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sobre a taturana
filmes. Ou seja, dentre todos os privilégios, o menor, para o cinema, com certeza
não é erigir em razão de ser sua própria existência, e transformar, na mesma
ocasião, a ética em sua estética. Cinco ou seis filmes, eu disse, mais um, porque
Juventude (Sommarlek, SUE, 1951) é o mais belo dos filmes.
Original? O Sétimo Selo ou Noites de Circo passe, a rigor Sorrisos de uma Noite de Amor;
mas Monika e o Desejo, Sonhos de Mulheres, Rumo à Alegria, no máximo um sub-
Maupassant, no tocante à técnica, falemos dos enquadramentos à la Germaine
Dulac, dos efeitos à la Man Ray, dos reflexos n’água como não é mais permitido
fazer de tão ultrapassado: “Não, o cinema é outra coisa” berram nossos técnicos
patenteados; e, antes de tudo, é uma profissão.
Na verdade não! O cinema não é uma profissão. É uma arte. Não é uma equipe.
Estamos sempre sozinhos, sobre o palco como em frente à página em branco. E
para Bergman, estar só, é fazer perguntas. E fazer filmes, é respondê-las. Não
saberíamos como ser mais classicamente românticos.
dos anos 1930, que se arrastam ainda em cada festival de filmes experimentais ou
amadores. Mas é mais ousadia da parte do diretor de Sede de Paixões, porque
Bergman destina essa confusão, com perfeito conhecimento de causa, a outros
fins. Esses planos de lagos, de florestas, de plantas, de nuvens, esses ângulos
falsamente insólitos, os contraluzes excessivamente estudados, não são mais,
dentro da estética bergmaniana, brincadeiras abstratas de câmera ou proezas de
fotógrafo: eles integram-se, ao contrário, dentro da psicologia dos personagens ao
instante preciso o qual se trata, para Bergman, de exprimir um sentimento não
menos preciso; por exemplo, o prazer de Monika, atravessando de barco uma
Estocolmo que acorda, depois sua preguiça invertendo o trajeto através da
Estocolmo que dorme.
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04/05/2018 Bergmanorama, por Jean-Luc Godard | revista taturana
e meia. É o mundo entre dois piscares de olhos, a tristeza entre dois batimentos de
coração, a alegria de viver entre o bater de duas palmas.
Sempre à frente
Quando Vadim apareceu, nós o aplaudimos por estar na hora exata quando a
maior parte de seus colegas ainda estava uma guerra atrasados. Quando nós vimos
as caretas poéticas de Giulietta Massina, nós aplaudimos também Fellini, a quem o
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frescor barroco trouxe uma boa renovação. Mas, cinco anos antes, o filho de um
pastor sueco já havia levado esse renascimento do cinema moderno ao seu apogeu.
Com o quê estávamos sonhando então quando Monika foi lançado em telas
parisienses? Tudo o que nós reprovávamos por não ter sido feito pelos cineastas
franceses, Ingmar Bergman já tinha feito. Monika já era E Deus Criou a Mulher, mas
executado de maneira perfeita. E esse último plano de Noites de Cabíria, enquanto
Giulietta Massina olha fixa e obstinadamente para a câmera, nós havíamos já
esquecido que acontece também na penúltima bobina de Monika? Essa brusca
conspiração entre o espectador e o ator que tanto entusiasma André Bazin,
havíamos nós esquecido já tê-la vivido, com mil vezes mais força e poesia, quando
Harriett Andersson, seus olhos risonhos transbordando aflição voltados para a
objetiva, nos tornando testemunhas do nojo que ela experimenta por optar pelo
inferno ao invés do céu?
Um autor verdadeiramente original é aquele que não deixará jamais seus roteiros
à sociedade do mesmo nome. Porque Bergman nos prova que o que é novo é exato,
e será exato o que é profundo. Ou, a profunda novidade de Juventude, de Sede de
Paixões, d’O Sétimo Selo, é de ter, antes de qualquer coisa, uma admirável exatidão
de tom. Para Bergman, com certeza, um gato é só um gato. Mas ele o é por outras
tantas razões e esta é a menor das coisas. O importante é que, dotado de uma
elegância moral a toda prova, Bergman pode se acomodar dentro de não importa
qual verdade, mesmo a mais escabrosa (o último sketch de Quando as Mulheres
Esperam). É profundo o que é imprevisível, e cada novo filme de nosso autor
desnorteia constantemente os partidários do precedente. Quando se espera uma
comédia, segue um filme de mistério da Idade Média. O único ponto em comum
entre os dois é comumente essa liberdade incrível de situações às quais Feydeau
apontava, como Montherlant poderia fazer à veracidade dos diálogos, ao momento
também de supremo paradoxo, quando Giraudoux fará a mesma coisa quanto ao
pudor. Não é preciso dizer que esse desembaraço soberano na elaboração do
manuscrito se duplica, desde que a câmera ronrona, em uma mestria absoluta na
direção dos atores. Ingmar Bergman, nessse asunto, é o equivalente a um Cukor ou
um Renoir. É verdade que na maior parte seus intérpretes, que também fizeram
parte algumas vezes de sua trupe de teatro, são em geral profissionais notáveis.
