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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 19

primeira parte

Dos três aos


seis anos
1
Três anos
O que eu faço tem importância

Na pracinha tudo parecia planejado para torná-lo cativante.


Era difícil não querer abraçar Billy. Quando ele
A pracinha estava cheia. Crianças correndo com
estava disposto, tudo bem. Mas quando não
seus cuidadores ou suas babás, e as mães agru-
estava, ele se esquivava. Ele queria ficar livre
padas nos bancos. Vários cães correndo em
para perambular, indagar, descobrir seu mundo.
grupo voltavam ocasionalmente para cheirar os
Ele ainda parava com os pés separados, embora
pés de “suas” crianças antes de retornar para o
mais firmemente agora. Ocasionalmente, tro-
grupo. As crianças tinham, na sua maioria, me-
peçava. Ele estava afobado. Ainda não tinha
nos de quatro anos. Seus irmãos estavam na
dominado o planejamento motor, antecipando
escola – pré-escola e escola “de verdade”. Livres
como seu corpo teria que se mover a compasso
da pressão da dominação de seus irmãos, as
para chegar aonde queria. Aos três anos, chegar
crianças de dois e três anos corriam de uma
lá é mais importante do que imaginar como.
atividade para outra. Pais ou cuidadores atentos
Na maioria das vezes, contudo, seu desenvolvi-
precisavam correr para cima e para baixo com
mento motor lhe permitia movimentar-se com
elas para manter as conversas. As crianças eram
maior segurança e domínio. Como resultado,
estimuladas a acompanhar as atividades umas
ele queria estar com todos, mas nem sempre
das outras. As caixas de areia eram as áreas
com pessoas que representassem abraços. Ele
silenciosas. Os escorregadores e o carrossel
precisava explorar o mundo; e, para ele, a parte
eram locais ativos. Quatro crianças, dois meni-
mais importante do mundo eram as pessoas.
nos e duas meninas – nossos quatro atores prin-
Billy era sempre sorridente e sociável. Ele
cipais neste livro – faziam parte dessa confusão.
se aproximou de um grupo de crianças de três
Um menino ativo e um menino tranqüilo, Billy
anos na caixa de areia. “Oi. Eu sou Billy.” Nin-
e Tim; uma menina persuasiva, Minnie; e uma
guém levantou a cabeça. Impávido, ele se sen-
menina alegre e extrovertida, Marcy, brincavam
tou ao lado de um menino que estava fazendo
com as outras crianças.
um castelo de areia. Imitando-o, começou a
Billy, um menininho alegre, ativo, chegou
fazer um castelo exatamente como o da outra
neste cenário com sua mãe. Seu rosto redondo
criança. Sem se olharem, os meninos torna-
tinha uma aparência de querubim. Suas boche-
vam-se cada vez mais conscientes dos movi-
chas macias e cheias, seus olhos grandes, seu
mentos um do outro. Billy pegou uma tigela,
cabelo revolto, sua tagarelice e dedo na boca –
encheu-a com areia, e virou-a no chão; quando
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ele a desvirou, a areia tomou a forma da tigela. A mãe de Billy sentou-se no banco com as
A outra criança ficou claramente impressiona- outras mães. Ela estava confiante de que Billy
da. Os dois chegaram mais perto um do outro poderia tomar conta de si mesmo. Ele já sabia
e começaram a construir juntos. A mãe de Billy como tranqüilizá-la com sua habilidade? En-
estava impressionada com a capacidade de Billy quanto ela observava Billy com as outras crian-
de se “entrosar”. ças de sua idade, ela percebeu o quanto ele era
Assim que Billy fez uma amizade, as outras carinhoso. Um certo momento, uma criança
crianças pareceram reconhecer a força deles atirou um punhado de terra nele. Billy olhou
como um par. “Billy, olhe aqui.” “Tommy, você firme para o culpado. “Não! Não atira.” A Sra.
me ajuda a construir?” Eles chegaram mais Stone ficou fascinada com o fato de que ele ti-
perto uns dos outros. Uma outra criança, uma vesse assimilado sua repreensão e estivesse
menina, reconheceu uma afinidade com Billy. agora pronto para usá-la para proteger-se. Em
“Você tem cabelo encaracolado. A sua mãe faz vez de atirar terra de volta, ele tinha usado pala-
isso?” “Faz o quê?” “Encrespa ele. Meu cabelo vras que ouvira antes. As outras crianças olha-
é encaracolado, também, mas as crianças ca- ram com surpresa, escutaram e pararam.
çoam de mim.” Billy retornou a sua construção
de areia como se isso tivesse que ser ignorado. Marcy já estava na área dos brinquedos. Em-
A menina chegou mais perto dele. “Quer andar bora ela ainda caminhasse, às vezes, com passo
na minha bicicleta?” Billy olhou para ela, ani- incerto – movendo-se com seu andar de base
mado. “Claro.” Ela correu até seu triciclo. Billy larga, com passos bastante desajeitados, era bo-
seguiu-a o mais rápido que podia. Ela segurou nito observá-la. Se ela tropeçava, caía e levanta-
no guidão enquanto ele subia. Assim que se va em um único movimento sem parar. Seu
acomodou, ele tentou pedalar. A princípio, seu olhos faiscavam. Seu sorriso era contagiante.
pé escorregou. A menina riu. Billy olhou em Ela subia a escada com deliberada concentra-
volta, embaraçado. Colocando seu pé mais reto ção, mas escorregava quando distraída. Subia
sobre os pedais, ele começou a mover-se, mas e descia do escorregador. Andava em seu triciclo
para trás. Ela riu. “Assim não”, disse. Billy per- com destreza. Em casa, conseguia colocar a cha-
cebeu seu erro e começou a pedalar para a fren- ve na porta da frente, embora tateasse desajei-
te. Orgulhoso de sua realização, ele começou a tadamente, e podia desamarrar seus próprios
gritar: “Olhem!” As outras crianças de três anos sapatos. Ela podia empilhar dez blocos um em
pararam para olhar com admiração. cima do outro formando uma torre, colocando
Aprender a pedalar um triciclo é uma grande cada canto precisamente em cima do topo do
façanha. De caminhar a correr e a empurrar bloco de baixo.
um carrinho são marcos na vida de uma criança Como sua mãe, Marcy era alta – alta para
de dois anos. Então, um ano mais tarde, ser sua idade. Sua pele era de uma cor chocolate
capaz de dar impulso, de alternar os pés, de claro, seus cachos macios, apertados, eram de
pedalar com suas próprias pernas e ser capaz um preto brilhante. Ela era encantadora. Seu
de inverter o movimento é uma vitória impor- lindo rosto com seus olhos negros, atraentes,
tante para uma criança de três anos. Não é de olhavam para você com confiança. Quando seu
admirar que Billy estivesse orgulhoso. Sua ca- rosto se abria em um sorriso, era de emocionar.
pacidade de controlar seu próprio comporta- Ela era animadamente responsiva, e todos à sua
mento para adaptar-se ao de outras crianças, e volta pareciam responder a ela.
ingressar em suas brincadeiras, é uma medida Quando entrou na pracinha, ela já entrou
de sua capacidade de adaptação. Ele está ansio- pulando. Seus membros eram flexíveis e fortes,
so para conquistar essas crianças para brincar com covinhas ainda em seus cotovelos e ao lado
com elas. Sua persistência e determinação em dos joelhos quando começava a correr. Então,
ter sucesso na interação social é uma amostra a ligeira amplitude em seu andar parecia desa-
de seu temperamento. parecer, ou quase. Essa imaturidade quase im-
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perceptível faz um adulto sentir-se mais prote- Naturalmente, as outras crianças começa-
tor do que se sentirá em relação a Marcy aos ram a dar-se conta de sua presença. Várias delas
quatro e cinco anos. Mas os movimentos de começaram a segui-la. Ela rapidamente tornou-
Marcy são intencionais e entusiasmados. De- se a líder das crianças de sua idade. Ela levava
monstram impetuosidade com aventura, e todas seu papel a sério. “Vamos para os brinquedos.”
as atividades de Marcy parecem visar à diversão. Os outros a seguiam. “Vamos atravessar o tú-
Cada novo objeto precisa ser examinado, ser nel.” Eles a seguiam. “Vamos andar na minha
experimentado. Uma grande folha deve ser de- bicicleta.” Eles a seguiam. Todos eles tentaram
senterrada e virada para um exame minucioso. subir no triciclo ao mesmo tempo. Ele virou.
Uma pedra torna-se um objeto de curiosidade – Ninguém conseguiu andar.
“Ela é pesada? É áspera? Está suja? O que há Todas as realizações de Marcy eram acompa-
debaixo dela?” Aquela minhoca se contorcendo nhadas por seu bom coração. Embora freqüen-
deve ser pega e examinada. Uma admiração ativa temente tivesse que se esforçar para completar
marca cada experiência. Cada folha é a primeira. uma tarefa, ela terminava com um largo sorri-
Marcy corria para cada criança. “Estou so. Parecia como se estivesse não apenas satis-
aqui!” Ela esperava uma resposta antes de pas- feita consigo mesma, mas quisesse comparti-
sar para a próxima criança. Ao se aproximar de lhar sua alegria no sucesso com os outros. Isso
um menininho que estava sentado no colo de não era feito com qualquer fanfarronice, mas
sua mãe, ela o cumprimentou. Quando ele se mais com o sentimento de “Não é divertido es-
retraiu e se virou para sua mãe, ela repetiu seu tar vivo?”. Não é de admirar que ela fosse po-
cumprimento apelando para a mãe dele. Com pular com seus pares e com os adultos que a
sensibilidade, ela baixou sua voz para dizer “Eu encontravam. “Ela é sempre assim?”, as pes-
sou Marcy. Eu também sou tímida.” Ela obvia- soas perguntavam. “Ela sempre foi encantado-
mente não era. ramente fácil”, era o que sua mãe respondia.
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“Quando bebê, ela parecia apreciar tudo o que recia silenciosamente. Sua própria mãe tran-
fazíamos para ela. Seu irmão era exatamente o qüilizava o Sr. McCormick; ela chamava seu fi-
oposto. Ele é mais fácil agora, mas não era no lho de “meu calado e sensível Tim”.
início. Todos adoram Marcy. Seu irmão gostaria O irmão mais velho de Tim, Philip, implicava
de tornar sua vida difícil, mas ela o venera e com ele. Tim se iluminava quando conseguia
aprende muito com ele. Ele não consegue ficar sua atenção. As intenções de seu irmão, entre-
zangado com Marcy por muito tempo.” tanto, não eram tão benignas. Ele procurava
as fraquezas de Tim. Quando Philip via Tim
Tim sentou-se, observando as outras crianças abrir-se para ele, ele aumentava a implicância.
do colo de sua mãe. Ele tinha ido à pracinha “Nyah, nyah, nyah. Olha o Tim, ele é um bebê.”
apenas uma vez antes, mas havia apenas uma Tim ficava ansioso. Então Philip tentava apos-
criança. Ele tinha se agarrado a sua mãe, escon- sar-se do cobertor de Tim. Tim não suportava
dendo seu rosto no ombro dela. Após alguns isso. Ele se enroscava como uma bolinha para
minutos, ele tinha começado a espiar a outra proteger o cobertor. Ele choramingava silencio-
criança. Sua mãe sentia o quanto ele estava an- samente e chupava o polegar ruidosamente –
sioso por conhecer e entender outras crianças. o pedido mais declarado de ajuda. A Sra. Mc-
Ela trouxera Tim novamente hoje, esperando Cormick corria para Tim para pegá-lo no colo.
que ele ficasse tímido. E ele ficara. Mesmo junto Ela se sentava em uma cadeira de balanço, can-
com seu irmão mais velho, ele se agarrava a talorando em voz baixa. Tim relaxava visivel-
sua mãe ou seu pai. Todos em casa tinham cons- mente. Seu rosto se iluminava. Ele olhava em
ciência da timidez de Tim. Isso os atemorizava. volta e mostrava interesse por tudo, mas apenas
Quando bebê, ele era quieto demais, facilmente enquanto estivesse seguro no colo de sua mãe.
perturbado por ruídos e pessoas. Seus pais o ti- A Sra. McCormick sabia que era necessária. O
nham protegido, porque parecia muito doloroso irmão mais velho de Tim retirava-se, irritado e
forçá-lo. Se eles levavam Tim a uma festa baru- frustrado. “Tim sempre consegue o que quer.”
lhenta ou a um lugar cheio de pessoas, ele ficava Quando a Sra. McCormick segurava Tim em
trêmulo. Ele se esquivava daqueles que chega- seu colo na pracinha, ela se sentava sozinha
vam perto, desviando o rosto e os olhos. Em em um banco do lado oposto das outras mães
casa, ele era igualmente calado e retraído. Ele como se tivesse vergonha do apego de Tim. Ela
era claro, entretanto, em relação a suas necessi- sabia que se ela se sentasse com as outras mães,
dades – fome e sono – e fazia algumas exigên- todas elas lhe dariam conselhos: “Simplesmen-
cias. Neste sentido, seus pais achavam que ele te coloque-o no chão e deixe-o chorar – ele vai
tinha sido fácil. A princípio, eles o tinham superar isso.” “Minha filhinha era exatamente
levado a todos os lugares, assim como a seu assim, mas ela finalmente se acostumou com
irmão mais velho. Mas ele era muito calado, as outras crianças.” “Convide uma criança para
muito pouco irresponsivo quando eles saíam brincar com ele. Assim ele pode aprender sobre
com ele. As pessoas se perguntavam porque ele outras crianças.”
era tão calado. Quando a família voltava para Eles observaram as outras crianças brincan-
casa, Tim chorava muito, em longos soluços, o do, e, à medida que a Sra. McCormick foi rela-
que apertava o coração de seus pais. Era mais xando, a vigilância de Tim começou a diminuir.
fácil simplesmente ficar em casa com ele. Ele procurou seu cobertor. Ele ficara em casa,
Tim tinha andado na época esperada. Tinha então ele agarrou-se ao vestido da mãe, aper-
falado no momento certo. Cada marco em seu tou-o em uma mão, e chupou seu polegar com
desenvolvimento tranqüilizava seus pais de que a outra. Enquanto fazia isso, ele começou a rela-
ele estava indo bem. Esta criança calada era xar. Ele observava e observava. Ele até começou
tão meiga! Quando uma nova pessoa vinha à a falar sobre as crianças que estava observando.
sua casa, ele escondia seu rosto ou tapava os “Ele não gosta daquele escorregador. Ele não
ouvidos. Quando começou a andar, ele desapa- quer subir nele.” Ele não estava falando para
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ela, mas ela podia dizer que essa era uma ten- voltou para subir, sua mãe segurou seu braço
tativa de Tim participar com as outras crianças. em uma tentativa de fazê-la desacelerar;
Algumas das outras crianças de três anos Minnie desvencilhou-se e continuou subindo.
eram curiosas em relação a Tim e sua mãe. Elas Sua imprudência, misturada com sua capacida-
os observavam pelos cantos dos olhos. Após de de realizar essas proezas físicas, faziam sua
uma menininha ter se machucado em um brin- mãe sentir-se desconecta e um pouco inútil.
quedo, ela aninhou-se no colo da mãe; ela chu- O pai de Minnie adorava a intrepidez atlética
pava seu polegar e manuseava o vestido de sua de sua filha. Ele a valorizava intensamente. Va-
mãe como se estivesse imitando Tim. Quando lorizava sua capacidade de atingir objetivos
as outras crianças viram, elas olharam para Tim atléticos, e ela sabia disso. Havia um vínculo
e para a menininha. Elas tinham feito a associa- tácito entre eles. De tempos em tempos, ele di-
ção. A completa dependência de Tim era uma zia: “Minnie, você é incrível! Eu não posso
ameaça a todas elas, porque elas apenas recen- acreditar na rapidez com que você sobe no es-
temente haviam começado a viver por conta corregador!” Ela, entretanto, nunca parecia
própria. Um menininho correu até a Sra. responder a ele, embora ele acreditasse detectar
McCormick: “Põe ele no chão! Faz ele brincar!” um ligeiro sorriso após suas palavras de enco-
Nesta idade, todas as crianças ainda estão ela- rajamento. Minnie prestava pouca atenção ao
borando sua independência. É assustador ver pai quando ele tentava desacelerá-la com pala-
alguém representando sua própria luta. vras. Em vez disso, ele a atirava para cima no
ar. Ela gritava de alegria. Eles inventavam todo
Minnie entrou correndo na pracinha. Suas per- tipo de jogos juntos. Quando ela queria brincar,
nas e seus braços pareciam asas, seu rosto, an- pedia o “carrinho de mão”. Ele a segurava pelos
sioso. Enquanto corria, ela se inclinava para a tornozelos, a levantava e ela corria pelo chão
frente, como se suas pernas não fossem conse- com as mãos. Então, exausta, ela caía no chão
guir levá-la até aonde ela queria ir. “Ei, estou tão forte que seu pai se perguntava se não a
aqui!”, gritou ela para ninguém em particular. machucara. Ela ria de contentamento: “Mais!
Sua mãe caminhava silenciosamente atrás dela. Mais!”
Ela não esperava acompanhá-la. Durante estes Em desespero, a Sra. Lee incluía o marido
três anos, a mãe de Minnie tinha se perguntado quando era necessário disciplinar Minnie, mas
de onde Minnie tinha vindo. A doce, paciente as tentativas dele de corrigi-la eram provavel-
e cativante irmã mais velha de Minnie, May, mente quase tão ignoradas quanto as dela. Ten-
não tinha preparado seus pais para Minnie. Ela tar parar essa menininha ativa era como tentar
era diferente de tudo o quanto a Sra. Lee jamais represar um rio violento.
havia vivenciado. Um rolo compressor, ela nun-
ca parava de se movimentar. Ela escalava, ela A pracinha é freqüentemente a primeira aven-
saltava, ela testava cada peça de mobília, cada tura de uma criança no mundo mais amplo.
pedra da calçada, cada brinquedo da pracinha. Aqui, as crianças aprendem com e sobre outras
Enquanto sua mãe a observava, seu coração pal- crianças, sobre a individualidade de cada uma.
pitava a cada nova audácia da filha. A advertên- Os seres humanos são animais sociais desde o
cia, “Minnie, não suba até em cima até eu che- início. No começo, os bebês são “ligados” para
gar aí!”, foi ignorada. Minnie parecia ter sido procurar e envolver-se em relacionamentos. Por
engolida pela excitação física do movimento. volta dos três anos, eles não apenas aprende-
Ela tinha um tipo de imprudência que fazia sua ram, mas podem pensar sobre a importância
mãe exasperar-se ao observá-la. Quando a Sra. da comunicação e das relações com os seme-
Lee chegou ao “grande” escorregador, Minnie lhantes. “Você é meu melhor amigo.” Relacio-
já havia subido e descido do outro lado. Quanto namentos sustentadores com os pais estabele-
mais a Sra. Lee tentava acompanhá-la, mais cem o tom. Uma criança sabe o quanto pode
Minnie parecia acelerar-se. Quando Minnie ser recompensador olhar, falar, escutar, tocar e
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exigir atenção de um adulto importante. Os ir- Temperamento


mãos foram modelos para o aprendizado sobre
Na pracinha, as crianças deixam muito claro
relacionamentos ambivalentes – às vezes rivais,
suas diferenças individuais em suas brincadei-
às vezes carinhosos, mas sempre excitantes. Um
ras, na forma como fazem relacionamentos. A
irmão fornece os lados positivo e negativo de
forma como as crianças adquirem os próximos
um relacionamento apaixonado, bem como a
passos evolutivos variará de acordo com sua in-
oportunidade sedutora de envolver um pai, que
dividualidade, pressionando seus pais a encarar
tentará acabar com a rivalidade!
cada “momento decisivo” de forma diferente,
O grupo de iguais oferece às crianças uma
também. O temperamento, um conceito valioso
janela para dentro da qual elas podem olhar e
para os pais, descreve as diferenças no modo
ver a si mesmas. Freqüentemente, elas estão
como as crianças recebem, digerem e expres-
no mesmo estágio de desenvolvimento, lutando
sam suas experiências. O entendimento das
com os mesmos problemas, encarando as de-
variações de temperamento de cada criança
mandas dos próximos passos do desenvolvi-
pode nos esclarecer sobre a forma como a crian-
mento. Contudo, elas também são diferentes.
ça lida com novas experiências do desenvolvi-
As diferenças oferecem um caleidoscópio de ex-
mento, suas respostas a cada desafio que en-
periências, uma forma de testar quais poderiam
contra à medida que se desenvolve.
ser nossos próprios sentimentos. Uma criança
Certas mudanças do desenvolvimento, cer-
pode ver-se em um espelho, à medida que expe-
tos momentos decisivos, provavelmente serão
rimenta as reações de outra criança. A chance
perturbadores não apenas para os pais, mas
de brincar com seus iguais e modelar-se a partir
para a família inteira. No entanto, os pais que
de suas reações e seus estilos de aprendizado
aprenderam a entender o temperamento da
oferece a oportunidade para aprender sobre si
criança podem confiar na forma individual de
mesma.
cada criança preparar-se para um desafio,
As crianças de três anos são agora menos
transformando o tumulto em um evento mais
dominadas pelo angustiante negativismo. Não
previsível. O temperamento é constituído de
mais ligadas ao brinquedo paralelo das crianças
muitos fatores: nível de atividade, distratibili-
de dois anos (embora mesmo nesta idade, as
dade, persistência, abordagem/retraimento, in-
crianças já sejam mais interativas do que se
tensidade, adaptabilidade, regularidade, limiar
pensava antes), elas são agora capazes de pres-
sensorial, humor. Provavelmente, esses traços
tar atenção à outra criança de uma forma mais
sejam, em grande parte, inatos. Stella Chess e
complicada – lendo sinais, combinando ritmos
Alexander Thomas identificaram esses elemen-
de resposta, aguardando e ficando atentas à
tos do temperamentos das crianças e salienta-
outra resposta – o ritmo de interação. Elas po-
ram o quanto eles afetam poderosamente o re-
dem aprender a ler os choros da outra criança
lacionamento pais-filho. Chess e Thomas cria-
e responder a eles adequadamente. Desde o iní-
ram o termo ajustamento de boa qualidade para
cio, o bebê aprende a partir de interações com
descrever quão bem o temperamento do filho
cuidadores atenciosos; mas aprender como cap-
e dos pais pode misturar-se em um relaciona-
tar e responder a iguais com suas próprias agen-
mento íntimo e sustentador. Meu primeiro li-
das é um passo maior.
vro, Infants and Mothers, demonstra como o estilo
Com seus iguais, uma criança pode provar
ou temperamento do bebê afeta as reações dos
e experimentar seu próprio impacto sobre o
pais desde os primeiros dias. No processo de
mundo à sua volta. Ela pode começar a apren-
ajustamento, o bebê e o pai desenvolvem uma
der sobre si mesma como participante ativa no
previsibilidade de expectativas um com o outro.
mundo, não mais apenas dentro de sua própria
O entendimento dos pais em relação ao tem-
família.
peramento de seu filho limita a imprevisibili-
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neira como os pais entendem seu filho e inte-


