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Junguiana

v.37-1, p.151-174

A perspectiva simbólica do espectro


obsessivo-compulsivo. O “projeto” de Freud
revisitado pelo arquétipo de Jung1

Carlos Amadeu B. Byington*

Palavras-chave
TOC, arquétipo e
sistema nervoso,
Resumo
símbolo,
O autor aborda o espectro obsessivo-compul- que compromete a eficácia de todo o quadro de- arquétipo
sivo através da dimensão simbólica e arquetípi- fensivo e configura sua exuberância sintomática matriarcal,
ca enraizada em três vertentes: neurológica, projetiva e ritualizadora num esforço para suprir arquétipo
psicofarmacológica, e psicodinâmica. Associa a deficiência. O autor tece considerações sobre patriarcal,
os dinamismos arquétipos matriarcal, patriar- a ineficiência da psicoterapia dinâmica exclusi- terapia
cal, de alteridade e de totalidade com estru- vamente verbal no TOC e a relativa eficiência da comportamental
cognitiva,
turas e funções do sistema nervoso. A seguir, o Terapia Comportamental Cognitiva e argumenta
elaboração
autor retoma a hipótese de Katz (1991), segun- que a associação destas duas teorias através
simbólica,
do a qual o TOC apresenta um distúrbio do pro- do conceito de técnicas expressivas poderá técnicas
cesso de repressão (Freud) possivelmente por contribuir com maior eficiência no tratamento expressivas,
uma disfunção neuroquímica, envolvendo neu- não só do TOC, como das fobias e da síndrome projeção,
rotransmissores, principalmente a serotonina. do pânico, desde que seja exercido dentro de introjeção.
A interpretação arquetípica desta disfunção é a um enfoque simbólico e arquétipo que inclua a
debilitação da função de delimitação, de organ- relação terapêutica no nível transferencial criati-
ização e de contenção do Arquétipo Patriarcal, vo e defensivo. ■

1
Trabalho apresentado no Simpósio sobre o Espectro Obsessivo-Compulsivo do Depto. de Psiquiatria, USP, em 08 de abril, 1995.
Revisado em 18/11/2011. Publicado originalmente na Revista Junguiana13, 1995, p. 90-119.
* Médico Psiquiatra e Analista Junguiano. Membro fundador da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Membro da Associação
Internacional de Psicologia Analítica. Criador da Psicologia Simbólica Junguiana. Educador e Historiador.
E-mail: < c.byington@uol.com.br >, site: < www.carlosbyington.com.br >

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A perspectiva simbólica do espectro obsessivo-compulsivo. O “projeto” de


Freud revisitado pelo arquétipo de Jung

Há 100 anos, Kraepelin já reconhecera a neu- distorcendo-a e privilegiando a eficácia de uma


rose obsessivo-compulsiva em sua nosografia, vertente, ou no máximo duas, em detrimento da
mas foi Freud quem destacou sua importân- restante. Com isso, sofre a verdade científica e
cia, ao situá-la, em primeiro plano, junto com sofrem os pacientes que as necessitam para o
a histeria, no seu estudo das psiconeuroses de seu tratamento, especialmente no caso do es-
defesa. Kraepelin e Freud a denominaram Zwa- pectro obsessivo-compulsivo (EOC).
ngsneurose. O substantivo Der Zwang, em ale- Foi durante este simpósio que me dei conta
mão, tem as conotações de contenção e de co- desta limitação em mim mesmo. Como a minha
erção no uso cotidiano. O termo Zwangslos (sem especialização é dominantemente na vertente
Zwang) quer dizer à vontade, sem cerimônia. psicodinâmica, pedi o apoio dos colegas partici-
Zwangsneurose refere-se, assim, ao distúrbio pantes mais versados nas outras duas vertentes,
da função normal de expressar e de conter. Esta que me indicaram valiosa bibliografia atualiza-
conotação é importante para situarmos o espec- da, que consultei para redigir este artigo. Como
tro obsessivo-compulsivo (EOC) lado a lado com sempre, estudar não foi o problema. O mais difí-
o funcionamento normal da personalidade na cil foi constatar a minha limitação no progresso
perspectiva simbólica. recente nas outras vertentes, sobretudo no que
concerne à relação dos núcleos da base com o
1. As Três Vertentes da Psiquiatria EOC dentro da vertente neurológica.
Moderna Para considerar a psicodinâmica do EOC jun-
A psiquiatria moderna opera com variáveis to com a vertente neurológica e psicofarmacoló-
de três vertentes que o psiquiatra necessita gica, proponho um conceito de símbolo que as
saber articular de forma inteligente. A primeira abrange. Emprego este conceito de símbolo para
é a vertente psicodinâmica com as teorias de nomear as características de algo, seja coisa
formação e operação normal e anormal do ego ou vivência, que relacionam subjetiva e objeti-
e da personalidade, empregadas em todas as vamente esta coisa ou vivência com o todo das
linhas da psicoterapia, inclusive na Escola Com- ideias e emoções, da cultura, do corpo e da natu-
portamental Cognitiva. A segunda é a vertente reza (BYINGTON, 1988). Por exemplo, a compul-
neurológica dos núcleos e circuitos nervosos, são de eliminar a sujeira com um ritual minucioso
relacionados entre si e com o córtex cerebral e de lavar-se por longo tempo, percebida simboli-
seu funcionamento bioquímico. A terceira é a camente, inclui todas as características do ato
vertente psicofarmacológica que opera com me- ritual, tanto as objetivas, quanto os significados
dicamentos que agem na neuroquímica e afetam subjetivos, conscientes e inconscientes. Nesta
os componentes psicodinâmicos. A dificuldade perspectiva, o símbolo inclui a psicodinâmica,
de se exercer eficientemente a psiquiatria hoje é a psicofarmacologia e a neurologia, lado a lado
que é pouco frequente o profissional ter conhe- e inter-relacionadas. O fato de que um pacien-
cimento destas três vertentes e, mais raro ainda, te com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)
ter a consciência da necessidade de adquirir apresenta um ritual obsessivo-compulsivo de la-
esse conhecimento. A psicodinâmica desta limi- var-se que melhora com psicoterapia, outro que
tação é que a forma mais fácil do terapeuta não apresenta TOC junto com síndrome de La Touret-
a ver em si próprio é projetá-la na psiquiatria, te que melhoram com penicilina e um terceiro

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caso que só melhora com clomipramina não ex- outro lado, como acentua Albert Camus no seu
cluem a perspectiva simbólica, mas se incluem livro sobre o mito, trata-se da representação da
nela com características objetivas diferentes que essência da condição humana. Controlar a natu-
precisam ser pesquisadas em cada caso. Junto a reza simbolicamente empurrando pedras mon-
estas estarão as características subjetivas, como tanha acima, que rolarão depois e serão outra
a ansiedade e a repugnância de se sentir sujo e vez empurradas por nós e algum dia por outros
contaminado, por exemplo. As características é uma forma de descrevermos o caminho da hu-
subjetivas podem ter componentes conscien- manidade. Bebemos, comemos e dormimos sem
tes e inconscientes. Freud (1909) percebeu que nunca acabarmos com a sede, a fome e o sono.
lavar o corpo no TOC tinha o significado de pu- Erradicamos algumas poucas doenças e logo
rificação de certas emoções projetadas no cor- descobrimos outras mais. Nisso tudo somos Sí-
po, que permaneciam inconscientes, como, por sifos. Seu mito é uma forma de situarmos nosso
exemplo, a agressividade ou a atração sexual. trabalho com a devida humildade e reverência
Chamou especialmente sua atenção nesta sín- diante da imensidão das forças cósmicas dentro
drome a constância da defesa de deslocamento das quais operamos. Afinal, empurramos pedras
no nível objetivo e subjetivo. Uma pessoa com montanha acima, sem nunca chegar a construir
TOC pode controlar compulsivamente o medo de as montanhas que subimos e descemos. Nesse
ser assaltado deslocando rituais de fechar por- particular, o mito de Sísifo nos exemplifica a re-
tas, para janelas, chaves, fechaduras, vigilância latividade e finitude do Eu diante da grandeza do
no prédio e saídas à rua. Da mesma forma, pode Self que o abrange.
obsessivamente deslocar sua ansiedade de uma
modalidade de assalto para outra com grande 2. A Polaridade Histeria/Neurose
versatilidade. Ora pode ser um ladrão, ora um Obsessivo-Compulsiva
terapeuta, ora um empregado, que carregará A argúcia clínica de Freud repartiu a impor-
sua fantasia do assaltante projetada. O mesmo tância da nosografia das neuroses principalmen-
ocorre com as obsessões-compulsões de lim- te entre a histeria e a neurose obsessivo-com-
peza e de simetria. A versatilidade da defesa de pulsiva. Deu importância secundária à neurose
deslocamento no TOC se contrapõe à ideia ob- de ansiedade (síndrome de pânico), às fobias e
sessiva de emagrecimento na anorexia nervosa, à neurose pós-traumática. Situou as perversões
por exemplo. Aqui, a compulsão é de emagrecer em outra categoria. A teoria da repressão e a teo-
o corpo através da dieta, dos eméticos ou dos ria dos instintos de morte e de vida de Freud me
laxativos. Não há deslocamento. dificultam relacionar o EOC com o desenvolvi-
A perspectiva simbólica do EOC é necessária mento normal, porque, a meu ver, são dualistas
para percebê-lo dentro do controle das ativida- (“maniqueístas”) e misturam muitos componen-
des humanas, cujo grande exemplo é o trabalho tes anormais com os normais. Além disso, a teo-
diário. O mito de Sísifo, que conta sua história ria não se mostra apropriada para correlacionar
no Hades, empurrando, dia após dia, uma pedra o sistema nervoso com a psicodinâmica porque
que atinge o cume de uma montanha e rola para ela é centralizada no controle do incesto e da
baixo outra vez é aqui significativo, sobretudo se agressividade dirigida aos pais no início da vida,
lembrarmos que Sísifo não se conformou com o que a torna limitada para expressar a criativi-
sua finitude e enganou a morte quando ela veio dade e as funções psíquicas durante todo o pro-
buscá-lo pela primeira vez. Por um lado, o mito é cesso existencial. A terceira dificuldade é o favo-
o exemplo da improdutividade do TOC. São pes- recimento do Arquétipo Patriarcal, identificado
soas que consomem uma energia e um tempo com o princípio da realidade, em detrimento do
enormes na repetição de seus rituais. Mas, por Arquétipo Matriarcal que é preconceituosamen-

