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Critnéia c a erosão do poderio russo

A Guerra da
da Rússia iria declinar muito durante as década
R'latit\)
O poderio de paz internacional e dc industrializaçào embora
posterioresa 1815, plenatnente
(
cotn a Guerra da Criméia 1854-1856), i5%o
russo para o oeste
só se evidenciasse
atetnorizara corn o avanço do exército
a Europa se tinham gritado, prudentemente, Vive/
multidões em Paris em sua cidade, atrás de suas brigadas de cossacos.
quando o czar entrou
acordo de paz, com sua ênfase arquiconsetvadora contra futuras
próprio e políticas, foi subscrito por
um exército russo de
modificações territoriais
quaisquer rivais,
omens tào superior em terra a no tuar. Tanto quanto a
a rnarinl)a
a outras esquadras Austriacorno
inglesa era em relaçào por esse colosso do leste, temendo sua força a
Prússia foratn obscurecidas
ao proclamarem solidariedade monárquica a ele. O papel da Rússia
mesmo aumentou quando o messiânico Alexandre
como polícia da Europa Nicolau I (1825-1855);e a posição deste 1 foi
substituídopelo autocrático último
fortalecida pelos acontecimentos revolucionários
dc 1848-1849
foi ainda mais
Palmerston, a Rússia e a Grã-Bretanha eram as únicas
quando, como observou Os apelos desesperados
potências que "estavam de pé".58governo Habsburgo, foram de ajuda para
revolta húngara, feitos pelo
sufocar a
russos. Em contraste, as indecisOes de Frederico
com o envio de três exércitos
Guilherme IV da Prússia quanto aos movimentos internos de reforma
juntamente com as propostas de modificações na Federação Germânica,
provocaram incansável pressão russa até que a corte de Berlim adotasse
políticasde reaçào internas e o recuo diplomático em Oelmuetz. Quanto
"forçasda transformação",depois de 1848, todos os elementos, fossemos
derrotados nacionalistas poloneses e húngaros, os frustrados liberais burgueses
ou os marxistas, concordaram em que o principal baluarte contra o progresso
na Europa continuaria sendo, por muito tempo, o império dos czares.
Mas em nível económico e tecnológico, a Rússia perclia terreno de
maneira alarmante, entre 1815 e 1880, pelo menos em relação às outras
potências. Isso não significa que nãó houvesse progresso económico, mesmo
sob Nicolau I, que tinha muitos funcionários hostis às forças do mercado ou
a qualquer sinal de modernização. A população cresceu rapidamente (de 51
milhões em 1816, para 76 milhões em 1860 e 100 milhões em 1880), e a das
cidades ainda mais depressa. A produção de ferro aumentou, e a indústria
têxtil multiplicou de tamanho. Entre 1804 e 1860, ao que se afirmava, o número
de fábricas ou empresas industriais passou de 2.400 para mais de 15 mil.
Máquinas a vapor e maquinaria moderna foram importadas do Ocidente; e a
partir da década de 1830,começou a aparecer uma rede ferroviária. O simples
fato de terem os historiadores discutido sobre a ocorrência ou não de uma
"revolução industrial" na Rússia, nessas décadas, confirma que as coisas
estavam se transformando. 59
Mas a dura realidade é que o resto da Europa se transformava muito mais
depressa, e que a Rússia perdia terreno. Devido à sua população muito maior,
tinha facilmente o maior PNB total em princípios do século XIX. Duas gerações
depois, isso já não acontecia, como se vê no Quadro 9.

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9. PNBdas grandes potências
ptvços de tnercado, etn dólatvs e preços doseuropéias, 1830-1890
60
E.U.A.etn 1960;etn bilhões)
1830 1840 1850 1860 1870 1880 1890
Rússia 10,5 12,7
10,3 22,9 23,2 21,1
Fra nça 11,8
Grã-Bretanha 12,5
13,3 16,8 17,3 19,7 •
16,0 19,6 23,5 29,4
Aletnanha 7,2 10,3 12,7 16,6 19,9 26,4
Itnpét•io I labsburgo 8,3
11,3 12,2 15,3
Itália 6,6 8,2 8,7
Esses núnnetos, porétn, são ainda mais alarnvantes
quando se estuda o
volutne per capita do PNB (ver Quadro 10).
Quadro IO. PNBper capita das grandes potências
européias,
1830-189061
(etn dólatcs e preços dos E.U.A.em
1960)
1830 1840 1850 1860 1870 1880 1890
Grã-Bretanha 346 394 458 558 628
265 680 785
Itália 270 277 301 312 311 311
França 264 302 333 365
245 515
Alemanha 267 308 354 426 443 537
Império Habsburgo 250 266 283 288 305 315 361
Rússia 170 170 175 178 250 224 182

