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Junguiana

v.39-2, p.117-130

Os instintos nas neurociências afetivas e na


psicologia analítica

Guilherme Silva Gonçalves*

Resumo Palavras-chave
Este artigo visa estabelecer relações entre a sistemas instintivos envolvidos na formação da neurociências;
psicologia analítica de Carl Gustav Jung e as neu- personalidade humana, ponto que Jung também psicotera-
rociências afetivas de Jaak Panksepp. Para isso, defendeu contra a primazia do instinto sexual pia analíti-
ca; Jung,
foi feita uma comparação entre os sistemas ins- na teoria de Sigmund Freud. Além disso, as neu-
Carl Gustav,
tintivos básicos propostos por ambas as teorias. rociências afetivas e a psicologia analítica pro- 1875-1961;
Uma das principais características do pensa- põem intervenções psicoterapêuticas que levem comportamen-
mento de Jung, que o diferencia das outras teo- em conta os aspectos instintivos da personalida- to instintivo;
rias psicodinâmicas, é sua ênfase na base ins- de, considerando mudanças puramente cogniti- emoções
tintiva da psique, constituída de pré-disposições vas como insuficientes. Assim, apesar de seus
herdadas. Da mesma forma, as neurociências pressupostos materialistas, as pesquisas Pank-
afetivas se concentram principalmente na base sepp possuem pontos em comum com aspectos
instintiva e herdada de certos comportamentos da teoria de Jung, com sistemas instintivos se-
humanos, relacionados às emoções primárias, melhantes, demonstrando a importância da his-
enraizadas principalmente em estruturas sub- tória da espécie para a constituição psíquica do
corticais. Através do estudo dessas estruturas, ser humano, contrariando a crescente onda do
Panksepp demonstrou que existem diversos construcionismo social, que teve sua ascensão
impulsionada pelos movimentos behavoristas
dos anos 1950, e que ainda hoje permeia o ima-
* Graduado em psicologia pelas Faculdades Metropolitanas ginário popular. ■
Unidas (FMU). Terapeuta em análise aplicada do compor-
tamento. Presidente e membro fundador da Liga Acadêmi-
ca de Pesquisas e Estudos Junguianos (LAPEJ) da FMU
(2019-2021). Membro do departamento de literatura do
Instituto Junguiano de São Paulo (IJUSP).
E-mail: sg.guilherme00@gmail.com

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Os instintos nas neurociências afetivas e na psicologia analítica

O papel da herança psíquica na teoria de Jung


Jung defendeu a importância da história evo- dos produtos psíquicos espontâneos de seus
lutiva do ser humano na formação de seu com- pacientes, como sonhos, delírios, fantasias etc.
portamento típico, que não podia ser explicado Ele percebeu que muitas vezes surgiam temas
simplesmente pela experiência de vida pessoal recorrentes nestes fenômenos:
de cada um. Ele afirmou que as formas de pensar
e agir do ser humano não seriam fruto do acaso, A frequente retomada de formas e ima-
mas seriam influenciadas por trilhas de possibi- gens arcaicas de associação observada na
lidades pré-estabelecidas, presentes na própria esquizofrenia me forneceu, pela primeira
estrutura do cérebro (JUNG, 2013g, p. 230). Mes- vez, a ideia de um inconsciente que não
mo assim, o modelo de psique de Jung nunca foi consta apenas de conteúdos originários
materialista, ou seja, ele nunca afirmou que a psi- da consciência que se perderam, mas de
que seria fruto da química cerebral. Na psicologia uma camada ainda mais profunda, dota-
analítica, o psíquico e o físico são vistos como da de caráter universal, como são os mo-
manifestações opostas de um mesmo fenômeno tivos míticos característicos da fantasia
paradoxal que não pode ser apreendido racional- humana. Esses motivos não são de modo
mente até momento (JUNG, 2013e, p. 619). Com algum inventados e sim descobertos,
isso, ele não negou a importância da integridade constituindo formas típicas que aparecem
do sistema nervoso central para o funcionamento de maneira espontânea e universal, inde-
psíquico adequado (JUNG, 2013f, p. 318). Sobre pendentes da tradição nos mitos, contos
essa interação entre psique e cérebro, ele diz: de fada, fantasias, sonhos, visões e ide-
ais delirantes. Uma investigação mais
O processo psíquico que está na raiz da cuidadosa mostra que se trata de atitudes
consciência é automático; não sabemos típicas, de modos de agir, de formas de
de onde ele se origina nem para onde se ideias e impulsos que devem constituir o
encaminha. Sabemos apenas que o sis- comportamento tipicamente instintivo da
tema nervoso e particularmente os seus humanidade. O termo arquétipo por mim
centros condicionam e exprimem a função escolhido coincide com o conceito tão co-
psíquica e que essas estruturas herdadas nhecido de ‘pattern of behaviour’. Não se
voltam infalivelmente a funcionar, em trata de maneira alguma de ideias herda-
cada novo indivíduo, exatamente do mes- das, mas de impulsos e formas instintivas
mo modo como sempre fizeram em todos herdadas, tais como observamos em todo
os outros (JUNG, 2013g, p. 227). ser vivo (JUNG, 2013a, p. 565).

