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PROBLEMA 02: “TENHO GASTRITE NERVOSA”. de outros fatores associados à úlcera péptica, como características
OBJ 01) CARACTERIZAR ÚLCERA PÉPTICA GASTRODUODENAL intrínsecas de virulência e toxicidade das cepas do H. pylori.
INTRODUÇÃO As taxas de doença ulcerosa péptica complicada com hemorragias
Por mais de um século, a úlcera péptica foi considerada uma ou perfurações, por outro lado, não apresentaram reduções
doença de evolução crônica, de etiologia desconhecida, com significativas nas últimas décadas. O fato é que entre populações
surtos de recidiva e períodos de acalmia. A identificação e o idosas essas taxas de complicações parecem estar aumentando,
isolamento do Helicobacter pylori, há pouco mais de duas com destaque para as úlceras gástricas, provavelmente devido ao
décadas, representaram significativo avanço na compreensão, no uso crescente de AINE.
diagnóstico e no tratamento da doença ulcerosa péptica. O sangramento é a complicação mais frequente da doença
Atualmente, obtém-se a cura na imensa maioria dos pacientes, ulcerosa péptica, ocorrendo em torno de 15 a 20% dos casos, em
mas novos desafios impõem-se, como qual a proposta ideal de sua maioria associados às úlceras duodenais e com taxa de
erradicação do H. pylori, especialmente devido ao aumento na mortalidade de 5 a 10%. A doença ulcerosa péptica representa a
taxa de falha terapêutica observada em vários países, à busca pela causa mais comum de hemorragia digestiva alta, responsável por
prevenção e recorrência da úlcera péptica em usuários de anti- aproximadamente 50% dos casos.
inflamatórios não esteroides (AINE), bem como aos avanços no As perfurações são complicações ainda mais graves, observadas
tratamento dos casos não relacionados com AINE e H. pylori. No em até 5% dos pacientes e responsáveis por dois terços das
Brasil, estima-se que 10% da população têm, tiveram ou terão mortes por úlcera péptica. Ocorrem mais frequentemente na
úlcera. Observa-se, conquanto, que a prevalência da doença pequena curvatura gástrica e na parede anterior do bulbo
esteja diminuindo, possivelmente em decorrência dos duodenal. As úlceras gástricas perfuradas, com certa frequência,
tratamentos de erradicação do H. pylori e da melhora nas são bloqueadas pelo lobo hepático esquerdo e as duodenais pelo
condições higienodietéticas da população, fatores que contribuem pâncreas e, raramente, pelo cólon.
para reduzir a contaminação. Estreitamento e estenose secundária a edema ou cicatrização são
observados em até 2% dos ulcerosos, comumente relacionados
CONCEITO com úlceras do canal pilórico, mas também podem ocorrer como
As úlceras pépticas constituem soluções de continuidade da complicações de úlceras duodenais.
mucosa gastrintestinal secundárias ao efeito corrosivo do ácido
clorídrico (HCl) e da pepsina, estendendo-se através da muscular ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
da mucosa, atingindo a camada submucosa e, mesmo, a muscular O fator genético é, provavelmente, muito importante quanto ao
própria. Lesões mais superficiais são definidas como erosões, não fenótipo secretório de determinada população, não só pela
atingem a camada submucosa e, portanto, não deixam cicatrizes. variação na população de células parietais, mas, também, pelo
As úlceras pépticas podem se desenvolver em qualquer porção do limiar de sensibilidade das células envolvidas no processo
trato digestório exposta à secreção cloridropéptica em secretório gástrico.
concentração e duração suficientes, mas o termo "doença Sabe-se, atualmente, que a úlcera é uma afecção de origem
ulcerosa péptica" é geralmente empregado para descrever multifatorial. Fatores ambientais seguramente desempenham
ulcerações do estômago, do duodeno ou de ambos. papel importante na eclosão da úlcera nos indivíduos
geneticamente predispostos e, entre eles, a infecção pelo H. pylori
EPIDEMIOLOGIA é, aparentemente, fundamental. Isso explicaria por que a úlcera
A prevalência de úlcera péptica é variável nas diferentes regiões ocorre em indivíduos que secretam ácido em níveis próximos dos
do mundo. As úlceras duodenais predominam em populações normais, e por que indivíduos hipersecretores podem não
ocidentais, enquanto as úlceras gástricas são mais frequentes na apresentar úlcera.
