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DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA – 2019/2 elevada prevalência de infecção pela bactéria, indica a existência

PROBLEMA 02: “TENHO GASTRITE NERVOSA”. de outros fatores associados à úlcera péptica, como características
OBJ 01) CARACTERIZAR ÚLCERA PÉPTICA GASTRODUODENAL intrínsecas de virulência e toxicidade das cepas do H. pylori.
INTRODUÇÃO As taxas de doença ulcerosa péptica complicada com hemorragias
Por mais de um século, a úlcera péptica foi considerada uma ou perfurações, por outro lado, não apresentaram reduções
doença de evolução crônica, de etiologia desconhecida, com significativas nas últimas décadas. O fato é que entre populações
surtos de recidiva e períodos de acalmia. A identificação e o idosas essas taxas de complicações parecem estar aumentando,
isolamento do Helicobacter pylori, há pouco mais de duas com destaque para as úlceras gástricas, provavelmente devido ao
décadas, representaram significativo avanço na compreensão, no uso crescente de AINE.
diagnóstico e no tratamento da doença ulcerosa péptica. O sangramento é a complicação mais frequente da doença
Atualmente, obtém-se a cura na imensa maioria dos pacientes, ulcerosa péptica, ocorrendo em torno de 15 a 20% dos casos, em
mas novos desafios impõem-se, como qual a proposta ideal de sua maioria associados às úlceras duodenais e com taxa de
erradicação do H. pylori, especialmente devido ao aumento na mortalidade de 5 a 10%. A doença ulcerosa péptica representa a
taxa de falha terapêutica observada em vários países, à busca pela causa mais comum de hemorragia digestiva alta, responsável por
prevenção e recorrência da úlcera péptica em usuários de anti- aproximadamente 50% dos casos.
inflamatórios não esteroides (AINE), bem como aos avanços no As perfurações são complicações ainda mais graves, observadas
tratamento dos casos não relacionados com AINE e H. pylori. No em até 5% dos pacientes e responsáveis por dois terços das
Brasil, estima-se que 10% da população têm, tiveram ou terão mortes por úlcera péptica. Ocorrem mais frequentemente na
úlcera. Observa-se, conquanto, que a prevalência da doença pequena curvatura gástrica e na parede anterior do bulbo
esteja diminuindo, possivelmente em decorrência dos duodenal. As úlceras gástricas perfuradas, com certa frequência,
tratamentos de erradicação do H. pylori e da melhora nas são bloqueadas pelo lobo hepático esquerdo e as duodenais pelo
condições higienodietéticas da população, fatores que contribuem pâncreas e, raramente, pelo cólon.
para reduzir a contaminação. Estreitamento e estenose secundária a edema ou cicatrização são
observados em até 2% dos ulcerosos, comumente relacionados
CONCEITO com úlceras do canal pilórico, mas também podem ocorrer como
As úlceras pépticas constituem soluções de continuidade da complicações de úlceras duodenais.
mucosa gastrintestinal secundárias ao efeito corrosivo do ácido
clorídrico (HCl) e da pepsina, estendendo-se através da muscular ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
da mucosa, atingindo a camada submucosa e, mesmo, a muscular O fator genético é, provavelmente, muito importante quanto ao
própria. Lesões mais superficiais são definidas como erosões, não fenótipo secretório de determinada população, não só pela
atingem a camada submucosa e, portanto, não deixam cicatrizes. variação na população de células parietais, mas, também, pelo
As úlceras pépticas podem se desenvolver em qualquer porção do limiar de sensibilidade das células envolvidas no processo
trato digestório exposta à secreção cloridropéptica em secretório gástrico.
concentração e duração suficientes, mas o termo "doença Sabe-se, atualmente, que a úlcera é uma afecção de origem
ulcerosa péptica" é geralmente empregado para descrever multifatorial. Fatores ambientais seguramente desempenham
ulcerações do estômago, do duodeno ou de ambos. papel importante na eclosão da úlcera nos indivíduos
geneticamente predispostos e, entre eles, a infecção pelo H. pylori
EPIDEMIOLOGIA é, aparentemente, fundamental. Isso explicaria por que a úlcera
A prevalência de úlcera péptica é variável nas diferentes regiões ocorre em indivíduos que secretam ácido em níveis próximos dos
do mundo. As úlceras duodenais predominam em populações normais, e por que indivíduos hipersecretores podem não
ocidentais, enquanto as úlceras gástricas são mais frequentes na apresentar úlcera.
Ásia, em especial no Japão. Apesar da redução na incidência de O H. pylori é uma bactéria espiralada descrita primeiramente por
doença ulcerosa péptica em países ocidentais ao longo do século Warren e Marshall. É incontestável a atuação do H. pylori na
passado, estima-se que cerca de 500.000 novos casos e 4.000.000 gênese da úlcera péptica, em virtude da inflamação sobre a
recidivas ocorrem a cada ano nos EUA. mucosa e da alteração dos mecanismos regulatórios da produção
A úlcera duodenal é a forma predominante de doença ulcerosa de ácido. Estima-se que cerca de 90 a 95% dos ulcerosos
péptica, sendo cinco vezes mais frequente do que a úlcera duodenais e de 60 a 70% dos portadores de úlceras gástricas
gástrica, em 95% dos casos localiza-se na primeira porção do encontram-se infectados pela bactéria.
duodeno e incide na faixa etária de 30 a 55 anos de idade. A Alguns investigadores acreditam até que o fator ácido não é o
localização mais frequente da úlcera péptica do estômago é na mais importante, mas sim a presença da bactéria. A liberação de
região de antro gástrico (80% na pequena curvatura), no epitélio citocinas inflamatórias e a resposta imunológica do hospedeiro
gástrico não secretor de ácido, geralmente próximo à transição seriam os moduladores da agressão que determinaria a presença
para o epitélio secretor localizado no corpo do estômago, em e o tipo de doença que o hospedeiro infectado apresentaria. A
indivíduos entre 50 e 70 anos de idade. De modo geral, as úlceras variedade da cepa do H. pylori seria primordial na cascata de
são mais comuns no sexo masculino (1,5 a 3 vezes). eventos que culminaria, eventualmente, na úlcera.