Os números mostram que o aumento do PNB total da Rússia,ocorrido


durante esses anos, foi devido, de maneira esmagadora, ao aumento de
população, seja por nascimentos ou por conquistas no Turquestão e outros
pontos, e pouca relação teve com aumentos reais de produtividade
(especialmente da produtividade industrial). A renda per capita da Rússia e o
seu produto nacional sempre estiveram atrás da Europa ocidental; agora,
porém, essa diferença aumentou ainda mais, passando (por exemplo) de
metade da renda per capita da Grâ-láretanhaem 1830para um quarto desse
número, 60 anos depois.
Da mesma maneira, a duplicação da produção de ferro da Rússia em
princípios do século XIX compara-se mal com o aumento de trinta vezes,
ocorrido na Grã-Bretanha;62em duas gerações, a Rússiase tinha transformado
do maior produtor e exportador de ferro da Europa num país cada vez mais
dependente de importações de manufaturas ocidentais. Até mesmo os
progressos em comunicações ferroviárias e marítimas deve ser colocado em
perspectiva. Em 1850, a Rússia tinha pouco mais de 650 quilômetros de
ferrovias, em comparação com os cerca de 12.500quilômetros dos Estados
Unidos; e grande parte do aumento no comércio do transporte marítimo, nos
grandes rios ou nos mares Báltico e Negro, girou em torno do transporte de
cereais necessários à florescente população, e ao pagamentos dos bens
manufaturados importados com o envio de trigo para a Grã-Bretanha.As
novas empresas que surgiram estavam, com demasiada freqüência, nas mãos

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co,nércio de
esttangeiros (o vez,
e Rússia, cada
a fornecedor
dos e tKtnsfortnavatn ,nais detalhado
certatnente estava), adiantadas.
tnatét•ias-pritnas para econotniasdas novas "fábricas" e "empresas industriais»
indica que a nvaiocia e erarn Inuito pouco mecanizadas. Uma
evidências de 16 pessoas, de consumidor, uma clasc média
etnpregavatn gnenos
de capital, baixa
hostis e a mão pesada de um estado
falta distancias e perspectiva de uma "pa rtida" industrial na Rússia
desconfiado, tornava In a qualquer outro país da Europa,os
tico,
mais dificil do que praticamentetendências económicas ominosas nà()se
ainda essas
Durante longo tetnpo, tnilitar perceptível. -Pelocontrário, a preferência
numa debilidade de 1815, pelas
detnonstraratn, depois clararnente naestruturasdo
potências vistas mais composiçào
que as gnmdes podiarn ser
ancien n;gitneetn geral táticas dos exércitos russos. Ainda à sombra lançada pela
social, armatnentos e os governos estavam mais preocupados com a
Revoluçào Francesa, social de suas forças armadas do que com as reformas
confiabilidade política e generais, que já não enfrentavam a prova de uma
tuilitares;e os próprios à hiCKirquia, à obediência e cautela
guerra, davam ênfase Nicolau I pelas paradas formais e grandes
de
reforçados pela obsessão as circunstâncias gerais, o simples tamanhodo
marchas.Tendo em vista de seus soldados recrutados em massa pareciam
exército russo e a firmeza observadores externos do que assuntos pouco
aos
tnais impressionantes logística militar ou o nível geral de educação entreos
conhecidos, como a e,
exército russo era atuante quase sempre, bem.
o
oficiais. E o que era tnais, campanhas de expansão pelo Cáucaso e através
sucedido em suas freqüentes que já estavam começando a preocuparos
do Turquestão movimentos
índia, e a tornar as relações anglo-russas, no século XIX,muito mais
ingleses na XVIII.6iIgualmente impressionante para os olhos
tensas do que tinham sido no
foi o sufocamento da rebelião húngara de 1848-1849 pelos russos,
externos estava pronto a mandar 400 mil soldados para
e a afirmação do czar de que
a revolta contempofiânea em Paris. O que esses observadores
acabar com
que a maior parte do exército russo estava
notaram foi o fato menos notável de dos quartéis, em açóes de "polícia"na
sempre ocupado em tarefas internas ativiàades, como patrulhar fronteirase
Polônia e Finlândia, e por outras exército não era particularmente
colóniasmilitares;e que o restante do campanha húngara, por exemplo,
eficiente das 11 mil baixas sofridas na
pelas doenças e pela ineficiência
todas, com exceçào de mil, foram causadas
dos serviços logísticos e médicos do exército.65
A campanha da Criméia de 1854 até 1855 proporcionou uma confirmação
demasiado chocante do atraso russo. As forças czaristas não podiamser
concentradas. As operações aliadas no Báltico (embora nunca muito sérias),
junto com a ameaça de intervenção sueca, retinham nada menos de 200mil
soldados russos no norte. As campanhas anteriores nos principadosdo
Danúbio, e o perigo muito maior de que a Áustria transformasse em realidade
suas ameaças de intervenção, representavam um risco para a Bessarábia,a
Ucrânia ocidental e a Polônia russa. A luta contra os turcos no Cáucasofazia
exigências imensas, tanto em tropas como em sistemas de abastecimento, tal
como ocorria com a defesa dos territórios russos no Extremo Oriente.

