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PSICOTERAPIAS
Como cada Abordagem Psicoterapêutica
Compreende os Transtornos Psiquiátricos
Organizadora
Roberta Payá
Coordenadores
Ana Lúcia Faria
Celina Giacomelli
Guilherme Messas
Liliana Liviano Wahba
Marcia Almeida Batista
Neliana Buzi Figlie
Raphael Cangeli Filho
ROCA
ser atrelados a tais quadros. Uma análise simbólica arquetípica simbólica. Particularmente notório é
érealizada e a intervenção terapêutica vislumbra- o alerta para o reconhecimernto de um desen-
da mediante a metáfora da fome existencial. volvimento de "identidades diferentes", de um
Denise Gimenez Ramos trata da complicada padrão arquetipico distinto do desenvolvimento
nosologia dos transtornos somatoformes em uma normal, para o qual o terapeuta precisa empre-
perspectiva psicossomática junguiana e sua gar sua capacidade de reconhecer o diferente.
polêmica distinção até os dias atuais. Apesar Poderá assim ajudá-lo a conviver com a família
dessa di culdade, a autora aponta a compreen- ea sociedade, sem o desejo ilusório epernicioso
são psicodinamica simbólica para lidar com de trazê-lo à "normalidade".
sintomas que, na maioria dos casos, cauSam Em suma, os capítulos oferecem uma leitura
graves limitações psicológicas e funcionais. O enriquecedora e um diálogo cientí co em termos
conceito de transdução é empregado para do paradigma inovador criado pelo fundador
Compreender tais sintomas e sua remissão ou da psicologia analítica, acrescido de descober-
atenuaÇão mediante a inserção simbólica de tas posteriores e da prática clínica dos autores
uma "psique do corpo". a seguir apresentados.
Nairo de Souza Vargas debruça-se sobre as re-
lações conjugais e familiares, sua vertente criativa
REFERÊNCIAS
e os transtornos decoentes da relação paralisada,
extenuada. A partir da estrutura e dinâmica da JUNG, C. G. Fying saucers: a modern myth. In: Civilization in
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mento íntimo que, além de externo, re ete um
JUNG, C. G. Two Essays on Analytical Psychology, CW 7.
relacionamento interior. C processo terapêutico Princeton: Princeton University Press, 19%6.
empregaa teoria dos vinculos e a andise sinbólica
KNOX, J. Who owns the unconsciouss? Or why psychoanalysts
e dos ciclos arquetípicos para enfrentar um desa o
need to "own" Jung? In:CASEMENT, A. (Ed). Who Owns
do conviver nesta época da pó-modernidade
Jung? London: Karnac Books, 2007. p. 315-338.
quando padrões estabelecidos foram rompidos e
Os novos ainda estão em formação. SAMUELS, A. New developments in the post-jungian eld.
Ceres Alves de Araujo discore sobre o autis- Junguiana., n. 26. p. 19-30, 2008.
mo enquanto distúrbio do desenvolvimento, o STERN,D. The PresentMoment in Psychotherapy and Everyday
conceito geral desse transtorno e a perspectiva Life. New York: W. W. Norton, 2004.
Em outras palavras, a depressão é arquetipica estresse da vida cotidiana. É esse fenótipo que
como estratégia emocional moduladora do desen- produz. posteriormente, mudanças biológicas
volvimento das estratégias evolutivas necessárias na ativação do eixo adrenal e do sistema ner-
à adaptação. Além de serunma estratégia adap- voso autônomo, assim como as mudanças de
tativa, é também uma estratégia individuante. comportamento e do signi cado pessoal que
especi camentehumana e que,portanto,tem, são características da depressão.
deser compreendida na dinômica do processo de A descentralização do eixo neuroimunoen-
individuação, descrito por Jung como o processo dócrino observada na depressão emerge, em
que geraum 'indivíduo" psicológico, ouseja,uma parte, como resultado de um apego desadap-
unidade, uma totalidade independente, indivisí- tativo (ansioso, evitativo ou desorganizado) que
vel (Jung, 2002, par. 490). Em outras palavras, a acameta biologicamente um aumento da secreção
individuação consiste na realização mais com- de glicocorticoides com repercussões sistênicas,
pleta possível do programa arquetípico de ser um que produzem especialmente degeneração
Só, uma unidade, uma totalidade, Contanto que cognitiva por alterações e interrupçāo do cres-
issoseja compatível com a responsabilidade ética. cimento e do tro smo neuronal. Esses fatores
A depressão como estratégia adaptativa par- modelam também os aspectos psicodinâmicos
ticipa da modulação homeostática do programa e cognitivos dos diferentes traços de personali-
arquetípico que se desenvolve na inter-relação dade. Aqui in uem, de maneira determinante,
genoma-ambiente, da qual também participa a por um lado, as caracteristicas e a duraçāo do
polaridade resiliêncig-vulnerabilidade. A experiên- estimulo, e por outro, as estratégias de enfrenta-
cianosmostra que há quem tenhamaiorresiliência, mento dos sistenas biológicos e psicológicos de
entendida como a capacidade de superar a que dispõe o indivíduo ameaçado.
adversidade de determinadas situações e sair A depressão como estratégia individuante
fortalecido delas. Outras pessoas apresentam caracteriza-se por contribuir para a modulação
maior fragilidade, maior vuinerabilidade. Esta últi- homeostática do programa arquetípico em de-
ma não vem predeterminada no genoma, mas senvolvimento. participando da interação entre
resulta da participação de aspectos logenéticos o consciente e o inconsciente, entre o individual
e da história ontogenética do indivíduo. isto é. das eo coletivo, entre o ego e o Self". Em outras
contingênciasambientais que con guram sua palavras,participa da modulação nosprocessos
biogra a e dosfatoresepigenéticos que acompa- deelaboraçãosimbólicanecessóriosaoproces-
nham seu neurodesenvolvimento. so de individuação.
Seguindo essalinha de pensamento, Kandel Adepressãopode serconsiderada
,
(2005) propôs o desenvolvimento de uma nova arquetipicamente um processo afetivo, tão
neuropatologia das doenças mentais, com base antigo quanto a própria vida. O transtorno
no conhecimento da maneira como determinadas |depressivo é um processo dentro de outro
moléculas, em regiões especí cas do cérebro, processo, um processo psicopatológico no
tornam as pessoas vulneráveis a certos tipos de
doença mental.
