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v.37-1, p.151-174
Palavras-chave
TOC, arquétipo e
sistema nervoso,
Resumo
símbolo,
O autor aborda o espectro obsessivo-compul- que compromete a eficácia de todo o quadro de- arquétipo
sivo através da dimensão simbólica e arquetípi- fensivo e configura sua exuberância sintomática matriarcal,
ca enraizada em três vertentes: neurológica, projetiva e ritualizadora num esforço para suprir arquétipo
psicofarmacológica, e psicodinâmica. Associa a deficiência. O autor tece considerações sobre patriarcal,
os dinamismos arquétipos matriarcal, patriar- a ineficiência da psicoterapia dinâmica exclusi- terapia
cal, de alteridade e de totalidade com estru- vamente verbal no TOC e a relativa eficiência da comportamental
cognitiva,
turas e funções do sistema nervoso. A seguir, o Terapia Comportamental Cognitiva e argumenta
elaboração
autor retoma a hipótese de Katz (1991), segun- que a associação destas duas teorias através
simbólica,
do a qual o TOC apresenta um distúrbio do pro- do conceito de técnicas expressivas poderá técnicas
cesso de repressão (Freud) possivelmente por contribuir com maior eficiência no tratamento expressivas,
uma disfunção neuroquímica, envolvendo neu- não só do TOC, como das fobias e da síndrome projeção,
rotransmissores, principalmente a serotonina. do pânico, desde que seja exercido dentro de introjeção.
A interpretação arquetípica desta disfunção é a um enfoque simbólico e arquétipo que inclua a
debilitação da função de delimitação, de organ- relação terapêutica no nível transferencial criati-
ização e de contenção do Arquétipo Patriarcal, vo e defensivo. ■
1
Trabalho apresentado no Simpósio sobre o Espectro Obsessivo-Compulsivo do Depto. de Psiquiatria, USP, em 08 de abril, 1995.
Revisado em 18/11/2011. Publicado originalmente na Revista Junguiana13, 1995, p. 90-119.
* Médico Psiquiatra e Analista Junguiano. Membro fundador da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Membro da Associação
Internacional de Psicologia Analítica. Criador da Psicologia Simbólica Junguiana. Educador e Historiador.
E-mail: < c.byington@uol.com.br >, site: < www.carlosbyington.com.br >
caso que só melhora com clomipramina não ex- outro lado, como acentua Albert Camus no seu
cluem a perspectiva simbólica, mas se incluem livro sobre o mito, trata-se da representação da
nela com características objetivas diferentes que essência da condição humana. Controlar a natu-
precisam ser pesquisadas em cada caso. Junto a reza simbolicamente empurrando pedras mon-
estas estarão as características subjetivas, como tanha acima, que rolarão depois e serão outra
a ansiedade e a repugnância de se sentir sujo e vez empurradas por nós e algum dia por outros
contaminado, por exemplo. As características é uma forma de descrevermos o caminho da hu-
subjetivas podem ter componentes conscien- manidade. Bebemos, comemos e dormimos sem
tes e inconscientes. Freud (1909) percebeu que nunca acabarmos com a sede, a fome e o sono.
lavar o corpo no TOC tinha o significado de pu- Erradicamos algumas poucas doenças e logo
rificação de certas emoções projetadas no cor- descobrimos outras mais. Nisso tudo somos Sí-
po, que permaneciam inconscientes, como, por sifos. Seu mito é uma forma de situarmos nosso
exemplo, a agressividade ou a atração sexual. trabalho com a devida humildade e reverência
Chamou especialmente sua atenção nesta sín- diante da imensidão das forças cósmicas dentro
drome a constância da defesa de deslocamento das quais operamos. Afinal, empurramos pedras
no nível objetivo e subjetivo. Uma pessoa com montanha acima, sem nunca chegar a construir
TOC pode controlar compulsivamente o medo de as montanhas que subimos e descemos. Nesse
ser assaltado deslocando rituais de fechar por- particular, o mito de Sísifo nos exemplifica a re-
tas, para janelas, chaves, fechaduras, vigilância latividade e finitude do Eu diante da grandeza do
no prédio e saídas à rua. Da mesma forma, pode Self que o abrange.