Portanto, Jung reconheceu que as estruturas Uma das diferenças entre as teorias de Freud
dos centros do sistema nervoso pelo menos con- e de Jung é o fato de que o primeiro considerava
dicionam o funcionamento psíquico de acordo as atividades culturais do ser humano e suas re-
com certas formas instintivas, que constituem o lações sociais como sublimações de uma ener-
que ele chamou de inconsciente coletivo. gia sexual (JUNG, 2013i, p. 46), enquanto Jung
O conceito de inconsciente coletivo postula- acreditava que estas atividades podiam ser con-
do por Jung veio a partir das suas observações troladas por instintos diferentes, mesmo não ne-

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gando a importância da sexualidade para o ser velmente similares entre todas as espé-
humano, inclusive reconhecendo que boa parte cies de mamíferos. Isso sugere que esses
dos conflitos psicológicos tem um fundo eróti- sistemas evoluíram há muito tempo e
co (JUNG, 2014, p.14). Em sua experiência como que, em um nível emocional e motivacio-
médico, Jung observou outras necessidades e nal básico, todos os mamíferos são mais
instintos humanos que exerciam igual influência semelhantes do que diferentes (PANK-
sobre o comportamento, e que poderiam ser fon- SEPP; BIVEN, 2012, p. 4) tradução autores.
tes de perturbações tão graves quanto a sexuali-
dade, quando negligenciadas. Claro que as neurociências afetivas reconhe-
Mesmo sem contar com os instrumentos ade- cem toda a complexidade que é adicionada ao
quados para comprovar suas conclusões, Jung comportamento humano devido às suas capaci-
descreveu fielmente os fatos observados em dades cognitivas ímpares. Mesmo assim, Pank-
sua extensa prática clínica, batendo de frente sepp e Biven (2012) dizem que essas funções
com muitos preconceitos da época. Se falar da cognitivas são inicialmente programadas pelos
sexualidade feriu a moral social da época, que processos afetivos primários, o que pode acon-
ainda via o ser humano ideal como alguém ple- tecer de forma adequada ou patológica. Assim,
namente racional, falar de temas relacionados à mesmo que o ser humano desenvolva uma enor-
mitologia e à religião era um crime passível de me variedade de funções cognitivas, seu funcio-
excomungação do meio acadêmico, por consti- namento psíquico nunca deixa de estar profun-
tuir uma blasfêmia contra o credo materialista. damente enraizado, e de ser influenciado, por
Assim, Jung foi relegado ao segundo plano e até esses padrões instintivos (p. 5).
hoje é considerado um assunto tabu em muitas Nesta disciplina o cérebro é estudado, na
universidades. O célebre psicólogo canadense, maior parte do tempo, em uma perspectiva de
Jordan B. Peterson, que trouxe novamente as baixo para cima, das estruturas mais antigas
ideias de Jung ao cenário mundial nos últimos para as mais recentes. O termo BrainMind (“Cé-
anos, conta que foi constantemente alertado rebroMente”) é usado quando partindo da pers-
por seus professores na sua época de estudante pectiva de baixo para cima, enquanto MindBrain
a não se aproximar da psicologia analítica, pois (“MenteCérebro”) é usado quando se fala da
isso traria descrédito ao seu trabalho (PETER- perspectiva de cima para baixo, mostrando que
SON, 1999, p. 401). Felizmente, com o avanço existe uma causalidade circular entre os níveis
das neurociências, há perspectivas de mudança
de funcionamento cerebral, mesmo que o foco
neste cenário.
das neurociências afetivas sejam os processos
emocionais primários. A falta de espaço entre
As neurociências afetivas ambas as palavras indica que se trata de um pro-
Consolidadas pelo neurocientista Jaak Pank- cesso unificado, ou seja, cérebro e mente são
sepp, as neurociências afetivas são baseadas inseparáveis. Assim, Panksepp e Biven (2012)
nas pesquisas voltadas para entender o funcio- adotam uma perspectiva monista dual do fun-
namento tanto do cérebro humano como o de cionamento psicológico do ser humano (p. 7).
outros animais. Essa visão não dualista se assemelha, de certa
maneira a de Jung, descrita na seção anterior,
De acordo com nosso conhecimento até com a diferença de que as neurociências afeti-
o presente momento, os sistemas emo- vas partem de pressupostos materialistas (p.
cionais primários são feitos de estruturas 417), enquanto Jung preferiu deixar essa ques-
neuroanatômicas e neuroquímicas nota- tão em aberto por falta de provas neste sentido,

