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BIOMECÂNICA DA CORRIDA COM CALÇADO E DESCALÇO:

REVISÃO DA LITERATURA
BIOMECHANICS OF SHOD AND BAREFOOT RUNNING: A LITERATURE REVIEW Artigo de Revisão
Review Article
BIOMECÁNICA DE LA CARRERA CON CALZADO Y DESCALZO: REVISÓN DE LA LITERATURA Artículo de Revisión

Vitória da Silveira Jahn1 RESUMO


(Profissional de Educação Física)
Este estudo tem como objetivo analisar e resumir as diferenças biomecânicas (cinéticas, cinemáticas e
Clara Knierim Correia1
(Profissional de Educação Física) neuromusculares) da corrida com calçado e descalço através de uma revisão de literatura. Foram realizadas
Elisa Dell’Antonio1
buscas por artigos completos publicados entre 2013 e novembro de 2018 nos bancos de dados Web of Science,
(Profissional de Educação Física) PubMed, Scopus e SPORTDiscus. Os descritores usados foram Biomechanics, Kinetics, Kinematics, Electromyo-
Luis Mochizuki2 graphy, “Surface Electromyography”; e Unshod, Barefoot, Barefeet e Running. A busca resultou em 687 artigos,
(Profissional de Educação Física) e depois da exclusão das duplicatas e seleção através do título, do resumo e do texto completo, 40 artigos
Caroline Ruschel1 foram incluídos na revisão. Os resultados evidenciam que existem diferenças importantes na biomecânica da
(Profissional de Educação Física) corrida entre as condições calçado e descalço. De maneira geral, os estudos indicam que, na corrida descalço:
(a) os indivíduos apresentam padrão de pisada com o antepé ou mesopé, enquanto na corrida com calçado,
1. Universidade do Estado de o padrão típico é com o retropé; (b) observa-se maior cadência e menor comprimento da passada; e (c) ocorre
Santa Catarina (UDESC), Centro maior flexão de joelho, menor pico de força vertical de reação do solo e maior ativação da parte medial do
de Ciências da Saúde e do gastrocnêmio. Ainda, na condição descalço, os corredores fazem o contato com o solo com maior flexão plantar,
Esporte (CEFID), Departamento possivelmente buscando uma estratégia de atenuação de impacto durante a pisada sem calçado. Essas diferen-
de Educação Física, Laboratório ças, assim como a individualidade dos praticantes, devem ser consideradas na prescrição da corrida descalço,
de Pesquisas em Biomecânica visando minimizar a ocorrência de lesões decorrentes da prática. Nível de evidência II; Estudo de Revisão.
Aquática (BIOAQUA), Florianópolis,
SC, Brasil. Descritores: Cinética; Cinemática; Eletromiografia.
2. Universidade de São Paulo
(USP), Escola de Artes, Ciências e ABSTRACT
Humanidades, São Paulo, SP, Brasil. This study aims to analyze and summarize the biomechanical (kinematics, kinetics and neuromuscular) differen-
ces between shod and barefoot running, through a literature review. Searches were conducted for complete articles
Correspondência: published between 2013 and November 2018 in the Web of Science, PubMed, Scopus and SPORTdiscus databases.
Clara Knierim Correia. The search terms used were Biomechanics, Kinetics, Kinematics, Electromyography, “Surface Electromyography”; and
Rua Pascoal Simone, 358. Unshod, Barefoot, Barefeet and Running. The search resulted in 687 articles; after excluding duplicates and selecting
Laboratório de Pesquisas em by title, abstract and full text, 40 articles were included in the review. The results show that there are important diffe-
Biomecânica Aquática. Coqueiros, rences in the biomechanics of running when shod or barefoot. In general, studies indicate that in barefoot running:
Florianópolis, SC, Brasil. a) individuals present forefoot or midfoot foot strike patterns, while in shod running the typical pattern is the rearfoot
CEP: 88080-350. strike; (b) greater cadence and shorter stride length are observed; and (c) there is greater knee flexion, lower peak vertical
clara.kc@hotmail.com. ground reaction force and greater activation of the medial gastrocnemius. In addition, barefoot runners contact the
ground with greater plantar flexion, possibly as a strategy to reduce impact when stepping without footwear. These
differences, as well as runners’ individual characteristics, should be considered in the prescription of the barefoot
running, in order to minimize injuries resulting from the practice. Level of Evidence II; Review.

Keywords: Kinetics; Kinematics; Electromyography.

