado do príncipe?
— Não! — Não sei com certeza! — O duque respondeu. — Mas sei que
teve uma audiência com Sua Majestade e vários cortesãos me contaram que
suspeitam tratar-se de outro pedido de socorro.
— Está dizendo — Marigolde continuou — que esse homem, quem quer
que seja, possa estar insinuando que você providencie uma noiva inglesa
para o príncipe Ivor?
— Isso eu não sei. — Só sei que eu estive em Sokollz muitos anos atrás,
quando muito jovem. — Nessa época quem ocupava o trono era o pai de Ivor

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o qual foi muito amável comigo. — Levou-me a uma caçada e visitei o país
todo que por sinal é lindo.
— E o filho, o príncipe Ivor, não é casado?
— Não, continua solteiro embora já tenha, penso vinte e oito anos de
idade.
— E como é esse primo dele? — Marigolde perguntou.
— O conde Theo Kerenly é um rapaz muito simpático, e toda a família
tem sangue real russo nas veias. — A mãe de Ivor foi uma das grandes
belezas de sua época.
— Você a conheceu, papai? — Yeda perguntou.
— Não! — O duque sacudiu a cabeça. — Quando estive em Sokollz ela
se encontrava em São Petersburgo visitando a família. — Mas vi retratos dela
e constatei tratar-se de mulher de beleza excepcional.
—Então o príncipe deve ser também muito atraente — Marigolde
observou.
O duque fitou-a e perguntou:
— Você estaria preparada, havendo oportunidade, para se casar com um
príncipe real?
— Claro que sim, papai. — Mas acho que você devia ter pensado nisso
antes. — Afinal, está sempre com a rainha e sabe que ela constantemente
procura noivas inglesas. — E ninguém pode dizer que não temos sangue azul
nas veias.
— É verdade — o duque confirmou. — Foi sua mãe quem o trouxe à
família, da Suécia. — Porém nunca dei muita importância a isso.
— Bem, mas como filha da princesa Astrig da Suécia, considero-me
bastante boa para casar com um príncipe que governa um pequeno país —
Marigolde protestou. — Ivor usa o título “Sua Alteza”?
— Claro. — Contudo, o conde Theo não me confiou nada. — Apenas me
fez lembrar que ele era um menino quando eu estive em Sokollz; por isso não
nos vimos. — Mas insistiu que se recorda de minha visita, e que seu tio
muitas vezes mencionou meu nome.
O duque falava com um ar satisfeito. E Marigolde disse:
— Graças a Deus, papai, que você foi bastante inteligente em convidar
esse conde para a corrida de obstáculos. — Se ele sugerir que eu me case com
o príncipe, diga-lhe que aceito com prazer. — É bem mais interessante ser
“Sua Alteza Real” que simplesmente lady Marigolde.
— Morar em país estrangeiro não é tão fácil assim — o duque comentou.
— E, com franqueza, prefiro que minhas filhas fiquem perto de mim e

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não tão longe a ponto de eu as ver apenas uma ou duas vezes por ano.
— Entendo isso, papai — Marigolde disse — mas veja que poder
insignificante você tem. — E, afinal, é um dos mais conceituados duques da
Inglaterra.
O duque sacudiu a cabeça e Marigolde continuou:
— Não influenciou em nada na opinião da rainha e eu tenho de esperar
mais dois meses para freqüentar a Corte e me divertir. — Poderia esnobar
Sua Majestade casando-me com o príncipe Ivor sem ao menos pedir-lhe
permissão.
— Você não conseguirá fazer isso — o duque protestou, erguendo os
braços. — Não acredito que o príncipe Ivor peça sua mão em casamento sem
antes consultar a rainha e esperar por uma aprovação dela.
—A rainha não pode negar essa aprovação, pode? — Marigolde
perguntou bastante agressiva. — Afinal, descendo de uma genuína princesa.
— Embora a Suécia não seja tão importante quanto á Inglaterra, ainda
tem uma respeitada família real.
— Tem, tem, naturalmente! — O duque exclamou. — Concordo com
isso, mas não posso percorrer toda a Europa a procura de um príncipe só
porque você quer se sentar num trono.
— Se o primo de Ivor, o tal conde, está aqui para observar nosso país,
você devia encorajá-lo a sugerir ao príncipe que eu faria uma linda e popular
rainha.
— Eu gostaria de não ter falado sobre isso com você — o duque
confessou. — Pelo que sei o conde não está interessado em nada além de
visitar a Inglaterra e se encontrar com alguns velhos amigos.
— Bem, mas não deixa de ser estranho um simples conde ir ao Castelo
de Windsor e provocar tanta agitação, a ponto de você convidá-lo a se
hospedar em casa.
— Tudo bem, não nego que tenha razão. — Mas não quero que
mantenha esperanças. — Se for o caso, a rainha providenciará uma noiva
para Ivor entre suas parentas. — Não haverá chance nenhuma para você,
minha filha.
— Continuo achando, papai, que o mínimo que se pode fazer é
perguntar ao conde se o motivo que o trouxe aqui foi do interesse do
príncipe. — E diga-lhe que tem uma filha que adoraria visitar Sokollz.
— Como já disse não desejo que minhas filhas sejam levadas para longe
só porque têm sangue azul nas veias.
— Muito bem. — Marigolde não se conformou. — Eu mesma falarei com

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o conde. — De qualquer maneira, a corrida de cavalos será um divertimento
interessante para mim, considerando-se esses dois meses em que teria de
andar por aí como um urubu, toda vestida de preto.
Marigolde saiu da sala batendo a porta. Yeda, que estivera quieta o
tempo todo, aproximou-se do pai e beijou-lhe o rosto.
— Não fique triste, papai, por causa de Marigolde. — Ela está muito
deprimida por não poder ir às festas em Londres. — Lemos nos jornais que o
baile oferecido pela duquesa de Manchester foi o mais famoso de toda a
temporada.
— Eu sei! — Eu sei! — O duque afirmou. — Considerei muita estreiteza
de espírito de Sua Majestade não permitir que Marigolde tirasse o luto dois
meses antes. — Mas não adiantou eu implorar. — Pedi à rainha que fizesse
uma exceção para Marigolde, porém ela recusou me ouvir.
— Foi muito bom você resolver dar esta festa, papai. — Marigolde vai
gostar.
— Tenho certeza que sim — o duque concordou com um quê de
sarcasmo na voz. — Mas ao mesmo tempo acho ridículas mulheres ficarem
caçando maridos.
— Sei disso! — Yeda riu muito. — Mas não houve muita chance até
agora para a pobre Marigolde. — Quando lemos sobre as festas que estão
tendo lugar em Londres agora, ela quase chora porque foi privada disso tudo.
— O que havemos de fazer? — O duque perguntou. — Se formos a
Londres ela não poderá ir a festas. — Se chamar a atenção da rainha, o que
com certeza acontecerá, aceitando convites que deveria recusar, poderá criar
dificuldades para todos nós.
— Eu sei papai — Yeda concordou. — E Marigolde sabe também. — Mas
precisa reconhecer que é muito triste para ela.
— E para você? — o duque indagou.
— Sabe muito bem, papai, que tendo os cavalos e conversando com você,
não desejo nada mais.
— É uma boa menina, Yeda. — Apenas gostaria que sua irmã não fosse
tão ambiciosa.
— Marigolde quer ser importante, e naturalmente seria maravilhoso se
você pudesse encontrar um príncipe reinante para se casar com ela.
— Alguns deles, eu ouvi dizer, são bem desprezíveis. — Um trono pode,
às vezes, ser muito desagradável.
— Concordo. — Não desejo isso para mim.
— Vou cuidar do casamento de vocês duas assim que tirarem o luto — o

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duque prometeu. — Espero que encontrem alguém que amem como amei sua
mãe, e que sejam muito felizes.
— Está lendo meus pensamentos, papai, porque é exatamente o que
desejo. — Garanto que assim que retornarmos à vida normal Marigolde
voltará a ser feliz e isso é bem mais importante que uma coroa.
— Agora você falou a verdade, minha filha.
Yeda beijou o pai de novo e disse:
— Venha, papai. — Vamos dar uma olhada nos cavalos. — Há um ou
dois que precisam ser inspecionados, pois desconfio que não estejam á altura
dos outros de nossas estrebarias.
O duque riu muito e comentou:
— Eu devia ter adivinhado logo que, no caso de eu ter feito uma compra
errada, você descobriria.
— Excluindo esses dois, os outros são fantásticos. — E, se você não for o
vencedor de uma das corridas, ficarei muito desapontada.
— Eu e você temos condições de vencer grande número de corridas — o
duque declarou. — Não há ninguém, minha querida, que cavalgue tão bem
como nós.
— Gostaria que isso fosse verdade, mas reconheço que a experiência que
tenho é graças à generosidade de meu pai e ao treinamento dado por ele.
Yeda e o duque saíram da casa e foram às estrebarias. Atravessaram o
jardim onde as papoulas e os jacintos acabavam de florescer. As árvores
começavam a adquirir o tom verde vivo da primavera.
— Tudo está tão lindo aqui — Yeda comentou enquanto caminhavam
pelos gramados. — Não posso entender que alguém queira morar na cidade,
mesmo que a cidade seja Londres.
— Mas é o que sua irmã deseja, e precisamos organizar baile para ela
assim que as corridas de Ascot terminarem.
— Oh, papai, Marigolde ficará tão contente! — Aposto que, quando ela
constatar que Londres é tão maravilhosa quanto pensa, desistirá dessa idéia
tola de se sentar num trono.
— Espero que sim. — Enfim, tudo parece muito bom à primeira vista,
mas algumas das esposas inglesas que foram para os Bálcãs se arrependeram
amargamente mais tarde.
— Eu, papai, jamais irei para longe de você — Yeda prometeu.
O duque se deu conta de como a filha mais moça era carinhosa, tão
diferente de Marigolde que com freqüência o irritava. Esta insistira, embora
sabendo, ser impossível por estar de luto, em ir a festas e em dançar durante

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todo o ano anterior. Isso durante o tempo em que Yeda ainda estava no
colégio interno.
O duque, como todos os membros da corte, não queria cair em desgraça
da rainha Vitória. Sabia que a soberana tinha meios de descobrir qualquer
desobediência às suas ordens, embora os cortesãos tentassem esconder tudo.
Não ignorava que, se Marigolde incorresse em falta, a rainha poderia
impedir que ela se casasse com quem quer que fosse. A menos, claro, se o
pretendente não pertencesse ao mundo social.
Apenas o príncipe de Gales podia fazer o que quisesse para gozar a vida.
Apesar disso, falava-se que tinha muito medo da mãe.
O duque e Yeda chegavam aos enormes estábulos, modernizados agora
para dar aos cavalos o maior conforto possível.
Yeda foi direto às baias onde estavam os animais recentemente
adquiridos. Lindos exemplares!
Apenas por causa da morte do antigo dono que deixara montanhas de
dívidas, o filho vendera-os todos.
O duque foi de baia em baia, com Yeda apontando para os pontos fortes
de cada animal. Vez por outra pedia a opinião do pai, isso quando tinha
alguma dúvida. De fato, havia apenas dois cavalos que ela classificara como
fracos. E o duque decidiu imediatamente vendê-los. Os outros pareciam ter
sido uma magnífica aquisição.
Foi só quando voltavam à casa que Yeda lembrou-se de perguntar:
— Para quando você planejou a corrida de obstáculo, papai?
— Para a próxima semana. — Haverá seis convidados, incluindo o conde
sobre o qual falamos. — Ele vai chegar à sexta à noite.
— Foi bom, á pista de corrida ter sido arrumada recentemente — Yeda
observou. — Não há mais nada a se fazer além da colocação dos obstáculos.
— Bom — o duque disse. — Mas é interessante dizer aos empregados
que limpem tudo muito bem para que não haja galhos de árvores ou
qualquer coisa perigosa pelo caminho.
— Cavalguei dias atrás e não encontrei problemas.
— Não vou permitir que você, apesar de ser boa cavaleira, tome parte na
corrida de obstáculos. — Não é para mulheres, embora eu tenha certeza de
que atrairia a atenção de todos os espectadores.
— Posso imaginar mamãe tomando parte numa dessas corridas, sendo a
mais linda de todas as mulheres.
Os olhos do duque escureceram ao pensar na esposa. Yeda percebeu
como o pai ainda sentia falta da mulher que não estaria mais em casa

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esperando por ele. E achou que: errara ao mencionar a mãe.
Porém, pensava nela o tempo todo. E não havia ninguém com quem
pudesse falar sobre sua mãe além de com o pai o marido que ela amara com
paixão durante toda sua vida.
O duque não deu mais uma palavra até chegar a casa.
“Pobre papai”, Yeda pensou. “Mas eles tiveram vinte e três anos de vida
em comum, absolutamente felizes. Quem poderia desejar mais?”
Muitas pessoas não tinham nem isso… O casamento de seus pais não
fora apenas o mais feliz como o de resultados mais satisfatórios possíveis.
O duque, num determinado período da vida, receara ficar somente com
duas filhas. Isso significaria não ter um herdeiro para continuar com o título.
Isso numa família que datava do século doze.
Depois do nascimento das meninas a duquesa ficara muito enfraquecida,
quase impossibilitada de engravidar.
Mas, quando Yeda estava com oito anos, o irmão nasceu. A alegria do
duque e de toda a família foi imensa.
Charles, um rapaz forte, atraente, mimado pelas irmãs, freqüentava
agora a escola secundária em Eton. Por causa de Charles, Yeda sabia seu pai
não se desesperou ainda mais com a morte da esposa, pois ela já dera à luz
um herdeiro.
Bem no fundo da mente do duque estava a idéia de que Charles
aproveitaria os cavalos quando viesse a casa, de férias.
“Que mais poderíamos desejar?”, Yeda se perguntava. “Temos uma
linda casa, magníficas estrebarias e um pai compreensivo”.
Apenas Marigolde se rebelava contra tudo aquilo. Queixava-se o tempo
todo de que era aborrecido morar no campo. Queria uma corte permanente
de homens admirando sua beleza, como se ela fosse uma deusa e não uma
jovem quase menina.
Yeda estava certa de que sua irmã seria absoltamente feliz se ela pudesse
dançar todas as noites é ser convidada pelas mais notáveis anfitriã de
Londres.
“Dois anos é tempo longo demais na vida de uma pessoa”, Yeda
pensou, “e posso entender Marigolde”.
Mas gostaria que a irmã não atormentasse tanto o pai. Sempre o fazia
sentir-se como se não se importasse com ela. No entanto, o duque estava o
tempo inteiro atento ao bem-estar dos três filhos.
Por exemplo, já providenciara para que Charles fosse para Oxford assim
que terminasse o curso secundário.

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Mas somente Marigolde se irritava com o pai, e Yeda concluiu que seria
uma bênção haver hóspedes masculinos na casa durante um fim-de-semana.
“Preciso ver se tudo está em ordem”, ela disse a si mesma.
Há muito desistira de convencer a irmã mais velha de que as coisas
deveriam continuar nas mesmas após a morte da mãe. Por isso assumira a
posição de dona de casa sozinha.
Começou logo a preparar os quartos de hóspedes.
“Preciso falar com a Sra. Stevens para que providencie tudo”.
A Sra. Stevens era a governanta da casa. Haveria grandes jantares todas
as noites e os convidados seriam dessa vez, quase que exclusivamente
homens.
“Ao menos”, Yeda refletiu, “Marigolde parará de se queixar mesmo que
não sejam príncipes coroados”.
Em seguida riu à idéia. Considerava ridícula a irmã desejar sentar-se
num trono. Enfim, Marigolde sempre quisera o melhor de tudo. A boneca
mais linda, o maior pedaço de bolo, o maior pacote de chocolate.
Ao ficar mais velha, escolhera o maior e melhor quarto de dormir
disponível na casa. Foi com dificuldade, após a morte da duquesa, que Yeda
convenceu-a a não ficar com o quarto da mãe.
— É claro que você não pode dormir lá — ela dissera. — Papai não
gostaria que esse quarto fosse ocupado. — Talvez, queira ter a impressão de
que mamãe ainda continua perto dele.
Quando percebeu que a irmã estava prestes a brigar, Yeda acrescentou:
— Escolha para você o quarto de hóspede mais bonito.
Marigolde cedeu, com receio de aborrecer o pai, mas apoderou-se das
melhores jóias da mãe.
— Você já tem bastante — o duque finalmente protestou. — Satisfaça-se
com o que pegou e diga ao menos “obrigada” a seus irmãos.
“E agora ela quer uma coroa”, Yeda pensou. “Mas, se o príncipe Ivor
desejasse de fato uma esposa inglesa, teria mandado mensageiros ao Castelo
de Windsor para pedir auxílio. Além disso, tenho quase certeza de que a
rainha ignora que temos sangue azul. Na verdade, não somos princesas, e
Sua Majestade não se daria ao trabalho de fornecer um vaso de guerra para
transportar a noiva do príncipe a Sokollz. Claro, sendo essa noiva uma de nós
duas”.
Depois ela riu. Tudo era tão ridículo!
“Marigolde deseja demais. E pela primeira vez na vida receberá um
“não!” como resposta.

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CAPÍTULO II

Yeda estava muito ocupada preparando tudo para a festa. Seriam doze
pessoas ao todo, nove convidados e os três da casa. Seu pai jogaria bridge
depois do jantar na sexta-feira, no sábado e talvez no domingo, com os
senhores mais velhos. Houve necessidade de se convidar outras duas moças
para que todos os quatro rapazes tivessem um par de danças.
Felizmente moravam na vizinhança duas jovens a quem Yeda poderia
convidar sem medo de que falassem demais sobre a festa. Não queria que a
rainha descobrisse coisa alguma.
Mas, a primeira pessoa que ela escolheu foi uma encantadora viúva, a
Sra. Allen, que morava bastante perto. Enviuvara aos trinta anos tendo o
marido morrido num acidente ferroviário. Poucas pessoas viajavam de trem
naqueles dias, com temor dos desastres, bastante freqüentes. Mas o Sr. Allen
insistira e encontrara a morte com seis outros viajantes em conseqüência da
colisão de dois trens.
A Sra. Allen estava agora com trinta e cinco anos de idade e era muito
simpática. O duque sempre apreciara tê-la como convidada.
No convite que Yeda lhe mandara, acrescentara:
“Por favor, venha à nossa festa com seu mais lindo vestido, pois quero
que essa reunião seja um verdadeiro sucesso”.
A Sra. Allen tivera muita pena de Marigolde pelo fato de ela não ter
podido ir às festas de Londres na temporada do ano anterior. E mais triste
ainda ficara ao saber que ela estava novamente de luto pela morte da avó.
— Lamento muito a situação de Marigolde — a Sra. Allen dissera a Yeda,
— mas não há nada que possamos fazer. — Assim que esse horrível luto
acabar tenho certeza de que seu pai dará muitas festas em Londres, como
também, espero um baile aqui.
— Ele já prometeu isso, mas Marigolde está deprimida porque se sente
envelhecendo rapidamente.
A Sra. Allen riu muito.
— Falta ainda muito para isso. — Garanto que tão logo ela apareça em
sociedade encontrará um marido charmoso.
Yeda concordara.
As outras duas mulheres convidadas eram bem jovens e também
vizinhas. Uma morena e uma loura. Mas nenhuma podia competir com a

15
beleza de Marigolde.
Havia na casa um rapaz, Rod, que tocava piano maravilhosamente bem.
Quando ainda muito jovem, o duque conheceu na Rússia um moço,
quase um menino, originário da Finlândia, que o salvou de terrível acidente
em São Petersburgo. Como o finlandês confessasse que desejava sair da
Rússia e conhecer a Inglaterra, o duque resolveu trazê-lo a casa consigo.
Cinco anos mais tarde o valete do duque se aposentou e o finlandês
tomou seu lugar, trabalhando com perfeição na nova atividade. Sendo seu
nome difícil de ser pronunciado, apelidaram-no de Rod.
E foi a duquesa quem descobriu a vocação musical do rapaz. Bondosa
como era, permitiu que ele tomasse aulas com um professor de piano. Para
surpresa de todos, muito breve Rod começou a tocar melhor que o próprio
professor. Compunha músicas com características quase clássicas.
O duque e a duquesa ofereceram-lhe a chance de ir á Londres para
aprender música. Mas Rod caiu em pranto e disse que preferia morrer a
abandonar a casa em que morava agora.
O duque concordou então que ele ficasse, mas lhe forneceu toda a
oportunidade para praticar. Deu ao rapaz um piano que foi colocado nas
dependências dos empregados. E muito freqüentemente a família ouvia-o
tocar e a criadagem cantar as músicas que ele compunha.
— As pessoas se esquecem que empregados têm ouvidos — o duque
comentara certo dia com a filha mais moça. — Dizem coisas na frente de Rod,
que domina várias línguas, pois imaginam que ele só fale inglês. — Claro isso
quando estamos nos comunicando em francês ou alemão.
O duque falava fluentemente essas duas línguas. Rod pouco a pouco foi
se tornando um membro da família.
Yeda mandou chamá-lo para lhe dizer que iriam ter hóspedes que
gostariam de dançar depois do jantar.
Rod era agora um rapaz alto, muito atraente. Tornara-se companhia
indispensável do duque em todas as viagens. Talvez por ser finlandês
aprendesse línguas com facilidade, ele falava fluentemente todas elas.
— A festa é para animar um pouco lady Marigolde, Rod — Yeda
informou-o. — Você deve ter reparado como minha irmã anda deprimida
nestes últimos tempos.
— Espero que os rapazes sejam bons dançarinos — Rod respondeu.
— Sua Senhoria não se divertirá se não forem.
Yeda pensava na mesma coisa. Mas tinha quase certeza de que o
marquês de Stern, herdeiro do duque de Sternshire, agradaria Marigolde.

16
Yeda só o vira uma ou duas vezes, em Londres. Com quase vinte e nove
anos de idade ainda não tinha se casado.
Falava-se que mantinha relacionamentos com mulheres casadas, e que
nem olhava para debutantes. Contudo, Marigolde não era mais uma
debutante e talvez o duque flertasse com ela colocando-a na mesma categoria
das mulheres com quem se entretinha.
Haveria ainda dois militares presentes, membros da Brigada de Honra, e
bons cavaleiros de acordo com o duque; e também, de acordo com ele, muito
atraentes.
O outro jovem era o conde, desconhecido de todos com exceção do
duque que se encontrara com ele no Castelo de Windsor.
Yeda comentou com Rod:
— Espero podermos nos comunicar com o conde. — Tomara que ele
saiba inglês porque não tenho idéia da língua que se fala em Sokollz.
Mas Yeda concluiu logo que, se ele fora mandado à Inglaterra com
alguma missão, conforme era de se pensar tinha de ser fluente em inglês.
Terminada a conversa com Rod, Yeda foi ter com a Sra. Stevens, a
governanta. Discutiram sobre os quartos a serem ocupados pelos hóspedes, e
os melhores foram dados aos amigos mais idosos do duque.
O marquês de Stern ocuparia o próximo, também bastante confortável.
De súbito Marigolde apareceu e entrou na conversa, insistindo que se
desse um quarto de primeira qualidade ao conde, como seria normal a um
representante do príncipe Ivor.
— Sendo ele apenas um conde, achei que não era pessoa muito
importante — Yeda explicou. — Mas naturalmente, querida Marigolde, você
deve ter razão. — Vamos pô-lo no quarto cor-de-rosa, com vista para o
jardim.
— Se querem minha opinião — a Sra. Stevens, interferiu, — todos os
quartos são ótimos, muito melhores dos existentes em outras casas. — E não
se esqueçam de que homens são menos exigentes que mulheres.
Yeda achou que a governanta tinha razão e parou de se preocupar. Mas
Marigolde parecia empenhada em impressionar bem o conde. Queria que ele
levasse uma mensagem favorável a Sua Alteza Imperial o príncipe Ivor.
— Eu não vou me importar com o que as pessoas disserem — Marigolde
anunciou firmemente. — Não pretendo usar luto nesse fim de semana.
— Pode vestir-se de branco, pois é considerado meio-luto — Yeda
sugeriu. — Em especial se você puser uma faixa preta ou roxa na cintura.
— Não vou fazer nada disso — Marigolde protestou. .