170
Quando o ataque anglo-francês na Criméia levou a
altamente sensível do território russo, as forças armadas guerra a uma região
incapazes de repelir essa invasão, do czar foram
No mar, a Rússia tinha uma marinha de bom
cotnpetentes, e pôde destruir completarnente a esquadratamanho, com almirantes
Sinope, em novenibro de 1853. Mas tão logo as armadas turca, mais fraca,em
entraralli na luta, as posições se inverteram? Muitos navios anglo-francesas
de tnadeira e pouco resistentes ao mar, sua potência de fogo russos eram feitos
e suas tripulações, mal treinadas. Os aliados tinham mais navios era inadequada
vapor, alguns deles armados com granadas de shrapncle de guerra a
Acima de tudo, os inimigos da Rússia tinham a capacidade foguetes Congreve.
construir navios mais modernos (inclusive dezenas de industrial de
canhoneiras
de modo que sua vantagem aumentava com o prolongamento da a vapor),
Mas o exército russo estava ainda pior. O soldado de guerra.
infantaria
lutava beni, e, sob a inspirada liderança do almiranteNakhimove o comum
engenharia do coronel Todtleben, a resistência russa em Sebastopol génio de
feito notável. Mas sob todos os outros aspectos, ele era lamentavelmente foi um
inadequado. Os regimentos de cavalaria não tinham ousadia e seus
treinados para paradas, eram incapazes de campanhas mais pesadas animais,
(as forças
irregulares dos cossacos eram melhores). Pior ainda, os soldados russos
estavam mal armados. Seus antiquados mosquetes de pederneira tinham um
alcance de 200 metros, ao passo que os fuzis das tropas aliadas podiam
disparar com eficiência até mil metros —— razào pela qual as baixas russas foram
muito maiores.
E o pior de tudo é que, mesmo quando a enormidadeda tarefaera
conhecida, o sistema russo conto ton todo era incapaz de mostrar-seà sua
altura. A liderança no exército era inadequada, prejudicada pelas rivalidades
pessoais, e incapaz de produzir uma estratégia geral coerente e quanto a
isso, apenas refletia a incompetência geral do governo do czar. Eram poucos
os oficiais médios treinados e educados, numerosos no exército prussiano, e
a iniciativa era desestimulada. Surpreendentemente, havia também muito
poucos reservistas a serem convocados no caso de uma emergência nacional,
já que a adoçào de um sistema de serviço militarde pouca duração teria
exigido o fim do regime de servidão. • Uma das conseqüências desse sistema
era incluir no exército russo, com seu serviço militar prolongado, muitos
soldados já velhos; outra, ainda mais fatal, era que cerca de 400 mil recrutas
convocados às pressas no início da guerra estavam totalmente despreparados
— pois havia insuficiência de oficiais para isso — e a retirada de tantos homens
do mercado de trabalho servil prejudicou a economia russa.
Finalmente, havia as debilidades logísticas e económicas. Como não
havia ferrovias ao sul de Moscou (!), carroças de abastecimento, puxadas a
cavalo, tinham de atravessar centenas de quilómetros de estepes, que se trans-
formavam num mar de lama no degelo da primavera e nas chuvas outonais.
Além disso, os cavalos precisavam de tanta forragem (que por sua vez tinha

ser
Argumentava-seque quem tivesse passado dois ou três anos no exército não mais podia
como
servo, e que era mais seguro recrutar uma pequena proporção de homens, anualmente,
soldados para um serviço militar prolongado.