RESUMEN
Este estudio tiene como objetivo analizar y resumir las diferencias biomecánicas (cinéticas, cinemáticas y neuro-
musculares) de la carrera con calzado y descalzo a través de una revisión de literatura. Fueron realizadas búsquedas
de artículos completos publicados entre 2013 y noviembre de 2018 en los bancos de datos Web of Science, PubMed,
Scopus y SPORTDiscus. Los descriptores utilizados fueron Biomechanics, Kinetics, Kinematics, Electromyography,
“Surface Electromyography”; y Unshod, Barefoot, Barefeet; y Running. La búsqueda resultó en 687 artículos, y después
de la exclusión de los duplicados y selección a través del título, del resumen y del texto completo, 40 artículos fueron
incluidos en la revisión. Los resultados evidencian que existen diferencias importantes en la biomecánica de la carrera
entre las condiciones calzado y descalzo. De manera general, los estudios indican que, en la carrera descalzo: (a) los
individuos presentan padrón de pisada con el antepié o mesopié, mientras que en la carrera con calzados, el padrón
típico es con el retropié; (b) se observa mayor cadencia y menor longitud de la pasada; y (c) ocurre mayor flexión
de la rodilla, menor pico de fuerza vertical de reacción del suelo y mayor activación de la parte medial del gastroc-
nemio. Además, en la condición descalzo, los corredores hacen el contacto con el suelo con mayor flexión plantar,
posiblemente buscando una estrategia de atenuación de impacto durante la pisada sin calzado. Estas diferencias,
así como la individualidad de los practicantes, deben ser consideradas en la prescripción de la carrera descalzo, bus-
cando minimizar la ocurrencia de lesiones provenientes de la práctica. Nivel de Evidencia II; Estudio de Revisión.

Descriptores: Cinética; Cinemática; Electromiografía.

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1517-869220202606219320 Artigo recebido em 07/02/2019 aprovado em 20/07/2020