obsessivamente deslocar sua ansiedade de uma
modalidade de assalto para outra com grande 2. A Polaridade Histeria/Neurose
versatilidade. Ora pode ser um ladrão, ora um Obsessivo-Compulsiva
terapeuta, ora um empregado, que carregará A argúcia clínica de Freud repartiu a impor-
sua fantasia do assaltante projetada. O mesmo tância da nosografia das neuroses principalmen-
ocorre com as obsessões-compulsões de lim- te entre a histeria e a neurose obsessivo-com-
peza e de simetria. A versatilidade da defesa de pulsiva. Deu importância secundária à neurose
deslocamento no TOC se contrapõe à ideia ob- de ansiedade (síndrome de pânico), às fobias e
sessiva de emagrecimento na anorexia nervosa, à neurose pós-traumática. Situou as perversões
por exemplo. Aqui, a compulsão é de emagrecer em outra categoria. A teoria da repressão e a teo-
o corpo através da dieta, dos eméticos ou dos ria dos instintos de morte e de vida de Freud me
laxativos. Não há deslocamento. dificultam relacionar o EOC com o desenvolvi-
A perspectiva simbólica do EOC é necessária mento normal, porque, a meu ver, são dualistas
para percebê-lo dentro do controle das ativida- (“maniqueístas”) e misturam muitos componen-
des humanas, cujo grande exemplo é o trabalho tes anormais com os normais. Além disso, a teo-
diário. O mito de Sísifo, que conta sua história ria não se mostra apropriada para correlacionar
no Hades, empurrando, dia após dia, uma pedra o sistema nervoso com a psicodinâmica porque
que atinge o cume de uma montanha e rola para ela é centralizada no controle do incesto e da
baixo outra vez é aqui significativo, sobretudo se agressividade dirigida aos pais no início da vida,
lembrarmos que Sísifo não se conformou com o que a torna limitada para expressar a criativi-
sua finitude e enganou a morte quando ela veio dade e as funções psíquicas durante todo o pro-
buscá-lo pela primeira vez. Por um lado, o mito é cesso existencial. A terceira dificuldade é o favo-
o exemplo da improdutividade do TOC. São pes- recimento do Arquétipo Patriarcal, identificado
soas que consomem uma energia e um tempo com o princípio da realidade, em detrimento do
enormes na repetição de seus rituais. Mas, por Arquétipo Matriarcal que é preconceituosamen-
te equacionado com o desejo, o inconsciente, o caso de histeria psicótica, assim também diag-
princípio do prazer, a imaturidade, o incesto, o nosticado por Breuer.