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preferindo se ater ao ponto de vista psicológico 2013d, p. 239). Estes grupos de instintos seriam
(JUNG, 2013e, p. 282). os de autopreservação, os de preservação da es-
O método de pesquisa das neurociências pécie, os de reflexão, os de impulso à ação e o
afetivas é triangular, levando em conta a es- de criatividade:
trutura cerebral dos mamíferos, os comporta- Os instintos de autopreservação são exemplifi-
mentos instintivos emocionais e os estados cados através da fome, que ele afirma possuir um
subjetivos da mente associado a estes instin- caráter mais preponderante na vida humana, espe-
tos. Enquanto a maioria dos neurocientistas cialmente na do primitivo, do que a sexualidade.
leva em conta somente os padrões de compor- Os instintos de preservação da espécie são
tamento instintivos e as estruturas cerebrais exemplificados através do instinto sexual, que, no
envolvidas, Panksepp e Biven (2012) incluem ser humano, não está ligado somente com a repro-
o aspecto psicológico desta dinâmica, argu- dução, mas também com sentimentos, afetos e
mentando que os sistemas emocionais instin- até mesmo com interesses espirituais e materiais.
tivos não somente se expressam em padrões O instinto de reflexão consiste nas inúmeras
de comportamento, mas também influenciam a associações que o ser humano faz automatica-
forma de experienciar o mundo. Este último as- mente quando confrontado com alguma situ-
pecto é acessível somente através da pesquisa ação, o que leva a uma maior variabilidade de
com seres humanos (pp. 23-4). suas respostas, funcionando como uma espécie
Por levar em conta os instintos básicos her- de raciocínio instintivo, que está na base das
dados e sua relação com as formas humanas de produções culturais mais complexas.
agir e, principalmente, de organizar suas experi- O impulso à ação se manifesta quando as ne-
ências no mundo, muitos pontos de contato po- cessidades dos outros impulsos foram satisfeitas,
dem ser feitos entre as teorias das neurociências levando à busca ativa no ambiente por novas pos-
afetivas e a de Jung. sibilidades e também a comportamentos lúdicos.
O instinto de criatividade é um dos que mais
variam de pessoa para pessoa. Em algumas, a
Os instintos básicos em Jung necessidade de criar se impõe com grande vio-
Como foi dito acima, Freud considerava o
lência, podendo submeter a personalidade intei-
instinto sexual, ou o princípio do prazer, como a
ra à sua satisfação, enquanto em outros este ins-
principal força motriz por trás do comportamen-
tinto é praticamente imperceptível durante toda
to, considerando muitas das atividades culturais
a vida. Devido a esta falta de universalidade e
do ser humano substituições de um desejo origi-
de conteúdo, Jung preferiu atribuir à criatividade
nalmente reprimido ou sublimado (JUNG, 2013i,
uma natureza semelhante à do instinto. Ele tam-
p. 46). Posteriormente ele acrescentou a pulsão
bém notou que a criatividade se associa com os
de morte como uma das outras forças que in-
demais instintos, como o impulso à ação, à sexu-
fluenciavam o comportamento humano (JUNG,
alidade e ao instinto de reflexão, sem se igualar
2014, p.33). Jung, por outro lado, considerava a
a nenhum deles (JUNG, 2013d).
energia psíquica como um conceito neutro, mu-
dando de aplicação de acordo com as necessi-
dades naturais da vida e da pressão interna de Os sete sistemas emocionais
diferentes instintos que muitas vezes entram em
contradição. “O fato de a energia poder sofrer es-
primários nas neurociências
sas diversificações é indício de que há ainda ou- afetivas
tros impulsos suficientemente poderosos para Panksepp e Biven (2012), por sua vez, fala
modificar o curso do instinto sexual...” (JUNG, de sete sistemas emocionais básicos, com cir-