171
outros cavalos de carga, e assim por diante) , que
de ser transportada por produzia resultados desproporcionalmente pequenu
enorme esforço logístico podiam ser mandados da França c Inglaterra os:
soldados e reforços aliados
semanas, ao passo que soldados russos de Moscou
mar, à Criméiaetn três meses para chegar à frente de combate. Maisalar.
levavam,por vezes, três dos estoques cle equipamentos do exército
mante ainda foi o colapso de armas de fogo tinham sido armazenadas; (ao
milhão
"No início da guerra, I 90 mil. Dos 1.656
canhões, apenas 253
apenas estavam
final de 18551restavatn pólvora e balas estavam ainda em piores condições.ya
disponíveis... Estoques de durava, tnaior se tornava a superioridade alia
da
Quanto mais tempo a guerra impedia a importação demovas armas.
enquanto o bloqueio inglês mais do que isso: cortou o fluxo de
O bloqueio, porém, fez (exceto as que iam por terra para a Prússia) cereais
outras exportações da Rússiacustear a guerra a não ser tomando emprestado
tornou impossível ao governo militares, que mesmo na paz consumiam
em grande escala. ASdespesas aumentaram de cerca de 220 milhões de quatro
quintos da receita do estado, nos dois anos de guerra de 1854
rublos
milhões e 1855
em 1853para cerca de 500 déficit, o tesouro russo levantou empréstimos
Para cobrir parte do alarmante com isso o valor internacional do
em Berlim e Amsterdam,mas governo recorreu à emissão de rublo caiu
muito. Para cobrir o restante, o preços em grande escala, papel-moeda
o que levou a uma inflaçãoAs de aumentandoa
corajosas tentativas anteriores do
insatisfaçãodos camponeses. baseado na prata e proibir todas as notas.
das finançasde criar um rublo ruína da "solidez financeira"
promissórias— que tinham sido a contra a Pérsia, Turquia durantea
Guerra Napoleónica e as campanhas arruinadas pela Guerra
e
poloneses foram completamente da Criméia.Se
a advertência feita ao
persistisse em sua infrutífera luta, foi Conselho da Coroa
a 15 de janeiro de 1856,o estado iria à de falência!" As negociações comas
grandes potências eram a única maneira evitar a catástrofe.
Isso não significa que a Guerra da Criméia tenha sido fácil paraos
aliados.Tambémpara eles a campanha criou tensões e produziuchoques
desagradáveis. A que meno:s sofreu, o que é interessante, foi a França, que pelo
menos desta vez beneficiou-se do fato de ser uma potência híbrida era
menos atrasada industrial e economicamente do que a Rússia, e menos
"desmilitarizada"do que a Grã-Bretanha. As forças armadas enviadaspara
leste sob o comando do general Saint-Arnaud estavam bem equipadas, bem
treinadas, devido às suas operações norte-africanas, e tinham razoável
experiência de campanhas no estrangeiro. Seus sistemas logístico, médio e de
apoio eram os mais eficientes que uma administração de meados do século
podia produzir, e os oficiais franceses mostravam um justificado espanto com
seus colegas ingleses, com sua bagagem excessiva. A força expedicionária
francesa foi, de longe, a maior, e a que maiores êxitos teve na guerra. Atécerto
ponto, portanto, a nação recuperou seu legado napoleónico nessa luta.
Nas fases finais da campanha, porém, a França estava começandoa
evidenciar sinais de cansaço. Embora fosse um país rico, seu govemo tinha
de competir, na busca de recursos, com construtores de ferrovias e outros que
procuravam dinheiro no Crédit Mobilier e outros banqueiros. O ouro estava
sendo escoado para a Criméia e Constantinopla, elevando os preços