Ásia, em especial no Japão. Apesar da redução na incidência de O H. pylori é uma bactéria espiralada descrita primeiramente por
doença ulcerosa péptica em países ocidentais ao longo do século Warren e Marshall. É incontestável a atuação do H. pylori na
passado, estima-se que cerca de 500.000 novos casos e 4.000.000 gênese da úlcera péptica, em virtude da inflamação sobre a
recidivas ocorrem a cada ano nos EUA. mucosa e da alteração dos mecanismos regulatórios da produção
A úlcera duodenal é a forma predominante de doença ulcerosa de ácido. Estima-se que cerca de 90 a 95% dos ulcerosos
péptica, sendo cinco vezes mais frequente do que a úlcera duodenais e de 60 a 70% dos portadores de úlceras gástricas
gástrica, em 95% dos casos localiza-se na primeira porção do encontram-se infectados pela bactéria.
duodeno e incide na faixa etária de 30 a 55 anos de idade. A Alguns investigadores acreditam até que o fator ácido não é o
localização mais frequente da úlcera péptica do estômago é na mais importante, mas sim a presença da bactéria. A liberação de
região de antro gástrico (80% na pequena curvatura), no epitélio citocinas inflamatórias e a resposta imunológica do hospedeiro
gástrico não secretor de ácido, geralmente próximo à transição seriam os moduladores da agressão que determinaria a presença
para o epitélio secretor localizado no corpo do estômago, em e o tipo de doença que o hospedeiro infectado apresentaria. A
indivíduos entre 50 e 70 anos de idade. De modo geral, as úlceras variedade da cepa do H. pylori seria primordial na cascata de
são mais comuns no sexo masculino (1,5 a 3 vezes). eventos que culminaria, eventualmente, na úlcera.
O declínio na prevalência de úlcera péptica observado no século
XX tem sido atribuído à redução das taxas de infecção pelo H. • Atuação multifatorial do ácido, gastrina, pepsina e H. pylori
pylori, resultado da melhoria dos padrões de higiene e condições Proteínas, íons Ca++, aminoácidos, histamina e acetilcolina
sanitárias urbanas. Embora o baixo nível socioeconômico e suas estimulam a célula G a produzir gastrina. A gastrina atinge o
consequências estejam relacionados com a infecção pelo H. pylori, receptor na célula parietal por via sanguínea, induzindo-a a
a baixa incidência de úlcera gastroduodenal, em alguns países com produzir HCl. A queda no pH intraluminal se difunde e ocupa o
receptor da célula D, produtora de somatostatina, que possui ação A resposta exagerada da gastrina pode resultar, também, da
inibitória (via parácrina) sobre a celula G. Trata-se, portanto, de menor produção de somatostatina, hormônio que inibe a célula G.
um eficiente mecanismo de autorregulação. A razão da diminuição da concentração da somatostatina na
A secreção de ácido de um indivíduo varia na dependência de mucosa e de seu RNA-mensageiro em ulcerosos infectados não
vários fatores ambientais. A alimentação, o uso de determinados está esclarecida, mas, certamente, deve-se à presença da bactéria,
medicamentos, o hábito de fumar, o estado emocional pois se normaliza com a sua erradicação. As citocinas localmente
influenciam a produção de ácido nas 24 h. produzidas e a elevação do pH consequente à produção de
A produção de ácido está, em geral, aumentada nos portadores de amônia pela bactéria são mecanismos lembrados como
úlcera duodenal e normal ou baixa nos indivíduos com úlcera responsáveis pela diminuição da concentração da somatostatina.
gástrica. A secreção basal de HCl é 2 a 3 vezes maior nos ulcerosos O pepsinogênio, precursor da pepsina, encontra-se elevado na
duodenais, observando-se um intrigante imbricamento dos maioria dos ulcerosos. As frações 1 e 3 do pepsinogênio I, que
valores pós-estímulo máximo. No entanto, apenas 20 a 30% da possuem maior atividade proteolítica, estão presentes em
população de ulcerosos duodenais apresenta, após estímulo porcentagem maior nos ulcerosos. Os ulcerosos duodenais
máximo, uma produção de HCl acima do limite superior do apresentam, portanto, aumento no pepsinogênio total e, ainda de
normal. O aumento da secreção ácida pode ser explicado pelas maior relevância, é o fato de a atividade proteolítica desta enzima
seguintes observações: ser maior nos ulcerosos.
- Aumento da população de células parietais. Além das alterações na produção de HCl e pepsinogênio, deve ser
- Maior sensibilidade da célula parietal ao estímulo da gastrina. lembrada a equação agressão/defesa. A diminuição da capacidade
- Menor sensibilidade da célula G aos mecanismos inibitórios. de defesa da mucosa é importante, tornando-a mais vulnerável
A histamina produzida nas células enterocromafin símile (ECL), a aos elementos agressivos. A inflamação da mucosa e a diminuição
gastrina nas células G e a acetilcolina no nervo vago são os de peptídios envolvidos no estímulo dos elementos que mantém a
primeiros mensageiros químicos que ativam a célula parietal. A mucosa íntegra favorecem a lesão.
ligação destas aos receptores específicos na membrana da célula O H. pylori atuaria em ambos os lados dessa equação, diminuindo
parietal ativaria o segundo mensageiro (AMP-cíclico ou canais de a disponibilidade endógena de prostaglandinas (PG) e do fator de
cálcio), culminando na produção da ATPase K+ ativada no crescimento epitelial (EGF), reduzindo a defesa da mucosa, além
canalículo secretor, considerada a via final para a produção do de aumentar a produção dos fatores agressivos. As PG são
HCl. responsáveis por estimular a produção de muco e de bicarbonato
pelas células epiteliais, influenciam a hidrofobicidade do muco
adjacente à superfície epitelial, regulam o fluxo sanguíneo da
mucosa e a capacidade de replicação do epitélio. A redução dos
níveis de PG resultaria em sério comprometimento dos
mecanismos de defesa da mucosa. O EGF é elemento essencial na
reparação da mucosa. O comprometimento de sua produção
significa redução na capacidade regenerativa da superfície
epitelial. Diminuição da concentração do EGF foi observada em
pacientes portadores de úlcera gástrica e duodenal.