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— Tenho um vestido azul pálido, muito lindo, que comprei para usar em
Londres. — E o que vou pôr no jantar da primeira noite. — E o cor-de-rosa no
dia seguinte. — Mamãe sempre dizia que a primeira impressão era muito
importante.
Sabendo que Marigolde sempre vencia em todos os argumentos
apresentados, Yeda resolveu não discutir. Apenas esperava que ninguém
fosse levar ao conhecimento do Castelo de Windsor o que se passava em sua
casa.
Depois do que a rainha dissera ao duque, a atitude de Marigolde
poderia ser considerada um desafio imperdoável à ordem da soberana.
Mas, para não parecer muito diferente da irmã, Yeda resolveu se vestir
de branco em ambas as noites, e não de luto.
O vestido da primeira noite seria um que lhe fora dado pela mãe um
pouco antes de morrer.
— Vi este vestido numa loja em Bond Street, querida — a duquesa
dissera, — e achei que ficaria lindo em você. — Embora pense ser cedo para
sua apresentação à Corte, será um vestido para essa ocasião num futuro
próximo.
Era de musselina, enfeitado com lantejoulas como gotas de chuva caindo
sobre uma flor.
“Meus vestidos, apesar de brancos, não têm nada a ver com meio-luto”
Yeda pensou com certa preocupação. “Mas ninguém vai saber o que estará
acontecendo aqui à noite, ao menos espero, e acho que Marigolde não
chamará tanta atenção com seu vestido azul pálido”.
Mas Yeda não podia ficar pensando, só nos trajes. Tinha de cuidar do
menu e providenciar que a pista de corrida estivesse em perfeito estado.
Ela foi aos estábulos. Os cavalos haviam sido lavados e escovados até
que o pelo brilhasse. As estrebarias estavam limpas como a sala de recepção.
“Só desejo que os amigos de papai dêem valor ao trabalho que estão nos
dando — Yeda dizia a si mesma enquanto voltava para a casa.
Acompanhava-a um cachorro preto, da raça labrador, que nunca a
deixava quando ela passeava pelos jardins. E Yeda se convencia mais uma
vez de que era muito mais feliz no campo do que poderia ser em Londres.
Marigolde podia dizer o que quisesse, mas o campo a encantava. As
papoulas eram como um tapete dourado sob as árvores do parque. E os
jacintos como que espiavam em meio à vegetação exuberante. As árvores
brilhavam com suas novas folhas sacudidas pelo vento.
“Adoro o campo”, Yeda refletia.

18
Ao mesmo tempo muitas vezes pensava que seria interessante ter
alguém para cavalgar a seu lado e para conversar.
A irmã montava raramente e preferia uma companhia masculina. Mas,
quando estavam juntas, ela apenas falava sobre o próprio futuro. Agora
pusera na cabeça que se casaria com o príncipe Ivor de Sokollz e que seria a
princesa mais linda de toda a Europa.
— Acho que você está se adiantando demais — Yeda lhe dissera na noite
anterior quando Marigolde falava de novo sobre seu casamento com o
príncipe.
— O que você quer dizer com isso? — Marigolde indagou, irritada.
— Não sabemos ainda o que o conde veio fazer aqui. — Talvez tenha
vindo à procura de uma noiva inglesa. — Mas há dúzias de outras razões.
— Não se esqueça disso.
— Só podia ser você a pessoa capaz de obscurecer minhas esperanças.
— Não é isso, Marigolde. — Apenas não quero que desaponte.
— Bem, se o conde não estiver aqui em missão especial de encontrar uma
noiva para Ivor, ao menos poderá falar ao príncipe sobre mim. — Aí, o
príncipe com certeza virá a Londres pessoalmente ou pedirá à rainha Vitória
que mande uma noiva inglesa para Sokollz.
— Espero que você esteja com a razão — Yeda sussurrou — Mas não
quero que sofra se as coisas não forem como pensa. — Há muitos outros
príncipes nos Bálcãs que gostaria de se casar com você, garanto.
— Não seja ridícula — Marigolde protestou. — Sabe muito bem que
papai não tem nada a ver com os Bálcãs. Não podemos ir de principado a
principado batendo na porta perguntando se me aceitariam como princesa
reinante.
Yeda suspirou. Parecia ser um tipo de obsessão a de Marigolde em
tornar-se uma princesa dos Bálcãs.
Antes de o pai ter ido ao Castelo de Windsor no último mês ela estava
fazendo uma lista de duques, marqueses e condes na idade de casar.
— Não há pressa — Yeda lhe dissera. — Sei que foi um desaponto para
você não poder ser apresentada à Corte este ano, mas, afinal, ainda não tem
vinte anos e não é bom casar-se cedo, sem conhecer o mundo e os homens.
— Sei, sobre os homens, tudo o que desejo saber. — Quanto a conhecer o
mundo, posso fazer isso depois de casada. — Viajarei com um homem
importante e serei recebida em cada país pelo rei e pela rainha.
Yeda percebeu que tudo aquilo estava se transformando num conto de
fadas. E viu que não adiantava discutir.

19
Marigolde já se enxergava usando uma coroa.
Nos próximos dias Yeda passou algum tempo providenciando, com os
jardineiros, as flores para ornamentar a casa.
Apanhou as papoulas enfeitando com elas todos os quartos.
Marigolde ocupava-se cuidando dos cabelos e tirando dos armários os
vestidos que iria usar. Mandou que fossem passados a ferro mais uma vez.
— O problema de morar no campo — ela disse à irmã é que os
empregados ficam preguiçosos. — Não se dão ao trabalho de cuidar de
nossas roupas como deveriam.
— Acho que você está sempre bem vestida, Marigolde. — Suas roupas
são impecáveis.
— Isso porque fico constantemente atrás dessas empregadas. — Mandei
ontem um par de sapatos de volta três vezes para ser engraxado.
— Espero Marigolde, que tudo saia bem no fim.
A sala de dança fora decorada também com papoulas e Rod mandara
afinar o piano. Cada instante livre ele aproveitava para praticar algumas
músicas, mas não tinha acesso ás novas, agora populares em Londres. Por
isso disse a Yeda:
— Sei milady, que posso tocar qualquer música, mas não tenho
possibilidade de comprar as que estão na moda no momento. — Na verdade,
quando leio os nomes de algumas nos jornais, percebo que nunca ouvi falar
delas.
Yeda pediu então ao pai que trouxesse todas as músicas tocadas nos
teatros, na primeira vez que fosse a Londres.
— Precisamos andar na moda, papai. — Sabe como Marigolde ficará ao
perceber que estamos atrasados e ao ver que não temos as músicas que os
hóspedes pedirem, porque ainda não chegaram até nós.
O duque riu muito e disse:
— Entendo seus motivos, Yeda, mas confesso que não tinha pensado no
caso.
— Por favor, papai, traga todas as músicas modernas que encontrar.
— Farei isso — o duque prometeu.
E ele voltou da próxima viagem trazendo uma dúzia de canções
populares tocadas em Londres.
Rod passava metade da noite tocando-as à surdina, para não perturbar
os moradores. Tinha certeza de que aprenderia todas elas.
— A que horas as visitas vão chegar à sexta-feira? — Yeda perguntou ao
pai.

20
— Acho que às seis da tarde mais ou menos. — Virão de carruagem e os
criados chegarão depois, trazendo a bagagem.
Yeda sabia que as empregadas da casa estavam exultando com a vinda
dos valetes. E a cozinheira já começava a preparar lautas refeições.
— Se há uma coisa de que tenho orgulho — a Sra. Blossom, a cozinheira,
dissera a Yeda enquanto discutiam sobre os menus. — É que nunca houve
um valete de hóspede que saísse daqui sem dizer que aumentara alguns
quilos por causa do bom passadio.
Eram quatro horas da tarde. Como os convidados fossem ainda demorar
em chegar, Yeda e Marigolde decidiram tomar chá no escritório, uma sala
que em geral usavam quando não tinham visitas.
— Espero não ter me esquecido de nada — Yeda comentou.
— E eu espero que eles fiquem bem impressionados com a casa e com as
flores distribuídas por todos os cômodos — Marigolde observou. — Suponho
que não exista outra residência que tenham visitado onde alguém linda como
eu os esperava nos degraus da entrada.
— É nos degraus da entrada que você pretende ficar? — Yeda riu muito.
— Acho que será melhor fazer uma aparição dramática na sala, quando
todos estiverem tomando as bebidas antes do jantar.
— Penso que você esteja certa — Marigolde disse, após breve reflexão.
— Farei uma entrada dramática quando eles estiverem tomando
champanhe antes de o jantar ser servido.
— Assim é melhor. — E não se esqueça de que a Sra. Allen virá amanhã
com Lily e Elizabeth.
— Não será competição para mim — Marigolde disse o convencimento
em pessoa.
Mas Yeda tinha tato demais para contrariá-la.
Marigolde levantou-se e se olhou no espelho.
— Sou mesmo linda! — Exclamou. — Foi muita maldade da rainha me
deixar aqui enterrada no mato quando eu deveria estar brilhando nos salões
de Londres.
Yeda, que já ouvira a mesma reclamação centenas de vezes, meramente
declarou:
— Se quer um conselho, suba e descanse. — Não vamos dançar hoje e
você terá todos os homens para si esta noite. — As outras competidoras só
chegarão amanhã.
Marigolde riu.
— Estou envaidecida por você ter deixado todos os homens para mim,

21
minha querida irmã, mas espero que tenha arranjado alguma coisa para
distraí-los.
— Achei melhor esperar até amanhã, quando começará a verdadeira
festa. — Os homens devem ir à cama cedo, pois quererão se sentir
descansado para a corrida.
— Muito bem — Marigolde concordou. — Nesse caso não usarei meu
melhor vestido esta noite. — Porei o cor-de-rosa, também muito bonito.
— Isso quer dizer que não vai mesmo usar luto ou meio-luto?
— Pensei que isso já estivesse decidido. — Não tenho intenção de vestir
preto enquanto as visitas estiverem aqui. — Só na segunda pela manhã.
— Tudo bem, Marigolde, faça o que quiser. — Mas precisamos ter
cuidado para que nada chegue aos ouvidos da rainha, do contrário você
estará perdida.
— Detesto a rainha, detesto o castelo de Windsor, porém isso é algo que
posso dizer só a você. — Mas é verdade. — Ela estragou minha vida e jamais
a perdoarei. — E vou dizer outra coisa. — Se algum dia eu me tornar Sua
Alteza Real a princesa Marigolde de Sokollz, darei festas no palácio todas as
noites e ninguém terá permissão de usar luto por mais de três meses.
Antes que Yeda pudesse responder, ela retirou-se fechando a porta com
força. Era bem de sua irmã, Yeda pensou e simplesmente riu.
Quando Marigolde estava decidida, como agora, a tirar o máximo
proveito de uma situação, atacava quem quer que fosse à ânsia de ficar com o
melhor. Era seu modo de agir, não se importando com as conseqüências para
si e muito menos para os outros, como no caso da rainha, quando seu
comportamento poderia prejudicar a família inteira.
Yeda tocou a sineta a fim de chamar a empregada para retirar a louça do
chá. Depois olhou à volta. Tudo estava em perfeita ordem. Seria pouco
provável que as visitas fossem ao escritório; mas seu pai, tendo um minuto
livre, gostava de usar aquela sala.
Yeda olhou para o relógio e concluiu que ele estaria de volta logo. Saíra
imediatamente depois do almoço para conversar com o governador do
condado. E dissera à filha mais moça antes de deixar a casa:
— Espero querida, que tudo saia bem, e tenho certeza de que você não se
esqueceu de nada.
— Fiz o melhor que pude papai, e desejo que os convidados se divirtam
muito.
— E vão se divertir — o duque afirmou. — Você é como sua mãe, Yeda,
quer que todos se sintam bem. — É um dom que você tem, e eu desejaria que

22
sua irmã o tivesse também.
— Sem problemas, papai. — Aposto que Marigolde vai adorar as festas,
pois haverá muitos homens para apreciá-la. — Com isso ela se esquecerá, por
enquanto pelo menos, de que não tem permissão de ir a Londres até junho.
— Já ouvi bastante sobre o assunto e não quero pensar no caso.
— Entendo papai. — O importante é que você está sendo maravilhoso
como sempre. — E foi muito esperto em organizar essa festa para deixar
Marigolde feliz.
— Se quer saber de uma coisa, minha filha, quanto mais depressa sua
irmã encontrar um marido, tanto melhor para nós.
— Concordo com você, papai, porém infelizmente príncipes coroados
não crescem em árvores, de qualquer maneira não em nosso país.
— Eu sei, eu sei! — Mas precisamos desde já começar a organizar o
grande baile de Londres. — Se for à semana das corridas em Ascot, talvez o
príncipe e a princesa de Gales compareçam.
— Seria ótimo. — E sem dúvida Marigolde ficará radiante.
— Espero que sim. — E aposto que, se o príncipe não fosse casado, sua
irmã daria em cima dele.
Yeda riu muito e disse:
— Mas o príncipe é muito mais velho que Marigolde.
— Porém nas condições atuais ela não se importaria se o pretendente
saísse do berço ou estivesse perto do túmulo. — Desde que tenha uma coroa
na cabeça, tudo bem.
O duque subiu na carruagem que o aguardava, rindo muito.
Yeda entrou em casa pensando em como o pai era paciente
considerando-se as dificuldades que Marigolde vinha criando ultimamente.
Tudo parecia bem diferente do que quando a mãe era viva, pois ela
sempre cuidava para que as meninas não atormentassem o pai, Marigolde em
particular.
A filha mais velha fazia constantemente pedidos impossíveis e portava-
se de maneira desagradável quando não conseguia o que desejava.
“Eu adoro papai”, Yeda refletia ao entrar no hall. “Ele tem bom gênio e é
extremamente carinhoso. Não é justo que Marigolde exija tanto dele”.
Yeda foi para seu quarto onde a empregada acabava de colocar no cabide
o vestido daquela noite. Pelo fato de Marigolde ter decidido não usar seu
melhor vestido, Yeda resolveu também pôr um mais simples. Era bonito, mas
nem por sombra igual ao último que a mãe lhe dera.
“O que estou pensando”, ela dizia a si mesma enquanto se olhava no

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espelho, “é que durante toda a viagem de Londres a nossa casa os homens
por certo só falaram sobre cavalos. Isso quer dizer que nós estaremos em
segundo plano até que terminem as corridas”.
Em seguida ela riu muito. Arrumou os cabelos, prendendo-os na nuca.
Aí ouviu o ruído de uma carruagem e supôs que fosse a de seu pai que
voltava. Correu para baixo até a entrada da casa onde um lacaio já havia
aberto a porta. Yeda abraçou o pai envolvendo-lhe o pescoço, beijou-o e disse:
— Estou tão contente por você já estar de volta, papai! — Tudo foi bem?
— Não tão bem como gostaria — o duque respondeu. — Mas consegui o
que eu desejava no referente; controvérsias sobre terras, das quais você deve
estar a par.
— Sim, eu sei. — Mas sugiro que vá agora à sala e tome uma taça de
champanhe, pois já é tarde demais para o chá.
— Boa idéia — o duque disse. — Mas, afinal, o que estamos celebrando?
— Estamos celebrando nossa festa que começa amanhã. — E posso
garantir que Marigolde está absolutamente certa de que até segunda-feira
pela manhã o conde a escolherá como noiva do príncipe Ivor de Sokollz.
— Fui um tolo em insinuar, por um segundo, que ele talvez tenha vindo
aqui em missão especial — o duque comentou. — O conde não passa de um
parente do príncipe Ivor e acho que ele exagerou sua importância só para
entrar em contato com a rainha Vitória no Castelo de Windsor.
— Veja em que situação, nos encontramos papai — Yeda disse, rindo
muito. — Estou certa de que Marigolde nunca nos perdoará se o conde voltar
para seu país sem antes fazer um pedido de casamento para seu príncipe.
— E se esse pedido acontecer, será por milagre — o duque observou.
Ambos ficaram silenciosos pensando em como Marigolde criaria
problemas se desapontasse.
— Seria bem mais interessante se ela tentasse conquistar o marquês — o
duque falou, inesperadamente.
— Pensei que o marquês tivesse jurado não se casar até uma idade bem
avançada.
— Isso porque, quando muito jovem, o pai tentou forçá-lo a um
casamento com mulher linda, com uma herdeira famosa.
— E o que aconteceu? — Yeda quis saber.
— A moça não era apenas rica, mas provinha de excelente família, sendo
seu pai um dos duques mais conceituados da Inglaterra.
— E o que aconteceu? — Yeda repetiu.
— Bem, forçado pelo pai, embora não muito interessado, o jovem

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marquês que não tinha ainda vinte e dois anos propôs casamento e foi aceito.
— O duque, pai da moça, ficou encantado como também seus
numerosos parentes. — Aí veio o desastre.
— Continue papai — Yeda pediu.
— Dois dias antes do casamento a herdeira fugiu com outro homem.
— Bem mais velho que ela e, pior que tudo, um estrangeiro.
Yeda riu, achando tudo muito engraçado.
— Oh, papai, deve ter havido grande agitação.
— Se houve! — O duque observou. — Não houve apenas agitação, mas
uma furiosa ira de toda a família Sternshire, do mais jovem ao mais velho.
— Todos os membros se sentiram insultados.
O duque fez uma pausa antes de continuar.
— Mas depois que a noiva fugiu para o Continente e casou-se com o
duque francês que possuía um dos mais fantásticos castelos do vale do Loire,
não houve mais nada que se pudesse fazer.
— Nada! — Yeda concordou.
— E, quanto mais se falava sobre o assunto, mais ridículo tudo se
tornava. — O pior é que, naturalmente, a fortuna da herdeira está sendo gasta
na França em vez de na Inglaterra.
Yeda achava graça no modo como o pai relatava essa história fantástica.
Enfim, ele disse:
— Naturalmente fiquei muito triste pelo papel ridículo do jovem Stern.
— Sem dúvida passara por tolo, e as caricaturas dele nos jornais faziam
todo o mundo rir.
— Pobre rapaz, ele deve ter ficado muito traumatizado — Yeda
murmurou.
— Acho que seu orgulho sofreu mais que seu coração — o duque
observou. — Desde então ele jurou nunca mais se casar.
— Acha que culpa o pai pelo desastre? — Yeda indagou.
— Bem, na verdade não sei, mas acho que poderia. — O pai era um
homem autoritário, agressivo. — Cá entre nós, o coitado do marquês não teve
nenhuma chance. — Porém, quando tudo saiu errado e ele perdeu a noiva,
culparam-no mais do que a seu pai pelo ocorrido.
— Posso entender por que agora ele detesta todas as mulheres — Yeda
disse.
O duque suspirou.
— Em outras palavras, ele não quer mais se casar, e o pai está muito
preocupado por não ter um herdeiro direto para seu título de duque.

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— Compreendo muito bem como o velho duque deve se sentir — Yeda
comentou — e sinto muita pena dele.
— Não desperdice sua compaixão — o pai aconselhou-a. — O marquês
já aceitou o que o destino lhe proporcionou e agora aproveita a vida a seu
modo. — Pelo que ouvi dizer, é o melhor partido de Londres, mas não tem
intenção de colocar a corda no pescoço uma segunda vez.
Rindo, Yeda achou que Marigolde não conseguiria adicionar o nome do
marquês em sua lista de admiradores.