O declínio na prevalência de úlcera péptica observado no século
XX tem sido atribuído à redução das taxas de infecção pelo H. • Atuação multifatorial do ácido, gastrina, pepsina e H. pylori
pylori, resultado da melhoria dos padrões de higiene e condições Proteínas, íons Ca++, aminoácidos, histamina e acetilcolina
sanitárias urbanas. Embora o baixo nível socioeconômico e suas estimulam a célula G a produzir gastrina. A gastrina atinge o
consequências estejam relacionados com a infecção pelo H. pylori, receptor na célula parietal por via sanguínea, induzindo-a a
a baixa incidência de úlcera gastroduodenal, em alguns países com produzir HCl. A queda no pH intraluminal se difunde e ocupa o
receptor da célula D, produtora de somatostatina, que possui ação A resposta exagerada da gastrina pode resultar, também, da
inibitória (via parácrina) sobre a celula G. Trata-se, portanto, de menor produção de somatostatina, hormônio que inibe a célula G.
um eficiente mecanismo de autorregulação. A razão da diminuição da concentração da somatostatina na
A secreção de ácido de um indivíduo varia na dependência de mucosa e de seu RNA-mensageiro em ulcerosos infectados não
vários fatores ambientais. A alimentação, o uso de determinados está esclarecida, mas, certamente, deve-se à presença da bactéria,
medicamentos, o hábito de fumar, o estado emocional pois se normaliza com a sua erradicação. As citocinas localmente
influenciam a produção de ácido nas 24 h. produzidas e a elevação do pH consequente à produção de
A produção de ácido está, em geral, aumentada nos portadores de amônia pela bactéria são mecanismos lembrados como
úlcera duodenal e normal ou baixa nos indivíduos com úlcera responsáveis pela diminuição da concentração da somatostatina.
gástrica. A secreção basal de HCl é 2 a 3 vezes maior nos ulcerosos O pepsinogênio, precursor da pepsina, encontra-se elevado na
duodenais, observando-se um intrigante imbricamento dos maioria dos ulcerosos. As frações 1 e 3 do pepsinogênio I, que
valores pós-estímulo máximo. No entanto, apenas 20 a 30% da possuem maior atividade proteolítica, estão presentes em
população de ulcerosos duodenais apresenta, após estímulo porcentagem maior nos ulcerosos. Os ulcerosos duodenais
máximo, uma produção de HCl acima do limite superior do apresentam, portanto, aumento no pepsinogênio total e, ainda de
normal. O aumento da secreção ácida pode ser explicado pelas maior relevância, é o fato de a atividade proteolítica desta enzima
seguintes observações: ser maior nos ulcerosos.
- Aumento da população de células parietais. Além das alterações na produção de HCl e pepsinogênio, deve ser
- Maior sensibilidade da célula parietal ao estímulo da gastrina. lembrada a equação agressão/defesa. A diminuição da capacidade
- Menor sensibilidade da célula G aos mecanismos inibitórios. de defesa da mucosa é importante, tornando-a mais vulnerável
A histamina produzida nas células enterocromafin símile (ECL), a aos elementos agressivos. A inflamação da mucosa e a diminuição
gastrina nas células G e a acetilcolina no nervo vago são os de peptídios envolvidos no estímulo dos elementos que mantém a
primeiros mensageiros químicos que ativam a célula parietal. A mucosa íntegra favorecem a lesão.
ligação destas aos receptores específicos na membrana da célula O H. pylori atuaria em ambos os lados dessa equação, diminuindo
parietal ativaria o segundo mensageiro (AMP-cíclico ou canais de a disponibilidade endógena de prostaglandinas (PG) e do fator de
cálcio), culminando na produção da ATPase K+ ativada no crescimento epitelial (EGF), reduzindo a defesa da mucosa, além
canalículo secretor, considerada a via final para a produção do de aumentar a produção dos fatores agressivos. As PG são
HCl. responsáveis por estimular a produção de muco e de bicarbonato
pelas células epiteliais, influenciam a hidrofobicidade do muco
adjacente à superfície epitelial, regulam o fluxo sanguíneo da
mucosa e a capacidade de replicação do epitélio. A redução dos
níveis de PG resultaria em sério comprometimento dos
mecanismos de defesa da mucosa. O EGF é elemento essencial na
reparação da mucosa. O comprometimento de sua produção
significa redução na capacidade regenerativa da superfície
epitelial. Diminuição da concentração do EGF foi observada em
pacientes portadores de úlcera gástrica e duodenal.