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te equacionado com o desejo, o inconsciente, o caso de histeria psicótica, assim também diag-
princípio do prazer, a imaturidade, o incesto, o nosticado por Breuer.
parricídio e as pulsões instintivas indiferencia- O Arquétipo Matriarcal é caracterizado pelo
das e incapazes de ética e de civilização. prazer, pela sensualidade, pela ludicidade, pela
O conceito de Arquétipo de Jung (1975) pare- intimidade e pela espontaneidade. Sua expres-
ce-me mais útil para situar o TOC no EOC e este, sividade consciente-inconsciente se exerce de
no desenvolvimento normal. Sendo o arquétipo preferência na relação simbiótica e bastante
um padrão de funcionamento psicológico, cuja indiscriminada entre o Eu e o Outro. Essa pou-
principal característica é a criatividade que en- ca diferenciação entre o Eu e o Outro, no nível
globa o desenvolvimento normal e patológico, do corpo, favorece a expressão corporal normal
ele é o conceito ideal para ser ampliado junto das emoções, através do sistema endócrino e do
com o conceito de símbolo para englobar tam- sistema nervoso vegetativo (simpático e paras-
bém as três vertentes: a psicodinâmica, a neu- simpático): sudorese, palpitação, peristaltismo
rológica e a psicofarmacológica na normalidade e secreções salivares, hepáticas, gástricas, pan-
e na patologia. Como parte do genoma humano, creáticas e intestinais, aumento ou diminuição da
os arquétipos correspondem aos padrões de circulação sanguínea em setores específicos do
conduta dos animais na etologia e podem ser organismo através da vasodilatação e vasocons-
compreendidos também como os padrões neu- trição (enrubescimento e palidez emocionais),
rológicos típicos de funcionamento do sistema com variação correspondente da pressão arterial,
nervoso e neuroquímico das neurosinapses, e tantas outras manifestações. A denominação de
onde operam os psicofármacos, também arque- psicossomática e de conversão é imprópria por-
tipicamente, isto é, de forma característica e úni- que ambígua, sobretudo quando não diferencia
ca em nossa espécie. Ampliado desta maneira, o o fenômeno normal do patológico. No nível das
conceito de arquétipo é ideal para retomarmos o ideias, este arquétipo, devido à simbiose do Eu
projeto de Freud (1895 p. 395), que este ano ani- com o Outro, opera grandemente com a magia e, a
versaria um século e associarmos as manifesta- intuição e no nível da natureza, com o animismo.
ções psicodinâmicas às neurológicas, como ele O Arquétipo Patriarcal é caracterizado por
começou a fazer. Para isso, é necessário, primei- funcionar com acentuada separação entre o Eu
ro, compreendermos a relação dos arquétipos e o Outro e entre o consciente e o inconsciente
com a histeria, o EOC e o sistema nervoso. (posição polarizada), que permite abstrair, or-
ganizar e controlar o processo psíquico. Desta
3. A Polaridade Matriarcal/Patriarcal organização nasce a ênfase no dever e na hie-
Retomando a divisão de culturas com dinâ- rarquização dos valores, na moral, na tradição e
mica matriarcal e patriarcal realizada por Bacho- na tarefa. É também esta organização que impõe
fen (1948) no século passado e embasada nos ao Eu os códigos de submissão aos princípios
arquétipos por Erich Neumann (1954), podemos abstratos e o apego ao poder de comandá-los.
reconhecer o espectro histérico (EH) e o EOC Freud (1913) identificou a moral com o superego,
como as duas grandes síndromes patológicas introjetado pela proibição do incesto. A concei-
dos arquétipos matriarcal e patriarcal. Apesar tuação do Arquétipo Patriarcal, tendo como base
de as encontrarmos com muito maior frequên- a organização abstrata que regula o incesto jun-
cia na dimensão neurótica, elas também podem to com o Arquétipo Matriarcal, é bem mais ampla
se apresentar na dimensão psicótica. O famoso que a teoria do superego. Enquanto o Arquétipo
caso de Anna O. (BREUER, 1969), tratado por Jo- Matriarcal se exerce muito melhor através do
seph Breuer (1893) e dez anos depois analisa- sistema nervoso vegetativo e do sistema endó-
do por ele e Freud, se tratava claramente de um crino, devido à forma sensual de simbiose cons-

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ciente-inconsciente entre o Eu e o Outro pela de do Eu e do Outro e da consciência. Assim,


qual funciona (posição insular ou simbiótica), o a consciência e a identidade do Eu e do Outro
Arquétipo Patriarcal se exerce preferencialmente estão em grande parte no córtex, mas eles não
através do sistema nervoso motivacional, posto são o córtex cerebral. A consciência, o Eu e o
que sua função de organização exige uma sepa- Outro são formados e transformados pela fun-
ração muito maior entre o Eu e o Outro e entre ção simbólica que elabora significativamente as
o consciente e inconsciente e, por isso, elege a vivências no córtex. Para isso, o córtex possui
dominância cortical da ação como a modalida- inúmeros circuitos ligados entre si e com as es-
de apropriada para o seu desempenho. No nível truturas subcorticais. As funções estruturantes
das ideias, o dinamismo patriarcal é o grande vitais experienciam as coisas e as transformam
formador de sistemas. No nível da sociedade e em vivências. A função simbólica cortical elabo-
da natureza é principalmente planificador, con- ra as vivências e forma a identidade do Eu, do
trolador e hierarquizador. Outro e da consciência que articulam a conduta
Antes de entrarmos em detalhes sobre a as- inteligente humana. Quanto menos complexos
sociação do EH, dominantemente como uma dis- são os organismos na escala zoológica, menos
função do Arquétipo Matriarcal, e do EOC como ou nenhum córtex têm, menos sua conduta é
uma disfunção dominantemente do Arquétipo inteligente e mais suas respostas são determi-
Patriarcal, é necessário compreendermos que, nadas por reações estereotipadas. São padrões
diferentemente do Id, os arquétipos não são pul- arquetípicos com simbolização muito limitada
sões instintivas, e sim formas de regular sua ex- na sua forma, praticamente literal, que expres-
pressão. Da mesma forma que o sistema nervoso sam os padrões de conduta dos animais. Muitos
nem gera nem exerce totalmente o sexo, o medo, padrões da conduta humana também são assim.
a agressividade, a fome, o humor (bem-estar– Vemos uma cena de agressividade e sentimos
mal-estar), a respiração e o sono, mas apenas os raiva. Vemos uma cena erótica e sentimos exci-
influencia e controla, assim também os arquéti- tação sexual. Enquanto os animais, com menos
pos não geram funções, mas apenas coordenam córtex e função simbólica, reagem com a ação,
sua expressão. nós podemos elaborar a vivência e adotar uma
conduta apropriada e inteligente. Quando não
4. A Função Simbólica e o Sistema elaboramos as vivências, podemos ter uma re-
Nervoso ação direta como os animais. Por outro lado, os
A inteligência humana consciente está base- animais superiores que têm córtex mostram mui-
ada em grande parte na constituição do córtex tas vezes uma conduta inteligente que expres-
cerebral que associa a experiência existencial sa o funcionamento simbólico. O golfinho, por
de forma criativa para aplicá-la à conduta. É esta exemplo, que tem uma complexidade cortical
associação criativa da vivência com o todo exis- muito acentuada, é sabidamente capaz de con-
tencial exercida no córtex cerebral que denomi- duta simbólica inteligente.
no função simbólica. No entanto, esta função Denomino o trabalho exercido sobre as vi-
não age diretamente a partir da percepção das vências pela função simbólica de elaboração
coisas. Se assim fosse, o córtex não precisaria simbólica. É deste trabalho que formam e se
do sistema neuroendócrino e do corpo. A função transformam a identidade da consciência, do Eu
simbólica age a partir das vivências. O corpo e e do Outro. Este trabalho torna as vivências sím-
suas funções experienciam a vida, e a função bolos estruturantes da consciência, do Eu e de
simbólica do córtex coordena as vivências para toda a personalidade. O trabalho de elaboração
a conduta inteligente. É assim que o cérebro simbólica transforma também as funções vitais
contribui para formar e transformar a identida- em funções estruturantes. A afetividade, a agres-

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sividade, o medo, a inveja, o ciúme, a mentira, de repressão. O fato de Freud e Melanie Klein te-
a sexualidade, a fidelidade, o fascínio, a ética, rem descrito o desenvolvimento normal a partir
a transgressão e a vergonha, por exemplo, são da neurose, patologizou muito a psicanálise, con-
algumas das funções estruturantes da psique. fundindo o normal com o patológico. Ao nomear
A elaboração simbólica é assim, o principal tra- as posições normais do Eu de esquizoparanoide e
balho exercido pela articulação criativa do córtex depressiva, Melanie Klein confundiu ainda mais o
cerebral com o resto do sistema nervoso, através normal e o patológico, o que afastou muito a psi-
dos símbolos e funções estruturantes. O concei- cologia dinâmica da psiquiatria clínica. Quando
to de arquétipo é importante, porque como sua situamos, porém, as defesas como funções es-
principal característica é a de um padrão her- truturantes defensivas disputando a elaboração
dado e criativo para elaborar vivências, ele tem dos símbolos estruturantes com funções estrutu-
abertura suficiente para receber, no futuro, as rantes criativas, ambas coordenadas pelos Arqué-
inúmeras descobertas que se anunciam na ver- tipos Matriarcal e Patriarcal, o referencial teórico
tente neurológica e na vertente farmacológica, e fica mais claro para a nossa finalidade.
associá-las à vertente psicodinâmica, principal- Esta separação das funções estruturantes em
mente porque o conceito de arquétipo abriga as criativas e defensivas é muito importante para
variações patológicas dentro do padrão normal. separarmos o normal do patológico. Sua grande
diferença psicodinâmica está no fato de as es-
5. As Funções Estruturantes Criativas e truturas defensivas impedirem a livre elaboração
Defensivas consciente dos símbolos, levando-os à compul-
O principal distúrbio do processo de elabora- são de repetição inconsciente dos quadros clíni-
ção simbólica é a defesa, descoberta e nomeada cos. Deve-se ressalvar que as estruturas defensi-
por Freud inicialmente com a denominação geral vas circunstanciais raramente levam à patologia.