"contexto do processo de individuação. Um
processo queregquera elaboração simbólica.
bangounas
n
Na emergência dos programas arquetípicos, Como estratégia individUante, para gerar a
podemos encontrar uma vulnerabilidade genética
que, diante de eventos adversos precoces (trau-
mas, abUSo infantil, estresse cotidiano, eventos
transformação do sentidoexistencial que toda
depressão reclama.Isso requer que se possa
fransitarpela experiência da morte simbólica dos
punucr
t.
aversivos), con gurará um fenótipo vulnerável. Ese aspectosnegativos do ego e seu posterior
fenó po caracteriza-se pela hiperatividade do eixo renascimento, a partir de seu retorno da mel
adrenal, do sisternanoradrenérgico e da liberaçāo centroversãopara oSelf possibilitandoassim a
sinhola
de hormônio liberador de corticotropina pelo hipo- reemergência doErosprofundo e, com ele, a
falamo, bem comopor alterações na neurogênese transformaçãodapersonalidadee da vida.donaspmeg
e na neurotoxicidade no hipocampo. No estadoatual daneurociência,um dos(à
Esse modelo das estruturas nervosas, produ- horizontes depesquisa que permanece inatingí-
zidas pelas experiências vitais, nos mostra como
as experiências do mundo externo modi cam 978-85-7241-915
moléculas e circuitos biológicos determinados De acordo com Jung. o termo Self (Si mesmo) pode ser entendido como
gene camente e nos quais o fenótipo resultante Totalidade. e como Arquétipo Central enquanto principio ordenador e regu-
lador de todo o processo da psique em dreção à totalidade. Em relação à
Con guradistintos modos de processare respon- denominação EixoEgo-Self de Neumann (1970). a expressõo Sell corespon-
der às frustrações, dependências e ao próprio de a Arquétipo Central.
de estresse crônico, gerado por faltas oU por totalidade do ser na qual, sistemicamente, estão
excessos,em relação às polaridadesfrustração- implicados processos biológicos. psicológicos e
grati cação, apegos-desapegos oU depen- existenciais.A partir da psicopatologia sinbólica-
dências-independências, e que a pessoa não -arquetípica, essa descentralização pode ser
pôdeconfrontarou elaborarsimbolicamenteno analisada como uma alteração que se expressa
transcoer desuaindividuação. na dinâmica dos sistemas que Byington (2003)
Na dinânmica das inter-relações genoma-am- chama de matriarcal, patriarcal, de alteridade
biente, vulnerabilidade-resiliência, o paciente não e de totalidade. Descreveremos, de forma sin-
encontrao caminhopara elaborarossímbolosdo tética, a dinâmica depressiva prevalente em
Self ou Si mesmo (Jung. 2007. par. 274). os quais cada um desses sistemas, com o propósito de
cam aprisionados nas estruturas defensivas da nos aproximarmos de uma compreensão psico-
sombra, impedindo uma adequada estrutura- patológica da organização depressiva.
Çūo da relação eu-outro e eu-si mesmo. Essa
descentralizaçãodoSerpode ser compreendida Depressāo na dinâmica matriarcal
psicodinamicamente como um movimento dual,
o ego que se des-centra do Self, e o Self gerando QUandoo sistema arquetípico comprometido
um movimento de transformação a partir da pró- pela patologia depressivase con gura de acordo
pria enfermidade, para nos abrir as portas a uma com o padrão de organização matiarcal, damos
realidade que permanece fechadapara a saúde. ao transtorno a denominação psicopatológica:
Nossos complexos não são somente feridas que depressão matriarcal. Sua alteração estrutural
causam dor e vozes que naram nossOsmitos, mas neuropsicoexistencialexpressa uma disfunção na
também olhos que veem o que as partes sās e dinâmica dosistemaarquetípico que gira em
normais não podem vislumbrar: os novos caminhos torno do padrãOmatriarcal de apego, em res-
de reintegração do uxo axial ego-Self e as possi- posta àsnecessidadesprecoces e básicas de
fbilidades de elaborar criativamente a depressão cuidado,contenção.proteçãoesegurança.
l como um chamado à transformação do Ser. Psicopatologicamente, a organização defen-
Siva no sistema matriarcal se expressa, disfuncional
A elaboração criativa ou defensiVa dessas
e simbolicamente, em nível de corporalidade,
alterações, de acordo com Byington (2008).
sensualidade, afetividade, assim como no mundo
determina a modalidade como o processo de
imagético e do desejo. Esse sistema arquetípico
doença é vivido pelo paciente. A modalidade
matriarcal corelaciona-se à atividade do hemis-
defensiva implica estreitamento da consciência
fério cerebral direito, do sistema límbico e do
em torno do queé velho e estabelecido. A mo- sistena neuroimunoendócrino. De acordo com
dalidade criativa supõe, pelo contrário, uma MacLean (1970). podemos relacionáHo à mente
ampliação de consciência que possibilite a paleomamífera que emerge das estruturas subcor-
construçãode uma nova atitude eestilode vidg. ticais que compõem o sistema límbico* e a
para os quais é necessária a elaboração simbó- hipó se, onde estão presentes emoções como
lica doprópriosofrimento.Issopossibilitaque os apego, raiva, ódio e amor com seussistemas com-
transtornosdepressivos evoluam em direção a portamentaisassociados, de união e pareamento.
Umanovacompreensãona qual o própiodesejo Bowlby (1977a: 1977b) introduz a ideia de
damorte sicapodeser elaborado simbolicamen- apego na psiquiatria evolutiva para conceituar
te como uma experiência de morte-renascimento a tendência dos seres humanos a estabelecer
nosentidodaindividuação. fortes laços emocionais com outras pessoas. O
Portanto, saúde e doença podem ser vistas, apego provém danecessidadede proteção,
Como propôs Ramos (1994), como representa- segurança e contenção.desenvolve-se preco-
ções sinbÓlicas da relação ego-Self - a saúde cemente.dirige-seapessoas especíicas e tende
como harmonia e a doença como ruptura, fra- aperduraraolongo dociclo vital.A conduta de
Casso ou carência, que reclama atendimento apego tem um valor de sobrevivência, proteção
para restabelecer a homeostasia não só no sen- e segurança, está presente nos lhos de quase
tido biológico, mas em todas as dimensões do ser. todas as espécies de mamíiferose, quando a -
gura de apegodesapareceousevê ameaçadg.
DEPRESSĀO E SISTEMAS ARQUETÍPICOS arespostgé deintensaansiedade e de forte
reaçãoemociongl.
Emnossa perspectiva analítica, a depressāo éa
coniguração de um modo de estar no mundo Sistemalimbico: hipotálamo, tálamo. hipocampo, amigdala. corpo caloso e
que emerge como uma descentralização da septo.
matiarcal con gurado em torno de apego, sensua- toda polaridade.Portanto, adepressãona alte-
lidade,a liação e cuidado, e a outra caracteizada ridade é vivenciada como uma disfunção na
pelodinamisno patriarcal organizado em tono de Conectividade da vida, no vínculo amoroso, na
domínio, posição, status e ordem, respondem pre- Conexão com o corpo, na relação comaecologia
cisamente a dois dinamismos que, inicialnmente e profunda, emsintese, como uma descentralizaçã0,
evolutivamente, são excludentes. É necessáńo um Como um enfraquecimento na conectividade
"novopasso no processo de piquização, o desen- do viver.
volvimento de uma consciência relacional que Viver é conhecer, e conheceré relação. A
possibilitea dialética das polaridades, isto é, a emer- capacidade transformadoradessedinamismo de
gênciadaquilo que Byington (2008) descreve como alteridade resultadesse relacionar ou coniunctionar
OArquétipode Alteridade, em que, dinamicamente. as polaridades por meio da força vinculadora de
essas polanidades se relacionanm, se complementam Eros possitbilitando, como descreve Byington
e se integram. (2003), a criatividade profunda na arte, na ciên-
Portanto, quando o sistema arquetípico com- cia, na sociopolitica, na religiosidade e no amor.