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INTRODUÇÃO blocos e diferenciados por meio de três combinações: análise biomecânica,
A corrida de rua ganha cada vez mais adeptos ao longo dos anos. condição descalço e corrida. Os critérios de inclusão foram: estudos que
Tal popularidade pode ser resultado dos benefícios para a saúde dos analisaram variáveis biomecânicas (cinemáticas, cinéticas e/ou aspectos
praticantes, o baixo custo da prática e a profissionalização do esporte por neuromusculares), com amostra de adultos com idade igual ou superior
meio das assessorias esportivas. Isso é nítido nos números de inscritos em a 18 anos, com pelo menos um grupo de indivíduos saudáveis; e que
provas de corridas de rua, por exemplo, em 2017, houve 19,3 milhões1,2 tenham comparado a corrida com calçado e descalço; artigos completos
de registros nos Estados Unidos da América e no Brasil. publicados em inglês, em periódicos revisados por pares (peer review) entre
Com um grande número de praticantes observa-se uma alta in- 2013 e 2018. Foram excluídos estudos de revisão, estudos cujo texto com-
cidência de lesões, que pode variar de 19,4% a 79,3%.3 São fatores pleto não estava disponível e trabalhos publicados em anais de eventos.
associados às lesões a má escolha do tênis de corrida ou seu desgaste, A busca ocorreu no mês de novembro de 2018, e foi utilizado o
o treinamento inadequado e fatores biomecânicos.4 Nesse contexto, filtro de pesquisa por ano (de 2013 a 2018). Optou-se por incluir estudos
duas ações opostas se popularizaram para reduzir as lesões provocadas no período descrito, pois já foi publicada uma revisão sistemática de
pela corrida: a evolução do tênis de corrida, para melhorar o conforto literatura com meta-análise sobre a mesma temática em 2013.7 Assim,
e o desempenho do corredor5 e a disseminação da corrida descalço.6,7 esta pode ser considerada uma revisão de atualização sobre o tema.
Por que essas duas ações se popularizaram na corrida de rua? A síntese dos dados foi dividida em três categorias: a) Características
Historicamente, o homem neolítico já usava uma forma rudimentar da amostra (número de participantes de cada estudo e informações sobre
de calçado e é famosa a vitória do atleta Abebe Bikila, na maratona dos sexo, faixa etária e nível de prática em corrida); b) principais resultados
Jogos Olímpicos de Roma, em 1960, correndo descalço. Usar calçados está cinemáticos; e c) principais resultados cinéticos e dos aspectos neuro-
incorporado aos hábitos humanos há bastante tempo e pessoas podem ter musculares. Em relação aos principais resultados, optou-se por apresentar
bom desempenho na corrida descalço. Em função da discussão dos efeitos as variáveis que estavam presentes em pelo menos dois estudos e com
do calçado esportivo na corrida, Robbins e Gouw8 propuseram a hipótese diferença significante entre as condições calçado e descalço.
que os calçados esportivos modernos seriam incapazes de proteger das
lesões da corrida porque atenuam as informações sensoriais plantares, que Tabela 1. Descritores utilizados nas buscas.
são necessárias para mudar a forma de correr. Duas décadas depois, Lieber- (Biomechanics OR Kinetics OR Kinematics OR
Bloco #1
mann et al.,9 mostraram que o transiente da força de reação do solo (FRS)10 Electromyography OR “Surface Electromyography”)
não aparecia em corredores habituados a correr descalços. Nesse contexto, Bloco #2 (Unshod OR Barefoot OR Barefeet)
a discussão sobre prática da corrida com calçado ou descalço é polêmica. Bloco #3 Running
Por um lado, o desenvolvimento tecnológico dos calçados esportivos Utilizado nas buscas: Combinação #1 AND Combinação #2 AND Combinação #3
tem o potencial de atrair consumidores e, por outro lado, a indicação que
o hábito de correr descalço pode eliminar a força transiente do padrão
da FRS e isso induzir a menor intensidade da FRS na fase de impacto RESULTADOS
do calcanhar no chão durante a corrida9 apoiam-se na ideia da corrida Foram encontrados 687 artigos, dos quais 185 eram duplicados,
com “menos impacto”. Por motivações diferentes, igualmente orientadas resultando em 502 estudos para leitura do título. Destes, 154 artigos
pela necessidade de diminuir o risco de se machucar, pessoas correm foram selecionados pelo título e, após a leitura do resumo, 71 artigos
descalças ou com algum tipo de calçado. foram escolhidos para a leitura na íntegra. Após o processo de elegibi-
A revisão de Hall et al.7 analisou as diferenças biomecânicas da corrida lidade, 40 artigos foram incluídos para a análise, conforme a Figura 1.
com e sem calçado. A cinemática angular das articulações é influenciada As características dos participantes estão na Tabela 2. Todos os par-
pelo uso de calçados? Evidências moderadas indicam que correr descalço ticipantes dos estudos selecionados tinham experiência com corrida,
está associado à maior cadência e menor dorsiflexão no primeiro contato sendo que a maioria não tinha experiência com corrida descalço ou
do pé com o chão. A evidência é limitada para afirmar que o padrão de com calçado minimalista. Doze estudos incluíram participantes que
antepé é mais comum na corrida descalço. A FRS diminui na corrida realizavam a pisada com o retropé; enquanto nos demais, o padrão de
descalço? Hall et al.7 indicaram a evidência moderada de que a corrida pisada não foi utilizado como critério de inclusão.
descalço está associada ao menor pico da FRS na fase de impacto do pé O tamanho da amostra variou entre 6 e 241 participantes, com idade
na corrida. A diferença no padrão de pisada durante a corrida modifica a entre 18 e 55 anos. Em relação ao sexo, 17 estudos analisaram apenas
estrutura do pé que toca primeiro o chão e recebe o impacto, e também homens, um estudo analisou apenas mulheres, e 22 estudos analisaram
muda como os músculos do pé vão atuar para atenuar o choque mecânico corredores de ambos os sexos. A maior parte dos estudos foi realizada
da corrida.11 Correr descalço muda o padrão de ativação de músculos do com corredores amadores com volume semanal de corrida variado.
membro inferior? Essa revisão indicou que apenas dois estudos puderam As características do protocolo experimental estão na Figura 2. Dos 40
ser avaliados, sugerindo evidências bastante limitadas para descrever o estudos, 1911,15,16,18–33 analisaram corredores em ambiente de pista com plata-
comportamento dos músculos na corrida com calçado e descalça. forma de força e distâncias variadas, 1812–14,17,34–47 foram realizados em esteira
Essas questões continuam divergindo opiniões. Estudos recentes, instrumentada e três48–50 não informaram o local de teste. Sobre a velocidade,
publicados após a revisão de Hall et al.,7 apontam para a mesma direção 21 estudos11,14-18,24,26,28,30-33,35,37,38,41–43,45,48 usaram a velocidade fixa, variando de
das comparações biomecânicas da corrida com e sem calçado espor- 8 a 14,4 km/h, 1414,17,21–24,28,35,39,40,43,45,46,49 usaram velocidade autosselecionada
tivo? Evidências atuais indicam diferenças entre as condições para a e cinco15,30,48–50 não informaram a velocidade de corrida de teste.
cinemática (parâmetros espaço-temporais e cinemática articular),12–14 O número de estudos que mostraram diferenças significativas para
cinética (pico da FRS e momentos)15,16 e aspectos neuromusculares.11,17 as variáveis cinemáticas, cinéticas e neuromusculares é apresentado na
Identificar essas diferenças é importante para minimizar o risco de lesões,6 Figuras 3. Os estudos compararam a corrida com calçado e descalço,
e sintetizá-las pode contribuir para melhor orientar a prática da corrida. sendo que alguns também compararam diferentes tipos/modelos
Nesse sentido, o objetivo do estudo foi descrever, sintetizar e analisar as de calçado.14,43,44 Um estudo41 testou a corrida em diferentes tipos de
diferenças biomecânicas (cinemáticas, cinéticas e neuromusculares) da inclinação, outros dois14,45 comparam diferentes velocidades e outro
corrida com calçado e descalço por meio de uma revisão de literatura. comparou diferentes comprimentos de passada.19

MATERIAIS E MÉTODOS Cinemática


Foi realizada uma busca nas bases de dados Web of Science, Pubmed, Dos 40 estudos, 33 estudos analisaram pelo menos uma variável cine-
Scopus e Sportdiscus. Os descritores, os operadores boleanos e as combina- mática, que foram categorizadas em características espaço-temporais da
ções utilizadas na busca estão na Tabela 1, sendo agrupados a partir de três passada (Figura 3A) e cinemática angular (Figura 3B). Sobre as características
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Figura 1. Fluxograma do processo de seleção dos estudos.