ragem com ele, e as experiências (positivas e
negativas) que desafiam as estratégias usadas
para lidar com seu filho.
Por volta dos três anos, o temperamento se
tornou uma parte segura e reconhecível do rela-
cionamento pais-filho. Ele não pode mais ser
desconsiderado. Um pai não pode mais esperar
mudá-lo. A poderosa contribuição da criança
afeta cada aspecto da interação: comunicação,
atenção, cuidado e disciplina. A menos que seu
poder seja entendido, um pai pode facilmente
sentir-se manipulado e impotente.
Os pais são ajudados a entender o tempera-
mento do filho quando vêem a criança como
um participante ativo em seu relacionamento.
As chances de conseguir se ajustar aos ritmos
e à linguagem comportamental daquela crian-
ça – o “ajustamento de boa qualidade” – au-
mentam significativamente. Também ajuda,
quando os pais são capazes de entender seus
estilos particulares e de ver suas próprias rea-
ções como subjetivas.
dade das formas que tomarão as mudanças do Três agrupamentos de características variam
desenvolvimento. de acordo com cada criança e afetam a forma
Se os pais puderem aceitar e valorizar a for- como ela lida com seu mundo. Juntamente com
ma de saudação de seu filho e como ele dirige os ritmos individuais de sono, fome e outras
sua vida, eles darão uma contribuição positiva funções corporais, eles definem o temperamen-
para o senso de conquista e auto-estima da to da criança:
criança. Se os pais puderem apreciar o estilo 1. Orientação à tarefa – intervalo de aten-
do filho se proteger de sentimentos ou expe- ção e persistência, distratibilidade e nível
riências que o sobrecarregam, eles estarão de atividade.
apoiando seu senso de segurança. A primeira e 2. Flexibilidade social – abordagem/retrai-
mais importante tarefa de um pai é entender a mento (como uma criança lida com os
criança como indivíduo. Isso significa estar estímulos externos) e adaptabilidade.
atento, escutar, observar cada mudança em seu 3. Reatividade – limiar sensorial de respon-
desenvolvimento e as formas individuais com sividade (alto ou baixo), qualidade do
que ele domina seu ambiente. A nova energia humor e intensidade de reações.
requerida para cada nova tarefa é abastecida
quando uma criança encontrou suas próprias Observem as diferenças na maneira em que
estratégias para lidar com a mudança. Os aspec- as quatro crianças que acabamos de conhecer
tos estáveis do temperamento de uma criança abordariam a chegada a uma piscina. Marcy,
fornecem a base para a instabilidade e a excita- por exemplo, abordaria a tarefa com a determi-
ção que vêm com cada novo momento decisivo. nação de ser bem-sucedida. Se ela tivesse que
O temperamento é fixo? Ele é preditivo do vencer seus medos em relação a entrar em uma
futuro? De certa forma, sim. Mas muitas coisas piscina, ela observaria as outras crianças da sua
influenciam o temperamento; dentre elas a ma- idade. Ela as abordaria com “É divertido?”
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“Está fria?”. Quando elas a recebessem com cobrir o rosto com a blusa dela. À medida que
uma resposta, qualquer que fosse, ela sentiria ele gradualmente relaxasse em seu colo, pode-
um vínculo que a ajudaria a dominar sua ansie- ria espiar através da cortina que baixara. Com
dade. Ela olharia para seu irmão, Amos, e para um olho, ele observaria as outras crianças.
seus pais, para ver se eles estavam atrás dela. Quando elas gritassem, ele estremeceria. Se al-
Ela colocaria um pé na água para experimentá- guém sentasse ao lado de sua mãe, ele se retrai-
la. Deixando-o ali até acostumar-se com a água ria ainda mais em seu colo. Se o pai ou o irmão
e a temperatura, ela então escorregaria para tentassem persuadi-lo a sair de seu abrigo, seu
dentro d’água. Ela olharia para as outras crian- rosto se franziria. Ele se encolheria em uma po-
ças buscando aprovação. Se nenhuma respon- sição fetal e deixaria o mínimo possível de pele
desse, ela chegaria perto de uma outra criança à mostra. Sua mãe, sem intenção, reforçaria
na água. Logo elas estariam brincando juntas esse comportamento, protegendo-o da pressão
na piscina. a que o pai ou o irmão o estivessem submeten-
O temperamento de Tim seria claramente do. “Ele simplesmente não está pronto. Ele é
evidente em sua abordagem esquiva à piscina. muito sensível.” Enquanto isso, com um olho,
Ele ficaria assoberbado pelas várias visões e Tim assistiria à atividade das outras crianças
pelos sons reverberantes: o cheiro do cloro, os na piscina.
choros altos e os ecos do barulho das crianças Billy, entretanto, se precipitaria para a pisci-
na água, a alegria frenética. Lutando, mesmo na. “Oi, crianças!” De pé na borda da piscina,
apertado nos braços de sua mãe, ele conseguiria ele olharia em volta procurando um amigo. Ele
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observaria a atividade com fascinação, tão inte- vezes – uma vez ela tinha sofrido uma concus-
ressado que poderia inclinar-se para a frente e são, outra ela tinha quebrado um braço e a ter-
cair dentro da piscina. Se isso acontecesse, sua ceira ela tinha caído sobre uma pilha de casca-
mãe correria para retirá-lo. Engasgado e tossin- lho e arranhado seu rosto e seus braços. Contu-
do, o rosto vermelho, Billy soltaria um gemido do, ela sempre se recuperava, impávida e pronta
e um minuto mais tarde diria: “Me deixa ir. Eu para outra. Era sua mãe que mais sofria com
estou pronto.” Logo ele se tornaria o líder, en- os reveses de Minnie.
quanto nadasse em volta na parte mais rasa da Devido à impulsividade, freqüentemente a
piscina. Rindo, ele poderia respingar água na menina estava longe da ajuda de um adulto.
mãe: “Billy, pare com isso. Lembre-se de manter Era difícil acompanhá-la. Mas mesmo perto,
a cabeça levantada! Olhe pra você agora. Você ela podia criar problemas. Quando ela tinha 15
vai se engasgar.” Como se relembrando rapida- meses, sua mãe estava cozinhando, e Minnie
mente da tragédia recente, Billy pareceria estava quieta. Aquilo deveria ter sido um sinal
ansioso por um momento, mas então se voltaria de que alguma coisa estava errada, conforme
para as outras crianças. “Vamos brincar!” lembrou a Sra. Lee, mas Minnie a tinha esgota-
Minnie, naturalmente, correria para a pisci- do tanto que ela estava aliviada por estar sozi-
na, imprudente; sua mãe em alarmada perse- nha. Minnie estava brincando em um canto,
guição. “Minnie, cuidado! Isto não é uma pisci- de modo que parecia segura. Quando a Sra. Lee
na rasa. É de verdade. Não entre. Deixe-me olhou para a filha, viu, para seu horror, que
ajudá-la!” Mas Minnie simplesmente se jogaria Minnie estava bebendo avidamente de uma
na água. A água tinha que servir. Espirrando, garrafa de detergente. A Sra. Lee ficou apavo-
espalhando água, ela ficaria de pé para mergu- rada e ligou para a emergência. Quando a equi-
lhar. Ignorando as outras crianças, ela espalha- pe de emergência chegou, Minnie estava borbu-
ria água excitadamente. Quanto mais água ela lhando tanto que mal podia respirar. Ela foi le-
espirrasse, mais ela tossiria. Irreprimida, ela vada às pressas para o pronto-socorro e passou
correria na volta ignorando sua mãe, e estimula- a semana seguinte em tratamento intensivo,
da por seus apelos ansiosos para “acalmar-se”. borbulhando. Ela teve que ser colocada em um
Minnie poderia causar tanto tumulto na água ventilador a fim de que o oxigênio pudesse ul-
que as outras crianças começariam a evitá-la. trapassar as bolhas e chegar a seus pulmões;
Estas crianças, com seus diferentes tempe- sua sobrevivência parecia muito difícil.
ramentos, têm quase tanto efeito sobre seus Os pais de Minnie sentiram-se pressionados
pais quanto seus pais têm sobre elas. Elas es- contra a parede. Ela aprendeu com a crise? Não.
tão moldando o tipo de parentagem que estão Seus pais aprenderam? Sim. Eles aprenderam
recebendo, bem como seus próprios futuros. A a nunca confiar nela. Eles aprenderam que não
ansiedade inevitável dos pais sobre o futuro podiam deixá-la fora de suas vistas nem por
muitas vezes pode ser aliviada, se eles puderem uma fração de segundos. Eles recolheram ra-
aprender a aceitar – e até valorizar – o tempe- toeiras e venenos e tomaram precauções que
ramento de seus filhos e suas formas de respon- nunca haviam sido necessárias com sua primei-
der a dificuldades e novas experiências. ra filha. Eles trancaram armários, limparam
prateleiras. Cobriram todas as tomadas elétri-
cas. Eles seguiram as regras no folheto sobre
Uma “criança difícil” venenos e acidentes, enviado por um hospital
Os pais de Minnie enfrentaram problemas de infantil. Eles se abaixaram sobre as mãos e os
temperamento cedo. Uma criança ativa, que di- joelhos e olharam o mundo do ponto de vista
rige sua energia para realizações motoras, de uma criança pequena. Apesar de tudo isso,
Minnie sempre estava em dificuldades. Aos três Minnie ainda encontrava um jeito de envolver-
anos de idade, ela tinha caído seriamente três se em problemas.
30 Brazelton & Sparrow

Os pais de Minnie consideravam-na uma como uma forma de permanecer no foco de


criança “propensa a acidentes”. A Sra. Lee sen- seus pais. Isso era especialmente um risco para
tia-se na beira de um precipício quando estava Minnie, que podia perceber que era muito mais
com Minnie. Todo tipo de castigo – desde “sus- compensador para seus pais cuidar de sua filha
pensão” até mantê-la confinada em seu quarto, mais velha.
desde repreensão até a retirada de recompensas Minnie não era apenas imprudente. Ela era
– falhou. Minnie era impulsiva demais para muito adepta a proezas físicas. Elas eram sua
esse tipo de ação disciplinar breve. Durante as oportunidade de reconhecimento. Outras crian-
suspensões, ela esperava pacientemente, então, ças a admiravam. Mas ela raramente respondia-
uma vez liberada, prosseguia em seu comporta- lhes. Um menino de sua idade poderia dizer:
mento como se nada tivesse acontecido. Seus “Oi! Vamos andar de escorregador juntos.” Ig-
pais começaram a perceber que Minnie estava norado. “Ei, quer brincar comigo?” Ignorado.
dando pouca atenção a suas advertências com- Os pais de Minnie se perguntavam se não have-
preensivelmente gastas: “Cuidado! Tenha cui- ria algum problema com a audição de sua filha,
dado ou você vai se meter em problemas nova- pois ela parecia tão inacessível. Seus pais viam
mente.” Eles viam que sua tarefa era tentar que, quando brincava com uma criança de sua
fazê-la desenvolver um senso de responsabili- idade, ela tinha bastante consciência da outra
dade e consciência. criança, embora não parecesse interessada em
O perigo em ter que vigiar uma criança todo seu amiguinho. Talvez ela ainda não soubesse
o tempo até que ela seja capaz de assumir res- como demonstrar seu interesse por uma outra
ponsabilidade por si mesma é que toda essa criança. Quando seu pai tentava uma nova ati-
atenção dos pais perpetua a atividade impru- vidade, como jogar bola, era evidente que ela
dente. Como os pais podem estar em constante estava observando com atenção. Ela aprendia
vigilância para a próxima catástrofe, sem inad- o jeito dele de atirar a bola, observando-o. Não
vertidamente instigar a criança a ela? A criança é de admirar que o Sr. Lee fosse “fisgado”.
começa a experimentar a atividade imprudente
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 31

O repertório social limitado de Minnie alie- filhos estão aprendendo. O aprendizado de


nava os outros e a deixava isolada. Outras crian- Minnie ainda era expressado por comporta-
ças, por exemplo, já tinham consciência de que mento motor. Isso, juntamente com a indife-
deviam ficar em fila para andar no escorregador. rença de Minnie, fazia a Sra. Lee sentir-se inútil.
Seus pais os lembravam e continham. Eles pre- Sentindo-se inútil como mãe, cria um tipo de
cisavam dos pais para aventurar-se no escorre- desespero irritado, que pode tornar uma mãe
gador grande. Minnie não. Ela empurrava as ainda menos eficiente. A Sra. Lee se continha,
outras crianças de seu caminho enquanto corria ou reagia apenas experimentalmente, porque
para o escorregador. A Sra. Lee sentia-se inca- ela tinha medo de expressar sua brabeza em
paz de controlá-la e ficava embaraçada. Ela ten- relação a Minnie. Elas não tinham um relacio-
tava dizer: “Minnie! Espere! Não é sua vez! Ve- namento fácil.
nha aqui e eu espero com você.” Nenhuma res-
posta de Minnie. A Sra. Lee murchava por den-
tro. Ela sentia que Minnie tornava seu papel Aprendizado
na pracinha de mera observadora, não de par-
Curiosidade
ticipante. Ela observava os rostos das outras
crianças de três anos, invejando a obediência Por que as estrelas ficam lá no céu? A excitação em
delas às orientações de seus pais. Quando um aprender sobre seu mundo é evidente nas per-
pai dizia: “Não, apenas aguarde na fila”, as crian- guntas de uma criança de três anos sobre tudo.
ças paravam obedientemente, procuravam a Sua curiosidade nunca parece satisfeita. “Por
mão do pai, às vezes colocando um polegar na quê?” é um tema repetidamente recorrente,
boca. O par ficava em um tipo de entendimento todo o dia e até mesmo noite adentro.
e intimidade que a Sra. Lee tanto desejava. Um problema para os pais nesta idade pode
Minnie subia no escorregador novamente. ser dar respostas que tenham significado para
A Sra. Lee estremecia a uma fração de segundos uma criança de três anos. Tentar explicar por
de inabilidade. Minnie escorregava em um de- que um carro anda pode ser uma tarefa impor-
grau, mas rapidamente endireitava os pés e re- tante. Lembram da causalidade de uma criança
cuperava o equilíbrio. Sua mãe tinha que ad- de dois anos? “Se você der corda em um brin-
mirar sua flexibilidade. Ela tinha visto Minnie quedo, ele vai andar. Se você não der, ele não
andar cedo aos nove meses. Ela a tinha visto vai andar.” Se traduzido para a pergunta “Por
subir escadas aos doze meses e descer de volta que o carro anda?”, a resposta seria simples:
com competência. Ela a tinha visto escalar seu “Porque você gira a chave.” Mas o padrasto de
berço para descer aos dezoito meses. Minnie Billy agora acrescenta: “Você ouve o barulho
tinha ficado tão encantada consigo mesma que do motor? Ele liga quando eu giro a chave. A
a Sra. Lee podia festejar com ela. Mas sua velo- chave liga o motor. O motor é o que impulsiona
cidade incomodava sua mãe. Será que Minnie o carro a andar. Ouve isso? Quando eu desligo,
realmente precisava dela? ele pára.” A expressão de Billy é de espanto.
Qualquer uma das outras mães podia ter “Ohhh.” O padrasto observa a reação de Billy.
dito a Sra. Lee para ser firme e decidida. Por Ele parece reconhecer o poder da chave, da mão
que ela não podia? Minnie teria escutado, à sua que a girou, do motor invisível e do adulto que
maneira, assimilando alguma coisa, mesmo sabe tudo isso. Billy olha para o rosto de seu
que ela ainda não estivesse pronta para usá-la. padrasto como se fosse fazer a próxima pergun-
Mas era difícil para a Sra. Lee reconhecer por- ta: “Mas por que ele anda se você gira a chave?”
que Minnie era uma criança que ainda comuni- Como Billy poderia entender aquilo? Em vez
cava o que estava aprendendo por meio de sua disso, ele fala abruptamente: “Eu quero fazer
atividade mais do que por palavras. Os pais de isso.” Após algumas tentativas de girar a chave,
crianças de três anos já estão começando a con- ele salta do colo do padrasto para correr para
tar com a linguagem para saber quando seus seu carro de brinquedo. Ele salta para o assento
32 Brazelton & Sparrow

e faz o carro andar com seus pés. Como se não elevador anda?”, ele encontra sua resposta: “Eu
bastasse, e não bastava, ele sobe em seu triciclo consegui!” “Eu fiz ele andar!”
e tenta pedalá-lo para “fazê-lo andar”. A asso- A intensa tendência ao domínio que a crian-
ciação entre o “porquê” original e fazer o triciclo ça de três anos revela é um momento crítico
andar pode ter passado desapercebida para o em seu desenvolvimento e apresenta novas
adulto que observa. Não para ele. Em vez de complexidades para seus pais. Juntamente com
ficar intrigado pelo que ele não pode entender, seu novo esforço para entender “por que” e “o
Billy transformou essa simples comunicação que faz as coisas andarem”, está uma nova ca-
em uma ação que ele mesmo pode realizar. pacidade de testar essas perguntas. Com isso
Billy tem que absorver a relação causal entre vem a frustração e o desgaste quando ela se
o girar da chave e o movimento do carro. A depara com o que não pode entender ou com o
ânsia de Billy em entender esses passos e as que não lhe será permitido fazer para entender
vistosas explicações de seu padrasto dirigiram- e exercer seu domínio.
no para o triciclo, sobre o qual ele tem controle. O próximo dilema da Sra. Stone era por
Ele está se esforçando para fazer a associação à quanto tempo ela deveria deixar Billy operar o
sua própria maneira. Billy sabe que pode apren- elevador. Uma outra família entrou. A menini-
der fazendo. Ele não exige mais de seu padrasto, nha tentou empurrar Billy, e um outro acesso
porque ele sente os limites de seus poderes ex- estava para começar. A mãe da menininha ten-
planatórios; e o Sr. Stone se sente aliviado por tou contê-la. Billy triunfou. Mas a mãe de Billy
ficar livre de uma situação difícil. sentiu a importância de limitar suas ações. Ela
Um outro tipo de aprendizado é experimen- o puxou para perto de si. “Billy, você teve sua
tar alguma coisa: “Deixe-me fazer isso sozi- vez. Agora é a vez desta menininha.” “Eu quero
nho!” Com isso vem o apelo irresistível: “Me fazer! Eu quero fazer!” A outra família estava
ajude! Me mostre!” Billy e sua mãe estavam intimidada por suas exigências exaltadas. A
no estacionamento de um imenso centro co- Sra. Stone agarrou-o com força. “Sinto muito,
mercial perto de sua casa. Billy estava exausto, Billy. É a vez dela.”
e a Sra. Stone estava correndo para levá-lo para Para os pais, há um novo equilíbrio a ser
casa antes que ele se desgastasse. Enquanto ela considerado. Quando é hora de apoiar a explo-
o arrastava para dentro do elevador, ele tropeça- ração? Como um pai pode dizer quando a explo-
va e ficava para trás. Ela pegou-o no colo. “Va- ração foi longe demais e deve ser interrompida?
mos, Billy. Estamos indo para casa.” Ele chora- Um pai pode deixar-se levar pela tranqüilidade
mingava. A Sra. Stone apertou o botão sem pen- que vem com a limitação da exploração, mas
sar; a criança de três anos ao seu lado desfez- um outro – por medo de impedir a curiosidade
se em um acesso de gritos. “Eu queria fazer!” importante para o aprendizado – pode tolerar
Billy berrou. Sua mãe também estava cansada. risco ou dano suficientemente violento para
“Na próxima vez.” Billy continuou gritando. Ela amedrontar a criança. Ambos os pais podem
reconheceu sua “oportunidade perdida”. Eles temer a perda de uma certa intimidade.
subiram até parar. Ela então deixou Billy pres- Deve-se permitir que a criança experimente
sionar o botão para voltar para baixo; ele estava tudo? Toda pergunta deveria ser respondida?
de novo no controle e alegremente pressiona- Um pai gostaria de encorajar uma busca por
va e pressionava e pressionava. conhecimento, mas sem sobrecarregar uma
Tendo se tornado consciente de que o botão criança com respostas complicadas. A coisa
“fazia andar”, o passo seguinte de Billy é ver mais importante a ser lembrada é que a criança
que se “eu empurro o botão, eu faço ele andar”. desejará ter a sensação de domínio por si pró-
Uma sensação de poder! Uma criança de três pria. Seu mundo ainda faz sentido apenas
anos exige aquele poder e tem dificuldade em quando diz respeito a ela. A fim de entender,
abandoná-lo. Tendo se perguntado “por que o ela pode ter que agir, usar seu corpo, ver seu
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 33

corpo fazer as coisas acontecerem e também deria entender isso? A resposta atrapalhada do
ouvir suas perguntas respondidas. Nem limitar Sr. Jackson não pareceu adequada para ele.
a exploração, nem soltar as rédeas é certo todo Nem para Marcy, mas ele queria encorajá-la a
o tempo. Os pais terão que encontrar um equilí- fazer essas perguntas. O que ele deveria fazer?
brio que eles possam tolerar e que se ajuste ao Seu objetivo era não tentar ajudá-la a entender
estilo de aprendizado de seu filho. completamente, mas encorajar sua imaginação
inquisitiva. Muitas partes de nossas vidas são
Um dia, Marcy perguntou a seu pai: “Como complexas e difíceis de entender em qualquer
essas pessoas entram dentro da TV? Elas são idade. Se o pai de Marcy une-se a ela com sua
pessoas de verdade?” O Sr. Jackson mal sabia própria admiração, provavelmente ela não de-
como responder-lhe. “Que boa pergunta! Ligue sistirá de sua curiosidade. Ligar e desligar a TV
o aparelho e você tem uma imagem daquelas ajudou-a a dominar a pergunta. As respostas
pessoas. Quando você desliga, elas vão embora. eram apenas uma provocação.
Elas estão apenas representando para nós, em (Quando criança, eu me perguntava, na
algum lugar longe daqui, e a TV mostra suas época antes da televisão, onde estavam as pes-
atuações como uma imagem. Elas são pessoas soas no rádio da família. Meu irmão menor e
de verdade, mas elas não estão dentro da TV.” eu desmontamos todo ele para descobrir. Quan-
Marcy ligou e desligou a televisão. “Aonde elas do minha mãe chegou em casa e encontrou o
foram?” Pai: “Elas ainda estão aí. Você está ven- precioso rádio em pedaços no chão, nós acanha-
do a imagem delas. Quando você desliga, a ima- damente explicamos: “Estávamos procurando
gem delas sai de suas vistas. Mas elas ainda o locutor.” Eu me lembro da dificuldade que
estão lá em algum lugar. Elas ainda estão atuan- ela teve para esconder seu sorriso.)
do. Mas nós não as vemos.” Como alguém po-
34 Brazelton & Sparrow

Tim estava sentado na varanda com seu pai. gênero seja aprender sobre mamãe e papai e re-
Uma lagarta caiu da árvore sobre a mesa onde conhecer seus diferentes significados para ela.
eles estavam sentados. Ele e seu pai assistiam, As diferenças estavam lá desde o início. Pais
enquanto a lagarta se arrastava em cima da me- e mães têm ritmos diferentes. Já aos dois meses
sa. “Olhe aonde ele vai”, Tim sussurrou excita- de idade, os bebês aprendem as diferenças na
damente. O Sr. McCormick podia ver isso na comunicação e nas brincadeiras de seus pais.
observação concentrada de Tim e disse timida- Desde a mais tenra idade, os bebês reagem com
mente: “Tim, como você sabe que esta lagarta surpresa e prazer a uma mudança em suas ex-
é um menino?” Tim respondeu rapidamente: pectativas do ritmo com o qual aprenderam a
“Oh, ela é um menino.” “Como você pode di- interagir. Eles podem diferenciar mãe e pai por
zer?” “Seu cabelo é espetado para cima – exata- meio dos padrões de ritmo de suas interações.
mente como o meu.” Quando o bebê tem entre seis a oito meses,
a mãe agirá de uma certa maneira quando
brinca com ele. Se ele estiver acomodado em
Diferenças de gênero sua cadeirinha de bebê, ela se sentará calma-
As crianças de três anos entendem as coisas mente na frente dele, se inclinará sobre ele para
em termos concretos que se baseiam em suas envolvê-lo tranqüilamente com sua voz, seu
percepções; uma característica visível é sufi- rosto, suas mãos. Ela dirá: “Olá! Você pode dizer
ciente para colocar alguma coisa em uma cate- olá para mim?” “Gugu.” “Isso. Agora outro.”
goria. Diferenças genitais estão fora da visão a “Gugu.” “Mais um.” O bebê olha para ela com
maior parte do tempo, portanto, elas não são olhar suave. Os braços, as pernas, o rosto se
predominantes nas mentes de crianças de três animam e se estendem, para recolher-se em rit-
anos. Se fosse pressionado a nomear as diferen- mos tranqüilos e leves. Esses ritmos calmantes
ças entre um menino e uma menina, Tim se se tornam o que o bebê espera de sua mãe.
referiria aos atributos que ele mais vê: cabelo Não com os pais. Um pai excita naturalmen-
comprido; meninas usam vestidos, meninos te. Quando os pais se sentam na frente de um
não; meninas brincam com bonecas, meninos bebê, eles recostam-se como se estivessem in-
não. Características simples distinguem dife- teiramente confortáveis. Então, como se para
renças importantes. alertar o bebê muito quieto, eles começam a
Uma percepção importante para uma crian- cutucá-los. Eles cutucam dos pés até o topo da
ça de três anos é que todo mundo é um menino cabeça. O bebê de dois meses se sobressalta,
ou uma menina, e eles são diferentes. “Como então se ativa parecendo ansioso e surpreso.
você sabe se é uma menina?” “Porque ela não Seu rosto se ilumina, os ombros para cima, os
é um menino.” “Mas como você sabe?” “Eu dedos das mãos e dos pés apontados na direção
apenas olho.” “A mamãe é uma menina?” “Não, do pai. O pai começa a cutucar novamente –
ela é uma mamãe!” “Bem, quem é menina?” do pé à cabeça. Ele cutuca três vezes. O bebê
“Susie.” “O papai é um menino?” “Não, bobo. solta gritinhos de prazer a cada vez. Todo seu
Ele é um papai.” “Quem é menino?” “Eu.” corpo mostra as diferentes expectativas que
Uma criança de três anos sabe que meninos foram estabelecidas por essa diferença previsí-
e meninas não são iguais e nunca serão, embora vel nas rotinas da brincadeira. Por volta das oito
um menino possa dizer acanhadamente: “Quan- semanas, o bebê assumirá uma aparência de
do eu crescer, eu quero ser uma menina.” Ele antecipação, aumentada quando ouve a voz ou
sabe e também sabe que sabemos. vê o rosto de seu pai. Daí em diante, seu pai o
Quem apresenta as diferenças mais óbvias, saúda com brincadeiras vigorosas.
mais significativas? Mamãe e papai. Não é de Violações de ritmos, violações de expectati-
admirar que uma das primeiras tarefas na busca vas que foram criadas no brinquedo rítmico
de uma criança de três anos por si mesma e seu desde a infância se tornam uma fonte garantida
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 35

para humor. Mesmo com bebês, primeiro esta- tinas diárias; elas são reconfortantes e, quando
belecemos um ritmo quando brincamos de es- são quebradas, podem até ser divertidas. Pais
conde-esconde. O ritmo molda a expectativa. como o Sr. Lee têm um papel especial nesse
Então, quando violamos a expectativa quebran- aprendizado.
do o ritmo, o bebê ri. Esses jogos se tornam Ele descobriu que a gangorra era feita para
ainda mais prováveis ao final do primeiro ano. esse tipo de aprendizado. Ele estabelecia a ex-
As violações se tornam oportunidades para pectativa com subidas e descidas regulares. En-
o bebê aprender sobre expectativas. Elas evo- tão, ele quebrava o ritmo, parando a gangorra
cam o comportamento do bebê para restabele- no meio, ou batendo com ela no chão. Os gestos
cer o que ele esperava. O humor vem de um e paroxismos de risadas de Minnie faziam o Sr.
conhecimento compartilhado: o bebê sabe que Lee sentir-se como um rei.
sabemos que ele sabe que o que ele esperava
acontecer mudou. Os pais usam isso repetida- É fácil reconhecer como cada criança já come-
mente, porque sempre resulta em uma reação. çou a absorver de forma diferente as diferenças
Qualquer bebê conhece isso como uma diferen- de gênero. Aos dois anos, um menininho anda
ça entre pais e mães. Os pais tendem a transmi- como seu pai, os braços balançando. Uma meni-
tir humor naturalmente. No começo, eles ofere- na não apenas caminha como sua mãe – obser-
cem à criança uma “violação” do que ela espera. vando a mãe e a irmã se afastando dela – mas
As mães são para fazer carinho, para alimentar inclina a cabeça suavemente, quando quer ser
e para outros negócios sérios. Os pais são para atraente. Seus gestos (especialmente sob pres-
brincar – mesmo quando o bebê tem apenas são) imitam facilmente os membros femininos
dois meses! de sua família, incluindo irmãs mais velhas.
Sempre fiquei maravilhado de ver a rapidez
O Sr. Lee adorava brincar com Minnie. Quando com que uma criança pequena repete o compor-
ela era bebê, ele descobriu que ela respondia tamento de uma mais velha. Enquanto uma
quando era surpreendida. Eles passavam do es- criança de dois ou três anos domina uma tarefa
conde-esconde para jogos de canções, nos quais em passos quando um adulto a apresenta, ela
eles irrompiam com uma exclamação para sur- absorve a tarefa inteira quando uma criança
preender o outro, a jogos de embalo à noite de quatro ou cinco anos a realiza. O que, então,
antes de dormir. Ele embalava, embalava, em- influencia uma menina de três anos como
balava, até que Minnie parecia serenar. Então, Marcy a aprender uma forma “feminina” de
ele parava de provocá-la. Ela ficava tão excita- atuação, quando seu irmão mais velho é um
da que não dormia. Sua mãe tinha que dar um modelo tão poderoso para ela? Seu senso de si
fim a esse jogo. mesma como mulher já deve ser um determi-
Tão logo começou andar, Minnie subia no nante poderoso. Por exemplo, quando ela imita
colo de seu pai quando ele estava sentado. a mamãe, o papai pode tornar-se mais acessível
“Vavá! Vavá!” Ele sabia que era “Fui a cavalo e curioso. Se ela começa a caminhar como seu
para Boston; Fui a cavalo para Lynn; Fui a irmão, ninguém na verdade aprova. Isso não é
cavalo para Boston; Opa! Caí!” No “Opa”, ele expressado abertamente em muitas famílias,
lançava Minnie no ar com seu pé e a apanhava mas sutilmente. As diferenças sutis, mas defini-
enquanto ela caía. Ela adorava esses jogos. E das nas expectativas desde o nascimento, tam-
ele também. bém podem ser uma resposta de um dos pais a
Expectativas são aprendidas e são importan- diferenças sutis, mas reais, no comportamento
tes de aprender em qualquer idade; elas são do bebê recém-nascido.
feitas para serem quebradas e para serem expe- Aos três anos de idade, diferenças sutis no
rimentadas. Dessa forma, uma criança aprende comportamento já são tratadas diferentemente
a importância das regras de vida. O humor cer- pelos pais. Quando Marcy se portava como sua
tamente ajuda. Uma criança acostuma-se a ro- mãe, ou imitava a sua linguagem, ambos os pais
36 Brazelton & Sparrow

culares. Ela correu para o escorregador grande.