prometido napatologia depressiva é con gurado Osdistúrbiosdesse dinamismo estão em torno do
peloArquétipo de Alteridade", chamamos o trans- encontroCom oOUtroeconsigomesmo,e podem
tomopsicopatológico de depressõo emalteridade. apresentar-sesob a forma do desencontro, do
Sua alteração estrutural neuropsicoexistencial ex- pseudoencontro, da falsidade e do engano, assim
pressauma disfunção ou alteração na dinâmica Como ng falta de criatividade relacional e inca-
dosistemaarquetipico em torno do padrão de pacidoade de dar-se a si mesmno e ao Outro em
alteridade, entendido como coniunctio, como SUasmais diversas modalidades.
padraovinculanteoU relacional daspolaridades, QUando uma relação perde sua força vital e
quesereÚnemem resposta àsnecessidades de não geranenhumatransformação,encontramo-
estabelecerrelaçõessimétricas entre o ego e Q nos diante de uma disfunção na criatividade,
alter ego, oU seja, encontros autênticos, íntimos e relacional., que se expressa por vivências de de
profundoSCom o Outro, tanto em nível intrapessoal Sânimo,desinteresse,desmotivação e sensação
ego-Anima/Animus) como interpessoal(Eu-Você). de que arelaçãoestámortaeque moreupor
Essa modalidade depressiva con gura-se falta deEros.A alteração da própria relação ou
psicopatologicamente em uma organização seu saciiciopodemsernecessáriospara ores-
(detensivddosistemade alteridade, que seex- gate dosentido de vida, uma vez que não há
pressasimbolicamente em nível de encontro, de perda maior, escreve Vargas(2000), que a de uma
relações com o outro, com o mundo e consigo vida não vivida.
mesmo.Essesistema arquetípico de alteridade
correlaciona-se com a atividade coordenada
dos hemisférios direito e esquerdo através do Depressão na dinâmica de totlidade
corpo caloSo, em sua função vinculadora, inter- Quando o sistema arquetipico comprometido
mediadorae conectiva entre ambos os hemisféios. pela patologia depressivacon gura-se de acordo
Essafunçāo relacional coresponde ao que Ma- com o Arquétipo de Totalidade, damos ao trans-
clean(1970) denomina mente neopalium, que torno psicopatológico a denominação depressão
emergeda conectividade cortical entre ambos existencial ou depressāo no dinamismo de totalida-
oshemisférios e da conectividade cortical-sub- de. Sua alteração estruturalexpressa uma disfunção
cortical. Também reconhecemos essa função dosistemaemtorno do padrão detotalidade,em
relacional na conectividade entre os sistemas resposta àsnecessidadesde sentidovital,existencial
psiconeuroimunoendócrino e os sistemas asso-
ecósmico,
necessidadesdetranscendênciae
ciativos corespondentes, em diferentes níveis do Completude, de encontro como Simesmo(Jung.
sistema nervoso central.
2007. pa. 274).
Essecdinamismo promove o diálogo e a confron- Psicopatologicamente, a organizaçãolde-
tação das polaridades em direção ao reencontro fensivaIno sistema de totalidade expressa-se
dessa unidade subjacente à emergência de disfuncional e simbolicamente no construir-des-
978-85-7241-915-4 cobrirosentidoexistencial,na contemplação
da tramatranscendenteemisteriosada vida
O Arquėlipo de Altenidade é a principal contribuição da Psicologia Simbólica
Junguiana desenvolvida por Carlos Byington (2008, p. 219). Implica o desen-
comoum todo,assimcomo nosentira conecti-
volvimento da posiçāo dialélica ego-Outro e Outro-Outro na consciência e vidade das partes comessetodo.
represento o que há de mais complexo e profundo na elaboração simbólica,
dondo a todas os polaridodes direitos iguais de expressão em um espectro
Na psicodinâmica desse sistema,aalteração
que voi desde a oposição radical dos polos até a igualdade destes. noexercíciododesapego,acontemplaçõoe
Depressāo como morte simbólica: deprimido deve viajar por um processo de pesar,
egocídio pesor pela perda da imagem e identidade do
eu (Rosen, 1993).
A partir da psicologia anaitica. queremosconsi- Nasegundaetapd opaciente sesentege-
derar. de forma breve, esta segunda alternativa caimente "moto" eextremamentedependente.
como um caminho efcaz para o tratamento dos Torna-se ansioso, confunso, abatido e retraido.
pacientes deprimidos e. muitas vezes, com risco Tem uma importante dependência do pro ssio-
de suiciio. Podemos descrever esse enfoque. nal, do tratamento ou de algum famiiar, osquais
segundo Rosen (1993). como morte do eu e funcionam como se fossem uma grande mãe
transfomação. nutriz Oego começa areconstituir-se,reintegrar-se
A pessoa deprimida não ten por quemomer efotolecerse, à medidaquefazumaregressão
completamente: $ó uma parte dapsique do a serviço do self, oU seja, uma volta a um nível
indivíduo deve morer: oaspectonegotivodo mais profundo de contato com o seu centro: o
eu quesentefaita davidapassodo.Opaciente simesmo. No naldessa segunda etapa, o pacien-
deve renunciar, sacrí cor oUtransfomaressa te çomeçaateraesperonçadeumamudança
parte destrutiva da psiquecorespondenteao signi cativa ern sua vida e, enm consequência, a
sey velho eu. Aimnagemdo eudorminantee a depressão diminui.
identidade negativa devem morrer para possi- Em urna jerceia etapaļproduZ-5e asepara-
blitor o transfornação psiquica. A ident dade Çãosimtbóicado paciente dessarelaçãode
consciente do eu more. Os pacentes,simbol- dependência ciada com o terapeuta, com a
camente. sacri cam ou motom ospróprias farria oUComo póprio tratamentomultidiscipl-
perspectivas que nham desimesmoSedavido nar. É uma experiência de mote-renascinmento,
Não obstante. seu simesrno nãoé destrýdo.
na qualsetrabalhaparapôr rnàdependência,
Dessamaneira, o pociente podedesenvolver medianteamortesimbóicadoego-dependente.
uma novoidentidgdedo e permitindoqueo Aodição àvidaanteriorse tonoU umaadiçãoà
seu simesmo o conduzaa umnovosentidoeris ineaidade, própria do deprimido, e deixa pouco
tencial. A pessogtransita por umgsérie de espaço para uma vída nova e um sentido dife-
eTopas, que passamos a descrever de acordo rente desta.
com Rosen(1993). em que ela expeimenta uma Qualquer que seja a cousa a ímpelir uma
morte sirnbólica, morte do eu ou egocídio, mas pessoa a buscar o morte, existe sempre uma
não amortedoser. alfternativa melhor que o suicidio. Conternplar a
AAPAmostraresstêncioootratomerntoe
Na primera etapa.ļo pociente quasesempre
àtronsformoção
morte do eué um ato de transformação criativo:
humihante, nas curativa. Ern conclusão. podernos
que isso impica, eexpressamuitanegotividade observar que existe urna ampla díferença entre a
e raiva.É um comportamento que põe à prova mortedo eu-egocido-eamorte sica-suicidio.
