Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DE REVISÃO
indivíduos optam por selecionar a corrida como forma de sus a velocidade (% da velocidade de transição preferida).
locomoção. Contudo, as evidências ainda são inconclusi- O mesmo procedimento foi seguido para o ato de andar.
vas para assumir esse mecanismo como o principal gatilho Posteriormente, determinou-se e comparou-se a velocida-
responsável pelo fenômeno de transição entre a caminha- de de deslocamento na interseção dos testes de andar e
da e a corrida. correr com os valores médios da velocidade de transição
No que diz respeito aos experimentos em animais, Far- preferida, obtidos anteriormente. Para os autores, a pre-
ley e Taylor59 sugeriram que a redução do gasto energético missa da comparação baseava-se em duas possíveis for-
pode não ser o estímulo para a transição do modo de loco- mas de análise. Caso esses pontos coincidissem, a transi-
mover-se. Medindo a demanda energética e as velocidades ção ocorreria como um mecanismo para minimizar o gasto
associadas com a transição trote-galope em cavalos, esses energético. Em contrapartida, a discrepância dos pontos
autores demonstraram que os animais mudavam o modo poderia levar à discussão de outros fatores que não a redu-
de locomover-se a velocidades mais baixas que aquelas con- ção da demanda energética a influenciar no modo de loco-
sideradas ótimas. Foi sugerido que o gatilho para a tran- mover-se.
sição trote-galope ocorria devido a um fator de natureza A velocidade ótima de transição, em termos energéti-
mecânica, gerado pela necessidade de reduzir o estresse cos, foi de 99,6% da velocidade de transição preferida.
imposto pela tensão óssea e pelos picos de força muscular. Esses resultados evidenciaram que a minimização do gas-
Essa argumentação foi provada através de evidências ex- to energético tem um papel significativo na determinação
perimentais, mostrando que os cavalos transportando car- da velocidade na qual a mudança dos modos de locomo-
gas faziam a transição para o galope a uma velocidade mais ver-se ocorre. Como apresentado nos dados de consumo
baixa do que as consideradas ótimas. De fato, na grande de O2, a velocidade de transição ótima em termos energéti-
maioria dos vertebrados, os padrões do modo de andar nun- cos coincidiu com a velocidade média de transição prefe-
ca são adotados de forma a causar estresse nas articulações rida. Nesse caso, a velocidade de transição ótima em ter-
e ossos que seja maior que dois terços do necessário para mos energéticos era de 100,5% da velocidade de transição
quebrá-los60. preferida. Enquanto a ação de andar era considerada mais
Contrapondo-se ao estudo anterior, Hoyt e Taylor11 apoia- desgastante que correr, acima do ponto de transição, não
ram a noção de que o custo energético desempenha um foi verificada diferença expressiva na percepção do esfor-
papel crítico na expressão dos padrões de locomoção. Pes- ço entre os modos de locomover-se, antes ou no ponto de
quisando pôneis, os autores mostraram que a auto-seleção transição. Concluiu-se, então, que a otimização da eficiên-
da forma de locomoção para o andar, trotar e galopar re- cia energética é o ponto central para a transição entre os
sultou em menor gasto energético. Isso sugere que os ani- modos de locomoção. A questão que permanece obscura,
mais são sensíveis ao gasto energético da atividade, sendo no entanto, é se os humanos podem perceber esse aumento
capazes de selecionar a velocidade que minimiza o custo no gasto energético sempre, ou suficientemente rápido para
metabólico do transporte dentro de um modo particular de disparar a transição, ou, simplesmente colocado no con-
locomoção. Nas velocidades não ótimas para os mesmos texto fisiológico, qual é o receptor que percebe esse estí-
padrões de movimento, foi observado que o custo energé- mulo. Obviamente, para responder a essa questão, esfor-
tico foi substancialmente mais alto nos pôneis. Como vis- ços adicionais são necessários.