Em suma, a integridade da mucosa ante um ambiente intraluminal
extremamente hostil depende de um mecanismo complexo, no
qual os elementos responsáveis pela defesa da mucosa devem
estar aptos a exercer proteção eficaz contra os fatores agressivos.

O principal mediador da secreção ácida estimulada por alimentos


é a gastrina; portanto, distúrbios da secreção ácida relacionados
com a hipergastrinemia tendem a se exacerbar com a ingestão de
alimentos. O peptídio liberador da gastrina (GRP), neuropeptídio
presente nos nervos do trato gastrintestinal, especialmente no
antro gástrico, é liberado na presença de alimentos no estômago e
estimula a secreção de gastrina pelas células G. Atualmente, o
GRP é o melhor método disponível para simular a secreção ácida
estimulada pela alimentação. Após infusões intravenosas de GRP,
pacientes H. pylori positivos apresentam níveis de gastrina e Nos pacientes com úlcera duodenal, em geral a inflamação está
secreção ácida 3 vezes maior que os encontrados em voluntários restrita ao antro gástrico e à região do corpo poupada, ou
negativos submetidos ao mesmo estímulo. Entre os pacientes H. comprometida por discreta inflamação. Em virtude da infecção e
pylori positivos, os portadores de úlcera péptica produzem até 2 do processo inflamatório antral pela bactéria, a produção de
vezes mais ácido para os mesmos níveis de gastrina. Tais achados gastrina está aumentada e, como a mucosa do corpo está
podem estar relacionados com a hipergastrinemia prolongada e o preservada, observa-se maior produção de ácido, que é ofertado
maior número de células parietais, bem como com a redução de em maior quantidade ao bulbo. Uma das consequências deste
mecanismos inibitórios da secreção gástrica, associados ou não a fenômeno é maior frequência de metaplasia gástrica no bulbo
características genéticas do indivíduo. duodenal. Os locais onde existe metaplasia gástrica são
colonizados pelo H. pylori, evoluindo com inflamação, tornando-se
mais suscetível à agressão pelo fator acidopéptico, cujo resultado Tem-se observado, com frequência cada vez maior, a constatação
final é a úlcera. de úlceras H. pylori negativas. Especula-se que o maior número de
Além do distúrbio na secreção de ácido e alteração da defesa da pacientes submetidos ao tratamento de erradicação aumente a
mucosa, a própria ação lesiva da bactéria deve ser lembrada como tendência ao surgimento de úlceras relacionadas com o uso de
fator importante na etiologia da úlcera. Sabe-se que pacientes AINE/ AAS ou a situações raras, como gastrinoma, doença de
ulcerosos estão em geral infectados por cepas cag-A (cytotoxin- Crohn ou resposta secretória exagerada aos estímulos fisiológicos.
associated gene) positivas que são, também, em geral, vac-A
(vacuolating cytotoxin A) positivas. A proteína cag-A é um
marcador de ilha de patogenicidade envolvendo outras citocinas
importantes em determinar a virulência da bactéria. Estudos
recentes demonstraram um padrão constante, relacionando as
cepas cag-A positivas com maior produção de gastrina e de ácido
pós-estímulo. Outros genes, como das proteínas de adesão BabA e
de membrana OipA, têm, também, elevada frequência nos
pacientes com doença ulcerosa, porém com um papel menos
relevante na sua patogênese. A fisiopatologia da lesão induzida por AINE/AAS baseia-se na
Em estudo recente realizado, a comparação entre pacientes supressão da síntese de prostaglandinas. O mecanismo envolvido
ulcerosos e dispépticos não ulcerosos demonstrou que a nessa situação indica a agregação de neutrófilos às células
positividade de proteínas da ilha de patogenicidade cag (cag-T, endoteliais da microcirculação gástrica, diminuindo o fluxo
cag-M, cag-A) representa importante fator preditivo no sanguíneo gástrico efetivo, bem como a redução na produção de
desenvolvimento de úlcera péptica no Brasil. Em países com muco prostaglandina-dependente e o comprometimento da
elevada prevalência da infecção pelo H. pylori na população geral, capacidade de migração epitelial de células adjacentes à área
como o Brasil (70 a 80%), esta poderá ser uma ferramenta de lesada. A circulação da mucosa e a capacidade de defesa celular
grande importância, para indicação de erradicação da bactéria em ficam comprometidas, e a mucosa torna-se vulnerável à agressão
pacientes dispépticos não ulcerosos. de fatores intraluminares, como ácido clorídrico, pepsina, sais
biliares, H. pylori e medicamentos.
• A úlcera é uma doença péptica ou infecciosa? Na década de 1990, a introdução no mercado de inibidores
Existem vários argumentos que endossam a teoria infecciosa, tais seletivos da ciclo-oxigenase-2 (COX-2) representou um avanço na
como, alterações da regulação da secreção, virulência da bactéria prevenção de úlceras induzidas por AINE; contudo, sabe-se hoje
e demonstração inquestionável de que a erradicação da bactéria que a inibição seletiva da COX-2 não elimina o risco de
resulta na normalização da alteração fisiológica e na cura da desenvolver úlceras gastroduodenais e suas complicações.
doença da maioria dos ulcerosos. A recidiva nos indivíduos Pacientes em uso de AINE têm um risco 4 vezes maior de
erradicados ocorre quando há reinfecção, recrudescência ou o uso desenvolver complicações, como sangramentos, quando
de AINE (incluindo-se o AAS). comparados a não usuários.