espaço-temporais, seis estudos30,31,36,41,42,45 verificaram que o contato inicial momentos articulares, dois estudos verificaram que o momento de flexão
com o solo foi feito, na maioria das vezes, com o retropé na condição calçado; plantar foi maior na condição descalço,15,16 enquanto que o momento de
e seis estudos17,30,31,36,43,45 verificaram que o contato inicial foi feito, na maioria extensão do joelho foi maior na condição calçado.15,33
dos casos, com o antepé ou mediopé na condição descalço. Em 12 estu-
dos,12,13,15,17,22,24,25,27,28,31,43,44 o comprimento da passada na corrida foi maior com Aspectos neuromusculares
calçado. Na corrida descalço observou-se maior cadência,12–15,17,27,34,36,39,42,44,49 Dos 40 estudos, sete analisaram pelo menos um aspecto neuromus-
enquanto que a passada foi de duração maior na corrida com calçado.14,36,47 cular (Figura 3D). Quatro estudos17,18,35,40 mostraram maior ativação do
O tempo total de voo foi maior na condição descalço.39,49 Dos oito estudos músculo Tibial Anterior na corrida com calçado. O músculo Tríceps Sural
que analisaram o tempo de contato com o solo, a maioria (75%) verificou apresentou maior ativação na condição descalço na maioria dos estudos
que essa variável foi maior na condição calçado.14,31,36,39,47 (72%).11,16,17,35,37 Resultados sobre a ativação do Bíceps Femoral34,40 e do
Sobre a cinemática angular, a maioria (88%)12,13,15,20,22–24,27,29,31,32,37,41,44,50 Sóleo11,40 são controversos nos poucos estudos encontrados. Sinclair et
que analisou a articulação do tornozelo verificou que na condição calçado al.,18 por meio de modelagem computacional, mostraram que os picos
houve maior dorsiflexão, enquanto seis estudos13,15,20,27,43 mostraram que de força nos músculos Reto Femoral, Vasto Medial, Vasto Lateral e Tibial
correr descalço envolve maior flexão plantar. A flexão do joelho é maior Anterior são maiores na corrida calçado, enquanto o pico de força no
na corrida com calçado.13,15,27,31,32,48 Dos seis estudos que avaliaram o músculo Gastrocnêmio Medial é maior na corrida descalço.
quadril, 67%13,18,23,31 indicam que corredores habituados a correr com
calçado realizam maior flexão. DISCUSSÃO
Todos os estudos que analisaram a amplitude de movimento (ADM) Este estudo teve como objetivo analisar as diferenças biomecânicas
do tornozelo (movimentos de dorsiflexão e plantiflexão) e joelho (movi- (cinéticas, cinemáticas e neuromusculares) da corrida com calçado
mentos de flexão e extensão) utilizaram o método de cinemática 3D e e descalço, por meio de uma revisão de literatura. A discussão deste
mostraram que correr descalço18,27,34,37,40,50 tem maior ADM da articula- estudo se encontra dividida em quatro seções, sendo que cada uma
ção do tornozelo durante a fase de apoio. Em relação a ADM do joelho, delas está orientada por uma pergunta. Na primeira e segunda seção,
os resultados divergem.18,34,39,46 Dos 40 estudos, apenas um estudo21 encontra-se a discussão dos aspectos cinemáticos; enquanto na terceira
comparou a cinemática em diferentes instantes da fase da marcha. e quarta seção, é apresentada a discussão dos aspectos cinéticos e
neuromusculares, respectivamente.
Cinética
Dos 40 estudos, 14 estudos analisaram pelo menos uma variável Os padrões de corrida com calçado e descalço são diferentes?
cinética, sendo estas características de momento, impacto e taxa de carga O padrão de corrida pode ser avaliado de diferentes formas. O tipo
(Figura 3C). A maioria dos estudos que analisou a FRS verificou que a taxa de pisada, ou como o pé faz o primeiro contato com o solo (antepé,
de carga é maior na condição descalço.20,28,31,34,47,48 O pico de impacto mediopé ou retropé) é um exemplo. Os parâmetros espaço-temporais
foi reportado em dois estudos22,24 com resultados diferentes. Sobre os também caracterizam o padrão de corrida, mostrando a estratégia do