parricídio e as pulsões instintivas indiferencia- O Arquétipo Matriarcal é caracterizado pelo
das e incapazes de ética e de civilização. prazer, pela sensualidade, pela ludicidade, pela
O conceito de Arquétipo de Jung (1975) pare- intimidade e pela espontaneidade. Sua expres-
ce-me mais útil para situar o TOC no EOC e este, sividade consciente-inconsciente se exerce de
no desenvolvimento normal. Sendo o arquétipo preferência na relação simbiótica e bastante
um padrão de funcionamento psicológico, cuja indiscriminada entre o Eu e o Outro. Essa pou-
principal característica é a criatividade que en- ca diferenciação entre o Eu e o Outro, no nível
globa o desenvolvimento normal e patológico, do corpo, favorece a expressão corporal normal
ele é o conceito ideal para ser ampliado junto das emoções, através do sistema endócrino e do
com o conceito de símbolo para englobar tam- sistema nervoso vegetativo (simpático e paras-
bém as três vertentes: a psicodinâmica, a neu- simpático): sudorese, palpitação, peristaltismo
rológica e a psicofarmacológica na normalidade e secreções salivares, hepáticas, gástricas, pan-
e na patologia. Como parte do genoma humano, creáticas e intestinais, aumento ou diminuição da
os arquétipos correspondem aos padrões de circulação sanguínea em setores específicos do
conduta dos animais na etologia e podem ser organismo através da vasodilatação e vasocons-
compreendidos também como os padrões neu- trição (enrubescimento e palidez emocionais),
rológicos típicos de funcionamento do sistema com variação correspondente da pressão arterial,
nervoso e neuroquímico das neurosinapses, e tantas outras manifestações. A denominação de
onde operam os psicofármacos, também arque- psicossomática e de conversão é imprópria por-
tipicamente, isto é, de forma característica e úni- que ambígua, sobretudo quando não diferencia
ca em nossa espécie. Ampliado desta maneira, o o fenômeno normal do patológico. No nível das
conceito de arquétipo é ideal para retomarmos o ideias, este arquétipo, devido à simbiose do Eu
projeto de Freud (1895 p. 395), que este ano ani- com o Outro, opera grandemente com a magia e, a
versaria um século e associarmos as manifesta- intuição e no nível da natureza, com o animismo.
ções psicodinâmicas às neurológicas, como ele O Arquétipo Patriarcal é caracterizado por
começou a fazer. Para isso, é necessário, primei- funcionar com acentuada separação entre o Eu
ro, compreendermos a relação dos arquétipos e o Outro e entre o consciente e o inconsciente
com a histeria, o EOC e o sistema nervoso. (posição polarizada), que permite abstrair, or-
ganizar e controlar o processo psíquico. Desta
3. A Polaridade Matriarcal/Patriarcal organização nasce a ênfase no dever e na hie-
Retomando a divisão de culturas com dinâ- rarquização dos valores, na moral, na tradição e
mica matriarcal e patriarcal realizada por Bacho- na tarefa. É também esta organização que impõe
fen (1948) no século passado e embasada nos ao Eu os códigos de submissão aos princípios
arquétipos por Erich Neumann (1954), podemos abstratos e o apego ao poder de comandá-los.
reconhecer o espectro histérico (EH) e o EOC Freud (1913) identificou a moral com o superego,
como as duas grandes síndromes patológicas introjetado pela proibição do incesto. A concei-
dos arquétipos matriarcal e patriarcal. Apesar tuação do Arquétipo Patriarcal, tendo como base
de as encontrarmos com muito maior frequên- a organização abstrata que regula o incesto jun-
cia na dimensão neurótica, elas também podem to com o Arquétipo Matriarcal, é bem mais ampla
se apresentar na dimensão psicótica. O famoso que a teoria do superego. Enquanto o Arquétipo
caso de Anna O. (BREUER, 1969), tratado por Jo- Matriarcal se exerce muito melhor através do
seph Breuer (1893) e dez anos depois analisa- sistema nervoso vegetativo e do sistema endó-
do por ele e Freud, se tratava claramente de um crino, devido à forma sensual de simbiose cons-
Conduta
Consciência Inconsciência
Persona Sombra
Ego-Outro Ego-Outro
Vivências
Símbolos e Funções
Estruturantes
(Consciência – Inconsciência)
Gráfico 1. As funções estruturantes criativas e defensivas
Conduta
Consciência Inconsciência
Persona Sombra Normal e Patológica
Ego - Outro Ego - Outro
Nasceu com os pés torcidos e durante a adoles- estão sempre juntos e atuantes. O que diferencia
cência fizera exercícios obstinados até corrigir a sua psicodinâmica é a dominância de um ou
o defeito. Seu pai era mulherengo e jogador e do outro na expressão das estruturas criativas e
pouco ficava em casa. Sua mãe era trabalhadora defensivas. Nos indivíduos normais, encontra-
e “perfeita”. A tipologia do paciente era pensa- mos uma verdadeira tipologia inata, que além
mento sensação extrovertida com acentuada do- das funções da consciência e das atitudes de
minância patriarcal. Numa sessão, trouxe-me um extroversão e de introversão descritas por Jung
sonho no qual saía de um cabeleireiro unissex (1967), apresentam também uma dominância
de peruca e com um pé usando sapato de salto matriarcal ou patriarcal inata na personalidade.