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CAPÍTULO III

Yeda, com um suspiro de alívio, constatou que tudo estava pronto. Era a
hora de os homens chegarem. Os dois amigos mais íntimos do pai moravam
em Londres. Um deles no campo, mas na redondeza da capital. Os dois
militares e o estrangeiro viriam juntos, em carruagem enviada pelo duque. O
marquês de Stern atravessaria grande parte da zona rural, pois se encontrava
com a família, longe da cidade.
Yeda esperava não ter se esquecido de nada.
Marigolde, excitadíssima, atormentava todas as pessoas da casa.
Queixava-se das criadas que não tinham lavado bem seus cabelos,
queixava-se que o vestido não estava bem passado. Gritou tanto que as
empregadas, a um dado momento, começaram a chorar. E ela portava-se de
maneira agressiva também com o pai e a irmã.
O duque, como acontecia cada vez que as coisas ficavam difíceis em casa,
foi para as estrebarias. Cavalgou sozinho na floresta por algumas horas.
Aliás, era o que Yeda desejaria poder fazer. Mas sabia que sua presença
na casa era imprescindível.
Enfim, quando faltavam alguns minutos para as seis e meia, os dois
amigos íntimos do duque chegaram de Londres numa elegante carruagem
puxada por dois cavalos. Um vagonete seguiria atrás com as malas e os dois
valetes.
Yeda cumprimentou-os e conduziu-os ao local onde o duque os
aguardava. Os drinques foram trazidos e também sanduíches, para o caso de
não terem tomado o chá da tarde.
Yeda conhecia já aqueles homens. Eles teceram-lhe elogios, dizendo que
estava mais bonita do que na última vez em que a viram. Ela mal acabara de
servir a bebida para cada homem quando o marquês apareceu, pedindo
desculpa; pelo atraso.
— Eu devia ter chegado mais cedo — ele disse — mas tive problemas
com meus cavalos esta manhã. — Espero que já tenham chegado aqui.
Por felicidade, Yeda sabia que os animais haviam chegado três ao todo,
acompanhados por dois cavalariços.
Os velhos amigos do duque ficaram encantados em ver o marquês e
pediram notícias de seu pai.
— Infelizmente papai não está bem de saúde, e o pior de tudo é que não

27
pode cavalgar. — Os médicos proibiram-no terminantemente.
— Que pena! — Um dos homens exclamou, como se essa fosse a maior
desgraça do mundo.
Yeda sempre considerou o marquês um homem atraente. Sentiu pena
dele por causa do episódio com a noiva e teve vontade de expressar sua
compaixão. Mas achou que essa atitude poderia ser considerada um insulto.
Além disso, por que revolver cinzas do passado?
Ela deixou-o conversando com os outros homens e foi à porta da frente
para ver se os demais convidados estavam vindo. Em alguns minutos divisou
na estrada dois cavalos puxando uma carruagem, que galopavam em sua
direção. Enfim, chegavam os outros três convidados, os dois militares e o
estrangeiro.
Ela sabia que, se houvesse algum atraso, a cozinheira ficaria irritada.
Yeda lançou um rápido olhar rápido ao conde e entrou. Imaginou logo
que a irmã pularia em cima dele com perguntas sobre o motivo de sua
viagem à Inglaterra.
“O pobre homem vai sofrer um interrogatório terrível”, Yeda pensou
com um sorriso. “Apenas espero que ele possa dar a Marigolde respostas
aceitáveis”.
De volta para junto dos convidados Yeda encontrou-os discutindo sobre
o leilão de cavalos que tivera lugar em Newmarket.
O marquês, embora sendo o mais moço de todos, dominava a conversa.
Os mais velhos escutavam, querendo ou não.
Ela concluiu logo que o pai o estava achando irritante, e foi com um
sentido de alívio que ouviu a porta se abrir e o mordomo anunciar a chegada
dos outros hóspedes.
O mordomo pronunciou os nomes dos militares sem dificuldade, mas
gaguejou ao enunciar o nome do conde.
O duque cumprimentou os recém-chegados e depois apresentou a filha.
Ao fitar o conde mais cuidadosamente agora, Yeda surpreendeu-se. Ele
era alto, para um estrangeiro, muitíssimo atraente, com exceção do bigode e
da barba, detalhes que ela não apreciava. Mas não deixava de ser um homem
insinuante. O olhar de ambos se cruzou.
— Espero que tenha feito boa viagem — ela disse.
— Os cavalos nos trouxeram até aqui em tempo recorde — o conde
respondeu. — E pode-se ver que foram muito bem treinados pelo dono.
Ele falava um inglês quase perfeito, com ligeiro sotaque em algumas
palavras. Na verdade, não fosse pela barba, ninguém diria que se tratava de

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um estrangeiro.
— Meu pai disse que você montará um de nossos cavalos na corrida de
obstáculos amanhã. — Acho que quando vir os animais nas estrebarias terá
dificuldade em escolher um.
Como o conde a olhasse surpreendido, ela acrescentou:
— Bem, essa seleção tão grande deve-se ao fato de meu pai ter acabado
de comprar todo o estábulo de um senhor que faleceu recentemente. — Em
minha opinião, as montarias são excepcionais.
— Nesse caso, estou ansioso para vê-las — o conde declarou.
— Vou ficar muito desapontado — o marquês entrou na conversa — se
os cavalos do duque bater os meus que têm sangue árabe.
— Acho que alguns dos nossos também têm — Yeda interveio. — Mas
chegaram há poucos dias, e ainda não tivemos tempo de montá-los.
— Você vai tomar parte na corrida de obstáculos? — O conde indagou.
Yeda sorriu.
— Gostaria muito, porém papai acha que não é correto mulheres
competirem nesse tipo de corrida. — Mas vou tentar competir com você em
outra, e provar que meu cavalo é excelente saltador.
Agora foi o conde quem sorriu.
— Acredito. — Vi cavalos excelentes desde que cheguei à Inglaterra.
— Fiquei invejoso e fiz o propósito de, assim que chegar a minha casa,
melhorar minhas estrebarias.
— É como todo o mundo se sente quando visita uma estrebaria bem
provida, como é a nossa. — Yeda comentou. — Porém o mais importante é o
cavaleiro amar sua montaria.
O conde fitou-a com surpresa e disse:
— Imaginei que a maioria das mulheres inglesas cavalgasse mais por se
saber atraente quando montada num cavalo do que por amar sua montaria.
— Então você conheceu a mulher errada. — Meus cavalos me amam
tanto quanto eu os amo e se manifestam no primeiro momento em que entro
nas estrebarias.
— Não me surpreendo por eles te amarem. — E o mesmo deve se passar
com grande número de homens.
— Moro no campo. — Yeda riu muito. — São muito raros termos
homens por aqui, excetuando-se numa situação como esta. — Quando
necessito de companhia falo com meu cavalo.
— De qualquer maneira acho que os homens desta parte de seu país,
ainda que poucos sejam cegos.

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— Será? — Sempre ouvi falar que os estrangeiros elogiavam mais as
mulheres. — E também sei que é prudente não acreditar numa palavra do
que dizem.
O conde riu muito e ia retrucar quando o duque interrompeu a conversa:
— Agora que já estamos todos aqui reunidos acho melhor subirmos a
fim de nos prepararmos para o jantar. — Se há uma coisa que minha
cozinheira detesta é sentarmos atrasados à mesa.
O duque fez uma pausa e depois acrescentou:
— É bom que vocês verifiquem se as malas estão nos quartos certos,
porque meu mordomo informou que algumas não têm etiquetas.
Os militares logo disseram:
— São as nossas.
O conde, por sua vez, explicou:
— Confesso que é algo em que não pensei, e não trouxe o valete comigo.
— Não se preocupe com o valete — Yeda interveio. — Há muitos
empregados para cuidar de suas roupas.
— Uma festa como esta deve dar muito trabalho aos lacaios — o conde
acrescentou a guisa de desculpas.
Todos subiram e Yeda correu ao próprio quarto para se trocar.
Pensou mais uma vez em usar preto. Mas, com medo da irmã, pôs um
vestido branco que a fazia muito jovem e que, ao mesmo tempo, servia de
moldura perfeita a seus cabelos louros e pele transparente.
A criada que a ajudava a se vestir comentou que havia grande excitação
na cozinha por causa da chegada dos Valetes e dos cavalariços.
— As empregadas todas puseram aventais limpos e engomados, milady
— ela disse. — Nunca vi gorros tão alvos antes. — Parecem pássaros prestes a
levantar vôo.
Tal qual Marigolde, as criadas estavam excitadas por ter homens na casa.
Pronta, Yeda foi ao quarto da irmã para ver se ela precisava de ajuda.
Surpreendeu-se ao constatar que havia três empregadas lá.
Marigolde não apenas usava o vestido azul, que enfatizava sua beleza,
como também pusera o colar de diamantes e as pulseiras da mãe. Três
estrelas de diamantes enfeitavam-lhe os cabelos.
— Que tal? — Ela perguntou à irmã.
— Você está linda. — Apenas espero que a rainha Vitória não apareça
aqui por engano, antes do fim da noite.
Yeda quis fazê-la rir, porém Marigolde respondeu de mau modo:
— Não me fale dessa mulher. — Eu poderia estar vestida assim todas as

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noites e ter dúzias de admiradores se não estivesse trancada neste horrível
lugar.
— Há muitos homens aqui hoje e todos estão ansiosos pelas corridas de
amanhã. — Ainda não lhes contei que vamos dançar à noite.
— Não é a mesma coisa como em Londres — Marigolde protestou.
— Não há grande escolha para pares de dança.
Ela não esperou pela resposta da irmã. Deu meia volta, olhou mais uma
vez no espelho, e acrescentou:
— Bem, estou pronta. — Vou esperar que todos se reúnam no salão para
eu fazer a entrada triunfal.
Yeda desceu. Assim que o pai a viu, exclamou:
— Como você fica bonita de branco, minha filha! — Confesso que estava
cansado de vê-la de preto.
— E eu cansada de usar preto, papai. — Mas não se assuste quando vir
Marigolde.
— O que ela aprontou agora? — O duque indagou.
— Decidiu não pôr luto e vestiu-se de maneira bem extravagante.
— Você precisa pedir a seus amigos que não comentem nada com a
rainha quando voltarem a Londres.
— Já pedi. — Não se preocupe. — Acha que podemos confiar nas duas
moças que virão amanhã com a Sra. Allen?
— Claro, pode sim — Yeda garantiu. — Como elas moram perto de nós,
aqui no campo, não é provável que algum comentário, mesmo que o façam,
chegue a Windsor.
Yeda e o pai não puderam falar mais porque os hóspedes entravam no
salão.
Yeda notou que o marquês continuava bem agressivo. Talvez fosse por
sua aversão a mulheres.
Faltavam cinco minutos para as oito horas.
De súbito, a porta se abriu e Marigolde entrou. Estava sem dúvida
sensacional. O vestido azul fazia-a semelhante a um pedaço do céu. Os
diamantes brilhavam como seus olhos.
— Agora vocês vão conhecer minha filha mais velha — o duque
apresentou-a e em seguida foram à mesa.
Marigolde tomou o lugar da mãe, convidando o marquês para sentar-se
à sua direita e o conde à esquerda. O duque sentou-se à cabeceira da mesa
com seus dois amigos ao lado.
Foi Marigolde quem comandou a conversa. Muito breve as vozes se

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tornaram mais altas e as risadas encheram o ambiente.
Yeda achou que a festa estava sendo um sucesso.
Depois do jantar, todos voltaram para o salão.
— Vocês tiveram um dia cansativo hoje. — Por isso sugiro que vão para
a cama cedo, considerando-se as corridas de amanhã — o duque aconselhou.
— Qualquer um que tiver interesse em tomar parte nas corridas será
bem-vindo aos estábulos e poderá escolher sua própria montaria. — A
corrida principal começará às onze e meia e nos encontraremos no padoque,
na extremidade sul dos estábulos.
O duque fez uma pausa antes de acrescentar:
— Não tenham nenhuma dúvida, será uma longa e cansativa cavalgada
e eu cumprimentarei com prazer o vencedor. — Mas não se arrisquem
demais e não se cansem nos treinos antes que as “corridas comecem.
— Tem razão — o marquês concordou. — Pretendo desafiar os deuses
para ganhar essa competição. — Vou á cama agora e espero dormir até á hora
do café amanha.
Todos os amigos concordaram que a decisão mais sensata era mesmo ir
para a cama.
— Tudo isso é muito bom para vocês — Marigolde opinou —, mas para
mim e minha irmã as perspectivas não são lá tão interessantes. — Teremos de
ficar esperando a volta de todos, pois não podemos tomar parte nas corridas.
— Nesse caso, precisamos tratar de divertir vocês duas — um dos
militares sugeriu, sentando-se no sofá ao lado de Marigolde.
O outro militar puxou uma cadeira e uniu-se ao grupo. Yeda ficou num
outro sofá, entre o conde e o marquês. Este disse:
— Acho que seu pai está muito certo em não permitir que as filhas
tomem parte em algo tão perigoso como uma corrida de obstáculos.
— Não acho que é tão perigoso assim — Yeda comentou.
— Percorri a pista toda ontem e não há nada que possa deixar uma
pessoa nervosa; a menos, é claro, se o cavalo cansar antes do cavaleiro.
O marquês sorriu e explicou:
— Não sei se você viu os cavalos que eu trouxe comigo. — São
excepcionais; por isso os trouxe.
— Acho patético — o conde comentou — que vocês na Inglaterra tenham
de tomar parte numa corrida de obstáculos para provar a resistência de seus
cavalos ou a própria. — Nós, que vivemos em países menos cultos,
precisamos freqüentemente percorrer grandes distâncias para chegar ao
nosso destino; ficamos acostumados não apenas a estradas acidentadas como

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também a tratamento pouco gentil á nossos corpos.
— Acredito que seja verdade — o marquês admitiu. — E creia-me,
encontrei estradas inóspitas no último ano, em minha vida.
— Em que deserto você esteve? — Yeda perguntou. — Conte-me.
— Sempre me interessei pela África e adoraria ir lá.
— Não é necessário se ir à África para encontrar estradas perigosas — o
conde falou. — Em meu país, que vocês todos sabem que é Sokollz, entre a
fronteira da Rússia e os montes Cáucasos, uma cavalgada de um lado a outro
leva quatro ou cinco dias; e é bem cansativa.
— Deve ser — o marquês concordou. — Fico muito contente em não
morar nessa parte do mundo.
— Mas tem suas compensações — o conde disse.
— Acho difícil de acreditar — o marquês comentou, de modo agressivo.
— Agora, Yeda, perdoe-me, mas vou seguir o conselho de seu pai e ir
para a cama.
— Claro — Yeda concordou. — E espero que goste de sua cavalgada
amanhã.
— Aguardo ansiosamente por isso. — O marquês retirou-se.
Sem pensar bem no que dizia, Yeda falou ao conde:
— Sinto muita pena dele.
— Por quê?
— Ele detesta todas as mulheres só porque uma, com a qual quiseram
forçá-lo a se casar, o humilhou. — Mas, como é um homem muito rico, filho
do duque de Sternshire, grande proprietário de terras, precisa um dia se casar
para providenciar um herdeiro.
O conde ergueu as mãos para o alto e exclamou:
— Acho que qualquer homem deve ter o direito de escolher sua esposa,
de se casar por amor e não por necessidade de ter um herdeiro, e de não
sofrer a pressão dos pais ou de cortesãos de seu país.
— Tem absoluta razão — Yeda concordou. — Não posso imaginar nada
tão desagradável como ser forçada a se casar com alguém que não se ame, só
porque esse casamento ajuda seu país ou enriquece a árvore genealógica da
família.
— É o que penso também — o conde disse. — Mas sua irmã confessou
que está preparada a se sentar num trono se tiver essa oportunidade, mesmo
que o homem que compartilha do trono não seja de seu agrado.
Yeda sentiu um frio na espinha. Achou que Marigolde fora imprudente
em expor sua teoria quando ainda mal conhecia o conde. Em voz alta, disse:

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— Minha irmã falou sem refletir. — É que ela tem sido muito infeliz
nestes últimos dois anos. — Primeiro ficamos de luto pela morte de nossa
mãe, depois de nossa avó. — Esperávamos muito que Sua Majestade
permitisse que Marigolde comparecesse ao primeiro baile da temporada; mas
isso não aconteceu e ela é forçada a aguardar pelo último, que tem lugar em
julho apenas.
— Foi muita falta de sorte — o conde concordou. — Porém sua irmã é
tão linda que, quando aparecer em cena, será a sensação das festas.
— Tenho certeza disso. — Agora, como todos já subiram, acho que
devemos ir dormir também.
— Gostei muito de falar com você — o conde disse, — mas espero que
tenhamos muitas oportunidades amanhã e no próximo dia para continuar
com nossa conversa.
— Espero também. — E, por favor, conte-me coisas sobre sua terra.
— Tenho interesse por países estrangeiros e em especial pelos dos Bálcãs.
— Fala-se muito dos Bálcãs nos jornais, porém quase nada no aspecto
descritivo.
— Está mesmo interessada? — O conde perguntou.
— Estou muito. — Não viajei quase nada. — Apenas fui à Itália, onde
estudei. — Contudo, li acerca de vários países do mundo. — Mas poucos
livros descrevem os estados dos Bálcãs.
— Acredito. — Naturalmente, terei muito prazer em lhe contar tudo o
que deseja.
— Vai ser ótimo. — Mas, por favor, não se esqueça. — Sei muito da
Alemanha, da França e posso falar as línguas dos dois países fluentemente.
— Agora estou me concentrando na Grécia e, a menos que eu esteja
enganada, muitas palavras de seu idioma derivam do grego.
— É verdade. — E também do russo.
— Estudei um pouco de russo — Yeda informou. — Achei muito difícil.
— Como meu professor não possui suficiente conhecimento da cultura
russa, não sei bem se aprendi a língua que se fala atualmente no país.
— Duvido que ingleses tenham interesse em línguas. — Sempre achei
que desprezavam os estrangeiros, recusando falar qualquer outra língua além
da sua.
— Agora você está sendo injusto conosco — Yeda queixou-se
amavelmente. — Pretendo continuar com essa conversa amanhã. — Mas, se
quer mesmo tomar parte na corrida, precisa dormir.
— Você fala como minha babá.

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Ambos riam enquanto subiam as escadas.
— Vai ficar num de nossos melhores quartos, um que da para o jardim
— ela falou. — Se olhar pela janela verá como é lindo o jardim ao luar. — De
fato, acho que as fadas dançam em nossos gramados durante a noite.
— Já as vi em meu jardim, lá em casa — o conde revidou!
— Portanto os ingleses não são o único povo a poder se gabar de ter
fadas no jardim.
— Não estou me gabando — Yeda protestou, sorrindo
— Mas, se quiser comparar suas fadas com as nossas, verá que as nossas
são bem melhores.
Ela deixou-o à porta do quarto e foi para o seu um pouco mais adiante e
também com vista para o jardim. Abriu a cortinas e olhou para fora. O luar
tornara tudo cor de prata e as estrelas brilhavam no céu. O cenário era tão
lindo que Yeda ficou apreciando-o por muito tempo.
Ela achava que, por mais que os estrangeiros gabassem seus países, não
havia nada tão lindo quanto os jardins ingleses na primavera.
Depois se lembrou de que precisava levantar cedo no dia seguinte para
dar seu passeio habitual a cavalo antes das corridas. Só assim teria chance de
experimentar os novos animais.
Ao se deitar convenceu-se de que Marigolde fora mesmo o sucesso da
noite. Mas também achou que a irmã errara ao tornar claro que desejava se
casar com um príncipe reinante.
“Ela está pondo o carro diante dos bois”, pensou novamente antes de
dormir.
Na manhã seguinte levantou-se muito cedo. Vestiu seu velho traje de
montaria e saiu da casa antes de os empregados, acordarem. Foi às
estrebarias e escolheu um dos cavalos novos que não ia tomar parte nas
corridas.
Ela mesma arriou a montaria, pois os cavalariços ainda dormiam. Seguiu
para o padoque. Mais adiante ficava a pista de corrida já preparada com os
obstáculos. Entrou na cabeça de Yeda testar todas as cercas, saltando-as. Se
derrubasse alguma, ainda estaria em tempo de recolocá-la no lugar.
Escolhera um cavalo sobre o qual tanto o pai como o cavalariço não
tinham muito entusiasmo. Mas achava que, embora não se tratando de
animal bonito, poderia ser um bom saltador.
Cavalgou pelo padoque conversando com o cavalo cujo nome era Heron.
Foi algo que o pai lhe ensinara desde muito cedo. Ele acreditava que,
falar com a montaria durante o passeio criava laços de amizade entre cavalo

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e cavaleiro.
— Em pouco tempo mostraremos a todos que você é melhor do que
aparenta — ela sussurrou. — E o desempenho é bem mais importante do que
tudo o mais.
Yeda sabia que, se o animal não provasse ser o que se esperava, seria
sem dúvida vendida.
Ela chegou à pista de corrida. Para seu espanto notou que havia alguém
lá, três obstáculos adiante.
Quem seria? Um hóspede ou um cavalariço? Mas, quem quer que fosse
ela iria investigar.
Heron saltou o primeiro obstáculo. Yeda receou que ele caísse morto,
jogando-a no chão.
Para seu enorme prazer, contudo, e sem a menor dificuldade, Heron
baixou do outro lado.
Havia ainda duas cercas entre ela e o homem em frente.
Yeda seguiu em franco galope e Heron pulou o obstáculo seguinte
lindamente.
— Você é esplêndido — ela disse. — Todos ficarão surpreendidos ao ver
como é bom. — Eu tive razão em admitir que aparências enganem. — O
importante são as pernas.
Heron saltou o outro obstáculo com a mesma facilidade. Enquanto Yeda
se encaminhava para a quarta cerca notou que o cavaleiro adiante dela á
esperava.
Foi quando reconheceu quem era. O conde.
— Imaginei que você estivesse dormindo e roncando como todos os
outros — ela disse ao conduzir Heron para perto do conde.
— Eu não ronco — ele protestou. — Ao menos espero que não e não
pude resistir em montar um dos cavalos de seu pai, tendo oportunidade.
— É exatamente o que estou fazendo — Yeda retrucou —, e você tem de
confessar que Heron é ótimo saltador. — Viu-o saltar, não?
— Vamos apostar uma corrida?
Sem mais uma palavra eles iniciaram a disputa. Após seis outros saltos o
conde disse:
— Estamos empatados, mas, sendo eu um cavalheiro, vou lhe dar o
prazer da vitória.
— Não preciso de sua indulgência. — Yeda riu. — E tenho certeza de
que Heron é melhor saltador que o cavalo que você monta no momento.
— Acho que há um pouco de verdade nisso. — Embora não confesse ser

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eu o vencido.
Havia outros obstáculos mais na frente, mas eles preferiram trotar lado a
lado até o fim da pista.
A um dado momento Yeda viu um menino sentado em cima do
obstáculo seguinte. Ele sacudia um lenço no ar.
— Desculpe-me um instante — ela disse ao conde. — Preciso falar com
esse menino. — Ele não devia estar aqui arriscando ficar machucado quando
os cavalos passarem correndo.
Enquanto falava, foi ao encontro do garoto. Quando ele tentou descer da
cerca caiu e começou a chorar.
Yeda apeou, entregou as rédeas de sua montaria ao conde e carregou o
menino.
— Tudo bem, Peter — ela disse. — Você não está muito machucado, mas
foi uma bobagem, subir, nessa cerca.
— Estou muito machucado, sim! — Estou muito machucado! — O
menino gritava.
— Não, não está. — Só fez um pequeno corte na perna. — Nós vamos
levar você a casa e sua mãe pode pôr um curativo aí. — Mas nunca mais fique
em cima de uma dessas cercas, ouviu?
— Estou muito machucado! — Estou muito machucado! — Ele
continuava a se queixar.
Yeda carregou-o e colocou-o na garupa de sua montaria.
— Não chore Peter, não foi nada. — Apenas um cortezinho no joelho.
— Ele mora muito longe? — O conde indagou.
— Não, na entrada da aldeia — Yeda explicou.
— Passe o menino para a minha montaria assim você poderá ter mais
conforto.
Yeda hesitou, mas logo concordou que Peter se sentiria mais seguro na
sela do conde. A dela era uma sela feminina.
— Estou num cavalo grande! — Estou num cavalo grande! — o menino
repetia.
— Você consegue montar sozinha? — O conde perguntou a Yeda.
— É claro que consigo. — Quase sempre cavalgo sozinha e posso lhe
garantir que aprendi há muitos anos a montar sem auxílio de ninguém.
Por ser muito ágil, ela pulou na sela sem a menor dificuldade.
Yeda e o conde cavalgaram por estrada acidentada até a aldeia. A
casinha de Peter não ficava longe.
Assim que lá chegaram, a mãe veio correndo ao encontro do menino.