Self Individual, Familiar e Cultural

Conduta

Consciência Inconsciência
Persona Sombra
Ego-Outro Ego-Outro

Funções Estruturantes Funções Estruturantes


Criativas Defensivas

Vivências
Símbolos e Funções
Estruturantes
(Consciência – Inconsciência)
Gráfico 1. As funções estruturantes criativas e defensivas

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Em momentos de ansiedade existencial, po- expressivas de imaginação, desenho e dramati-
demos ter projeções catastróficas imaginárias zação para vivenciar a função ideativa tornada
e adotar rituais evitadores sem formarmos um defensiva e revertê-la ao normal.
quadro obsessivo-compulsivo clínico. É a croni- O que chama atenção neste quadro neurótico
ficação das estruturas defensivas que as tornam é que ele se camuflava defensivamente empre-
a base da psicopatologia habitual. gando inúmeras estruturas criativas operando
A psicodinâmica ajuda muito a psiquiatria patriarcalmente como coadjuvante. Toda a sua
com a separação das estruturas em criativas enorme eficiência existencial operava defensi-
ou normais e defensivas, porque permite que vamente como um ritual obsessivo-compulsivo
ela raciocine sobre os distúrbios clínicos como para neutralizar e esconder a ideia de ser capaz
variações do desenvolvimento normal. Isto é de produzir a morte. Nos casos de TOC, o ritual
fundamental para identificarmos os conteúdos obsessivo de controle é evidente, mas esses ca-
reprimidos e as ideias obsessivas dentro de sos são 2,5% da população, como confirmou del
personalidades com um padrão patriarcal muito Porto (1995) em sua pesquisa. É de se supor que
ativado e que, por isso, desempenham um alto a psicodinâmica obsessivo-compulsiva numa
grau de organização e eficiência. população seja muito mais extensa. Este caso
Uma mulher de meia-idade, viúva (caso A), ilustra que defesas sistematizadas camufladas
desempenhava a posição de executiva e cui- podem aparecer nas neuroses de dominância pa-
dava de toda a família, inclusive filhos e netos. triarcal com a mesma função do ritual. Sabemos
Era imensamente organizada e eficiente. Sofria, por experiência no tratamento destas neuroses
no entanto, de uma neurose que a impedia de que, quanto mais eficiente é a defesa, mais ela
ser feliz. Apesar de sua inegável eficiência, pela é camuflada e menos se mostra como um ritual,
qual era por todos admirada, tinha uma autoes- apesar de ter a mesma função que este. No caso
tima muito baixa, não se permitia nenhuma rega- que acabamos de mencionar, pareceu-me que
lia, não defendia suas causas além de certo pon- todas as funções estruturantes criativas, que a
to e se sentia atraída pela morte para se liberar. empresária exercia, tais como, liderança, organi-
Tinha um sonho de repetição com um desastre, zação e ação foram envolvidas defensivamente
no qual morriam pessoas, e ela era incriminada. para cercear e ocultar a ideia de ser capaz de
Havia feito tratamento medicamentoso antide- causar a morte pelo pensamento. Neste ponto já
pressivo sem resultado. Depois de longa e mi- podemos introduzir algo que desenvolveremos
nuciosa elaboração do seu processo existencial, adiante e que é central na perspectiva simbóli-
um dia revelou o que mostrou ser a chave do seu ca do TOC: seu quadro sintomático é muito mais
sistema defensivo: achava que se insistisse com exuberante que os quadros habituais rigidamen-
alguém para fazer algo, sobretudo se fosse uma te organizados de dominância patriarcal devido
pessoa querida, a pessoa poderia morrer e ela primariamente à debilidade da função arquetípi-
seria culpada. Devido a essa vivência, pensava ca e não à sua intensidade como pode parecer à
que seu poder de fazer mal aos outros era tal que primeira vista.
não merecia nada para si e só seria aliviada pela Algo muito importante que del Porto também
morte. Associou a formação dessa ideia com a assinalou em sua tese é que o TOC nem sempre
morte de seu pai. Tinha sete anos. Sua tia entrou se desenvolve numa personalidade rigidamen-
em casa anunciando uma tragédia. No quarto ao te organizada, como encontramos nas pessoas
lado, a paciente ouviu que alguém morrera de com tipologia patriarcal dominante. A meu ver,
acidente. Numa fração de segundo, desejou que só as aparências permitem empregar este dado
fosse seu pai, por quem sentia restrições, em vez estatístico para negar os componentes psicodi-
de seu tio, que adorava. Entramos com técnicas nâmicos do TOC. Uma explicação psicodinâmica

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para este fato pode ser encontrada na tipologia ao Processo de Elaboração Simbólica para com-
Junguiana (JUNG, 1967). Ela nos ensina que as preendermos melhor as diferenças entre a iden-
defesas nem sempre se organizam pelas fun- tidade do Eu e do Outro na normalidade (funções
ções tipológicas mais diferenciadas. Pelo con- criativas) e na patologia (funções defensivas).
trário, é comum as defesas se organizarem para A função estruturante da introjeção elabora
expressar os símbolos na Sombra a partir das os símbolos centrada na identidade do Eu e a
funções tipológicas menos diferenciadas. Um in- função estruturante da projeção elabora os sím-
telectual, tipo pensamento, que tem esta função bolos centrada na identidade do Outro. No caso
como função mais diferenciada, pode apresen- A, a principal problemática da ideia obsessiva
tar uma neurose sexual com ejaculação precoce, de fazer o mal recaía sobre a projeção defensi-
expressando sua dificuldade com o sentimento, va sobre o Outro, que devia ser protegido pelo
sua quarta função, isto é, sua função tipológica sistema defensivo do trabalho e da proteção aos
menos diferenciada. Isto não impede que encon- membros da família. Esta atividade, apesar de
tremos tipos pensamento cuja racionalização muito criativa, estava no final claramente a servi-
seja a principal defesa dentro da dissociação ço da projeção defensiva de proteger os outros.
neurótica. Falam e explicam tudo para esconder A introjeção defensiva que a deprimia, provinha
sua dificuldade de sentir. Às vezes, o sintoma da função afetiva defensiva através da qual a
surge dentro da própria função superior como, paciente negava seu valor. Apesar de trabalhar
por exemplo, no caso de um brilhante professor, absurdamente, sentia que não fazia mais que
também tipo pensamento, que começou a ter um sua obrigação. O distúrbio da função introjetiva
vazio mental no meio de uma frase. A psicote- também estava presente, no se sentir má e oni-
rapia mostrou que sua agressividade reprimida potentemente capaz de matar os outros, levan-
estava se manifestando por este roubo neurótico do-a à conclusão de que a morte era única forma
do pensamento. de libertar-se. Esta introjeção defensiva, como
De forma análoga, um quadro de TOC pode era de se esperar, produzia um quadro depres-
se manifestar dentro de uma personalidade sivo, mas que funcionava de forma secundária à
muito organizada, de dominância patriarcal ou projeção defensiva. A defesa que regia o quadro
de outra personalidade, sensual e prazerosa de psicodinâmico era a projeção defensiva contida
dominância matriarcal. O EH também pode ma- na ideia de fazer o mal aos outros e que produzia
nifestar a disfunção arquetípica matriarcal que enorme ansiedade.
lhe é familiar, dentro de uma personalidade com Um homem de meia-idade (caso B) procu-
dominância matriarcal ou patriarcal. Um dos ca- rou terapia em função de problemas conjugais.
sos de neurose histérica mais difíceis que tratei Trabalhava muito e de forma eficiente, mas não
apresentava frigidez sexual e anestesia psicogê- se valorizava. Sua mulher nada fazia, posava de
nica de várias regiões do corpo. A paciente era nobre e ainda o ridicularizava. Não tinham mais
do tipo pensamento extrovertido exuberante vida sexual. Ele se sentia neurótico e masoquis-
dentro de uma tipologia arquetípica de intensa ta, um “verdadeiro Sísifo”, dizia, porque, quan-
dominância patriarcal. to mais ela o ridicularizava, mais ele trabalhava
para satisfazê-la. Há meses ele conhecera outra
6. As Funções Estruturantes da Intro- mulher que o admirava e por quem se apaixona-
jeção e da Projeção ra, mas sentia muita culpa que o impedia de se
Antes de diferenciar ainda mais a neurose separar. Tinha duas irmãs mais velhas, mas era o
obsessiva da histeria, através dos dinamismos único filho homem. Quando bebê, pouco dormia
matriarcal e patriarcal, quero acrescentar as fun- e se tornou uma curiosidade médica pelo tem-
ções estruturantes da introjeção e da projeção po que ficava acordado, olhando, sem chorar.

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Self Individual, Familiar e Cultural

Conduta

Consciência Inconsciência
Persona Sombra Normal e Patológica
Ego - Outro Ego - Outro

Introjeção - Projeção Introjeção - Projeção

Funções Estruturantes Funções Estruturantes


Criativas Defensivas

Símbolos e Funções Estruturantes


Arquétipo Arquétipo
Matriarcal Patriarcal

Gráfico 2. Funções estruturantes da intojeção e da projeção

Nasceu com os pés torcidos e durante a adoles- estão sempre juntos e atuantes. O que diferencia
cência fizera exercícios obstinados até corrigir a sua psicodinâmica é a dominância de um ou
o defeito. Seu pai era mulherengo e jogador e do outro na expressão das estruturas criativas e
pouco ficava em casa. Sua mãe era trabalhadora defensivas. Nos indivíduos normais, encontra-
e “perfeita”. A tipologia do paciente era pensa- mos uma verdadeira tipologia inata, que além
mento sensação extrovertida com acentuada do- das funções da consciência e das atitudes de
minância patriarcal. Numa sessão, trouxe-me um extroversão e de introversão descritas por Jung
sonho no qual saía de um cabeleireiro unissex (1967), apresentam também uma dominância
de peruca e com um pé usando sapato de salto matriarcal ou patriarcal inata na personalidade.
alto. Examinamos sua identidade sexual e, de- O tipo de dominância matriarcal apresenta fre-
pois de muita resistência, confessou-me que se quentemente dominância das funções mais
sentia homossexual e, mais ainda, mulher. Essa atribuídas ao hemisfério cerebral direito e o tipo
ideia absurda era a vivência central, em torno da de dominância patriarcal apresenta também fre-
qual se organizara a neurose, usando todo o seu quentemente dominância das funções mais atri-
trabalho como um grande ritual para escondê-la. buídas ao hemisfério cerebral esquerdo.
As principais diferenças psicodinâmicas e clí- Uma mulher de meia-idade (caso C) procu-
nicas entre o EH e o EOC podem ser melhor com- rou terapia porque sofria de tantos males que
preendidas através da dominância dos dinamis- seu clínico não sabia mais o que fazer. Quan-
mos matriarcal e patriarcal e suas amplificações do melhorava de sua disfunção ovariana, tinha
neurológicas e psicofarmacológicas. Falamos insônia, logo depois sofria de faringite que de-
sempre em dominância, porque estes arquétipos saparecia em pouco tempo. Volta e meia apre-