172
internarncnte, e más colheitas não melhoraram a situação.
conhecesse o total das perdas na guerra (100 mil), o entusiasmo
Embora não se
francês inicial
pelo conflito desapareceu rapidamente. Motins populares contra a inflação
fortaleceram o argunncnto, que se generalizou depois da
Sebastopol, cle que a guerra estava sendo prolongada
notícia da queda de
apenas pelas
egoístas e atul)iciosas dos ingleses.70Também naquela época finalidades
Napoleão III
estava ansioso para pôr fim à luta: a Rússia tinha sido castigada,
o prestígio
da França aumentou (e aumentaria ainda mais depois de uma grande
conferência internacional de paz em Paris), e era importante
não
atenção das quest0es alemâ e italiana, intensificando o conflito em desviar a
mar Negro. Mesmo sem poder redesenhar substancialmente o mapa
torno do
da
em 1856,Napoleão podia sentir certamente que as perspectivasda Europa França
eram melhores do que em qualquer outro momento, desde Waterloo.
uma década, as fissuras posteriores à Guerra da Criméia ocorridas Durante
no velho
Concerto da Europa permitiram que essa ilusão continuasse.
Os ingleses, em contraste, estavam longe de se sentirem
satisfeitos com
a Guerra da Criméia. Apesar de certos esforços de reforma, o exército ainda
seguia o modelo wellingtoniano, e seu comandante, Raglan, tinha sido
secretário militar de Wellington na Guerra Peninsular. A cavalaria era
adequada -----no que tange a cavalarias —— mas com freqüência mal usada (não
apenas em Balaclava) e dificilmente pôde ser empregada no sítio de
Sebastopol. Embora os soldados fossem experientes e lutassem bem, a terrível
quentes
falta de abrigos nas chuvas e no inverno da Criméia, a incapacidade
dos primitivos serviços médicos do exército em enfrentar surtos em grande
escala de disenteria e cólera, e a escassez de transporteterrestrecausaram
perdas e reveses desnecessários, que irritaram a nação britânica. E o que era
mais embaraçoso, já que, como os russos, o exército britânico adotava o
serviço militar prolongado, útil principalmente para os trabalhos dos quartéis,
não havia reservas treinadas a que recorrer, em época de guerra. Mas enquanto
os russos podiam, pelo menos, recrutar pela força centenas de milhares de
novos soldados, a Grã-Bretanha do laissez-fairenão podia, deixando o
governo na constrangedora posição de buscar mercenários estrangeiros com
os quais suprir a falta de soldados na Criméia. Mas embora seu exército sempre
fosse um auxiliar menor dos franceses, a marinha inglesa não teve uma real
oportunidade de assegurar uma vitória nelsoniana contra um inimigo que
prudentemente retirou sua esquadra para portos fortificados.71
A explosão do descontentamentopúblico na Grã-Bretanha,em con-
seqüência das revelações feitas pelo Timesde Londres, da incompetência mi-
litar e do sofrimento dos soldados doentes e feridos, só pode ser mencionada
de passagem aqui: ela não só provocou uma mudança de ministério, como
também um agitado debate sobre as dificuldadesinerentes a "um Estado
liberal em guerra".72Mais ainda, a questão revelou que os pontos aparen-
temente mais fortes da Grã-Bretanha — reduzida interferência governamen-
tal, pequeno exército imperial, grande dependência do poderio marítimo, ên-
fase nas liberdades individuais e na imprensa livre, nos poderes do Parlamento
e de cada ministro -—transformavam-se facilmente em pontos fracos quando
o país era chamado a uma ampla operação militar em qualquer época, contra
um inimigo importante.

173
A reaçào britânica a essa prova foi (mais ou menos como
a
americana às guerras no século XX) destinar vastas somas às
a fim de compensar negligências passadas; e, mais uma vez, forças
os
sobre as despesas militares dos combatentes contribuem muitonúmeros
para

Quadro 11. Despesas militares das potências na Guerra da


Crirnéia,s
(milhões de libras)