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cuitos neurológicos específicos, consistindo em ros anos de vida. Esse sistema foi chamado de
padrões de reação e estados afetivos caracterís- PANIC porque quando mamíferos jovens são
ticos. Quando fala desses sistemas emocionais, abandonados eles expressam uma forma espe-
ele usa letras capitais, indicando que está se cial de ansiedade, um estado agitado de pânico
referindo ao sistema neurológico, e não ao signi- (p. 314). Algumas estruturas envolvidas no fun-
ficado popular atribuído a estas palavras. Estes cionamento do PANIC são a PAG, o tálamo dor-
sistemas são divididos em RAGE (“raiva”), FEAR somedial e o córtex cingulado anterior (p. 315).
(“medo”), SEEKING (“procura”), PLAY (“brincar”), Estes três sistemas são considerados os
LUST (“apetite sexual”), PANIC (“pânico”) e CARE sistemas emocionais negativos, cujos organis-
(“cuidar”) (p. 34). A nomenclatura original em in- mos evitam ativar, sendo considerados puniti-
glês será mantida já que, até o presente momen- vos. Também existem quatro sistemas emocio-
to, não existem traduções oficiais das obras de nais positivos:
Panksepp para o português. Para mais detalhes SEEKING, o sistema emocional mais básico
e ilustrações das estruturas cerebrais relaciona- de todos, coloca o organismo como explorador
das com os sete sistemas, consultar a obra de ativo do ambiente para encontrar os recursos
Panksepp e Biven (2012). necessários para a sobrevivência e satisfazer
RAGE é o sistema que entra em ação nos ma- as necessidades de todos os outros sistemas
míferos em situações específicas, como quando (p. 95), sendo também responsável pela curiosi-
privados de mobilidade, sofrendo irritação na dade (p. 102). Esse sistema é ativado durante a
superfície corporal, privados de alimento, pri- antecipação, mas não durante a consumação de
vados de uma recompensa iminente e quando recompensas, e causa o comportamento eufóri-
competindo com outros por recursos (p. 149). co da aproximação de algo valorizado. As princi-
Suas respostas características consistem em pais estruturas deste sistema são a área ventral
cerrar os dentes, socar, morder, arranhar e ata- tegmental (VTA), o feixe prosencefálico medial
car, sendo a intensidade da manifestação pro- e hipotálamo lateral (MFB-LH), o núcleo accum-
porcional à intensidade da estimulação (p. 150). bens e o córtex pré-frontal medial, conectados
As principais estruturas cerebrais envolvidas no através das vias dopaminérgicas mesolímbica e
funcionamento deste sistema são a substância mesocortical (p. 104).
cinzenta periaquedutal (PAG), a zona medial do O LUST é o sistema responsável pela excita-
hipotálamo e a zona medial da amígdala (p. 151). ção sexual e pelos comportamentos sexuais es-
FEAR é o sistema responsável por preservar o pecíficos de cada sexo, tendo centros diferentes
organismo quando existe ameaça à integridade no cérebro masculino e no feminino (p. 249). O
física, como no caso de encontro com predado- epicentro da sexualidade masculina é o núcleo
res. A resposta mais característica deste sistema intersticial do hipotálamo anterior (INAH), que
consiste na paralisação e, em níveis mais altos possui uma grande quantidade de receptores de
de estimulação, na fuga (p.179). De maneira ge- testosterona (p. 250), responsável pela produ-
ral, as estruturas cerebrais do FEAR começam ção de outros neuropeptídios, como a vasopres-
nas áreas ventrais da PAG, se conectando com sina, relacionados com comportamentos sexuais
as áreas anteriores e mediais ao redor do tercei- masculinos, como excitação e aproximação se-
ro ventrículo do hipotálamo, e também com as xual, além de algumas formas de agressividade
zonas centrais da amígdala (p. 182). territorialista (p. 251). Já nas fêmeas os impulsos
PANIC é o sistema responsável pelo stress de sexuais se originam no hipotálamo ventromedial
separação e é ativado quando o indivíduo sofre (VMH), controlados principalmente pela proges-
alguma forma de perda social, como o abandono terona e pelo estrogênio (p. 255). A ação desses
ou a rejeição, sendo mais sensível nos primei- hormônios eleva a produção de oxitocina e sen-

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sibiliza os receptores desta mesma substância exemplo, no grupo dos instintos de autoconser-
no VMH, levando a fêmea a se tornar mais emo- vação, Jung dá como exemplo na maioria das
cionalmente receptiva aos avanços sexuais dos passagens apenas a fome, que não é considera-
pretendentes (p. 256). Entre os seres humanos, da por Panksepp e Biven (2012) como um afeto
a testosterona também participa da sexualidade emocional, mas como um afeto homeostático,
feminina, mesmo que em um grau menor do que que também está entre os afetos primários (p.
na sexualidade masculina. 10). Jung também relaciona os instintos de au-
PLAY é responsável pelo prazer das intera- toconservação com os instintos de preservação
ções sociais positivas, como as brincadeiras físi- do indivíduo no geral, ausente em muitos pa-
cas características dos filhotes, que acontecem cientes esquizofrênicos (JUNG, 2013k, p.276).
espontaneamente quando estes estão juntos em Portanto, pode-se incluir os instintos que vi-
um ambiente seguro e bem alimentados. Através sam a preservação do organismo neste grupo,
do brincar, se desenvolvem habilidades sociais incluindo os comportamentos associados aos
e de sobrevivência (p. 354). É um sistema extre- sistemas RAGE, FEAR e PANIC.
mamente importante para o desenvolvimento Quando Jung fala do grupo de instintos de
cerebral dos mamíferos, porém sua atividade é preservação da espécie, ele dá como exemplo
facilmente diminuída por emoções negativas. As a sexualidade. Mas, como o nome conservação
estruturas que têm relação essencial com o PLAY da espécie implica na procriação, pode-se in-
são o complexo parafascicular e o núcleo talâmi- cluir neste grupo o CARE e o LUST. Jung diz que,
co dorsomedial posterior (p. 364). ao longo da evolução, o sistema sexual se divi-
CARE é o sistema responsável pelo cuidado diu entre a procriação e o cuidado com a prole
dos mamíferos com seus filhotes e pela criação (JUNG, 2013j, p.194), hipótese similar à de Pank-
de vínculo com estes, e é mais sensível nas fê- sepp e Biven (2012), que também considerava o
meas do que nos machos (p. 286). O toque, a CARE e o LUST como evolutivamente derivados
aproximação dos corpos, a criação de vínculo e do mesmo sistema emocional, mas distintos no
a reação aos sinais de stress da prole são rea- cérebro do ser humano de hoje (p. 290).
ções provenientes da atividade deste sistema Já o impulso da ação e o de reflexão seriam
emocional. Algumas estruturas cerebrais relacio- dois aspectos distintos do SEEKING, que envol-
nadas com o CARE são o núcleo paraventricular ve tanto a exploração ativa do ambiente quanto
(PVN), a área dorsal pré-óptica (dPOA), núcleo do o uso de associações para resolver uma deter-
leito da estria terminal (BNST) com algumas pro- minada situação-problema ou para satisfazer a
jeções que vão até a VTA, que pode ativar o SE- curiosidade (p., 102). Jung diz sobre o instinto
EKING para executar comportamentos maternos de reflexão:
típicos, como construir ninhos seguros e manter
os filhotes próximos de si (p. 293). A reflexão retrata o processo de excita-
ção e conduz o impulso para uma série
de imagens que, se o estímulo for bas-
Comparação entre grupos de tante forte, é reproduzida em nível ex-