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sentava crises de fragilidade capilar. Tinha um quência cardíaca, a pressão arterial, a osmolari-
leucograma que oscilava do normal ao patológi- dade sanguínea, a ingestão de alimento e água.
co sem uma explicação clara. Era muito intuitiva O hipotálamo exerce sua influência sobre todo
com mediunidade comprovada. Muito afetiva e o organismo para preservar a homeostasia (Can-
querida, era também sedutora, dramática e sa- non) através de três sistemas: o sistema endó-
bia cativar os homens, especialmente seus mé- crino, o sistema nervoso autônomo simpático e
dicos, ora melhorando, ora piorando “irremedia- parassimpático e o sistema motivacional.
velmente” a ponto de desesperá-los. Descrevia Vemos aqui claramente a diferença das ca-
sua mãe como gélida e dizia que sempre havia racterísticas dos espectros histérico e obses-
sido a querida de seu pai. Sonhava de forma exu- sivo-compulsivo no nível neurológico e arque-
berante. Confessou-me um dia que tinha a ideia típico. Enquanto que o Arquétipo Matriarcal e
fixa desde pequena de ser órfã de mãe. o EH se expressam principalmente através do
Uma mulher madura (caso D), divorciada e sistema endócrino e autônomo, o Arquétipo
mãe de dois adolescentes, procurou terapia por Patriarcal e a EOC se expressam basicamente
medo de enlouquecer. Tinha uma ideia recorren- pelo sistema motivacional. É isto que faz com
te de que seus filhos podiam morrer de acidente que no EH encontremos um Eu introjetando de-
ou doença. Ela mesma sofria de enxaqueca, co- fensivamente as funções de vulnerabilidade,
lecistite crônica não calculosa, insônia intermi- impotência, dramatização e sedução. A rela-
tente, dismenorreia frequente e outros sintomas ção íntima consciente-inconsciente do Eu com
físicos que muito a atormentavam. Era dedicada o Outro, acessível ao sentimento e à intuição,
e eficiente e bem-sucedida como comerciante. é muito menos acessível ao pensamento e à
Tinha pesadelos com homens maus. Gostava de sensação. O EH expressa-se principalmente
sexo, mas não suportava a ideia de depender de através da inconsciência e de impotência no
um homem. lusco-fusco “do mundo da lua”, através dos
Todos os quatro casos apresentam defesas hormônios e das vísceras, fora da musculatura
introjetivas e projetivas as mais variadas, mas esquelética e da ação volitiva. Neste território
os dois primeiros diferem claramente do terceiro neurológico o EH apresenta sua patologia sob
e quarto pela organização dos seus sintomas e a dominância do dinamismo matriarcal, daí
de suas defesas dentro de sua personalidade. não ter cabimento referir-se aos seus sintomas
A dominância patriarcal dos dois primeiros pela como conversão ou psicossomatização. Eles
organização abrangente e sistemática de suas são sim a expressão defensiva, neurótica ou
defesas os situa no EOC. Já os dois últimos apre- psicótica com predominância do dinamismo
sentam uma exuberância de sintomas vegetati- matriarcal. As paralisias histéricas que atuam
vos e endócrinos que se manifestam como sinto- sobre a musculatura esquelética formam uma
mas emergentes num mar de sofrimento. Nestes, exceção a esta regra geral. Há que se conside-
a mistura do Eu com o Outro no nível do corpo rar, porém, que as paralisias histéricas eram
e do relacionamento interpessoal expressam ao muito mais frequentes no final do século XIX,
mesmo tempo o Arquétipo Matriarcal e os qua- quando a histeria recebeu grande atenção dos
dros clássicos do EH. neurologistas. Da mesma forma que a síndro-
A amplificação neurológica da constituição me histérica se expressou fortemente através
do hipotálamo nos ensina que ele é uma parte da bruxaria na Inquisição e mais tarde através
importante subcortical do cérebro que se carac- das convulsões, quando Charcot estudou-a em
teriza por conter um grande número de circuitos contato com epiléticos na Salpêtrière, poste-
neuronais relacionados às funções vitais. Estes riormente, se apresentou como paralisias na
circuitos regulam a temperatura corporal, a fre- clínica de neurologistas, ela hoje surge como

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“depressão” para receber atenção e medicação é a ação, providenciada e exercida, que culmina
nos consultórios de psiquiatria e até de clínica no ritual defensivo do TOC.
geral. Essas variantes são devidas à sugestio- A amplificação neurológica dos espectros
nalidade histérica e ocorrem em função dos histérico e obsessivo-compulsivo não termina no
costumes culturais oriundos grandemente de hipotálamo, mas se comunica com todo o siste-
atitudes patriarcais defensivas. Trata-se assim, ma nervoso central (SNC) e a medula. Sua base
de uma identificação defensiva emprestada do cortical é significativa. São hoje sobejamente co-
opressor e não, de uma característica própria. nhecidas as diferenças entre o hemisfério cere-
É importante reconhecermos a expressão cor- bral direito (HCD) e o esquerdo (HCE). Não é por
poral normal do dinamismo matriarcal, mesmo acaso que o HCE tem o centro da palavra, pois
que ela seja exuberante. Quando não há defe- ele se caracteriza dominantemente pelos aspec-
sas e a expressão corporal pode ser elaborada tos racionais, lógicos e discursivos, enquanto
simbolicamente livremente, devemos ouvir e que o HCD é caracterizado principalmente pela
atender à linguagem do sofrimento do corpo, imagem, pela intuição, pela gestalt e pela mú-
sem acharmos que ela expressa defesas neces- sica. Não é preciso mais dados para fazermos a
associação do dinamismo matriarcal dominante-
sariamente inconscientes. No caso destas exis-
mente com o HCD e o dinamismo patriarcal do-
tirem, isso só pode ser levado a cabo através da
minantemente com HCE.
elaboração das defesas.
Os Arquétipos Matriarcal e Patriarcal não fun-
Já no dinamismo patriarcal temos a ampli-
cionam isoladamente. Neurologicamente, são
ficação neurológica no hipotálamo do sistema
muitos os circuitos que reúnem os dois hemisfé-
motivacional que liga a consciência à muscula-
rios cerebrais e os três sistemas do hipotálamo.
tura esquelética através de circuitos neuronais
A interação da neuro-hipófise e da adenohipófi-
que incluem os núcleos da base do cérebro.
se é significativa, bem como dos circuitos corti-
O Arquétipo Patriarcal, pelo fato de funcionar
cais com os núcleos da base.
através da organização sistemática necessita
da separação Eu-Outro, consciente-inconscien-
7. Os Arquétipos da Alteridade e da
te muito bem delimitada, de tal maneira que
Totalidade
encontra no sistema nervoso motivacional um
Existem dois outros arquétipos que se ex-
tipo de funcionamento que lhe corresponde. Ao
pressam através dessas associações. Eles são
invés da inação da histeria diante do sofrimen- os Arquétipos da Alteridade e da Totalidade que
to, que necessita impressionar e seduzir para formam com os Arquétipos Matriarcal e Patriar-
que alguém a socorra, temos aqui uma relação cal o Quatérnio Arquetípico Regente. Este Qua-
direta entre necessidade e ação. O Eu age so- térnio coordena todo o processo de elaboração
bre a obsessão volitivamente através dos ritu- simbólica junto com os inúmeros outros arqué-
ais, mesmo com a presença de defesas incons- tipos. O Arquétipo da Alteridade é responsável
cientes. Um ritual para evitar a sujeira pode ser por coordenar a interação dialética de situações
muito ativo e ao mesmo tempo esconder defen- incluindo a extensa interação frequentemente
sivamente que essa sujeira se refere à sexua- conflitiva dos dinamismos matriarcal e patriar-
lidade. O Arquétipo Patriarcal foi o dinamismo cal. Já o dinamismo de totalidade representa a
solar arquetípico que organizou e dominou a totalidade da psicodinâmica a cada momento.
natureza, as demais espécies e finalmente todo A amplificação neurológica desses dois arqué-
o planeta. O computador foi sua consequência tipos é conjunta, pois a dialética de alteridade
natural e o EOC é sua resultante patológica. O deve sempre formar um todo. Convido os espe-
que caracteriza o EOC em contraposição ao EH cialistas a situarem estes dois arquétipos nos

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circuitos neuroendócrinos. Finalmente, temos o uma atividade genética centralizadora e coorde-
Arquétipo Central à volta do qual opera o Qua- nadora do desenvolvimento e do funcionamento
térnio Arquetípico Regente e todos os demais global nos organismos vivos. Se percebemos as
arquétipos e atividades psíquicas. Sem dúvida, grandes forças da natureza como a gravidade, o
a maior e mais ousada das formulações de Jung, espaço-tempo, a luz e o eletromagnetismo tam-
o Arquétipo Central ou Arquétipo do Self postula bém como arquétipos, podemos conceber a pre-
uma centralização de toda a atividade psíquica. sença do Arquétipo Central em todo o Cosmos.
É este arquétipo que me permite considerar todo Assim formulados os arquétipos centraliza-
e qualquer símbolo representativo da totalida- dos à volta do Arquétipo Central, temos o gráfico
de do Self. Nas células, no corpo e no sistema final do processo de elaboração simbólica.
neuroendócrino, o Arquétipo Central ainda não Acompanhei em análise o caso de uma mu-
foi descoberto. Não temos ideia ainda onde e lher de meia-idade (caso E) que começou a apre-
como situá-lo. No entanto, todos os cientistas sentar intolerância inusitada com as limitações
com quem conversei, sejam eles botânicos, de seus familiares e, concomitantemente, dei-
geólogos, médicos clínicos ou neurologistas, xou de fumar. Isto surpreendeu a família e a si
que refletem sobre o significado global do que própria, pois fumava há 30 anos e nunca conse-
conhecem e pesquisam, concordam que existe guira parar. Passou a exigir muito mais ordem na

Self Individual, Familiar e Cultural

Conduta

Consciência Inconsciência
Persona Sombra
Ego - Outro Ego - Outro

Introjeção - Projeção Introjeção - Projeção

Funções Estruturantes Funções Estruturantes


Criativas Defensivas

Vivências Símbolos e
Funções Estruturantes
Arquétipo Arquétipo
Matriarcal Patriarcal
Arquétipo Central
Arquétipo da Vida e da Morte
Arquétipo de Arquétipo
Alteridade da Totalidade