alto. Examinamos sua identidade sexual e, de- O tipo de dominância matriarcal apresenta fre-
pois de muita resistência, confessou-me que se quentemente dominância das funções mais
sentia homossexual e, mais ainda, mulher. Essa atribuídas ao hemisfério cerebral direito e o tipo
ideia absurda era a vivência central, em torno da de dominância patriarcal apresenta também fre-
qual se organizara a neurose, usando todo o seu quentemente dominância das funções mais atri-
trabalho como um grande ritual para escondê-la. buídas ao hemisfério cerebral esquerdo.
As principais diferenças psicodinâmicas e clí- Uma mulher de meia-idade (caso C) procu-
nicas entre o EH e o EOC podem ser melhor com- rou terapia porque sofria de tantos males que
preendidas através da dominância dos dinamis- seu clínico não sabia mais o que fazer. Quan-
mos matriarcal e patriarcal e suas amplificações do melhorava de sua disfunção ovariana, tinha
neurológicas e psicofarmacológicas. Falamos insônia, logo depois sofria de faringite que de-
sempre em dominância, porque estes arquétipos saparecia em pouco tempo. Volta e meia apre-
Conduta
Consciência Inconsciência
Persona Sombra
Ego - Outro Ego - Outro
Vivências Símbolos e
Funções Estruturantes
Arquétipo Arquétipo
Matriarcal Patriarcal
Arquétipo Central
Arquétipo da Vida e da Morte
Arquétipo de Arquétipo
Alteridade da Totalidade
Keywords: OCD, archetype and nervous system, symbol, matriarchal archetype, patriarchal archetype, cog-
nitive behavioral therapy, symbolic elaboration, expressive techniques, projection, introjection.
Resumen
La perspectiva simbólica del espectro obsesivo-compulsivo. El “proyecto” de
Freud revisitado por el arquetipo de Jung
El autor aborda el espectro obsesivo-compulsivo cal, que compromete la eficacia de todo el cuadro
a través de la dimensión simbólica y arquetípica en- defensivo y configura su exuberancia sintomática
raizada en tres vertientes: neurológica, psicofarma- proyectiva y ritualizadora en un esfuerzo por suplir la
cológica, y psicodinámica. Asocia los dinamismos discapacidad. El autor hace consideraciones sobre
arquetipos matriarcal, patriarcal, de alteridad y de la ineficiencia de la psicoterapia dinámica exclusiv-
totalidad con estructuras y funciones del sistema amente verbal en el TOC y la relativa eficiencia de la
nervioso. A continuación el autor retoma la hipóte- Terapia Comportamental Cognitiva y argumenta que
sis de Katz (1991), según la cual el TOC presenta un la asociación de estas dos teorías a través del con-
disturbio del proceso de represión (Freud) posible- cepto de técnicas expresivas podrá contribuir con
mente por una disfunción neuroquímica, involucran- mayor eficiencia en el tratamiento no sólo del TOC,
do neurotransmisores, principalmente la serotoni- fobias y del síndrome del pánico, siempre que sea
na. La interpretación arquetípica de esta disfunción ejercido dentro de un enfoque simbólico y arquetipo
es la debilitación de la función de delimitación, de que incluya la relación terapéutica en el nivel trans-
organización y de contención del Arquetipo Patriar- ferencial creativo y defensivo. ■
Palabras clave: TOC, arquetipo y sistema nervioso, símbolo, arquetipo matriarcal, arquetipo patriarcal, tera-
pia conductual cognitiva, elaboración simbólica, técnicas expresivas, proyección, introyección.
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