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— Eu estava me perguntando onde Peter se havia metido milady — ela
disse. — Esse diabinho foge no primeiro instante em que me distraio.
— Peter se machucou um pouco quando caiu da cerca — Yeda explicou.
— Por favor, não permita que ele vá assistir ás corridas sozinho, pois
pode sofrer algum acidente.
— Entendo — a mulher respondeu. — Mas Peter escapa sem que eu
perceba.
— Bem, ele é um bom menino e vai obedecer. — Não vai, Peter? — Vou
trazer algumas balas para você assim que nossas visitas forem embora na
segunda feira.
— Ouviu isso, Peter? — A mãe perguntou.
— Estou montado num cavalo grande — o menino repetia sem parar.
— Muito grande.
— Já sei, já sei — a mãe disse. — Agora venha tomar seu café da manhã.
Com relutância, Peter apeou da montaria do conde. E protestou:
— Eu quero montar um cavalo grande!
— Vou te contar uma coisa, Peter — Yeda disse. — Logo que as visitas
de meu pai se forem, prometo trazer, meu pônei para você praticar. — Aos
poucos saberá montar um cavalo grande.
— É verdade, milady? — A mãe perguntou. — Peter só pensa em
cavalos, por isso quer ver as corridas. — Ele vai chorar muito se eu o impedir
de ver a competição.
— Então vou lhe dizer o que fazer Sra. Brown — Yeda resolveu sugerir.
— Alguém pode acompanhá-lo e cuidar dele para que não faça
bobagens, como a de subir nas cercas que os cavalos vão saltar.
— Vou providenciar isso — a Sra. Brown murmurou.
— Se ele for um bom menino, e tenho certeza de que será na próxima
semana poderá montar meu velho pônei. — E depois disso, quando ficar
mais velho, espero que possa cavalgar animais grandes.
— Muito, muito obrigada, milady! — A Sra. Brown exclamou, com
lágrimas nos olhos. — A senhora sempre cuida de nós como sua mãe fez
antes. — Cada vez que precisamos de auxílio, sabemos que a senhora não
falha.
Yeda sorriu e disse:
— Faço o que posso. — Mas minha mãe era muito melhor nisso do que
eu sou.
— É muita bondade sua falar assim — a Sra. Brown disse. — E é muita
bondade sua emprestar o pônei a Peter. — Ele se sentirá muito feliz, sem

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dúvida.
— Se for um bom menino — Yeda dirigiu-se ao garoto. — Na próxima
segunda ou terça-feira você poderá montar Ilobin, meu velho pônei.
Ela deu meia volta ao cavalo e acenou para Peter.
— Posso ver que tem um reinado todo seu, Yeda, — o Conde comentou.
— E seus arrendatários te adoram.
— Tento ocupar o lugar de minha mãe. — Ela foi maravilhosa e todos a
amavam.
— Pelo que vi, acho que amam você também — o conde observou. — E
isso me surpreende.
— Surpreende?! — Por quê?
— Sempre pensei que mulheres inglesas fossem frias e que teríamos de
procurar francesas ou italianas se quiséssemos encontrar carinho e, claro,
amor.
— E, se isso é o que procura — Yeda respondeu enquanto chegavam á
casa —, espero que encontre.

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CAPÍTULO IV

Quase toda a aldeia compareceu à corrida de obstáculos. O movimento


da Casa Grande alvoroçou os habitantes em geral, sendo impossível segurá-
los em suas casas. Peter estava presente, e Yeda sorriu ao vê-lo segurando a
mão de um rapaz que, por sinal, trabalhara algumas vezes no jardim de sua
casa. Concluiu então que o menino se comportaria bem, sem correr o risco de
ficar sob as patas de algum cavalo.
O duque fez o discurso habitual aos competidores, pedindo que fossem
cuidadosos consigo e com os animais.
— As melhores corridas — ele dizia — são vencidas numa atmosfera
cordial e não com o espírito de rivalidade agressiva.
Depois ele desejou boa sorte a todos.
Os cavaleiros alinharam-se no padoque e o chefe dos cavalariços deu o
sinal de partida.
Todos se apressaram em sair, mas foram obrigados a diminuir a marcha
enquanto atravessavam a floresta.
Yeda morreu de vontade de fazer parte do grupo. Depois de conversar
com os aldeões por algum tempo, ela e Marigolde voltaram para a casa.
— Não acredito que o conde tenha vindo à Inglaterra; á procura de uma
noiva para o príncipe Ivor — Marigolde comentou.
Yeda surpreendeu-se.
— Pensei que você estivesse certa disso.
— Bem, ele falou pouco sobre o príncipe e menos ainda do palácio —
Marigolde explicou. — E acho que usou o casamento do príncipe como
pretexto para ser recebido no Castelo de Windsor. — Enfim, ninguém pode
saber ao certo o que se passa na cabeça de um estrangeiro. — Mas existem
outras hipóteses para o silêncio dele, talvez me considere interessada demais
ou, como espião, prefira manter a boca fechada.
Yeda riu muito e protestou:
— Agora você está ficando dramática. — O conde contaria coisas sobre
Sokollz se visse interesse de sua parte pelo país. — Por outro lado, a maioria
dos estrangeiros suspeita dos ingleses quando fazem muitas perguntas;
acham que existe um motivo por trás disso.
— Meu motivo é sentar no trono de Sokollz — Marigolde confessou.
— Mas pensei que, se falasse ao conde que era o que eu desejava,

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estragaria tudo.
— Talvez…
— Posso estar enganada — Marigolde prosseguiu, — mas às vezes penso
que ele seja o próprio príncipe herdeiro.
— Agora você está ficando dramática mesmo. — Yeda riu muito. — Na
verdade, Marigolde, eu ia dizer, com muita tática naturalmente, que não é
boa idéia se antecipar em suas deduções. — E acho que você falou demais
ontem à noite.
— Ele contou a você o que eu falei? — Marigolde parecia suspeitar de
alguma coisa.
— Não exatamente. — Mas disse que você estava muito interessada no
príncipe Ivor. — E, claro, entendeu tudo.
— Bem, vai ser mais fácil nos entendermos esta noite, quando estivermos
dançando — Marigolde concluiu. — Se eu não puder me casar com o
príncipe, e não vejo razão para tal, pois tenho sangue azul nas veias, a rainha
Vitória pode encontrar outro trono para mim em qualquer lugar da Europa.
Yeda não respondeu.
Depois de alguns minutos de silêncio, Marigolde disse:
— O marquês seria um homem agradável se não falasse daquela maneira
tão ácida. — Flertar com ele não é fácil.
— O marquês está sofrendo ainda em conseqüência da grande
humilhação por ter sido desprezado pela noiva. — Tente flertar com ele,
talvez consiga devolver-lhe a fé nas mulheres.
— Não estou preocupada com o marquês, mas comigo.
Yeda pensou que raramente a irmã se preocupava com outras pessoas.
Mas não achou prudente chamar-lhe a atenção sobre o fato.
As duas caminharam em silêncio até a casa.
— Tenho muito a fazer agora — Yeda disse. — Preciso deixar tudo
pronto e espero que Rod esteja praticando as músicas para o baile desta noite.
—Vou recomendar a ele as de minha preferência — Marigolde
comunicou. — Quem sabe sob a influência de uma dança romântica o
marquês fique mais humano e o conde mais informativo.
E ela foi para a sala de música antes que a irmã lhe desse alguma
resposta.
Era bem de Marigolde, Yeda pensou concentrar-se nos dois homens
mais importantes da festa e propor-se vencer em ambos os casos. Apenas
esperava que as duas moças que viriam para o jantar se conformassem com
os militares.

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Terminada a corrida às duas horas, os competidores iriam comer alguma
coisa. Mais tarde, às cinco horas, um chá seria servido, e um banquete às oito.
Os homens estariam, então, morrendo de fome.
O duque se veria obrigado, como em anos anteriores, a convidar vários
vizinhos para o almoço. Por isso fora decidido um bufê por ser mais prático,
pois não haveria lugar para todos à mesa.
Olhando em volta, Yeda viu Marigolde comendo num canto da sala de
jantar.
— Pare de comer — ela ordenou. — Espere que os outros cheguem.
— Há comida suficiente para um exército — Marigolde respondeu.
— Venha. — Temos de voltar ao padoque agora a fim de cumprimentar
o vencedor.
As duas irmãs seguiram juntas para a linha de chegada. Havia bem
menos gente da aldeia do que no início da corrida, mas os que estavam lá
esperavam ser convidados para o almoço com os competidores.
— Vamos rezar lady Yeda: — uma das senhoras disse —, para que não
haja feridos. — Lembra-se do ano passado quando um dos amigos de seu pai
sofreu uma queda violenta? — Levou meses para se recuperar.
A mulher exagerava. O duque, que acompanhara o caso como sempre
fazia, constatou que o corredor havia se recuperado completamente em três
semanas. Mas Yeda não achou importante refutar. Meramente respondeu:
— Papai pediu a todos que tivessem cuidado. — E quando eu percorri a
pista ontem, vi que tudo estava bem seguro. — Não haveria possibilidade de
acidentes.
— Só espero que não esteja sendo otimista demais, lady Yeda — a
mulher insistia.
Nesse momento, alguém gritou:
— Aí vêm eles!
Yeda olhou ansiosa, para saber qual dos competidores chegava em,
primeiro lugar. Teve quase certeza de que era o marquês, embora fosse difícil
garantir. O homem que seguia quase junto dele tinha o mesmo porte.
Quando chegaram mais perto percebeu que os dois primeiros eram o
conde e marquês.
Eles deram o máximo de velocidade às montadas na reta final. Aí, no que
pareceu ser uma questão de segundos, ambos cruzaram a linha de chegada.
O homem a cargo das corridas era o chefe dos cavalariços, que ocupara
com orgulho essa posição durante os últimos cinco anos.
— Quem foi o vencedor? — Yeda perguntou a ele.

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— Aquele estrangeiro de nome difícil. — Ganhou por cabeça.
— É melhor cavaleiro do que pensei. — Mas, claro, montava um dos
mais velozes cavalos de papai.
— Ele soube escolher — o chefe dos cavalariços comentou. — Isso prova
que conhece cavalos mais do que imaginávamos.
Yeda sorriu. Seu pai, tão conhecedor de cavalos, teria escolhido aquele se
tivesse constatado o valor da montaria. De qualquer forma, para o duque foi
compensador saber que um de seus cavalos vencera, e não o do marquês.
O duque chegou em, quarto lugar. Apesar do desaponto, consolou-se
vendo que fizera boa compra.
Os dois corredores que o seguiram estavam entusiasmados com suas
montarias. E confessaram que fora falta deles não terem chegado em,
primeiro lugar, não dos animais.
Enfim, a corrida de obstáculos foi um grande sucesso. Todos os cavalos
chegaram intatos e não houve queixa alguma da parte dos corredores.
Após conduzirem os animais aos estábulos, todos foram a casa para
almoçar.
Como Yeda havia previsto, o pai convidara muitas pessoas além dos
hóspedes. O pastor e a esposa, o médico, e vários outros vizinhos.
— Você cavalgou maravilhosamente bem — a Sra. Allen cumprimentou
o duque —, aliás, como sempre. — E um exemplo para as novas gerações que
por certo vão querer te imitar.
— Esta é a sexta ou sétima corrida de obstáculos a que você assiste — ele
comentou. — Acho que concorda comigo que foi uma das mais rápidas.
— Sem dúvida — a Sra. Allen disse. — E, como nas outras vezes, você
fez disso um acontecimento que será lembrado e comentado até o próximo
ano.
O duque sorriu. Yeda sabia que ele gostava do modo como a Sra. Allen o
fazia sentir-se importante, o orgulho de todos na vizinhança.
O conde estava um pouco sem jeito por ter vencido o dono da casa. Mas
também se sentia grato ao duque por lhe ter fornecido montaria tão
excepcional.
— É um dos melhores animais que já montei — ele disse ao duque —, e
agora me aborreço pelo fato de o senhor não ter ficado com ele nessa
competição.
— Talvez fosse rápido demais para mim, considerando-se minha idade.
— E sou grato a você por ter chegado em, primeiro lugar com um cavalo
de minhas estrebarias.

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— Foi á melhor corrida da qual tomei parte — o conde prosseguiu.
— Sua filha teve razão ao afirmar que a rota, embora fora do comum, e
difícil em alguns trechos, não era nada perigosa.
— Tento evitar acidentes e Yeda providenciou para que todos os galhos
de árvores caídos no chão fossem retirados.
Durante o almoço só se falou nas corridas. Todos estavam famintos por
isso a grande quantidade de comida e bebida sumiu rapidamente.
Quando as visitas se retiraram Yeda foi para o escritório a fim de
descansar um pouco. E encontrou lá o conde. Ele levantou-se imediatamente
para sair, mas Yeda disse:
— Por favor, não se incomode, continue descansando. — Achei que meu
pai estava aqui.
— Ele esteve, porém começou a dormir no sofá e resolveu ir para a cama.
— Ao menos foi honesto — Yeda comentou. — Em geral, depois de uma
corrida, os homens costumam dizer que não estão cansados e recusam ir à
cama, considerando essa uma atitude feminina.
— Bem, eu não estou com sono e sinto-me muito bem aqui sentado.
— Sente-se comigo e vou lhe contar algo sobre minha terra.
— Por favor, conte mesmo! — Yeda exclamou. — Há tanto que quero
saber acerca dos Bálcãs. — Às vezes fico embaraçada por ser tão ignorante.
— Não se preocupe. — Mas vamos lá à nossa aula de história. — Vocês,
aqui na Inglaterra, precisam saber que desde a subida ao trono do czar
Alexandre III nós vivemos em constante ameaça de invasão.
— Ouvimos boatos, naturalmente, mas achei que eram exagerados.
— Embora papai tenha estado na Rússia vária vez não conheceu o atual
czar.
— Chamar esse czar de russo é inadequado — o conde prosseguiu.
— Cada gota do sangue que corre em suas veias é alemã. — Contudo, ele
tenta ter a aparência de um aldeão russo; deixou crescer a barba e usa roupas
modestas.
Yeda, sentada no braço da poltrona ao lado dele, ouvia-o atentamente.
— A principal coisa que o czar fez — o conde continuou — foi classificar
os judeus, durante anos responsáveis pela nossa prosperidade, como
inimigos do trono russo.
— E eram mesmo, tendo vivido na Rússia por tantos anos? — Yeda
perguntou.
— Claro que não. — Mas o czar acreditava que um enorme complô
estava sendo organizado por eles para exterminar a monarquia russa. — No

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ano seguinte após ter sido proclamado czar, publicou leis contra os judeus.
— Foi então impossível a um judeu ter cargos importantes, ser advogado
ou proprietário de terras. — Nenhum livro era impresso em hebraico e todas
as escolas judaicas foram fechadas. — Uma judia não podia se casar com um
cristão, e vice-versa, a menos que renegasse sua fé, e os judeus não podiam
apelar contra qualquer sentença em tribunal. — Apenas um número reduzido
deles tinha permissão de freqüentar as universidades.
— Não imaginei que as leis fossem assim tão injustas — Yeda comentou.
— Mais de duzentas e vinte e cinco mil famílias judias foram obrigadas a
abandonar a Rússia. — Ao ser informado do número de banidos, o czar disse:
“Que levem seu veneno para onde forem”.
— Nunca supus que as coisas houvessem chegado a esse ponto.
— Alguém devia ter feito algo para evitar isso tudo.
— Quem? — O conde perguntou.
Mas, como Yeda não respondesse, ele disse:
— Quando o czar terminou de tornar intolerável a vida para os judeus,
voltou á atenção aos Bálcãs.
— Naturalmente ouvi falar alguma coisa, mas jamais julguei que fosse
assim.
— Quando muito jovem — o conde explicou —, o czar foi um ardente
defensor da guerra da Rússia contra a Turquia. — Ele ainda vibra de
indignação, eu soube pelo fato de a Rússia não ter dominado os Bálcãs nessa
ocasião, para dessa maneira controlar os estreitos que lhe dariam acesso ao
mar Mediterrâneo.
— Você acha que ele ainda está tentando isso? — Yeda perguntou. — Sei
que nossa rainha mandou navios para o Bósforo e obrigou a marinha russa,
que tencionava tomar Constantinopla, a voltar para casa.
O conde sorriu.
— Isso é verdade e posso ver que você está bem informada. — Mas não
se esqueça de que faz parte da personalidade germânica, mais do que da
russa, nunca desistir e nunca se sentir completamente vencido.
— Mas, de qualquer forma, não queremos quê haja luta no Mediterrâneo
— Yeda comentou. — Lembro-me de ter lido que na época cem mil soldados
haviam sido sacrificados e cem milhões de rublos gastos para nada.
— Certo. — Mas agora os russos estão tentando, de modo diferente,
obter o que desejam. — O czar pode fingir que é um aldeão simples, mas tem
uma esperteza toda sua oculta no íntimo.
— Parece incrível! — Yeda exclamou.

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— Soube que funcionários da Embaixada Russa pagam fortunas a
pessoas para criar tumultos nos estados balcânicos. — E militares no leste da
Bulgária abrem escolas onde treinam moças e rapazes para tomar parte nas
guerrilhas.
— Não acredito! — Yeda exclamou. — Como podem fazer isso sem que
o príncipe reinante de cada país dos Bálcãs tome conhecimento antes que as
coisas fiquem perigosas?
— Muitos deles, infelizmente, não são perspicazes — o conde respondeu.
— Vários, como seu pai sabe muito bem, procuram o auxílio da rainha
Vitória, pois os russos não desejam guerrear com a Inglaterra.
— Oh, agora entendo por que mandamos a seus príncipes noivas
inglesas. — O trono fica salvo quando a bandeira britânica tremula no alto do
palácio.
O conde riu muito e disse:
— Você está certa, Yeda. — Aliás, sei que agora sua rainha Vitória está
em dificuldade para satisfazer todas as demandas.
Yeda ficou preocupada. Marigolde, apesar de linda para ocupar o lugar
de princesa, teria sem dúvida receio da ameaça russa.
O conde devia ter lido o pensamento dela porque disse:
— A situação não é tão perigosa como você pensa. — Por outro lado,
concordo que não aprove como eu, casamentos arranjados. — Mas que
poderão nossos príncipes fazer além de suplicar humildemente por uma
noiva inglesa?
— É uma tarefa difícil para a soberana porque, conforme papai falou,
não há mais noivas disponíveis.
— Espero que ela encontre uma, mais cedo ou mais tarde — o conde
disse. — E assim como há grande número de príncipes à espera de uma noiva
inglesa, há na Inglaterra grande número de moças solteiras de sangue azul
nas veias. — O marquês estava me dizendo ainda esta manha que tinha duas
primas solteiras, mas que, infelizmente, não possuía nenhuma irmã para
apresentar ao príncipe Ivor.
Yeda fitou-o surpreendida.
— Então Marigolde tinha razão, você está aqui à procura de uma noiva
para seu príncipe.
— Isso não é verdade. — Ele que cuide do próprio casamento. — Estou
na Inglaterra aproveitando minhas férias, nada mais.
— Marigolde vai ficar muito desapontada — Yeda sussurrou.
— Percebi isso quando conversei com ela ontem à noite. — Mas

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desconfio que fosse o fim da história, tornei tudo bem claro.
— Eu não devia ter falado nada sobre as pretensões de Marigolde.
— Escapou sem querer. — Por favor, esqueça o que eu disse — Yeda
pediu.
— Eu jamais repetiria qualquer conversa confidencial que tivemos.
— Mas deixe-me dizer-lhe que gosto muito de falar sobre minha terra, e
me encanto com o interesse que você tem por Sokollz, apesar de não ser um
país importante para a Inglaterra.
— E claro que é importante. — É importante não apenas para vocês que
os Bálcãs não sejam ocupados pelos russos como também para nós. — Se os
russos ocuparem os Bálcãs se concentrará na Ásia e finalmente chegarão até a
índia.
— Você é bem mais instruída do que pensei, Yeda. — Porém o que me
deixa curioso é por que está tão interessada nos Bálcãs em vez de em outros
países da Europa.
— Penso que seja porque sabemos muito pouco dos Bálcãs. — Há livros
e livros sobre outros países, mas muito poucos que descrevem o seu.
— Concordo. — Talvez algum dia você vá a Sokollz e escreva um livro.
— Eu leio e leio — ela prosseguiu —, e assim que termino de ler me dou
conta de como sou ignorante, do pouco que sei acerca do mundo fora do
meu.
— Não acredito você é excepcional. — Descobri que a maioria das moças
só lê romance e não se interessa pelos grandes problemas da Europa.
— Quanto a muitos governantes, só se ocupam de conferências
intermináveis que não levam nada.
— Talvez à guerra. — Acabamos de nos recuperar de uma devastadora
contra Napoleão, e a guerra franco-prussiana causou grande estrago na
França.
O conde bateu palmas.
— Muito bem! — Exclamou. — Você é mesmo mais esperta do que
julguei. — O que me preocupa é que sempre me disseram para evitar
mulheres espertas.
— Por quê?
— Porque as mulheres espertas tentam ser mais espertas que os homens.
— Sabe Yeda, a maioria dos homens deseja ter uma esposa obediente
que concorda com tudo o que ele diz.
O conde falava em tom de caçoada e Yeda protestou:
— O que você falou é uma grande bobagem, e sabe que é. — Por que

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acha que em Londres tantos homens casados procuram outras mulheres?
— Simplesmente porque está cansado das mulheres obedientes que
possuem, e que aceitam tudo o que eles dizem.
O duque inclinou o corpo para trás e deu uma estridente gargalhada.
Depois disse:
— Mas o caso é que a mulher inteligente nem sempre se parece com
você. — Em geral estuda porque é feia demais para atrair um homem.
— Se eu tivesse alguma coisa em minhas mãos agora jogaria em cima de
sua cabeça — Yeda protestou, rindo. — Não apenas me insultou como
estragou a aula que acabou de me dar. — Apesar disso prometo que nunca a
esquecerei.
O conde ia responder quando a porta se abriu e o mordomo entrou.
— Estava procurando pela senhora, milady, para dizer que o chá está
pronto. — Mas acho que a maioria dos hóspedes encontra-se recolhida nos
quartos.
— Eu vou já ao salão para servir o chá a quem estiver acordado — Yeda
declarou. — E, por favor, diga à cozinheira que o almoço estava delicioso.
— Nunca vi tanta gente comer tanto.
— É verdade — o conde concordou. — Cada prato foi uma
especialidade.
Enquanto o conde e Yeda dirigiam-se ao salão, esta disse:
— Sinto-me culpada por não ter deixado você dormir, e garanto que era
o que teria feito se eu não o interrompesse.
— Não estou cansado, talvez por habitualmente cobrir grandes
distâncias a cavalo, em meu país. — Ou talvez porque prefira conversar com
você em pessoa, do que através de meus sonhos.
— Agora você está sendo galanteador. — Garanto que, se estivesse
sonhando, sonharia em salvar uma linda mulher cheia de brilhantes das mãos
dos russos.
— Agora é você quem está me lisonjeando — o conde falou. — Em tal
caso, preciso tomar cuidado.
— Se está insinuando que desejo outra aula de história, está certo. — E,
por favor, por favor, me dê outra antes de segunda-feira. — Juro que me
lembro de palavra por palavra do que você me ensinou.
— Posso até acreditar, Yeda, mas gostaria de examinar você no fim do
curso, antes de eu ir embora.
— Eu ficarei envergonhada se for reprovada.
Ambos riam ao entrar no salão.