Gráfico 3. Processo final da elaboração simbólica

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casa do que antes e começou a subir e descer (caso F) sobre seu tratamento. Pelo relato, inferi
as escadas com um pano nos pés para aumen- tratar-se de um caso de TOC psicótico pelo exage-
tar a limpeza. Um dia, pela manhã, notou que a ro do ritual delirante, incluindo acentuado com-
lanterna traseira esquerda do seu carro estava ponente persecutório. O tratamento foi sempre
batida e a luz apagada (um belo exemplo de sin- muito dificultado porque a obsessão de sujeira,
cronicidade como vemos a seguir). Saiu de casa contaminação e envenenamento incluía também
dirigindo e, ao entrar numa avenida e olhar para a alopatia e a abordagem comportamental. Foi
a esquerda, notou uma pequena diminuição do uma sincronicidade que, na noite deste simpó-
campo visual esquerdo. A sincronicidade está sio, encontrei um colega que me disse ser atual-
na descoberta da lanterna traseira esquerda ba- mente o terapeuta desta paciente. Informou-me
tida e, logo a seguir, a percepção da limitação do que o quadro de TOC iniciara após a extirpação
campo visual esquerdo. O exame oftalmológico cirúrgica de um tumor da hipófise.
detectou compressão do globo ocular, o exame Os dois casos acima pouca atenção chama-
otorrinolaringológico e neurológico, junto com a riam dos analistas por seus componentes neu-
tomografia da base do crânio identificaram um rológicos, antes da ligação de distúrbios neu-
tumor que foi retirado. Seu diagnóstico cirúrgico rológicos, sobretudo dos gânglios da base do
e histopatológico foi de mucocele, formado pos- cérebro e a síndrome de La Tourette, com o TOC,
sivelmente a partir de um traumatismo craniano que vêm se acumulando nos últimos anos. Os
que sofrera. Já no pós-operatório desapareceu demais trabalhos deste simpósio abordam em
sua preocupação exagerada com ordem e limpe- detalhe esta dimensão do EOC. Abrem-se pos-
za. Voltou a fumar, às vezes, como diversão. sibilidades de percebermos de forma crescente
Este caso ilustra a interrelação da vertente o papel dos circuitos gânglios da base-tálamo-
psicodinâmica e neurológica do símbolo. É sig- -córtex em vários aspectos do comportamento.
nificativo o número de problemas neurológicos Uma característica importante nesses padrões
que o psiquiatra e o psicoterapeuta são os pri- de comportamento são os dois tipos de reações
meiros a testemunhar. Não acho coerente que opostas, uma diminuída (hipofrênica) e outra
alguém se forme em Psicologia sem conhecer aumentada (hiperfrênica). A primeira encontrada
Neurologia e Psicofarmacologia. A existência de na doença de Parkinson e a segunda nos rituais
diferentes profissionais formados em Psicologia do TOC (SAINT-CYR; TAYLOR; NICHOLSON, 1995).
e Medicina e o desconhecimento dos psicólogos A importância da dimensão simbólica está
da psicofarmacologia me parecem ser a expres- na associação da vertente neurológica com a
são da dissociação cultural subjetivo-objetivo e psicodinâmica e a psicofarmacológica, pois
mente-corpo, associada ao interesse corporati- o clínico e o pesquisador necessitam ter sua
vista médico. Geralmente os psicólogos conhe- consciência operando no Arquétipo da Alteri-
cem bem mais a psicodinâmica que os médicos, dade para poderem interagir essas variáveis. O
mas não se acham preparados para operar com dinamismo de alteridade nos leva ao desape-
a vertente psicodinâmica junto com as outras go característico dos dinamismos matriarcal e
duas. Não podemos esquecer o caso do grande patriarcal que nos fascinam com o redutivismo
músico americano George Gershwin que durante dos modelos unilaterais.
uma psicoterapia começou a apresentar cefa- Experiências com bebês macacos com lesões
lalgia que foi trabalhada psicodinamicamente. temporolímbicas mostraram um comportamento
Quando se constatou a existência do tumor ce- psicossocial isolado e problemático. Outro grupo
rebral, o caso já era inoperável. de bebês macacos isolados durante o primeiro
De outra feita, há aproximadamente dois ano de vida apresentou movimentos estereotipa-
anos, fui consultado pelo pai de uma mulher dos e autodirigidos e distúrbios neurológicos imu-

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noreativos no núcleo estriado comprovados pela primariamente descritivo, o DSM-III-R claramen-
autópsia (MARTIN et al., 1991). Estas experiências te atribui ao TOC ideias obsessivas primárias e ri-
em macacos mostram a possibilidade da intera- tuais compulsivos de controle secundários. Katz
ção das vertentes neurológica e psicodinâmica atribui esta dinâmica do TOC à falência da fun-
na formação do cérebro. No entanto, acredito que ção de controle na sinapse devido à diminuição
não necessitamos exercer tanta crueldade com os da serotonina. Nesse caso, a eficácia da clomi-
animais para obtermos esses resultados. Na re- pramina no TOC é devida provavelmente à neu-
alidade, não precisamos da alteração anatômica tralização do bloqueador da recaptação da sero-
para imaginar a interação funcional permanente tonina na pré-sinapse. O consequente aumento
destas duas vertentes. Quando a clomipramina da serotonina traria um aumento da capacidade
age na pré-sinapse, por exemplo, e melhora um de contenção da ideia obsessiva e uma propor-
caso de TOC e a exposição comportamental com- cional diminuição da compulsão ritual para con-
plementa essa melhora, isso demonstra a mesma ter a obsessão.
interação neurológica-psicodinâmica, comprova- Confirme-se ou não esta brilhante hipótese,
da quimicamente na histopatologia do cérebro ela tem o grande mérito de exercer um modelo
destes macacos. de raciocínio psicopatológico que explica e trata
Como mencionei acima, todas as atividades o TOC através da integração das três vertentes:
humanas são vivências elaboradas simbolica- a neurológica, a psicofarmacológica e a psicodi-
mente no córtex cerebral de forma arquetípica. nâmica. Em termos arquetípicos, diríamos que
Estas vivências simbólicas estão imersas em no TOC há um enfraquecimento farmacológico
sistemas simbólicos que formam mitos. O fas- da função do Arquétipo Patriarcal no nível da
cínio que a vertente neurológica exerce sobre a neurosinapse, que permitiria uma exacerbação
psique do terapeuta e do pesquisador simboli- incontida da ideia obsessiva e uma ativação
camente está dentro do Mito da Encarnação. Ao correspondente do Arquétipo Patriarcal para
se ver presente nos núcleos e circuitos cerebrais, contê-la. A limitação da contenção faria o Arqué-
a consciência tem uma vivência de transcendên- tipo Patriarcal ativar os rituais de contenção. É
cia de si mesma e de encontro de suas raízes importante notar que estes rituais são defensi-
arquetípicas na matéria. Este fascínio é uma pro- vos, baseados na repressão e no deslocamento.
jeção que elabora a natureza da psique e nos faz O paciente de TOC não atribui significados à su-
conscientizar seu enraizamento no corpo, na na- jeira nem à sua agressividade. É de se supor que
tureza, na cultura e nas ideias, imagens e emo- estes significados estejam inconscientes, mas
ções. Como em toda a projeção, porém, corre-se pouco adianta conscientizá-los devido ao enfra-
o risco de ela passar de estrutura criativa a de- quecimento bioquímico do Arquétipo Patriarcal
fensiva, tornando-se fixa e dando origem ao re- nestas sinapses. Este pode ser um dos compo-
dutivismo da vertente psicodinâmica à vertente nentes da explicação da ineficácia da psicotera-
neurológica. A defesa redutivista traz onipotên- pia exclusivamente verbal no TOC.
cia e pseudo-segurança ao Eu e estagna tempo- A vertente psicofarmacológica integrada à
rariamente o processo de elaboração simbólica. psicodinâmica é necessária no TOC e em toda a
psiquiatria não somente pelo entendimento da
8. A Vertente Psicofarmacológica psicopatologia, como na hipótese acima, mas
Num interessante artigo, que me foi enviado também pelo cuidado geral do paciente e do vín-
pelo Prof. Gilberto Brito após o Simpósio, Katz culo terapêutico. Se compreendermos que sem-
(1991) relaciona os distúrbios do sistema trans- pre estamos medicando funções arquetípicas é
missor da Serotonina no TOC à teoria da repres- necessário entendermos como elas estão posi-
são de Freud. Argumenta ele que, mesmo sendo cionadas criativa e defensivamente. É necessário

164 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2019


também percebermos que o vínculo terapêutico do século XVIII. Esta problemática histórica con-
transferencial precisa sempre ser conscientiza- taminou a relação da psiquiatria com a medicina
do e, às vezes, elaborado, pois pode estar ope- através da relação mente corpo e se metastisou,
rando defensiva ou criativamente. dentro da própria psiquiatria, com a dissociação
Um psiquiatra estava medicando uma de- das escolas de psicoterapia. De um lado, ficaram
pressão neurótica com imipramina. Acreditava as escolas de psicoterapia exclusivamente ver-
haver um componente endógeno, porque a pa- bais influenciadas dominantemente pela psica-
ciente tinha outros irmãos depressivos e sua nálise e centradas nos fenômenos inconscientes,
mãe havia se suicidado tomando uma dose se- e do outro, a Escola Comportamental, centrada na
manal de antidepressivos muitos anos antes. conduta e nos fenômenos conscientes.
Como a paciente ia viajar e ele não tinha hora A criatividade psiquiátrica e cultural do sécu-
para vê-la, deixou no consultório três receitas de lo vinte vem contribuindo ostensivamente para
imipramina com três caixas cada uma. Ao pegar intermediar esta dissociação através de inúme-
as receitas, a paciente deu-se conta que o anti- ras escolas como o psicodrama, a psicossínte-
depressivo e os comprimidos nas nove caixas se, a ludoterapia, a Escola Reichiana, a Gestalt,
eram a mesma dose com a qual sua mãe havia a psicodança, a psicoplastia, a musicoterapia, a
se suicidado. Interrompeu a medicação e tornou- terapia cognitiva e as escolas de origem oriental
-se fóbica com os antidepressivos. como a Ioga, o Tai Chi, a meditação, as lutas mar-
A conscientização da transferência criativa ciais e tantas outras. Através delas, reaproxima-
e defensiva (BYINGTON, 1985) é necessária na ram-se as funções psíquicas verbais e não ver-
vivência simbólica do fármaco para a transfe- bais, conscientes e inconscientes, patológicas e
rência do paciente e do terapeuta (contratrans- criativas na teoria e na técnica psicoterápica. A
ferência). O psiquiatra deve avaliar os benefí- Psicologia Analítica de Jung desenvolveu-se nas
cios obtidos à luz de muitos fatores negativos e duas direções. Por um lado, ficou com a psicaná-
prejudiciais à saúde do paciente, muitas vezes lise, centrada nos fenômenos inconscientes e na
escondidos dentro das reações de alívio a curto interpretação verbal. Por outro, desenvolveu a
prazo. Ele tem que considerar a pressão da mí- imaginação ativa, a ludoterapia (a caixa de areia
dia financiada pela poderosíssima indústria far- e as marionetes), a psicoplastia (desenho, pin-
macêutica, nem sempre de boa-fé. É necessário tura e escultura). Seu conceito de arquétipo foi
também conscientizar que o efeito da maioria importante para abrangermos os inúmeros pa-
dos psicofármacos atuais, embora benéficos, é drões de funcionamento psíquico. Através dele,
ainda sintomático e sua suspensão no TOC gera estamos abordando não só as diferenças entre
recaída. Por outro lado, sua especificidade rela- as escolas de psicoterapia como também as três
tiva é acompanhada geralmente de sintomas co- vertentes simbólicas da dimensão psíquica nor-
laterais e da possibilidade de propiciar o hábito mal e patológica.
medicamentoso. Em suma, queiramos ou não, a Os Arquétipos Matriarcal e Patriarcal, através
proporção remédio/veneno dos psicofármacos, dos espectros histérico e obsessivo-compulsi-
longe de ser insignificante, faz com que receitá- vo também contribuíram para intermediar esta
-los seja ainda um mal menor sempre contami- dissociação. A histeria muito contribuiu para
nado de iatrogenia, daí a necessidade do cuida- diferenciar a vertente psicodinâmica da verten-
do extremamente zeloso na sua administração. te neurológica e o TOC vem nos últimos anos
“expondo” as consequências nefastas da disso-
9. A Vertente Psicodinâmica ciação consciente/inconsciente e interpretação
O principal viés desta vertente foi ter ela ficado verbal/comportamento, absurdamente ainda
aprisionada na dissociação sujeito-objeto do final existentes nas escolas de psicoterapia.