So terapeuta em sua copocidade de oceit64o e De qualquer forma, essas experiências sõo
¿construir urn víincuo de con ança consgo mes- sernelhantes ern um aspecto crucial: ao longo
imo. que por sua vez possibte umaconstrutiva do carminho é precisootravessar, tanto no su-
regressãO a serviço do ego.O regesso aum ego cidio como no egocidio, uma mesmaangústia
positivo. no qual sejam enfatizadas todas as e urna mesrna e intensa dor. Dizer queo egocí
vantagerns, capocidades e talentos do pocien- dio é urmsuicídio sirrbólico nõo o torna un ato
te, para gerarossimum uggrseguIOno qual menos desa ante e violento (Rosen, 1993). A
possarn se identi car, confrontar, cornpreender chave para compreender essa transformação
e elaborar os medos, termores e aspectos nega- reside ern se poder apreciar a função estrutu-
vos deseuestardeprimido. radora do sofrirnento hurnano como sirnbolo de
Alcançadoesseprimeroobjefvo, é guaF transformação.
mente importante considerar asintrojeções Uma das chaves de todo o tratamento dos
negotivas do ego paraconfrontálascomas transtornos depressivos, sob essa perspectiva
partes negodos do ego (transtorno nenta. per- psicológica e existencíal, é que a vída do
das.dependências)e poder reazat a mote paciernte deprimrido irnpica um sofrimento que
simbóica:oegocidio. Durante a parte nal des- querernos cornpreender sinbolicamente a
sa primeta etapa. o paciente term uma vivência partir de sua própria história. Nenhum homem
muito intersae. airda que a mote doeubseiese pode viver e superar seu próprio sofrirmento se.
em dear moer somente uma parte do eu, o de algurn rmodo, não conseguir dar um sentido
pociente sente-se morto. Por isso, o paciente go que padece (Saiz, 1998). Nessa atribuição
de sentido realiza-se a função sacri cial da velho e onovo, entre opuer e osenex*, entreoego
Dsique: elaborar o sofrimento como sacrifício eo Self(Saiz,2002).Nasce simbolicamente um
comoexperiência de morte-renascimento - a novo lho: Cronos, "o semeador". Nasce um novo
experiênciada morte de uma vida que temos ego, um alter ego. A temporalidade é restabele-
deabandonar,que perdemos, e o renascimento cida (Sai, 1986). A criatividade da vida volta a
deuma nova forma de existência, de um nọvo uir novamente sob a forma de Eros.
sentido ético-transcendente da vida e da
morte,que vamos elaborando e descobrindo CONSIDERAÇÖES FINAIS
a partir do sofrimento.
Surgeassim um novo sentido existencial que O artigo "Depresión, Arquetipos y Neurociencia:
digni ca a vida ao integrar, de forma humaniza- construyendo un diálogo entre psicología analiti-
da, a doença e seu tratamento ao processo de ca y neurociencia", publicado por Amézaga y
individuação do paciente, em que o depressivo Saiz(2006), propõe aimportância de pesquisar o
é somente um monmento constitutivo na crise de padrão de organização do depressivo como pa-
transformação da vida. drão arquetípico que tem sua expressão na
Sob a perspectiva mitológica, o mito de
organização de estratégiasevolutivas que servem
para a adaptação OU podem se transformar em
Cronos-Saturnofħosintroduz no caminho arque-
desadaptativas e, nalmente, patológicas. Pos-
tipico da individuação, mostrando-nos quatro teriormente, consideramos a depressāo não
momentos constitutivos na transformação do ser
apenas em sua função adaptativa, mas também
quebusca renascer para uma nova vidaa par- individuante. Nesse sentido, a conferência dó
tir de seu estar deprimido. Professor Carlos Byington (2007), "La Depresión
Trata-sede compreender o processo arquetí- Normal y el Futuro de la Civilización - Un Estudio
pico implicado nesse desenvolvimento mitológico, de la Función EstrUcturante de la Depresión por
o qual começa com o nascimento do lho (Cro- la Psicología Simbólica Junguiana"* nos introduz
nos) a partir da morte do pai (Urano); dito de Q conceito de depressão como umafunção estru-
outra maneira, é a emergência do puer a partir turadora muito importante no desenvolvimento
da morte do senex. Logo, Consolidado em seu da elaboração simbólica, podendo se tornar
poder, o puer se transforma em um pai-senex patológica quando se torna rígida, fbxa, repetitiva
(Cronos-Rei) que resiste a toda possibilidade de e, portanto, não elaborada.
mudança, a todo nascimento do que é novo, Retomando esse conceito de depressão
porque não quer perder o conquistado: porque como funçãoestruturadoranormal.,vemos que
se sente ameaçado, em seu poder constituído, estasetorna ativadiante do sofrimentoe faz com
precisamentepelos lhos de uma.nova geração que o ego, de acordo como dinamismo preva-
(Zeus-Olimpicos). Esses dois estágios iniciais do lente, se des-apegue (dinamismo matriarcal). se
desenvolvimento mostram psicologicamente a des-potencialize(dinamismo patiarcal), se des-
ruptura radical entre as forças conservadoras, una(dinamismode alteridade) ouse des-integre
sOcialmente estabelecidas e as forças de uma no sentido de experimentaro vazio, o nada, a
novaordem heroica, entre onúcleo do velho ego perda da integridade (dinamismo de totalidade)
earenovação proveniente do Self (Stein, 1973).
em relação a otras funções estruturadoras da
O ciclo de morte-renascimento perpetua-se.
elaboraçãosimbólica.Essaretiradada libido das
funções estruturadoras em curso "desanima" a
As di culdades do crescimento e o medo de
personalidade de qualquer outro projeto em
Cronos de aceitar a transformação necessária
ÇUrso.Em outraspalavras, a ativação da função
para seu desenvolvimento, para sUa individua-
estruturadoradadepressãodiminuioentusiaşmo
çãopessoal e.coletiva, constituem a base para einstalaodesânimo,oabatimento,atristeza,o
a queda da ordem estabelecida e para o seu pessimismo, a falta de energia. É um procedi-
próprio desterro, que dará origem a uma nova mento normal, necessário e imprescindível para
geração de deuses Olímpicos. elaborare integrar o sofrimento oriundo dos
Cronos, desterrado na profundidade da ter- símbolos feridos. A função estruturadora do sofri-
ra, em contato com as forças argquetípicas mento, isto é, a dor psíquica, está presente em
Inconscientes, renasce transformado e se torna toda elaboração simbólica (Byington, 2007).
Um soberano sábio e bené co dos homens. O
ego renasce, a depressão conclui seu ciclo e a • Puer (latim): menino: senex (latim): velho.
** Conferência apresentada no V Congresso Venezuelano de Psicoterapio.
esposta criativa expressa a uni cação dospolos realizado pela Asociación Venezolana de Psicoterapia(AVEPSI)em Caracos,
Opostos- ou, pelo menos, o reencontro entre o no dia 15 de junho de 2007.