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Tabela 2. Número de participantes, faixa etária e nível de prática em corrida nos dos estudos incluídos na revisão (continua).
Referências Participantes (M/F) Faixa etária* Características gerais da amostra*
An, Rainbow, Cheung41 17 homens 28.5 ± 4.4 anos Corredores sem experiência previa com corrida descalço
Corredores sem experiência previa com corrida descalço ou calçados
Azevedo, Mezêncio, Valvassori, Mochizuki, Amadio, Serra12 14 (12/2) 18 a 40 anos
minimalistas, pisada com o retropé, e experiência em corrida na esteira
Corredores muito bem treinados, com uma média
Bonacci, Saunders, Hicks, Rantalainen, Vicenzino, Spratfor15 22 (14/8) 29.2 ± 6.0 anos
de 105,3± 33,5 km de treino por semana
Corredores amadores, com 30 km de corrida por semana no
Cheung, Rainbow42 30 (12/18) 25.5 ± 5.2 anos
último ano, sem experiência prévia com corrida descalço
Corredores amadores, pisada com o retropé com
Cuevas, Quesada, Giménez, Aparicio,Jimenez, Perez17 22 homens 28.4 ± 5.8 anos
treinos semanais de 38,6 ± 15,4 km
Ekizos, Santuz, Arampatzis 49
20 (14/6) 27.8 ± 5 anos Corredores habituados a correr e caminhar calçados
Corredores com treinos de no mínimo 15 km por semana, habituados
Ervilha, Mochizuki, Figueira Jr, Hamill11 10 homens 22.1 ± 2 anos
a correr calçados, e com o padrão de pisada com o retropé
Corredores amadores com treinos entre 24 e 30km por semana,
Fredericks, Swank, Teisberg, Hampton, Ridpath, Hanna43 26 (13/13) 26.5 ± 6.1 anos
sem experiência com corrida descalço ou calçado minimalista
Corredores com treinos entre 15 e 40 km por semana. Sem experiências
Hashish,Samarawickrame, Powers, Salem28 22 (9/13) 19 a 40 anos
previas com corrida descalço e com calçados minimalistas
Corredores amadores com pisada com o retropé,
Hein, Grau29 37 (14/23) 18 a 55 anos
sem experiência com corrida descalço
Corredores amadores, treinando no mínimo 12 km por semana.
Hollander, Argubi-Wollesen, Reer, Zech44 37 (14/23) 18 a 45 anos
Sem experiência previa com calçado minimalista
35.64 ± 11.67 Corredores de longa distância, treinados, habituados a correr calçados.
Jiménez, García-Pinillos, Soto-Hermoso, Latorre-Román45 32 homens
anos Treinos de 60.18 ± 20.41 km por semana e 5.47 ± 1.29 sessões por semana
34.11 ± 12.95 Corredores amadores, sem experiência previa com corrida
Jimenez,Roman, Hermoso, Pinillos45 80 (59/21)
anos descalço, treinos de no mínimo 40 km por semana
Corredores amadores habituados a correr calçados. Nenhum participante
Kelly, Lichtwark, Farris, Cresswell47 16 (9/7) 18 a 29 anos
tinha a pisada com o antepé, tanto calçados como descalços
Amostra variada entre corredores habituados a correr descalços,
Larson30 241 (não informa) Não informada
corrida descalço pela primeira vez ou começaram há pouco tempo
LeBlanc, Ferkranus 13
12 (6/6) 21.1 ± 1.2 anos Corredores habituados a correr regularmente na esteira
Corredores habituados a correr calçados, com treinos
McCallion, Donne, Fleming, Blanksby14 14 homens 18 a 35 anos
mínimos de 30 a 50 km por semana
Corredoras amadoras com distâncias semanais de 29,7
McCarthy, Fleming, Donne, Blanksby36 23 mulheres 30 ± 3 anos ± 14,0 km. Habituadas a correr com calçados e sem
experiência em corrida com calçados minimalistas
HD: 23 ± 1.2 anos
18 homens habituados a correr descalços desde o
Mei, Fernandez, Fu, Feng, Gu31 38 homens HC: 24 ±
nascimento e 20 homens habituados a correr calçados
2.1 anos
Corredores com a pisada com o retropé, com
Nigg, Vienneau, Smith, Trudeau, Mohr, Nigg32 35 (18/17) 29.9 ± 9.7 anos
treinos de no mínimo 2 vezes por semana
Corredores amadores, com treinos de 20.9 ± 6.0 km por semana,
Olin, Gutierrez35 18 (6/12) 31.2 ± 7.9 anos
habituados a correr calçados, com a pisada com o retropé
Peltz, Haladik, Hoffman, McDonald, Corredores amadores, com treinos de no mínimo 25
12 (6/6) 18 a 33 anos
Ramo, Divine, Nurse, Bey50 milhas por semana. Habituados a correr calçados
Corredores habituados a correr calçados, sem
Rao, Chambon, Gueguen, Berton, Delattre37 8 homens 23.87 ± 3.7 anos
experiencia com calçado minimalista.
18 a 40 20 participantes com sintomas e diagnosticados com Síndrome
Roberts, Roscoe, Hulse, Bennett, Dixon38 40 homens
anos Compartimental Crônica e 20 participantes assintomáticos
Homens: 31
± 7 anos
Santuz, Ekizos, Janshen, Baltzopoulos, Arampatzis39 20 (10/10) Regularmente ativos
Mulheres: 28
± 5 anos
Shih, Lin, Shiang34 12 homens 2.2 ± 1.3 anos Corredores habituados a correr calçados e com a pisada com o retropé
Sinclair, Atkins, Richards, Vincent18 20 homens 27.71 ± 3.01 anos Corredores experientes com treinos de no mínimo 3 vezes por semana
Corredores, com treinos de no mínimo 35 km por semana,
Sinclair, Atkins, Taylor16 15 homens 23.5 ± 2.5 anos
habituados a correr calçados, com a pisada com o retropé
Corredores experientes, com treinos de no mínimo 30
Sinclair, Hobbs, Currigan, Giannandrea, Taylor 19
16 homens 22.36 ± 2.51 anos
km por semana, com a pisada com o retropé
Sinclair33 30 homens 26.21 ± 5.52 anos Corredores amadores, com treinos de no mínimo 3 vezes por semana
Corredores recreacionais (pelo menos 3x por
Sinclair 27
12 homens 24.33 ± 4.09
semana com volume semanal de 35 km)
Corredores amadores, com 3-4 sessões de treino semanais. Pisada
Strauts, Vanicek, Halaki40 6 (4/2) 31.5 ± 9.9 anos
com o retropé, sem experiência previa com corrida descalço
HC: 30.5 ±
Corredores sem experiência com corrida descalço, com
7.5 anos
Tam, Darragh, Divekar, Lamberts20 34 (27/6) treinamento de pelo menos 4 h por semana (48 km) e que
HM: 34.4 ±
conseguissem correr 10 km em menos de 50 minutos
7.5 anos
Corredores experientes em corrida com calçado.
Tam, Prins, Divekar, Lamberts21 50 homens 30.3 ± 7.4 anos
Corridas de 10 km abaixo de 50 minutos
Corredores amadores habituados a correr com calçados com maior
Tam, Wilson, Coetzee, Pletsen, Tucker48 51 homens 28.2 ± 5.0 anos
amortecimento, aptos a correr 10 km abaixo de 50 minutos
Fisicamente ativos, treinos de no mínimo 30
Thompson, Gutmann, Seegmiller, McGowan 22
11(6/5) 29 ± 5.6 anos
minutos por sessão, 5 vezes por semana
Thompson, Hoffman23 10 (6/4) 27 ± 7.1 anos Ativos fisicamente e com pisada do tipo retropé
10 sujeitos com a pisada com o retropé e 10 sujeitos
Thompson, Lee, Seegmiller, McGowan22 20(10/10) 22.1 a 35 anos
com a pisada com o antepé ou mediopé
Thompson, Seegmiller, McGowan25 10 (5/5) 26 ± 7.3 anos Corredores amadores, fisicamente ativos, com a pisada com o retropé
Xu, Liang, Liu, Fekete26 10 homens Não informa Corredores habituados a correr descalço e com calçado
M: Masculino; F: Feminino; * Valores apresentados em Média ± Desvio Padrão; HD: Habituados a correr descalços; HC: habituados a correr calçado; HM: habituados a correr com calçado minimalista.