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Ao serem estudados e tratados, o TOC e os cal controlador-atuador foi se aperfeiçoando.
distúrbios de ansiedade, como as fobias e a sín- Alguns analistas retiraram quadros das paredes
drome do pânico, vieram mostrar duas grandes do consultório para não interferir com as proje-
limitações do edifício teórico psicoterápico. Pri- ções dos seus pacientes e outros começaram
meiro, que a abordagem exclusivamente verbal e a tratar os pacientes de senhor e senhora para
ideativa psicanalítica e arquetípica pouquíssimo evitar intimidades que favorecessem a manipu-
efeito terapêutico tem sobre o TOC e os distúr- lação das defesas. Outros analistas passaram a
bios de ansiedade. Segundo, que a terapia com- reduzir a interpretação dos símbolos totalmente
portamental e seu ramo cognitivo (TCC) tem um à transferência. O ritual terapêutico atingiu um
efeito significativo no tratamento. No entanto, ao grau de estereotipia interpretativa da ideação e
fazê-lo, a TCC prescinde de uma teoria de desen- da conduta muito grande. Sair do divã para exe-
volvimento normal e patológico da personalida- cutar qualquer movimento ou técnica expressiva
de como referência teórico-psicodinâmica para tornou-se sinônimo de acting out.
compreender a perspectiva simbólica do EOC no Devido em boa parte a essa rigidez metodo-
nível da transferência, das defesas, da resistên- lógica, surgiram e cresceram muitas escolas ex-
cia e da elaboração simbólica (working through). pressando o corpo, a imaginação e toda a sorte
A conclusão da interação criativa destes dois da- de técnicas expressivas (BYINGTON, 1993).
dos é que a separação das escolas psicanalítica Em que pese a capacidade potencial de
e arquetípica da escola comportamental cogni- transformação da personalidade, inerente à
tiva é injustificável do ponto de vista teórico e psicodinâmica dos processos inconscientes,
terapêutico e necessita ser revista. sobretudo à teoria das defesas e a sua possível
A identificação pessoalista das diferentes elaboração terapêutica, o sonho mágico do in-
perspectivas de conceituar e elaborar símbolos sight que desfaz defesas e elimina sintomas se
com os seus descobridores foi uma das grandes mostrou muito relativo com o passar do tempo.
limitações das teorias psicoterápicas. Tratou-se Casos de TOC tratados pela psicoterapia ana-
a descoberta científica como a prioridade ou a lítica exclusivamente verbal mostraram que o
seita dos seus descobridores, dos quais muitos sucesso terapêutico de Freud, relatado no caso
seguidores se tornaram membros e fiéis papa- do Homem dos Ratos, foi uma extraordinária
gaios, sem a inteligência criativa de seus mes- exceção contrariamente ao que Freud e seus se-
tres. Formaram-se freudianos, kleinianos, jun- guidores acreditaram durante décadas e alguns
guianos e lacanianos. Este controle defensivo até hoje acreditam. Devemos levar em conta,
do saber psiquiátrico, que envolve uma praxis que a avaliação estatística computadorizada
obrigatória, pode ser situado simbolicamente dos tratamentos dos distúrbios da doença men-
no EOC como uma característica defensiva do tal trouxe uma riqueza de dados comparativos
Arquétipo Patriarcal. Dinamicamente obsessiva da eficácia dos resultados, impossível há trinta
na ideia e compulsiva na praxis, ainda que não o ou quarenta anos atrás. No entanto, hoje eles
seja clinicamente. Chegou-se a ritualizar a tera- existem e só não se desapegaram dos ideais do
pia de base psicanalítica a tal ponto que não se passado não confirmados aqueles que estão a
devia cumprimentar um paciente fora da sessão, eles defensivamente apegados.
o número de sessões deviam ser de no mínimo Os sintomas dos distúrbios de ansiedade,
quatro a cinco por semana, não se podia pergun- como fobias e pânico, do TOC e de depressões
tar nada ao paciente (se ele ficasse mudo de an- significativas evidenciaram estatisticamente
siedade a sessão inteira, que ficasse!), o pacien- serem, em grande parte, resistentes, pratica-
te devia ficar no divã e o analista, quase atrás mente refratários às terapias exclusivamente
dele, fora do seu campo visual. O ritual patriar- verbais. Em contraposição, as técnicas com-

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portamentais-cognitivas, lidando no nível cons- de desenvolvimento humano: “Qual o ser que
ciente da polaridade exposição/prevenção da caminha de manhã com quatro pernas, ao meio
resposta, conseguiram um resultado estatisti- dia com duas e à tardinha com três?”. Ao de-
camente muito significativo para melhorar os cifrar o enigma cognitivamente, como referen-
sintomas desses quadros clínicos. A experi- te a vida humana, Édipo se deixa ofuscar pela
ência clínica chegou a um ponto que podemos luz brilhante da razão. O aprendizado da vida
dizer que os distúrbios da ansiedade, como fo- é ontológico, requer todo o Ser, precisa ser vi-
bias e pânico, o TOC e as depressões significati- venciado simbolicamente com os significados
vas não têm indicação de psicoterapia analítica que ligam cada momento ao todo (BYINGTON,
exclusivamente verbal. 1985). Precisamos compreender o processo
O TOC, devido à intensa reunião do subjetivo existencial se transformando sempre e de novo
com o objetivo, através da ideação e da conduta, a partir do indiferenciado para se entender que
veio sugerir fortemente que as terapias exclusi- a consciência funciona e se renova de dia atra-
vamente verbais não têm efeito sobre o seu tra- vés da fantasia e de noite através dos sonhos
tamento pelo fato de não lidarem efetivamente que fluem de suas raízes no fundo dos abismos
com a vivência e a conduta. Esta hipótese foi arquetípicos. Quando percebemos isso, nos
enfatizada, pelo sucesso que a Terapia Com- damos conta que a Esfinge pode desaparecer
portamental Cognitiva, centralizada na exposi- muitas vezes, mas não morre nunca, pois é uma
ção concreta e na prevenção também concreta imagem simbólica da indiferenciação psíquica,
da resposta ritualizada, vem apresentando no da noite, de dentro da qual nasce o sol a cada
tratamento do TOC. Este insucesso terapêutico nova manhã.
das psicoterapias exclusivamente verbais, no A história do nascimento e da família mitoló-
entanto, não significa que os conceitos de defe- gica da Esfinge não poderia ser mais incestuosa
sa inconsciente, resistência e transferência não e monstruosa para representar a psique arcaica
tenham fundamento e devam ser abandonados, e indiferenciada sobre a qual opera a consciên-
como muitos gostariam. Pelo contrário. Este in- cia. Orthos, seu pai, tinha duas cabeças no meio
sucesso nos incentiva a reunir cada vez mais as de sete serpentes. Casou-se com a própria mãe,
teorias psicodinâmicas interpretativas exclu- o dragão Echidna que pariu a Esfinge, monstro
sivamente verbais com as demais, o que aliás, alado, meio mulher e meio leoa. Pariu também
já vem intensamente acontecendo. É preciso o Leão de Neméia. Echidna casou-se também
conscientizarmos, antes de tudo, que os limites com o dragão Typhaon com quem concebeu a
da psicoterapia dinâmica exclusivamente verbal Hidra de Lerna, com muitas cabeças. Cortada
já haviam se apresentado de forma exuberante uma, nasciam duas. Outra filha de Echidna e ir-
desde o seu início. mão da Esfinge é Quimera, que cuspia fogo e era
uma mistura de leão, cabra e serpente (KERENYI,
10. O Mito de Édipo e a Onipotência Verbal 1951). É a vivência do psíquico simbólico indi-
Já no próprio mito de Édipo, que tanto ins- ferenciado que permite a elaboração simbólica
pirou Freud, a limitação do verbal desponta de através da qual se forma e se transforma a iden-
forma trágica. Édipo decifra intelectualmente o tidade do Eu e do Outro na consciência. Foi este o
enigma da Esfinge e ela se atira no fundo dos caminho trágico de Édipo para descobrir e elabo-
abismos. Teoricamente as aparências indicam rar a indiferenciação e o incesto. O ensinamento
que a Esfinge foi vencida para todo o sempre. fundamental de sua jornada foi a ultrapassagem
No entanto, a vida mostrará a Édipo de forma do racionalismo narcísico onipotente que quer
terrível que, a verdade psicológica só se realiza tudo resolver pela ideia, evitando a vivência para
na vivência. O enigma da Esfinge é o processo chegar ao saber.