É importante destacar o papel do HCl na doença ulcerosa, pois o São consideradas condições de risco em usuários de AINE:
uso de antissecretores relativamente pouco potentes, como a - antecedente de úlcera;
cimetidina, ou mesmo antiácidos, é eficaz em promover a - idade avançada (> 60 anos);
cicatrização da úlcera. Sabe-se, também, que, felizmente, a - presença de comorbidades;
imensa maioria dos indivíduos infectados nunca apresentará - uso de altas doses de AINE;
úlcera. A ausência de ácido é praticamente incompatível com a - associação com corticoides, AAS ou anticoagulantes;
presença de úlcera. Estas observações são bastante sugestivas de - infecção pelo H. pylori.
que a simples presença da bactéria não é suficiente para provocar A erradicação da bactéria isoladamente demonstra significativa
a úlcera. redução na incidência de úlceras pépticas em usuários crônicos de
AINE/ AAS; todavia, em indivíduos de alto risco, como naqueles
com sangramento prévio, a erradicação não é suficiente para a
prevenção de novo sangramento, devendo-se associar supressão
ácida como medida de prevenção.

QUADRO CLÍNICO
Os sintomas referidos pelos pacientes não permitem diferenciar
úlcera duodenal (UD) e úlcera gástrica (UG) e, algumas vezes, são
muito discretos, atípicos ou ausentes. Quando presente, a dor é
habitualmente pouco intensa, em queimação, localizada no
epigástrio, circunscrita e descrita como "dor de fome, queimadura
ou desconforto na boca do estômago". A dor mantém-se por
semanas, de forma rítmica. A ritmicidade é relação íntima da dor
com a alimentação: a melhora da dor com a ingestão de alimentos
é relativamente frequente nos portadores de UD (chamada de dor
em três tempos: dói-come-passa), ao passo que, em portadores
• Com a erradicação do H. pylori, a úlcera deve ser considerada
uma doença em extinção? Qual o papel dos AINE/AAS?
de UG, a ingestão de alimentos às vezes piora ou desencadeia o excelentes subsídios para o manejo do paciente. Tem contra si o
sintoma (dor em quatro tempos: dói-come-passa-dói). fato de ser um exame invasivo e de alto custo, mas é compensado
Outra característica da dor da úlcera péptica é a periodicidade: pela sua confiabilidade e pelos excelentes resultados que
períodos de acalmia (desaparecimento da dor por meses ou proporciona. Ela não só estabelece o diagnóstico da úlcera, mas
mesmo anos) intercalados por outros sintomáticos. O fato de o também determina a sua natureza e permite a definição da
paciente ser despertado pela dor no meio da noite ("clocking") é etiologia. A retirada de fragmentos de biopsias nos bordos das
sugestivo da presença de úlcera, particularmente duodenal. A lesões para exame histológico e do antro e/ou corpo para a
pirose ou azia é comum nos pacientes com UD, em virtude da pesquisa do H. pylori influencia decisivamente no manejo clínico
associação da UD com refluxo gastresofágico. Outros sintomas do paciente.
dispépticos, como eructação, flatulência, sialorreia, náuseas, As úlceras pépticas podem ser encontradas em qualquer parte do
vômitos não são próprios da úlcera péptica, mas podem estar estômago e duodeno, porém, particularmente nas lesões
associados. O exame físico nada acrescenta, a não ser nos casos gástricas, mais de 80% são localizadas na pequena curvatura, em
de complicações, como hemorragia, estenose ou perfuração. antro ou incisura angular. Múltiplas úlceras gástricas são
Muitos pacientes que procuram os hospitais para tratamento das geralmente associadas ao uso de AINE. Mais de 90% das úlceras
complicações da doença, como hemorragias ou perfurações, duodenais são localizadas no bulbo, particularmente na parede
nunca apresentaram sintomatologia prévia. Curiosamente, em anterior e menos comumente na parede posterior, superior e
10% dos ulcerosos a hemorragia é a primeira manifestação da inferior. Úlceras localizadas distalmente ao bulbo levantam a
doença, e, em um terço dos pacientes com úlcera perfurada, o suspeita de síndrome de Zollinger-Ellison.
abdome agudo foi o primeiro sintoma da doença. Um dos pontos mais importantes na classificação de uma úlcera é
Na dependência das complicações desenvolvidas, os pacientes a caracterização quanto à sua fase evolutiva. Com base no aspecto
com doença ulcerosa péptica complicada podem apresentar-se do nicho ulceroso, Sakita, em 1973, validou uma classificação em
com melena, hematêmese, perda de sangue oculto nas fezes, que diferencia a lesão em três fases: A (active) - ativa; H (healing) -
náuseas, vômitos, distensão abdominal, sinais de peritonite ou em cicatrização; e S (scar) - cicatrizada. Cada uma dessas fases
instabilidade hemodinâmica. subdivide-se em duas outras (1 e 2). O desenho esquemático,
Não há, entretanto, sensibilidade ou especificidade suficiente na descrito por Sakita, mostra o ciclo evolutivo de uma úlcera
anamnese ou no exame físico para a confirmação diagnóstica da péptica.
doença ulcerosa péptica. Neoplasia, pancreatite, colecistite,
doença de Crohn e insuficiência vascular mesentérica são
exemplos de doenças que podem apresentar sintomatologia
semelhante à da úlcera péptica. Dessa forma, a confirmação
diagnóstica deve ser realizada através de exames específicos.