“Olhe, Papai. Este é assustador. Eu consigo su-
bir.” Ela subiu desajeitadamente a escada até
em cima. O Sr. Jackson correu para pegá-la no
caso de ela cair. Ela olhou para ele lá de cima
com um sorriso forçado. “Eu não tenho medo.
Está vendo?” Ela se inclinou sobre o último
degrau, ficando sobre o estômago enquanto
descia o escorregador. Essa foi sua primeira
tentativa nessa nova técnica, e ela não tinha
consciência da possibilidade de cair de rosto no
chão ao final da descida. O Sr. Jackson correu
para pegá-la quando ela chegasse ao chão.
Quando ele a pegou, ela olhou para ele agrade-
cida. Em uma tentativa de ser triunfante, ela
disse: “Eu não estava com medo.” Mas seu pai
estava.
O movimento corajoso de Marcy atraiu uma
outra menininha. Minnie lançou-se para o es-
corregador para imitar o triunfo de Marcy. A
Sra. Lee saltou de seu banco para proteger sua
filha propensa a acidentes. Minnie escalou o
escorregador, sentou-se e deslizou. Agora, cabia
a Marcy imitá-la. O Sr. Jackson desejou ter po-
dido levá-la dali. Não conseguiu! Marcy come-
tinham uma resposta recompensadora. “Marcy, çou a subir, escorregando uma vez. O coração
você parece exatamente sua mãe.” A observa- do Sr. Jackson parou. Ela conseguiu, sentou-
ção de seu pai poderia vir com um tapinha cari- se e deslizou. “Agora Marcy, você já conseguiu.
nhoso, um tom de voz de aceitação. Marcy reco- Vamos fazer outra coisa.” Marcy deu a Minnie
nhecia um tipo de comunicação com ele que um último olhar, mas acompanhou seu pai até
seria difícil para ela evocar de qualquer outra o outro lado da pracinha. Seu andar era um
maneira. pouco como o dele. Seus gestos até se tornaram
Na pracinha, Marcy reuniu-se alegremente um pouco mais como os dele. Ela olhava-o de
às outras crianças de sua idade, e elas monta- baixo com adoração. Ela tinha usado palavras
ram uma casinha de brinquedo. Elas usaram para convencer-se de que não tinha medo. Seu
utensílios da caixa de areia e imaginaram uma pai quase acreditara nela, e ela também.
casa e um forno de faz-de-conta. Cada criança
tinha sua própria receita. Marcy dizia: “Aqui
está seu chá, querida. Beba.” Muito disso era Linguagem e fala
em imitação a sua mãe. A Sra. Jackson tinha Aprender a linguagem é uma nova aventura
que rir enquanto observava e escutava sentada excitante para uma criança de três anos. Ela
no banco. Os gestos de Marcy eram precisos. tenta evocar reações com sua fala. Ela está des-
Quando Marcy arrumava o cabelo com uma cobrindo que a fala influencia os outros. A lin-
mão, a Sra. Jackson se reconhecia naquele gesto. guagem também está moldando seu entendi-
Quando o Sr. Jackson chegou na cena, o mento do mundo à sua volta e ajudando-a a
comportamento de Marcy mudou. Seus movi- moldar seus próprios pensamentos. As palavras
mentos, que tinham tido uma qualidade suave, dão a uma criança um novo poder sobre si mes-
fluida, se tornaram mais vigorosos, mais mus- ma e o mundo, simplesmente porque ela está
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 37

tendo consciência de quão poderoso o mundo uma correção sutil mostra que Minnie tinha
à sua volta pode ser. sido ouvida e que suas palavras são importan-
tes: transmite uma mensagem de respeito.
Mais adiante, ainda em seu terceiro ano, um Minnie começava a escutar mais a si mesma.
novo desenvolvimento em Minnie pegou a Sra.
Lee de surpresa. Ela não tinha imaginado que, A fala, e o uso de palavras com autoridade, é
em algum ponto, o ritmo de Minnie diminuiria crucial para a criança de três anos. Sem pensar,
quando seu interesse pela linguagem se desen- os pais as ajudam a sentir-se ainda mais compe-
volvesse. Agora, algumas palavras de sua mãe tentes ampliando o vocabulário de seus filhos.
prendiam a atenção de Minnie. Ela freqüente- Após uma criança de três anos ter deixado es-
mente respondia a sugestões como “Você conse- capar um substantivo e um verbo, ela será capaz
gue andar no escorregador grande?”. Isso resul- de completar a frase. A criança de três anos está
tava em uma demonstração da parte dela, para ansiosa para assimilar as novas palavras que
espanto de sua mãe. Mas, se a fila no escorre- significam que ela foi entendida. Na verdade,
gador fosse muito longa, ou se houvesse qual- é assim que as crianças aprendem a formar fra-
quer outra distração, Minnie mudava de direção ses e a aumentar seus vocabulários. A exposição
como se a mãe nunca tivesse feito a pergunta. à linguagem é necessária para aprendê-la.
Se o pedido envolvesse alguma coisa menos Igualmente importante são as emoções que
atraente, Minnie poderia nem perceber que vêm com a comunicação. A satisfação interior
haviam falado com ela. Quando a Sra. Lee viu de ser entendida e o reforço externo do poder
que Minnie era capaz de captar e responder a das palavras impulsionam o aprendizado da lin-
orientações verbais, ela ficou confusa pelo fato guagem para a frente. Uma criança de três anos
de que às vezes ela o fazia e às vezes não. Ela fica encantada com ambos. Ambos são apoia-
não podia deixar de interpretar as ocasiões em dos pela impressionante capacidade das crian-
que Minnie não a escutava como uma rejeição. ças dessa idade de absorver nova linguagem,
Ela ainda não entendia que a capacidade de uma capacidade que ultrapassa em muito a de
Minnie seguir orientações dependia do que es- seus pais!
tava acontecendo a mais em torno dela e de Crianças dessa idade quase sempre assimi-
seus próprios impulsos interiores. lam as palavras ativas essenciais da frase de
Quando Minnie estava preparando-se para um adulto. “Tire suas calças” pode mudar para
sair correndo, a Sra. Lee tentou várias táticas: “tira calça”. “Coloque seus sapatos”, para “colo-
“Vamos brincar com sua bola.” “Pegue sua bo- ca sapatos”. Ou uma ordem: “Cinto de seguran-
neca e a segure no colo.” Ou ela dizia alguma ça, vovô.” Juntamente com as muitas palavras
coisa espantosa para prender o interesse de Mi- novas que uma criança aprende no terceiro ano,
nnie: “Olhe aquele menininho correndo! Apos- aprende novas formas de juntá-las em frases.
to que você pode correr mais rápido do que ele!” Seus ritmos e inflexões de fala também imita-
Minnie começou a imitá-la. “Meninos cor- rão aqueles dos adultos à sua volta. “Eu não
rendo.” “Isso, Minnie. O menino está corren- QUERO aquilo” ou “Não me EMPURRE”. Essa
do.” Minnie desacelerou o suficiente para falar grande etapa de produções monotônicas de
sobre o menino que estava indo tão rápido. uma criança de dois anos poderia facilmente
Então ela saiu ao encalço dele. Minnie ainda passar despercebido. É um outro sinal da forte
era mais ação que conversa. necessidade da criança de comunicar-se. O sen-
Mas a mãe de Minnie estava começando a timento de controlar o mundo através da lin-
usar a nova abertura de Minnie à linguagem, guagem é excitante para uma criança. Mas,
para moldar seu comportamento. Se ela tives- quando ela pode falar e pode imitar a fala e os
se corrigido diretamente a fala de Minnie, ela gestos de outros à sua volta, torna-se parte do
teria se afastado e parado de escutar. Mas repe- mundo deles.
tir sua frase e, ao mesmo tempo, incorporar
38 Brazelton & Sparrow

Billy queria tanto comunicar-se e agradar


os adultos à sua volta que ele freqüentemente
gaguejava. Ele dizia: “E-e-e-e eu não posso.”
Às vezes, ele ficava tão frustrado que se lançava
ao chão, gritando: “Eu não posso dizer isto.”
Ele era determinado, mas suas idéias atropela-
vam sua capacidade. Seu rosto se contorcia,
suas mãos se agitavam. Ele parecia ansioso e
infeliz. A Sra. Stone tentou ajudá-lo. “Calma,
Billy, você consegue.” Ele protestava com os
olhos. Ela procurava o que ele poderia querer.
Ele sentia o desespero dela bem como o seu
próprio. Mas quando finalmente ele relaxava,
suas palavras transbordavam.
Muitas crianças de três anos passam por
uma fase de gagueira ou disfluência (dificulda-
de em começar a falar). É o desejo de falar
adiante de sua capacidade. Se ninguém ficar
muito envolvido nisso, ou colocar mais pres-
são sobre uma área já oprimida, a gagueira e a
disfluência provavelmente desaparecem em
alguns meses.
A gagueira de Billy pareceu desaparecer
quando ele adquiriu mais fluência em sua fala.
A rápida arrancada na linguagem a partir Foi como se suas palavras tivessem emparelha-
do segundo ano é um outro momento impor- do com as novas idéias e perguntas girando em
tante para a criança de três anos. Aprender sua cabeça. Ele dançava enquanto falava; usava
como atrair e seduzir as pessoas é uma motiva- suas mãos, seu rosto, todo seu corpo. Quando
ção e tanto. A descoberta de que a fala pode enfatizava um substantivo em sua fala, seus
fazer as coisas acontecerem é significativa. Ela ombros se levantavam, suas mãos quase repre-
sabe agora o quanto as palavras podem ser sentando a palavra. A Sra. Stone estava maravi-
poderosas não apenas para expressar-se, mas lhada pelo súbito aumento de vocabulário de
também para controlar o que acontece em volta seu filho e pelos novos conceitos que ele podia
dela. Entretanto, a frustração com sua capaci- representar. “A vaca pulou sobre a lua” – Billy
dade ainda limitada de usar o poder da lingua- saltava e apontava para o céu. “Onde Billy
gem pode levar à gagueira, à tartamudez e aprendeu isso? Ele estava adquirindo esses con-
mesmo a acessos de raiva. Ela sabe o que quer ceitos teatrais na escola maternal?” Todo pai
dizer, o que torna não ser capaz de dizer ainda de uma criança de três anos experimenta es-
mais difícil de suportar. Quando ela se desespe- panto e admiração pela absorção do filho de
ra, é sua consciência de ser incapaz de realizar todas as coisas novas como uma “esponja”.
esse poder que a deixa tão devastada. É nesses Quando a criança de três anos absorve alguma
momentos que os pais podem achar que devem coisa que eles ofereceram, os pais sabem que
proteger seu filho da frustração completando são importantes.
as frases para ele ou realizando seus desejos Billy aprendeu como seduzir todo mundo.
antes que ele os tenha expressado. Esse é o mo- “Oi. Eu sou Billy.” Quando isso não funcionou
mento de os pais recuarem e confiarem na frus- por si só, ele aprendeu a levantar a mão para
tração para motivar a criança a dominar esse atrair os adultos. Aprendeu a usar palavras em
passo por si mesma. suas brincadeiras para atrair seus pares. A lin-
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 39

guagem corporal oferecia um outro conjunto aumentaram a preocupação da Sra. McCormick.


de significados para ampliar o efeito de suas A gagueira era um lembrete constante das
palavras. Ele pedia um brinquedo de uma outra desconcertantes diferenças de Tim, que ela
criança. “Eu posso?” Nenhuma resposta. “Eu achava difícil encarar. Ela consultou o médico
quero ele.” Nenhuma resposta. “É meu. Eu do menino, que tentou tranqüilizá-la. Mas isso
peguei.” Nenhuma resposta. Billy apertava os não funcionou. Ela não podia suportar. A luta
punhos, inclinava-se para a frente e ficava en- de Tim continuou. Finalmente, o Sr. McCor-
carando o outro. Quando a outra criança se mick tentou aliviar a situação. “Não aumente
desmanchava em lágrimas, Billy poderia até a coisa. Ele já está preocupado. Eu acho que
dizer “Desculpe” e afagar a criança em prantos sua ansiedade está contribuindo para isso.”
para consolá-la. Mas ele ia embora com o brin- “Mas o que acontece se ele continuar gaguejan-
quedo. do? Como você sabe que eu não o ajudo, tentan-
Como mãe experiente, a Sra. Stone contri- do fazê-lo se acalmar?” “Porque ele simples-
buiu pelo menos com três coisas: (1) ela ajus- mente parece ficar pior e mais contorcido quan-
tava conceitos excitantes à sua própria maneira; do você tenta.” O Sr. McCormick estava certo;
(2) ela oferecia a Billy bases para lembrar e ex- a pressão não ajuda a resolver o problema de
pressar idéias lendo para ele (a vaca e a lua); gagueira da criança. É mais sensato ser paciente
(3) ela evocava a fala através de suas perguntas e esperar (antes de procurar ajuda de um espe-
e acrescentava sua própria excitação vital a tudo cialista de fala) para ver se isso se resolve espon-
o que eles liam ou conversavam. taneamente. A gagueira freqüentemente desa-
parece quando a capacidade motora oral da
Para Tim, linguagem e fala eram tanto excitan- criança emparelha com sua capacidade mental.
tes quanto apavorantes. Tim era calado em si- “Que tagarela!” Marcy agora fala sem parar.
tuações sociais. Ele se protegia em um ambiente Sua conversa constante mostra o quanto ela
ruidoso e ficava quieto quando estava em um está motivada a aprender a comunicar-se com
grupo. Mas, quando estava em casa, sua fala sucesso. Ela está quase desesperada para ali-
era bem desenvolvida. Tim podia expressar-se nhar suas novas capacidades de linguagem com
em frases com verbos e um substantivo adequa- as novas coisas que ela pode fazer, ou quase
damente colocados. Também podia usar pala- faz, ou desejaria poder fazer. Cada frase repre-
vras e conceitos sofisticados: “Mamãe, eu ob- senta um enorme impulso para aprender sobre
servei a lua. O que faz ela brilhar?” seu mundo e como influenciá-lo. Às vezes dizer
Quando já estava falando há vários meses, alguma coisa compensa não estar pronto para
ele começou a gaguejar. “E-e-e-eu tenho que i- fazê-la ainda.
i-i-ir ao banheiro.” Seus pais ficaram surpresos. “Não me diga pra sentar no vaso”, diz Marcy
“Tim, calma. Você não precisa se apressar tanto. para que sua mãe pare de pressioná-la a ir ao
Então você não vai gaguejar assim.” “E-e-e-eu banheiro. Sua mãe terá agora que pensar duas
não posso evitar.” “Tudo bem. Mas, se você for vezes antes de pedir para Marcy ir ao banheiro.
mais devagar, ficará mais fácil.” Era quase como Marcy aprende o quanto sua fala pode ser pode-
se Tim precisasse demonstrar seu problema, e rosa para influenciar os outros. Mas ela pode
tagarelava em cada oportunidade. Ele era até descobrir que, quando fala, ela terá que agir de
um pouco mais expansivo. Mas com cada ex- acordo com o que disse. Ela pode deixar escapar
pressão vinha a gagueira. algo como “Eu não preciso ir ao banheiro agora”,
A Sra. McCormick ficou impaciente. “Tim, em resposta à pressão de sua mãe. Mas assim
apenas tente. Não continue gaguejando.” que disse isso, ela ficou confusa. Ela não pode
Quanto mais ela se preocupava e deixava Tim ir ao banheiro nesse momento ou ficará desmo-
ver sua preocupação, mais ele gaguejava. Ele ralizada. A fala se torna uma forma poderosa
começou a contorcer o rosto, a empertigar os de criar expectativas e responsabilidades para
ombros, a ficar tenso antes de falar. Esses gestos si mesma.
40 Brazelton & Sparrow

A Sra. Jackson começou a perceber que fascinada pelo poder dos misteriosos símbolos
Marcy usava diferentes inflexões com diferen- a ponto de contar uma história que finge que
tes pessoas. Com uma criança da mesma idade: pode ler. Com a repetição, ela pode tentar me-
“Eu quero isso.” Com sua mãe: “Dá pra mim, morizar histórias simples, como se já pudesse
mamãe.” Com seu pai, nunca era uma ordem, realizar seu desejo de ser capaz de ler. Uma
mas um pedido: “Posso pegar, papai?” E, para criança de três anos como esta não precisará
surpresa de sua mãe, ela perguntou à sua avó: ser estimulada; sua própria motivação – que
“Vovó, eu posso brincar com isso, por favor?” pode tão facilmente transformar-se em frus-
Marcy estava começando a aprender boas ma- tração – deve ser protegida.
neiras. A Sra. Jackson percebeu que ela já esta-
va diferenciando pessoas e ajustando o que di-
zia a elas. Tempo e espaço
Marcy estava aprendendo que as palavras A criança de três anos não consegue ler um reló-
podiam levar seus pais a uma ação. Ela podia gio, mas pode usar palavras para organizar o
usar adequadamente sua capacidade de imitar tempo. Ela pode experimentar suas idéias sobre
falas. Marcy se dirigia a seu pai com o mesmo tempo com palavras e ver se elas funcionam
ritmo, os mesmos tons que sua mãe usava. O ou fazem os pais parar com suas objeções. As
Sr. Jackson respondia como se estivesse falando rotinas do dia de uma criança contribuem para
com sua esposa. Marcy dizia: “Venha cá, queri- seu aprendizado sobre tempo. Hora do lanche,
do.” Ele ia. E ambos caíam na risada. hora da sesta, hora do jantar, hora do banho,
A criança de três anos pode descobrir outras hora de dormir – essas são as horas do relógio
maneiras nas quais as palavras são poderosas. da criança de três anos. Ela está pronta para
A babá de Marcy relatou que Marcy estava dizen- esperá-las. Sua natureza dependente previsível
do “droga” e “merda” quando seus pais saíam à a ajuda a abandonar a atividade em que está
noite. Quando ela corrigiu Marcy, a criança dis- envolvida e passar para a seguinte. Tornando
se: “Mamãe e papai não vão me deixar dizê- as horas invariáveis, contudo, salientando que
las, também.” Ela estava experimentando no- elas inevitavelmente terminam, os pais podem
vas palavras que tinha ouvido de seu irmão diminuir os conflitos que surgem com as horas
mais velho, testando o poder delas, testando regulares indesejadas. “Você sempre tira um co-
sua babá. Marcy tinha em seu poder uma nova chilo depois do almoço.” “Por quê?” “Porque é
maneira de atingir os adultos. A curiosidade hora da sesta.” “Mas eu não estou cansado.”
de Marcy sobre essas palavras cujo poder era “Você pode levantar, quando a hora da sesta
evidente, mesmo que seu significado lhe fosse terminar.”
desconhecido, estava guiando a testagem e o Essas respostas não satisfarão uma criança
aprendizado. de três anos; ela precisa saber por que a hora é
Uma criança de três anos também descobre importante. “É dia, mas a noite está chegando.”
o poder da palavra escrita, especialmente quan- “É hora do papai chegar em casa.” Um dia,
do ela foi exposta a livros. Aos três anos, os quando Marcy e seu irmão estavam brincando
livros há muito deixaram de ser para mastigar, fora de casa, ela olhou para o céu. “Quando as
esmigalhar ou arrastar pela casa. Uma criança nuvens aparecem, é dia. Você não pode vê-las
de três anos que foi exposta a livros sabe que à noite. Quando as nuvens aparecem, eu não
eles têm histórias para contar, que as histórias tenho que ir para a cama.”
têm um início e, se elas puderem esperar e escu- O tempo, assim como outros novos concei-
tar, um fim. Ela pode até ter algum senso de tos, adquirem significado na medida em que
que as marcas pretas na página são chamadas têm relação com a vida de uma criança. Ela
de letras e que “ler” é quando os pais olham as experimenta o mesmo espaço de tempo de for-
letras e sabem o que dizer. A criança de três ma diferente em várias circunstâncias. “Em
anos sabe que não pode ler, mas pode ficar tão
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 41

quinze minutos, nós iremos ao supermercado” vesse que deixá-lo na creche. A princípio ele
provavelmente parecerão intermináveis quin- chorou. Mas, então, ele teve uma idéia que o
ze minutos. Mas “em quinze minutos, você terá ajudou a aceitar isso. Uma manhã, ele pergun-
que ir para a cama” parece extremamente curto. tou à sua mãe (ele estava tentando não chorar
Minnie estava deslizando no escorregador, na frente dela): “Que dia é hoje?” “É terça-feira,
repetidamente. A Sra. Lee advertiu-a: “Minnie, Billy.” “Não, eu quero dizer é dia de trabalho
daqui a quinze minutos nós temos que ir. Te- ou dia de casa?” “Você quer dizer para mim?”
nho que ir para casa fazer o jantar. O papai pode Ele sacudiu a cabeça afirmativamente. “É dia
até já estar lá.” Quando a hora chegou, Minnie de trabalho.” “Quando vai ser um dia de casa?”
ignorou-a. “Já se passaram os quinze minutos, “Amanhã.” “Oh.” Billy estava aprendendo a
chega”, disse a Sra. Lee interrompendo sua pró- medir o tempo de uma forma que uma criança
xima subida no escorregador. “Agora!” Minnie de três anos é capaz de fazer, ou seja, de acordo
agiu como se estivesse machucada e se atirou com quando os eventos importantes em sua
no chão, gritando. A Sra. Lee estava num dile- vida ocorrem. Perder sua mãe era um pouco
ma. Ceder ou fazê-la cumprir as advertências? mais fácil quando ele sabia que podia antecipar
Naturalmente, a última alternativa parece mais as separações e contar com os reencontros.
apropriada. Não se podia esperar que Minnie
cedesse, mas a Sra. Lee lhe tinha dado bastante O aprendizado sobre espaço surge quando uma
tempo para preparar-se. Agora era hora de ir. A criança tem três anos ou três anos e meio. “A
menina estava aprendendo sobre limites de mamãe saiu. Mas ela está voltando.” A criança
tempo. Tempo também significa que um acon- de três anos pode imaginar onde ela foi? “Pa-
tecimento termina e um outro começa. A mu- pai está no escritório. É em um outro edifício –
dança é desafiadora para qualquer criança de muito longe daqui.” “Mamãe foi buscar livros
três anos. Embora a preparação ajude a lidar na biblioteca.” É difícil saber que imagens isso
com transições, elas não serão necessariamente evoca para uma criança de três anos.
tranqüilas. O espaço é organizado em torno do que está
Quando uma criança tem três anos, o tempo dentro do alcance da criança, ou está muito
passa por um relógio interno subjetivo, que é alto, do que está dentro de seu ângulo de visão,
muito mais irresistível do que os relógios nas ou dobrando a esquina – e ainda é lembrado.
paredes, que são misteriosos e indecifráveis. Espaço contém uma implicação de ação de sua
Quando Minnie e seu pai estavam caminhan- parte. “Onde você dorme?” “Em meu quarto,
do no parque, ela gritou excitada: “Veja! Uma bobo.” “Mas onde ele fica?” “Do lado do quarto
flor!” “Você sabia que hoje é o primeiro dia de da mamãe e do papai.” “Onde ele fica?” “Eu
primavera?” Minnie olhou para seu pai intensa- caminho no corredor e passo a porta deles.
mente e perguntou: “E amanhã é o primeiro Então, é a minha. Se você vai ao banheiro, tem
dia de verão?” O tempo interior – menos de- que caminhar muito.” Ele visualiza sua porta,
marcado pelo mundo à sua volta – expande-se imaginando-se caminhando até ela. Atividade
e contrai-se de acordo com o sentimento do e espaço estão estreitamente ligados – a criança
momento. O tempo exterior ainda é tão longo, precisa movimentar-se para aprender sobre es-
tão curto, tão difícil de entender! paço; então, ela pode nomear os lugares e as
Eventualmente o tempo – tão difícil para relações no espaço que veio a conhecer através
uma criança de três anos medir – dirá quando dessa atividade.
se deve esperar separações e quando elas ter- O uso da linguagem para explorar idéias
minarão. Uma separação pode parecer durar também modela o senso de espaço de uma
para sempre, mas um sentido de tempo e de criança de três anos. Sobre, sob, acima, abaixo,
sua importância logo será útil. A mãe de Billy dentro, fora e especialmente “muito alto” são
trabalhava meio expediente, e todo mundo es- palavras que ela passa a entender. “O brinquedo
perava que Billy chorasse, quando sua mãe ti- está embaixo da mesa.” “Você pode colocá-lo
42 Brazelton & Sparrow

em cima da mesa?” “Claro.” “Quando você faz olhos de uma outra pessoa. Ele conhece seu
isso, o brinquedo muda?” “Agora eu posso vê- próprio ponto de vista – o que vê, ouve, sente,
lo.” “Ele é um brinquedo diferente?” “Não, mas o que pode fazer – então ele deve confiar nisso.
agora eu quero brincar com ele.” Suas perguntas intermináveis, “Por quê, ma-
A criança de três anos usa a linguagem para mãe?” “O que é isto, papai?” “Quando é que
planejar como usará seu corpo, onde colocará podemos sair e fazer alguma coisa?”, parecem
seu corpo no espaço de modo a chegar no lugar a seus pais mais como preenchedoras de espaço
que decidiu ir. Observe uma criança de três anos do que uma busca por respostas. Billy quer ex-
dizer baixinho “Sobe, sobe, sobe”, enquanto es- plorar e encontrar as respostas ele mesmo. As
cala o escorregador. Nós podemos contar com respostas de seus pais são apenas parcialmente
os pensamentos e as palavras que vêm com eles, satisfatórias. Sua própria busca é muitíssimo
que guiam nossos movimentos no espaço em mais divertida.
direção ao nosso objetivo. A criança de três anos O escorregador grande, sua investigação
ainda não pode. atual, é “muito alto”. Qualquer escorregador
A exploração ativa do espaço de uma criança atrairá a atenção de Billy, mas este, este aqui e
pequena, portanto, ajuda-a a aprender sobre a agora, tem um significado extra para ele. “Ele
permanência do objeto, a causalidade e a plane- é muito alto para mim.” O menino está come-
jar seus movimentos corporais. “Se você for çando a usar o julgamento para avaliar seu
para trás desta parede, eu sei que você ainda mundo, para decidir o que é útil ou perigoso
estará aqui do outro lado.” “Se eu fechar esta para ele. Uma criança atirando areia lembra
porta, não serei mais capaz de ver dentro daque- Billy de um outro momento, quando uma crian-
la sala.” “Se eu quiser abrir esta porta na minha ça atirou terra nele com força e fez arder sua
direção, é melhor tirar meu corpo do caminho pele. Doeu e, portanto, precisa ser evitado. Ele
primeiro.” Tudo o que uma criança aprende por pode lembrar e comparar: “Aquele escorregador
meio dessas investigações espaciais a levará a é diferente.” “Esta criança está fazendo a mes-
encontrar seu caminho e a descobrir seu lugar ma coisa.”
no mundo. A Sra. Stone tinha advertido Billy a sempre
andar nos balanços que tivessem a barra prote-
tora “assim você não vai cair”. Ele sempre con-
Desenvolvimento moral siderava sua advertência na pracinha “deles”;
mas um dia quando foram a uma outra praci-
Empatia
nha, Billy correu para subir em um balanço
Com o que se parece o mundo para um meni- normal – sem barra. “Billy, apenas os balanços
no como Billy? Ele é menos da metade do ta- com barra!” Ele pareceu surpreso e triste. “Nes-
manho dos adultos à sua volta. Tem que olhar ta pracinha também?” O menino deve apren-
para cima para ver as pessoas e lutar para ser der agora a generalizar de uma situação para
como elas. Precisa começar a abandonar seus outra, de uma proibição para outra. Uma crian-
próprios impulsos, a fim de ajustar-se às expec- ça de três anos deve conviver com muitas ou-
tativas delas. Ele pode aprender por imitação tras da mesma idade. Mas Billy está aprenden-
ou por experiência. Suas antenas estão para do que pode avaliar cada nova experiência em
fora. Ele também deve aprender sobre o signi- relação a anteriores e pode julgá-la no que diz
ficado de suas ações – um grande passo. respeito a diferenças, perigo e prazer.
Uma vez que Billy acha a maior parte de Essa mesma memória para eventos passa-
seu mundo misterioso, ele deverá ou excluí-lo dos ajuda a criança a aprender o que é certo e o
(ignorá-lo), ou ser perturbado por sua falta de que é errado. Ela usa reações passadas de seus
entendimento. Ele procura explicar o que pode pais como guia. Mas pode generalizá-las de
por meio de referências a si mesmo, porque ain- uma experiência para a outra?
da não pode imaginar o mundo através dos
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 43