Rev Bras Med Esporte _ Vol. 7, Nº 6 – Nov/Dez, 2001 215
Em congruência ao estudo mencionado anteriormente, saltar que autores como Mercier et al.19 chamam a atenção
para verificar a hipótese de que, durante o aumento de ve- para o fato de que os mecanismos dessa relação não estão
locidade, a transição entre a caminhada e a corrida corres- ainda completamente claros, necessitando de outras inves-
ponde à velocidade na qual andar torna-se menos econô- tigações para melhor elucidação.
mico do que correr, Mercier et al.19 determinaram a veloci- Os dados até aqui apresentados sugerem que o principal
dade da transição e mediram o gasto energético durante o mecanismo que rege a transição entre a caminhada e a cor-
steady-state na velocidade de transição entre os modos de rida é a minimização da demanda energética. Isso parece
locomoção. Em adição, também foi investigado o efeito estar de acordo com outras observações experimentais18,
do tipo de locomoção nas respostas cardiorrespiratórias nas quais se concluiu que a transição entre os modos de
acima e abaixo do ponto de transição. Para tanto, os indi- locomover-se era dirigida pela redução do custo fisiológi-
víduos caminharam e correram nas velocidades correspon- co. A evidência desses estudos mostrou que, para cada par-
dentes a ± 0,5km.h-1 e ± 1km.h-1 da velocidade de transi- ticipante, havia alta coincidência na velocidade de transi-
ção. A amostra foi composta por sete adultos jovens. Cada ção e o ponto em que a FC e o VO2 para andar e correr
sujeito submeteu-se a quatro testes, a saber: a) teste máxi- ficavam equivalentes. Todavia, assumir esse pressuposto
mo para determinar o consumo máximo de oxigênio e o como o principal responsável pela mudança na forma de
limiar ventilatório; b) teste para determinar a velocidade locomoção, isto é, uma relação causal, não tem sido unani-
de transição espontânea; c) teste para andar na velocidade midade aceita entre os pesquisadores.
de transição, na velocidade de transição ± 0,5km.h-1 e na Brisswalter e Mottet21 estudaram as relações entre o custo
velocidade de transição ± 1km.h-1; d) teste para correr na energético da locomoção e a variabilidade da duração do
velocidade de transição, na velocidade de transição ± passo da velocidade de transição, de acordo com o modo
0,5km.h-1 e na velocidade de transição ± 1km.h-1. de locomoção imposto ou escolhido pelos indivíduos. Um
Vários achados importantes foram verificados nesse es- sensor de pressão foi utilizado nos pés de 10 indivíduos
tudo. Como principal resultado, destacou-se que a transi- para determinar a ocorrência do contato com o solo para
ção entre a caminhada e a corrida correspondia à velocida- cada pé. O gasto energético, por unidade de distância, foi
de na qual correr ficou mais econômico. Então, acima des- calculado de acordo com a equação proposta por Di Pram-
te nível verificou-se que a corrida acarretou redução das pero62 e o procedimento reuniu as seguintes etapas: adap-
respostas cardiorrespiratórias comparadas para o andar a tação à esteira, determinação da velocidade de transição
uma mesma velocidade. O correr ficou mais econômico do preferida, gravação da variabilidade imposta aos padrões
que o andar, em velocidade de transição igual a 2,16m.s-1 de locomoção (correr e andar). A variabilidade da duração
(erro padrão da média de 0,04), o que está de acordo com a da passada foi descrita usando o coeficiente de variação
variação dos valores da velocidade de transição (1,30 – para cada pessoa63. Para calcular a velocidade de transição
2,55m.s-1) reportados por Thorstensson e Roberthson56. Está ótima em termos energéticos, uma regressão foi feita usan-
também compatível com a velocidade (2m.s-1) a partir da do os valores do gasto energético para cada pessoa. Uma
qual outros investigadores evidenciaram que correr era mais função quadrática curvilínea foi escolhida para ajustar os