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O jantar foi um verdadeiro sucesso. Mas, sem dúvida, o ponto alto da
festa foi Marigolde, tal qual ela tencionara ser.
Usava agora seu vestido cor-de-rosa, com as jóias da mãe.
Parecia um cometa que deixava todos extasiados. Mas via-se, sem
dúvida, que tivera muito trabalho com sua aparência.
Yeda usava um vestido lindo, que a mãe lhe comprara. Mas, apesar
disso, todos olhavam para Marigolde, encantados.
A mesa, Marigolde determinara os lugares de novo. Pusera o conde à sua
esquerda, o marquês à direita. Os militares ficaram muito felizes com as duas
moças, uma de cada lado.
A Sra. Allen tentava convencer o duque de que ele teria vencido a
corrida se tivesse montado o cavalo do conde.
Todos falavam e riam.
Yed perguntava-se, se o conde estaria tentando fazer Marigolde se
interessar por Sokollz da mesma maneira que ela se interessara.
Enfim, apesar de ter negado, ele com certeza estava na Inglaterra com a
finalidade de encontrar uma esposa para o príncipe Ivor.
“Talvez”, ela pensou, “Marigolde convença papai a ir a Sokollz a fim de
conhecer o príncipe”.
Inesperadamente um dos velhos amigos do duque, esse já de bastante
idade, sentado à direita de Yeda, disse a ela:
— Você não fala tanto quanto sua irmã. — E me parece que sabe escutar.
— Em minha opinião, é mais importante para uma mulher ouvir do que
falar.
— Acha que em geral as mulheres falam muito? — Yeda perguntou.
— Entendo que os homens detestem isso, pois querem que elas sempre
ouçam pacientemente seus planos e dificuldades.
— Está absolutamente certa. — A mulher moderna, que deseja andar a
cavalo em sela masculina, jogar críquete, precisa ser controlada antes que
fique tão ambiciosa á ponto de querer governar o país de acordo com sua
vontade e seus interesses.
Yeda riu.
— Nunca faremos isso — disse.
— Não tenho muita certeza, não — o senhor de idade respondeu.
— Quando fui membro do Parlamento, fiquei surpreendido ao ver o
número de mulheres que desejavam ter mais chance de se expressar do que
haviam tido no passado. — Isso é um absurdo.
— Acho que os homens ingleses podem ficar sossegados. — A amazonas

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morreu há longo tempo já.
— Não duvido que nova amazonas surja. — Talvez não neste século,
mas no próximo teremos mulheres lutando pelo que chamam de “seus
direitos”.
Yeda riu mais uma vez.
— Essas são novas idéias sobre as quais o senhor deve discutir com
papai. — Ele insiste com convicção que o lugar das mulheres é na casa. — E
declara que ninguém poderia ter agido melhor nesse assunto que a rainha
Vitória.
— Ela é maravilhosa e nosso Império cresce dia a dia graças a ela.
— Sendo que a mais bela jóia da coroa é a índia — Yeda disse. — Mas
creio que, se não tivermos cuidado, á perderemos para os russos que têm os
olhos nela.
— Já ouvi falar nisso. — Mas, para ser franco, acho bobagem. — Tenho
absoluta certeza de que estamos preparados para defender nossa jóia.
— É claro que estamos — Yeda concordou.
— Contudo soube, quando visitei o Castelo de Windsor pela última vez,
que não temos tropas suficientes na Ásia. — Espero muito que o próximo
primeiro ministro tenha mais interesse pelos problemas de fora da Grã-
Bretanha.
— O senhor tem de conversar com papai sobre isso. — Acho que ele vai
concordar acerca do assunto. — Ele pensa que precisamos nos expandir
enquanto temos chance.
— Mas tudo cai na mesma questão de dinheiro. — Sempre a eterna
história: dinheiro, dinheiro, dinheiro! — Para aumentarmos as forças
armadas, para conseguirmos mais navios de guerra, precisamos de mais
dinheiro. — Essas coisas custam muito caro.
“Ás vezes eu fico pensando”, Yeda disse a si mesma, “se esse não é outro
motivo pelo qual os políticos são tão importantes para o futuro de uma
nação! Em tal caso, homens e mulheres precisam se conscientizar disso”.
Quando ela ergueu a cabeça, notou que Marigolde prendia a atenção do
marquês e do conde ao mesmo tempo. Ambos a fitavam, ouvindo-a e rindo
do que ela dizia sem dar uma palavra sequer com a pessoa que sentava do
outro lado deles.
Sim, Yeda pensou, as mulheres poderiam conquistar os homens como
sua mãe fizera, no lar, dando amor a todos.
Era muito mais valioso do que conquistar posições de poder na Câmara
dos Lordes ou dos Comuns. Ou, como às vezes fora sugerido, se tornando

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membros do Parlamento.
“O que os homens querem”, ela concluiu, “é uma esposa bonita,
charmosa, sempre de bom humor. Não uma que lhes faça preleções o tempo
todo. Não há nada que um homem deteste tanto como uma mulher que
entenda das coisas melhor que ele”.
O velho senhor ao lado de Yeda começou a falar de novo. Com um
sorriso, ela fitou-o e escutou atentamente tudo o que ele dizia.

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CAPÍTULO V

O jantar foi um grande sucesso, como também o baile que teve lugar
mais tarde.
Rod tocou tão bem que todos tiveram a impressão de que havia uma
enorme orquestra dentro da sala.
Embora o duque gostasse muito de seu bridge, não pôde resistir e foi ver
a mocidade dançar. Depois de algum tempo a Sra. Allen insistiu que
dançasse com ela.
Os dois senhores idosos acabaram dançando também.
Porém, à meia noite e meia o duque mandou todos para a cama.
— Vocês vão cavalgar amanhã — ele disse. — Não quero que haja
acidentes com meus cavalos, e um cavaleiro cansado é mal cavaleiro.
— Esse é um novo ditado que você inventou agora, não é, papai? —
Yeda perguntou.
— É um que venho repetindo por toda a minha vida — o duque
protestou.
Antes de subirem para os quartos, o conde disse a Yeda:
— Será que posso pedir emprestado á seu pai uma carruagem com dois
ou quatro cavalos para amanhã, bem no fim da tarde, após as corridas?
— Precisa ir a algum lugar? — Ela perguntou.
— Preciso. — Fica a apenas oito ou dez quilômetros daqui e insisto que
você vá comigo.
— Mas por quê? — Aonde vamos?
— É surpresa. — Mas se lhe disser que será bom para sua educação, você
vai concordar em me acompanhar.
— Eu gostaria muito de ir se tivesse certeza de que ninguém aqui fosse
precisar de mim — ela disse.
— Todos estão se arrumando muito bem, acho. — As duas moças já
combinaram um passeio a cavalo com os dois militares e a Sra. Allen
providenciou com seu pai para que os dois senhores mais velhos visitassem
os jardins da propriedade.
Yeda deu um suspiro de alívio e respondeu:
— Nesse caso, irei com você.
— Esqueci-me de lhe dizer que ouvi sua irmã combinar um passeio com
o marquês. — Eles vão visitar uma antiga mina aqui na redondeza que é,

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segundo o marquês, a cópia de uma de sua fazenda.
— Ah, sei, é a Mina de Sal — Yeda explicou. — Mas foi abandonada há
anos.
— Não deixa de ser uma boa desculpa para sua irmã ficar sozinha com o
cavalheiro mais atraente da festa.
Havia uma nota de sarcasmo no comentário do conde. E Yeda riu porque
sabia que Marigolde jamais se interessara pela mina, embora muita gente
fosse visitá-la como uma jóia de antigüidade.
Enquanto subia para o quarto, Marigolde confessava a si mesma que
adorara cada minuto da festa.
— Me diverti tanto! — Ela disse à irmã. — E, por mais que seja difícil de
acreditar, o marquês dança maravilhosamente bem.
— Achei que vocês dois dançavam como se estivessem num palco —
Yeda caçoou.
— Senti-me flutuando nas nuvens. — E duvido que ele possa encontrar
um par melhor que eu.
Quando Yeda entrou embaixo das cobertas fez uma prece a Deus
agradecendo o sucesso da festa. Receara o tempo todo que o pai não
aprovasse suas decisões. Ou até que Marigolde estragasse tudo por ser muito
petulante.
Contudo, ela nunca vira tanta alegria e bom humor numa reunião festiva
daquele tipo.
No dia seguinte levantou cedo e não se surpreendeu ao encontrar o
conde já nas estrebarias.
— Acho que estamos enganando os outros — ele comentou —
praticando na pista antes do início das corridas de hoje. — Mas sabe, é que
gosto de saltar quando sozinho no circuito.
— Está sugerindo que eu volte para a cama? — Yeda indagou.
— Não, claro que não. — Quero apostar uma corrida com você, sem
outros competidores.
Seria interessante saltar na pista com o conde, Yeda refletia, pois era um
dos melhores cavaleiros que já conhecera.
Após cavalgarem por mais de meia hora, os dois foram tomar o café da
manhã. Eram os primeiros à mesa; portanto, ninguém adivinharia que já
haviam se adiantado dos outros hóspedes numa cavalgada, e praticado saltos
bem cedo pela manhã.
O conde parecera bem à vontade na sela. E Yeda sabia que só uma
pessoa que convivera com cavalos e cavaleiros por muitos anos da vida,

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como ela, poderia avaliar bem a competência de um cavaleiro.
Quando o duque desceu para o café convidou todos a irem à missa. Ele
leu a epístola, como de hábito, e o pastor fez um sermão de dez minutos. O
pastor se dera conta, há muito tempo atrás, que se falasse demais o duque
logo começaria a se remexer no banco e a olhar para o relógio.
Na volta, o duque anunciou:
— Vamos começar nossa primeira prova às onze horas. — Depois
faremos um intervalo para o almoço à uma hora quando nos uniremos aos
outros competidores, nossos amigos da aldeia. — Eles estão ansiosos para
mostrar que podem cavalgar melhor que nós.
— Precisam se esforçar muito para isso — o marquês revidou. — Mas
duvido que algum deles tenha tão boa montaria como as que possuímos aqui.
— Concordo com você — o duque disse.
E ele teve razão. Os hóspedes ganharam todas as provas.
Após houve a corrida das mulheres, a qual Marigolde se propusera
ganhar.
Mas, no instante em que Yeda montou Heron, soube imediatamente que
ela poderia chegar em, primeiro lugar.
Quase no fim da corrida constatou que a única competidora que restava,
além dela, era Marigolde que montava um dos cavalos recentemente
adquiridos pelo duque, excelente saltador por sinal.
Foi quando iam saltar o último obstáculo que Yeda tomou uma decisão.
Achou que, muito mais importante que vencer a corrida, era Marigolde
continuar de bom humor, com a mesma alegria da noite da véspera.
Ela então segurou as rédeas e fez Heron diminuir a marcha. Marigolde
cruzou a linha de chegada e ganhou a competição por cabeça.
Foi calorosamente aplaudida e Yeda achou que ninguém havia
percebido seu estratagema. Mas, quando todos estavam voltando para casa, o
conde disse calmamente:
— Foi muita bondade sua deixar sua irmã vencer.
Yeda assustou-se e perguntou:
— Como percebeu?
— Tenho olhos na cara e já havia observado você cavalgar duas vezes
antes disso.
— Espero que ninguém mais tenha notado.
— Não se preocupe — o conde respondeu. — Todos acharam que sua
irmã era excelente cavaleira, o que de fato é, e ninguém desconfiou nem por
um segundo que o certo seria ela cruzar a linha de chegada em segundo

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lugar.
Yeda olhou à volta para ver se alguém estava ouvindo o que o conde
falava.
— Eu quis que Marigolde tivesse um dia maravilhoso — Yeda explicou.
— Tudo estaria perdido se ela não vencesse a corrida das mulheres,
como esperava.
— Você é única, Yeda, boa demais para ser real. — Nunca conheci
mulher alguma que se comportasse dessa maneira só para agradar a irmã.
— Acho que talvez, como o marquês, você tenha encontrado em seu
caminho só a mulher errada. — E que isto lhe sirva de lição para não
generalizar todas as mulheres com tanta facilidade.
— Não vou me esquecer da lição. — Quanto ao marquês, penso que ele
esteja mudando em relação a mulheres; derreteu bastante ontem à noite.
— Vou rezar para que continue derretendo hoje — Yeda disse, rindo
muito.
Ela quase adivinhara o que aconteceria. Ficara óbvio, desde o instante
em que as corridas de obstáculos terminaram no sábado, que o marquês
estava de excelente humor. Elogiava não apenas Marigolde, mas, outras
pessoas presentes. Dançara com Yeda e lhe dissera com muita gentileza:
— Quero cumprimentar você. — O duque me disse que toda a
organização da festa ficou por sua conta, não apenas o arranjo da casa como o
das corridas. — Tudo estava perfeito.
Yeda fitou-o, atônita.
— Esqueceu-se de que sou mulher — perguntou — e de que, em sua
opinião, a fonte de todos os males?
— Eu não chegaria a esse extremo — ele protestou. — Mas desde que
conheci você e sua irmã mudei de opinião e é o que todo o mundo deveria
fazer a um dado momento da vida.
— Naturalmente — Yeda concordou —, contanto que seja para o melhor,
não para o pior.
— O que aconteceu comigo foi sem dúvida para o melhor. — Pensando
bem, para o ótimo.
Yeda estava surpreendida demais para dizer qualquer coisa. E, quando o
vira dançando mais tarde com Marigolde, ele parecia estar muito feliz. E
Marigolde o fitava, extasiada.
No domingo, após o término das corridas, Yeda deu um jeito de sair sem
que ninguém percebesse. Foi às estrebarias onde encontrou o conde. Ele
pedira ao duque a carruagem e lhe fora cedida uma bastante confortável.

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Partiram e Yeda logo notou que ele dirigia ainda melhor que seu pai.
— Para onde vamos, afinal? — Perguntou.
Eles tomavam a direção da aldeia.
— Está curiosa?
— Claro. — Espero que você aproveite essa oportunidade para me falar
mais sobre seu país.
— Tenho uma idéia melhor — o conde sugeriu. — Vou levar você para
conhecer uma pessoa que sabe mais do que eu acerca de Sokollz. — Mas tem
de me prometer, por tudo que é sagrado, que não dirá a ninguém onde esteve
e nem com quem se encontrou.
— Por que tanto segredo? — Yeda estava atônita.
— Vai entender quando eu explicar. — Mas agora me dê sua palavra de
honra.
— Claro que dou. — Juro sobre a Bíblia, se é o que deseja. — Que nunca
repita nada que você não queira que eu repita.
O conde sorriu. Yeda achou-o atraente e ficou contente por estar com ele.
— A pessoa que você vai conhecer é conhecida aqui pelo nome de lady
Forest.
Yeda pensou um pouco e depois disse:
— Sei de quem você está falando. — Meu pai muitas vezes mencionou
sir William Forest, mas não sei com quem ele se casou.
— Poucas pessoas sabem. — Isso porque lady Forest está escondida aqui
e é importante que ninguém saiba quem ela é.
Intrigada, Yeda suplicou:
— Conte-me quem é essa mulher.
O conde hesitou por segundos. Depois falou, com muita naturalidade:
— Lady Forest é, na realidade, a princesa Natasha de Sokollz.
Perplexa, Yeda perguntou:
— Você está dizendo que lady Forest é a mãe do príncipe Ivor?
— É. — Como você deve saber o pai dela era russo e a mãe inglesa.
— Eu ignorava que lady Forest tivesse uma mãe inglesa — Yeda disse.
— Bem, na verdade, era escocesa. — Mas, apesar de seu sangue russo
por parte de pai, a princesa sempre protegeu Sokollz contra a ambição russa.
— Posso entender — Yeda observou.
— Infelizmente, quando Alexandre III subiu ao trono, tentou convencer a
princesa de que seria melhor que Sokollz ficasse sob o domínio russo.
— Isso a deixou numa situação difícil crê — Yeda comentou.
— Claro. — Logo depois que o marido morreu, ela se apaixonou por sir

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William Forest que era embaixador britânico em Sokollz. — Este percebeu
logo, melhor que a esposa, como era perigosa a permanência dela no país.
— E o que houve? — Yeda estava curiosa.
— Fugiram juntos, casaram-se e vivem felizes desde então.
— Isso tudo é verdade ou você está inventando?
— Não estou inventando, é verdade mesmo. — Mas precisa me dar sua
palavra, Yeda, de que não vai contar a ninguém o que acaba de saber.
— Naturalmente não farei nada assim tão horrível. — Mas estou
encantada por você ter tido confiança em mim me levando para visitar lady
Forest.
— Imaginei que podia confiar em você, e ela lhe contará, melhor que eu,
as dificuldades pelas quais meu país está passando.
Eles continuaram a rodar em silêncio. Yeda estava pasma pelo que
acabara de ouvir.
Seu pai falara várias vezes de sir William, porém Yeda imaginara que ele
estava constantemente viajando, por isso nunca era visto na aldeia.
Mas, que se casara com a princesa e vivia escondido no campo sem
ninguém saber de nada, era de estarrecer, Yeda refletia.
Não levou muito tempo para chegarem à pequena aldeia onde ficava a
casa de sir William. Era uma residência no estilo Tudor, não muito grande,
mas graciosa, com o sol de fim de tarde iluminando suavemente os tijolos
vermelhos e refletindo nas vidraças das janelas. O jardim era também muito
lindo.
Quando o conde parou à porta da casa passou as rédeas da carruagem
para Yeda, dizendo:
— Preciso falar com lady Forest antes, e perguntar-lhe se ela está
disposta a receber alguém. — Você deve entender que poucas pessoas a
visitam, e sir William viaja muito. — Quando está em casa, geralmente diz a
todos que a mulher não se sente bem e que se encontra recolhida no quarto.
— Espero que me receba — Yeda murmurou.
O conde não disse mais nada. Deixou-a na carruagem, e subiu os poucos
degraus da entrada. Bateu na porta que foi aberta imediatamente.
Yeda percebeu que ele falava com um criado de libré. Esperou pelo que
lhe pareceu uma eternidade, receando o tempo todo que lady Forest
recusasse recebê-la. Seria grande seu desaponto após haver sabido tanto
sobre ela.
Mas, cinco minutos mais tarde, o conde desceu as escadas correndo e
sorrindo. Yeda concluiu então que tudo ia bem.

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Ele vinha seguido de um jovem lacaio que segurou as rédeas da
carruagem.
Yeda sussurrou:
— Ela vai me receber?
— Vai, e está encantada com sua visita — o conde respondeu. — Deixe-
me antes explicar uma coisa. — Como conheço lady Forest desde que eu era
criança, chamo-a de tia Norma, o nome de batismo dela.
— Sim, é claro que eu entendo.
A casa por dentro era tão bonita quanto por fora. O mordomo
acompanhou-os ao salão, ricamente mobiliado e com muito bom gosto. Havia
profusão de flores por toda a parte.
Uma mulher estava em pé, olhando pela janela. Virou-se, quando os dois
entraram e encaminhou-se ao encontro deles. Num breve exame Yeda
concluiu que a princesa Natasha devia ter sido um tipo de beleza quando
jovem. Tinha um charme irresistível, aliás, comum entre mulheres russas.
— Aqui estamos tia Norma — o conde disse. — Deixe-me apresentar-lhe
lady Yeda que, como sabe, mora bem perto daqui.
— Muito prazer em conhecê-la — lady Forest disse. — Espero que meu
sobrinho tenha explicado a você porque moramos neste lugar.
— Ele explicou, e considero a senhora uma mulher muito valente —
Yeda respondeu. — Mas tenho certeza de que vive feliz nesta casa charmosa
com um jardim encantador.
— Achei que você apreciaria meu jardim. — Ouvi dizer que o de sua
propriedade é lindíssimo.
— Vou comunicar a tio William que estou aqui — o conde disse e
desapareceu deixando as duas mulheres sozinhas.
— Agora me conte sobre sua vida — a princesa pediu. — Meu sobrinho
já tinha me falado de como é linda e do quanto gosta de estar em sua
companhia. — O que você acha dele?
— Acho que é um dos melhores cavaleiros que conheci. — E me contou
histórias fascinantes sobre seu país. — A senhora sofre por viver longe de
Sokollz?
— Claro que sofro — a princesa confessou. — Mas percebi que o czar
tentava me usar com a finalidade de ajudar os russos a ocupar Sokollz. — E
isso seria um desastre para nosso povo que adora sua independência e não
deseja ficar sob o domínio russo.
— Entendo como se sente e á considero muito corajosa. — Mas, precisa
mesmo se esconder e não permitir que ninguém saiba quem é?

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— Não tenho outro remédio senão viver assim. — Já ouviu falar na
'Terceira Seção?”
— E algo sobre espionagem na Rússia?
— É. — Começou no reinado de Nicholas I. — Ele reorganizou a Polícia
Secreta e criou um novo departamento que chamou de Terceira Seção.
Yeda ouvia atenciosamente; e a princesa continuou:
— A “Terceira Seção” ficou famosa principalmente pela perseguição aos
intelectuais. — E, sob o regime dos czares, ninguém mais se sentiu muito
seguro na Rússia.
— Quer dizer que a senhora está também em perigo por causa da
Terceira Seção?
— Claro que estou. — E a polícia não tem, no momento, idéia de onde
vivo. — Espero que pense que morri.
— Deve ser horrível para a senhora saber que a estão procurando —
Yeda disse.
— Entrego-me nas mãos de Deus. — Foi ele quem me ajudou a fugir de
Sokollz sem que ninguém desconfiasse de nada. — Estou muito contente por
estar aqui sozinha com meu marido da mesma forma que ele está contente
por estar aqui sozinho comigo.
O modo como a princesa falava demonstrava claramente o quanto os
dois eram felizes juntos.
O conde e sir William juntaram-se às duas mulheres meia hora mais
tarde e todos percorreram a casa e o jardim. Em cada detalhe Yeda constatava
um gosto apurado. Na primavera o jardim devia se transformar num
verdadeiro sonho.
— Isto é meu pequeno paraíso — a princesa falou —, e mulher alguma
pode desejar mais.
Fitava o marido enquanto falava. Os olhos de sir William estavam fixos
nos dela com expressão de tanto amor que Yeda ficou comovida.
Os quatro tomaram chá no salão e, após, os homens foram à estrebaria.
A princesa disse a Yeda:
— Estou muito contente por você ter sido boa com meu sobrinho! — Ele
sempre foi um homem de altos ideais e de sentimentos muito fortes em
relação ao seu país. — Sei que na Inglaterra sabe-se muito pouco sobre
Sokollz, mas se você puder ajudar levando ao conhecimento de outras
pessoas a existência desse povo maravilhoso e imaginativo, estará prestando
um grande serviço ao nosso pequeno mundo.
— Farei o que for possível. — Mas, aconteça o que acontecer, Sokollz

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precisa continuar independente.
— E o que peço a Deus todas as noites. — E o príncipe Ivor, meu filho,
morreria antes de perder seu país para a Rússia.
— Prometo que farei o que estiver ao meu alcance para ajudar Sokollz,
embora reconheça não ser fácil.
— Esperava isso de você. — A princesa sorriu. — Assim como fugi de
Sokollz para não prejudicar meu amado país, da mesma forma espero que os
ingleses, vão para lá a fim de impedir que meu amado país seja usurpado e
conquistado pelo czar Alexandre.
Pelo modo como a princesa falava ficava bem claro que ela culpava o
czar mais do que o povo russo.
Yeda lembrou-se logo que o conde dissera que o czar era alemão e não
russo.
Quando ela se retirou na companhia do conde, a princesa beijou-a,
dizendo:
— Por favor, venha sempre. — Mas tenha cuidado para que ninguém de
seu mundo social saiba quem eu sou e por que estou aqui.
— Prometo que não falarei sobre a senhora com pessoa alguma. — Mas
deixe-me dizer-lhe mais uma vez que a considero muito valente e que sou
sua ardente admiradora.
— Apesar de todos os males considero-me um das pessoas mais felizes
do mundo — a princesa admitiu.
Ela não acompanhou as visitas até a porta, mas sir William sim.
Só quando já estavam na estrada, de volta á casa, Yeda agradeceu ao
conde:
— Obrigada! — Muito obrigada! — Foi uma experiência maravilhosa
conhecer alguém tão interessante como a princesa.
— Achei que se sentiria assim, e ela me disse que adorou conhecer você.
Eles seguiram algum tempo em silêncio. Já perto de casa, Yeda
perguntou:
— Você acha que ela está sendo ameaçada pela “Terceira Seção?”
— Nunca se pode saber até onde eles podem chegar — o conde disse,
sacudindo os ombros. — São extremamente astutos e criticados mesmo na
Rússia. — Depois de uma pausa, acrescentou: — Mas até a “Terceira Seção”
não ousa desafiar a rainha Vitória. — Por esse motivo necessitamos de uma
esposa inglesa no trono de Sokollz.
— Sim, é claro que precisam — Yeda concordou.
Mas ao mesmo tempo pensava que Marigolde não seria uma boa