Nas úlceras gástricas, sempre são necessárias múltiplas biopsias


no intuito de distinguir lesões benignas de malignas. Sabe-se que,
em até 20% dos casos, cânceres gástricos podem mimetizar lesões
benignas. Por outro lado, sinais que indiquem malignidade
DIAGNÓSTICO E EXAMES COMPLEMENTARES (infiltração, friabilidade, pouca distensibilidade, pregas
• Endoscopia digestiva alta espessadas, com interrupção abrupta, aparência de "mordida",
A endoscopia digestiva alta continua sendo o exame de eleição baqueteamento, fusão ou afilamento tipo "pico de montanha" e
para o diagnóstico das lesões ulcerosas. É um método eficiente, "ponta de lápis") podem estar ausentes no câncer gástrico
sensível, específico, seguro, que, em mãos experientes, fornece precoce ulcerado. Nesses casos, o segmento do paciente com
exames endoscópicos associados a biopsias serão necessários Uma vez suspeitado o diagnóstico de gastrinoma, torna-se
para confirmação diagnóstica. obrigatório tentar localizar o tumor, com a finalidade de ressecção
Quanto à obtenção das biopsias, estas devem ser criteriosas, cirúrgica sempre que possível.
coletando na porção interna das margens da lesão, nos quatro
quadrantes e em áreas não necróticas. A quantidade de DIAGNÓSTICO DOS FATORES ETIOLÓGICOS
fragmentos deve ser proporcional ao tamanho da úlcera; porém, • Helicobacter pylori
no mínimo, seis espécimes devem ser obtidos. Os testes para diagnosticar infecção pelo H. pylori são importantes
No caso de úlceras gástricas, a regra é realizar novo exame em pacientes com doença ulcerosa péptica. Exames negativos
endoscópico após 6 a 8 semanas de tratamento para avaliar a sua mudam a estratégia diagnóstica para outras causas de úlcera (uso
cicatrização e coletar novas biopsias. Se o estudo histológico for de AINE, gastrinoma), dispensando a terapêutica antibiótica. É
negativo para malignidade e houver redução significativa do necessário lembrar, porém, que podem ocorrer resultados falso-
tamanho da úlcera (acima de 50% do tamanho inicial), o prazo de negativos em pacientes que receberam tratamento com inibidores
tratamento com a mesma droga poderá ser prolongado, seguindo- da bomba de prótons, bismuto ou antibióticos, os quais podem
se nova avaliação ao final desse prazo. Se a redução não for suprimir temporariamente o H. pylori.
significativa (menor que 50% do tamanho inicial), outro tipo de Os métodos para diagnóstico do H. pylori podem ser classificados
medicamento ou aumento da dose deve ser instituído por mais 45 em invasivos e não invasivos.
dias, recomendando-se manter o controle endoscópico periódico Os métodos invasivos são aqueles que necessitam de endoscopia
até a cicatrização completa da lesão. acompanhada de biopsia gástrica. Segundo o II Consenso
Biopsias não são obtidas rotineiramente de úlceras
duodenais, já que raramente são malignas. No entanto,
quando houver alterações não habituais (ulcerações
com margens ir regulares, fundo necrótico, bordas
infiltradas), deve-se biopsiar com o intuito de descartar
causas não pépticas (infecção, medicamentos,
neoplasias).

• Exame radiológico contrastado


O exame radiológico contrastado é outro método útil
para o diagnóstico da doença ulcerosa; porém, menos Brasileiro sobre o Helicobacter pylori, caso haja opção pela
preciso e pouco utilizado, com o advento da endoscopia digestiva. pesquisa de HP durante a endoscopia digestiva, a coleta de
Tem como desvantagem o uso de radiação ionizante e a material para urease deverá ser realizada no corpo e antro
necessidade da realização de exames endoscópicos e biopsias das gástricos. O estudo histológico deve incluir a coleta de cinco
lesões suspeitas para confirmação diagnóstica. Dessa forma, fica fragmentos: dois do antro, dois do corpo e um da incisura angular.
indicado apenas em situações em que o exame endoscópico não Os métodos não invasivos, que não necessitam de endoscopia,
está disponível ou quando há indicação cirúrgica. são três:
• Teste sorológico: pode ser realizado em laboratórios de
OUTROS EXAMES COMPLEMENTARES referência ou através de um teste rápido desenvolvido para o
• Gastrina consultório. Geralmente, a IgG está aumentada em pessoas
Os pacientes que apresentam quadro clínico atípico, como, por contaminadas pelo microrganismo. O achado de IgG elevada não
exemplo, múltiplas úlceras gastroduodenais, úlceras refratárias, significa infecção ativa, uma vez que os níveis de anticorpos
recorrentes ou localizadas em segunda porção duodenal e não decrescem vagarosamente depois da erradicação da infecção. Não
associadas a H. pylori ou AINE, úlceras recorrentes pós- deve ser utilizado, portanto, nos casos em que haja necessidade
operatórias, associação com diarreia ou cálculo renal e história de controle imediato de tratamento, embora uma queda
pessoal ou familiar de tumor de hipófise ou paratireoide, justifica- acentuada dos níveis de anticorpos observada 6 a 12 meses após
se a pesquisa de gastrinoma (síndrome de Zollinger-Ellison). O o tratamento antimicrobiano signifique sucesso na erradicação.