econômico10,61. No entanto, é difícil determinar, a partir dados da caminhada e uma função linear foi usada para os
desses resultados, se um aumento no custo da locomoção dados da corrida. A interseção entre as melhores curvas de
induziu mudança no padrão locomotor ou se a redução do ajuste individual foi considerada a velocidade de transição
custo da locomoção foi conseqüência da mudança no pa- ótima. Como principal resultado do estudo, os autores des-
drão de movimento. Outro aspecto relevante desse estudo tacaram que a velocidade de transição ótima em termos
é que, apesar de notáveis diferenças terem sido observadas energéticos foi mais alta que a velocidade de transição se-
para o VO2, a FC e a VE, durante a caminhada e a corrida lecionada pelos praticantes (7,89 ± 0,34km.h-1 versus 7,66
abaixo e acima da velocidade de transição, os autores não ± 0,57km.h-1, p < 0,05). Na condição de transição escolhi-
observaram diferenças em R e VE/VO2, sugerindo que, para da pela pessoa, foi encontrado um efeito significativo da
a variação de velocidade estudada, o tipo de locomoção velocidade na variabilidade da duração da passada. Esse
não afeta o substrato utilizado e a ligação entre VE e o gas- resultado foi compatível com o estudo de Hreljac39, indi-
to energético. Em conclusão, verificou-se que a transição cando que a transição entre o andar e o correr não é exclu-
entre a caminhada e a corrida corresponde à velocidade na sivamente um mecanismo fisiológico de economizar ener-
qual correr se torna mais econômico que andar. Acima dessa gia. Reportando-se aos dados da literatura, Brisswalter e
velocidade de transição, correr resultou em redução relati- Mottet21 realçaram o papel das razões locais metabólicas,
va do custo da locomoção e das respostas cardiorrespirató- mecânicas e cinemáticas para a troca no padrão de loco-
rias. Não obstante todos esses achados, é importante res- moção. Nesse sentido, parece existir certo consenso entre
216 Rev Bras Med Esporte _ Vol. 7, Nº 6 – Nov/Dez, 2001
alguns pesquisadores, apontando na direção de que ainda mente deslocado); apenas o trabalho mecânico interno tem
é difícil identificar os mecanismos completos da transição19, que ser considerado no numerador. O problema é que cal-
20,22,41. cular o trabalho mecânico interno não é fácil. Além disso,
Hreljack39 apresentou evidências de que a transição an- não existe um consenso sobre qual a melhor forma de rea-
dar-correr em humanos também ocorreria a velocidades lizar essa medida.
mais baixas do que as energeticamente ótimas, concluindo
que a minimização do gasto energético não era o mecanis-
ESTABILIDADE LOCOMOTORA E TRANSIÇÃO
mo que dirigia essa transição. Em estudo posterior, Hrel-
CAMINHADA-CORRIDA
jack40, buscando o gatilho mecânico da transição, no qual
algumas variáveis cinéticas foram medidas (percentual de A uma dada velocidade de locomoção, as pessoas sele-
carga máxima, frenagem, impulso propulsivo e força de cionam o comprimento da passada que leva a uma redução
pico), concluiu que os fatores cinéticos também não eram da demanda energética12,64. Se essa velocidade aumenta,
o gatilho para a transição andar-correr nos humanos. chegará um momento em que o padrão de movimento terá
Após análise das pesquisas disponíveis, é sensato assu- que ser alterado. Logo, o custo metabólico como uma fun-
mir que múltiplos objetivos podem ser otimizados durante ção da velocidade para o andar e o correr mostra que as
a locomoção. Nesse caso, a proposição da minimização da economias de energia podem ser atingidas através da troca
demanda metabólica de energia como único critério de oti- do correr para o andar e vice-versa65. Contudo, alguns au-
mização do passo humano pode ser uma simplificação de- tores36,39 têm atribuído a mudança da forma de locomover-
masiada do fenômeno. Patla e Sparrow22, criticando o em- se à estabilidade dos padrões de locomoção. Vejamos o
prego do custo energético como indicador crítico na ex- que as evidências apresentam nesse sentido.