Billy arrancou uma pá de plástico das mãos Stone relaxou, reconhecendo que o filho estava
de uma outra criança, na frente das mães dos desenvolvendo uma consciência.
dois. “Devolva!”, disse a Sra. Stone. “Mas é mi- Billy parecia ter tido consciência da realiza-
nha.” Um desejo se torna realidade. O outro ção. Ele dominara um forte impulso. Esse pas-
menino começou a chorar. “Não, não é”, disse so em direção ao desenvolvimento moral pode
a Sra. Stone. “Eu vi você tirá-la dele.” “Eu tirei parecer pequeno a um observador externo; mas,
dele, porque eu queria ela. Ela é minha.” A fran- para um pai, é uma grande realização. As pes-
queza conciliatória de Billy disse à sua mãe que soas à volta de Billy podem confiar nele. O
ele ainda não sabia mentir o suficiente. Deveria menino pode começar a entender que seu mun-
ela castigá-lo e dar margem a mentiras no futu- do abrange as necessidades e os sentimentos
ro? Ou deveria deixá-lo sentir seu próprio re- dos outros, não apenas os seus. Ele está agora
morso? Billy estava muito excitado em relação tendo consciência de que pode afetar os outros.
à pá para ser capaz de considerar os sentimen- Billy ainda pensa em seu mundo na maio-
tos da outra criança. Ele estaria pronto quando ria das vezes, na medida em que ele o afeta.
começasse a importar-se mais com o amigo do Avalia pessoas e coisas, na medida em que elas
que com a pá. têm relação com ele. Quando elas se aproxi-
Enquanto brinca com seus iguais, a criança mam para brincar com ele, ele gosta delas. É o
de três anos começa a ter a consciência de centro do seu mundo e entende aquele mundo
querê-los como “amigos”. A empatia com os por intermédio de sua própria experiência, ain-
outros está começando. Ela agora sabe que pre- da não podendo realmente conhecê-lo além de
cisa deles. Uma criança de três anos está apenas sua experiência imediata, além do alcance dos
começando a querer agradar outras crianças, a seus sentidos. Mas está cheio de excitação em
fim de poder mantê-las próximas. Ela sabe que relação ao mundo mais amplo e dá os primei-
seus amigos têm sentimentos e que deve respei- ros passos para descobri-lo.
tar esses sentimentos se quiser fazer amizades.
Billy brincava na caixa de areia perto de al-
guns novos amigos. Juntos, eles construíram
Agressão: brigas e mordidas
um castelo de areia. Billy queria enfeitá-lo com Uma onda renovada de sentimentos agressivos
um copinho vermelho e amarelo que pertencia aparece no terceiro ano. Em comparação com
a uma criança próxima. Ele observou-a encher os acessos de raiva do segundo ano, essa agres-
e esvaziar o copinho de areia e esperou até que sividade é dirigida mais aos outros. Ela pode
a criança estivesse distraída. Cuidadosamente, ser perturbadora para todos – para os pais e
deslizou pela caixa de areia e surrupiou-o. Pare- para a criança. Traz consigo um preço, que está
cendo culpado, escondeu o copinho debaixo de na angústia que a própria agressividade da
sua camiseta e se arrastou de volta para o seu criança provoca nela. Medos e pesadelos, embo-
lugar. A criança enganada virou-se para pegar ra mais elaborados em uma outra idade, são
seu copinho, para enchê-lo novamente. Quan- uma expressão dessa angústia. A agressividade
do ela percebeu que ele não estava ali, desfez- e os medos que resultam são um momento críti-
se em lágrimas. “Para onde ele foi? Onde está co do terceiro ano. Como os pais podem ajudar
meu copinho?” Quando olhou em volta na cai- o filho a enfrentar seus próprios sentimentos
xa de areia para procurá-lo, Billy escondeu-o agressivos com menos medo, em preparação
novamente. Vendo seu sofrimento, ele sacou-o para a eventual tarefa de aprender a lidar com
de debaixo da camiseta e estendeu-o para ela. eles?
“Está aqui. Eu encontrei.” A criança olhou para Minnie estava empurrando para o lado uma
ele agradecida. Ele devolveu o olhar com um outra menininha, para sentar-se na mesa do
sorriso e virou-se para sua mãe, que tinha assis- lanche de sua creche. Ela a empurrou com for-
tido tudo: “É dela, mamãe – não é meu.” A Sra. ça. A menina caiu e bateu com a cabeça em
um bloco. Isso resultou em um machucado. A
44 Brazelton & Sparrow

Sra. Thompson tinha visto tudo isso acontecer. reações de culpa? Ou ela terá que virar as costas
Ela entrou em pânico e correu para confortar a para essa experiência a fim de proteger-se? A
vítima e aplicar um pano molhado na contu- criança precisa estar consciente de suas ações
são. A menina estava gritando “Eu odeio ela!” e das conseqüências que delas derivam, mas se
Isso lembrou a Sra. Thompson da responsabi- for arrasada, não aprenderá. Ao contrário, ela
lidade de Minnie. Levou a criança ferida para será forçada a proteger-se contra a dor de sentir-
uma ajudante e pegou Minnie no colo. A me- se culpada e amedrontada, decidindo que é
nina estava rígida e parecia desviar o olhar. Mas, realmente “má”. É nesse momento que o “mau
quando a Sra. Thompson falou, ela começou a comportamento” se instala, para ser repetido
escutar. “Minnie, eu sei que você sente muito novamente, quando a criança passa a acreditar
e talvez a criança que você empurrou saiba dis- que ela é sempre “má”. O objetivo é ajudá-la a
so. Mas você tem que dizer a ela que sente reconhecer seus sentimentos de culpa e seu po-
muito. E apenas quando estiver realmente sen- der de parar. Enquanto isso, precisará de ajuda
tindo isso.” Então, Minnie olhou para a Sra. para adquirir a esperança de que pode conseguir.
Thompson ansiosamente e deixou escapar “Eu Morder e bater podem ser um comporta-
sinto muito”. E ela sentia. mento postergado. No primeiro ano, todas as
O conforto da Sra. Thompson à agressora crianças passam por um período de morder seus
ofereceu-lhe uma chance de arrepender-se em cuidadores. Então, no segundo ano, uma crian-
segurança – em vez de se sentir arrasada com ça morde um amigo. As mães ficam horroriza-
sua perda de controle. Quando a criança é pres- das. A criança mordida grita. Todos correm para
sionada, ela deve defender-se – isso evitará res- ela. O mordedor fica surpreso, desolado, talvez
sentimento para com a outra criança e para até um pouco fascinado pela resposta e por
consigo mesma. A abordagem da Sra. como todos estão nervosos. Há pouca chance
Thompson permitiu que Minnie enfrentasse de aprender sobre controle nesse tipo de episó-
seu próprio medo de perder o controle e arre- dio. Reações violentas dos pais apenas contri-
pender-se das conseqüências de seus atos. Ela buirão para esse comportamento.
pode pedir desculpas e ver que isso ajuda. Qualquer comportamento impulsivo como
Mesmo empurrando a outra criança com morder ou bater é assustador para a criança.
tanta força a ponto de fazê-la cair, a consciência Ela não sabe como parar. Ela o repete inúmeras
de Minnie de seu próprio papel era evidente vezes, como se estivesse tentando descobrir por
em seus olhos e seu rosto. Ela arrependeu-se? que ele produz uma resposta tão poderosa.
Certamente. Mas precisava de tempo para reco- Morder, arranhar e bater começam todos como
nhecer. Seu medo de perder o controle empur- comportamentos exploratórios normais. Quan-
rou-a para uma atividade ainda mais implacá- do os adultos exageram ou desconsideram o
vel. Minnie precisava de conforto tanto quanto comportamento, a criança repetirá o compor-
a criança que ela tinha atacado. O conforto não tamento, como se quisesse dizer “eu estou fora
deveria ser uma aceitação do que ela fizera. O de controle. Ajude-me.”
objetivo era tranqüilizar Minnie de que ela não Uma estratégia é ensinar à criança uma técni-
estava mais fora de controle e dar-lhe esperan- ca à qual possa recorrer quando sentir a neces-
ça. Muito cuidado deve ser tomado para sidade de morder: “Que tal pegar seu brinque-
encorajá-la – a fim de, naturalmente, não repe- do favorito, quando você estiver aborrecido?” A
tir o que tinha feito, mas acreditar que aprende- mãe de uma criança “mordedora” de três anos
rá a controlar-se. deu-lhe um osso de cachorro de borracha para
Uma criança que é repetidamente deixada amarrar em volta de seu pescoço. Quando ela
sozinha nesses momentos corre o risco de sentir sentia a necessidade, apelava para ele.
que é realmente má e de agir sob essa influên-
cia. A pergunta de um responsável deve ser: a Billy tinha acabado de bater em sua irmãzinha,
criança está pronta para lidar com suas próprias novamente, e a Sra. Stone estava aborrecida.
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 45

“Você mordeu sua irmãzinha?” “É claro que Lembre-a do quanto foi assutador perder o con-
mordi. Ela me deixou realmente maluco.” “Por trole. “Eu sinto muito, e você também sente.”
que você fez isso? Você não sabe que não podia Diga-lhe que você estabelecerá limites para ela,
mordê-la?” “Eu quis.” A mãe de Billy ficou ator- até que ela possa percebê-los por si mesma.
doada com a ingênua honestidade de Billy. Ela Tranqüilize-a de que ela aprenderá a parar por
deveria puni-lo? A punição o faria mentir no si mesma. Saliente um exemplo de alguém que
futuro? Naturalmente que ele precisa ser puni- é importante para ela. Use você mesmo como
do pela mãe, mas atormentá-lo agora poderia exemplo. Quando ela lhe vê a ponto de perder
apenas enfraquecer seu sentimento de respon- o controle, mas contendo-se, mostre-lhe o que
sabilidade: “A mamãe é tão malvada! É por cul- você está fazendo. As crianças aprendem mais
pa dela que eu mordo Abby.” Ela deveria deixar sobre autocontrole copiando o comportamento
Billy sentir seu próprio remorso? Essa é a fonte de seus pais.
da futura moralidade – mas não aparecerá até A controvérsia atual em relação a rigor versus
daqui a um ano ou mais. Agora, limites são permissividade não trata do mais importante.
necessários. Billy tinha indicado que precisava Uma criança precisa de limites e apoio; nenhum
deles. deles sozinho é suficiente para uma criança
Respostas desvairadas provavelmente não crescer. Aos três anos, a criança pode não estar
ajudarão. Os limites devem ser firmes e consis- pronta para assimilar, lembrar e saber quando
tentes. Após um episódio como esse, a resposta esperar os limites. Ela pode precisar de lem-
do pai deveria ser definitiva e efetiva para fazer bretes de uma ocasião para outra. Pouco a pou-
a criança parar. Uma repreensão é uma forma co, a repetição paciente dos pais a ajudarão a
de fazer isso. A expressão facial e o tom de voz assimilá-los e torná-los parte de si mesma.
do pai devem ser inequívocos – essa é a fonte
de informação para o aprendizado. Ajudar a
criança a encontrar palavras para os sentimen-
Disciplina
tos que ela expressou pode ajudá-la na próxima Disciplina significa ensinar. Não é a mesma
vez. Mas abandoná-la nessas ocasiões não é coisa que punição e não deveria ser confundido
útil. Antes, ajuda pegá-la no colo e confortá-la. com ela. A disciplina visa a um objetivo impor-
46 Brazelton & Sparrow

tante – autodisciplina. Fazer a criança parar é des. Reunir-se para jantar significa comparti-
importante, mas não é suficiente: o objetivo é lhar a refeição com uma criança selvagem, des-
ensinar a criança a parar por si própria. Estabe- controlada. Uma criança sem limites vai querer
lecer limites sobre o comportamento, sobre mandar, chorará, atirará comida até se cansar.
aprender a controlar os desejos e impulsos é Eu vi esse tipo de criança finalmente deitar-se
um trabalho para a vida toda. A criança que no meio da sala, polegar na boca, olhos fixos
reconhece e pode agir sobre seus próprios limi- no nada. Qualquer tentativa de confortá-la
tes já é uma criança segura. Aquela que não apenas provoca gritos: “Não! Não! Não!” Pode
consegue parar por si mesma provavelmente é ser um pesadelo.
ansiosa, exigente, ávida por alguém dizer “Pare! Muito antes que essa situação surja, um pai
Já chega!” firme dirá: “Não! Isso já foi longe demais! Está
No terceiro ano, para disciplinar efetiva- na hora de dormir e você está mostrando a to-
mente, os pais devem ter calma, mas consisten- dos como precisa de ajuda para ficar relaxado
temente interromperem o ciclo de perda de con- para dormir.” Uma criança “mimada” é uma
trole da criança. Segurar no colo, embalar e re- criança desesperada – procurando desesperada-
tirá-la da situação excitante pode realizar isso, mente entendimento e estrutura. Essa criança
assim como ignorá-la ou isolá-la brevemente, sabe que não tem a capacidade de autocontrole.
até que ela tenha se acalmado. Então, rapida- Sua ansiedade surge quando ela não consegue
mente pegá-la no colo para tranqüilizá-la: “Eu controlar aqueles à sua volta. O aspecto mais
sinto muito, tenho que fazer você parar, até que sério dessa parentagem inefetiva é que a criança
possa parar sozinha. Toda vez que fizer isso, eu nunca tem a chance de aprender a controlar
vou fazê-la parar.” Consistência e uma aborda- sua própria frustração. Ensinar a criança a se
gem calma são difíceis para os pais, mas são controlar e a desenvolver habilidades para tole-
um objetivo importante. A disciplina bem-suce- rar a frustração é o melhor presente que se pode
dida cria sua própria recompensa. A criança que dar a ela.
foi disciplinada com sucesso olha para seus pais Alguns pais sentem que devem reagir contra
agradecida, como se dizendo: “É muito bom suas próprias criações. Talvez eles tenham cres-
alguém saber como me fazer parar!” cido em famílias com expectativas rigidamente
Bater na criança, com ou sem raiva, é uma altas. Muito foi exigido deles, então eles exigem
falta de respeito; transmite a mensagem de que muito pouco de seus filhos. Nenhum extremo
o pai também está fora de controle. Isso força funciona. Quando um pai diz “Não!”, a criança
a criança a reprimir sua própria raiva, mas por freqüentemente precisa descobrir se ele real-
medo – não há domínio nisso. Isso diz para ela: mente quer dizer isso. Uma resposta inconsis-
“Eu sou maior que você, então eu posso con- tente ou fraca provocará uma nova tentativa.
trolá-la (no momento).” O castigo físico trans- Uma punição severa deixará a criança focaliza-
mite a mensagem de que a violência é uma for- da no sofrimento e no ressentimento, sem ne-
ma de acertar as coisas. Em nossa sociedade nhum interesse na lição a ser aprendida e ne-
violenta, não é mais permissível transmitir essa nhuma motivação para fazer melhor da próxima
mensagem a nossos filhos. vez. O pai está andando em uma corda bamba.
Alguns dos pais de hoje foram criados em
famílias nas quais os pais eram extremamente Minnie era sempre insuportável no supermer-
permissivos, tentando não corrigir seus filhos. cado. Enquanto ela e sua mãe andavam pelas
Eles achavam que essa era a forma de as crian- diferentes seções, a menina queria pegar tudo.
ças assumirem responsabilidades e encontra- Até agora, a Sra. Lee não tinha percebido o
rem o controle por si próprias. Mas crianças de quanto teria sido mais fácil mantê-la confinada
três anos não conseguem fazer isso. Ao final no carro de compras, quando era menor. Agora,
do dia, pode-se esperar que uma criança de três ela empurrava coisas para fora das prateleiras
anos nessas famílias esteja escalando as pare- e ignorava os pedidos desesperados de sua mãe
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 47

para não mexer em nada. Uma vez, derrubou Então, memórias de sua própria infância
uma caixa de arroz por todo o chão com um voltaram à sua mente. Ele tinha odiado as sur-
estrondo. Quando a Sra. Lee tentou pará-la, ras que seus pais lhe tinham dado e jurara nun-
Minnie fugiu, desaparecendo no final do cor- ca bater em seus próprios filhos. Minnie enco-
redor. Quando o gerente da loja a trouxe de lheu-se quando sentiu sua raiva e sua perda de
volta, olhou com reprovação para a Sra. Lee. controle. O Sr. Lee derreteu-se e pegou a filha
Ao terminarem as compras, ela estava exausta, nos braços. “Eu sinto muito, Minnie. Nós fize-
tomada pela raiva que vinha alimentando con- mos isso juntos – e eu estava pronto para pôr
tra a filha. No caixa, quando Minnie começou toda a culpa em você. Não é justo, é?” A Sra.
a provocar e tentar fugir novamente, a Sra. Lee Lee se sentiu ferida. “Você e Minnie estão sem-
apelou para as balas. “Minnie, se você ficar pre metidos em problemas. Não posso confiar
perto de mim, eu lhe compro algumas balas.” em nenhum de vocês! Primeiro você deixa para
A menina olhou para as balas, para avaliar a mim a tarefa de levar Minnie para fazer as com-
proposta. Então correu novamente. A Sra. Lee pras no supermercado, quando sabe o quanto
ficou desesperada. isso é difícil para mim e para ela. Então, você
A Sra. Lee sabia que sua disciplina era ambí- nem mesmo pode castigar Minnie quando ela
gua. Nem ela nem Minnie a levavam muito a precisa. Simplesmente deixa isso para mim!”
sério. Por que ela era tão insegura? Ela hesitava, Embora fosse sua culpa mais do que de Minnie
porque temia que pudesse desencadear sua rai- dessa vez, ele sabia que o que a Sra. Lee dizia
va por Minnie, não apenas em relação a hoje, era verdade. Ele não podia resolver-se a ser o
mas por todas as vezes que a filha a tinha feito disciplinador. Sua própria infância sempre vol-
sentir-se rechaçada e ineficiente? Outras consi- tava para torná-lo servil.
derações tolhiam a mãe de Minnie em sua bus- Entre os recursos mais importantes para os
ca por disciplina; alguma coisa é desconfortável pais estão as experiências que eles podem ex-
em seu relacionamento com a menina. trair de suas próprias infâncias. Um dos desa-
Mais tarde, naquele dia, Minnie estava jo- fios mais dolorosos, contudo, é evitar ser con-
gando bola com seu pai. Como estavam dentro duzido, inconscientemente, pelo passado. É di-
de casa, usavam uma bola macia de algodão fícil ensinar disciplina, quando “fantasmas” da
recheada com lanugem. Em sua excitação, criação do próprio pai o fazem sentir-se, na-
Minnie lançou a bola tão alto, que passou por quele momento, ele próprio uma criança: dese-
cima da cabeça de seu pai, caindo na sala de jar afastar-se da responsabilidade de ensinar,
visitas proibida. A bola atingiu a estatueta de ou temer ser incapaz de refrear sua raiva.
porcelana preferida de sua mãe. A estatueta A disciplina é, talvez, a tarefa mais difícil
caiu, quebrando-se em pedaços. O Sr. Lee fi- para muitos pais. Ela lhes lembra demais suas
cou desorientado. Minnie parecia trêmula. Ela próprias criações. Pais, por exemplo, que sofre-
correu para se esconder, gritando: “Foi culpa ram abusos quando crianças, podem ter dificul-
do papai. Ele fez isso. Eu não quebrei.” O Sr. dades em aplicar uma punição que não seja
Lee ficou imobilizado. Sabia que tinha sido tan- abusiva. Podem nunca ter aprendido alternati-
to culpa sua quanto de Minnie, mas por que vas à violência com seus próprios pais.
ela não podia encarar seu papel no desastre? “Castigo”, isolamento, conter a criança em
Quando a Sra. Lee entrou correndo na sala e seus braços e confiná-la em seu quarto são to-
viu sua adorada estatueta aos pedaços, caiu em das respostas efetivas, imediatas a comporta-
uma cadeira, chorando. O Sr. Lee sentiu-se for- mento fora de controle – da criança e do pai.
çado a castigar Minnie. Ela tinha se escondido Mas essas respostas precisam ser acompanha-
na lavanderia e, quando o Sr. Lee a encontrou, das rapidamente pela tranqüilização da criança
sua raiva tinha aumentado. Ele puxou-a de de que ela pode contar consigo mesma para re-
detrás da máquina de lavar roupas e começou cuperar o controle e enfrentar o que fez. Em
a espancá-la. seguida, o pai pode oferecer à criança uma
48 Brazelton & Sparrow

chance de desculpar-se, de reparar o dano e de O Sr. Stone sabia que tinha que levar em
sentir-se perdoada. Eu não acredito que bater consideração o desejo de Billy de imitá-lo no
seja a solução. As crianças aprendem pouco computador. Mas naturalmente Billy precisava
com uma surra, exceto a ficarem magoadas e de disciplina; ele devia entender o que tinha
furiosas. feito. O Sr. Stone percebeu que precisava tran-
car seu computador; deveria ligá-lo apenas
quando estivesse lá para usá-lo com Billy. Ao
Acessos de raiva mesmo tempo, ele queria que Billy aprendesse
Billy queria muito ser como seu padrasto. Um uma lição com esse acontecimento. No momen-
dia ele mexeu no computador do Sr. Stone para to, Billy estava tendo um acesso de raiva com-
tentar achar seu jogo favorito. Tinha visto como pleto. Apavorado com o que tinha feito, e ante-
seu padrasto acessara o jogo de computador na cipando a raiva de seu padrasto, atirou-se no
noite anterior, então sentiu-se competente para chão, debatendo-se.
imitá-lo. Tentou diferentes teclas conforme ele O Sr. Stone sentou-se para esperar. Quando
achava que tinha visto seu padrasto fazer. finalmente parou de gritar, Billy olhou para ter
Quando sua mãe finalmente o encontrou, Billy certeza de que seu padrasto ainda estava lá. O
estava agitado. Não estava apenas furioso, mas Sr. Stone disse calmamente: “Billy, eu preciso
estava atacando o computador. Sua mãe ficou fazer você parar. Você sabe que isso não é um
apavorada. O que Billy tinha feito aos precio- brinquedo seu. É o meu valioso computador.
sos documentos de seu padrasto? “Eu quero Quero ter certeza de que você nunca mais vai
fazer! Igual ao papai!” Ela chamou o Sr. Stone, tocar nele quando eu não estiver aqui.” Por um
que correu para casa para avaliar o dano. Feliz- momento, Billy começou a rir com alívio. “Do
mente, os documentos puderam ser recupera- que você está rindo? Não percebe como isso é
dos. Mas o que deveria ser feito em relação a sério?” Então Billy não aguentou e começou a
Billy? soluçar. Sabia o quanto isso era sério e estava
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 49

tendo dificuldades para enfrentar. Encolheu- de sua escolha. O Sr. Stone ficou aborrecido.
se no chão, desolado. O Sr. Stone ainda ficou “Billy, eu vou ter que pagar por tudo isso, ou
sentado por algum tempo. Após o que parecia separar tudo e colocar os seus de volta nas pra-
um longo, longo tempo, pegou Billy em seus teleiras.” Visto que o menino tinha agarrado
braços. “Eu sei que você estava tentando fazer caixas de cereal com açúcar e uma lata de refri-
o que eu fiz ontem à noite, mas isso é complica- gerante que o Sr. Stone nunca teria comprado,
do demais. Você não pode fazer todas as coisas não foi difícil para ele colocá-las de volta.
que eu faço ainda, mesmo que queira. Algum Quando chegaram no caixa, Billy começou
dia poderá – mas eu sei que isso não ajuda você a choramingar: “Eu quero bala.” “Billy, você
agora. Como eu posso ter certeza de que nunca não pode comer balas e sabe disso.” Billy se
mais vai mexer no meu computador novamen- atirou no chão em um acesso de raiva. “Eu que-
te?” O Sr. Stone não precisava ter se preocupado. ro! Eu quero!” O Sr. Stone sentiu-se impotente.
Sua abordagem tranqüila foi muito mais efetiva Todos olhavam para ele como que dizendo:
do que uma violenta. Billy nunca esqueceu sua “Você não consegue lidar com essa criança?”
lição. Ele sentiu vontade de tapar sua boca ou lhe
Mais tarde, o padrasto de Billy usou o com- dar uma palmada. Billy sentiu a raiva de seu
putador para ajudar Billy a entender a si mes- padrasto. Isso o fez sentir-se ainda pior. “Papai,
mo. Mostrou-lhe como ligar o jogo do compu- papai, eu quero bala! Eu preciso!” O que o Sr.
tador, então sentou-se e ficou assistindo. Billy Stone podia fazer?
tentou a seqüência, falhou, ficou frustrado. O Sr. Stone poderia afastar-se de Billy, o que
“Mostre-me novamente, papai.” Mais duas certamente teria interrompido o acesso. Mas
vezes e Billy conseguiu. Aprendeu o valor de ele estava no meio da fila do caixa e com pressa,
dominar uma tarefa, dominando sua frustra- e o menino sabia disso. Um outro pai apareceu
ção. Seu padrasto teve o prazer e a tranqüilida- para solidarizar-se. “Por que, vocês sempre têm
de de assistir a mente de Billy funcionando na que vender balas bem na frente dos caixas?” À
tarefa. Ele também teve a oportunidade de aju- medida que a raiva do Sr. Stone desaparecia,
dar Billy a tolerar sua frustração e aprender a Billy também acalmou-se. A crise tinha passa-
acalmar-se. A postura calma do Sr. Stone no do. Mas, enquanto eles se afastavam da caixa
episódio foi uma vantagem real para ambos. registradora, o Sr. Stone ouviu o empacotador
Se tivesse somado sua própria frustração à de murmurar: “Que pirralhinho mimado!”
Billy, a tensão com que teria que lidar seria bem Quando tudo terminou, Billy ficou envergo-
maior. Ela teria interferido na chance de Billy e nhado. Ele disse, entre risadinhas: “Eu sou bobo,
no sentimento mágico de “eu mesmo fiz”. papai.” Começou a pular em volta do estaciona-
Pais, como o Sr. Stone, que estão fora todo mento, envergonhado, dançando e cantando:
o dia e que provavelmente estão eles próprios “Hi, hi, hi!” O Sr. Stone sabia que Billy estava
sobrecarregados, acharão difícil deixar a criança perdendo o controle novamente, mas ele tam-
aprender por conta própria. Pode ser difícil para bém estava. Agarrou o braço do menino, então
eles suportarem a frustração da criança. Mos- levantou-o bruscamente. A expressão de medo
trar-lhe e deixá-la ver o quanto pode fazer por de Billy o fez parar, e o padrasto o abraçou. “É
si mesma pode ser muito mais difícil do que tão difícil fazer compras, não é? Realmente cha-
intervir e fazer pela criança. Tendo estado fora to. Você acha que deveríamos parar agora e ir
o dia todo, um pai pode preferir ser o “cara le- para casa, ou podemos ir a uma outra loja?” Billy,
gal” e resolver os problemas imediatamente. apaziguado, disse: “Eu vou parar, papai. Me des-
No sábado, Billy foi ao supermercado com culpe.” E o fez. Ele agarrou a mão do padrasto,
seu padrasto. Ele apanhou latas e caixas de ali- orgulhoso de seus novos controles internos.
mentos sob a orientação de seu padrasto por
um bom tempo. Finalmente, contudo, ele se O Sr. Stone, compartilhando sensivelmente a
cansou e começou a jogar no carrinho coisas frustração de Billy, ajudou-o a entender a si
50 Brazelton & Sparrow