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O sonho de que o insight oriundo exclusiva- princípio do verão de 1887, depois das au-
mente da interpretação verbal curaria as neu- las, por volta do meio-dia, estava na praça
roses tem que ser reconhecido hoje como uma da catedral, depois das aulas esperando
ilusão mágica e onipotente. um colega que habitualmente voltava
Num artigo publicado no ano passado, Greist comigo. De repente, um menino me deu
(DAR; GREIST, 1992) cita trabalhos que compro- um soco, atirando-me ao chão: bati com
vam a eficácia da terapia comportamental (TC). a cabeça na sarjeta e a comoção me ator-
Neste artigo, relembra que Freud (1918 p. 208- doou. Durante meia hora fiquei estontea-
209) já reconhecera a necessidade comporta- do. No momento da pancada, uma ideia
mental da exposição como parte do tratamento me ocorrera com a rapidez de um raio:
das fobias na seguinte passagem: “Agora você não precisa mais ir à escola!”
Estava semi-consciente e fiquei estendido
É praticamente impossível controlar uma alguns instantes mais do que necessário
fobia se deixamos o paciente esperando principalmente por espírito de vingança
para que a análise a resolva... Somente o contra meu pérfido agressor...
conseguimos, se induzimos os pacientes
A partir desse momento, sentia uma sín-
através da análise... a ir para a rua e a lu-
cope, cada vez que se tratava da neces-
tar com a ansiedade durante sua tentati-
sidade de voltar ao colégio, ou quando
va. Começa-se, portanto, a moderar a fo-
meus pais me mandavam fazer o trabalho
bia e apenas quando isso foi conseguido
escolar. Durante mais de seis meses faltei
por exigência do médico, é que afloram à
às aulas e isto para mim foi um achado...
mente do paciente as associações e lem-
Era maravilhoso...
branças que permitem resolver a fobia.
Certo dia, um amigo de meu pai veio vi-
Cita também o pioneirismo psicodinâmico sitá-lo. Ambos estavam sentados con-
de Pierre Janet (1925) incentivando a ação no versando no jardim e, eu atrás, escon-
tratamento comportamental do TOC: “O guia, o dido num arbusto tentava escutar o que
terapêuta especificará ao paciente a ação tão diziam: “E seu filho, como vai?” Meu pai
precisamente quanto possível... Repetindo a or- respondeu “Ah, é uma história penosa! Os
dem para realizar a ação, isto é, exposição, ele médicos ignoram o que ele tem. Falaram
ajudará o paciente muito com palavras encoraja- em epilepsia. Seria terrível se fosse incu-
doras diante de qualquer progresso”. rável! Perdi o pouco que tinha e o que será
Cita também o caso de acrofobia de Goethe dele se for incapaz de ganhar a vida?”
(1949), curado por ele próprio, ao subir repetidas Foi como se um raio me ferisse... Retirei-me
vezes na torre de uma catedral e aguentar tenaz- cautelosamente, entrei no escritório do
mente a ansiedade até conseguir dominar a fobia. meu pai e tomando uma gramática lati-
Para demonstrar o quanto os pioneiros das na procurei me aplicar num esforço de
teorias psicodinâmicas verbais interpretativas concentração. Ao fim de dez minutos
não puderam deixar de experienciar o poder te- desmaiei, quase caindo da cadeira, mas
rapêutico da vivência comportamental através pouco depois me senti melhor e continuei
da exposição, cito uma passagem das memórias a estudar. “Com todos os diabos, não vou
de Jung (1984). mais desmaiar disse comigo mesmo”,
e prossegui, tentando ler. Depois de um
Quando eu tinha doze anos, aconteceu quarto de hora, mais ou menos sofri uma
algo que seria o marco da minha vida. No segunda crise. Ela passou como a primei-

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ra “E agora você vai trabalhar de verdade”. portamental cognitiva está ainda longe de ser o
Esforcei-me e ao fim de meia hora adveio ideal. Como afirma Greist (DAR; GREIST, 1992),
a terceira crise. Não desisti e trabalhei estatísticas do grupo de Foa (2005) que cole-
mais uma hora até sentir que os acessos cionou 273 casos tratados em diferentes países
tinham sido superados... Algumas sema- mostram que 51% tiveram 70% de redução dos
nas depois, retornei ao colégio e as crises sintomas. Outra estatística do mesmo grupo
não reapareceram. O sortilégio fora conju- envolvendo 375 pacientes mostrou acentuada
rado! Foi assim que fiquei sabendo o que melhora em 87% no início do tratamento, que
é uma neurose. se manteve em 75% durante seis meses a seis
anos. Aproximadamente 15% dos pacientes não
É curioso que Jung tenha denominado esta se engajam (noncompliance) na proposta de ex-
vivência “o marco do meu destino”. Clinicamen- posição e prevenção de resposta. Outros 10%
te, parece-me que ele se tratou e curou de uma abandonam o tratamento devido à ansiedade.
vertigem histérica com intensa gratificação se- Há outros ainda que se engajam, mas que criam
cundária (férias permanentes) por uma terapia rituais de evitação escondidos (covert avoidan-
comportamental de exposição. É interessante ce behaviour). Greist menciona duas grandes
que Jung, exatamente como na terapia compor- pesquisas em andamento que nos fornecerão
tamental, não tenha entrado no significado sim- certamente resultados estatísticos ainda mais
bólico da síncope, que, como ele mesmo obser- esclarecedores, incluindo follow up mais longo
vara, incluía a vingança contra seu agressor, e, e melhor comparação com o tratamento pela clo-
possivelmente também, uma agressão a seu pai. mipramina. Uma destas pesquisas está sendo
A simplicidade de conceituação e de aplica- estudada pelo grupo de Foa (Edna B. Foa, Ph.D.),
ção da TCC no TOC é fascinante. Todo o método na Universidade da Pensilvânia e o outro pelo
se baseia na exposição do temido e na preven- grupo de Liebowitz (Michael R. Liebbowitz, M.D.),
ção da resposta ritualista. Sua atração se torna na Universidade de Columbia. Seus resultados
ainda maior quando aprendemos que os deveres estão sendo aguardados com grande interesse.
de casa ocupam lugar de destaque na terapia, e A simplicidade da aplicação da Terapia Com-
que a dependência na relação terapêutica deve portamental traz uma literalização da vida psí-
ser reduzida ao mínimo, a ponto de já se ter co- quica que tende a encolher os símbolos psíqui-
meçado a substituir o terapeuta pelo computa- cos ao máximo e reduzi-los a sinais. A evitação
dor (DAR; GREIST, 1992). É evidente que do ponto obsessivo-compulsiva (avoidance) é considera-
de vista da extensão e dos custos dos programas da ruim e é contrariada pela exposição pratica-
sociais de saúde, estas características são to- da de maneira estereotipada e considerada boa.
das imensamente convenientes, sobretudo se A prevenção da resposta (response prevention)
comparadas às psicoterapias de base analítica destina-se a manter a exposição, antagonizando
exclusivamente verbal. A complexidade teórica os rituais obsessivo-compulsivos. A técnica é tão
destas, a duração e o alto custo da formação simples que, segundo Greist, pode prescindir de
de um analista, o tempo e o número de sessões terapeuta. Esta grande vantagem prática da TC
de uma análise, a dependência transferencial é a sua maior desvantagem do ponto de vista
que se estabelece e o alto custo do tratamento simbólico, pois literaliza ou coisifica de tal for-
tornam a comparação extraordinariamente sig- ma os sintomas, o tratamento e as pessoas que
nificativa, sobretudo dentro da perspectiva dos pode ser usada para limitar muito a percepção
grandes números da medicina social. simbólica que as insere no todo humano. Daí po-
Apesar de ser no momento, o método mais der se diminuir muito a interação humana trans-
eficaz de tratamento para o TOC, a terapia com- ferencial terapêutica, a ponto de se pensar no

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tratamento computadorizado. Essas vantagens um passo à frente, examinando porque a pessoa
correm o risco de transformar o psicoterapeuta faz isso, entraremos no território simbólico das
num técnico destituído de raciocínio simbólico, defesas inconscientes, da resistência e da trans-
incapaz de perceber a transferência do paciente ferência. Um outro fator importante que abre a TC
e do terapeuta (contratransferência), que sem- para a realidade simbólica e para as teorias de
pre existem, e incapaz também de correlacionar base analítica do inconsciente é a teoria das res-
os sintomas psíquicos significativamente com postas sinalizadas (cue-producing responses)
a formação e o funcionamento geral da perso- enfatizada por Dollar e Miller na TC, segundo a
nalidade. É fácil de imaginar que um terapeuta, qual, a resposta não é determinada por uma si-
sem o mínimo grau de autoconhecimento e a tal tuação, mas pela forma como o indivíduo a inter-
ponto ignorante do símbolo e da transferência, preta. Em nossa perspectiva simbólica, isto quer
se torne presa fácil da sua agressividade som- dizer que as respostas não se referem simples-
bria mal elaborada e passe a empregar a expo- mente às coisas, mas, basicamente, aos seus
sição sadicamente para vencer a resistência de significados simbólicos. Esta porta nos conduz
pacientes com TOC. Contudo, nem todos os tera- à dimensão simbólica que reune a TCC às Teorias
peutas comportamentais pensam assim. A Dra. Psicodinâmicas do Inconsciente.
Ligia Ito, que representa a linha comportamental Minha posição é que se cultivarmos a TC,
neste simpósio, enfatizou em sua apresentação sem sequer empregarmos seu complemento
claramente a importância do carisma do tera- cognitivo no tratamento do TOC, fascinados ex-
peuta para conseguir o engajamento do pacien- clusivamente por sua simplicidade e por seus
te, para estimulá-lo na exposição, na prevenção resultados práticos, corremos o risco de contri-
da resposta e na continuidade do tratamento. buir para desumanizar e tecnologizar a relação
terapêutica, empobrecendo a Psiquiatria dras-
11. A Terapia Comportamental e a ticamente dentro do papel da compreensão da
Perspectiva Simbólica vida psíquica, que ela pode e deve desempenhar
O que mais impede a transformação da TC no humanismo. No meu entender, isto pode ser
numa simples técnica, porém, me pareceu ser prevenido, tendo-se uma compreensão do fun-
a avaliação inicial (assessment) e a necessida- cionamento da TCC, dentro de uma perspectiva
de da transformação cognitiva para se manter simbólica que a perceba psicodinamicamente
os resultados, melhor estudada na síndrome de e a reuna às demais escolas de psicoterapia,
pânico (Beck et al., 1992), procedimentos que principalmente às escolas psicodinâmicas do
transformam a Terapia Comportamental (TC) na inconsciente, como a Psicanálise e a Psicologia
Terapia Comportamental Cognitiva (TCC). A pas- Analítica. Além de enfocar o TOC dentro do EOC,
sagem da TC para a TCC, cujos resultados tera- psicodinamicamente, e mantê-lo dentro do todo
pêuticos no TOC, vantagens e desvantagens, ain- psíquico, uma tal abordagem poderá também
da estão para serem analisados, representa um contribuir para se compreender melhor e tratar
passo importante da TC em direção ao processo tanto os casos que não se engajam na TCC (15%)
de elaboração das demais correntes psicodi- como os casos que se negam à exposição ou que
nâmicas. Clark (1986) enfatizou a necessidade abandonam o tratamento em função da ansieda-
de interpretação das reações corporais para se de (10%), segundo a estatística de Greist (DAR;
prevenir as crises de pânico a longo prazo. Por GREIST, 1992).
exemplo, se uma pessoa julga uma mera palpi- A reunião entre a TCC, as teorias psicodinâmi-
tação como indício de uma crise cardíaca mortal, cas do inconsciente e as demais escolas de psico-
ela contribui cognitivamente para induzir a crise terapia têm na relação entre palavra/ ação e cons-
de pânico. Se elaborarmos a função cognitiva ciente/inconsciente, as principais polaridades a