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publicada em 1899, Kraepelin empregoU o termo principais: três quadros clínicos fundamentados
maníaco-depressivo para se referir tanto aos na sintomatologia fundamental da mania (ma-
quadros de mania simples (ou seja, as formas nia depressiva-ansiosa, mania com inibição do
monopolares da doença) quanto às psicoses pensamentos e depressão excitada/agitada) e
circulares (formas bipolares). Na 8ª ediçāo (1909), três formas baseadas na sintomatologia funda-
ele incluiu também grande parte dos quadros mental da depressão (estupor maníaco, depressão
de melancolia (forma monopolar). De acordo com fuga de ideias e mania inibida) (Kraepelin,
com Goodwin e Jamison (2007), o principal 2002; Marneros, 2001).
insight de Kraepelin - de que todosostranstornos Aimportância desses quadros tem sidobastante
maiores recomentes pertenceriam juntos à rubrica enfatizada, principalmente. porque o que se tem
doença maníaco-depressiva - ainda provê o visto na prática médica são inúmeros quadros de
melhor modelo para a compreensão de dados "depressão agitada" refratáios ao tratamento os
clínicos, farmacológicos e genéticos que se quais, em realidade, foram eroneamente diag-
conhece hoje em dia acerca do transtorno nosticados como "depressão unipolar" e, por
bipolar. conseguinte, inadequadamente medicados com
antidepressivos sem a proteção de um estabilza-
dor do humor. De fato, hoje se sabe que até 50%
Os ESTADOSMISTOS
dos pacientes "deprimidos" - principalmente
Diversos autores (Hagop Akiskal, de San Diego; aqueles que não respondem ou respondem mal
Athanasios Koukopoulos, de Roma; NassirGhaemi, a antidepressivos - pertenceriam, em realidade,
de Atlanta; Frederick Goodwin, da George Wash- ao espectro bipolar (Akiskal et al. 1995).
ington University) têm resgatado a ideia clássica Como evidenciaranm Goodwin e Jamison(2007),
de que, embora a fenomenologia maníaco-de- essas hipóteses têm sido con rmadas por alguns
pressiva se manifeste por meio da recoência dos estudos familiares que demonstram que tanto o
ciclos de sintomas depressivos e/oU maníacos/ transtorno bipolar como algumas formas de
hipomaníacos, existiria uma "conexão natural depressão unipolar altamente recorrente (mais
intrínseca entre mania e depressão" que não se de três episódios, segundo alguns autores) po-
deve perder de vista (Akiskal e Tohen, 2006). deriam representar uma diátese comum que
De acordo com Del Porto (2004), o conceito levaria a características clínicas sermelhantes em
de "estados mistos" pode ser considerado a ambos os quadros, Como menor idade de início,
pedra angular paraaformulação da concepção história familiar de mania, características atipicas
unitária de Kraepelin sobre a doença maníaco- da depressão (hiperfagia, hipersonia, fadiga) e
-depressiva. Ao sistematizarem seu estudo, resposta pro lática ao litio.
Kraepelin e seu discípulo Weigandt basearam-se
na clássica divisāo da atividade psíquica nos DIAGNÓSTICO
domínios do humor, intelecto e psicomotricidade
(volição). Assim, nos estados maníacos ou de- Um problema que tem permeado a questão
pressivos "puros", as três esferas encontrar-se-iam diagnóstica em psiquiatria éo fato de muitos
alteradas na mesma direção. Na mania típica pro ssionais, mesmo os especialistas, basearem-se
Ocorre aceleração do pensamento (até fuga de nos manuais o ciais de classi cação das doenças
ideias), exaltação/elação do humor e agitação mentais (APA, 1995; CID-10, 1993) para diagnos-
psicomotora, enquanto na melancolia ocorre ticar as síndromes (conjunto de sinais e sintomas)
psiquiátricas. Entretanto, essas publicações, que
humor deprimido, inibição do pensamentoe pretendem ser ateóricas, prestam-se mais à
alentecimento psicomotor.
Já nos estados mistos inúmeras combinações pesquisa do que propriamente ao diagnóstico
- que, em psiquiatria, se faz, fundamentalmen-
podem surgir. Trata-se de quadros que tanto te, observando-se todo o qUadro da alteração
podem ser considerados formas de transição (da de comportamento ao longo do tempo. Embo-
mania para a depressão oU vice-versa) ou epi- ra tenhamos evoluído em relação à técnica de
sỐdios de duração prolongada que se iniciam e avaliaçāo de imagens e funcionamento cere-
terminam com a simultaneidade dos dois gru- bral, nenhum método ainda veio substituir a
pamentos de sintomas. Assim, partindo-se da abordagem clíinico-evolutiva, inaugurada porKatl
excitação maníaca, passandopelopolo oposto Kahlbaum (1863) e desenvolvidaelevada acabo
da depressāo para novamente se alcançar um por Kraepelin (apud Jaspers, 1997). Ou seja, não
novo episódio de mania cheia, podemos encon- dispomos, até o momento, de marcadores bioló-
trar, segundo Kraepelin, pelo menos seis formas gicos em psiquiatria.
Uma segunda cri ca que se faz ao uso dos um estado mistodepressivo - uma vez que a agi-
manuais de classi cação para se fazer diagnós- tação motora con rmaria a presença de agitação
ticodizrespeito à linitação dos critérios propostos, psíquica (ou intensa tensão interna). Entretanto, se
que acabam por restringir sua aplicabilidade na não houver agitação motora, para diferenciar
prática clínica. Segundo a quarta edição do "agitação" de "ansiedade", o autor propõe que
Manual Diagnóstico e Estatistico de Transtornos pelo menos três dos seguintes sintomas devam
Mentais(DSM-HV,Diagnostic and Statistical Manual estarpresentes em um episódio depressivo maior:
of Mental Disorders IV), para se caracterizar um curso do pensamento acelerado ou profusāo de
episódio misto, seria necessária a presença de pensamentos; irritabilidade ou sentimento de
um episódio depressivo maior, ou seja, humor raiva não provocada: ausência de sinais de re-
deprimido na maior parte do dia, acompanhado tardo psicomotor logoreia; descrições dramáticas
de perda ou diminuição do interesse oU prazer e de sofrimento ou crises de choro: labilidade
quatrosintomas de uma ista que inclui três alterações emocional e marcada reatiidåde emocional;
naesfera do intelecto (sentimento de inutilidade insônia terminal.
oU cUlpa excessiva; diminuição da capacidade
de pensar ou concentrar-se/indecisão; ideação TEMPERAMENTOS AFETIVOS
ou tentativa de suicídio) e quatro alterações na
esfera da volição/corpo (alterações do peso, Além das variadas formas típicas, de transição
apetite e sono, além de retardo ou agitação psi- e estados mistos que acabamos de abordar,
comotora, fadiga ou diminuição de energia), fażem parte dadiscUssãoatual sobreo espectro
concomitantes a um episódio de mania aguda, bipolar os chamados temperamentos afetivos.