mesmo. Ele também deu ao menino uma opor- tivo da disciplina é o autocontrole. Alcançá-lo
tunidade de romper o ciclo e parar por si pró- leva anos – muitas vezes toda uma vida.
prio. Se o Sr. Stone tivesse explodido com Billy,
ele o teria distraído de sua própria responsabili-
dade, e o ciclo teria continuado. As crianças de
Orientações de disciplina
três anos são ávidas por limites firmes, seguros, Uma vez que os pais de crianças de três anos
desde que eles sejam acompanhados de amor. devem esperar mais frustração à medida que
A necessidade de disciplina (ensino) e limites seus filhos crescem e precisam satisfazer as ex-
firmes é sempre aos três anos. O amor não ape- pectativas crescentes da cultura à sua volta,
nas impede que a criança recuse-se a ver os li- aqui estão algumas orientações para ajudar a
mites, mas também ajuda-a a sentir-se suficien- criança a aprender quando tiver transgredido
temente confortável em relação a eles, a fim de sem deixá-la sentindo-se abandonada:
estar pronta para torná-los seus.
No terceiro ano, os pais começam a apresen- Q A primeira tarefa de um pai em relação
tar seus filhos a padrões e expectativas exter- à disciplina é sobreviver ao colapso no
nos. O Sr. Stone sabia que Billy estava aborreci- comportamento, então tranqüilizar a
do. Ele podia ter tolerado seu comportamento criança de que estará junto dela para
“fora de controle”, e tolerou, até que viu os ros- pará-la até que possa parar sozinha. Per-
tos dos outros clientes. Queria proteger Billy gunte a você mesmo o que ela provavel-
desses tipos de reação, mas também queria pro- mente aprendeu com esse episódio.
teger a si mesmo. Billy precisa lidar com sua Q Desenvolver técnicas, como abraçar e
própria frustração e, aos três anos, felizmente conter a criança, manobras calmantes,
está pronto para aprender. A abordagem do Sr. castigo ou isolamento, como forma de
Stone, segurando Billy para acalmá-lo, expli- conter a criança e de dar-lhe uma chance
cando a ele o que tinha acabado de passar e de reestabelecer-se. Estabelecer limites
servindo de modelo para o menino, enquanto dessa forma é tranqüilizador.
acalmava a si mesmo, é uma abordagem efi- Q Intervir antes que a criança esteja desola-
ciente. Quando funciona, todos se sentem da. Saber quando leva tempo para um
satisfeitos. pai aprender. Avaliar os estresses (transi-
Quando os pais conseguem esperar que o ções, frustração, estimulação excessiva)
acesso de raiva do filho ou que suas próprias e o comportamento não-verbal da crian-
reações exageradas passem, segurando-o no ça, que ocorrem repetidamente antes das
colo para ajudá-lo a recuperar o controle, a cri- explosões.
ança terá aprendido a como conduzir-se no fu- Q A frustração é uma força saudável de
turo. Após um breve período de isolamento ou aprendizado, desde que a criança tenha
um “castigo”, um pai pode pegar a criança, ago- oportunidades de dominá-la. Quando,
ra acalmada, e dizer: “Sinto muito, mas você finalmente, conseguir, após um momen-
simplesmente não pode fazer aquilo. Toda vez to de frustração, será provável que sin-
que fizer, vou ter que pará-lo – até que você ta: “Eu mesma fiz.”
possa parar por si próprio.” Se os pais puderem Q Tolerar a frustração é uma realização im-
evitar de assustar a criança ainda mais, repri- portante para a criança. É difícil para um
mindo suas próprias explosões, e ajudá-la a pai ver um filho frustrado; isso provoca
acalmar-se, a chance de a criança assumir seu frustração no próprio pai, que a criança
próprio papel naquilo que fez será muito maior. provavelmente sente e responde. Você
Explodindo, um pai estará apenas distraindo a precisa estar preparado para retrocessos
criança desse desafio crucial. Não exagere a lição e progresso lento, e permanecer fo-
a ser aprendida. Dê espaço para a criança. O obje- calizado no resultado final – o sucesso.
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 51

Você não pode evitar erros na disciplina – importante razão para segurar seu cocô “como
acessos de raiva podem ocorrer, mas eles não a mamãe”.
são o fim do mundo. Tanto você quanto seu Mais para o final da gravidez de sua mãe,
filho aprenderão com eles. Os pais freqüente- quando Billy imitava seu andar, seu estômago
mente ficam espantados com a capacidade que protuberante, as pernas separadas, os braços
seus filhos têm de perdoar, com as chances que balançando, todos riam. “Vejam o Billy! Ele está
surgem a cada dia. imitando sua mãe. Mas, Billy, menininhos não
têm bebês!” Billy sentia desaprovação no hu-
mor deles. Por que ele não podia ter um bebê?
Relacionamentos: O que era um bebê afinal? Todos apontavam
construindo uma família bebês para ele nessa época e não eram tão inte-
ressantes assim. Eles faziam caretas, e grita-
O novo bebê: questões dos pais vam, e choravam, e faziam cocô. Após ele ter
A mãe de Billy levou-o a seu médico para a ava- sido forçado a ver o bebê de uma vizinha, ati-
liação dos dois anos e meio. Toda vez que Billy rou-se no chão, gritando. “Billy, levante! Você
se curvava para deitar-se no chão, ele deixava é um menino grande agora.” Nada que ele fi-
escapar um pequeno grunhido. A princípio, o zesse parecia agradá-los.
médico imaginou que Billy estivesse dolorido A nova gravidez da mãe pode ser um mo-
por causa da constipação (não, seu abdômen mento crítico – não apenas para a criança, mas
não estava sensível) ou tivesse uma dor no também para os pais, que sentem que estão
quadril ou nas costas. Nada disso revelou-se a “abandonando” o primeiro filho e “forçando-o
razão para os grunhidos da criança. Finalmente, a crescer muito rápido”.
o médico descobriu a explicação. No meio do Billy terá perguntas a fazer. “De onde vêm
exame, ele perguntou à Sra. Stone. “Você está os bebês?” “Como ele entra dentro de você?”
grávida?” “Não. Billy tem só dois anos e eu quero “Eu posso ter um dentro de mim?” “Como va-
esperar até que ele tenha quatro ou cinco antes mos tirá-lo dali?” E ele precisará de respostas.
de ter um outro bebê. Por que você perguntou?” Sempre responda a suas perguntas. Nunca per-
“Eu apenas imaginei”, respondeu o médico. ca a chance de manter o canal de comunicação
Quando a Sra. Stone descobriu, alguns dias aberto. Evitar essas perguntas agora apenas as
depois, que estava realmente grávida, telefonou tornarão mais desconfortáveis e difíceis para o
ao pediatra, que disse: “Bem, Billy soube antes pai explicar mais tarde. As respostas podem ser
de você. Eu acho que você não precisa anunciar curtas, testes pelos quais os pais podem sentir
que está grávida para ele.” O menino estava quando a criança está satisfeita ou está pronta
imitando sua mãe! Tão íntimos são seus senti- para mais. Billy certamente sentirá o orgulho e
mentos compartilhados que Billy sabia que sua a excitação que seus pais estão sentindo.
mãe estava diferente, mesmo que isso estives- Antes desse “bebê” estar “lá dentro”, os pais
se apenas recém começando. Ele tinha come- de Billy o atendiam toda vez que solicitava.
çado a imitar seu comportamento, e a Sra. Mas, agora, muitas vezes sentia que sua mãe
Stone nem mesmo se dera conta disso. estava longe, em um mundo de sonhos. Ele
“Quando devemos contar ao nosso filho?”, começou a equiparar seu estado sonhador e a
os pais perguntam. Minha resposta é: “Nunca preocupação de seus pais com esse bebê. Nada
deixem de lhe contar. Ele saberá pelas mudan- disso era consciente, mas Billy sentia um ligei-
ças em seu comportamento. Falem sobre isso ro empurrão “para fora do ninho”. Adorava
logo que quiserem, mas não enfatizem até pró- cada chance de ser pegado no colo e abraçado
ximo do final. Senão será uma longa espera.” ainda mais do que antes.
Mesmo uma criança de três anos deseja saber: A Sra. Stone encontrou-o por acaso sentado
“Como o bebê entra lá? Como ele sai? Será que em sua cadeira, chupando o polegar. A visão
ele sai como o meu cocô?” Eis aqui uma nova e partiu seu coração. Pegou-o para acariciá-lo,
52 Brazelton & Sparrow

mas sua enorme barriga a fez hesitar quando tos.” Encarar esses sentimentos dá aos pais uma
se abaixou para levantá-lo. Billy sentiu que as chance de ver que a chegada de um novo bebê
coisas simplesmente não eram mais as mesmas. na família também pode ser um presente para
As insistências para sentir a barriga de sua o filho mais velho.
mãe era o pior. Ela estava grande e esticada. E Conseguindo reconhecer os sentimentos
parecia desconfortável. O que estava para acon- “egoístas” que têm em relação ao desejo por
tecer? O padrasto de Billy parecia muito preocu- um segundo filho, os pais podem ser mais efe-
pado com ela. “Ela nunca mais vai me pegar tivos para ajudar o primeiro filho a encarar o
no colo.” Todos o chamavam “esse meninão”. nascimento como um novo evento importante.
Mas ele apenas queria ser abraçado. “A mamãe Seus esforços para recuperar o filho mais velho
está doente? Ela vai para o hospital. Posso ir deveriam permitir que ele tanto se ressentisse
com ela?” O menino se perguntava quem to- quanto amasse o novo bebê. O objetivo será
maria conta dele. ajudá-lo a sentir que “este é o meu bebê”, tanto
Por que os pais se sentem constrangidos de quanto o bebê de seus pais.
falar sobre a gravidez e o novo bebê? Eu acho Mais para o final da gravidez, conversar jun-
que todo pai antecipa a chegada do segundo tos sobre o que esperar é fundamental. A grande
filho como se isso fosse um abandono do pri- preocupação para o filho mais velho é em rela-
meiro. As mães, em meu consultório, que anun- ção à separação. “Se a mamãe teve que ir para
ciam “Adivinhe! Estou grávida do meu segun- o hospital, ela está doente? Ela vai ficar lá? Ela
do”, freqüentemente começam a chorar, quan- vai voltar para casa?” Por trás dessas perguntas
do pergunto se elas sentem que estão abando- sempre está: “Quem vai ficar comigo?” Esse é
nando o primeiro filho. Os pais precisam reco- um momento para escutar as perguntas.
nhecer esse sentimento, antes de poderem en-
frentar abertamente as reações inevitavelmente
confusas de seu primeiro filho ao novo bebê.
O problema do treinamento de
controle do esfíncter
“Billy ainda precisa de mim.” A Sra. Stone
abraçou Billy apertado. O filho ficou surpreso Os Stones tinham esperado até que Billy tives-
e confuso. Ele tentou afastar-se vigorosamente. se dois anos para ajudá-lo com seu treinamen-
A Sra. Stone olhou-o com tristeza. “Eu ainda to da higiene. Eles acreditavam que tinham
vou lhe mostrar que ele é o centro de nosso deixado isso por conta dele, que tinham feito
universo.” Ele será – até que o novo bebê che- tudo corretamente. Quando começaram, ele ti-
gue. Então – apesar de todas as intenções em nha dois anos e tinha demonstrado sua pronti-
contrário – quando uma mãe se volta para seu dão com três avanços cognitivos importantes:
novo bebê, afasta-se imperceptivelmente de seu podia dizer “não”, se não quisesse ir; estava
primeiro filho. Mesmo durante a gravidez, uma pronto para sentar-se e imitar os outros à sua
mãe começa a afastar-se e a preparar-se. volta; e tinha até mesmo descoberto o conceito
A Sra. Stone pode ajudar a preparar Billy, de colocar as coisas nos lugares a que perten-
conversando com ele e enfatizando que precisa ciam. O menino pegava seus brinquedos peque-
dele. Mas ele ainda pode sentir o afastamento nos, quando tinha terminado de brincar, e os
de sua mãe; vai experimentá-la para descobrir colocava no cesto em seu quarto. A Sra. Stone
se ela ainda é dele. Ele pode mesmo fazer pres- estava maravilhada com o senso de ordem de
são. Uma mãe fica vulnerável nessa época à sua seu filho de dois anos e seu reconhecimento
própria culpa por deixar o filho mais velho. A das expectativas dos adultos à sua volta. Ela se
criança testará isso. Eu insistiria para que a Sra. perguntava: “Será que eu exigi demais dele?
Stone se tornasse mais presente ainda. Ficas- Ele é tão inteligente e tão disposto a nos agra-
se junto com ele nesse momento. “Você e eu dar!” Mas talvez ela soubesse intuitivamente
podemos fazer coisas juntos” tem um significa- que essas realizações eram sinais de que ele
do extra. “Podemos vencer esta separação jun- estava pronto.
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 53

Ela tinha seguido os passos sobre os quais para dentro do vaso com uma certa dose
havia lido: de horror. “Eu posso cair dentro!” Tentou
colocar uma perna dentro da água. Sua
1. Ela comprou-lhe um “troninho” e lhe
mãe apressou-se em impedi-lo. “Você te-
disse que era dele. Billy tinha ficado
ria que sentar nele. Ele é muito grande
muito orgulhoso. Ele sentou-se nele
para você agora. Seu assento é exata-
onde colocou seus caminhões e seu ur-
mente do tamanho certo para você. Ten-
sinho. Imitava sua mãe, tranqüilizando
te.” Ele olhou para as duas opções e
seu ursinho: “Um dia você vai sentar
olhou para ela. “Tudo bem. Eu vou ten-
nele como nós fazemos.”
tar.”
2. A Sra. Stone o pegava uma vez por dia,
5. Duas semanas mais tarde, a Sra. Stone
totalmente vestido, para sentar-se em
arriscou-se a tentar fazer Billy usar o
seu penico, enquanto ela sentava no vaso
penico, quando ele estava sem roupas.
sanitário. Ele se inclinava contra ela, en-
Ela colocou seu penico no quarto de brin-
quanto ela lia para ele uma parte do Mr.
quedos, para lembrá-lo. “Billy, posso
Bear Goes to the Potty (O ursinho vai ao
entrar para lembrá-lo como se faz?” Ele
banheiro). Porém, ele logo ficava aborre-
concordou. Quando ela entrou pela pri-
cido e fugia. Mas, no dia seguinte, ele
meira vez, ele sentou-se para urinar; sua
estava pronto e disposto a ouvir a histó-
urina esparramou-se no chão em volta
ria, enquanto sentava-se em seu penico.
do penico e sobre o assento, mas uma
3. Após uma semana sentando-se no vaso
pequena quantidade caiu dentro do pe-
totalmente vestido, Billy parecia pronto
nico. “Limpa, mamãe! Limpa!” Ele pa-
para sentar-se lá sem as roupas. Todo dia,
recia desvairado. Ela limpou a urina es-
sua mãe falava: “Isto é para mostrar-lhe
palhada, mas guardou o penico com suas
o que a mamãe e o papai têm que fazer
poucas gotas de urina para seu pai ver.
para ir ao vaso quando querem fazer cocô
Todos os três admiraram a produção de
e xixi.” Ele parecia pronto. Um dia, gru-
Billy. Na próxima vez que o menino foi,
nhiu enquanto estava sentado lá. Ne-
seu padrasto disse: “Billy, mantenha seu
nhuma produção.
xixi para baixo e ele cairá dentro do pe-
4. Na terceira semana, ela levou Billy com
nico. Ele faz um barulho enorme quan-
sua fralda suja até o penico e largou a
do bate no penico!” Billy olhou para bai-
fralda dentro. Ele disse: “Mamãe, não
xo para concentrar-se, experimentando
suje o meu penico!” Ela disse: “Mas,
a sugestão. Quando segurou seu pênis e
Billy, é aqui que queremos que você co-
atingiu o fundo de plástico com o xixi,
loque seu cocô um dia. Um dia, pode até
Billy ficou impressionado com o som que
fazer dentro do penico.” “Não! Não! É
podia fazer. Ele fazia todas as vezes com
para o meu ursinho.” “É para você tam-
alegria e orgulho. Quando finalmente
bém. Veja, este é meu e do papai. Este é
produziu fezes para o penico, foi motivo
para você. Seu ursinho pode usá-lo tam-
para celebração. Mas olhou para aquilo
bém.” Billy: “Mas imagina se o cocô dele
dentro do penico. “Mamãe, mamãe, lim-
cheirar mal como o meu?” “O cocô sem-
pa! Isso está sujando o meu penico!” A
pre cheira mal. Por isso é que usamos
Sra. Stone ia começar a despejar o cocô
um vaso sanitário. Um dia você poderá
de Billy dentro do vaso sanitário para dar
ir sozinho.” O rosto de Billy se iluminou.
descarga. “Aqui não! Ele vai se perder!”
“Assim como o urso. Assim como papai,
Ela viu sua ansiedade e se deteve para
Tio John e mamãe. Vocês querem usar o
confortá-lo. Ela lhe perguntou: “Billy,
nosso?” Billy olhou para o enorme assen-
este é seu. O que você quer que eu faça
to do vaso. Queria subir nele. Mas olhou
com ele?” “Deixe-o em paz. Eu vou ta-
54 Brazelton & Sparrow

par.” Apanhou papel higiênico e cobriu ria ser o bebê? Poderia ser o início da creche?
o penico. “Ele cheira mal.” “Isso mesmo, Billy tinha sido exposto a um evento traumáti-
Billy, vamos lavar nossas mãos.” Com co? Todas essas perguntas passavam pela cabe-
grande sensibilidade, ela deixou o assun- ça dos pais de Billy. Ele estava tão aborrecido
to de lado até que Billy perdeu o interesse quanto eles. “Mamãe, mamãe, estou molhado.”
e correu para brincar com seus brinque- Isso aconteceu algumas vezes, mas o mais
dos. Com a atenção desviada, a Sra. perturbador é que ele estava retendo suas fezes.
Stone pôde despejar as fezes no vaso sa- Alguns dias se passaram antes que a Sra.
nitário. Billy tentou novamente alguns Stone percebesse que eles estavam todos em
dias depois. Recompensou a sensibilida- uma situação difícil. As fezes estavam sendo
de de sua mãe, olhando-a bem no rosto, mantidas como reféns. Ela chamou o médico
após ter notado o penico vazio. Ela perce- de Billy. “O que eu faço?” “Dê-lhe caldo de
beu o quanto ele ficara preocupado por ameixa seca duas vezes por dia e até um la-
perder uma parte de si mesmo, suas fe- xante, se ele continuar preso.” Após algumas
zes. Após aqueles primeiros dias, ficou doses de caldo de ameixa-seca, Billy produziu
menos preocupado com a remoção de fezes duras. Isso machucou-o. Ele sentou-se em
suas fezes. Lavava as mãos todas as ve- seu penico e ficou vermelho com o esforço. Cho-
zes. Nem mesmo perguntava para onde ramingou. Em certo momento, saltou fora do
suas fezes tinham ido, mas a Sra. Stone penico e correu em volta do quarto. “Cocô não!
sabia que a pergunta estava em sua men- Cocô não!” Ele parecia torturado. Atirou-se no
te. Ela discutiu o que deveria lhe dizer chão, juntou as pernas e levantou-as. Enquanto
com seu marido. O Sr. Stone pareceu retesava o corpo, sua mãe pôde ver que ele esta-
confuso e surpreso. “Eu acho que pode- va prendendo as fezes. Ela tentou novamente
mos dizer-lhe que é ali que todos nós co- aliviar a agonia do filho. “Apenas sente no vaso.
locamos nossas fezes. É para onde todas Isso vai ajudá-lo.”
vão.” “Onde?” “Ugh. Eu acho que para Billy estava realmente preocupado com sua
o depósito de fezes.” “Como uma criança mãe e o novo bebê. Ele estava irritado. Mesmo
de dois anos vai entender uma coisa antes de terem falado sobre a gravidez da Sra.
como essa?” “Eu não sei. Como é que Stone, Billy tinha começado a prender suas fe-
nós entendemos também? Apenas não zes, quando sentia que sua mãe estava se afas-
seja tão insegura. Ele está preocupado. tando dele. Ele inconscientemente prendia suas
Podemos assegurar-lhe de que todo fezes, mas, quando o fazia, sua barriga ficava
mundo se preocupa com isso.” grande. Billy tinha sentido sua mãe recolher-se
6. Quando estava com quase três anos, o sutilmente à sua nova gravidez. Ser exatamente
aprendizado da higiene de Billy parecia como ela era sua forma de agarrar-se a ela.
completo durante o dia. Ele falava sobre A ansiedade na casa centralizava-se agora
sua realização na escola. Perguntava aos em Billy e suas fezes, não na gravidez. “Você
seus amigos: “Você também?” Todos eles não pode fazer, apenas pela mamãe? Você sabe
respondiam: “Sim”, embora apenas que está desconfortável.” Ninguém parecia per-
metade tivesse completado esse treina- ceber o que o tornara preocupado em relação a
mento diurno. suas fezes e por que ele precisava prendê-las.
Este era um momento crítico – Billy estava ten-
O treinamento de higiene diurno de Billy tando lidar com toda a excitação e a ansiedade
tinha sido tão fácil que foi surpresa para os da gravidez de sua mãe. Sua necessidade de
Stones quando ele parou de usar o banheiro. regredir em uma área que acabara de dominar
Tudo tinha parecido tão uniformemente recom- devia ser algo esperado. Exatamente no mo-
pensador quando Billy tinha dois anos. Por que mento em que os pais de Billy estavam se preo-
ele deveria retroceder agora que tem três? Pode- cupando sobre como lidariam com um novo be-
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 55

bê, o menino os estava forçando a enxergar o


quanto ele ainda precisaria deles. A tensão de
seus pais, e a raiva que sentiam com essa regres-
são, reforçava sua ansiedade. Billy estava im-
plorando pela compreensão e ajuda deles.
Em sua ansiedade, a Sra. Stone chamou o
médico de Billy novamente. “Ele não está ab-
sorvendo toxinas dessa forma? Devo aplicar-
lhe um enema?” “Não, eu não acho. Muitos
meninos, quando já estão treinados, começam
a reter suas fezes. É quase como se eles estives-
sem dizendo ‘eu quero ter o controle total’. O
único perigo é que ele irá prender, até que suas
fezes duras o firam quando descerem. Então,
vocês terão um problema duplo. O esfíncter do-
lorido sente as fezes vindo. Ele se contrai. Se
doer de novo, Billy pode começar a reter por
um tempo mais longo – por medo.”
“O que eu devo fazer?” “Primeiro de tudo,
desculpe-se com ele. Deixe-o ver que ele tem o
controle da situação. Diga-lhe que você sente
muito por ter se intrometido. O treinamento
do controle do esfíncter é problema dele, você
sabe.” “Mas eu não me intrometi. Apenas o
lembro agora a cada duas horas mais ou menos muito que o sucesso seja “dele”, não de outra
para ir e tentar. Eu nunca o castiguei. Ele fez pessoa.
tudo isso por conta própria.” “Muitas crianças O médico sentiu a defensiva da Sra. Stone
que entendem a idéia de colocar suas fezes e em relação ao comportamento de Billy. “Mais
sua urina onde todo mundo coloca e que apren- um conselho. Por enquanto, por favor, não jo-
dem isso com um treinamento descontraído gue fora a produção dele até que ele tenha per-
como o seu ainda precisam provar que estão dido o interesse por ela. O menino pode sentir
no controle. Elas fazem isso retendo suas fezes. que está perdendo uma parte de seu corpo.”
Não podem provar para si mesmas (ou para os “Mas ele parece adorar colocá-la no vaso e
outros) de nenhuma outra forma. É hora de dar descarga, e até vê-la indo embora”, ela res-
dizer: ‘Você decide. Eu estou fora. Se quer usar pondeu. “Até me disse ontem na banheira en-
uma fralda na hora da sesta ou à noite, pode quanto a água saía: ‘Viu mamãe? Olha a água
usá-la para fazer cocô. Você pode ir ao banheiro indo embora. Se meu cocô estivesse aqui ele
quando quiser.’” A Sra. Stone tinha percebido iria embora também’”.
isso há muito tempo. Mas sua gravidez, e a rea- “Talvez ele pareça adorar isso”, disse o médi-
ção de Billy a esse fato, tornou difícil para ela co de Billy, “mas muitas crianças ficam choca-
aplicar o que sabia. das vendo-o ir embora. Afinal, lembre-se de que
Ela queria defender-se. “Mas eu não inter- as crianças vêem as fezes como parte de si mes-
feri. Estava tranqüila! Ele simplesmente deve mas e olhá-las indo embora significa uma perda
ter imaginado que o forcei!” A Sra. Stone e pais para sempre para elas.”
como ela dificilmente podem acreditar que um “Eu devo mencionar quando for hora de ele
filho seja tão sensível em relação a ser treinado ir? Ele não vai tentar?”
que interprete exageradamente qualquer decla- “Absolutamente não. Fique fora disso com-
ração de um pai como interferência. Ele quer pletamente agora. Simplesmente deixe tudo
56 Brazelton & Sparrow

por conta dele e diga-lhe que vai deixar tudo Billy sentia a ausência de sua mãe. Ele sen-
com ele. Aposto que o problema vai se resolver tava-se em sua cadeira, chupava o polegar e
quando ele estiver pronto para recuperar o con- torcia seu cobertor. Sua avó chegou perto dele.
trole.” “Billy, você sente falta da mamãe, não sente?”
E foi o que aconteceu. Dentro de uma sema- “Talvez ela não volte.” “Oh, Billy, ela vai voltar.
na, Billy estava orgulhosamente usando sua E ela também sente a sua falta. Venha cá que
fralda para fazer cocô. Estava orgulhoso do vou embalá-lo. Escolha sua história favorita que
monte que fazia. Após a segunda semana, você lê com a mamãe. Vamos ler juntos.” Billy
quando fazer cocô não doía mais, tudo ficou saiu para buscar um livro. Primeiro pegou Boa-
bem. Ele voltou para o penico em um mês e Noite, Lua. Então, como se tivesse pensado me-
estava muito orgulhoso. (Ver “Problemas de Hi- lhor, atirou o livro de volta e pegou um livro ao
giene Revisitados” na Parte II.) acaso para sua avó ler. Enquanto eles se embala-
vam e liam, os olhos de Billy permaneciam fixos
no nada. Não ousara trazer o “melhor” livro de
O novo bebê: ajustes ao irmão sua mãe. Era uma lembrança muito dolorosa.
Quando a pequena Abby e seus pais voltaram Quando chegou o dia de ir ao hospital bus-
para casa, do hospital, Billy estava com eles. car o novo bebê, o padrasto de Billy disse: “Está
Os Stones tinham feito tudo que puderam para na hora de irmos buscar Abby e sua mãe.” Billy
ajudá-lo a fazer um ajustamento fácil ao bebê. desapareceu. Correu para sua cama, engati-
Ele tinha visitado sua mãe no hospital. Sua avó nhou sobre ela, e se encolheu com o polegar na
tinha vindo para ficar com ele, e seu padrasto, boca. Sr. Stone: “Billy, saia daí. É hora de ir-
que, por sua vez, ficara o mais disponível que mos!” Nenhuma resposta. Sua avó tentou: “Bil-
pudera para Billy: “Eu sou todo seu”, e fora. ly, sua mãe deve estar esperando. Ela está ansio-
Eles tinham se divertido juntos e descobriram sa para vê-lo. Você pode trazer o panda tam-
uma proximidade que foi muito valorizada por bém”. Nenhuma resposta. Ninguém entendia
ambos. Precisavam um do outro. o quanto era doloroso para Billy ter sido aban-
Para as horas em que estaria menos dispo- donado e substituído. Finalmente, o Sr. Stone
nível, o Sr. Stone tinha comprado um panda puxou seu enteado por uma perna, colocou-lhe
de brinquedo, que ele podia alimentar e que à força seu casaco de neve e arrastou-o esper-
urinava e precisava ser trocado. O panda tinha neando para o carro. “Billy, eu estou cheio disso!
um choro gravado, que Billy podia ligar sem- Você deveria estar contente por trazer sua mãe
pre que desejasse. O brinquedo fez um enorme para casa.”
sucesso. Billy agora se arriscava a fazer suas O menino sentiu-se pequeno e sozinho, en-
perguntas. Ele tinha “perdido” seu próprio pai, quanto as enfermeiras vestiam “sua” irmã e sua
agora parecia como se tivesse perdido sua mãe. mãe se arrumava. Todos se agruparam em vol-
“Por que mamãe foi com o novo bebê?” “Ela ta do bebê. “Ela não é uma gracinha?” Ele não
precisava tirar o bebê de sua barriga, então nós achava. Ela parecia tão pequena e gorducha e
vamos poder tê-lo aqui para brincar. Ela vai ser contorcida. Nem mesmo olhara para Billy. Ape-
sua irmã.” “O que é uma irmã?” “É alguém a nas se espremia. Ele tinha pensado que ela po-
quem você pode amar e com quem pode crescer. deria ser sua “irmã” como eles tinham dito.
E ela vai amar você também.” “Mas eu não que- Uma irmã deveria querer brincar com você, e
ro ela. Quero a mamãe de volta.” “Você vai tê- olhar para você, e falar com você. Ela não. Billly
la de volta. Nós todos a queremos. Mas sei que se sentia rejeitado por ela e não gostou dela
você sente falta da mamãe. Ela estará de volta desde o primeiro momento em que a viu. To-
em um ou dois dias. Nós vamos buscá-la jun- dos queriam que ele a amasse. As enfermeiras
tos.” Os olhos de Billy estavam abatidos. A pos- no hospital pairavam a sua volta e diziam: “Ela
tura sisuda. Ninguém mais o escutava. Ele sim- não é um doce? Ela é sua irmã e você vai amá-
plesmente não queria esse bebê. la um dia.” Quando era “um dia”?
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 57