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companheira para o príncipe em situação tão difícil. Era preciso não apenas
muita paciência e entendimento, como também tato e um sentido de proteção
para com os habitantes do país. Tinha de confessar que não encontrava essas
qualidades em Marigolde.
Mais uma vez o conde lia seus pensamentos.
— Se você acha que sua irmã não seria uma boa esposa para o príncipe,
que tal você?
— Eu?! — Não, claro que não. — Não ambiciono uma coroa e jurei a
mim mesma que nunca me casarei com alguém que não ame de todo meu
coração e de toda minha alma.
Ela falava com paixão; mas depois ficou sem jeito por ter aberto sua alma
com tanta espontaneidade.
— Tem razão, Yeda. — E é como supus que você fosse.
Ela não podia encontrar palavras para responder. Apenas se dava conta
de que tivera uma impressionante experiência, algo de que se lembraria pelo
resto de sua vida.
Chegaram de volta a casa quando os hóspedes acabavam de tomar chá.
Eles fizeram mil perguntas, pois haviam se surpreendido pelo fato de
Yeda haver desaparecido.
— Os cavalos que usamos estavam descansados e nos levaram para mais
longe do que esperávamos — o conde explicou.
E, dirigindo-se ao duque, disse:
— Só posso agradecer a Vossa Graça por me ter proporcionado as
melhores parelhas de animais que já tive.
O duque imediatamente começou a falar sobre as diferentes montarias
que possuíra na vida.
Yeda serviu chá para o conde e para si, fingindo ainda não terem
tomado. Notou então que Marigolde não estava presente. Não perguntou
nada, mas um dos militares disse alguns minutos mais tarde:
— Sua irmã e o marquês foram dar um passeio pela floresta.
— Por falar no marquês, ele gostou da corrida? — Yeda quis saber.
— Parece que sim — um dos militares declarou. — Estava de muito bom
humor e nos fez rir ao contar o que ouviu os cavalariços dos hóspedes
comentarem sobre os cavalos dos estábulos de seu pai.
— Espero que não tenha sido nada mau — Yeda observou.
— Mau? — Foi muito bom. — Os rapazes disseram que o duque com
certeza vasculhara a aldeia para descobrir os melhores cavalos do local. — E
concluíram que conseguira adquiri-los ou por pura magia ou porque roubara

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os animais.
— Diga isso a papai. — Yeda riu. — Ele vai ficar encantado por ter sido
esperto comprando cavalos tão bons antes de serem levados a leilão.
Quando todos subiram a fim de se preparar para o jantar, Yeda disse ao
conde:
— Para o caso de eu não ter outra chance, muito obrigada pela visita de
hoje.
— O que quer dizer com “para o caso de eu não ter outra chance”? — O
conde indagou. — Eu ia sugerir a você que pedisse a esse jovem pianista que
tocasse alguma música clássica para nós dois esta noite. — Sei que seu pai
não aprova que se dance aos domingos, o Sabbath dos ingleses, mas tenho
certeza de que não desaprovaria a música dos grandes mestres.
— E eu acho que Rod se sentirá honrado por lhe pedirmos que toque
aquilo que ele prefere — Yeda explicou. — Podemos ir à sala de música
depois do jantar. — Se os outros quiserem ir também, tudo bom.
— Não insista para que vão — o conde pediu —, porque prefiro ficar
sozinho com você. — Há muito que desejo ainda te contar, tendo chance.
— Sem dúvida é uma tentação à qual não posso resistir.
Tão logo Yeda chegou ao quarto a fim de se vestir para o jantar, disse à
criada que precisava falar com Rod imediatamente. A criada correu para
cumprir a ordem e Rod veio logo.
— Estarei na sala de música após o jantar, milady — ele disse. — Levarei
algumas músicas comigo e a senhora pode escolher as que quiserem.
— Ótimo Rod. — Gostamos muito do modo como você tocou ontem à
noite. — Até Sua Graça dançou, coisa que ele não faz há anos.
— Eu vi milady — Rod confirmou. Depois, quase num sussurro,
acrescentou: — Há algumas pessoas estranhas na aldeia, e soube que não têm
cara muito boa.
— Pessoas estranhas?
— Sim, acho que são estrangeiros — Rod explicou. — Se quer minha
opinião, penso que estejam atrás do cavalheiro que veio de Sokollz.
— Você pensa que o procuram para conversar ou por que… Por que…
são inimigos dele? — Acha que são… Russos?
— Não sei milady, porque não os vi. — Mas os rapazes da estrebaria
falavam no assunto. — Disseram que os homens faziam perguntas sobre
quem estava aqui como hóspede de Sua Graça.
— Tudo bem, Rod, não diga nada a ninguém — Yeda pediu. — Mas vou
contar tudo ao conde quando tiver oportunidade e talvez ele saiba quem está

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à sua procura.
Passou pela cabeça de Yeda que isso tinha algo a ver com a princesa.
Talvez os russos tivessem ouvido boatos de que ela se encontrava na
vizinhança.
De qualquer forma, não havia razão para pensar que o conde fosse
pessoa tão importante em seu país, para ser procurado.
Portanto, os homens estranhos não estariam atrás dele. A menos, é claro,
que Marigolde estivesse certa ao pensar que o conde fosse um emissário
tentando encontrar uma noiva para o príncipe Ivor.
Tudo isso passou pela mente de Yeda que começou a pensar no que
deveria fazer.
O fato de haver estrangeiros na aldeia a induzia a suspeitar de algo.
Preocupou-se. Talvez, depois do jantar, tivesse chance de perguntar ao
conde se existia alguma possibilidade de haver pessoas à sua procura.
Especialmente naquele dia em que conhecera a princesa Natasha, que
morava ali bem perto, concluiu que havia mil razões para se preocupar.
A criada lhe perguntou que vestido queria usar e Yeda escolheu mais
uma vez um branco. Quando olhou no espelho achou-se bem apresentável.
Mas teve absoluta certeza de que Marigolde estaria mais linda ainda do
que na noite anterior.
A irmã mais velha, sem dúvida, contribuíra para que a festa fosse um
sucesso, não apenas por sua aparência como pelo comportamento. Fora
graciosa, divertida, e flertara com todos os homens. Mas em especial com o
marquês. E, para surpresa de Yeda, ele pareceu corresponder.
Amanhã as visitas irão embora, ela pensou com um suspiro. Imaginava
nunca mais ver o conde. E fora tão emocionante ter ido com ele visitar a
princesa Natasha! E sabia também que o conde dera enorme prazer a seu pai
ao lhe elogiar os cavalos.
— Foi o melhor encontro que tivemos entre os amantes da equitação — o
duque estava dizendo quando Yeda entrou na saia.
Todos estavam reunidos lá menos Marigolde. Por certo ela iria mais uma
vez fazer uma entrada triunfal, como se estivesse representando num palco.
— Tivemos um fim de semana maravilhoso — um dos militares
comentou. — Vai ser difícil voltar ao Quartel amanhã e aceitar que tudo está
acabado.
— Teremos outra corrida de obstáculos no próximo ano — Yeda
prometeu.
— E onde estarei eu na ocasião? — Ele perguntou. — Se for à índia, tudo

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bem, mas pode ser em algum local perdido nos confins da África onde em
vez de cavalos terei de montar camelos.
Yeda riu e consolou-o:
— Espero que não seja em lugar tão ruim. — Mas prometo que você
estará na lista de nossos hóspedes não apenas no próximo ano, mas durante
muitos anos depois do próximo.
— Aguardarei esses convites sempre com grande ansiedade — o militar
respondeu.
— Acho que todos nós aguardaremos — o conde fez eco às palavras do
jovem soldado.
Ele estava bem atrás de Yeda, porém ela não sabia.
— Quer que eu diga a você — o conde sussurrou-lhe ao ouvido — o
quanto gostei deste fim de semana, em especial do dia de hoje?
— De minha parte já falei que foi algo de que jamais me esquecerei. —
ela disse.
— E eu não permitirei que você se esqueça — o conde retrucou.
Yeda não entendeu bem o que ele quis dizer com aquilo.
Mas, antes de ter chance de pedir uma explicação, o duque falou:
— Acho que nós todos concordamos ter sido essa a corrida de maior
sucesso que já tivemos. — Mas não me agradeçam e sim à minha filha que
providenciou tudo como minha esposa o faria.
— Obrigada, papai — Yeda agradeceu —, mas acho que o sucesso do
encontro se deveu em especial aos visitantes.
Tão logo ela acabou de falar a porta se abriu e Marigolde entrou.
Vestia-se luxuosamente, de branco agora, e com o vestido que lhe fora
confeccionado para sua apresentação à Corte. Estava mais linda que nunca.
Na cabeça tinha uma tiara que pertencera à mãe, talvez grande demais
para uma moça solteira, e o colar e pulseiras de diamantes brilhavam como
estrelas.
O duque fitou-a atônito e os homens bateram palmas. Quando
Marigolde se aproximou do pai, ele perguntou:
— Por que está vestida assim, minha cara? — Não há baile esta noite.
— Sei disso — Marigolde respondeu —, mas vamos celebrar um
acontecimento diferente.
— Que acontecimento?
— É o que saberá logo.
Enquanto falava ela segurou a mão do marquês, que anunciou:
— Sua filha, milorde, pediu-me para lhe comunicar que concordou em

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ser minha esposa, e eu me considero o mais feliz dos homens.
Todos começaram a aplaudir; as moças davam gritos de emoção.
O duque foi ao encontro do marquês com ambas as mãos estendidas.

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CAPÍTULO VI

Foi um jantar exuberante em que cada homem queria fazer seu discurso.
Enfim, o marquês levantou-se e agradeceu a todos no próprio nome e no
da futura esposa. Mas pediu que não comentassem nada com ninguém, pois
iriam se casar de modo diferente do habitual.
Yeda assustou-se. Chegou mais perto do marquês para ouvir melhor. E
ele continuou:
— Detesto cerimônias pomposas e minha futura esposa pensa
igualmente. — Por isso vamos nos casar aqui, amanhã ou depois. — Enfim,
assim que conseguirmos os papéis. — Passaremos nossa lua-de-mel no
Continente e, ao voltarmos, anunciaremos o casamento à minha família, aos
arrendatários e aos empregados. — Haverá fogos de artifício e bebidas.
— Insisto mais uma vez que não falem nada até nossa volta da lua-de-
mel. — Tendo sido esta reunião tão amigável, espero que todos atendam ao
meu pedido.
— É claro — o duque falou antes que os outros tivessem tempo de se
manifestar. — E considero muito prudente sua decisão. — Também acho as
cerimônias de casamento cansativas e absurdas.
Yeda ficou pasma pelo fato de Marigolde concordar com um casamento
sem espalhafato. Notou que a irmã olhava para o marquês com admiração e
percebeu que pela primeira vez ela amava alguém mais que a si própria.
Parecia um milagre.
Mas não havia dúvida de que as rédeas do casal ficariam nas mãos do
marquês. Ele governaria o lar da mesma maneira como governava sua
propriedade que, segundo se dizia, era um exemplo para todos os
fazendeiros.
Como havia muito a se discutir, eles ficaram na sala de jantar por muito
tempo. Mais tarde, enquanto se dirigiam ao salão, o duque disse:
— Depois de notícia tão emocionante acho que não podemos nos
concentrar em jogos, e sendo domingo, não dançaremos. — Portanto, sugiro
que conversemos antes de irmos para a cama, mais cedo hoje.
— Quero mesmo dormir cedo — o marquês concordou — porque
preciso sair amanhã logo depois do café para cuidar da licença de casamento.
— Por felicidade conheço o arcebispo de Canterbury, e não haverá
dificuldade em obter a licença e ao mesmo tempo conservar tudo em segredo.

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— Acho que não haverá problema — Marigolde assentiu.
— E assim você terá bastante tempo para pensar nas coisas lindas que
vai comprar para nossa casa quando o casamento for anunciado.
Ela brincava, e Yeda estava cada vez mais atônita com a irmã que dizia
“sim” a tudo.
Yeda mandou um recado para Rod avisando que não poderiam ir à sala
de música. Mas sentiu muito não poder ficar sozinha com o conde ouvindo
música clássica.
Na hora de dormir, ela disse a Marigolde:
— Estou muito contente por você estar tão feliz.
— Arthur é o homem mais maravilhoso que conheci. — Para ser franca,
todo o meu sonho transformaram-se em realidade. — Encontrei o homem
que amo, mas também serei a duquesa mais importante da Inglaterra.
— Naturalmente vou ser dama de companhia da rainha, pois, como a
soberana gosta muito de Arthur, aposto que lhe oferecerá uma posição no
Castelo de Windsor. — Arthur me disse que ela não gosta de homens
solteiros trabalhando na Corte porque receia que se apaixonem pelas damas
de companhia.
— Você sem dúvida encontrou um meio estranho de se casar — Yeda
comentou. — Os amigos de seu marido poderão ficar sentidos por não terem
sido os primeiros a, saber.
— Oh, Arthur está cuidando disso. — Ele vai escrever a eles enquanto
estivermos no Continente para que saiba de tudo alguns dias antes de o
casamento ser anunciado na Inglaterra. — Arthur garante que ficarão
satisfeitos desde que haja celebrações na nossa volta, na mansão da família.
Yeda fitou-a descrente, porque o velho duque, pai de Arthur, estava
ainda vivo e morava na mansão.
— Sei em que você está pensando — Marigolde disse — mas Arthur
afirmou que o pai dissera, anos atrás, que quando o filho se casasse ele se
mudaria para a casa menor dentro da propriedade e cederia á Casa Grande
aos recém-casados.
Yeda beijou a irmã e falou, antes de ir para a cama:
— Mamãe ficaria encantada com sua felicidade. — Farei uma prece
especial esta noite para que você continue bonita; como sempre.
Marigolde abraçou a irmã e declarou:
— Você tem sido maravilhosa, querida. — E quando for nos visitar em
nossa casa, procurarei um marido para você quase tão sedutor como Arthur;
claro, homem algum pode ser tão maravilhoso. — Mas quase…

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Rindo, Yeda foi para seu quarto. A casa estava em completo silêncio, o
hall envolvido na escuridão. A lua cheia iluminava o jardim. Quando ela
abriu as cortinas ficou deslumbrada. Despiu-se, escovou os cabelos e, antes
de pôr o penhoar, debruçou-se na janela. Algo que fazia todas, as noites.
Rezou olhando para a lua e as estrelas. Tinha certeza de que Deus e sua
mãe ouviriam suas preces.
De repente, notou que algo se movia no jardim. Imaginou que fossem os
cervos vindos do Parque e ficou apreensiva imediatamente temendo que eles
estragassem as flores que começavam a desabrochar. Mas depois, observando
melhor, viu que não se tratava de animais, mas de seres humanos. Um
homem se movia vagarosamente e era acompanhado por outro. Carregavam
qualquer coisa nas mãos, parecendo se revezar, pois o volume era grande.
Que estariam eles fazendo no jardim àquela hora da noite? Yeda
imaginou logo que o pai talvez necessitasse de algum conserto nas janelas do
quarto. Ou quem sabe houvesse um vazamento no banheiro.
Mas, quando um dos homens ergueu-se para começar a subir uma
escada que colocara junto à parede, Yeda viu auxiliada pelo luar, que não era
nenhum dos empregados da casa. Nem ao menos parecia ser inglês.
De repente constatou que estavam debaixo da janela do quarto do conde.
Seu instinto lhe disse que algo ia mal. Lembrou-se então claramente do
que a princesa lhe dissera sobre a “Terceira Seção”.
Yeda saiu correndo do quarto e foi para o do conde, muito perto do dela.
Entrou sem bater e constatou que estava às escuras. Mas o conde se
encontrava deitado.
Ela fechou a porta cuidadosamente e encaminhou-se para perto da cama.
Ao tocá-lo, ele acordou e disse espantado:
— Yeda! — O que houve? — O que faz aqui?
— Há dois homens no jardim. — Um deles está subindo na direção da
janela de seu quarto — Yeda sussurrou. — Penso, embora possa estar
enganada… Que são… Russos.
Ela recordou-se do que Rod comentara sobre os estrangeiros na aldeia.
Sem mais perguntas, o conde disse:
— Procure um lugar aqui onde possamos nos esconder!
Era uma ordem. Ela pensou imediatamente na passagem secreta.
Voltou-lhe à mente a história de um membro de sua família que vivera
naquela mesma casa, durante o reinado de Georges IV. Era famoso por suas
aventuras amorosas com as mulheres mais lindas da sociedade londrina.
Mantinha também romances com atrizes e outras mulheres de moral

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duvidosa. Mas os casos de sua preferência eram as proibidas, e com senhoras
casadas. Por isso mandara construir uma passagem secreta entre o quarto que
o conde usava agora e o dele. Yeda divertira-se muito, quando criança,
brincando nessa passagem secreta.
Sem hesitar, ela atravessou o quarto no escuro, indo até o painel. Para
seu grande alívio, apesar de não ter sido usada durante anos, a porta
começou a se mover vagarosamente ao toque de um botão.
Quando foi ao encontro do conde a fim de lhe comunicar que descobrira
o esconderijo, notou que ele colocava travesseiros sob as cobertas e chinelos
nos pés da cama.
Por segundos não pôde entender o que aquilo significava. Depois
percebeu que o volume sobre a cama dava a impressão, a qualquer pessoa
que se aproximasse, de haver alguém dormindo lá.
Em seguida o conde abriu uma gaveta e tirou qualquer coisa de dentro.
Vestiu o robe que estava na cadeira e, com Yeda, entrou no esconderijo.
No mesmo instante as cortinas da janela se moveram, com muito
cuidado ele correu o painel deixando apenas uma fresta aberta, o suficiente
para permitir que se visse o que iria se passar no quarto. Yeda ficou de
joelhos para não lhe atrapalhar a visibilidade.
Um homem entrou pela janela. O outro homem, que não apareceu, por
certo estava segurando a escada, Yeda concluiu.
O que entrou no quarto devia estar de meias, pois não fazia ruído
nenhum ao andar. Caminhava vagarosamente e com muito cuidado. Parecia
preocupado em não acordar o homem que acreditava estar dormindo.
Ele fechara a cortina de volta deixando apenas aberta o suficiente para
ver onde estava a cama. Nas mãos ele segurava uma enorme faca.
Yeda estremeceu e com dificuldade abafou um grito de horror.
Se aquela faca entrasse no coração de uma pessoa, á mataria na certa e
instantaneamente.
Aí ela sentiu a mão do conde tocando-lhe o ombro, com a intenção de lhe
garantir segurança, e de pedir que não tivesse medo.
O homem chegou perto da cama tão devagar que mais parecia um
fantasma. Ao levantar o braço a longa faca brilhou no ar como prata. Ele
baixou-a então, com toda a força, no suposto homem da cama. Imediatamente
depois atravessou o quarto na direção da janela por onde entrara.
Yeda e o conde concluíram que ele estava descendo a escada. O conde
abriu o painel e foi depressa para a janela. No instante em que o russo quase
tocava os pés no chão onde o companheiro segurava a escada, o conde olhou

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para baixo.
O objeto que ele tirara da gaveta e tinha nas mãos o tempo todo era uma
pistola. Yeda achou que o conde ia atirar nos homens lá embaixo. Mas, para
seu espanto, não ouviu barulho algum.
Passou-lhe pela mente que a pistola não estava carregada.
O conde pareceu atirar mais uma vez, mas ainda não se escutou som
nenhum.
Mas quando ela olhou pela janela viu os dois homens prostrados no chão
do jardim, cada um segurando o onde provavelmente a bala da pistola havia
penetrado.
O conde saiu da janela e só então Yeda constatou que a arma que ele
tinha na mão era bem diferente das que estava acostumada a ver. Maior e
mais pesada.
— Você… Alvejou mesmo… Os homens? — Ela perguntou num
sussurro.
— Ambos foram atingidos no braço direito — o conde respondeu —, o
que significa que não poderão atacar ninguém mais por muito tempo.
— Mas eu não ouvi… Barulho nenhum… Do tiro.
O conde sorriu e explicou:
— Minha pistola tem um silenciador.
— E o que vai fazer com… Os dois homens?
— Nada.
— Mas… Poderiam ter matado você.
— Sei disso — o conde respondeu. — Mas ao mesmo tempo, como
castigo perderá seu emprego na “Terceira Seção” que é onde imagino que
trabalham.
— Por que… Fizeram isso? — Yeda indagou.
— Vou contar a você algum dia.
O conde foi à janela de novo. Olhou discretamente para fora a fim de ter
certeza de que os homens continuavam caídos no mesmo lugar onde foram
abatidos.
Bem lentamente, porque deviam estar sofrendo, eles começaram a andar,
e o conde permaneceu observando-os por algum tempo,
Yeda mal podia acreditar que tudo aquilo acontecera em sua própria
casa. Como ousaram os russos entrar em sua propriedade para matar um
homem, um hóspede de seu pai?
E como pudera ela ter tanta sorte impedindo que o conde fosse ferido?
Ou assassinado?

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Os homens desapareceram no meio dos arbustos. O conde saiu da janela
e fechou a cortina.
Olhou para Yeda, linda com sua camisola transparente. Os cabelos
louros caíam-lhe pelos ombros e os olhos arregalados de medo e curiosidade
pareciam encher seu rosto todo.
Por um momento ele apenas a fitou; depois disse:
— Como posso agradecer a você, meu amor, por ter me salvado a vida?
Abraçou-a. Depois a beijou e Yeda achou que aquilo tudo era ainda mais
irreal, mais surpreendente do que qualquer coisa que lhe acontecera antes.
Quando o conde percebeu que o corpo dela tremia, abraçou-a ainda com
mais força, e seus lábios ficaram mais ávidos.
Para Yeda, que nunca fora beijada, foi á maravilha das maravilhas.
Porém ela sempre imaginara que o amor seria algo surpreendente.
E quando seu corpo todo correspondeu ao amor do conde, e seu coração
palpitou contra o dele, Yeda soube que aquele era o amor que procurava.
Contudo, um amor ainda mais miraculoso, mais perfeito do que
imaginara que pudesse ser.
O conde segurou-a nos braços por longo tempo antes de levantar a
cabeça e perguntar:
— Agora diga minha querida, o que sente por mim?
— Eu te amo — Yeda sussurrou. — Mas não sabia… Que o amor era
coisa tão maravilhosa ou que… Eu me sentiria voando pelo espaço ao ser,
beijada por você.
O conde beijou-a mais uma vez.
Aí Yeda teve a impressão de que tocava as estrelas e de que o luar os
unia.
Depois de muito, muito tempo, o conde disse:
— Meu amor, meu tesouro, eu desejei esse beijo desde o primeiro
instante em que a vi. — Porém tive medo de assustar você. — Mas como
poderia eu imaginar que estava diante de mim uma criatura tão perfeita,
capaz de me salvar das garras daqueles demônios? — Fui um tolo ao supor
que eles não me encontrariam aqui. — Se me tivessem matado, a culpa seria
exclusivamente minha.
— Mas acontece… Que você está vivo, embora eles possam tentar outra
vez.
O conde e Yeda sentaram-se na cama. O luar, penetrando por uma das
janelas, dava ao quarto uma atmosfera etérea. Eles pareciam irreais, parte das
estrelas e do céu.