instintos e sistemas emocionais terno. Essa reprodução concerne seja a


todo processo, seja ao resultado do que
primários se passa interiormente e tem lugar sob
Ao comparar ambos os grupos, pode-se es- diferentes formas: ora diretamente como
tabelecer uma relação entre os instintos bási- expressão verbal, ora como expressão do
cos nomeados por Jung e os sistemas emocio- pensamento abstrato, como representa-
nais descritos por Panksepp e Biven (2012). Por ção dramática ou como comportamento

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ético ou ainda como feito científico ou ocórtex, que pode motivar comportamentos apa-
como obra de arte... A reflexão é o instinto rentemente contra instintivos a partir de necessi-
cultural par excelence, e sua força se reve- dades instintivas.
la na maneira como a cultura se afirma em
face da natureza (JUNG, 2013d, p. 243-4)
Instinto e libido
Jung nunca tentou estabelecer circuitos neu-
De maneira similar, Panksepp diz sobre o sis-
ronais subjacentes para os diferentes instintos,
tema SEEKING:
mas sim apontar que diversos instintos partici-
pam das atividades humanas. É notável o fato de
No ser humano, o pensamento estratégi-
existirem tantas relações entre as observações
co tem grande parte na excitação do SE-
feitas em sua prática clínica e os resultados de
EKING, porque esse sistema, como todos
os nossos outros sistemas emocionais, pesquisas recentes das neurociências afetivas.
tem muitas conexões com o neocórtex A influência de diversos instintos na formação
frontal... Quando o sistema SEEKING es- da personalidade humana, que foi defendida por
timula o neocórtex, ele energiza o pensa- Jung, é um fato agora comprovado, em contraste
mento, que é um tipo de mundo virtual, com a teoria da primazia do instinto sexual pro-
produzindo comportamentos aprendidos posta por Freud.
complexos que não são instintuais e que Jung diz que muitas atividades que podem ser
podem ser até mesmo contra instintivos... derivadas da sexualidade evolutivamente, hoje
Este sistema energiza toda a criatividade se consolidaram como funções independentes:
humana, ele tem sido o motor mental para
todas as civilizações (PANKSEPP; BIVEN, Assim, muitas funções complicadas, às
2012, pp. 102-3) tradução autores. quais hoje em dia deve ser negado um
caráter sexual, provêm originalmente do
Assim como Jung descreve a criatividade instinto de propagação. Como se sabe, na
como um impulso que se relaciona com todos os série ascendente dos animais ocorreu um
outros instintos, Panksepp diz o mesmo sobre o deslocamento importante nos princípios
SEEKING, já que este é o responsável por satis- da propagação: a massa dos produtos de
fazer as necessidades de todos os outros instin- procriação com a correlata causalidade de
tos, funcionando como estado de excitação sem fecundação foi reduzida mais e mais a favor
objeto específico. Ainda dentro do grupo dos ins- de uma fecundação segura e uma proteção
tintos de atividade (impulso à ação) Jung inclui eficiente da prole (JUNG, 2013j, p.194).
as atividades lúdicas do ser humano, colocando
o brincar dentro das atividades instintivas, as- De maneira similar, Panksepp e Biven (2012) diz:
sim como Panksepp fez com o PLAY.
Resumindo, pode-se incluir no grupo dos ins- Freud hipotetizou que todo o amor não se-
tintos de atividade o SEEKING e o PLAY, dentro xual, mesmo o amor materno, era uma su-
do grupo de instintos de conservação da espécie blimação de um desejo sexual subjacente.
CARE e LUST; dentro dos instintos de autocon- Ele manteve a ideia de que a sublimação,
servação, o RAGE, FEAR e o PANIC, e também os a canalização de uma energia emocional
afetos homeostáticos. O instinto de reflexão e básica em atividades socialmente úteis,
a criatividade também podem ser relacionados ocorria quando as necessidades sexuais
com o SEEKING, especialmente na interação das eram transformadas em valores sociais
estruturas subcorticais deste sistema com o ne- capazes de servir propósitos não sexu-