Billy afastou-se para um canto do quarto cama para confortá-lo, e ele se sentiu melhor.
com seu panda. Ele podia fazer esse panda fazer “Billy, eu quero ler um livro com você.” E ela
tudo. Podia fazê-lo chorar – e fazê-lo parar tam- não mencionou o bebê ou falou em crescer!
bém. Podia fazer tudo o que quissesse para o Quando Billy viu Abby mamando, ele quis
panda, sem que todos se aproximassem dele. tentar fazer o mesmo, também. “Meninos gran-
O panda era dele, e ele já sentia um carinho e des não bebem o leite das mamães”, disse o Sr.
uma intimidade pelo panda que não sentia por Stone nervosamente. “Eu não quero ser um
Abby. Os adultos quase o esqueceram, quando menino grande como papai. Eu quero ser um
começaram a sair do quarto. Ele estava encolhi- bebê.” Encostou-se em sua mãe e sugava alto
do no canto para ficar fora do caminho. O Sr. e como Abby, mas não tinha nada em sua boca.
a Sra. Stone se aproximaram da porta com o Seus pais riram. “Você quer tentar sugar o meu
bebê. Então, se viraram para procurá-lo. “Billy, peito, Billy?” Ele colocou a boca em seu mamilo.
venha. Vamos para casa agora.” O menino sen- Nada aconteceu. Então começou a sugar da
tiu-se triste. Lançou-se ao chão como se fosse mesma forma que fazia com seu polegar. O ma-
ter um acesso de raiva. Seu padrasto se virou milo da mãe ficou de pé em sua boca e ele sentiu
realmente aborrecido. Billy pulou e seguiu-os esse doce, doce gosto. Ele fez uma careta.
pelo corredor. Viu a mão de sua mãe balançan- “Arghh”, ele disse, e voltou ao seu polegar. Após
do ao seu lado. Correu e agarrou-a. A Sra. Stone aquilo, ficou observando Abby, mas não quis
olhou para ele. “Billy, que saudades eu senti de tentar mamar novamente. Sua mãe puxou-o
você. Estou tão feliz que tenha vindo me buscar. para perto dela. “Billy, é bom abraçar você de
Espero que goste de Abby. Ela ficará tão orgu- novo.” Ele deu um pequeno gemido enquanto
lhosa de você! Irmãzinhas são sempre orgulho- se espremia no espaço entre o braço e o peito
sas de irmãos mais velhos.” Billy pareceu apazi- de sua mãe.
guado, mas sentiu a pressão naquela observa- Seus pais e sua avó prestaram mais atenção
ção. Todos queriam que ele crescesse! nele após aquilo. Eles o abraçavam bastante.
Quando chegaram em casa, todos se esque- Deixavam-no ajudar, quando trocavam as fral-
ceram dele novamente e correram para o quarto das de Abby. Eles o deixavam ir buscar as fral-
do bebê. Eles abraçavam, arrulhavam, faziam das. Quando ele começou a molhar-se de novo,
ruídos bobos. A avó era tão má quanto seus até o deixaram usar fraldas “como Abby”. Ele
pais. Mas ele ainda tinha seu panda e tentou ouviu sua mãe dizer: “Oh, espero que Billy não
voltar-se para ele. Fez “uuus” e “guus” algumas volte a prender suas fezes!” Mas ele, na verdade,
vezes para o panda, mas se sentia bastante vazio não precisava das fraldas. Molhou-se algumas
por dentro – e solitário. Finalmente, seu padras- poucas vezes sem elas. Mas, visto que seus pais
to saiu “daquele” quarto para procurá-lo. No agora respeitavam isso como sua luta, logo des-
momento, só queria se esconder; ele se retiraria cobriu que tinha de novo o controle. Ele se sen-
para sua própria cama e se encolheria ao lado tia como o menino grande que todos queriam
do panda. Quando o Sr. Stone tentou pegá-lo que fosse. É verdade que ainda precisava de
no colo, ele deixou escapar um gemido e tentou fraldas à noite, mas aquilo não parecia incomo-
esconder-se em um canto. dar ninguém.
“Oh Billy, por favor, não seja tão negativo Agora, quando sua mãe estava ocupada
agora. Todos nós o amamos, mas nós temos que amamentando Abby, Billy tentava uma nova
acomodar o bebê.” A voz de seu padrasto era forma de lidar com o fato. Retirava-se e procu-
tão trivial! Ele tinha abandonado Billy também. rava seu padrasto. Uma manhã, quando sua
O que o menino poderia fazer a não ser enco- mãe ainda estava na cama amamentando o
lher-se e esperar? Ele certamente nunca espe- bebê, Billy calçou os sapatos de seu padrasto e
rou ser esquecido. Sua mãe nem sequer tinha caminhou até a porta da frente. Sentou-se no
olhado para ele depois que chegaram em casa. alpendre e falou sobre todas as coisas que faria
Sua avó finalmente veio e sentou-se em sua quando fosse “grande como papai”.
58 Brazelton & Sparrow

Billy estava se esforçando para abandonar seu afastar-se por conta própria e espere ressenti-
papel como o bebê da família. Sua recompensa, mentos como algo normal.
às vezes excitante, e às vezes não o suficiente, Todo os dias, talvez enquanto o bebê cochila
seria ser “grande como o papai”. “Ser como ou na hora de dormir do filho mais velho, um
papai ou mamãe” é uma forma de sentir-se pró- pai pode reservar um tempo para ficar sozinho
ximo deles, quando eles estão ocupados e pare- com ele e retomar antigos rituais ou criar no-
cem distantes. O ajustamento a um irmão cria vos. Ajuda planejar horas especiais juntos pelo
um momento decisivo para uma criança de três menos semanalmente. Fale sobre esses mo-
anos. Nenhuma quer aprender a compartilhar. mentos com alegria e convicção. Durante esses
Nenhuma criança quer aprender a compartilhar momentos, concentre-se na criança. Escute e
seus pais, nem abandonar seu papel especial observe. Observe o comportamento, que é a sua
como o bebê da família. Mas o filho mais velho linguagem.
em uma família deve aprender. Ele fatalmente Incentive o filho mais velho a auxiliá-lo no
se sentirá abandonado. As lições sobre partilhar, cuidado do novo bebê, sem forçá-lo a assumir
ensinadas através da chegada de um novo ir- mais responsabilidades do que é capaz. Elogie-
mão, são difíceis e dolorosas, mas necessárias o, quando ajudar, mas aceite seu desinteresse
e, finalmente, inestimáveis. e ressentimento pelo bebê quando os expressar.
Todo pai sonha em tornar possível que o fi- Encoraje-o, quando se identifica com você e
lho mais velho consiga “amar a nova pessoa”. com seu cuidado com o bebê. Ele pode experi-
Isso é muito importante para os pais, devido mentar de modo sofrido os cuidados que você
ao seu próprio pesar por “afastar-se” do primei- dispensa ao novo bebê. Mas respeite a necessi-
ro filho, para cuidar do seguinte. Uma mulher dade do filho mais velho de ser cuidado direta-
que é mãe pela segunda vez sente-se culpada mente por você, mesmo quando precise atender
em relação à invasão da família pelo novo bebê. o novo bebê.
Ela deve encarar a separação e a culpa decorrente
por escolher ter um outro filho. Pergunta-se se Quando Abby começou a engatinhar por volta
ela e o filho mais velho são capazes de fazê-lo. dos oito ou nove meses, Billy começou a “afron-
E, contudo, devem. Ela pode ser mãe de dois – tar” novamente. A nova capacidade de sua irmã
ou três? Deve enfrentar o fato de ter que “abra- de mover-se, de fazer todo mundo gritar quan-
çar o mundo com as pernas”. E pode reservar do ela se aproximava de uma mesa ou de uma
tempo e energia para o filho mais velho? tomada de luz constituía um outro momento
A preparação para a partida da mãe para o decisivo. Billy começou a afastar os brinquedos
parto é muito importante. Apresente o filho de Abby para longe dela. Ele os deixava fora de
mais velho para os substitutos previstos: seu alcance; então sua mãe tinha que vir para
pai, sua avó, sua tia. Assegure-lhe de que ele defendê-la. Quando ela aprendeu a engatinhar,
não está sendo abandonado, que é uma separa- ele parava na frente dela, de modo que ela não
ção temporária. Use o telefone para ajudá-lo; podia se mover. “Billy, você está no caminho
faça-lhe cartões para dar para sua mãe e para o de Abby!” ou “Não leve os brinquedos dela para
novo bebê; e deixe-o ir ao hospital. longe. Brinque com seus próprios brinquedos.”
Quando o bebê chegar, dê ao filho mais ve- Ele descobriu que atormentar sua irmã era uma
lho uma nova boneca ou um bichinho de pelú- forma segura de tirar sua mãe do telefone ou
cia para que ele ame e cuide enquanto os pais afastá-la da cozinha. De algum modo, seu com-
atendem seu novo bebê. Tão logo seja possível, portamento parecia lhe satisfazer. Talvez ele até
deixe-o ajudá-lo na troca de fraldas; deixe-o gostasse de ver seus pais aborrecidos, exata-
participar da amamentação, deixe-o segurar, mente como se sentira quando sofrera as inva-
embalar. Introduza a idéia de que ele também sões de Abby. Sentia-se excitado e até poderoso.
pode ser responsável pelo bebê. Mas deixe-o Mas percebia a irritação na voz de sua mãe mes-
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 59

mo antes de ela demonstrá-la. Era como se tives- padrasto, procurando um lampejo de aprova-
se que fazer sua mãe ficar irritada, como se tivesse ção. Não ali. “Billy, por que você tem que tornar
que fazer Abby chorar. Era como se precisasse a vida tão penosa para todo mundo? Nós sabe-
se tornar um menininho agressivo, barulhento, mos que está com ciúmes de Abby, mas nós
a fim de poder enfrentar mais facilmente os apenas ficamos mais irritados com você, quan-
desafios de “crescer”. do fica implicando com sua mãe e com Abby.”
Billy tinha que descobrir como lidar com Billy queria perguntar: “O que é ‘ciúmes’?” Tu-
essa invasão em seu mundo. Todos tratavam a do o que ele sentia era vazio e solidão. Ninguém
nova mobilidade de Abby como se isso fosse ouvia o seu lado. Queria agradar as pessoas tan-
algum tipo de milagre. Os “oohs” e “ahs” que to quanto elas queriam agradá-lo – mas sempre
ela evocava lembravam-lhe de toda a aprovação acabava mal. Ele não podia evitar.
que ele costumava receber. Ninguém mais fica-
va do lado de Billy. Sua avó tinha ido para casa. A rivalidade entre irmãos é um emaranhado
Seu padrasto se voltara para Abby e dizia “que de sentimentos positivos e negativos. A chega-
gracinha ela era”, quando voltava para casa. da de um novo irmão fatalmente representará
Ele não chegava mais em casa cedo. A Sra. um ou mesmo uma série de momentos decisi-
Stone parecia irritada com Billy a maior parte vos para o filho mais velho; esses são tempos
do tempo. “Billy, não toque nisso! Não deixe as de regressão e reorganização. Um filho mais
coisas espalhadas. Abby pode se machucar. Se velho eventualmente regride, mesmo que não
você tirar mais um brinquedo dela, vai ficar de o faça a princípio. Freqüentemente, isso ocorre
castigo de uma vez por todas!” O menininho no momento de um estirão no desenvolvimento
se sentia abandonado. Ele sofria. do bebê – quando o momento decisivo do bebê
Para ajudar o filho mais velho que está so- o torna mais atraente para todos – aos quatro a
frendo, o pai pode desviar um pouco da atenção cinco meses, quando ele se torna sociável, aos
para ele, permitindo-lhe ajudar a tomar conta sete a oito meses, quando ele engatinha, com
do bebê. O filho mais velho pode ficar orgulhoso um ano, quando ele começa a pegar os brinque-
de si mesmo por entreter sua irmã. Quando dos do irmão mais velho e a invadir seu territó-
queria brincar com Abby, Billy aprendera a falar rio. O filho mais velho geralmente regride para
com uma voz bem fina. Ele guinchava: “Oi, um estágio anterior de desenvolvimento: falan-
Abby! Vamos brincar!” Abby está pronta para do de forma imatura, regredindo no treinamen-
brincar com Billy a qualquer hora. Quando ele to da higiene, acordando com mais freqüência
imita a voz da mãe, Abby se prepara para ma- à noite, comendo menos e criando confusão na
mar. Ela se amolece e começa a ser mais bebê. hora das refeições, exigindo disciplina em mo-
Ele bate de leve na sua cabeça, oferece a ma- mentos especiais. Espere esse comportamento.
madeira para a irmã e cantarola para ela. Logo, O filho mais velho está (1) regredindo para ob-
entretanto, perde o interesse por aquele tipo ter a energia necessária para fazer a transição;
de brinquedo. Começa a fazer caretas, inicia um (2) experimentando sua identificação com o
brinquedo mais grosseiro. Abby muda também. bebê intruso, com a fala do bebê e com o com-
Ela se torna mais cautelosa, mais pronta para portamento do bebê; (3) tentando desviar um
defender-se. Reconhece o velho Billy. pouco da energia de seus pais de volta para ele;
Todos na família estavam conscientes da ne- (4) comunicando aos pais os custos para ele de
cessidade de Billy regredir e implicar. Mas até assumir novas responsabilidades, renunciar a
onde eles deveriam deixá-lo ir? Ele passava boa antigos papéis e repartir seus pais com uma
parte do tempo implicando com Abby e provo- outra criança. Esse comportamento certamen-
cando sua mãe, que no final do dia estava demo- te terá um efeito sobre os pais e os tornará preo-
lida. Quando o Sr. Stone chegava em casa, ela se cupados com seus próprios papéis como respon-
virava para ele e dizia: “Ele é seu! Assuma – eu sáveis por ele.
não agüento mais ele.” Billy olhava para seu
60 Brazelton & Sparrow

Os pais devem colocar de lado esses senti- gador. Ele é muito alto para mim!” Assim que
mentos de culpa que os levam a oferecer gestos ele pronunciou seu elogio, ela correu de volta
de reafirmação ao filho mais velho. Parem e para o escorregador. Sua impetuosidade deixou-
escutem as perguntas e preocupações da crian- a desajeitada. Seu pé escorregou através de dois
ça e deixem-na saber que elas são bem-vindas. degraus. A beirada bateu em sua virilha. Ela se
Respondam-nas simplesmente, mas sempre encolheu brevemente e seu pai foi em sua dire-
com franqueza. Não esperem demais – levará ção. Mas Minnie ignorou a dor e continuou a
muitos anos para que ela perceba que, tendo escalar o escorregador alto. Lá em cima, parou
um outro filho, vocês lhe deram um novo rela- reta. Olhava para a frente o mais longe que
cionamento, que é tão importante quanto o re- podia ver, mas sua coragem enlouqueceu sua
lacionamento com vocês. Ainda assim, quando mãe. Seu pai olhava tudo com orgulho. Sua
os pais entendem e valorizam tudo o que os mãe prendeu a respiração até que Minnie sen-
irmãos podem dar uns aos outros, eles acham tou-se.
fácil oferecer esperança e encorajamento, ao O impulso de Minnie para realizar alguma
mesmo tempo que aceitam os sentimentos ne- coisa lhe emprestava um tipo de insensibilidade
gativos do filho mais velho. à dor. A dor é uma forma de o ambiente dizer:
Tentem não levar o comportamento regres- “Cuidado – você não prestou muita atenção.”
sivo para o lado pessoal ou considerá-lo tão Podemos traçar um paralelo entre a falta de
urgente. Vejam-no como necessário para o re- atenção de Minnie a mensagens de outros e
ajustamento. Apóiem a criança, entendendo sua relativa insensibilidade a suas próprias
seu sofrimento. Embora o filho mais velho deva mensagens internas. Ela pode ignorá-las. Isso
ser supervisionado com o bebê, tente perma- é bom, desde que a dor não esteja sinalizando
necer fora do relacionamento deles. A rivalida- perigo real. O encorajamento de seu pai ajudou
de entre irmãos e o carinho entre eles são dois a promover sua irresponsabilidade.
lados da mesma moeda – se puderem desenvol- Minnie está à mercê de elogios, como toda
ver um relacionamento sem a intromissão dos criança nessa idade. Ela cresce com eles e tira
pais. A chance de aprender a lidar com a perda coragem deles. Elogio demais ou estressa a
de um relacionamento único com os pais pode criança por criar um tipo de dependência, ou
ser o presente mais vulnerável que um pai pode perde sua importância completamente. “Ma-
dar para um filho mais velho. mãe sempre diz que eu sou uma boa menina.”
O elogio precisa ser reservado para realizações
importantes, de modo que transmita seu signi-
Trocando um pai pelo outro ficado total e encoraje mais crescimento. O elo-
O pai de Minnie foi à pracinha após seu jogo gio pode ser um guia poderoso ao que é aceitá-
de softball. Seu time tinha vencido, e ele estava vel e ao que não é; entretanto, ele também pode
animado com o sucesso. Estava jovial e pronto prejudicar a motivação da própria criança, sua
para a atividade energética de Minnie. Quando capacidade de tomar suas próprias decisões.
o Sr. Lee entrou na pracinha, sua filha lançou- Embora Minnie parecesse prestar pouca
se em sua direção. Sem olhar para o rosto dele, atenção à presença de seu pai, era fácil para
sem chamar por ele, apenas se atirou em seus um observador ver que isso afetava sua ativida-
braços. Orgulhosamente, ele girou-a no ar. Os de. Agora, ela queria que ele jogasse bola com
dois tinham esquecido a catástrofe da estatueta ela. A menina podia lançar a bola com precisão,
quebrada. A Sra. Lee podia dizer que ele tinha se seu pai ficasse perto. Ainda não tinha domi-
vencido seu jogo de softball. “Você pode cuidar nado a tarefa de apanhar a bola, mas o Sr. Lee
de Minnie agora. Eu estou em frangalhos. Olhe tentava mostrar-lhe como juntar as mãos e es-
aquele escorregador! Ela fica se balançando lá perar pela bola. Isso não funcionava com muita
em cima!” O Sr. Lee abraçou sua filha. “Que freqüência. Minnie queria que seu pai partici-
menina corajosa! Mas cuidado com o escorre- passe com ela em todos os brinquedos da praci-
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 61

nha. Implorava para que ele brincasse com ela poderia facilmente pensar consigo mesmo: “Se
na gangorra. Ele concordava animadamente e ela o desse para mim, ele não seria tão covar-
se sentia um menino novamente. Ele subia, ela de.” O apego de Tim aumenta a tensão de seus
descia. Ele subia, ela batia no solo. Enquanto pais. Eles provavelmente descarregam-na um
brincavam, ele aumentava a excitação batendo no outro. O menino pode estar pagando um
a extremidade de sua gangorra no chão. Minnie preço ainda maior – perder a chance de apren-
dava gargalhadas. Ele adicionava alguma sur- der sobre sua identidade masculina, perder a
presa ao jogo de balançar, batendo sua extremi- chance de independizar-se da necessidade da
dade primeiro rapidamente, na vez seguinte presença constante de sua mãe.
lentamente. O pai permanecia embaixo. A filha
ficava lá em cima. Ele fazia a gangorra parar
no meio de um embalo. Ela gargalhava. Ele ado- Independência e separação
rava sua responsividade. Toda vez, ele tentava
A creche
uma nova surpresa. Ela ria alto, e ele ria com
ela. Divertiam-se na companhia um do outro. Talvez o grande estresse dos pais de crianças
Nenhum deles prestava atenção no quanto a pequenas hoje seja a luta para encontrar uma
Sra. Lee devia sentir-se excluída. creche ideal, compatível com sua renda. A mãe
O pai de Tim também chegou à pracinha de Tim teve que voltar ao trabalho após o nas-
para substituir sua esposa. A Sra. McCormick cimento do menino, porque a família precisa-
levantou-se rapidamente, e Tim agarrou-se a va do salário de ambos os pais. O pai estava
ela ainda mais forte. Ele parecia um macaco sob demasiado estresse. A Sra. McCormick sen-
bebê agarrando-se ao pêlo de sua mãe. Ela ten- tia que precisava deixar de ser “apenas uma
tou afastá-lo para entregá-lo ao seu pai. mãe” em casa. Às vezes, ela tinha medo de per-
As mãos de Tim pareciam garras presas à der sua sanidade. Amava estar com Tim e as-
mãe. Ele tentou apelar para a sucção do polegar, sistir sua mente observadora, inquisitiva em ati-
mas descobriu que isso significava soltar uma vidade. Mas, após três anos de observação e
mão. Rapidamente voltou à sua agarração, en- espera – e preocupação com ele – precisava da
terrando a cabeça no ombro da mãe. companhia de adultos. Precisava voltar ao tra-
O Sr. McCormick ficou embaraçado com essa balho – por ela mesma e também pelo dinheiro
demonstração de dependência na frente de ou- extra.
tros pais e fez uma breve tentativa de conseguir Mas, enquanto pensava em voltar ao traba-
a atenção de Tim. “Timmy! Eu vim para ficar lho, a Sra. McCormick olhava para Tim com
com você para brincarmos juntos. Você não quer novas preocupações. Será que ele vai ficar bem?
vir comigo?” Nenhuma resposta. Seu pai deixou Seu cuidador iria entendê-lo? Ele sofreria? Ela
cair os braços, resignado. A Sra. McCormick esta- começou a perceber a extensão de sua própria
va segurando Tim um pouco mais apertado? ansiedade e até de sua própria dor em deixá-lo
Ela tinha encorajado o menino a grudar-se ne- com uma outra pessoa. Tentou preparar-se.
la? Não havia evidência clara disso. Todos os pais devem passar por isso quando
Tim pode sentir que, quanto mais ele se deixam um filho aos cuidados de outros.
apega, menor é a probabilidade de sua mãe Ela pesquisou para encontrar o lugar per-
deixá-lo. Talvez ela o segure de um jeito que feito para Tim. Apelou para amigos e para livros
diz: “Eu não quero deixá-lo. Você precisa de em busca de orientação. Examinou cada canto
mim.” Enquanto isso, o pai de Tim sente-se da creche para verificar se havia lugares perigo-
excluído e impotente; fatalmente gerará res- sos, limpeza, proporção de adultos para crian-
sentimento tácito por Tim e sua mãe. Quando ças. (Ver “Creche” na Parte II.) Ela tentou ava-
ambos os pais se preocupam com um filho, irão liar a atmosfera do centro pelo comportamento
competir por aquela criança; isso tudo é parte das crianças. Os cuidadores gostavam delas?
de uma profunda preocupação. O Sr. McCormick Eles desciam ao nível das crianças para brincar
62 Brazelton & Sparrow

e comunicar-se? As crianças estavam felizes e conseguisse se ajustar na creche? Ela estaria