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O conde passou um braço em torno da cintura de Yeda que encostou a
cabeça no ombro dele.
— Você realmente me ama? — Ela perguntou.
— É impossível pôr em palavras o que sinto por você querida. — O que
sinto cada vez que estamos juntos.
— Não entendo como não percebi antes que você me amava.
— Tive bastante cuidado para não demonstrar. — Queria ter certeza de
que você me amava, apesar de eu saber, desde; o primeiro segundo em que
ficamos juntos, que a desejava para mim. — E agora peço, com toda a
simplicidade, “que se casar comigo?”
— Eu te amo — Yeda confessou. — Mas receio não ser a esposa perfeita,
receio desapontar seus compatriotas em Sokollz.
— Não posso crer que isso aconteça. — Você tem tudo que eu procurava
numa esposa, que por sinal julguei jamais encontrar. — Não é apenas mais
linda que as estrelas do céu, como é amável, compreensiva, e capaz de fazer
felizes as pessoas em seu redor.
Ele acariciou as faces de Yeda antes de acrescentar:
— Venho observando seu comportamento e sei que é perfeita em todos
os aspectos. — Por isso, meu amor eu sinto que não posso continuar vivendo
sem sua companhia.
— Você podia ter morrido… Esta noite — ela murmurou.
— Mas estou vivo porque você me salvou e porque foi bastante
inteligente para fazer isso.
— Como me poderia ter imaginado que aqui na Inglaterra homens
desejariam matar você? — Mas… O que faremos se… Esses homens
voltarem?
— Será humanamente impossível — o conde afirmou — porque eles
falharam na tarefa que lhes foi imposta. — E é bem provável que sejam
expulsos da “Terceira Seção”.
— Se é a “Terceira Seção” que está atrás de você, haverá outras pessoas
que tentarão o mesmo.
— Acho que encontraremos um meio de evitarmos isso — ele disse.
— Mas, minha querida, vamos falar sobre nosso casamento agora.
— Tem que ser em minha terra. — Você tem medo de morar lá comigo?
— Tenho medo só por você, não por mim — ela respondeu. — Mas
quem sabe se, por ter te salvado uma vez de ser assassinado por aqueles
terríveis homens, eu possa salvá-lo… De novo.
— Entende agora por que não poderei viver sem você? — O conde sorriu

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e depois a beijou longamente.
E não conseguiram falar por algum tempo. Alcançaram um paraíso que
sempre lhes parecera inatingível.
Bem mais tarde, quando ele mandou Yeda ir para a cama, disse:
— Temos muitos planos a fazer amanhã, meu tesouro, e não quero que
esteja cansada demais a ponto de não poder me dar atenção.
— Sabe que eu sempre ouviria você, cansada ou não — Yeda protestou.
O conde levou-a á porta, e acompanhou-a até o quarto.
— Não haverá mais interrupções ou medos esta noite — ele preveniu-a.
— Por isso vá para a cama, minha querida, e esqueça-se de tudo exceto
de que te amo e de que você me ama.
O conde beijou-a mais uma vez e se foi.
Quando Yeda entrou embaixo das cobertas não podia acreditar no que se
passara. Se ela não estivesse olhando pela janela, o conde naquele momento
estaria morto na cama.
Na manhã seguinte, quando desceu para tomar café, descobriu que
estava atrasada. Todos os hóspedes já tinham ido para as estrebarias, e o
mordomo lhe contou que Marigolde não tinha ainda pedido o café da manhã
no quarto, como de hábito.
Yeda servia-se de ovos e bacon quando o conde e seu pai entraram na
sala.
Este disse:
— Acabei de saber, minha querida, que não vou perder apenas uma
filha, mas ambas.
— Ele… Contou… Sobre nós? — Yeda indagou, apesar do absurdo da
pergunta.
— Sim, contou — o duque respondeu.
O conde estava ao lado dela e Yeda tomou-lhe a mão.
— Pelo que entendi — o duque prosseguiu —, Theo quer ir a Sokollz e se
casar lá, porque o casamento funcionará como uma injeção de ânimo para seu
povo.
Antes que Yeda pudesse dizer qualquer coisa, o conde explicou:
— Como é fácil de deduzir, um casamento é sempre um evento festivo,
alegre, em especial neste momento em que tanto precisamos de alegria. — O
simples fato de eu estar me casando com uma inglesa são animador e
emocionante.
— Sabe… Farei o que você quiser que eu faça.
O conde beijou-lhe a mão e sussurrou:

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— Não há ninguém no mundo como você, e quando estivermos sozinhos
lhe direi como é maravilhosa.
— Se está pedindo que eu me retire antes de terminar com o café da
manhã — o duque observou —, isso é algo que não farei! — Porém acho que
Yeda precisa saber do que foi planejado e concordar antes de entrarmos em
ação.
— Sobre o que… Planejaram? — Ela perguntou, com ansiedade.
— Nada de assustador — o conde acalmou-a. — O que sugeri a seu pai
foi que eu partisse imediatamente para providenciar nosso casamento. — E
você seguirá assim que puder.
Yeda olhou para o pai.
— Eu concordei naturalmente que concordei — o duque afirmou.
— Posso entender muito bem a situação atual de Sokollz e o casamento
de seu jovem noivo com uma inglesa é animador. — Em especial quando
posso persuadir Sua Majestade a enviar votos de felicidades aos recém-
casados. — Assim, os habitantes de Sokollz verão que ela se interessa pelo
país e, conseqüentemente, o protegerá.
— E o que precisamos fazer papai.
O conde beijou a mão de Yeda, demorando-se no beijo.
Depois disso só houve cumprimentos o dia todo até á hora, logo depois
do almoço, quando ele partiu da Inglaterra
Mas antes o conde levou Yeda à sala de música e beijou-a até que ambos
quase perdessem o fôlego.
— Eu te amo — ele confessou mais uma vez —, e levarei muito tempo
provando isso a você. — Portanto, quanto mais depressa estivermos juntos
em Sokollz para nos casarmos, melhor.
— Só me preocupa o fato de você partir sozinho — Yeda declarou.
— Prometo que cuidarei de mim, mas venha ao meu encontro o mais
rápido possível. — Sabe que estarei contando não apenas os dias, mas as
horas e os minutos até você estar novamente em meus braços.
O conde beijou-a com avidez, como se desafiasse o destino para levá-la
consigo. E Yeda sentiu que seu amor crescia cada vez que ele a tocava.
— Você vai mesmo embora hoje? — Ela perguntou.
— Tenho muito a fazer, meu amor, pois quero tudo perfeito porque você
é perfeita á meus olhos; e sempre será. — Os habitantes de Sokollz vão
concordar comigo.
— Ainda é difícil para eu imaginar que não estou sonhando! — Cada
minuto que vivi com você foi um enlevo, mas ignorava que aquilo era amor.

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— Vou mostrar de fato como te amo tão logo nos casarmos — o conde
prometeu. — Mas diga-me que irá ao meu encontro o mais depressa que
puder.
— Sabe que irei, porém preciso esperar que Marigolde se case antes. — O
pior é que me preocupo com papai perdendo as duas filhas ao mesmo tempo.
O conde esboçou um sorriso e sugeriu:
— Acho que há uma pessoa que gostaria de tomar seu lugar aqui,
quando você se for.
— Refere-se á Sra. Allen?
— Não há dúvida de que ela está apaixonada por ele e de que o fará
muito feliz.
— Como você é esperto! — Yeda exclamou. — Eu não havia pensado
nisso. — A Sra. Allen é encantadora e meu pai sempre gostou dela.
— Bem, não se surpreenda então se minha profecia se transformar em
realidade — o conde disse.
Aí, como se fosse perda de tempo falar de outro assunto, ele beijou-a.
— Você… Prometeu que não se esquecerá… De mim, e que continuará
me amando — Yeda sussurrou.
— Como já disse — o conde respondeu — continuarei contando os
minutos até ficarmos juntos de novo, e esta noite sonharei que está em meus
braços.
Quando acenou com a mão um adeus ao conde, depois do almoço, foi
com dificuldade que Yeda se conteve para não lhe pedir que a levasse
consigo.
“Se Marigolde pode se casar discretamente aqui na igreja da aldeia”
pensou, “por certo Theo pode se casar comigo da mesma maneira”.
Mas sabia que era algo que ele não desejava, por isso resolvera não pedir
nada.
“Eu o amo, eu o amo” dizia a si mesma enquanto a carruagem
desaparecia na estrada.
Ao entrar em casa, o pai lhe disse:
— Você escolheu um homem maravilhoso para marido. — Tenho muito
respeito por Theo e tudo o que preciso fazer agora, minha querida filha, é
providenciar seu enxoval.
— Havia me esquecido disso — Yeda comentou.
O duque riu e disse:
— Marigolde não se esqueceu do enxoval. — Encomendaram em
Londres as roupas mais luxuosas possíveis e mais caras também. — Suponho

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que você precise de algumas coisas antes de nós, irmos para Sokollz.
— Quando será isso? — Ela perguntou.
— Prometi a Theo, porque ele foi insistente, que partiremos no fim da
semana.
— Acha que podemos ir tão cedo, papai?
— Penso que precisamos, e Theo me garantiu que a viagem não é tão
árdua como se acredita. — Há um excelente serviço de trens que parte da
França, atravessa a Alemanha e segue até Sokollz.
— Temos mesmo que partir no fim da semana? — Yeda insistiu na
pergunta.
Claro, ela queria ir ao encontro do homem que amava o mais depressa
possível, mas ao mesmo tempo desejava se fizer bonita para ele. E sem
dúvida suas roupas, que haviam sido pretas por tanto tempo, não eram nada
atraentes. Mas quando mencionou isso à irmã, pela primeira vez na vida
Marigolde se prontificou a ajudá-la, e disse:
— Já me comuniquei com várias lojas de primeira categoria em Londres
para encomendar meu enxoval. — Mesmo sendo você menor do que eu
suponho que haja dúzias de vestidos que lhe servirão. — Pensando bem,
melhor ainda, poderemos mandar uma pessoa amanhã de manhã a Londres a
fim de informar que desejamos dois enxovais em vez de um. — Assim,
muitas toaletes minhas serão ajustadas para você com muita rapidez.
Yeda não duvidava que a irmã ambicionasse ser não apenas a duquesa
mais linda da Inglaterra como a mais bem vestida. Por isso resolveu deixar
tudo nas mãos dela.
Quando as primeiras compras chegaram à quarta-feira à tarde, as duas
irmãs não ficaram desapontadas. Apenas o duque se assustou com o número
de vendedoras que veio junto, e com a quantidade de caixas.
— Vocês duas vão me levar à falência — ele queixou-se.
— Não se preocupe papai. — Marigolde riu. — Arthur é um dos homens
mais ricos da Inglaterra e, aquilo que você não puder pagar, ele pagará.
— Arthur disse que sou tão linda que mereço uma moldura digna de
mim.
Yeda concluiu, após esse comentário, que o marquês estava
verdadeiramente apaixonado por sua irmã. E que fora por se sentir amada
que ela mudara tanto.
— Sinto pena de você, Yeda — Marigolde disse —, por ter de viver tão
longe de casa. — Mas espero que os habitantes daquele país distante te
admirem e amem.

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— Viverei feliz com Theo em qualquer lugar do mundo, mesmo que
numa casa não tão grande nem tão luxuosa quanto a nossa.
O mais importante Yeda tinha certeza, era o fato de ela ser inglesa, para
o bem de Sokollz.
Mais tarde, falou ao pai:
— Espero que você tenha informado Theo sobre nossa árvore
genealógica e também que temos sangue azul.
— Ele sabe — o duque respondeu. — Theo partiu daqui não somente
com a árvore da família, que eu havia desenhado no ano passado, como com
livros da biblioteca que continham referências acerca de nossos ancestrais.
— Prometeu devolvê-los e espero que você cuide para que ele não se
esqueça.
— Claro que cuidarei, papai. — Mas o caso é que Theo precisa assustar
os russos para que eles não nos assustem.
Assim que terminou de falar, Yeda admitiu que os russos já os
houvessem assustado. E ela tivera sorte em ver os homens da “Terceira
Seção” porque estava na janela naquela noite. Não fora isso, o conde estaria
morto e ela nunca mais amaria ninguém como o amava.
“Eu o amo! Eu o amo”, dizia a si mesma enquanto ia para a cama.
Ela estava entusiasmada com os vestidos que comprara para levar a
Sokollz.
“Enfim”, pensava, “tenho de me satisfazer com essas roupas por muitos
anos. Meu consolo é que os habitantes de Sokollz talvez nunca tenham visto
modelos franceses na vida”.
Yeda apenas esperava que o conde fosse tão rico como se imaginava que
ele fosse. Assim não consideraria seu enxoval exagerado.
E, para completar o exagero, surpreendentemente Marigolde lhe dera
algumas das jóias da mãe.
— Como você deve saber — ela dissera —, as jóias da família de Arthur
são fantásticas. — Quando eu as usar na abertura do Parlamento as pessoas
vão ficar ofuscadas pelo brilho dos diamantes. — Por isso você pode ficar
com algumas das jóias de mamãe, pois duvido que o conde tenha jóias de
seus antepassados. — Embora, se ele for rico como papai supõe, possa
comprar alguma coisa durante a lua-de-mel.
— Penso que Theo achará melhor gastar dinheiro com os pobres e os
sofredores de seu país. — Ele deve se preocupar muito com isso. — Yeda
suspirou antes de acrescentar: — Claro, não sei nada sobre Sokollz, mas acho
que é como qualquer outro país dos Bálcãs, pobre em extremo.

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— Pessoalmente penso que você é muito valente em aceitar viver tão
longe de casa. — Mas preciso confessar também que, só agora que conheci o
que é o amor, posso entender seu comportamento.
— Você ama Arthur de fato? — Yeda perguntou. — Ou está apenas
pensando em ser uma duquesa importante.
— Não há dúvida de que o amo. — Você pode não acreditar, mas eu me
casaria com Arthur mesmo que ele fosse pobre, simplesmente porque,
quando me beija, sinto-me como se estivesse sendo carregada nas nuvens.
Yeda beijou e abraçou a irmã e disse:
— É o que sempre desejei que você sentisse, e tem razão. — Amor é mais
importante que dinheiro, posição social ou qualquer outra coisa, e nós duas
tivemos muita, muita sorte.
Quando Marigolde se casou na quinta-feira pela manhã estava exultante
de felicidade. E Yeda acreditou que ela se casaria com o marquês mesmo que
ele fosse pobre e sem importância social.
— Venham visitar-nos assim que voltarem da lua-de-mel — o marquês
disse a Yeda quando a abraçou. — Espero que você e seu marido fiquem em
meu castelo quando puderem fazer uma viagem de volta à Inglaterra.
— Tentaremos voltar — Yeda respondeu. — E muito obrigada pelo
convite.
Tão logo os recém-casados partiram, ela disse ao pai:
— Nunca vi Marigolde tão linda nem tão feliz.
— Tem razão — o duque concordou. — Mas se pode ver desde já que o
marido é quem mandará em casa. — Ele não terá as dificuldades que tivemos
com Marigolde. — Mas preciso lhe dizer algo, minha filha.
— O que, papai?
— Seu futuro marido mandou um mensageiro que só chegou ontem à
noite, bem tarde. — Por isso não quis incomodar você. — Theo providenciou
tudo para nossa viagem, até um vagão reservado só para nós, como o da
rainha.
— Ele fez isso? — Yeda perguntou. — Mas deve custar uma fortuna.
— Theo me disse que tem condições de dar conforto à sua futura esposa,
mas não pensei que chegasse a esse ponto.
“Espero mesmo que ele tenha condições de fazer isso”, Yeda pensou,
mas não disse nada em voz alta.
Sabia que o pai estava encantado com tanta atenção. Isso o deixaria de
bom humor durante toda a cansativa e longa viagem.
O que importava de fato, Yeda dizia a si mesma quando foi à cama, era

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que logo veria Theo.
Uma vez casados, cuidaria dele e o protegeria da ambição dos
desagradáveis russos.
Talvez Theo tenha razão. Por ser eu inglesa os russos pararão de
atormentar Sokollz.
Ela fez uma longa prece pedindo a Deus que isso acontecesse.
— Por favor, meu Deus, tome conta do homem que amo e faça com que
nada de mal lhe aconteça.

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CAPÍTULO VII

Embora Yeda estivesse muito ocupada, arranjou um tempinho para


visitar a Sra. Allen. Contou-lhe quando ela e o pai partiriam. Depois
acrescentou:
— Por favor, cuide de papai após a volta dele de Sokollz. — Sei que se
sentirá terrivelmente só naquela enorme casa.
A Sra. Allen fitou-a surpreendida. Depois disse:
— O que você quer que eu faça?
— O que eu quero mesmo é que fique com papai até ele se acostumar à
idéia de que Marigolde e eu não mais moraremos aqui. — Papai ficou tão
infeliz quando mamãe morreu, andava pela casa parecendo perdido. — Não
quero que faça a mesma coisa de novo, por isso lhe suplico que fique com ele
pelo menos nos primeiros dias.
Yeda receava que, quando o pai voltasse á casa, sofresse mais uma vez a
morte da esposa.
— Naturalmente que farei o que você me pede — a Sra. Allen respondeu.
— Acho seu pai uma pessoa maravilhosa e farei o possível para alegrá-
lo.
— Cavalgue com ele e insista que convide amigos para jogar bridge.
— Apesar de os criados serem excelentes, precisa de alguém que lhes dê
ordens, que os oriente, coisa que eu sempre fiz. — Por exemplo, é preciso
verificar se põem flores pela casa, pois papai gosta muito de flores.
— É claro que darei atenção a isso. — Adoro flores também, Yeda.
— Acho que, desde que mamãe morreu, eu e Marigolde não ajudamos
papai o suficiente no jardim. — Mamãe costumava procurar nos jornais locais
onde se vendiam mudas de novas plantas para comprá-las e plantá-las em
casa.
A Sra. Allen absorvia com atenção as palavras de Yeda, que continuou:
— Marigolde e eu estamos felizes. — Mas me preocuparei com papai a
menos que a senhora cuide dele.
— Prometo que cuidarei de seu pai. — Ele não pode chegar numa casa
vazia onde não encontre ninguém para conversar.
Yeda beijou-a.
— Obrigada, muito obrigada, Sra. Allen — disse. — Como poderei eu ser
feliz sentindo que papai está sofrendo?

80
— Não se preocupe você vai ser feliz com seu charmoso conde. — Por
falar nele, acho que é um homem extraordinário.
A Sra. Allen acompanhou Yeda até a porta.
— Vocês partem amanhã? — Ela perguntou.
— Sim, e vai ser uma viagem fascinante para um país do qual não
conheço quase nada. — Será uma verdadeira aventura.
— Rezarei por você. — E não se preocupe com seu pai. — Prometo que o
farei feliz e escreverei dando notícias.
— Assim que chegarmos a Sokollz a informarei sobre o dia da volta de
papai, para que a senhora possa esperá-lo em casa. — Mas mude-se para lá
quando quiser.
A Sra. Allen fitou-a atônita e exclamou:
— Você fala como se eu fosse ficar lá permanentemente!
Yeda hesitou uns segundos, depois disse:
— Para ser franca, é o que espero que faça. — Papai não gostou nunca de
ficar sozinho. — Detesta mesmo, e não há ninguém melhor que a senhora
para fazê-lo feliz.
— Entendo o que está insinuando, Yeda. — Apenas espero que seu pai,
com o tempo, me ame um pouquinho. — Eu o amo há muito:
— Imaginei. — Por isso achei que seria a pessoa perfeita para cuidar
dele.
Yeda beijou a Sra. Allen e voltou depressa para casa. Tinha muito a fazer
antes de viajar.
Quando ela e o pai enfim partiram na manhã seguinte, sentia-se aliviada
por tem cumprido uma importante missão.
No início da viagem, a primeira coisa que o duque fez foi se queixar da
quantidade de bagagem.
— Precisamos de dois vagões em vez de um — ele disse sorrindo.
— Um será suficiente, papai. — O que desejo é chegar ao destino
depressa. — Pode imaginar como será emocionante conhecer um país do qual
nunca ouvi falar? — Nem ao menos li uma linha sobre Sokollz!
— Espero que não seja tão primitivo. — Mas Theo me informou que é
um país próspero. — Portanto, não se preocupe com dinheiro.
— Os problemas são… Os russos… Papai.
— Sim, os russos — o duque repetiu. — Mas acho que Theo espalhará
logo a notícia de que você é inglesa e que tem sangue azul. — Assim o czar
voltará ás garras para outro lugar.
— Só posso rezar para que isso aconteça — Yeda sussurrou.

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Eles iriam atravessar o Canal da Mancha muito cedo na manhã seguinte.
Passariam a noite num hotel em Dover, pois quando lá chegassem já
seriam mais de seis horas da tarde.
Ao subirem a bordo do vapor que os levaria a Calais, constataram que o
mensageiro enviado pelo conde lhes reservara a cabine mais luxuosa ainda
disponível.
Foram cumprimentados pelo comandante e os comissários de bordo
trataram-nos de maneira muito atenciosa.
Em Calais, um vagão especial já estava acoplado ao trem expresso que
atravessaria a França e a Alemanha.
Yeda nunca viajara num vagão especial e ficou encantada com as
poltronas confortáveis, com os dois quartos e com a pequena dispensa onde
havia grande variedade de vinhos e champanhe.
— Isso é que se chama viajar em grande estilo — o duque comentou
enquanto saboreava a taça de champanhe que lhe foi servida antes do
almoço.
O mensageiro informou-os que pratos quentes estariam à disposição, no
carro restaurante.
— Os pratos frios são deliciosos também, pois foram postos no trem em
Calais, por ordem especial de Sokollz — o mensageiro declarou.
— Theo é muito amável pensando em nós dessa maneira — Yeda disse
ao pai.
— Ele te ama, minha filha, e quer que tenha o melhor de tudo — o duque
explicou. — E é como deve ser.
Yeda levara livros para ler no trem, e entre eles um sobre a história dos
Bálcãs. Mas, como a paisagem era muito linda, preferiu ficar na janela até
escurecer.
Após um delicioso jantar ela e o pai foram para a cama.
Yeda adormeceu imediatamente, quase no instante em que pôs a cabeça
no travesseiro.
De manhã já estavam na Alemanha. Ela achou interessante ver a
diferença entre as estações ferroviárias alemãs e as francesas.
No dia seguinte chegariam à Prússia. Yeda entusiasmava-se porque
estava cada vez mais perto do lugar onde se achava Theo.
Na Prússia, tiveram que mudar de trem. O vagão em que viajavam foi
desatrelado e colocado numa plataforma ao lado.
Foram informados de que o trem que os levaria a Sokollz chegaria a
poucos minutos.