quer dizer, humor expansivo ou iritável e três ou Kraepelinobservou que muitos casos de doença
quatro dos seguintes sintomas: autoestima in ada/ bipolar remitiam, mas não voltavam totalmente
grandiosidade: fuga de ideias; distraimento; di- ao normal, retornando a um temperamento basal
minuição da necessidade de sono; logorreia; já presente em sua históia pré mórbida. A partir
hiperatividade/agitação; comprar/gastar em ex- dessa constatação, ele postulou a existência de
cesso; indiscrininação sexual. Ou seja, um episódio quatro tipos básicos de temperamento ou predis-
cheio de mania e de depressão simultâneos - o posição da personalidade ("Konstitution") dos
que é quase impossivel de se observar na prática. quais emergiria a doença afetiva. Essas formas de
Poressa razāo, diversos autores têm proposto constituição poderiam afetar também alguns
critérios clínicos menos estreitos para discriminar parentesdessespacientes de modo mais atenua-
tanto feições depressivas em um episódio de do, quer dizer, subclínico, conforme vimos na
mania (mania mista ou disfórica) como para familia de Lord Byron.
diagnosticar um episÓdio misto depressivo. Desse Aesses quatro tipos de temperamento Kraepe-
modo, SuUzan McElroy et al. (1992) propuseram lin deu a denominação de estados fundamentais:
critérios para mania mista, de nida como um o depressivo praticamente se sobrepõe ao que
episódio cheio de mania (como vimos anterio- hoje conhecemos como distimia (depressāo
mente) e a presença concomitante, nas 24h, de crônica):o maníaco (hipertimia); o ciclotímico se
pelo mernos três sintomas depressivos (sintomas sobrepõe ao "transtorno ciclotímico" (perturbação
estes que, obviamente, não se superpõem aos crônica e utuante do humor); e, por m, o imitá-
de mania): humor deprimido; marcada diminui- velseria uma combinação de feições depressivas
ção do interesse ou prazer em qUase todas as e hipertimicas.
atividades; ganho de peso substancial ou au- Uma importante implicação clínica dessa
mento do apetite: hipersonia; retardo psicomotor, concepção diz respeito à formulação feita por
fadiga oU perda de energia; sentimentos de Akiskal(1992) de que os estados mistos emergiiam
desvalia oU culpa excessiva ou inapropriada: quando um episódio de humor se interpolasse
desesperança ou desamparo; pensamentos sobre o pano de fundo de um temperamento afe-
recorrentes sobre morte, ideação suicida ou tivo oposto. Desse modo, se um episódio maníaco
planos especí cos de cometer suicídio. se instalar sobre um temperamento depressivo, te-
Já o estado misto depressivo, oU seja, o epi- remos um quadro misto psicótico com feições
sódio depressivo com sintomas hipomaniacOS, incongruentes com o humor, ou seja, euforia
temsido menos estUdado. Athanasios Koukopou- (aceleração do pensamento, grandiosidade e
los (1999) considera que uma depressão com hipersexualidade) acompanhada de imitação,
agitação motora (hiperatividade não dirigida a raiva, agitação psicomotora, insônia grave, crises
Um objetivo) seria su ciente para diagnosticar de choroe ideação suicida,associadosa delíios
traça um paralelo entre os episódios de mania tizaram de uma exacerbação de seus impulsos
e os festivais, como o carnaval, em que as pro- sexuaisem uma espécie de pródromo que ante-
bições do superego sãosUspensase as tendências cedia a iupção de um episódio maníaco e, por
hostis às instituições vigentes represadas são conseguinte, foram capazes de prevenir novas
extravasadas. "Na mania uma vez abandona- crises, aumentando naquela fase a dosagem de
das as inibições", diz o autor, '"todas as atividades litio (que pode ser monitorado por meio de dosa-
São intensi cadas e impulsos agressivos, sensuais gens plasmáticas regulares).
OUde ternura transbordariam para a consciência, Essa alternância entre os estados de in ação
já que, desimpedidos, buscariam toda possibili- de um ego grandioso (mania) ou que se sentel
dade de descarga, como se um dique hoUvesse aruinado (depressāo)demonstra empiricamen-
sido rompido" (Fenichel, 1966). te o mecanismo de compensação inconsciente
O modelo é o freudiano clássico: os sintomas descrito por Jung. Como a rma Vitale, na me-
maníacos seriam a resultante de um jogo de lancoliaé como se
forças entre ego, id e superego. O próprio Freud a atividade incessante da fase maníaca... (fosse]
(apud Fenichel, 1966) a rmou que, no estado revertida para dentro, manifestando-se como lu-
maníaco, aparentemente desapareceria a di- cidez exagerada na percepção dos aspectos
ferença entre o ego e o superego, levandoaum negativos da existência (...) Assim, a inatividade
aumento da autoestima (in ação) e a uma di- melancólica [exterior] associa-se a uma hiperati-
minuição do grau de consciência-embriaguez. vidade interior bloqueada em suas possibilidades
Conhecemos o célebre artigo "Luto e Me- de manifestação. Isso provoca umna estagnação
lancolia" (Freud, 1974), em que Freud diferenciou da libido (...) e, ao mesmo tempo, um aumento
a tristeza normal, associada à perda de um ente na tensão endopsíquica. (Vitale et al., 1979)
querido, da melancolia, um distúrbio do Self. À semelhança da psicanálise, Jung, assim
Neste caso, o paciente se identi ca com o ob- como váiosautores,também considera amania
jeto perdido e busca incorporá-lo dentro de seu uma vivência narcísica por excelência, em que
eu. Å pressão psicológica, segue-se uma cliva- não se estabelece nenhuma relação dialética
gem e os ataques e autorreproVações de um nem com o outro, nem consigo mesmo, por meio
Superego sádico, como se o próprio eu fosse o da re exão. Por conseguinte, estão ausentes as
objeto perdido. Dessa forma, poder-se-ia com- indicações claras de um processo de individua-
preender a extrema baixa autoestima presente Ção, cujo prerrequisito se baseia em um rela-
na melancolia, em uma situação na qual o pa- cionamento intenso com um outro. Aqui, diz Jung,
ciente se encontra inteiramente impotente, não há diálogo; apenas um "monólogo confes-
subjugado diante do superego e massacrado sional dirigido a um crculo anônimo de ouvintes"
com a sombra e a hostilidade do objeto perdido (Jung, 1989).
978-85-7241-915-4
dirigida contra seu próprio eu.
Segundo essa perspectiva, na mania o ego PERSPECTIVA EXISTENCIAL
celebra o triunfo da recuperação de sua onipo-
tência narcísica graças ao alívio repentino da Uma terceira abordagem que nos será bastante
pressão exercida pelo superego, emergindo en- útil na compreensão do fenômeno bipolar é a
tão no polo oposto de sua ambivalência-ou seja, perspectiva desenvolvida por Ludwig Binswanger
o extremado amor a si mesmo. Em seguida, ad- que, durante a década de 1920, aplicou à psi-
vêm a culpa e a depressão, após a liberação. quiatria a nova visāo de ser humano formulada
Sob essa óptica,o triunfo narcísico do maníaco pela loso a fenomenológico-existencial, consi-
é ilusório: a mania surge meramente como de- derando que, na compreensão do paciente, é
coência da descarga da energia que antes fundamental se entendero seu mundo e a es-
estava sendo empregadana luta depressiva. Não trutura que condiciona sUa existência. Para
éà toa que o paciente maníaco se queixa da Binswanger, o ser humano, em seu Ser, estrutura
eutimia e nega sua patologia. Kahn (1993) suge- seu próprio mundo em conformidade com cate-
re que a psicanálise pode ser e caz na diminuição gorias existenciais universais, matrizes formadoras
de recorências, assim como na melhora da adap- de signi cado que organizam a expeiência de
fação dos pacientes bipolares durante asintercrises acordo com a intencionalidade e o sentido. Essa
(conforme discutiremos a seguir). Em interessante ideia, com o devido cuidado. poderia ser apro-
trabalho, Loeb e Loeb (1987) descrevemo trata- ximada ao conceito de arquétipo de Jung
mento psicanalítico de sete pacientes bipolares (1974). que, em diversas passagens de sua obra,
em uso de lítio, durante o qual estes se conscien- de niu arquétipo como "princípio", "protótipo"
inconsciente e ativo, "estrutura a priori" que pré- das coisas [e..] dos pensamentos" (Binswanger,
-forma e in uencia nossos pensamentos, senti- 1973). Tal concepção se aproxima da noção de
mentos e ações. defesa maníaca da escola kleiniana.