pressão dos padrões de locomoção, destacam alguns pon- A locomoção quadrúpede pode ser considerada estável
tos importantes. Entre eles, podemos citar: a) as curvas de devido à ampla base de apoio oferecida por três membros
consumo de oxigênio versus a velocidade de locomoção, de cada vez66. Já a locomoção bípede apresenta uma carac-
obtidas em estudos realizados com animais, não mostram terística instável para a maioria dos ciclos de passos. Tal
uma velocidade mínima única e singular, apontando a exis- fato ocorre porque o centro de massa do corpo está fora da
tência de mais de uma velocidade de locomoção em que o base de apoio (definida pelos pés) em 80% do tempo. Por
consumo de oxigênio é similar; b) a medida do consumo isso, as considerações da estabilidade são mais desafiado-
de oxigênio implica que o combustível anaeróbio não é ras no ser humano, um bípede, do que em quadrúpedes. Ao
um fator principal durante a locomoção; isso não obrigato- lidar com as questões associadas à estabilidade na loco-
riamente ocorre para a corrida; c) durante a locomoção ocor- moção, temos que considerar tanto o deslocamento quanto
re um débito energético que é reposto pelo sistema car- a velocidade do centro de massa do corpo. Não é surpresa
diorrespiratório após o fim da atividade; quando andamos que recursos consideráveis do sistema sensório-motor se-
devagar, não estamos próximos dos limites do sistema car- jam utilizados para manutenção da estabilidade dinâmi-
diorrespiratório em fornecer combustível de forma aeró- ca22.
bia; porém, quando consideramos andar ou correr em altas Se as mudanças no padrão de locomoção são dominadas
velocidades, esse débito energético não pode ser desconta- pelos mecanismos de economia de energia, poderia espe-
do; além disso, o custo energético anaeróbio que não é uti- rar-se que as transições ocorressem sempre nesses pontos,
lizado na medida do consumo de oxigênio também deve em que o gasto energético é mínimo. Na literatura, existe
ser levado em consideração, pois representa uma demanda crescente evidência contra essa proposta. Como visto an-
de energia; d) a eficiência dos movimentos está associada teriormente, Farley e Taylor59 mostraram que cavalos tro-
ao uso do consumo de oxigênio e a minimização dessa va- cam do trotar para o galopar a uma velocidade na qual o
riável implica que o movimento é mais eficiente; entretan- galopar é menos eficiente que o trotar em termos metabó-
to, esse indicador representa o denominador da equação licos. Nesse estudo, os autores verificaram que, em cava-
de eficiência; o trabalho mecânico é o numerador dessa los treinados para manter o padrão de locomoção a uma
equação. Esse último indicador não inclui apenas o traba- velocidade não usual, a transição espontânea entre o trotar
lho externo de mover o centro de massa de um corpo de e o galopar ocorria a uma velocidade mais baixa em rela-
um ponto para o outro, mas também o trabalho mecânico ção ao mesmo custo metabólico (–26%), implicando uma
interno de mover os membros ciclicamente. Desde que os estratégia aparentemente não econômica. A partir da cons-
estudos do custo energético geralmente envolvem pessoas tatação de que os cavalos com sobrecargas efetuavam a
andando ou correndo na esteira, não estamos lidando com troca do modo de locomoção a velocidades mais baixas,
trabalho mecânico externo (centro de massa não é teorica- levantou-se a hipótese de que a velocidade de transição
Rev Bras Med Esporte _ Vol. 7, Nº 6 – Nov/Dez, 2001 217
seria escolhida visando uma manutenção das estruturas velocidades acima de 1,39m.s-1 sugere que a metodologia
músculo-esqueléticas. Tanto os cavalos com sobrecarga utilizada para computação do trabalho mecânico não re-
quanto aqueles que não portavam cargas adicionais troca- flete totalmente o trabalho real. Logo, apesar de a metodo-
ram o padrão de locomoção a diferentes velocidades, po- logia utilizada ser a única capaz de fornecer uma explica-
rém, a um mesmo pico vertical de estresse agindo sobre os ção racional da freqüência ótima de passadas para o an-
músculos, tendões e ossos, enfatizando o critério de mini- dar67, outras estratégias deveriam ser desenvolvidas para
mização da força em oposição ao critério da economia ener- obter um conhecimento mais profundo sobre esse assunto.