teste mais sensível e específico para diagnosticar gastrinoma é a • Teste respiratório com ureia marcada: quando positivo, ao
demonstração de gastrina sérica elevada. A concentração sérica contrário do teste sorológico, sempre significa infecção atual.
de gastrina em jejum acima de 1.000 pg/mi e hipersecreção Pode indicar cura do H. pylori 8 semanas após a terapia
gástrica de ácido têm estabelecido o diagnóstico de gastrinoma. É antibiótica, período em que os testes com anticorpos ainda são
importante lembrar que elevações importantes da gastrinemia positivos. Neste teste, o paciente ingere ureia marcada com
ocorrem, também, em estados hipossecretores ou acloridria carbono 14 (radioativo) ou carbono 13 (não radioativo). Este
gástrica, como, por exemplo, na anemia perniciosa. Pacientes que último, por não ser radioativo, é seguro, podendo ser utilizado em
apresentam quadro clínico compatível e discreta elevação da mulheres grávidas, crianças e também para transporte de um local
gastrina sérica necessitam realizar os testes provocativos com a para outro (análise laboratorial em outra localidade). Se o
finalidade de estabelecer ou excluir o diagnóstico de gastrinoma. organismo estiver presente, ele transforma a ureia em amônia e
Destes, o de maior valor é o teste da secretina. Em indivíduos dióxido de carbono marcado. Este pode ser detectado e
normais ou com úlcera péptica duodenal, a injeção intravenosa de quantificado no ar expirado 30 min mais tarde em um balão de
secretina pode provocar discreto aumento na gastrinemia. Ao coleta.
contrário, pacientes portadores de gastrinoma apresentam • Pesquisa do antígeno fecal: método que identifica, através de
aumentos acentuados na gastrinemia. reação imunoenzimática, antígenos do H. pylori nas fezes dos
pacientes. É bastante conveniente para pesquisa da bactéria em TRATAMENTO
população pediátrica. O tratamento da úlcera péptica, seja ela gástrica ou duodenal, tem
Os testes não invasivos também podem ser utilizados para como objetivos: alívio dos sintomas, cicatrização das lesões e
confirmar a negatividade ao H. pylori ao teste da urease em prevenção de recidivas e complicações.
pacientes ulcerosos nos quais não foram obtidos fragmentos de Até a descoberta do H. pylori, os dois primeiros objetivos eram
biopsia para estudo histológico. facilmente alcançados; entretanto, ao final de 1 ano, praticamente
A utilidade de exames para confirmar a erradicação do H. pylori todas as úlceras recidivavam. Atualmente, sabe-se que não basta
tem sido amplamente discutida. Como a maioria (80 a 90%) dos cicatrizar a úlcera, mas há necessidade de erradicar a bactéria, a
pacientes tratados é curada pelo tratamento antimicrobiano, título de evitar a recidiva.
parece sensato esperar uma recidiva sintomática da doença Cultivar uma boa relação médico-paciente é fundamental,
ulcerosa antes de verificar o seu resultado. Na prática clínica, por explicando ao paciente a natureza de sua doença, inclusive do
outro lado, os excelentes resultados divulgados em trabalhos ponto de vista emocional. Quanto à alimentação e dieta, nem o
científicos bem conduzidos nem sempre são observados, tipo, nem a consistência da dieta afetam a cicatrização da úlcera,
especialmente nos locais onde a resistência é alta ao mas é conhecido que alguns alimentos aumentam e/ou estimulam
metronidazol. Neste caso, é possível que 30 a 50% dos pacientes a produção de ácido clorídrico e outros são irritantes à mucosa
não erradiquem o microrganismo e, portanto, um número gástrica. É importante recomendar aos pacientes que evitem
substancial de pacientes possam se beneficiar do exame de alguns alimentos e que parem de fumar, pois o fumo pode alterar
controle de cura e de uma eventual modificação de conduta. o tempo de cicatrização da úlcera.
Haverá situação na qual o paciente questionará se a bactéria foi As medicações que promovem a cicatrização da úlcera agem por
realmente erradicada, já que a confirmação permitirá ao clínico dois mecanismos: fortalecendo os componentes que mantêm a
informar que a doença ulcerosa não recidivará. Em algumas integridade da mucosa gastroduodenal (pró-secretores) e
condições, a verificação é obrigatória, como, por exemplo, na diminuindo a ação cloridropéptica (antissecretores).
doença ulcerosa péptica, especialmente na forma complicada Os pró-secretores atuam estimulando os fatores responsáveis pela
(hemorragia, perfuração ou obstrução), na recorrência e na integridade da mucosa, como muco, bicarbonato, fatores
refratariedade. surfactantes, além de favorecer a replicação celular e o fluxo
Após o tratamento com antibióticos, a maior probabilidade de sanguíneo da mucosa. São considerados pró-secretores:
testes com resultados falso-negativos ou equivocados acontece se antiácidos, sucralfato, sais de bismuto coloidal e prostaglandinas,
esses testes forem realizados antes de 4 semanas após o término mas, na prática, são pouco utilizados. As prostaglandinas surgiram
do tratamento, pois o microrganismo pode estar suprimido, mas na década de 1980 como medicamentos promissores baseados na
não erradicado. O número de falso-negativos diminui se os ação antissecretora e citoprotetora. O misoprostol era altamente
exames forem realizados depois de 6 a 8 semanas. No Brasil, o II eficaz na prevenção de lesões agudas de mucosa provocada por
Consenso Brasileiro sobre o Helicobacter pylori recomenda o AINE, com eficácia semelhante à do omeprazol. O alto custo, os
controle somente 2 meses após o término da terapia, em todos os efeitos colaterais (diarreia e cólicas abdominais) e o uso indevido
casos de UG, UD e linfoma MALT de baixo grau. como abortivo, por outro lado, inviabilizaram a utilização e eles
Ao indicar um teste de controle, deve-se considerar sempre a sua foram praticamente abandonados na prática clínica.