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corredor, por meio do comprimento da passada e da cadência. Nesta da corrida aumenta,51,52 sugerindo a existência de subgrupos. Ou seja, há
revisão, encontramos que a forma de pisar é diferente se a corrida é feita pessoas que mudam de padrão de pisada quando mudam de velocidade;
com calçado ou descalça. O comprimento do passo é menor na corrida e outras que não apresentam esse comportamento. Outra explicação
descalço e, consequentemente, a cadência é maior. Tais resultados são para essa mudança de tipo de apoio é o aumento das informações sen-
os mesmos que foram indicados na revisão de Hall et al.7 soriais disponíveis no pé descalço quando entra em contato direto com
O contato inicial do pé é diferente entre a corrida descalço e com cal- o solo,5 induzindo a mudança de padrão para a pisada com o antepé ou
çado. No correr descalço, há a tendência de pisar com o antepé/mediopé, mediopé. Além disso, a FRS vertical é maior na condição descalço, o que
enquanto no correr com calçado há predomínio de pisada do retropé. O pode contribuir para alterações no padrão de corrida.
tempo de contato na corrida com a pisada de antepé/médiopé é menor O comprimento da passada é menor na corrida descalço. Isso pode
e esse padrão se torna típico para algumas pessoas quando a velocidade estar relacionado com a menor percepção dos mecanoreceptores na
face plantar na condição com calçado.53 O comprimento da passada
está associado com o tempo de vôo na fase de balanço. Uma menor
fase de vôo pode estar associada a uma menor FRS e a uma estratégia
para a atenuação do choque.54
A corrida descalço tem maior cadência. Isso é consequência de alte-
rações cinemáticas na fase de apoio.55 De Wit, Clercq e Aerts55 sugerem
que na fase de apoio na condição descalço, a rigidez da perna é maior, o
que induz à maior cadência. A rigidez da perna, no contato do pé com
o solo, sofre alterações devido às mudanças no alinhamento do vetor da
FRS relativo às articulações do tornozelo, joelho e quadril.4 A cadência está
associada ao balanço da perna e é influenciada pelo tempo de contato. O
tempo de contato é menor quando o apoio inicial não ocorre no retropé,
e este tempo é reduzido na condição descalço quando o padrão de pisada
é antepé/médiopé. As diferenças nos parâmetros espaço-temporais, como
a cadência,21,22,24,25,28,45 são evidenciadas mesmo quando a velocidade em
ambas as condições (calçado e descalço) é semelhante.
A cinemática angular das articulações é influenciada pelo
uso de calçados?
Figura 2. Número de estudos de acordo com a instrumentação e velocidades A cinemática das articulações dos membros inferiores é diferente
utilizados nos os protocolos de análises. quando se compara correr com calçado esportivo e descalço. Destacamos

A B

C D

3A: CP: comprimento de passada; CD: cadência; DP: duração da passada; TV: tempo de voo; TC: tempo de contato. 3B: PDT: pico de dorsiflexão do tornozelo; PFPT: pico de flexão plantar do tornozelo; PFJ: pico de flexão do
joelho; PFQ: pico de flexão do quadril; ADMT: amplitude de movimento do tornozelo no plano sagital; ADMJ: amplitude de movimento do joelho no plano sagital. 3C: TCV: taxa de carga vertical; PI: pico de impacto; MEEJ:
momento externo de extensão do joelho; MEFP: momento externo de flexão plantar. 3D: TA: músculo tibial anterior; TS: músculo tríceps sural; SO: músculo sóleo; BF: músculo bíceps femoral.