gética. Em conclusão, os autores assumiram que o modo Numa linha semelhante ao estudo anterior, Minetti et
de locomoção é abandonado em favor de outro, quando o al.20 investigaram a influência dos limites fisiológicos e
último resulta em menor estresse músculo-esquelético a biomecânicos na seleção da velocidade de transição espon-
uma mesma velocidade. Apesar das dificuldades de apli- tânea entre o andar e o correr. Cinco jovens adultos cami-
car os dados de Farley e Taylor59 aos humanos (devido às nharam e correram numa esteira a diferentes inclinações;
diferenças na mecânica da locomoção entre homens e ani- determinaram-se individualmente para cada inclinação na
mais), os argumentos da viabilização dessa hipótese recaem esteira as regressões do custo metabólico versus a veloci-
na possibilidade de ela contribuir para uma possível dis- dade do andar (polinômio do segundo grau) e correr (fun-
tinção dos determinantes da locomoção em steady-state, a ção linear). Pela resolução das equações, a maior veloci-
partir do gatilho que leva à transição. dade na qual o gasto energético em andar era o mesmo que
Poucos estudos têm investigado a influência combinada correr foi determinada. O mesmo procedimento foi aplica-
de indicadores energéticos e de estabilidade na transição do aos dados metabólicos expressos por passada (dividin-
caminhada-corrida. Um deles foi realizado por Minetti et do-se a taxa do trabalho metabólico pela freqüência de pas-
al.64, no qual se mediram simultaneamente o gasto meta- sadas). A velocidade de transição espontânea foi avaliada
bólico e a freqüência do trabalho mecânico do andar a di- através da observação nas mudanças no modo de locomo-
ferentes velocidades, tanto para a freqüência de passos es- ção das pessoas, enquanto a velocidade da esteira variava
colhida, quanto para as freqüências impostas para os indi- para menos e para mais, com estágios de 0,1km.h-1. Apesar
víduos. Seis homens saudáveis andaram em uma esteira de reconhecerem a forte influência da minimização da de-
nas velocidades de 0,69, 1,39, 1,67 e 2,08m.s-1. A cada ve- manda metabólica na escolha da velocidade de transição,
locidade, a freqüência de passos escolhida foi computada. os autores sugerem que considerar a minimização do es-
Posteriormente, as pessoas foram induzidas a variar a fre- forço metabólico como o principal gatilho que desenca-
qüência de passadas, seqüencialmente, ao nível de ± 10% deia a transição caminhada-corrida pode ser um erro, usan-
e ± 20% da freqüência de passadas escolhida. Foram reali- do a seguinte argumentação: considere andar a uma velo-
zadas medidas das seguintes variáveis: a) fisiológica (con- cidade próxima da velocidade de transição espontânea e
sumo de oxigênio); b) biomecânicas: características iner- assuma que um pequeno grupo de músculos (gastrocnê-
ciais dos segmentos do corpo (massa, centro de massa e mios e solear) está começando a trabalhar ineficientemen-
raio de giro; trabalho interno positivo (ou seja, a potência te. Visando enfrentar uma situação desconfortável, sentida
necessária para mover os membros ao centro de massa do pelos mecanorreceptores periféricos (e correspondente a
corpo); trabalho externo positivo (isto é, a potência neces- elevado custo de O2), a pessoa decide trocar para o correr,
sária para mover o centro de massa do corpo em relação ao melhorando a eficiência dos gastrocnêmios, mas aumen-
ambiente). A soma do trabalho interno mais o externo foi tando o esforço metabólico como resultado da contribui-
definida como trabalho total, considerado como a potência ção de mais músculos para permitir a locomoção. Nesse
necessária para sustentar a locomoção. Em conclusão, ob- caso, o indivíduo pode optar por conforto na locomoção
servou-se que o desvio do gasto metabólico em relação à ao invés de economia metabólica. Além disso, a procura
freqüência de passadas escolhida, para uma velocidade de por conforto (mediado por outros aferentes periféricos, tais
caminhada constante, pode ser parcialmente explicado pelo como os proprioceptores nos músculos, tendões e articula-
aumento da taxa de trabalho mecânico. Em todas as velo- ções) pode sugerir a escolha de um modo de locomoção
cidades estudadas, o trabalho necessário para mover o cen- ótimo.