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ais... Mesmo que o CARE tenha evoluído finição por demais estreita. A experiên-
do LUST, os dois sistemas são suficiente- cia mostra que processos instintivos de
mente distintos no cérebro e eles execu- qualquer tipo muitas vezes são enorme-
tam funções diferentes. O LUST gera dese- mente aumentados pelo afluxo de ener-
jos sexuais enquanto o CARE gera afetos gia que pode ser procedente de qual-
não sexuais... (p. 290) tradução autores. quer parte... Uma esfera instintiva pode
ser temporariamente despotencializada
Panksepp ainda diz que existem outros sis- em favor de uma outra. Isso se aplica a
temas emocionais muito diferentes do CARE e todas as atividades psíquicas em geral
do LUST que são importantes para o desenvolvi- (JUNG, 2013j, p. 199).
mento de relações sociais, como PANIC e o PLAY,
que não estão presentes na teoria freudiana. Da mesma forma, Panksepp e Biven (2012)
Além dos sete sistemas emocionais básicos, viam os instintos como instrumentos herdados,
Panksepp também postulou a existência de um em forma de um sistema de valores codificados,
SELF instintivo, responsável por integrar as dife- para aumentar o sucesso do organismo no jogo
rentes informações corporais, ambientais e emo- da existência e no enfrentamento de seus desa-
cionais em uma estrutura coerente (PANKSEPP; fios típicos (p. 68). Ou seja, eles são unificados
BIVEN, 2012, p. 392). Também é possível fazer por um mesmo propósito, um mesmo appetitus,
uma relação entre o conceito de SELF de Pank- mesmo que tenham estruturas físicas diferencia-
sepp e o conceito de si-mesmo na psicologia das. Nas neurociências afetivas, as atividades
analítica, que também funciona como o centro dos diferentes instintos também têm influência
organizador da psique (ALCARO et al., 2017). umas sobre as outras, mas não de forma tão am-
Também é importante ressaltar que, por mais pla na teoria Junguiana. Por exemplo, a atividade
que Jung tenha feito essa divisão dos instintos do PANIC é contrabalanceada pelo CARE, assim
em grupos, ele mesmo acreditava que, do ponto como as emoções negativas facilmente inibem o
de vista dinâmico, eles eram manifestações dife- PLAY etc.
rentes de uma mesma energia, chamada libido.

Na natureza naturalmente não existe essa


A psicopatologia em Panksepp
separação artificial. Aqui só vemos um e Jung
instinto vital contínuo, uma vontade de Ambas as teorias, de Jung e Panksepp, têm
existir, que pela conservação do indivíduo um objetivo prático além de simplesmente com-
busca alcançar a propagação de toda a preender o funcionamento psicológico-cerebral
espécie... Assim, também a interpretação do ser humano: elas pretendem ajudar, através
da libido como cupiditas ou appetitus é desta compreensão dos instintos, a encontrar
uma interpretação do processo energético maneiras mais adequadas de se lidar com as
psíquico que vivenciamos sob a forma de psicopatologias.
um appetitus (JUNG, 2013j, p. 195). Para Jung, os distúrbios patológicos consis-
tem em um posicionamento inadequado frente
Ele preferia adotar o ponto de vista energéti- aos instintos. Ele diz:
co na sua prática clínica pela enorme comunica-
ção existente entre os diferentes instintos: O instinto é uma misteriosa manifestação
da vida, de caráter em parte psíquico, em
O ponto de vista energético significa a li- parte fisiológico. Ele pertence às funções
bertação da energia psíquica, numa de- mais conservadoras da psique e é difícil

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ou mesmo impossível modificá-lo. Dis- da psicoterapia e da psiquiatria bioló-