Em suma, a integridade da mucosa ante um ambiente intraluminal
extremamente hostil depende de um mecanismo complexo, no
qual os elementos responsáveis pela defesa da mucosa devem
estar aptos a exercer proteção eficaz contra os fatores agressivos.
QUADRO CLÍNICO
Os sintomas referidos pelos pacientes não permitem diferenciar
úlcera duodenal (UD) e úlcera gástrica (UG) e, algumas vezes, são
muito discretos, atípicos ou ausentes. Quando presente, a dor é
habitualmente pouco intensa, em queimação, localizada no
epigástrio, circunscrita e descrita como "dor de fome, queimadura
ou desconforto na boca do estômago". A dor mantém-se por
semanas, de forma rítmica. A ritmicidade é relação íntima da dor
com a alimentação: a melhora da dor com a ingestão de alimentos
é relativamente frequente nos portadores de UD (chamada de dor
em três tempos: dói-come-passa), ao passo que, em portadores
• Com a erradicação do H. pylori, a úlcera deve ser considerada
uma doença em extinção? Qual o papel dos AINE/AAS?
de UG, a ingestão de alimentos às vezes piora ou desencadeia o excelentes subsídios para o manejo do paciente. Tem contra si o
sintoma (dor em quatro tempos: dói-come-passa-dói). fato de ser um exame invasivo e de alto custo, mas é compensado
Outra característica da dor da úlcera péptica é a periodicidade: pela sua confiabilidade e pelos excelentes resultados que
períodos de acalmia (desaparecimento da dor por meses ou proporciona. Ela não só estabelece o diagnóstico da úlcera, mas
mesmo anos) intercalados por outros sintomáticos. O fato de o também determina a sua natureza e permite a definição da
paciente ser despertado pela dor no meio da noite ("clocking") é etiologia. A retirada de fragmentos de biopsias nos bordos das
sugestivo da presença de úlcera, particularmente duodenal. A lesões para exame histológico e do antro e/ou corpo para a
pirose ou azia é comum nos pacientes com UD, em virtude da pesquisa do H. pylori influencia decisivamente no manejo clínico
associação da UD com refluxo gastresofágico. Outros sintomas do paciente.
dispépticos, como eructação, flatulência, sialorreia, náuseas, As úlceras pépticas podem ser encontradas em qualquer parte do
vômitos não são próprios da úlcera péptica, mas podem estar estômago e duodeno, porém, particularmente nas lesões
associados. O exame físico nada acrescenta, a não ser nos casos gástricas, mais de 80% são localizadas na pequena curvatura, em
de complicações, como hemorragia, estenose ou perfuração. antro ou incisura angular. Múltiplas úlceras gástricas são
Muitos pacientes que procuram os hospitais para tratamento das geralmente associadas ao uso de AINE. Mais de 90% das úlceras
complicações da doença, como hemorragias ou perfurações, duodenais são localizadas no bulbo, particularmente na parede
nunca apresentaram sintomatologia prévia. Curiosamente, em anterior e menos comumente na parede posterior, superior e
10% dos ulcerosos a hemorragia é a primeira manifestação da inferior. Úlceras localizadas distalmente ao bulbo levantam a
doença, e, em um terço dos pacientes com úlcera perfurada, o suspeita de síndrome de Zollinger-Ellison.
abdome agudo foi o primeiro sintoma da doença. Um dos pontos mais importantes na classificação de uma úlcera é
Na dependência das complicações desenvolvidas, os pacientes a caracterização quanto à sua fase evolutiva. Com base no aspecto
com doença ulcerosa péptica complicada podem apresentar-se do nicho ulceroso, Sakita, em 1973, validou uma classificação em
com melena, hematêmese, perda de sangue oculto nas fezes, que diferencia a lesão em três fases: A (active) - ativa; H (healing) -
náuseas, vômitos, distensão abdominal, sinais de peritonite ou em cicatrização; e S (scar) - cicatrizada. Cada uma dessas fases
instabilidade hemodinâmica. subdivide-se em duas outras (1 e 2). O desenho esquemático,
Não há, entretanto, sensibilidade ou especificidade suficiente na descrito por Sakita, mostra o ciclo evolutivo de uma úlcera
anamnese ou no exame físico para a confirmação diagnóstica da péptica.
doença ulcerosa péptica. Neoplasia, pancreatite, colecistite,
doença de Crohn e insuficiência vascular mesentérica são
exemplos de doenças que podem apresentar sintomatologia
semelhante à da úlcera péptica. Dessa forma, a confirmação
diagnóstica deve ser realizada através de exames específicos.