tro de massa do corpo foi o maior determinante. É impor- Outro estudo similar, considerando a estabilidade loco-
tante ressaltar que, para altas velocidades, o trabalho ne- motora conjuntamente com os limites energéticos, foi de-
cessário para mover os membros desempenha um papel senvolvido por Holt et al.68. Inicialmente, foi solicitado que
importante na obtenção de uma freqüência mínima de pas- os voluntários andassem em uma esteira, às suas velocida-
sadas, próximas da freqüência espontânea. No entanto, a des preferidas. Posteriormente, os indivíduos andaram em
pequena confiabilidade da predição da freqüência ótima a suas freqüências de passadas preferidas, acima e abaixo
218 Rev Bras Med Esporte _ Vol. 7, Nº 6 – Nov/Dez, 2001
delas. Os dados mostraram que andar nas freqüências pre- as respostas eletromiográficas ao esforço possam consti-
feridas resultou em gastos metabólicos mínimos. Além dis- tuir-se em uma ferramenta interessante a ser explorada, o
so, os autores também mediram a estabilidade da cabeça e que, aliás, é um aspecto ainda não privilegiado nos estudos
das articulações do membro inferior, revelando uma rela- acerca dos mecanismos envolvidos na transição caminha-
ção complementar entre a estabilidade da cabeça e o custo da-corrida.
metabólico. Apesar de as medidas metabólicas e de estabi-
lidade estarem altamente relacionadas, a máxima estabili-
CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES PARA
dade da cabeça foi obtida antes de atingir-se o mínimo gasto
ESTUDOS FUTUROS
energético. De fato, no andar humano os padrões de coor-
denação envolvendo o tronco (bem como a ligação dos bra- A maior parte das pesquisas que investigaram os meca-
ços e pernas) indicam que existem padrões de coordena- nismos envolvidos na transição caminhada-corrida centrou
ção mais ou menos estáveis acima e abaixo de velocidades seus esforços em uma ou duas características principais
entre 0,7 e 0,9m.s-1, implicando a existência de múltiplos que pudessem explicar o fenômeno. Assim, os estudos fo-
padrões de coordenação no andar. Além disso, no estudo calizaram suas expectativas nas questões relacionadas à
supracitado, diferentes tendências foram observadas no demanda energética, às características antropométricas, ou
custo energético por quilo por quilômetro percorrido, atin- mesmo aos padrões biomecânicos que, em última instân-
gindo o mínimo por volta de 1,0-1,2m.s-1. Em outro estu- cia, estão associados à estabilidade locomotora. Todavia, é
do, a coordenação do tronco mostrou variabilidade máxi- difícil assumir que as mudanças no modo de locomoção
ma antes da velocidade de gasto metabólico mínimo69, mos- ocorrem como resposta a uma única característica. Da
trando que o custo metabólico e as medidas de estabilida- mesma forma, é ainda mais difícil determinar o percentual
de podem mudar significativamente durante o andar. Esses de atuação de cada variável no processo.
achados apontam para a necessidade de estudar a extensão Apesar do relativo interesse em estudar os mecanismos
da relação entre os diversos padrões de movimentos, em envolvidos na transição caminhada-corrida, poucos traba-
diferentes velocidades, para determinar a sua influência na lhos têm sido direcionados em investigar quais os efeitos
escolha da forma de locomoção. Por isso, esses diferentes da opção entre as distintas formas de locomoção no condi-
padrões precisam ser investigados em mais detalhes, dan- cionamento físico. Para os malcondicionados, a caminha-
do maior ênfase às manipulações específicas da estabilida- da pode constituir-se em uma atividade adequada para apri-
de do sistema70. morar a capacidade cardiorrespiratória71,72. Por outro lado,
Apesar da reconhecida importância da estabilidade mo- para aqueles mais bem condicionados, a corrida parece ser
tora na locomoção humana, ainda não está bem estabeleci- mais apropriada em preencher tal requisito, devido à faci-
da a magnitude de sua influência na transição caminhada- lidade para elevar a intensidade do esforço a patamares mais
corrida. Muitos fatores poderiam ser levantados como res- altos que a caminhada. Entretanto, quando é necessário
ponsáveis pela mudança na forma de locomoção, princi- exercitar-se a uma intensidade de esforço entre 6 e 8METs
palmente quando a estabilidade é desafiada a maior grau, (geralmente apontada como área de transição entre a ca-
como na caminhada ou corrida em terrenos irregulares ou minhada e a corrida, compreendendo também a intensida-
mediante a imposição de algum tipo de sobrecarga no cor- de do trabalho na qual as pessoas não sabem se correm ou
po. Para responder a essas questões, ou mesmo àquelas mais caminham), a seleção da forma de locomoção pode ter dis-
básicas em que não existe um desafio acentuado às carac- tintas repercussões.