sensibilidade, segurança e conveniência para o paciente, isto é, Os antissecretores são os medicamentos de escolha para a
facilidade de realização e adequada relação custo-benefício. cicatrização da úlcera, e dois grupos são atualmente utilizados: os
O teste respiratório tem sido o mais recomendado para verificar a bloqueadores do receptor H2 da histamina e os inibidores da
eficácia do tratamento de erradicação do H. pylori após o bomba de prótons (IBP).
tratamento. Nos casos em que se realiza exame endoscópico para O primeiro bloqueador H2 que nos anos setenta revolucionou o
controle de cicatrização da úlcera péptica (úlcera gástrica tratamento da úlcera péptica foi a cimetidina, diminuindo
principalmente), torna-se mandatória a realização de testes significativamente a indicação de cirurgias. Posteriormente,
baseados na retirada de fragmentos de biopsia. Nestas ocasiões, surgiram no mercado brasileiro ranitidina, famotidina e nizatidina.
os resultados falso-negativos podem ser reduzidos através da Esse grupo de medicamentos atua bloqueando o receptor H2
retirada de múltiplos fragmentos de antro e corpo e com a existente na membrana da célula parietal, diminuindo
utilização de mais de um teste. A combinação de, ao menos, dois significativamente a ativação da ATPase K+ ativada no canalículo
testes é recomendável (histologia, teste da urease, cultura). secretor, com redução de aproximadamente 70% da secreção
ácida estimulada pela refeição. Todos eles apresentam eficácia
• Drogas anti-inflamatórias (AINE) semelhante de cicatrização, em torno de 60 a 85%, com 4
Deve-se pesquisar durante a anamnese o uso de drogas semanas de tratamento, com resposta adicional de cerca de 10%
antiinflamatórias, particularmente em pacientes idosos nos quais após extensão do tratamento por mais 4 semanas. As doses
haja maior consumo devido à elevada prevalência de doenças preconizadas diárias de cimetidina, ranitidina, famotidina e
osteoarticulares. Pacientes cardiopatas devem ser pesquisados, nizatidina são de 800 mg, 300 mg, 40 mg e 300 mg,
pois, nesse grupo, é comum a ingestão regular de doses baixas de respectivamente, que podem ser administradas em dose única
ácido acetilsalicílico na profilaxia de enfermidades matinal ou noturna, embora, com maior frequência, sejam
cardiovasculares isquêmicas. fracionadas em duas tomadas.
Quando uma úlcera gástrica for refratária ao tratamento instituído As medicações da classe IBP bloqueiam diretamente a ATPase K+
e existir suspeita de ingestão de AINE não admitida pelo paciente, ativada, enzima responsável pela união do H+ com o Cl- no
o nível sérico dos salicilatos ou a atividade da ciclo-oxigenase das canalículo da célula parietal, origem do HCl. Atualmente, no Brasil,
plaquetas, se disponível, pode ser solicitado. os medicamentos disponíveis são: omeprazol, lansoprazol,
pantoprazol, rabeprazol e esomeprazol. Estes medicamentos
possuem eficácia semelhante, com cicatrização de 70% após 2 droga alternativa. O II Consenso Brasileiro sobre o Helícobacter
semanas e 92 a 100% depois de 4 semanas de tratamento. A dose pylori recomenda a associação de IBP + furazolidona +
de IBP é de 20 mg para o omeprazol e o rabeprazol, 30 mg para o claritromicina ou tetraciclina, como esquemas alternativos de
lansoprazol e 40 mg para o pantoprazol e o esomeprazol. O primeira linha para erradicação da bactéria.
medicamento é administrado pela manhã, em jejum; nos poucos
pacientes cuja úlcera permanece ativa após 4 semanas de
tratamento, observa-se cicatrização com o aumento da dose.
Os IBP são muitos seguros; entretanto, a polêmica em torno de
seu uso prolongado advém do risco teórico de cancerização. Em
razão de sua potente ação antissecretora, observa-se aumento
nos níveis de gastrina plasmática de 2 a 3 vezes a partir das
primeiras 48 a 96 h, que, em geral, se mantém nesses níveis a
despeito do uso prolongado. A possibilidade teórica de aumento
na população das células enterocromafins símile (ECL like) e o
aparecimento de carcinoide do estômago têm sido apontados
como contraindicação do uso prolongado deste potente
antissecretor. A supressão ácida com tendência à hipo e acloridria
poderia favorecer o crescimento de bactérias no estômago e a
formação de compostos nitrosos pela ação das bactérias sobre os
radicais nitratos, oriundos de alimentos consumidos; no entanto,
vários estudos sobre pacientes acompanhados por vários anos
Todos esses esquemas apresentam o inconveniente de utilizar um
com estes medicamentos, como nos casos de esofagite ou
grande número de comprimidos, dificultando a adesão do
gastrinoma, não mostraram maior risco de tumor carcinoide ou
paciente ao tratamento, além de efeitos colaterais, como:
câncer.
diarreia, cólicas abdominais, náuseas, vômitos, gosto metálico,
glossite e vaginite, que variam de centro para centro; podem
• Helicobader pylori e úlcera
chegar até 30% de frequência.