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Ao olhar pela janela Yeda constatou, com espanto, que dois soldados
montavam guarda ao lado do carro em que viajavam.
— Estranho, não? — Ela disse ao pai.
— Theo está tomando conta de nós muito bem. — Está ansioso, para que
você chegue sã e salva, sem ser perturbada pelos russos.
— É difícil acreditar que os russos estejam interessados em mim.
— Afinal, devem estar bem mais interessados em membros da
aristocracia de Sokollz.
— Theo parece absolutamente convicto de que você ajudará o país, por
ser inglesa e por ter sangue azul nas veias — o duque observou. — Conforme
lhe prometi, falarei com Sua Majestade tão logo eu volte à Inglaterra, e tenho
certeza de que ela mandará felicitações pelo casamento.
Yeda achou que era típico do conde pensar em tudo, incluindo em sua
segurança. Como a tia, lady Forest, Theo era muito cauteloso.
“Somente espero”, dizia a si mesma, “que seja cuidadoso consigo mesmo
também”.
Mais uma vez Yeda sentiu agonia igual à que experimentara quando o
russo apunhalou o que pensava ser um homem dormindo na cama.
No dia seguinte, o trem em que viajavam chegou à estação mais próxima
de Sokollz. Era bem cedo pela manhã.
O mensageiro informou-os que, embora estivessem construindo estradas
de ferro no país, eram ainda pequenas e locais. Não tinham conexão com os
grandes expressos que atravessavam a Europa.
Yeda notou que uma enorme cordilheira ficava de um lado e a Rússia do
outro. Entendeu então por que o conde preocupava-se tanto com as ambições
russas.
Quando saíram da estação havia uma carruagem fechada esperando por
eles, puxada por quatro cavalos. Outra carruagem, também fechada,
conduziria o mensageiro e a bagagem. Os cocheiros de ambas usavam
uniforme de gala.
Yeda perguntou ao mensageiro:
— Quantas, horas ainda teremos de viagem?
— Sinto dizer que várias horas. — Após um trajeto de três horas,
pararemos para almoçar. — Depois disso, em meia hora chegaremos à capital
de Sokollz.
“É lá que Theo está esperando por mim”, Yeda pensou.
Vestira, antes de desembarcar, uma de suas mais elegantes toaletes
compradas em Londres. O chapéu, com pequenas plumas de avestruz,

83
combinava com a roupa e ficava-lhe muito bem.
Assim que entraram na carruagem, o pai disse:
— Você vai deixar seu noivo orgulhoso e eu sou grato a ele pela
confortável viagem que nos proporcionou.
— Temos de agradecer o mensageiro, papai; tratou-nos muito bem.
— Dei-lhe dinheiro suficiente para se aposentar — o duque respondeu,
caçoando. — O rapaz ficou muito agradecido.
— Estou bem contente, papai. — Não vou apenas me casar com o
homem que amo como conhecer um novo país.
— Somente espero que não desaponte. — Mas sabe que sempre haverá
um lugar em casa para você.
— Mesmo que o país me desaponte, papai, viver com Theo e ouvi-lo
dizer que me ama será tudo para mim.
— Tenho a impressão — o duque disse — que você vai ser muito, muito
feliz. — Mas escreva-se e conte-me o que se passa neste lugar.
— Naturalmente. — Estou curiosa de saber como será minha vida aqui.
O duque surpreendeu-se quando chegaram num hotel moderno,
luxuoso, onde almoçaram. A comida foi quase tão boa como a da França.
Yeda ficou encantada por constatar que podia entender a língua do povo
melhor do que imaginara. Era uma mistura de grego, russo e alemão. Os
empregados do hotel ficaram gratos quando ela respondeu usando o idioma
da terra.
Meia hora mais tarde pai e filha entraram de novo na carruagem. O
mensageiro informou-os, mais uma vez, que em meia hora chegariam à
capital.
— Em que lugar estará esperando por nós? — Yeda perguntou.
— No palácio, milady.
— No palácio?! — Ela exclamou.
Em seguida, achou melhor não fazer mais perguntas ao empregado.
Talvez o conde quisesse que ela conhecesse o príncipe Ivor já na
chegada.
As vistas da cidade eram magníficas, e iam além da expectativa. Havia
montanhas altas, ainda cobertas de neve nos picos, com rios no sopé e
campos de flores.
— Tudo é bem mais lindo do que imaginei! — O duque exclamou.
Yeda desejava que sua nova casa fosse rodeada dessa magnífica
paisagem.
Eles divisaram as torres e telhados da capital bem antes da chegada. De

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súbito, viram um batalhão de soldados caminhando na direção da
carruagem. Yeda sentiu um pouco de medo, acreditando que fossem
inimigos. Talvez ela e o pai estivessem prestes a ser presos. Mas quando
enxergou as bandeiras que carregavam e as fardas dos oficiais, percebeu que
não eram russos. E o batalhão escoltou-os até a cidade.
— Estamos sendo recebidos com grandes honras — Yeda comentou.
— Mas, se isso assusta os russos, tanto melhor.
O duque riu, porém não deu resposta.
Enfim, quando entraram na avenida principal, uma multidão os
aguardava.
Aclamando os recém-chegados, as mulheres agitavam lenços, e os
homens chapéus.
A carruagem ficara de capota arreada desde o momento em que saíram
do hotel onde almoçaram. Yeda acenou com a mão, como o faria uma rainha.
O duque fez o mesmo.
Ela ficou extasiada ao ver as casas, muito bem construídas. As mulheres
usavam vestidos de algodão, de cores variadas, como também as crianças.
Mas o que mais a impressionou foram ás árvores floridas que ladeavam
todas as ruas e a avenida principal.
— É mesmo muito mais do que eu esperava — o duque comentou,
enquanto seguiam por outra rua, também com uma multidão aplaudindo-os.
Então, no alto de uma colina, erguia-se o palácio, todo branco, brilhando
á luz do sol.
No jardim havia duas enormes fontes jorrando suas águas para o alto.
Eles passaram por vários portões, deixando a multidão para trás. As
flores cresciam em profusão por toda parte.
A carruagem parou junto a alguns degraus de mármore e criados de
libre correram para abrir a porta. Um tapete vermelho fora estendido do
jardim à porta de entrada do palácio.
No hall, enorme, vários homens os aguardavam. Um deles, cheio de
condecorações, saudou Yeda e depois o duque.
— Sou o primeiro ministro — ele apresentou-se —, e em nome de Sua
Alteza Real quero dar minhas boas-vindas a Vossa Graça e a milady.
— Estamos extremamente gratos por tê-los entre nós.
O duque sorriu e estendeu-lhe a mão. Depois foram apresentados a um
grande número de escudeiros.
Yeda não agüentava de vontade de perguntar por onde andava o conde.
Porém supôs mais uma vez que Theo quisesse que a noiva fosse

85
apresentada ao príncipe Ivor antes, sendo ele a primeira autoridade do país.
Achou que talvez precisassem da aprovação do príncipe para anunciar o
casamento.
— Por aqui, por favor — o primeiro ministro ia dizendo —, Sua Alteza
Real espera-os.
E conduziu-os através de uma galeria cheia de quadros nas paredes.
O coração de Yeda estava acelerado porque sabia que em alguns
minutos, logo após ser apresentada ao príncipe, veria Theo. Parecia-lhe que já
havia esperado um século por aquele momento.
Sentinelas postavam-se junto às portas duplas da sala. O escudeiro que
os seguia adiantou-se para abri-las.
— Esta é a sala do trono — o primeiro ministro declarou em tom de voz
solene.
O duque olhou para a filha e ela sorriu.
A sala do trono era muito atraente, com colunas de mármore, tendo sido
o material obtido, ela soube, nas montanhas por onde eles haviam passado
horas atrás.
Bem no fundo da sala ficava o trono, grandioso, com dossel dourado.
Mas, para grande desaponto de Yeda, estava vazio.
Nesse exato momento dois corneteiros apareceram, executando a
fanfarra.
Um homem entrou na sala, de farda, com muitas medalhas. Aos olhos de
Yeda parecia-se muito com Theo, só que não tinha barba.
O homem encaminhou-se na direção dela. Sim, era Theo!
Por segundos Yeda achou que sonhava.
Então ele sorriu e estendeu-lhe a mão, dizendo:
— Bem vinda a Sokollz. — Estou muito contente em vê-la.
Era Theo, ela agora tinha certa. Theo, o conde, era o príncipe Ivor.
Aturdida pela emoção do momento, saudou-o cerimoniosamente. Theo
apertou-lhe a mão e Yeda sentiu que era amada.
Ainda segurando a mão da noiva, ele perguntou ao duque:
— Surpreendi Vossa Graça?
— Só posso dizer que estou estarrecido, Alteza — o duque respondeu.
— Jamais desconfiei, por um segundo sequer, que estivesse nos
enganando.
— Venham comigo à sala, e vou lhes explicar por que motivo estava
disfarçado.
Ele comunicou ao primeiro ministro e aos escudeiros que desejava ficar

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sozinho com os recém-chegados.
Ainda com a mão de Yeda na sua, saíram da sala do trono e foram a uma
sala ao lado.
Havia quadros magníficos nas paredes e a mobília era no estilo Luís XIV.
Mas Yeda lançou apenas um olhar breve a tudo. O príncipe beijou-lhe a
mão, emocionando-a ainda mais. Era-lhe impossível ver outra coisa além da
paixão impressa nos olhos dele.
— Você veio ao meu encontro, Yeda! — Sofri terrivelmente pensando
que algum imprevisto pudesse impedir sua vinda.
— Chegamos sãos e salvos, e com grande conforto, graças à gentileza de
Vossa Alteza Real — o duque agradeceu.
O príncipe sentou-se no sofá e puxou Yeda para junto de si.
— Devo uma explicação a ambos — disse. — Mas antes de tudo quero
parabenizá-los por serem tão bons atores não se surpreendendo quando me
viram. — Naturalmente, ninguém aqui soube que fui á Inglaterra disfarçado.
— E nos enganou muito bem — Yeda observou. — Jamais supus que
você fosse mais que um conde, primo distante do príncipe Ivor.
— Podem estar decepcionados por eu os ter enganado, mas foi o único
meio que encontrei para não ter de aceitar uma noiva escolhida pela rainha
Vitória. — O primeiro ministro de meu país e todo o Gabinete achava
absolutamente essencial que eu me casasse com uma inglesa para
sobrevivermos à ameaça russa.
— Os russos têm sido difíceis? — O duque perguntou.
— Infiltram-se o tempo todo pelo país, usando a maneira usual deles de
sublevar o povo contra algumas leis locais. — E essas pessoas são bem pagas.
— Como pode imaginar, não somos suficientemente ricos para termos
um grande exército, embora eu pretenda aumentar o que possuímos. — Mas
meus conselheiros têm absoluta certeza de que o único meio de nos
mantermos independentes consiste em conseguirmos o auxílio da rainha
Vitória.
— Quer dizer que foi à Inglaterra para ver se ela lhe oferecia uma noiva?
— o duque quis saber.
— Na verdade, fui à Inglaterra esperando e rezando para me apaixonar
por uma moça inglesa. — Estava decidido a não aceitar a primeira mulher
que me fosse oferecida, simplesmente por correr sangue azul nas veias dela.
— Por isso foi ao Castelo de Windsor? — O duque perguntou.
— Exatamente! — Porém insisto não me casaria sem amor. — Por sorte,
ou talvez por proteção divina, encontrei-o antes mesmo de me aproximar de

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Sua Majestade.
— Falamos sobre cavalos, lembro-me — o duque comentou —, e como
você manifestou desejo de ver os meus, convidei-o para vir à minha
propriedade.
— E no instante em que entrei em sua casa e vi Yeda, senti que ela era a
mulher que eu vinha procurando por toda minha vida.
O príncipe falava de maneira comovente. E continuou:
— Jamais imaginei que uma mulher pudesse ser tão encantadora e ao
mesmo tempo tão inteligente e compreensiva.
— Somente espero — Yeda murmurou — que possa continuar…
Compreensiva… Aqui, em minha nova posição. — Nunca sonhei ser mais
que uma pessoa comum.
— Mas ainda me ama, não? — O príncipe indagou.
Os olhos de ambos se encontraram e não houve necessidade de resposta.
— Já fui informado que meu povo está feliz por eu ter escolhido uma
noiva inglesa não apenas de sangue azul, mas também linda. — Daqui por
diante, devido à sua presença no país, ninguém terá mais receio de ir à cama
à noite. — Não passarei horas andando pela casa imaginando quando a
“Terceira Seção” irá me matar.
— Mas eu ainda… Tenho medo — Yeda sussurrou.
— Não, não tenha! — Estamos protegidos porque você será minha
esposa e porque a bandeira inglesa irá ser hasteada no palácio de Sokollz.
— Tudo o que posso dizer — o duque interveio — é que é um jovem
muito inteligente e que estou encantado por meu país poder ajudar o seu.
— E sei que minha filha, que adoro, vai fazê-lo feliz.
Os olhos de Yeda encheram-se de lágrimas e o príncipe pediu:
— Vossa Graça pode me dar alguns minutos, sozinho com Yeda?
— Quero dizer a ela o que significa para mim e como estou contente por
tê-la aqui comigo. — Depois que tomarmos chá juntos os três, discutiremos
sobre nosso casamento que será celebrado amanhã.
— Amanhã?! — O duque exclamou atônito.
— Já preparei tudo e não vejo motivo para esperarmos mais. — Quero
Yeda para mim. — Após uma curta lua-de-mel, voltaremos ao trabalho. — O
problema é que desejo ter certeza no referente à segurança dela e à minha.
— Quanto mais depressa nos casarmos, mais depressa os russos sairão
de Sokollz.
O duque sorriu e disse;
— Entendo. — Vou agora conversar com seu primeiro ministro.

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Assim que o príncipe e Yeda ficaram a sós, ele abraçou-a e confessou:
— Eu te amo! — Eu te amo! — Foi um sofrimento enorme esperar sua
vinda, pois imaginei o tempo todo que mudasse de idéia na última hora.
— Como pôde pensar isso? — Yeda perguntou. — Eu também sofri
muito longe de você. — Achei que se passaram anos desde a última vez que
me beijou.
— É o que vou fazer agora, meu amor.
O príncipe então a beijou até que ambos se sentissem voando para as
alturas.
Tudo aconteceu muito depressa.
Quando entrou na igreja pelo braço do pai, Yeda teve a impressão de que
estava sonhando.
Como poderia ter imaginado que o conde fosse um príncipe? Esperava
casar-se numa cerimônia simples, como Marigolde. Em vez disso, a pompa
de seu casamento fora preparada com a finalidade de ficar na memória do
povo de Sokollz para sempre.
Ela saiu do palácio numa carruagem dourada puxada por quatro cavalos
brancos e com escolta de cavalarianos. O povo das ruas aclamava-os,
desejando-lhes felicidades. E Yeda entendia melhor agora do que antes como
era importante ao país ter uma princesa inglesa no trono. E entendia também
por que o príncipe fora tão determinado em não se sujeitar a um casamento
arranjado. Queria uma mulher que o amasse por ele mesmo, e não que
quisesse se casar só para ocupar um trono.
Theo lhe contara, na véspera, como lutara contra o casamento até se dar
conta de quão perigosos eram os russos, e de como tinham a idéia fixa de
anexar Sokollz ao império.
E, como fizera questão de que a Rússia acreditasse no que iria acontecer,
convidara os embaixadores da Inglaterra, da Áustria, da França e da
Alemanha para comparecer ao casamento.
Yeda entrou na Catedral seguida por seis crianças. Usava uma tiara mais
bonita ainda do que a de sua mãe. Depois de unidos como marido e mulher,
o príncipe colocou-lhe na cabeça a antiga coroa de Sokollz.
— Se alguém merece ser rainha, esse alguém é você — disse, enquanto a
coroava.
Ele teve certeza absoluta, após ter visto o amor nos olhos de Yeda, de
que não somente era o homem mais feliz do mundo como o mais esperto.
Encontrara uma mulher que se interessava por ele como pessoa, e não
por sua posição.

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A cerimônia foi longa, porém bonita.
Os noivos saíram da igreja sob a ovação do povo que parecia ter
enlouquecido de alegria. As crianças jogavam flores na carruagem enquanto
passava a caminho do palácio.
— Eu te amo — o príncipe disse a Yeda uma dúzia de vezes até
chegarem ao destino.
E Yeda sentia-se como se tivesse atingido os portões do paraíso.
Ao chegarem ao palácio o príncipe beijou-lhe a mão e sussurrou:
— Vou mostrar a você como é grande meu amor quando partirmos para
nossa lua-de-mel.
— Não perguntei ainda porque não tive chance; mas, para onde vamos?
— Para meu palácio de verão, que é muito lindo. Manteremos uma
guarda o tempo todo, por isso não precisa ter medo. Excluindo-se a guarda,
estaremos absolutamente a sós, o que desejo mais que qualquer coisa no
mundo.
— Eu também desejo — Yeda balbuciou.
Entraram no palácio. O primeiro ministro e as autoridades
governamentais os aguardavam no topo da escadaria. Todas as pessoas
importantes do país estavam presentes, pois sabiam como era imprescindível
ter uma princesa inglesa.
Na noite da véspera do casamento Yeda pôs-se a pensar em como o
príncipe fora esperto enganando-a a respeito de lady Forest. Chamara-a de
tia, mas era de fato sua mãe. Sem lhe dizer nada, levara-a na casa de lady
Forest para que a mãe aprovasse sua escolha. E Yeda não apenas passara no
teste como garantira que, no futuro, a princesa Natasha pudesse voltar a
Sokollz, sem perigo de vida.
“É outra coisa que fiz para ele”, pensou. “E pretendo fazer muitas mais
para lhe mostrar como o amo e como o acho maravilhoso.”
Bem mais tarde, após o término das cerimônias, os noivos seguiram para
o palácio de verão. Jantaram e foram à cama.
O quarto deles dava para o lago. Yeda despiu-se e ficou na janela, de
camisola. Apreciava o luar refletindo na água quando o príncipe entrou no
quarto. Abraçou-a e disse:
— Sonhei tanto com este momento. — E agora, meu tesouro, eu vou lhe
mostrar o quanto a amo e o que significou para mim, ter encontrado você.
— Eu… Amo-te — Yeda murmurou. — Porém agora que sei como meu
marido é importante, estou com medo de fracassar, de desapontar você.
— Isso jamais acontecerá. Você é perfeita em todos os aspectos.

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— Constatei isso desde o começo e jurei que seria minha. — Depois, você
foi tão bondosa com o meninozinho que queria cavalgar e, finalmente, salvou
minha vida. — Tudo isso me conquistou.
— Oh, querido, não fale mais sobre o assunto do atentado. Ainda
estremeço quando me lembro. E agora, os russos estão tão perto de nós…
— Mas há uma barreira intransponível no momento, que somente você
poderia proporcionar. O que nós dois iremos fazer agora é tornar Sokollz
mais poderosa, mais importante e mais próspera do que foi até então.
— Vou ajudar você, querido, é claro que vou. E farei qualquer coisa que
me pedir.
— Há uma coisa que tem de fazer já.
Ele carregou-a nos braços enquanto falava e a pôs na cama. A suavidade
das cortinas de musselina que contornavam o leito transmitiu a Yeda um
misticismo de sonho.
O príncipe olhou para a janela. Foi como se desejasse que o luar
penetrando no quarto e o brilho das estrelas fizesse parte do sonho de Yeda.
Ele voltou sua atenção para a cama e abraçou-a.
— Sinto-me como… Se estivesse… No céu — ela gaguejou.
— É onde estive desde que a conheci. E ninguém, minha querida, é mais
feliz do que eu neste instante. Você é completamente minha e pessoa alguma
poderá tirá-la de mim.
— É com você que eu quero ficar. Eu te amo, Theo! Mas não consigo
expressar meu amor em palavras.
— Não há necessidade de palavras — ele respondeu beijando-a,
beijando-a possessiva e apaixonadamente.
O luar envolveu-os e o príncipe a fez sua. Ambos entraram pelos portões
do paraíso, para um céu só deles.

Muito tempo mais tarde Yeda aconchegou-se ao marido e ele disse:


— Meu tesouro, meu amor, ainda me ama?
— Claro. Como posso dizer “não” quando você me conduziu ao céu? —
E mal posso acreditar que continuo ainda viva e na terra.
— Está muito viva, querida. E isto, meu amor, é apenas o começo de uma
felicidade que crescerá a cada dia.
— Não desapontei você? — Yeda perguntou.
— Como poderia me desapontar se é perfeita em tudo? Você disse que
faria qualquer coisa que eu pedisse. Pois bem, quero muito um filho para dar
continuidade à obra que nós dois iniciaremos juntos. Nosso filho reinará num

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país mais rico e mais importante do que Sokollz foi até sua chegada aqui.
— Quero muito isso também e rezarei para que tenhamos não apenas
um filho, mas muitos. E todos maravilhosos e atraentes como você.
O príncipe riu.
— É assim que gosto que fale querida. E, como já constatamos, temos um
céu todo nosso e que ficará ainda mais lindo, mais maravilhoso, à medida
que os anos passarem.
Ao ouvir as palavras do príncipe, pronunciadas com tanta sinceridade,
Yeda reconheceu que aquilo que descobriram juntos era um Reino muito
maior e mais perfeito que qualquer coisa terrena.
Era, de fato, o Reino do Amor.

FIM

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Barbara Cartland é, sem dúvida, a mais famosa escritora
romântica do mundo. Entre suas inúmeras qualidades, podemos citar
algumas: é historiadora, geógrafa, poetisa e especialista em dietas naturais.
Atuante personalidade política, sempre lutou pelos direitos dos grupos
menos favorecidos da sociedade inglesa, especialmente os ciganos, viúvas
pobres e crianças abandonadas. Super criativa e culta, já escreveu mais de 550
livros, editados em todo o mundo em dezenas de idiomas e dialetos, tendo
alcançado com essas obras a incrível marca de 600 milhões de exemplares
vendidos.
Algumas datas da vida de Barbara Cartland:
1901 - Nascimento, no dia 9 de julho
1923 - Publica seu primeiro livro
1927 - Casa-se com Alexandre McCorquodale
1933 - O primeiro casamento é desfeito
1936 - Casa-se em segundas núpcias com Hugh McCorquodale, primo
de seu primeiro marido
1963 - Publica seu centésimo livro
1976 - Sua filha Raine casa-se com o Conde Spencer, pai da princesa
Diana
1981 - A princesa Diana, enteada de sua filha, casa-se com Charles,
príncipe-herdeiro da Inglaterra
1983 - Entra no livro de recordes Guinness
1991 - Recebe o título de “Dame” do Império Britânico

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Nº 361

MILAGRE DE AMOR
Barbara Cartland

Valdina viaja tranqüilamente de volta para casa, quando um estranho pede-lhe ajuda,
dizendo estar sendo perseguido por um bando que pretende assassiná-lo.
Apesar de não saber qual é sua verdadeira identidade, ela resolve ajudá-lo e faz com
que ele vista uma batina que está na carruagem, afim de que ninguém o reconheça.
Mesmo sabendo que não deve conversar com desconhecidos, Valdina não consegue
manter-se indiferente a esse homem tão carismático e sedutor.
Mas uma surpresa a espera quando ela descobrir quem é esse homem!

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