Binswanger (apud McCurdy, 1987) denomina Do ponto de vista criativo, essa alegria festiva
essas categorias existenciais universais ou matrizes constante que nãopode ser prejudicada represen-
formadoras de signi cado que organizam a ex- tora a '"a rmação natural e despreocupadamente
periência de transzendentale Kategorien. Para otimista com a existência" (Binswanger, 1973).
ele, a mais importante dessas categorias é, a
priori, o tempo como base da experiência, da DIONISO
intencionalidade, e sua função de temporaliza-
ção (estruturação temporal) que condiciona a Praticamente todos os autores revisados neste
historicidade da existência humana, caracteri- capítulo associam esse otimismo despreocupado
zando uma continuidade sempre projetada em com a existência, essa "alegria existencial festiva"
direção ao futuro. Desse modo, Ser é um pro- e a falta de limites do maníaco com Dioniso, por
cesso contínuo de autoatualização, à semelhança sUa associação com os ritos de fertilidade que
do processo de individuação descrito por Jung. originaram o carnaval. O analista junguiano Jole
Em seu artigo "Sobre a Forma Maníaca de Cappiello McCurdy (1987) considera que descrever
Vida", Binswanger (1973) descreve a perda do s aspectos de Dioniso – seus surgimentos e de-
o da estruturação temporal como o distúrbio saparecimentos, peregrinações, oposições e
fundamental na psicose maníaco-depressiva. No contradições - é fornecer uma descrição feno-
deprimido, esse o se enfraquece até a disso- menológica da psicose maníaco-depressiva.
lução; no maníaco, a temporalização se fragmenta De acordo com o professor Junito de Souza
em inúmeros pedaços, obrigando-oa viverum Brandão (1983). as mais antigas e importantes
presente isolado, desconexo, sem evolução, sem festas em homenagem ao deus são asAntestérias
a possibilidade de ordenar o tempo em uma ("festas das ores"), celebradas durante trêsdias,
continuidade biográ ca. Desse modo, o sentido no mês de Antestérion (oitavo mês do calendáio
da historicidade individual é perdido. Existiriam ateniense, corespondente a m de fevereiro e
apenas momentos isolados. O maníaco viveria, início de março). Ainda hoje, em Atenas, esses
assim, um eterno presente, desconectado de rituais costumam ser celebrados a cada ano por
sUa história passada ou de seu futuro, ao passo Ocasiāo da vindima, durante a festa do vinho
que o melancólico tornar-se-ia prisioneiro do novo, na qual os participantes cantame dançam
passado (Binswanger, 2006). freneticamente, embriagando-se até cair.
Não estando mais em contato como sentido O própio ritual de celebração a Dionisocon-
de uma biogra a interna, de identidade e con- tém os aspectos de vida (êxtase, hierogamia,
sistência, o ego se encontra sem direção oU fertilidade, panspermia) e de morte (sacri cio,
intencionalidade. Por essa razão, torna-se difícil sangue, desfalecimento). Deus das polaridades
tentar xar ou agrupar suasexperiências -o que e desorganizador da vida, Dioniso é, portanto,
confere à experiência maníaca suUa caracterís- "um símbolo aptoà natureza paradoxal dosofr-
tica de super cialidade, mutabilidade, simples mento domaníaco-depressivo" (McCurdy, 1987).
excitação e descarga imediata, como demons- fornecendo tanto alegria imensa, excitação.
trou a psicanálise. Por isso, o contato torna-se frenesi. paixão, música, dança, barulho - mania
praticamente impossível. Daísó serpossível, duran- - como sofrimento terível, mote edesmembra-
te a fase aguda, uma intervenção farmacológica mento - depressão.
com estabilizadores do humor (litio oU anticonvul- A experiência extática de umapossessãomais
sivantes) em monoterapia ou em associação a oumenos violenta (manía) encontrava-se sempre.
antipsicóticos atípicos, como concorda a maioria de certa forma, no centro do ritual dionisiíaco.
dos autores. Segundo Mircea Eliade (1978), as orgias (de órgia,
Como princípio de compreensão da desor- "in ação anímica incontrolável'") do culto frené-
dem noplano da existência maníaca,Binswanger tico e extático de Dioniso re etiam o elemento
(1973) aponta uma "alegria existencial festiva", mais original e, provavelmente, o mais arcaico do
um estilo de vida oscilante e brincante. Esseser- deus: um tipo particular de experiência religjiosa
no-mundo otimista e truão re etiria, segundo o oU ato de devoção. O verbo bakkheúein, que
lósofo, uma defesa diante das di culdades e deu origem a "bacantes", signi ca "agitar-se in-
seriedade, tanto dos objetos como dos proble- ternamente, ser tomado de delírio oU de um
mas, "um assustar-se com os contornos e limites transporte divino" (Hillman, 1984).
psicoterapias. Estas englobam desde os proces- interligadas que levariamà recorrência dos epi-
SOs analíticos profundos até as abordagens sódios (Franket al., 1997:2000): eventos estressores,
psicoeducativas - cujos objetivos visam tanto à quebra dos ritmos sociais e não adesão ao tra-
reabilitação de di culdades no relacionamento tamento medicamentoso.
intra e interpessoal, como o manejo das conse- Segundo Miklowitz (1996), diferentes fases da
quências psicossociais da doença, quanto a doença requerem estratégias psicoterápicas dis-
facilitaçāo do aumento da adesão ao tratamen- tintas que, por sua vez, deverão acompanhar o
to medicamentoso. Hoje se sabe que os índices estratagema farmacológico. Um planejamento
de não adesão ao tratamnento medicamentoso terapêutico deve. por conseguinte, considerar a
no transtorno bipolar costumam variar entre 32 condição clínica atual do paciente, quer dizer,
e45% (Rothbaume Astin, 2000), o que aumenta uma avaliação de suas capacidades emocionais
a vulnerabilidade a recorrências. Esses dados e cognitivas para receber determinada interven-
reforçam anecessidade de seeduUcaro pacien- ção, de acordo coma fase da doença. Durante
te em relação ao transtorno e a importância da afase aguda, os focos principais serão a construçāo
medicação em longo prazo. de uma aliança terapêutica, o reasseguramento
Além da falta de conhecimento sobrea medi- eo apoio emocional. Na fase de estabilização, é
cação e osefeitos colaterais, bem como anegação importante contar com a participaçāo ativa do
da doença, Frank et al. (1997) discutem alguns paciente, tanto em relação às dúvidas e questões
fatores psicológicos que podem propiciar não relativas à adaptação ao esquema medicamen-
adesão, como a sombra do estigma trazido pelo toso quanto ao planejamento de tarefas. Por m,
transtorno, o luto pela perda de um sentimento durante a fase de manutenção, a psicoterapia
saudável de identidade, o medo de perder a au- pode se aprofundar e voltar-se paraaexploração
tonomia e a consequente necessidade de doinsight,resolução de problemas ou modi cação
autoa rnmação ea agressão (inconsciente) à fa- dos estilos de comunicação intrafamiliar, depen-
milia.Portanto, uma boa comunicação, dentro de dendo da estratégia proposta.