Figura 3. Número de estudos que mostraram diferenças significativas nas comparações das variáveis espaço-temporais (A), cinemática articular (B), variáveis cinéticas (C)
e aspectos neuromusculares (D) entre corrida com calçado e descalço.

Rev Bras Med Esporte – Vol. 26, No 6 – Nov/Dez, 2020 555


diferenças no tornozelo, joelho e quadril. Por outro lado, Hall et al.7 mostraram do peso é resultado das altas frequências na FRS na fase de contato do
evidências limitadas para o tornozelo e evidências moderadas para o joelho pé;59 essas altas frequências da FRS na fase inicial do apoio da corrida estão
indicando que os padrões de correr com e sem calçados são diferentes. associadas ao tipo de pisada58 e não necessariamente à corrida descalço.
Nesta revisão, além de mudanças no tornozelo e joelho, encontramos Diferenças nos momentos articulares não seguiram um padrão. Em
resultados que sugerem alterações nos movimentos do quadril na corrida. um dos estudos não houve diferença entre os momentos das articulações
A dorsiflexão do tornozelo é menor na corrida descalço. Por outro do tornozelo, joelho e quadril entre as condições.25 Em outros estudos, o
lado, correr descalço aumenta a flexão plantar. No ataque do pé no momento de extensão do joelho foi maior com calçado do que descalço.30,33
chão, ocorre a flexão plantar na corrida de descalça; e a dorsiflexão com Hall et al.7 não avaliaram os momentos de força. O pico da FRS e os momen-
a pisada com o retropé. Hall et al.7 mostraram evidência limitada sobre as tos articulares não diferem em condições de comprimento e velocidade de
diferenças dos movimentos do tornozelo entre corredores com calçado corrida semelhantes, independentemente se o indivíduo está calçado ou
e descalços, sugerindo maior eversão na corrida descalço. A ADM do não.22 Nas condições calçado e descalço, o momento articular aumentou
tornozelo é maior na corrida descalço na fase de apoio; entretanto, nas com o aumento do comprimento da passada. No plano sagital, os picos dos
fases de contato inicial e impulsão, a ADM desta articulação é maior com momentos do joelho e tornozelo foram maiores com o comprimento de
calçado.40 Strauts et al.40 observaram que os corredores usaram a pisada passada 10% maior que o habitual, mas não foram encontradas diferenças
com o retropé calçados e descalços, e isto pode estar relacionado com entre a corrida descalço e com calçado nessa condição.22
a menor ADM na condição descalço em comparação com os demais
estudos onde o padrão de pisada variou entre retropé, mediopé e antepé. Correr descalço muda o padrão de ativação de músculos do
A flexão do joelho durante o apoio é maior na corrida descalço. membro inferior?
Flexionar o joelho durante o contato com o solo pode reduzir o compo- A atividade de músculos do membro inferior está associada à ci-
nente vertical da FRS e diminuir a chance de lesões.56 Sob a perspectiva nemática e cinética da corrida. Apresentamos um conjunto maior de
do tipo de pisada, corredores que correm descalços e com pisada de músculos e seu comportamento durante a corrida com e sem calçado,
antepé apresentam menor ADM do joelho. Portanto, a corrida descalço se comparado à revisão de Hall et al.7
aumenta o ângulo máximo de flexão do joelho, mas diminui sua ADM. Os músculos da perna têm ativação diferente por causa do tipo de
A corrida descalço também altera o movimento do quadril, sendo pisada combinado com o uso ou não do calçado esportivo durante a
que a ADM de flexão é menor durante a fase de apoio nessa condição.40 corrida. A ativação do m. Tríceps Sural está associada ao tipo de pisada.
Strauts et al.40 sugerem que as mudanças nos ângulos do quadril e pelve Os mm. Gastrocnêmio lateral e medial mostraram maior ativação na con-
podem estar associadas com as mudanças no ângulo do tornozelo. A dição descalço com o antepé do que nas condições calçado e descalço
força muscular, padrões de ativação muscular, antropometria, mobilidade com o retropé.11,17,34,35,37 Na pisada com o retropé,47 os músculos Sóleo e
articular e comprimento muscular afetam a cinemática do quadril, pelve Gastrocnêmio mostraram maior atividade na fase final de balanço e com
e tronco durante a corrida.33 um pico na fase de apoio. Bonacci et al.15 identificaram maior ativação
desses músculos na flexão plantar do tornozelo na corrida descalço. O
A FRS diminui na corrida descalço? aumento no momento do tornozelo com a pisada com antepé está
A análise cinética, principalmente por meio da FRS, é consagrada associado à maior ativação dos músculos Gastrocnemio lateral, Gas-
no estudo da locomoção. A FRS diminui com o menor comprimento da trocnemio medial e Sóleo. Os níveis de ativação dos músculos Sóleo,
passada.22 Com menor comprimento de passada, o contato inicial do pé Tibial anterior e Gastrocnêmio lateral diminuíram na corrida descalço.40
é mais próximo da projeção vertical do centro de massa e os picos de A ativação do m. Tibial anterior está associada ao contato inicial
flexão do joelho e quadril diminuem.57 O primeiro pico da componente do pé com o chão. O m. Tibial anterior teve maior ativação nos grupos
vertical da FRS é menor na condição descalço e está associado ao menor com a pisada com o retropé e na condição calçado.17,34 A magnitude da