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serem integradas. É só passarmos pelas várias mente a dependência do paciente, o número de
escolas atuais, como já mencionei, para vermos sessões e a duração do tratamento. Outra, é re-
que essa integração já está em pleno andamen- forçar a projeção normal do paciente, que idea-
to. Pessoalmente, prático essa integração através liza e coloca sua capacidade de elaboração sim-
das técnicas expressivas (BYINGTON, 1993) den- bólica (Função transcendente) exclusivamente
tro do setting simbólico da transferência e das no analista. Isto impede que o paciente exerça
defesas (relação consciente/inconsciente). Essa a psicoterapia entre as sessões (os deveres de
integração requer uma abertura e uma revisão casa da TC) e aprenda a elaboração simbólica
permanente da teoria e da técnica. Este questio- para exercê-la depois de encerrada a análise, no
namento de hábitos teóricos e práticos desperta seu processo de individuação durante o resto de
em muitas pessoas grande resistência. sua vida.
Um dos grandes ensinamentos da TC no TOC
12. O Problema da Transferência na para as escolas de psicoterapia é a relatividade
Psicoterapia do TOC operacional da transferência. Tenho empregado
Mesmo que não adotemos integralmente a esse ensinamento, mantendo sempre em mente
psicoterapia comportamental computadorizada a transferência na relação terapêutica, mas ela-
(exposição/prevenção do ritual) mencionada borando-a conscientemente com o paciente o
por Greist, ela nos faz repensar a transferência mínimo necessário.
na psicoterapia em geral. Sabemos que Freud
(1914) a considerava uma defesa e a empregava 13. Uma Interpretação Simbólica da
como neurose de transferência para elaborar a Eficácia da TC no TOC
neurose do paciente projetada sobre o analista. A partir do que já foi dito, quero elaborar sim-
Queiramos ou não, a transferência existe sem- bolicamente a função da exposição e da preven-
pre, porque ela é um fenômeno arquetípico que ção do ritual na TC do TOC, com a intenção de
caracteriza todo o relacionamento humano (Jung, abrir um acesso mais eficaz das demais escolas
1946). A transferência é uma das funções estrutu- de psicoterapia ao TOC através das técnicas ex-
rantes da maior importância na vida normal e na pressivas, incluindo nelas a exposição. Vice-ver-
relação normal do paciente com o terapeuta e vi- sa, espero que isto permitirá um acesso maior
ce-versa (contratransferência normal). Seu grande do terapeuta comportamental à transferência, à
problema na psicoterapia é quando ela se apre- defesa, à resistência e à maior compreensão dos
senta de maneira defensiva quer para o paciente, efeitos de suas técnicas, bem como do porquê da
quer para o terapeuta, como descobriu Freud. Em melhora e da refratariedade dos seus pacientes.
muitos desses casos, se a transferência defensiva Minha hipótese central é aquela estabelecida
não é elaborada, a terapia não progride. por Freud para as neuroses com as fixações e os
O problema é que muitos terapeutas incen- seus sistemas de defesa, inclusive a transferên-
tivam a transferência normal com posturas e in- cia e a resistência através das quais ele tratou
terpretações autorreferentes e, assim fazendo, com sucesso o TOC do “Homem dos Ratos”. Nes-
induzem também inconscientemente que as de- ta hipótese, exercida dentro da perspectiva sim-
fesas penetrem na relação transferencial cons- bólica arquetípica, a fixação é um distúrbio do
telando a transferência defensiva. Quanto mais processo de elaboração simbólica, representado
esta surge, eles a elaboram, seguindo sua ten- nos Gráficos de 1 a 3.
dência de incentivar a transferência de um modo Como enfatizou Katz (1991), o TOC apresenta
geral. Estabelece-se assim um círculo vicioso um distúrbio de limites e de contenção do repri-
transferencial que tem duas consequências pa- mido, possivelmente por uma disfunção neuro-
tologizantes. Uma é aumentar desnecessaria- química, envolvendo neurotransmissores, prin-

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cipalmente a Serotonina. A consequência desta e a exposição não se torne também defensiva,
disfunção é a debilitação da função de delimita- depende de quanto o paciente compreende e se
ção e de contenção do Arquétipo Patriarcal, que engaja na realização como um desafio saudável
compromete a eficácia de todo o quadro defensi- para substituir o ritual patológico. O respaldo da
vo e configura sua exuberância sintomática. autoridade médica e de todo o sistema de saúde
A ideia obsessiva no TOC aproxima-se muito por trás deste método, investe a exposição e a
do Ego, mas é contida frequentemente pela pro- prevenção com características patriarcais inova-
jeção defensiva, que junto com o ritual e o deslo- doras, revolucionárias, é bem verdade, mas que
camento manejam o quadro defensivo. Identifi- devem ser adotadas para substituir o sistema ri-
ca-se clinicamente esta projeção defensiva pelo tual contrário à exposição. O deslocamento do ri-
fato de os rituais serem generalizados contra a tual para a prevenção deste é facilitado pela pró-
sujeira, o sexo ou outras ideias obsessivas, cujo pria ineficiência do ritual e pelo sofrimento que
conteúdo simbólico amplo permanece incons- isso acarreta (que deveriam ser elaborados com
ciente e inacessível à elaboração. Os rituais o paciente) e pela diretividade transferencial do
controladores compulsivos seriam, nesse caso, terapeuta. A vivência do terapeuta e, até mesmo,
não a expressão de um Superego terrivelmen- sua substituição pelo computador não eliminam
te forte e poderoso, mas pelo contrário, fraco e a transferência para a autoridade médica institu-
pouco potente. Seria como se a polícia se desse cional, que continuará a agir através das “Regras
conta da sua impotência e, por isso, colocasse do Tratamento”. A exposição dirigida patriarcal-
armamento pesado nas ruas. A tese do Superego mente “autoriza” a vivência da ideia obsessiva
sádico e do Eu masoquista no TOC é superficial e isso também altera o sistema defensivo, pois
e incompleta, pois é devido a essa fraqueza do diminui a proibição e a resistência ética de viven-
poder de contenção do dinamismo patriarcal, ciá-la. O fato de a família ser orientada patriarcal-
que o TOC apresenta a exuberância defensiva ri- mente para não participar e, até mesmo, ajudar
tualística compulsivamente exercida para conter na prevenção do ritual ajuda a diminuir o veto ao
ideias obsessivas vivenciadas como proibidas, proibido e reforça a exposição.
transgressoras e terríveis. Nada impede que a elaboração cognitiva nas
A defesa do deslocamento, presente nos ritu- fobias, na síndrome do pânico, na depressão e
ais compulsivos de contenção, corrobora, como no EOC, ao incluir as disfunções do pensamen-
vimos, a tese da fragilidade da expressão do di- to, acrescente a elas o enfoque simbólico e a
namismo patriarcal delimitador, pelo fato de se- elaboração de suas motivações conscientes e
rem diretivas e programadas. A exposição e a pre- inconscientes, dentro do reconhecimento da
venção também se situam dentro do dinamismo transferência criativa e defensiva do pacien-
patriarcal e, por isso vão alterá-lo de duas manei- te e do analista. Quando isto acontecer, a TCC
ras: a exposição dará permissão para a vivência encontrará a noção de defesa, de resistência e
do proibido. Em vez de afastar o Eu, a exposição de transferência e de estruturas criativas e de-
passa a incentivar e até a obrigar o Eu a vivenciar fensivas, dentro do desenvolvimento simbólico
o proibido para melhor controlá-lo. A prevenção da personalidade. Como as demais escolas já
veta o sistema defensivo-compulsivo claudican- caminham em direção à TC através das técnicas
te do ritual e desloca esse sistema para ajudar expressivas, o encontro das atuais escolas de
a controlar o reprimido. O movimento estratégico psicoterapia dentro da dimensão simbólica en-
psicodinâmico mais importante ocasionado pela treabre um futuro promissor de desenvolvimento
exposição me parece ser a passagem da estrutu- teórico e técnico. ■
ra defensiva de contenção pelo ritual para a es-
trutura criativa. Para que isto aconteça, porém, Recebido em: 25/03/2019 Revisão: 20/05/2019

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Abstract
The symbolic perspective of the obsessive-compulsive spectrum Freud .
“Project” revisited by Jung’s archetype
The author approaches the obsessive-compul- of the Patriarchal Archetype. The intensification of
sive spectrum through the symbolic archetypal repression, projection and ritualization in OCD is
dimension rooted in three perspectives: neurolog- a neurological and psychological reaction to deal
ical, psycho-pharmacological and psychodynamic. with this deficiency. The author mentions his expe-
He associates matriarchal, patriarchal, alterity and rience according to which exclusively verbal psy-
totality archetypes with structures and functions chodynamic psychotherapy is largely inefficient in
of the nervous system. The author considers the OCD, phobias and panic syndrome. He argues that
hypothesis developed by Katz (1991) according to the relative efficiency of Cognitive Behavior Ther-
which OCD presents a disturbance of repression apy can be improved if exposure and avoidance
due to a neurotransmitter disfunction, mainly of se- techniques are employed as expressive techniques
rotonin. From an archetypal perspective, this neu- considering the transference relationship and the
ro-chemical disfunction develops a deficiency of defenses present within an overall symbolic and ar-
the delimiting, organizing and contention functions chetypal theory of personality development. ■

Keywords: OCD, archetype and nervous system, symbol, matriarchal archetype, patriarchal archetype, cog-
nitive behavioral therapy, symbolic elaboration, expressive techniques, projection, introjection.

Resumen
La perspectiva simbólica del espectro obsesivo-compulsivo. El “proyecto” de
Freud revisitado por el arquetipo de Jung
El autor aborda el espectro obsesivo-compulsivo cal, que compromete la eficacia de todo el cuadro
a través de la dimensión simbólica y arquetípica en- defensivo y configura su exuberancia sintomática
raizada en tres vertientes: neurológica, psicofarma- proyectiva y ritualizadora en un esfuerzo por suplir la
cológica, y psicodinámica. Asocia los dinamismos discapacidad. El autor hace consideraciones sobre
arquetipos matriarcal, patriarcal, de alteridad y de la ineficiencia de la psicoterapia dinámica exclusiv-
totalidad con estructuras y funciones del sistema amente verbal en el TOC y la relativa eficiencia de la
nervioso. A continuación el autor retoma la hipóte- Terapia Comportamental Cognitiva y argumenta que
sis de Katz (1991), según la cual el TOC presenta un la asociación de estas dos teorías a través del con-
disturbio del proceso de represión (Freud) posible- cepto de técnicas expresivas podrá contribuir con
mente por una disfunción neuroquímica, involucran- mayor eficiencia en el tratamiento no sólo del TOC,
do neurotransmisores, principalmente la serotoni- fobias y del síndrome del pánico, siempre que sea
na. La interpretación arquetípica de esta disfunción ejercido dentro de un enfoque simbólico y arquetipo
es la debilitación de la función de delimitación, de que incluya la relación terapéutica en el nivel trans-
organización y de contención del Arquetipo Patriar- ferencial creativo y defensivo. ■

Palabras clave: TOC, arquetipo y sistema nervioso, símbolo, arquetipo matriarcal, arquetipo patriarcal, tera-
pia conductual cognitiva, elaboración simbólica, técnicas expresivas, proyección, introyección.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2019 ■ 173


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