As evidências atuais demonstram a importância da erradicação do
Com relação às lesões induzidas por AINE, indubitavelmente o
H. pylori na prevenção de recidiva ulcerosa, seja ela gástrica ou
melhor tratamento é o profilático. Devem-se utilizar, sempre que
duodenal. Quanto à abordagem terapêutica da úlcera duodenal,
possível, os AINE com menor potencial de agressão (COX-2
embora alguns autores indiquem unicamente a erradicação da
seletivos) e instituir o tratamento profilático concomitante (IBP)
bactéria, independente de tamanho, profundidade e número de
para aqueles pacientes considerados de alto risco a fim de evitar
lesões, acreditamos que tal conduta seja avaliada com cautela.
complicações. Em pacientes com alto risco cardiovascular,
Sugerimos que o tratamento da úlcera duodenal restrito à
recomenda-se que o AINE de eleição seja o naproxeno em
erradicação da bactéria seja indicado naqueles casos em que a
associação a um IBP ou ao misoprostol; todavia, é importante
lesão não é muito profunda, nem múltipla. Nos casos em que a
considerar que mesmo esta associação não é isenta de riscos em
úlcera é profunda, com 1 cm ou mais, o bom-senso indica a
pacientes com múltiplos fatores de risco gastrintestinais. Em
manutenção do IBP por um período de pelo menos 10 a 14 dias,
pacientes de baixo risco cardiovascular, AINE não seletivos podem
após a conclusão do esquema de erradicação.
ser utilizados associados a um IBP, naqueles com um ou dois
Numerosos esquemas de erradicação têm sido propostos, mas
fatores de risco para úlcera gastroduodenal. Na presença de
nem todos mostram a mesma eficácia. São considerados
múltiplos fatores de risco ou antecedente de úlcera complicada,
aceitáveis índices de erradicação acima de 80%. Os esquemas
deve-se optar pelo uso criterioso de inibidores seletivos da COX-2
monoterápicos ou duplos não devem ser utilizados, pois resultam
em associação com IBP ou misoprostol e avaliar a relação risco-
em índices de erradicação extremamente baixos. Os esquemas
benefício, caso a caso.
tríplices são os mais indicados e os esquemas quádruplos devem
Os AINE são a segunda maior causa de úlcera péptica, e, portanto,
ser reservados para situações especiais, como, por exemplo, nos
a ação sinérgica entre o H. pylori e os AINE vem sendo
casos de falha terapêutica ao esquema tríplice.
demonstrada para o desenvolvimento de úlcera. Seu
Convém lembrar que alguns esquemas apresentam excelentes
aparecimento é raro em não usuários de AINE e H. pylori
níveis de erradicação em países desenvolvidos, mas deixam muito
negativos.
a desejar em nosso meio. Essa constatação justifica-se devido à
resistência primária a grupos bactericidas (principalmente
imidazólicos, como metronidazol e tinidazol, e claritromicina).
Atualmente, o esquema considerado de primeira linha associa um
inibidor de bomba protônica em dose padrão + claritromicina 500
mg + amoxicilina 1.000 mg ou metronidazol 500 mg, 2 vezes/dia,
por um período mínimo de 7 dias. O tempo de tratamento pode
variar de 7 a 14 dias, havendo uma tendência a se dar preferência
por 7 dias, já que a redução do tempo de tratamento não
influencia nos índices de erradicação, favorece a aderência e torna
Recentemente, um consenso entre cardiologistas e
o custo mais acessível.
gastrenterologistas americanos concluiu que a associação de AAS
Contudo, devido à prescrição indiscriminada do metrodinazol em
e IBP, em pacientes cardiopatas com elevado risco gastrintestinal,
nosso meio, deve-se dar preferência ao uso da furazolidona como
é melhor do que o uso de clopidogrel isoladamente na prevenção
de úlceras complicadas. Todavia, as evidências recentes de que o
uso concomitante de IBP pode modificar as propriedades
antiplaquetárias dessas drogas têm sido motivo de preocupação e
aguardam estudos clínicos prospectivos, embora novos estudos
retrospectivos já contestem esse risco. A recomendação atual é
manter a medicação IBP em pacientes de alto risco gastrintestinal
em uso de dupla terapia antiplaquetária.
Em consequência à maior incidência de úlceras H. pylori e AINE/
ASS negativas, a proporção de pacientes com doença ulcerosa
péptica refratária ou recorrente tem sido crescente. A correta
avaliação, identificação e o tratamento adequado de fatores
associados à refratariedade ou recorrência tornam as taxas de
intratabilidade praticamente nulas. Já as úlceras duodenais, no
geral, não necessitam de controle endoscópico, recomendando-se
apenas o controle de erradicação do H. pylori após 4 a 8 semanas
do término do tratamento e tendo como método de escolha o
teste respiratório com ureia marcada.

O tratamento de complicações pode ser abordado,


primeiramente, através de métodos endoscópicos, como nos
sangramentos, fazendo a hemostasia endoscópica ou a dilatação
nas estenoses. Nos casos de perfuração, a conduta é sempre
cirúrgica.

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