terísticas normais de estabilidade, estudos futuros devem Com o propósito de investigar a influência da forma de
ser conduzidos. Nesse contexto, seria interessante que as locomoção em algumas variáveis cardiorrespiratórias,
pesquisas considerassem maior tempo de medida do gasto Monteiro et al.73 conduziram um estudo no qual os indiví-
energético, pois os intervalos de tempo adotados até então, duos foram solicitados a caminhar e correr nas mesmas
provavelmente, são pequenos para realizar inferências mais velocidades. Seis indivíduos, propositalmente homogêneos
conclusivas sobre a interação dos aspectos fisiológicos e quanto à idade, estatura, comprimento de membros infe-
biomecânicos na estabilidade locomotora. Isso justifica-se riores e peso corporal, submeteram-se a dois esforços de
na medida em que a influência da instabilidade na realiza- seis minutos (caminhada e corrida). Os testes foram sepa-
ção de tarefas mais demoradas pode ser diferente da verifi- rados por um intervalo de 20 minutos, em quatro dias dis-
cada nas atividades mais curtas. Além de medidas mais tintos, com a ordem das atividades definidas por um qua-
duradouras da demanda energética, outros indicadores que drado latino. A velocidade era de 6,5km.h-1 na primeira
proporcionem o estudo dos limites envolvidos na transi- visita de adaptação ao protocolo e, nos dias subseqüentes,
ção caminhada-corrida devem ser experimentados. Talvez 6, 6,5 e 7km.h-1. Identificou-se que a influência do meio da
Rev Bras Med Esporte _ Vol. 7, Nº 6 – Nov/Dez, 2001 219
locomoção foi mais relevante do que as variações de velo- constituir uma importante ferramenta para seleção da for-
cidade. A demanda metabólica expressa pela FC, VO2, VCO2, ma de treinamento, principalmente para indivíduos que
VE e pulso de O2 foi maior na corrida do que na caminhada apresentam baixa capacidade funcional.
(10 a 50%) para todas as velocidades testadas (p < 0,05), Outro aspecto não explorado na literatura, e que poderia
enquanto os equivalentes ventilatórios de O2 e de CO2 e a oferecer contribuições relevantes para a seleção da forma
percepção subjetiva de esforço geral e localizada (escala de locomoção em programas de condicionamento físico,
de Borg) não diferiram (p > 0,05). Em conclusão, os auto- diz respeito ao estudo das respostas fisiológicas em popu-
res destacaram que, nesses dados preliminares com adul- lações com capacidade funcional muito reduzida. Anali-
tos do sexo masculino de dimensões corporais homogê- sando os dados disponíveis, observa-se que as pesquisas
neas, para as mesmas velocidades na caminhada e na cor- direcionadas ao fenômeno da transição caminhada-corrida
rida, há respostas cardiorrespiratórias distintas, não se re- não têm enfatizado esse aspecto. Para preencher essa lacu-
fletindo na percepção local ou global do esforço. Os auto- na, uma proposta interessante seria verificar a relação en-
res destacaram que a dissociação entre o fenômeno fisio- tre as variáveis de trocas gasosas respiratórias e as respos-
lógico e a percepção do esforço pode ser explicada pelo tas eletromiográficas na escolha da velocidade de transi-
fato de a intensidade do exercício ter sido abaixo do limiar ção em indivíduos com aptidão cardiorrespiratória elevada
ventilatório, como pode ser observado pelo comportamen- e em indivíduos com aptidão reduzida, como idosos ou
to dos equivalentes ventilatórios e corroborado pelos valo- cardiopatas. Nesse caso, poderiam ser identificadas as va-
res relativamente baixos da escala Borg. riáveis mais significativas a influenciar na velocidade de
Apesar de chamarem atenção sobre a importância des- transição entre os grupos, além de analisadas suas diferen-
ses achados para melhor caracterização metabólica da ca- ças e possíveis implicações para o condicionamento físico.