túrbios patológicos de adaptação, como gicas é facilitar a reorganização de tais
neuroses etc., por essa razão se explicam dinâmicas mentais (DAVIS; PANKSEPP,
antes por um posicionamento diante do 2018, p. 77) tradução autores.
instinto do que por uma modificação do
mesmo. Este posicionamento, no entan- Assim como Jung, Panksepp acreditava que
to, é um problema complicado, altamen- os resultados psicoterapêuticos mais duradou-
te psicológico, que certamente não seria ros acontecem quando são visados os níveis ins-
problema se dependesse do instinto. As tintivos da personalidade, sendo as mudanças
forças motoras das neuroses provém de puramente cognitivas mais frágeis.
uma série de propriedades do caráter e in-
fluências do ambiente que em conjunto, [P]ossivelmente os efeitos mais durado-
resultam na atitude que torna impossível res ocorrem se o caminho terapêutico for
um modo de vida que satisfaça os instin- pavimentado pela mudança da tonalida-
tos (JUNG, 2013j, p. 199). de afetiva dos afetos primários. Se este
for o caso, o trabalho dos clínicos pode
De maneira similar, na perspectiva das neu- ser facilitado pela assimilação mais pro-
rociências afetivas, o objetivo da psicoterapia funda e utilização das evidências dispo-
é reorganizar as interações entre os sistemas níveis sobre os sistemas emocionais do
afetivos instintivos e os outros níveis do funcio- cérebro derivadas das neurociências afe-
namento cerebral-mental, que são divididos em tivas, e por visar a utilização mais ampla
uma hierarquia (Nested BrainMind Hierarchy) de das técnicas afetivas mais diretas dispo-
três níveis: processos primários (emoções, que níveis (PANKSEPP; BIVEN, 2012, p. 457)
consistem de afetos essencialmente subcorti- tradução autores.
cais), processos secundários (aprendizagem,
baseada em estruturas majoritariamente locali- Jung e Panksepp visavam a base instintiva
zadas nas áreas límbicas superiores) e proces- e suas necessidades como foco primário. En-
sos terciários (cognições baseadas majoritaria- tretanto, na psicologia analítica, o método de
mente em áreas neocorticais). Dessa maneira, identificação das necessidades instintivas ne-
estabelece-se uma dinâmica circular entre os gligenciadas é pautado na análise de produtos
níveis de funcionamento cerebral-mental, que do inconsciente, através de técnicas como aná-
pode ser saudável ou patológica, de acordo com lise de sonhos e imaginação ativa, métodos que
as pré-disposições de personalidade do organis- não estão presentes nas neurociências afetivas,
mo e com as influências ambientais. mesmo que Panksepp considerasse que a fun-
ção dos sonhos fosse avaliar experiências afe-
Assim, o círculo causal de via dupla se tivas passadas para resolver situações futuras
torna uma característica adaptativa da (PANKSEPP; BIVEN, 2012, p. 378), ou seja, os so-
mente humana e possivelmente da men- nhos teriam uma função prospectiva assim como
te dos mamíferos em geral, com desen- na teoria de Jung:
volvimento e aprendizagem inicialmente
direcionado debaixo para cima, e com A função prospectiva é uma antecipação,
regulações e reflexões de cima para bai- surgida no inconsciente, de futuras ativi-
xo se tornando parte do aparato cere- dades conscientes, uma espécie de exer-
bral-mental maduro e saudável (ou, em cício preparatório ou um esboço prelimi-
casos extremos, patológico). O desafio nar, um plano traçado antecipadamente.

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Seu conteúdo simbólico constitui, por ve- animais, por ser acessível somente por descri-
zes, o esboço de solução de um conflito... ções feitas através da linguagem (p. 428). Ima-
(JUNG, 2013b, p. 493). gem do instinto é uma das formas pela qual Jung
descreveu os arquétipos (JUNG, 2013c, p. 398),
As técnicas terapêuticas propostas pelas que seriam relacionados a padrões de compor-
neurociências afetivas estão mais relacionadas tamento e funcionamento psíquico especifica-
com a estimulação dos sistemas emocionais mente humanos, ou seja, inacessível pela pes-
positivos no setting terapêutico para contraba- quisa com animais.
lancear os afetos negativos que surgem ao reme- Assim como Darwin propôs que a presença
morar certas experiências desagradáveis. Esse de um mesmo comportamento em indivíduos
processo foi chamado de reconsolidação da me- de uma mesma espécie em diferentes regiões é
mória (PANKSEPP; BIVEN, 2012, p. 464). indício de influência hereditária (DAVIS; PANK-
Por fim, Panksepp e Jung acreditavam que a SEPP, 2018, p. 38), a presença repetida de di-
personalidade do terapeuta era, no fim das con- versos temas na fantasia humana ao redor do
tas, um recurso terapêutico decisivo no desen- globo também deve ser considerada indício de
volvimento do tratamento: um padrão instintivo. Por mais que, diferente-
Panksepp e Biven (2012): “Nós sabemos que mente dos sistemas emocionais, as estruturas
as características de personalidade dos terapeu- cerebrais específicas que produzem os padrões
tas, especialmente suas capacidades de alinha- arquetípicos não tenham sido identificadas até
mento afetivo, são tipicamente mais importan- o presente momento, algumas pesquisas com
tes do que os procedimentos que eles usam” psilocibina mostram que certos padrões de fun-
(p. 455) tradução autores. cionamento cerebral se relacionam consistente-
Jung (2013h): mente com experiências descritas como místicas
(TIMMERMANN et al., 2018), que incluem muitos
No diálogo entre médico e paciente, a dos temas que Jung considerou como arquetípi-
questão de saber se o médico possui o cos, fato este que será mencionado aqui apenas
mesmo insight dos seus próprios proces- de passagem, mas que será abordado mais de-
sos psíquicos que ele espera do paciente talhadamente em outro trabalho do autor.
é evidentemente muito importante. E isso,
sobretudo por causa do chamado rapport,
isto é, da relação de confiança da qual de- Considerações finais
pende, em última análise, o êxito terapêu- Jung foi um dos teóricos que trouxe a pers-
tico, pois, em muitos casos, o paciente só pectiva evolutiva para o estudo do psicológico
pode obter sua própria segurança interior do ser humano, considerando este funciona-
através da segurança de sua relação com mento psíquico como condicionado pelas estru-
a pessoa humana do médico (p. 239). turas cerebrais dos centros do sistema nervoso,
enquanto a maioria dos teóricos se concentrava
Mesmo assim, as limitações das neurociên- em como os aspectos ambientais e a história
cias afetivas, que se baseiam principalmente em pessoal formavam os conflitos do homem mo-
pesquisas com animais, tornam difícil o estudo derno. Ele percebeu que, na realidade, ignorar
de alguns aspectos especificamente humanos a história do espírito humano e acreditar que
do comportamento. Panksepp e Biven (2012) todos os pontos decisivos do desenvolvimento
admitiram, por exemplo, que cada instinto deve se constroem na experiência pessoal levava a
ser acompanhado de imagens relacionadas, po- ineficiência de diversos processos terapêuticos.
rém esse aspecto é inacessível na pesquisa com Assim, quando tratando seus pacientes, Jung