Penso sobretudo em Maj-Britt Nilsson, de quem o queixo protuberante e os
biquinhos de desprezo fazem lembrar Ingrid Bergman. Mas é preciso ter visto
Birger Malmsten como jovem sonhador em Juventude, e reencontrá-lo,
irreconhecível, como burguês engomado em Sede de Paixões; É preciso ter visto
Gunnar Björnstrand e Harriet Andersson no primeiro episódio de Sonhos de
Mulheres e reencontrá-los, com outro olhar, novas manias, um ritmo de corpo
diferente em Sorrisos de uma Noite de Verão, para se dar conta do prodigioso
trabalho de modelagem que Bergman é capaz a partir desse “gado” do qual falava
Hitchcock.
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das contas: o autor completo ou o puro encenador? Talvez sim, afinal de contas, é
analisar duas concepções de cinema das quais uma talvez seja melhor que a outra.
Existem, grosso modo, dois tipos de cineastas. Aqueles que andam na rua de
cabeça baixa e aqueles que andam de cabeça erguida. Os primeiros, para ver o que
se passa ao seu redor, são obrigados a levantar seguida e rapidamente a cabeça, e
girá-la às vezes para a esquerda, às vezes para a direita, abarcando com uma série
de olhadelas o campo que se abre à sua visão. Eles vêem. Os segundos não vêem
nada, eles olham, fixando a atenção em um ponto preciso que lhes interessa.
Quando rodarem um filme, o enquadramento dos primeiros será aéreo, fluído
(Rosselini), o dos segundos, medido em milímetros (Hitchcock). Encontraremos
nos filmes dos primeiros uma decupagem sem dúvida disparatada, mas
terrivelmente sensível à tentação do acaso (Welles), e nos filmes dos segundos os
movimentos do aparato, não somente de uma precisão incrível sobre o palco, mas
que têm seu próprio valor abstrato de movimento no espaço (Lang). Bergman faria
parte do primeiro grupo, o do cinema livre. Visconti, do segundo, o do cinema
rigoroso.
De minha parte, prefiro Monika e o Desejo a Sedução da Carne, e a política dos autores
à dos encenadores. Que Bergman, com efeito, mais do que qualquer cineasta
europeu, exceto Renoir, seja o mais típico representante, a quem ainda duvida,
Prisão traz se não a prova, ao menos o símbolo mais evidente. Conhecemos o
assunto: um encenador recebeu como proposta de seu professor de matemática
um roteiro sobre o diabo. Portanto, não é a ele que aparecerão as séries de
desventuras diabólicas, mas sim a seu roteirista, a quem ele pediu uma
continuação.
Enquanto homem do teatro, Bergman admite encenar as peças dos outros. Mas,
enquanto homem do cinema, ele permanece o único mestre a bordo. Ao contrário
de um Bresson e de um Visconti, que transfiguram um ponto de partida que lhes é
raramente pessoal, Bergman cria ex nihilo aventuras e personagens. O Sétimo Selo é
menos habilmente encenado que Noites Brancas, seus enquadramentos são menos
precisos, seus ângulos menos rigorosos, ninguém negará: mas, e aí é o ponto
capital da distinção, por um homem de um talento tão imenso quanto Visconti,
fazer um filme muito bom, no fim das contas, é coisa de muito bom gosto. Ele tem
certeza de não se enganar, e em certa medida, é fácil. É fácil escolher as cortinas
mais bonitas, os móveis mais perfeitos, fazer somente os movimentos de aparato
possíveis, se soubermos antes que temos o talento pra isso. Da parte de um artista,
se conhecer bem demais é um pouco ceder à facilidade.
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Miguel Gomes
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