comprimento da passada.34,47 A redução do primeiro pico da FRS pode ativação do m. Tibial anterior antes da aterrissagem é maior do que no
estar relacionada à mudança espectral da FRS;58 enquanto o padrão de contato inicial. Essa pré-ativação é responsável por manter o antepé para
antepé tem maior participação das harmônicas até 10 Hz, o padrão de cima e ajustar o músculo para o impacto esperado. Durante o impacto,
retropé tem maior participação de harmônicas maiores que 10 Hz, o que o Tibial anterior deve ser relaxado para a liberação do antepé.60
explica os componentes de maior frequência, como o transiente da FRS, A ativação dos músculos extensores/flexores de joelho é sensível à
no padrão de retropé. Isso implica que o menor primeiro pico da FRS corrida descalço em fases específicas da corrida. Os níveis de ativação dos
não é devido à corrida descalço, mas por causa do padrão de antepé. músculos Vasto medial e Bíceps femoral diminuíram na corrida descalço em
Corredores habituados a correr descalços e com o antepé tiveram somen- comparação à condição calçado nas fases de contato inicial e impulsão.40
te o pico de impulsão da FRS, enquanto os corredores habituados a correr Na fase de apoio, o M. Bíceps femoral e Reto femoral não mostraram dife-
calçados mostraram o pico de impacto e o pico de propulsão.22 Por um lado, rença entre as condições calçado e descalço.34 Provavelmente, isso pode
correr calçado e descalço produziram magnitudes de FRS comparáveis.40 As ser devido ao fato de que o padrão de pisada dos participantes não foi
magnitudes do pico da FRS no impacto são três vezes menores em corredores controlado,40 e possivelmente a ativação do M. Bíceps Femoral responda
habituados a correr descalços com o antepé em comparação aos corredores mais ao padrão de pisada do que à condição calçado ou descalço.
habituados a correr calçados com o retropé.9 Porém, o pico da FRS foi maior De uma forma geral, esta revisão de literatura encontrou resultados
na condição descalço com a pisada com o retropé em comparação com a similares à revisão de Hall et al.,7 cuja meta-análise incluiu 18 estudos publi-
condição calçado.40 O mesmo aconteceu em Lieberman et al.9 onde o padrão cados entre 1979 e 2013. A presente revisão narrativa reuniu os resultados
de pisada com o retropé causou grande transiente da FRS na condição calçado de 40 estudos publicados a partir de 2013. Outra grande diferença entre
e um impacto transitório maior ainda na condição descalço. os estudos foi a não possibilidade de realizar a meta-análise por terem
A taxa de aceitação do peso indica como foi aplicada a FRS no contato sido incluídos estudos com métodos variados. Ainda assim, acreditamos
do pé com o chão. Na revisão de Hall et al.,7 foram encontradas evidências que os resultados sumarizados auxiliarão na discussão recente e crescente
que essa taxa muda na condição descalço dependendo do tipo de pisada. sobre a comparação com calçado e descalço. Apesar de que os estudos das
Resultados similares foram encontrados nesta revisão,28,34,41,42 sugerindo duas revisões sejam diferentes, os resultados dos aspectos biomecânicos
que a taxa de aceitação do peso é menor corrida descalço com a pisada da corrida com calçado e descalça são semelhantes. Assim, esta revisão
com o antepé em comparação com a pisada com o retropé. Alguns es- se configura como uma atualização sobre o tema.
tudos28,31,34,47,48 verificaram que a aceitação do peso é maior na condição
descalço com a pisada com o retropé em comparação com a condição CONCLUSÃO
calçado com o retropé. Um estudo48 verificou que não houve diferença Esta revisão de literatura evidenciou que existem diferen-
nessa taxa entre as condições. É importante destacar que a taxa de aceitação ças importantes na biomecânica da corrida entre as condições
556 Rev Bras Med Esporte – Vol. 26, No 6 – Nov/Dez, 2020
calçado e descalço. Tais diferenças devem ser compreendidas e FINANCIAMENTO
consideradas no processo de decisão entre correr com calçado ou O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
descalço, visto que na corrida descalço, mesmo com a atenuação Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código
o impacto durante o contato com o solo, a taxa de aceitação do
de Financiamento 001.
peso e a ativação do m. Tríceps Sural aumentam consideravelmen-
te. Mais estudos sobre outras variáveis pouco exploradas, como
por exemplo aquelas relacionadas à cinética articular, devem ser
Todos os autores declararam não haver qualquer potencial conflito
realizados para melhorar a compreensão das diferenças entre o
correr calçado e descalço. de interesses referente a este artigo.

AUTHORS’ CONTRIBUTIONS: Cada autor contribuiu individual e significativamente para o desenvolvimento deste manuscrito. VSJ e CKC: redação, buscas nas bases de dados, análise
e interpretação dos dados; ED: redação e revisão do trabalho; LM e CR: revisão crítica do conteúdo intelectual do trabalho. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do artigo.

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Rev Bras Med Esporte – Vol. 26, No 6 – Nov/Dez, 2020 557

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