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APRENDA A DIZER NÃO

Luciano nunca fora de tomar decisões. Sempre concordava com quase tudo.
Quando não o fazia, ficava quieto e não opinava. Levava a vida assim, desde
muito tempo. Os pais resolviam, a esposa resolvia, enfim, ele jamais decidira
por si mesmo sobre nada.

Os amigos o invejavam: “Ah, queria ser como o Luciano... que tranquilidade.


Nada o aborrece”. Outros comentavam: “Ele sempre concorda com tudo.
Sempre diz sim.” Ele ouvia e ria, achava graça. A esposa, mandona e
autoritária, não conseguia ver nada além de si mesma. Assim viviam quase por
20 anos.

Numa manhã chuvosa, Luciano resolveu que não iria trabalhar. Ficaria em
casa bebendo; ele, aquele santo que não bebia. A esposa gritou que ele fosse
trabalhar. Luciano disse que se ela não calasse a boca, ele iria dar uma coça
nela. A esposa ensaiou gritar outra vez. Luciano arremessou na direção dela a
garrafa de cerveja vazia. Pela primeira vez, em muito tempo, a esposa olhou
para ele. Achou estranho tudo, inclusive os olhos. Teve medo.

O filho mais velho procurou pelas chaves do carro que ele sempre usava,
porque seu pai não se incomodava de ir para o trabalho de ônibus. Não achou.
Gritou para o pai:- Cadê a droga da chave do carro?. Luciano falou alto: - Vai
de ônibus, não vou emprestar o carro. O filho xingou,contrariado. Luciano disse
que se ele falasse de novo não entraria mais em casa. Levantou-se do sofá e
foi se aproximando do filho. O rapaz teve medo. A mãe começou a chorar.
Luciano continuava enigmático.

-O que houve com você? perguntou a esposa. - Me fala pelo amor de Deus.
Ela estava se sentido levemente excitada pela nova postura do marido. E ele
calmamente olhou para ela, o rosto quase iluminado e respondeu: - Não houve
nada. Aprendi que não devo e nem posso concordar com tudo. Aprendi a dizer
não. Se você quiser ainda viver comigo, se prepara para ouvir quase sempre
não.

Deixou o copo sobre a estante da sala e abriu a porta que dava para rua. Ainda
chovia forte, mas ele tinha resolvido que não levaria o guarda-chuva.

Dionildo Dantas

Histórias da Ilha, 2010.

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