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sempre buscava levar em conta o lado instintivo considerados aprendidos por décadas pelos
da psique e o tipo de personalidade, ajudando behavoristas, na verdade, são instintivos. As
o paciente a encontrar uma forma melhor de se emoções são o exemplo mais proeminente, mas
posicionar diante destes, através de mudanças outras tendências instintivas, como o instinto
de atitude. materno, diferenças de personalidade e algumas
Hoje, com o advento das neurociências afe- diferenças de tendências de comportamento en-
tivas, a ideia de que as intervenções efetivas tre homens e mulheres também fazem parte da
devem levar as necessidades instintivas do ser lista. Assim, o ponto de vista evolutivo volta ao
humano e seus traços de personalidade particu- estudo do comportamento humano em meio à fe-
lares, em vez de somente trabalhar em mudan- bre do construcionismo social pós-modernista. ■
ças cognitivas e ambientais, tem uma base de
evidências cada vez mais substancial. Panksepp Recebido em: 26/06/2021 Revisão em: 01/11/2021
demonstrou que muitos dos comportamentos

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Abstract
Instincts in affective neuroscience and analytical psychology
The objective of this article is to establish con- also defended against the primacy of the sexual
nections between the analytical psychology of instinct in Sigmund Freud’s theory. Furthermore,
Carl Gustav Jung and the affective neuroscience affective neuroscience and analytical psychology
of Jaak Panksepp. For this, the researcher made propose psychotherapeutic interventions that in-
a comparison between the basic instinctive sys- volve the instinctual aspects of personality, con-
tems proposed by both theories. One of the main sidering purely cognitive changes as insufficient.
characteristics of Jung’s thinking that sets it apart Thus, regardless of their materialist assumptions,
from other psychodynamic schools of thought is Panksepp’s researches have points in common
his emphasis on predispositions inherited from with Jung’s theory, outlining similar instinctual sys-
the psyche. Likewise, affective neuroscience focus tems that demonstrate the importance of the histo-
mainly on the instinctual and inherited basis of hu- ry of species for the psychic constitution of human
man behavior, related to primary emotions rooted beings, countering the growing wave of social con-
in subcortical structures. By studying these struc- structionism, which had its emergence driven by
tures, Panksepp showed the influence of diverse the behaviorist movements of the 50s, and which
instincts on human personality, a point that Jung still permeates the popular imagination today. ■

Keywords: affective neuroscience, analytical psychotherapy, Jung, Carl Gustav, 1875-1961, instinctive
behaviour, emotions

Resumen
Los instintos en las neurociencias afectivas y en la psicología analítica
Este artículo tiene como objetivo establecer de la personalidad humana, un punto que Jung
relaciones entre la psicología analítica de Carl también defendió contra la primacía del instinto
Gustav Jung y las neurociencias afectivas de Jaak sexual en la teoría de Sigmund Freud. Además,
Panksepp. Para ello, se realizó una comparación las neurociencias afectivas y la psicología analí-
entre los sistemas instintivos básicos propuestos tica proponen intervenciones psicoterapéuticas
por ambas teorías. Una de las principales caracte- que tengan en cuenta los aspectos instintivos de
rísticas del pensamiento de Jung, que lo diferencia la personalidad, considerando insuficientes los
de otras teorías psicodinámicas, es su énfasis en cambios puramente cognitivos. Así, a pesar de sus
la base instintiva de la psique, formada por pre- supuestos materialistas, las investigaciones de
disposiciones heredadas. Asimismo, las neuro- Panksepp tienen puntos en común con aspectos de
ciencias afectivas se centran principalmente en la la teoría de Jung, con sistemas instintivos simila-
base instintiva y heredada de determinadas con- res, demostrando la importancia de la historia de
ductas humanas, relacionadas con las emociones las especies para la constitución psíquica del ser
primarias, enraizadas principalmente en estruc- humano, contrarrestando la creciente ola de cons-
turas subcorticales. A través del estudio de estas truccionismo social, que tuvo su auge impulsado
estructuras, Panksepp demostró que hay varios por los movimientos behavioristas de los años 50,
sistemas instintivos involucrados en la formación y que aún hoy permean el imaginario popular. ■

Palabras clave: neurociências, psicoterapia analítica, Jung, Carl Gustav, 1875-1961, comportamiento instin-
tivo, emociones

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