interessadas? O centro tinha um currículo di- lhe causando um mal irreparável ao deixá-lo?
rigido ao aprendizado da criança? Mas, toda Ele parecia tão vulnerável!
vez, ela se pegava voltando à questão principal: Quando entraram na creche, Tim se enrije-
“Eles iriam gostar de Tim?” Tim parecia ser ceu, mas continuou caminhando ao lado dela.
incomum comparado a outras crianças de três A Sra. McCormick apertou sua mãozinha. Ela
anos. Ela observou cada cuidador em busca de sentiu uma lágrima brotar em cada olho. A pro-
sensibilidade e uma capacidade de relacionar- fessora da creche, Sra. Thompson, veio recebê-
se com crianças tímidas em cada classe. Muitos los. “Bem-vindos! Oi, Tim. Espero que você
dos centros eram francamente orientados a goste daqui!” O retraimento de Tim, seu olhar
crianças extrovertidas que se ajustavam e que desviado, sua falta de contato com ela, tudo
sabiam se virar sozinhas. Ela não tinha a menor foi registrado pela Sra. Thompson. Ela parou
idéia de como Tim se ajustaria e ainda menos de conversar e esperou que a Sra. McCormick
fé em se ele poderia ou não se ajustar. fizesse o próximo movimento. A Sra. McCormick
Quando finalmente fez sua escolha, a Sra. disse: “Eu acho melhor nos sentarmos aqui um
McCormick pode encarar o marido novamente. pouco até que Tim se acostume.” “Por favor,
Ele tinha desdenhado de quanto tempo ela le- façam isso.” Durante três dias, Tim e a Sra.
varia. Quando ela se decidiu por uma creche, McCormick se grudaram um no outro e obser-
levou o marido para visitá-la. “Você acha que varam as outras crianças brincar. Finalmente,
ele vai se dar bem aqui?”, ela lhe perguntou. O a Sra. Thompson disse: “Por que não deixa Tim
Sr. McCormick respondeu rapidamente: “Vai aqui por uma ou duas horas? Você vai. Ele e eu
ser bom para ele. Ele vai se tornar um menino nos sentamos aqui e observamos as crianças.”
normal. Nós o temos mimado.” Mas, por den- Ela pensou, “Talvez ele se solte, se sua mãe o
tro, ele também sentia-se desconfortável. Esses deixar”. A Sra. McCormick disse a Tim diversas
cuidadores seriam capazes de gostar de Tim? vezes que estava indo. Nenhuma palavra, ne-
Desde o princípio, os pais de Tim tinham pensa- nhum movimento, nenhuma resposta da parte
do em contratar uma pessoa para tomar conta dele. Quando ela finalmente saiu, não pôde sair
de Tim. Mas simplesmente não podiam se dar realmente. Escondeu-se em um canto, esperan-
o luxo de ter uma babá; todas que podiam pagar do que Tim exigisse que ela voltasse. Nenhuma
não tinham treinamento, tinham algum vício palavra, nenhum movimento. Ele ficou sentado
ou comportamento de risco. Uma creche pode- imóvel onde ela o tinha deixado. A Sra.
ria também incentivar Tim a ser como outras Thompson tentou diversas manobras para
crianças. Ambos sonhavam dia e noite com essa encorajá-lo a brincar com as outras crianças,
possibilidade. que vinham persuadi-lo. Nenhuma palavra,
Quando chegou a hora de levar Tim para a nenhum movimento. Finalmente, em desespe-
creche, a Sra. McCormick sentiu-se quase imo- ro, a Sra. Thompson foi brincar com os outros.
bilizada por um tipo de pressentimento. Ficou Tim permaneceu calado, imóvel. Após algum
dizendo ao filho repetidamente que sempre vol- tempo, as outras crianças se acostumaram com
taria para pegá-lo. Seu rosto sério fez seu cora- a irresponsividade de Tim; ele sentou-se em um
ção dar saltos. Percebeu que mal podia supor- canto, observando. As outras crianças brinca-
tar a separação. Quando ela o pegou aquela ma- vam na volta dele, basicamente ignorando-o.
nhã, sua voz estava tão sufocada que nem pôde De vez em quando, uma criança fazia uma ou-
dizer bom-dia ao marido ou ao irmão de Tim. tra tentativa. “Venha brincar conosco.” Mas
Tim sentou-se silenciosamente, quase impas- elas sentiam que Tim preferia observar e ser
sível, ao lado dela no carro. Nem uma palavra, deixado em paz. Nenhuma palavra, nenhum
nem um movimento da parte dele. Ele parecia movimento da parte dele.
sentir sua tristeza e respeitá-la. Mas sua imobi- Quando sua mãe voltou uma hora depois,
lidade apavorou a Sra. McCormick. E se ele não Tim ainda estava sentado onde ela o havia dei-
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xado. Ele olhou-a sem uma palavra. A Sra. bilidades sociais e a apreciar seus pares, à me-
Thompson assegurou à mãe de Tim que ele tinha dida que fazem esse tipo de ajustamento.
ficado feliz, mas não se mexera. Ela não sabia
como chegar até ele, ela disse. A Sra. McCormick Os pais de Minnie também tinham examinado
falou que isso era normal com Tim; a Sra. todas as orientações para uma creche de alta
Thompson assegurou-lhe que muitas crianças qualidade antes de decidirem-se a deixá-la. Eles
necessitam que um dos pais permaneça com observaram medidas de segurança, medidas
ela pelo menos nas primerias semanas. nutricionais e medidas de saúde (os cuidadores
Para surpresa e satisfação da Sra. McCormick, lavavam as mãos entre as trocas de fraldas de
assim que eles tinham saído da creche para ir cada criança?). Procuraram uma proporção ideal
para casa, Tim se abriu no carro. Contou a sua de adultos para crianças (não mais de quatro
mãe sobre as duas crianças que tinham tido crianças para um adulto) e cuidadores que ti-
uma briga, sobre a menininha que brincou de vessem experiência com crianças pequenas.
casinha e que tinha alimentado suas bonecas, Essa creche custava duas vezes mais do que as
sobre o menino que escalara o trepa-trepa e fi- creches que eram menos bem equipadas. Por
cara lá pedindo ajuda para descer. Enquanto exemplo, o custo se tornava quase proibitivo
falava, seu rosto se iluminou, ele ficou anima- para mais de um filho de cada vez; isso certa-
do. A Sra. McCormick percebeu que Tim tinha mente afetou a decisão dos Lees sobre ter mais
vivenciado todos esses episódios de uma certa filhos.
distância. Ele tinha participado observando. Ela A Sra. Lee lembrava que não tinha voltado
mal podia esperar para contar à Sra. Thompson, ao trabalho até Minnie ter um ano de idade.
para tranqüilizá-la, assim como ela se sentia Naquela época, tinha sentido uma terrível carga
tranqüilizada. de culpa e aflição cada vez que tinha que deixar
Para a Sra. McCormick, isso pareceu um Minnie. Ela sabia que a menina não seria fácil
primeiro passo em direção à “normalidade” para os cuidadores. Seus acidentes tinham pro-
para Tim. Sua responsividade ao que tinha as- vado isso. Sentia que Minnie era desligada de
sistido era um sinal de que tinha se arranjado relacionamentos sociais e temia o que poderia
sem ela. Um sinal de fracasso teria sido demais acontecer. Todas as mães se perguntam se os
para ela, que precisava da reafirmação dele de cuidadores irão gostar de seu filho “como ele
que podia deixá-lo na creche. é” e incentivarão seu crescimento ideal. A im-
pessoalidade de Minnie podia ser um problema.
A separação pela manhã é sempre um obstáculo A Sra. Lee ficou observando para ver como
quando as crianças vão pela primeira vez para a professora entrevistava Minnie e se relaciona-
a creche. Muitas crianças se desorganizam. Elas va com ela. A princípio, os Lees tinham achado
se queixam e choram todos os dias. Quando uma coisa boba uma criança de um ano ser en-
têm uma professora com quem se relacionam trevistada em uma creche, mas posteriormente
bem, isso pode ajudar. Mas a separação prova- ficaram gratos pela entrevista. A Sra. Lee viu a
velmente ainda será difícil e dolorosa. Esse pro- professora abaixar-se no chão ao nível de
testo é saudável para a criança, mas não é fácil Minnie. Ela tentou conversar enquanto olhava
para os pais. Todos eles devem criar coragem o rosto de Minnie. Não funcionou. Minnie ficou
para sair após um até-logo choroso. Se necessi- mais agitada e ativa. A Sra. Lee ficou ansiosa.
tarem de tranqüilização, podem esperar e obser- Minnie era realmente uma criança difícil? Ela
var de um canto. A maioria das crianças pare- pôde ver a Sra. Thompson franzir as sobrance-
cem readquirir o domínio de si mesmas. Elas lhas levemente enquanto essa pergunta surgia
aceitam a oferta de conforto dos cuidadores. em sua mente também. Então a Sra. Thom-
Eventualmente, se voltam para relacionamen- pson sentou-se reta, afastando-se ligeiramen-
tos com outras crianças para preencher a per- te de Minnie. Ela desistiu rapidamente de sua
da do pai. As crianças realmente aprendem ha- tentativa de fazer contato direto. Em vez disso,
64 Brazelton & Sparrow

em lágrimas, estava tão agradecida! Era um alí-


vio ver alguém com autoridade lutando para en-
tender Minnie da forma como a Sra. Thompson
fizera. Sentia que a Sra. Thompson podia ajudá-
la a entender melhor a filha.
Agora que Minnie tinha três anos, ela e sua
mãe brigavam para que ela se vestisse quase
todas as manhãs. A menos que a Sra. Lee tivesse
escolhido todas as roupas de Minnie antecipa-
damente, a menina era capaz de disparar de
uma lugar para outro, enquanto sua mãe para-
va para escolher roupa de baixo, meias, calças,
camiseta. Quando ela se virava, Minnie não
estava mais. Quando a Sra. Lee tinha localizado
meias e sapatos, ela desaparecia novamente.
Macacões tinham que ser abotoados correndo
de um lado para outro, porque Minnie nunca
parava de se mexer. Os sapatos vinham por últi-
mo; uma vez que eles podiam ser fechados com
tiras de velcro, a menina adorava tirá-los,
colocá-los, tirá-los novamente. Durante todo o
café da manhã, o som rasgado do velcro abafava
pegou uma boneca e construiu um edifício de os estalidos do cereal. Minnie desafiava sua
blocos para a boneca escalar, cantando baixinho mãe a cada refeição. Especialmente no café da
para si mesma enquanto construía. Então mo- manhã, ela se queixava, subia e descia da cadei-
veu a boneca e disse: “Agora ela quer caminhar ra, brincava com seus sapatos. Parecia óbvio
e ficar de pé sobre os blocos. Quer escalar e ser para a Sra. Lee que ela queria adiar a inevitável
uma menina muito grande.” Tão logo a Sra. partida. Ela não sentia que era particularmente
Thompson reduziu suas tentativas sociais e co- importante para Minnie. Como ela ansiava por
locou os brinquedos entre elas, Minnie come- sinais de ternura!
çou a prestar atenção. À medida que a Sra. Minnie descobriu que podia despir-se a ca-
Thompson falava, o interesse de Minnie au- minho da escola, enquanto sua mãe estava diri-
mentava. Ela moveu-se e sentou-se perto da gindo. Ela chegava na escola completamente
Sra. Thompson, que empurrou alguns blocos nua. A Sra. Lee ficava morta de vergonha.
para Minnie, mas não disse nada. Minnie ten- Embora as professoras dissessem rindo: “Ape-
tou construir sobre a casa. Logo as duas esta- nas nos dê as roupas dela. Nós a vestiremos.
vam brincando juntas. O interesse de Minnie Ela não nos provoca desta maneira”, a Sra. Lee
não desapareceu. Ao final de 15 minutos de ficava embaraçada demais para continuar. O
brincadeira, a Sra. Thompson disse: “Eu acho Sr. Lee assumiu a tarefa de levar Minnie para a
que agora entendo Minnie e acho que ela me creche. Com ele, a menina não se despia. Os
entende. Podemos fazer isso uma com a outra dois conversavam e riam durante todo o cami-
e é isso que quero saber. Ela é ativa e não gosta nho para a escola. Ele lhe contava histórias
de aberturas sociais intrusivas, mas ela pode absurdas; ela ria e acrescentava uma ou duas
envolver-se em uma tarefa. Ela pode relacionar- frases. “A vaca saltou sobre o mundo inteiro e
se com alguém como eu, desde que eu a deixe caiu de cabeça para baixo!” Minnie ria: “Seu
assumir a liderança. Gosto de Minnie e acho leite caiu em cima dela!” Gargalhadas.
que ela gosta de mim. Também acho que vamos Quando chegavam na escola, tinham rido
nos dar muito bem.” A Sra. Lee estava quase tanto que era difícil tirar Minnie do assento do
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 65

carro. Ela chutava seu pai, enquanto ele tentava “Minnie, conte-nos algo interessante!”
desafivelar o cinto de segurança. Ele lhe fazia “Bem, meu papai me trouxe para a escola. Ele
cócegas e os dois entravam pulando na creche. não foi embora!” O Sr. Lee ficou radiante. Todas
Quando Minnie chegou, sua professora, a as crianças olharam na direção do Sr. Lee. Que
Sra. Thompson, disse: “Vejam quem está aqui! excitação sua presença causava! Mas isso tam-
Minnie e seu papai! Bem-vindos.” A Sra. bém lembrava as crianças de suas próprias ca-
Thompson deixou o Sr. Lee tirar o casaco e as sas e dos pais que elas haviam deixado.
botas de Minnie. Ele fez um jogo disso. “Tire A Sra. Thompson sentiu isso e apressou-se
seu casaco, mas não sua camiseta. Tire suas em continuar. “Carlos, você é o próximo!”
botas, mas deixe seus pés no lugar.” A creche tinha sido um sucesso desde o iní-
Minnie entrou correndo na sala, já cheia de cio; o Sr. e a Sra. Lee tinham confiança de que
crianças. Várias a cumprimentaram, e o Sr. Lee Minnie estava em boas mãos. Eles participavam
parou para observar. Ele estava fascinado de de todos os eventos de pais por verdadeira grati-
ver Minnie assumir um papel de liderança com dão. A Sra. Lee usou cada uma das professoras
seus colegas. Ela pulava, dançava, os guiava até de Minnie para tentar entendê-la melhor e para
o trepa-trepa. “Minnie! Minnie!” Ele estava expiar seu sentimento de que não estava “em
emocionado. Não conseguia ir embora. Olhou sintonia” com sua filha. Embora tenha havido
para o relógio: hora de trabalhar. Ele ignorou o muitos altos e baixos, as coisas tinham ido bem.
fato. Um dia, recentemente, Minnie tinha se de-
A Sra. Thompson disse: “Agora é hora do sestruturado na creche um pouco antes da hora
círculo!” de ir para casa. Quando a Sra. Lee chegou para
Todas as crianças pararam no mesmo ins- pegá-la, a menina encolerizou-se. Atirou-se ao
tante o que estavam fazendo, como se tivessem chão esperneando e gemendo. Quando a Sra.
combinado. Elas desceram do trepa-trepa, cho- Lee tentou levantá-la, Minnie chutou o rosto
caram-se umas com as outras para encontrar de sua mãe. A Sra. Lee ficou espantada por esse
seus lugares em um círculo. A hora do círculo acesso de raiva. “Ela está furiosa comigo por
era o ponto alto do novo dia. Elas sentaram-se tê-la deixado?”, perguntou-se. O incidente
em um círculo. “Aplausos!” Bem-vinda, Takie- reviveu todas as suas preocupações. O quanto
sha! Bem-vindo, Aaron! Bem-vinda, Rosa!” Ao esses sentimentos de culpa tornavam mais difícil
redor do círculo, cada um se levantava quando para ela enfrentar o acesso de raiva de Minnie e
seu nome era chamado. “Agora vamos cantar soltar-se. A professora assistente colocou mais
nossa canção matinal!” “Estamos felizes de es- lenha na fogueira: “Eu simplesmente não en-
tar aqui! Todos nós sentimos sua falta na noite tendo; Minnie nunca age assim conosco.” Que
passada!” Enquanto as crianças cantavam, golpe! Naturalmente Minnie nunca age assim
pronunciando suas contribuições entusiastica- com ela – a cuidadora não é tão importante
mente, estendiam os braços e se davam as assim. Nenhum pai que trabalha está adequa-
mãos. A atmosfera era carregada de sentimen- damente preparado para o descontrole da crian-
tos de ternura. As crianças estavam radiantes. ça que ocorre quando ele entra pela porta ao
Minnie ondulou-se com um sorriso para seu final do dia. Pais que precisam deixar seus filhos
pai, que ainda não conseguira ir embora. todo o dia têm medo de não poderem estar à
A Sra. Thompson disse: “Agora, cada um vai altura dos cuidadores; este era o pior pesadelo
contar alguma coisa legal!” Aaron contou so- da Sra. Lee, e Minnie parecia estar provando
bre seu novo porquinho-da-índia chamado que isso era verdade através de seu comporta-
Woodrow. “Ele deixa eu abraçá-lo e faz xixi em mento. Mas a observação da assistente é apenas
cima de mim!” Todos riram. Isso foi um lembre- um exemplo da barreira competitiva entre
te do quanto eram recentes suas próprias reali- cuidador e pai, e a Sra. Lee precisará estar pre-
zações. Algumas delas tocaram suas próprias parada para isso.
calcinhas para sentir se ainda estavam secas.
66 Brazelton & Sparrow

A desorganização de Minnie ao final do dia das. De outro modo, é muito fácil sentir-se res-
na creche é muito comum. Uma criança acu- sentido com a professora ou cuidador de seu
mula toda sua frustração, toda sua sobrecarga filho. “Competição” e uma relação repleta de
durante todo o dia. Ela a acumula até estar estresse poderiam ser o resultado disso.
dentro de uma zona de segurança que seus pais
oferecem a fim de poder desabafar com eles, A mãe de Marcy voltou ao trabalho cedo; ela
porque esses são seus sentimentos mais pro- precisava de seu salário e não podia tirar os três
fundos, mais importantes. Ela está dizendo: meses de licença não-remunerada. Marcy tinha
“Graças a Deus, você está aqui. Eu posso con- apenas dois meses de idade. A Sra. Jackson
fiar-lhe meus sentimentos mais profundos e to- preocupou-se com meses de antecedência, mes-
das as minhas angústias.” A Sra. Lee precisa mo durante a gravidez, em relação a deixar sua
ouvir isso e entender o que está acontecendo. filha com uma outra pessoa. Seu filho mais
Em vez disso, ela sentiu-se dilacerada e culpada velho tinha experimentado esse tipo de dificul-
por deixar Minnie. Imaginou que tipo de am- dade quando ela voltara ao trabalho – houve
biente Minnie experimentou o dia inteiro. “Será momentos em que ela sentia que o havia perdi-
que a castigaram e a reprimiram? Ela aprenderá do e preocupava-se se algum dia poderia tê-lo
com essa experiência ou eu a estou condenan- de volta.
do a uma vida menor por deixá-la? Minha mãe Agora, Marcy precisava de um cuidador, de
sempre estava em casa para mim.” modo que a Sra. Jackson pudesse trabalhar em
período integral sem ter que se preocupar. Ela
O pressentimento fatalmente surgirá na mente escolheu o que lhe pareceu ser uma creche bem
de todas as mães; ele reflete o sofrimento que conduzida. Mas os Jacksons logo descobriram
todos os pais devem experimentar quando com- o que todos nós sabemos: que o salário dos fun-
partilham a guarda da criança com uma outra cionários das creches é tão inadequado que a
pessoa. Para enfrentar a dor de partilhar sua rotatividade de cuidadores é um grande proble-
filha, a Sra. Lee precisa encontrar uma forma ma. Em um ano, Marcy teve quatro cuidadores
de lidar com seus sentimentos. diferentes! Como um bebê poderia ajustar-se a
Estas são as defesas universais que os pais tantas pessoas diferentes? Marcy demonstrava
podem usar para lidar com essa dor: o estresse das mudanças em casa todas as vezes.
1. Negação – negando que isso diz respeito Ela dormia intermitentemente, comia mal,
a eles ou ao filho, tentando convencer- chupava mais seu polegar. Os Jacksons sentiam
se de que isso não é tão importante. que ela ficava mais apegada e ávida por eles,
2. Projeção – projetando toda a boa paren- cada vez que ela tinha um novo cuidador. Mas
tagem no cuidador e não sentindo nada Marcy se recuperava rápido. A cada vez, voltava
além de culpa por si mesmos – ou o opos- ao normal em algumas semanas. Voltava a ser
to: botando a culpa no cuidador por tudo o bebê alegre, extrovertido após cada episódio
o que acontece. e parecia desenvolver habilidades sociais mara-
3. Afastamento – um distanciamento emo- vilhosas à medida que crescia. Atravessara cada
cional, uma necessidade de sentirem-se período de percepção de estranhos, aos oito,
menos envolvidos com a criança; não se doze e dezoito meses, com alguma angústia,
importando, porque dói muito se impor- mas sem desgaste real e parecia ter aprendido
tar. a apelar para seus pares em busca de conforto.
Sempre que tinha um novo cuidador, Marcy
Essas são defesas universais e, de certo mo- queria mais tempo de brinquedo com as outras
do, necessárias para lidar com uma separação crianças na classe. A Sra. Jackson percebeu isso
dolorosa. Quando elas interferem na confiança e organizou dias de brinquedo após o trabalho.
que é necessária entre pai e cuidador, entretan- Para a Sra. Jackson, tinha havido uma outra
to, precisam ser trazidas à tona e compartilha- preocupação: “Será que eles realmente gostam
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 67

de crianças negras ou eles a estão recebendo A Sra. Thompson veio e pediu que as crian-
bem apenas superficialmente? Porque eu preci- ças dessem espaço para Marcy ficar com sua
so saber se eles não vão dar vazão a seus senti- mãe. “Quando há um pai na sala”, disse ela,
mentos em relação a Marcy quando eu for “as crianças sempre nos tratam como se não
embora.” Os Jacksons tinham escolhido uma estivéssemos aqui ou fossemos peças de mobí-
creche com crianças de raças e etnias diversas. lia. O pai de qualquer uma serve; o pai não pre-
Agora, aos três anos, Marcy parecia satisfeita e cisa ser o delas.” Enquanto a Sra. Jackson abra-
tinha um amplo círculo de amigos. A Sra. çava Marcy, e a menina se aninhava conforta-
Jackson considerava isso como um sinal de que velmente em seus braços, as outras crianças ob-
eles tinham feito a escolha certa desde o início. servavam com olhos ternos, ansiosos. Muitas
Contudo, a Sra. Jackson continuou a imagi- delas apelaram para seus polegares. Um meni-
nar como eram os dias de Marcy. Ela precisava ninho tinha uma fralda presa a sua camiseta.
experimentar por si mesma. Ao invés de impor Ele a agarrou e esfregou. Era seu objeto querido.
horas de visitas rígidas para os pais, nessa cre- O fato de essas crianças parecerem tão feli-
che eles eram bem-vindos a qualquer momen- zes e bem-ajustadas por um lado, mas demons-
to. Embora não seja um bom sinal uma creche trarem tal saudade por outro, entristeceu a Sra.
não ter horários de visitas flexíveis, os pais de- Jackson. Ela pegou-se novamente imaginando
veriam reconhecer que a presença deles é pre- se era realmente certo deixá-los. (Ver também
judicial para as crianças que estão trabalhando “Trabalho e Atenção”, na Parte II.)
o afastamento dos pais. Percebe-se isso pela ân-
sia que as crianças demonstram em relação a
qualquer pai. Separação e independência po-
Preparando para a separação
dem ser seus maiores desafios nesse momento. Como os pais auxiliam o ajustamento de seus
A Sra. Jackson visitou a creche, mas sentiu- filhos quando precisam retornar ao trabalho?
se culpada por ainda nutrir tal desconfiança. A primeira tarefa dos pais é encarar seus pró-
Ela visitou a sala de Marcy e pôde observar sua prios sentimentos de perda. A menos que pos-
filha através de um vidro de uma só direção. A sam reconhecer e enfrentar seus próprios senti-
menina estava orgulhosamente liderando duas mentos, não serão suficientemente livres para
outras crianças ao redor da sala em um jogo de ajudar o filho com os dele.
marchar. Quando suas companhias tentaram Preparar a criança com antecipação é o passo
parar, Marcy disse: “Não, continuem até eu di- seguinte. O pai pode dizer:“Você sabe, eu preci-
zer que é hora de parar!” “Arrogante ela, não?”, so deixá-lo na escola. Você e eu vamos sentir
pensou sua mãe. Uma criança começou a cam- saudades um do outro todo o dia. Mas a profes-
balear. Marcy foi até ela e lhe deu um tapinha sora estará lá para cuidar de você. E quando eu
na cabeça. “John, sinto muito.” A Sra. Jackson voltar no final do dia, você poderá me contar
ficou surpresa de que Marcy fosse tão simpática. todas as coisas divertidas que você fez.” Esse
Fortalecida, a Sra. Jackson entrou na sala. tipo de preparação dá à criança uma chance de
“Mamãe! Mamãe! Você está aqui!”, gritou antecipar a separação.
Marcy. Todas as outras crianças se amontoaram Em seguida, o pai deve estar preparado para
em torno dela. Marcy disse: “É a minha mamãe! a reação da criança; isso provavelmente será
Ela veio para visitar.” A Sra. Jackson sentou-se um momento decisivo em seu desenvolvimen-
em uma cadeira alta. As crianças brigaram por to. A regressão é provável e aprofundará a vul-
um lugar no seu colo. Marcy foi excluída. A nerabilidade de um pai em deixá-la.
Sra. Jackson percebeu isso, quando viu Marcy
do outro lado da sala, chupando seu polegar. A criança fatalmente sentirá a ansiedade da
“Marcy, venha aqui. Eu vim para ver você!” Ela mãe, confundindo e intensificando a sua pró-
olhou para as professoras, pedindo ajuda para pria ansiedade. O comportamento que se vê na
tirar algumas crianças do seu colo. superfície é sua tentativa de lidar com essa difi-
68 Brazelton & Sparrow

culdade da separação. Logicamente será difícil Sra. Stone desejava poder lavá-lo. Uma noite,
porque geralmente é a primeira vez que uma enquanto Billy dormia, ela tirou o cobertor fur-
criança tem que lidar com um longo período tivamente de sua mão e o levou para lavá-lo.
sem um de seus pais. Ela deve encarar um cui- Mais tarde, um grito penetrante veio do quarto
dador que quer se aproximar dela – invadir sua de Billy. Seu padrasto correu até ele. “Meu co-
dependência de seus pais. Suas reações – apego, bertor! Meu cobertor!” O Sr. Stone reconheceu
protesto, regressão em casa – são todas expres- sua angústia e correu para recuperar o cobertor
sões de suas tentativas de lidar com a situação. da secadora. Levou-o de volta para Billy, que o
Seus padrões de reação provavelmente se inten- examinou cuidadosamente para assegurar-se
sificarão com esse estresse. Ela pode tornar-se de que era seu antigo objeto querido. Seus solu-
hipersensível a estímulos ou pode retrair-se e ços diminuíram quando ele o examinou. Era
afastá-los, e isso pode ser perturbador. A ativi- um objeto diferente. O Sr. Stone desculpou-se,
dade motora pode ser afetada – uma criança “Billy, é seu velho e querido amigo. Mamãe
tão ativa quanto Minnie poderia tornar-se ainda achou que ele precisava ser lavado, mas ainda
mais ativa e mais insensível; ou uma criança é o mesmo.” Billy olhou para ele com olhos tris-
tão calada quanto Tim poderia tornar-se ainda tes, assustados, como se dizendo: “Como você
mais calada e mais imobilizada. pôde fazer isso sem me pedir?” O Sr. Stone dis-
se: “Sinto muito termos feito isso à noite. Nós
não pensamos no quanto você ama o cobertor
Cobertores, objetos queridos e o do jeito que ele era. Você perdoa a mamãe e a
hábito de chupar o polegar
mim?” Ele agarrou Billy e o abraçou. Embala-
A maioria das crianças necessita de um objeto ram-se juntos por um longo tempo, enquanto
de transição, especialmente durante a separa- as lágrimas de Billy diminuíam. Ele se agarrou
ção. Uma criança que já se firmou a um cobertor ao seu cobertor querido, enfiando o dedo na
ou ao polegar está mais bem preparada para sua borda de seda como se isso fosse especial-
recorrer aos seus próprios recursos. Pais aflitos mente reconfortante para ele. Os lamentos e
poderiam achar difícil observar a criança substi- murmúrios de Billy a seu querido amigo, o obje-
tuí-los ativamente por um objeto. Esse é um to querido, eram um lembrete do quanto era
momento decisivo no desenvolvimento de uma profunda sua confiança. Finalmente ele ador-
criança – aprender a tornar-se ainda mais inde- meceu, ainda agarrado a seu amado cobertor.
pendente. A regressão e a reorganização são ne- Na manhã seguinte, quando ele saiu da
cessárias tanto para os pais quanto para a crian- cama, Billy anunciou triunfantemente: “Ma-
ça. Nessas ocasiões, uma criança precisa de uma mãe tentou roubar meu cobertor, mas o papai
lembrança confortadora de casa e do relaciona- o salvou.” Isso era um golpe baixo para a Sra.
mento familiar. Marcy voltou-se para um amigo Stone e um triunfo para o padrasto de Billy.
imaginário. “Quando a mamãe sair, vamos con- Eles precisariam reparar essa falha juntos.
versar.” Ela dizia isso em casa e fora dela, sem- Reconhecer essa necessidade intensificada
pre quando sua mãe podia ouvi-la. A Sra. de dependência e dar-lhe crédito é uma forma
Jackson estremecia toda vez que Marcy falava importante de apoiar a criança através de mu-
com seu amigo imaginário; mas a menina sen- dança e estresse. O padrasto de Billy respeitava
tia-se segura quando descarregava suas triste- a necessidade que o menino tinha de seu objeto
zas sobre seu amigo. “Mamãe está sempre fu- querido. Abraçá-lo sozinho com o cobertor foi
riosa. O papai diz para não dar importância.” uma outra forma de afirmar os esforços do pró-
O cobertor de Billy assumiu nova importân- prio Billy de tornar-se mais independente. En-
cia, quando ele começou a freqüentar a creche. corajar sua esposa a fazer o mesmo ajuda a di-
Enfiava o dedo nele, cobria sua cabeça com ele minuir a barreira que, de outro modo, poderia
e o chupava. Ele era sujo e malcheiroso, e a intensificar-se entre eles.
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 69