minhada e da corrida objetivando a seleção da atividade na Finalmente, pode-se apontar uma lacuna de ordem prá-
prescrição do exercício, os dados de Monteiro et al.73 são tica. A seleção dos conteúdos de um programa de exercí-
preliminares, impossibilitando inferências mais consisten- cios passa, inicialmente, pela concepção dos seus objeti-
tes sobre o assunto. Para realização de pesquisas futuras vos – em se tratando de praticantes malcondicionados, a
que possam melhorar a validade externa do estudo, aspec- escolha da forma de locomoção pode exercer influência,
tos metodológicos adicionais devem ser considerados. En- não só nas possibilidades de condicionamento, mas tam-
tre eles, podem-se citar o número de sujeitos envolvidos bém na adesão desses praticantes. Pesquisas conduzidas
na amostra, a adoção de um critério de emparelhamento até o momento tentaram descrever os mecanismos envol-
para aptidão cardiorrespiratória dos avaliados, a aplicação vidos na transição caminhada-corrida, sem, contudo, in-
de um protocolo para estabelecer o ponto individual de tran- vestigar os seus efeitos no condicionamento físico dos in-
sição caminhada-corrida, bem como a adoção de outras divíduos. Acreditamos que essa lacuna mereça atenção, po-
variáveis, além das cardiorrespiratórias, que possam servir dendo ajudar a elucidar os conceitos físicos envolvidos no
como indicadores de intensidade de esforço. Nesse senti- cálculo da demanda energética, mas também os mecanis-
do, as respostas eletromiográficas e de lactacidemia pode- mos e implicações da forma de locomoção para a prescri-
riam trazer contribuições potenciais. ção de exercícios. Em suma, a revisão das pesquisas dispo-
Outra possibilidade de estudo consiste em verificar a níveis sobre a transição entre o andar e o correr sugere
influência de diferentes combinações de atividade motora, que, tanto em termos de descrição teórica quanto em ter-
desempenhadas na velocidade de transição caminhada-cor- mos de aplicação em situações de prescrição do exercício,
rida, nas respostas cardiorrespiratórias, eletromiográficas as dúvidas superam as certezas.
e de percepção subjetiva de esforço. Após delimitação de
um tempo de esforço fixo para coleta de dados, poderiam REFERÊNCIAS
ser analisados os efeitos das seguintes combinações de lo-
1. Melby CL, Ho RC, Hill JO. Assessment of human energy expenditure.
comoção: a) somente caminhada; b) somente corrida; c) In: Bouchard C, editor. Physical activity and obesity. Champaign: Hu-
caminhada e corrida, em que cada atividade seria realizada man Kinetics 2000:103-31.
de forma contínua durante a metade do tempo; d) cami- 2. Araújo CGS. Teste de exercício: terminologia e algumas considerações
nhada e corrida, na qual cada atividade seria realizada de sobre passado, presente e futuro baseadas em evidências. Rev Bras Med
Esporte 2000;6:77-84.
forma intervalada durante a metade do tempo. Embora seja
3. Ainsworth BE, Haskel WL, Leon AS, Jacobs DR, Montoye HJ, Sallis
consenso que, do ponto de vista físico, a demanda energé-
JF, et al. Compendium of human activities: classification of energy costs
tica independe do modo de locomoção, é possível que a of human physical activities. Med Sci Sports Exerc 1993;25:71-81.
demanda metabólica possa diferir na mesma velocidade 4. Margaria R. Biomechanics and energetics of human exercise. Oxford:
entre essas duas modalidades. Elucidar essa questão pode Oxford University Press, 1976.