1852 1853 1854 1855


1856
Rússia 15,6 19,9 31,3 39,8
França 17,2 17,5 30,3 43,8 37,9
Grã-Bretanha 10,1 9,1 76,3 36,3
36,5
Turquia 2,8 32,3
Sardenha 2,2
2,5
Mesmo quando a Grã-Bretanha empenhou-se, não pôde criar
os instrumentos de poder adequados: os gastos militares podiamrapidamente
se, centenas de navios a vapor podiam serencomendados, a força
podia ter um excedente de tendas e cobertores e munições em 1855,
beligerante Palmerston podia afirmar a necessidade de vencer o Império e um
— ainda assim, o pequeno exército britânico pouco podia fazer se Russo
preferisse a paz e a Áustria permanecesse neutra — precisamente a França
aconteceu nos meses que se seguiram à queda de Sebastopol. Somente o que
nação e a economia política britânica se tornassem muito mais "militari?áldashsea
poderia ela manter sozinha a guerra contra a Rússia, de uma
significativa. Os custos prováveis, porém, eram demasiado altos para maneira
urna
liderança política já pressionada pelas dificuldades estratégicas, constitucionais
e económicas criadas pela campanha da Criméia,74Embora
enganados por não terem uma vitória adequada, portanto, os ingleses sentindo-se
estavam
também dispostos a ceder. Tudo isso deixou muitos europeus (franceses
austríacos, bem como russos) desconfiados dos objetivos de Londres e de e
confiabilidade, bem como desgostou o público britânico ainda mais por sua
envolvido em assuntos continentais. Enquanto a França de Napoleão estar
passava
ao centro do palco europeu em 1856, portanto, a Grã-Bretanha movia-se
para
o lado —-uma tendência que o Motim Indiano (1857) e os movimentos
internos de reforma só podiam intensificar.
Se a Guerra da Criméia chocou os ingleses, isso nada foi em comparação
com o golpe que desfechou no poderio e na auto-estima russa — paranão
falarmos das perdas representadas pelas 480 mil mortes. "Não podemos
enganar-nos mais", disse claramente o grão-duque Constantino Nicolaievitch,
"...somos ao mesmo tempo mais fracos e mais pobres do que as potênciasde
primeira classe e, além disso, mais pobres não só em recursos materiais,mas
também em recursos mentais, em especial em questões de
Essa consciência levou os reformadores, no Estado russo, a toda uma sériede
modificações radicais, mais notadamente a abolição do regime de servidão.
Além disso, a construção de ferrovias e a industrialização receberam muito
maior estímulo com Alexandre II do que com seu pai. A produção de carvão.

174
ferroe aço, as instalações
mais
em grande escala e
empresas industriais
tornaram-se evidentes a partir da muito
década de
nas histórias económicas da Rússia 1860,e as estatísticas
vista.
são bastante impressionantes,
à primeira sempre, porénl, uma
Conno mudança de
essa modernização acompanhar perspectiva afeta o
poderia —— para não falarmos julgamento.
anuais
osvastos aumentos no número de camponeses pobres e em superar —
poderia ela corresponder aos aumentos explosivos na produçãosem instrução?
e manufatUra,que ocorreria nos West Midlands, no Ruhr, a de ferro e aço
Silésia
nas duas décadas seguintes? Poderia, mesmo com a reorganização e Pittsburgh
acompanhara "revolução militar" que os prussianos do exército,
mundo,e que daria ênfase, outra vez, aos elementos iriam revelar logo ao
qualitativossobre os
quantitativosno poderio nacional? As respostas a todas
decepcionariamum nacionalista russo, demasiado cônscio essas perguntas
de que a posição
de seu país na Europa tinha sido substancialmente reduzida,
posiçãode destaque ocupada em 1815e 1848. perdendo a

Os Estados Unidos e a Guerra Civil


Como dissemos antes, os observadores da política global, a
achavam que o partir de
Tocqueville, crescimento do Império Russo seguia
paralelamente
ao dos Estados Unidos. Na verdade, todos reconheciam a existência de
diferençasfundamentais na cultura política e nas constituições desses dois
estados,mas em termos de potências mundiais eles pareciam assemelhar-se
muito em relação ao tamanho geográfico, às fronteiras "abertas"e sempre
móveis,às populações em rápido crescimento, e aos recursos ainda quase
inexplorados.77Embora grande parte disso seja verdade, o fato é que durante
o século XIX houve importantes discrepâncias económicas entre os Estados
Unidos e a Rússia, que teriam um impacto crescente sobre o seu poderio
nacional. A primeira delas referia-se à população total, embora a distância se
encurtasse significativamente entre 1816 (Rússia, 51,2 milhões; Estados
Unidos, 8,5 milhões) e 1860 (Rússia, 76 milhões; Estados Unidos, 31,4
milhões). Mais pertinente era o caráter dessa população: enquanto a russa era
constituídaprincipalmente de servos, com baixa renda e baixa produção, a
americana,em suas fazendas ou nas cidades que cresciamrapidamente, em
geral*desfrutavam de alto padrão de vida e de produto nacional, em relação
a outros países. Já em 1800, os salários eram cerca de um terço mais altos do
que os da Europa ocidental, e tal superioridade seria preservada,se não
aumentada,durante todo o século. Apesar do vasto influxo de imigrantes
europeus na década 1850, a disponibilidade de terras no oeste, juntamente
com o constante crescimento industrial, fez com que a mão-de-obrase
tornasserelativamente escassa e os salários fossem altos, o que por sua vez

Excetoos escravos negros e os índios ainda relativamentenumerosos.

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