A avó de Tim reconhecia sua fragilidade e queria


ajudar; ela achava que um “objeto querido”
para ele poderia ajudá-lo a proteger-se em situa-
ções estressantes. O menino tinha chupado o
polegar implacavelmente quando bebê. Ele
sempre apelava para seu polegar quando estava
agitado. Sugava alto, como se seu polegar fosse
quase saboroso. Seus olhos se reviravam para
cima, enquanto ele chupava o dedo. A princípio,
os McCormicks não ficaram preocupados, mas,
à medida que seu filho se retraía cada vez mais,
eles responderam tentando interromper o hábi-
to. Quando ele tinha nove meses, eles enrola-
ram seu polegar. Aplicaram remédio com gosto
ruim nele. Quando o menino esfregou o remé-
dio dentro dos olhos, causou-lhe uma conjunti-
vite grave. Finalmente, por sugestão da avó, eles
ofereceram a Tim um cobertor macio para abra-
çar. Ele o enrolou como uma bola, chamava-o
de seu “bebê” e carregava-o por todo o lado.
Freqüentemente agora, quando chupava o po- Os pais podem achar que, por estar na escola,
legar, e seus pais o repreendiam, era capaz de agora a criança precise abandonar o cobertor,
desistir do polegar por seu “bebê”. À medida ou o bico, ou o polegar. Esse não é o momento
que ele experimentava cada nova tarefa do de- para um passo desse tipo. É hora de aceitar a
senvolvimento – ficar de pé, caminhar, tentar necessidade de regressão, enquanto a criança
novas palavras e frases – precisava do seu luta para tornar-se independente. Conforme
“bebê” sempre que chegava a um ponto de frus- Billy e Tim demonstraram, esse é um momento
tração. de maior dependência – não apenas dos pais,
A Sra. McCormick viu-se ressentida com o mas do objeto de transição querido que veio
cobertor de Tim tanto quanto em relação ao seu representá-los.
hábito de chupar o polegar. Ela queria que ele Esse objeto ajuda a criança a acalmar-se
se tornasse mais extrovertido. Achava que seu após um evento traumático. Um dia, Minnie
cobertor era apenas uma “muleta” e reforçava caiu enquanto corria para a escola, esfolando o
seu retraimento. Ressentia-se disso quando ele joelho. A escoriação parecia séria, mas era su-
se desestruturava por estar sem o cobertor. Fre- perficial. A Sra. Lee sabia que a esfoladura não
qüentemente, ela “esquecia” seu cobertor necessitava de pontos, mas sabia que doía. Ela
quando eles saíam. Tim era mais frágil sem ele. correu com Minnie para dentro de casa para
Procurava-o pela casa, choramingando: “Bebê.” lavar o joelho com água e sabão e colocar um
Quando não podia fazer mais nada, ele se en- curativo. “Não! Não! Não!”, Minnie gritava.
tristecia, voltava a chupar o polegar ruidosa- “Mas eu tenho que limpar e fazer um curativo!”
mente e fechava os olhos, ou enterrava a cabeça “Não! Não! Não me toque! Está doendo!” Na-
no ombro da mãe. Sua cor mudava, ele tremia quele instante, a Sra. Lee teve uma inspiração
e se enrijecia. A Sra. McCormick sentia o quanto e se lembrou da boneca preferida de Minnie,
ele estava aborrecido, então cedia ao seu com- Googie. “Googie também caiu, Minnie. Ela sabe
portamento dependente. Quanto mais sujo e o quanto seu joelho está doendo. Olhe, ela tam-
mais esfarrapado o cobertor ficava, mais devo- bém está chorando. Vamos lavar o joelho dela
tado Tim era a ele. e colocar um band-aid nele?” Os olhos de Minnie
70 Brazelton & Sparrow

se iluminaram. “Oh!” Ela agarrou Googie, em- seu próprio dia, de seu bip, de seu e-mail, de
balando-a para frente e para trás. A Sra. Lee suas ligações telefônicas, das preocupações de
trouxe a água morna com sabão. Enquanto la- trabalho que atropelam seus pensamentos;
vava o joelho de Googie e também o joelho de mas, se você não o fizer, estará passando a men-
Minnie, ela suspirou com alívio. Essa batalha sagem para seu filho de que ele vem em segun-
tinham vencido juntas – ela e Googie! do lugar. Aquela mensagem não é algo com que
um pai possa viver. Você precisa que sua família
venha em primeiro lugar, da mesma forma que
Reuniões e rituais eles precisam disso.
Todo pai que deve ficar fora o dia inteiro quer Outros rituais enviam às crianças a mensa-
desesperadamente recuperar o tempo perdido. gem de que “Eu sou seu agora. Sinto sua falta
Estar juntos novamente deve ser a expectativa. quando não estou aqui”:
A noção de “qualidade do tempo” é muito sim-
ples. Ela pode ajudar um pai a sentir-se menos Q As horas da manhã podem servir para
culpado, mas o que a criança realmente precisa ficar juntos antes de você ir trabalhar.
é de um senso de união e intimidade. Pais que Isso significa levantar-se mais cedo para
trabalham podem tentar economizar energia organizar-se. Dar às crianças um suco de
durante o dia a fim de poderem lidar com a laranja na cama, ou quando elas levanta-
desestruturação do filho sem eles próprios se rem, para que elas se sintam energiza-
desestruturarem. Então eles podem pegar a das. Use a hora do café da manhã para
criança no colo para acariciá-la e reunir a famí- comunicar-se.
lia ao final do dia. Q Leitura na hora de dormir, embalo, can-
Eu recomendo uma cadeira de balanço bem tar canções juntos se tornam uma hora
grande. No final do dia, quando chega em casa, de reunião importante. Freqüentemente,
o pai que trabalha não deveria desaparecer den- as mesmas histórias repetidamente se
tro da cozinha ou do escritório para seus afaze- tornam um lembrete de que “isto é o que
res. Deixe para depois. A primeira tarefa impor- nós sempre fazemos. Estamos juntos, e
tante é reunir-se como uma família e ficar jun- ler esta história é nosso jeito.”
tos novamente. Enquanto você embala seu fi- Q A hora do banho pode ser uma hora ma-
lho, olhe para seu rosto. “Senti sua falta todo o ravilhosa apenas para sentar-se e assistir
dia. Como foi o seu dia?” “Uma droga”. “O meu às crianças brincarem. Você está confir-
também, mas agora estamos juntos.” Quando mando que os próprios rituais da criança
o pai sente a criança se amolecendo em seus são tão importantes para você quanto
braços sem o embalo, pode perceber que estão para elas. Sua chance de auto-exploração
juntos como uma família novamente. Naquele segura, em questões sobre seu corpo, a
ponto, os pais podem levar a criança para a cozi- oportunidade de compartilhá-las com
nha com eles. Mesmo sendo pequena, ela pode você enquanto se senta ao seu lado po-
ajudar na cozinha; pode colocar os guardanapos dem ser poderosas.
na mesa, misturar alguma coisa e lavar algumas
louças (inquebráveis). Isso pode criar um pou- Enfrentar as separações é mais fácil para
co mais de trabalho para os pais, mas é impor- pais e filhos quando ambos sabem que podem
tante incluir a criança nos rituais diários. Ela contar com uma intimidade novamente ao se
se sentirá orgulhosa e saberá que é uma parte reunirem. “A hora do chão” é um conceito do
importante da família, pois está participando Dr. Stanley Greenspan. Um adulto se senta no
do trabalho como os demais. chão para brincar com a criança e juntar-se a
Procure arranjar algumas horas durante o ela no seu nível. A criança reconhece isso ime-
dia nas quais você largue tudo para ficar com diatamente. “Ele é meu. Ele quer brincar comi-
seu filho nos termos dele. É difícil abrir mão de go.” Um pai ocupado pode rapidamente trans-
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 71

mitir um senso de focalização inteiramente na va o estresse de continuar todo dia. A Sra.


criança. A hora do chão é um tempo de qualida- Jackson deixou o café da manhã e a tarefa de
de genuíno. vestir as crianças para seu marido. Um dia,
Marcy disse: “Mamãe, eu nunca vejo você!” A
Marcy estava brincando com suas bonecas. Sra. Jackson respondeu rapidamente: “Você me
“Esta é a mamãe. Ela me diz: ‘Vá para a cama!’ tem todas as noites – e nos fins de semana.”
Meu papai diz: ‘ainda não’.” O irmão de Marcy, “Mas eu não a vejo de manhã.” A Sra. Jackson
Amos, observava de sua cadeira na frente do começou a defender-se: “Eu estou com muita
computador. “Brinquedo de maricas – bonecas! pressa.” Mas algo dentro dela disse: “Isso é im-
Argh!” O Sr. Jackson entrou na sala e observou portante. Eu preciso escutar.” Quando ela pega-
Marcy de uma certa distância. Intrigado, sen- va Marcy no colo, havia geralmente uma longa
tou-se no chão perto dela, e Marcy sentiu que discussão sobre que roupas vestir. A menina fi-
ele estava interessado. “Papai diz: ‘Que menina cava correndo pela casa e estava sempre atrasa-
boazinha. Ela pode dar saltos mortais!’” A bo- da para a mesa do café. Elas terminavam bri-
neca de Marcy virou e virou. A menina gradual- gando, e a Sra. Jackson achava que isso dificil-
mente moveu suas bonecas para mais perto de mente valia a pena. Ela iria para o trabalho
seu pai. “Esta é a casa. Eles brincam no quintal. pronta para uma batalha com seus colegas.
Ela gosta que seu papai a empurre.” Marcy colo- Mas a observação de Marcy prendeu sua
cou a boneca em um balanço. O Sr. Jackson atenção. A Sra. Jackson decidiu mudar o padrão
estava seduzido. Ele esticou o braço e empurrou matinal e estabelecer um novo conjunto de ri-
o balanço. Com aquilo, pai e filha cantaram tuais que os ajudariam a todos: ela acertava o
juntos: “Me embale para cima e para baixo.” despertador para meia hora mais cedo e então
O Sr. Jackson foi sensato em não assumir o havia menos sensação de pressa; escolhia as
brinquedo, ou usar a chance para tentar conver- roupas de Marcy na noite anterior – apenas
sar. Assistiu e tornou-se disponível para brincar. uma escolha no máximo; oferecia à filha um
Não é fácil para adultos esquecer o papel copo de suco de laranja para ela beber antes de
parental. É muito fácil querer ensinar “lições” sair da cama. Algumas crianças podem estar
sobre como viver ou ensinar habilidades; mas hipoglicêmicas (baixo teor de açúcar no san-
uma criança sente-se mais segura e mais grati- gue) nas primeiras horas da manhã. Reforçar
ficada quando o pai dispõe-se a ser “seu”. o açúcar antes que o corpo em atividade neces-
“Você é o papai e eu serei a mamãe”, disse site dele pode reduzir um pouco do mau-humor
Marcy. “Agora, seja o bebê e chore. Não, chore e a disposição para brigar. Muitas crianças cuja
alto.” Após o teste inicial de sua capacidade de taxa de açúcar no sangue é normal também
controlar seu pai, Marcy pode deixá-lo entrar respondem positivamente a gestos extras como
na brincadeira. “Agora, mamãe vai botar você o de uma bebida e o de um pai interessado para
na cama. Deite.” Quando o Sr. Jackson estava começar o dia. Esse breve primeiro momento
estirado sobre o tapete, o impulso de Marcy foi juntos também pode acabar com a agitação na
jogar-se sobre seu estômago. Então ela trouxe hora de vestir-se e certamente seduz um pai.
um livro para ler para ele e assim reproduzir Em seguida, a Sra. Jackson providenciava para
seus rituais da hora de dormir. O brinquedo era que todos viessem para o café da manhã juntos.
a hora em que o pai era seu, quando ela o tinha Na mesa, ela não deixava lugar para escolhas;
todo para si. àquela hora do dia era muito difícil de lidar com
A mãe de Marcy achava difícil relaxar dessa isso. Era mais fácil ter um tipo de cereal, um
forma. Ela se sentia esgotada por causa de seu tipo de torrada e todos comiam ou não. A Sra.
trabalho. O trânsito estava terrível, um longo Jackson encorajava sua família a falar sobre o
engarrafamento. Seu chefe vigiava para ver se dia que começava e antecipar o que estava por
ela chegava na hora. Seus colegas não eram tão vir: “Você vai se encontrar com Billy e Minnie,
amigáveis quanto gostaria. Tudo isso aumenta- Marcy. Eles gostam de você.” Ao final da refei-
72 Brazelton & Sparrow

ção, todos se despediam com beijos. “Nos vere- dois anos – comer pouco e ganhar pouco peso,
mos esta noite.” vômitos após as refeições, ocultação de comida,
Uma outra forma de compensar as separa- recusa de um alimento após o outro – é hora
ções necessárias é estabelecer um “momento” de os pais reavaliarem a situação. Tudo isso su-
regular e sagrado – um dos pais para cada filho; gere um risco de problemas alimentares no fu-
você precisa disso por você mesmo, bem como turo. Uma criança de três anos pode estar im-
por seu filho. O “momento” não tem que ser plorando por estrutura na hora das refeições.
longo (não mais de duas horas), mas tem que Não estará o comportamento da criança indi-
ser confiável e previsível. A criança pode deci- cando que ela não tem o controle da situação,
dir sobre o que fazer durante esse tempo. Con- devendo usar o comportamento desviante para
verse sobre isso toda a semana: “Nós não temos satisfazer sua necessidade de autocontrole?
tempo suficiente para ficarmos juntos agora, Jogos de “quero” ou “não quero” ou implicân-
mas teremos. Lembra do nosso momento? Você cias na hora das refeições são sinais de que a
pode me dizer o que fazer para variar”. comida perdeu sua importância exceto como
Valorize todos os rituais – os diários; a hora permuta. Mais importante, a hora da refeição
das refeições; a saída da creche; o jantar em perdeu seu significado como uma hora familiar
família; as horas em que a família pode estar para comunicação e intimidade.
junta. Os grandes rituais, hora da igreja – Natal, Uma criança de três anos acabou de abando-
chanukah, Ação de Graças, Páscoa – se tornam nar a luta torturante dos primeiros passos por
mais importantes do que nunca. Eles se tornam independência. Aprendeu a dizer “sim” ou
oportunidades para proximidade e também “não”, mas ainda não aprendeu quando procu-
para compartilhar valores familiares. Esses são rar um terreno intermediário. Recém começou
momentos para reunir a família extensiva. a desfrutar do senso de ser capaz de fazer suas
Quando os pais trabalham, as crianças precisam próprias escolhas e tomar suas próprias deci-
mais do que nunca da estrutura e das expectati- sões. Pode dizer “eu quero” e querer dizer isso;
vas de experiências compartilhadas. mesmo que seja estonteante para ela. Cada
Cada momento ritualizado tem uma forma passo na direção da independência é uma luta.
de invocar todos os outros que ocorreram e que Alimento, roupas e banho se tornam todos en-
ocorrerão. Rituais que envolvem várias gerações volvidos. Para os pais, isso pode parecer uma
da família aumentam o senso da criança de seu luta pelo poder. Para a criança de três anos, é
próprio lugar nessa família. Uma criança tem uma luta para aprender sobre si mesma.
um senso de segurança em seu mundo, quando
ela pode alinhar-se ao lado de um pai e de um Minnie recusava-se categoricamente a comer
avô. Nós costumávamos ir jantar na casa de mi- vegetais. A Sra. Lee não podia aceitar isso. Ela
nha sogra todo domingo. Todos se queixavam telefonou para sua mãe para pedir ajuda, por-
de “ter de abrir mão de um dia tão lindo” a cami- que se lembrava de todos os vegetais frescos
nho de sua casa. Mas, depois de termos estado que comia quando criança. Ela quase podia sen-
todos juntos, – três gerações –, cada um de nós tir o gosto de brócolis em sua boca agora. Odi-
tinha uma sensação de paz. Meus filhos nunca ava brócolis, mas fora ensinada a comê-lo.
esqueceram essa ocasião ritual. Os pais de hoje “Brócolis contém as vitaminas mais valiosas.
em dia podem querer arranjar ou reviver esses Você vai crescer com cabelo e olhos lindos.” Ela
rituais e até inventam novos; eles podem agir ainda estava esperando pelas recompensas. Seu
como estabilizadores em nosso mundo caótico. cabelo e olhos eram bons, mas nada que lhe
recompensasse por todos os detestáveis bróco-
lis. Agora, Minnie torcia o nariz para os brócolis
Hora das refeições da Sra. Lee, apesar de toda sua engambelação.
Aos três anos, se houve algum problema rela- Era certo forçá-la? Sua mãe, no telefone, confir-
cionado com a falta de apetite nos primeiros mou toda a determinação da Sra. Lee. “É claro,
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 73

Minnie tem que ser ensinada a comer vegetais. 8. Não ofereça alimento entre as refeições.
Culturas inteiras não comem nada além de ve- Não ofereça lanches. Quando as refei-
getais e são saudáveis. Como uma criança pode ções terminam, a comida não está mais
existir sem eles? Você sempre os comeu. Eu pro- disponível.
videnciei isso!” Sem se dar conta, a Sra. Lee 9. Não converse sobre ou ensine maneiras
tinha descoberto um “fantasma em sua cria- à mesa. Maneiras e padrões são aprendi-
ção” que tornava importante para ela forçar dos através de modelos aos quatro ou
Minnie a comer vegetais. cinco anos.
A alimentação e a hora das refeições prova- 10.Mantenha seus próprios padrões durante
velmente se tornarão um problema no terceiro toda a refeição – não importa o que aconteça!
ano. As crianças dominaram agora a mecâni-
(Ver também “Problemas de Alimentação”
ca, e as expectativas dos pais por obediência
na Parte II.)
podem aumentar. A recusa em comer prova-
velmente evocará os próprios problemas dos
pais – a obrigação de alimentar seus filhos jun- Problemas de sono
tamente com as próprias experiências passadas
com comida e família. Conseqüentemente, isso O sono é um problema de separação para pais
torna-se um momento crítico para diminuir a e filho. A separação à noite pode ser difícil para
luta e transformá-la em uma experiência com- todos os pais que ficam fora durante o dia. Os
partilhada positiva. Aprender a comer com a pais que trabalham não conseguem abandonar
família – boas maneiras, sentar-se e assim por o filho à noite, e ele não consegue separar-se
diante – é aprendido através de um modelo. de seus pais. A hora de dormir e os episódios
de despertar durante a noite se tornam “oportu-
1. As horas das refeições são momentos nidades” para uma reunião de pai-filho. O sono
para as famílias ficarem juntas. O café é uma separação mais séria do que pode parecer.
da manhã e o jantar são oportunidades
importantes para rituais e expectativas. À noite, Tim implorava que lhe contassem uma
2. Nenhuma criança de três anos aceitará história após a outra. Em certo ponto, ele indi-
essas expectativas facilmente, mas elas cava uma necessidade de ouvir música na hora
devem ser vistas como momentos impor- de dormir. Seus pais cediam. Achavam que a
tantes para aprender a viver com outros música poderia ser um calmante para um uma
e aceitar seus valores. Não brigue por criança com sono leve. Eles tentaram música
elas, mas não reforce a rebeldia. clássica. Tim choramingava. Tentaram rock and
3. Se necessário, comece a alimentar a crian- roll. Isso simplesmente parecia acelerá-lo, como
ça de três anos antes do jantar da família, qualquer um poderia ter previsto. Finalmente,
de modo que ela possa sentar-se e con- tentaram Ella Fitzgerald e suas canções de
versar no jantar. amor. Tim as adorou. Ele se enroscava, polegar
4. Não empurre comida como um problema. na boca, cobertor enrolado como “seu bebê”.
5. Ofereça porções pequenas – menos do Mas o Sr. e a Sra. McCormick descobriram que
que a criança provavelmente vai querer. Tim exigia que se trocasse de CD assim que ele
6. Tão logo a criança comece a implicar, a terminasse. A princípio, eles foram complacen-
atirar comida, a deixá-la cair ou a andar tes. Finalmente, uma noite após três trocas, o
na volta da sala, seu jantar está chegando Sr. McCormick se rebelou. “Por que ele precisa
ao fim. Ignore seu comportamento, quan- de todas essas trocas? Nós simplesmente não
do ela tentar ser o centro das atenções. podemos parar após uma troca?” A Sra.
7. Uma vez que a criança seja dispensada, McCormick resistia. Ela tinha de volta em sua
ninguém deve reforçá-la fazendo piadas mente a dificuldade que tivera em acudir Tim
ou brincando com ela. a cada três horas, quando ele era menor. Ele
74 Brazelton & Sparrow

tinha tido um terrível problema de sono no pri- O especialista previu que o processo levaria
meiro ano. Ela tinha amamentado e embalado várias semanas. E levou, mas Tim logo foi capaz
o filho para dormir em seus braços. Após de dormir a noite toda despertando apenas uma
colocá-lo delicadamente em seu berço, ela es- vez. Sua mãe estava agradecida. Seu pai estava
capava silenciosamente. Mas cada três ou qua- aliviado. Tim estava orgulhoso.
tro horas, a cada ciclo de sono leve, quando ele Agora, quando Tim começou na creche, sua
despertava, chorava e se debatia no berço, ela dificuldade renovada em separar-se e dormir
tinha corrido até ele. Ela tinha cantado, emba- sozinho à noite reviveu todos os antigos medos
lado e acariciado para ele adormecer de novo. de seus pais. Ele parecia ainda mais frágil nesses
O Sr. McCormick tinha se enfurecido: “Você não dias. Sua mãe e seu pai estavam tão sintoniza-
fez isso para Philip. Deixe-o sozinho.” A tensão dos com as vulnerabilidades de Tim que temiam
deles cresceu quando Tim passou a despertar a uma regressão aos problemas de sono anterio-
cada quatro horas. res. Isso tornou-se um novo momento decisivo.
Finalmente, em desespero, no ano anterior, Os pais de Tim examinaram as mudanças
a Sra. McCormick tinha procurado ajuda para na vida dele. Sua mãe estava trabalhando e o
os problemas de sono de Tim, que ficava acorda- menino apenas começando a sentir a sua pró-
do e acabava precisando dela quase seis horas pria necessidade e a dos outros de fazer relacio-
por noite. Ela tinha virado uma ruína privada namentos. Também pode ter havido outros
de sono. O especialista salientou que ela nunca estresses que eles não tinham identificado, e
tinha ajudado Tim a aprender a dormir por con- esses eram bastante suficientes para ocasionar
ta própria. Quando o colocara no berço, ela ti- a regressão à noite.
nha se tornado uma parte do padrão de sono Estabelecer limites e um final firme às exi-
dele. Embalava-o para dormir em seus braços, gências foi tranqüilizador para Tim, como teria
preocupada com sua sensibilidade. Se o colocas- sido para qualquer criança. Seu pai disse-lhe:
se no berço antes de ele adormecer, ele saltava “Dois CD’s são suficientes. Nós vamos trocá-lo
e chorava. Cada vez que despertava de um ciclo uma vez e colocá-lo para dormir. Enquanto isso,
de sono leve – a cada três a quatro horas – ele você tem seu polegar e seu ‘bebê’. Você assume
se desestruturava e não tinha nenhum padrão o resto e vai dormir.” Tim precisava da tranqüi-
para voltar a dormir que não envolvesse sua lização daquele tipo de firmeza. Prolongar sua
mãe. “Você precisa deixar isso para ele. Se for aparente carência para uma briga familiar fa-
muito difícil para você, por que não deixar seu talmente passaria a mensagem errada e reforça-
marido ajudá-lo a aprender a dormir?” Isso ria seu senso de si mesmo como vulnerável.
nunca lhe tinha ocorrido. Ela tinha medo que
o pai de Tim dissesse: “Simplesmente deixe-o
chorar.” Ao contrário, o especialista sugeriu: Dos três anos em diante
“Vocês não precisam abandonar Tim, mas vocês A criança de três anos apenas começou a ter
precisam deixá-lo aprender que pode voltar a consciência de como pode aprender sobre seu
dormir por conta própria. Comecem quando mundo – e sobre ela mesma. Aos dois anos,
vocês o colocarem no berço pela primeira vez. estava presa dentro de si mesma, tentando en-
Embalem, cantem, leiam para ele como tem tender a diferença entre “sim” ou “não” “que-
sido seu ritual. Mas coloquem-no na cama após ro?” ou “não quero?”. Agora, sua perturbação
ele estar calmo e quieto, mas antes de adorme- ainda está lá, mas ela exerce mais controle sobre
cer. Então sentem e dêem tapinhas nele, dizen- quando e por que a irá demonstrar. Aprendeu
do: ‘Você consegue, você consegue’. Dêem-lhe que, se necessitar de atenção, pode atirar-se ao
seu objeto querido e mostrem-lhe seu polegar; chão em um acesso de raiva deliberado, um
deixem-no saber que esses são substitutos para contraste com aqueles que pareciam vir de não
vocês.” A Sra. McCormick estremeceu. sei onde há apenas um ano. Se quiser carinho,
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 75

pode fazer um apelo apropriado por ele – e ge- colegas – e está começando a perceber que pode
ralmente pode consegui-lo. Ela está apenas co- afetá-los. Ela está começando a ter consciência
meçando a sentir o quanto seu comportamento de que pode ferir outras pessoas, bem como
pode ser poderoso. Com esse senso de poder, agradá-las. O uso mais importante de toda essa
veio a fala; ela pode moldar o mundo com sua consciência é aprender sobre si mesma: seu
linguagem. Também molda a si mesma, e isso gênero, sua individualidade, sua competência
lhe traz uma nova consciência. e como se sente em relação ao seu mundo.
Ela começou a aprender sobre tempo, sobre Com todo esse crescimento, haverá “mo-
espaço e sobre responsabilidade para com os mentos críticos” durante o ano que incluem re-
outros. Esta última é em resposta à percepção gressão e desgaste. Não é de admirar que esses
de que outras pessoas são importantes para ela períodos de regressão sejam tão dramáticos –
– muito. Quer pendurar-se na mamãe e no pa- para pais e filhos. Quando consegue readquirir
pai – freqüentemente ao mesmo tempo. A cons- o domínio de si mesma, a criança tem uma
ciência de seu gênero – e como cada um dos enorme sensação de orgulho e poder. Ela pode
pais representa o seu próprio gênero – está des- afetar seu mundo – e está começando a saber
pontando. Tornou-se consciente de que ainda disso. A seguir, seu mundo a ensinará sobre
tem necessidade de outras pessoas – irmãos, quem ela está se tornando.

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