um enfoque mais abrangente que inclua as di- Com base nesse modelo cronobiológico do
mensões psicológica e social, permitirá queo transtorno bipolar que postula a existência de uma
processo terapêutico promova opapel do próprio vulnerablidade que levaia a anormalidades no
paciente como colaborador ativo no tratamento, ritmo circadiano que, por sUa vez, contribuiriam
explorando as fantasias ligadas à medicação, para o desencadeamento dos episódios, Frank et
facilitando o reforço de seus sentimentos de au- al. (2000) desenvolveram a terapia interpessoal e
tocontrole. Como vimos, Kleespies (1995) traz a do ritmo social(TIPRS).uma psicoterapia individual
transformação sofrida por Hefesto, que se tornou que combina algumas técnicas comportamen-
um ferreiro, um mestre da fornalha e, por conse- tais, como automonitoramento e regularização
guinte, das energias vulcânicas, como uma das rotinas diáias, estabelecimento de objetivos
possivelproposta terapêutica. O paciente bipolar realísticos e planejamento gradual de tarefas.
deve poder desenvolver uma capacidade de Note-se a importância do que vimos em relação
Controlaros próprios inpulsos que, durante a crise. à alteração da função estruturante da tempo-
arrastam o ego no torvelinho da exaltação. ralização como distúrbio básico no transtorno
Vale lembrar que, muitas vezes, o terapeuta bipolar, conforme proposto por Binswanger (1973)
irá se deparar com questões nas esferas social, e também por Goodwin e Jamison (2007), e sua
familiar, conjugal, nanceira e até mesmo judicial, ênfase nesse modelo terapêutico.
em razão dos comportamentos abuSİvOSe/ouU de A hipótese dos autores consiste no fato de
risco presentes na doença. Tais situações obriga- que, ao regular os fatores sociais que modulam
rão o trabalho multidisciplinar a m de que o os ritmos circadianos, aTIPRS possivelmente "al-
paciente possa ser ajudado não apenas a se teraria a circuitaria neuronal envolvida na
adaptara sua nova condição, mas a manejar patogênese da sintomatologia bipolar" (Frank
problemas concretos decorrentes do transtorno. et al., 2000). Desse modo, oS relacionamentos
buscando objetivos de vida realísticos e tangíveis. interpessoais, assim como as demandas sociais
Esses aspectos têm sido bastante estudados e as tarefas do dia a dia, funcionariam como
por autores como Goodwin e Jamison (2007). fatores de proteção (Zeitgebers) para a ma-
que propuseram um "modelo de instabilidade" nutenção do relógio biológico (Ehlers et al.
no transtorno bipolar, postulando que determi- 1988). A perda de um desses reguladores pode-
nados fatores psicossociais, em interação com a ria levar a rupturas nos padrões de ritmo social
vulnerabilidade genética, produziriam três vias e, indiretamente, disparariao gatilho da crise.
Por conseguinte, ajudar o paciente medicado clinical and temperamental predictors in 559 patients.
a modular sua rotina diáia, principalmente no Arch. Gen. Psych., v. 52, n. 2, p. 114-231, 1995.
que dizrespeito aos horários de sono e refeições, AKISKAL, H. S.: TOHEN, M. (eds.). Bipolar Psychopharmaco-
pode funcionar para prevenir novas crises, em therapy: Caing for the Patient. WestSussex: John Wiley
especial os episódios maníacos. & Sons Ltd., 2006.
Para isso se utiliza o Social Rhythm Metric AKISKAL, K. K.; AKISKAL, H. S. The theoretical underpinnings of
(SRM) (Frank et al., 1997: 2000), um inventáio affective temperamernts: implications for evolutionary
autoaplicável com 17 itens no qual o paciente foundations of bipolar disorder and human nature. J.
registra suas atividades diárias, se estas foram Affect Disord. v. 85, n. 1-2, p. 231-239, Mar. 2005.
realizadas individualmente ou em companhia AMERICANPSYCHIATRICASSOCIATION. Manual Diagnóstico
de outras pessoas, a qualidade do contato e o eEstatíisticode Transtornos Mentais (DSM-V). Tradução
humor. A partir do SRM pode-se estabelecer um Dayse Batista. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
mapeamento das conexões entre possiveis pa- ANGST, J.:MARNEROS, A. Bipolarity from ancient to moden
drões de sono, ritmo social e utuações do times: conception, birth and rebirth. J. Affect Disord.
humor. Determinados padrões de atividade e v. 67. n. 1-3, p. 3-19, Dec. 2001.
interação social poderão se tornar tópicos de BALAZS,J.:BENAZZI, F; RIHMER, Z. et al. The close link between
discussão durante o processo terapêutico, SUicide attempts and mixed (bipolar) depression: impli-
visandoaum maior controle sobre a doença por cations for suicide prevention. J. Affect Disord. Ap.
parte do paciente. v.91, n. 2-3. p. 133-138, 2006.
Esse modelo tem sido testado em alguns BALDESSARINI, R. J.: TONDO, L.: DAVIS, P. Decreased risk of
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Uma abordagem complementar que com- tifíicia Universidade Católica, São Paulo, agosto de
1983. p. 10-16.
bine estabilizadores do humor a longo prazo,
Suporte familiar e social que permita intervenção CLASSIFICAÇÃOINTERNACIONAL DE DOENÇAS - DÉCIMA
apropriada durante as crises, modulação dos REVISĀO(CID-10). Clasi cação de TranstornoSMentais
ritmos sociais diários ou um trabalho psicoedu- e de Comportamento - Descrições clínicas ediretrizes
cativo, associados a um trabalho analítico que diagnósticas. Organização Mundial de Saúde. Porto
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exigirá um confronto do ego com imagens ar-
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mente levam à dependência. Os usUários tanto servirão no futuro. Somos. portanto, seres humanos
de álcool quanto de maconha são, em sua falíveis e criamos modelos provisórios que devem
grandemaioria, usUários ocasionais, gerenciando ser constantemente questionados e reformulados:
Oconsumo desses produtos sen consequências caso contrário, estaremos defendendo apenas
danosase sem maiores riscos para sua saúde. O uma crença pessoal. Além disso, não podemos
USOContextualizado de uma substância psicoativa esquecer que cada ser humano é único em sua
con gurauma situação relativamente protegida, busca e em sua trajetória de vida e que seu en-
oferecendo, potencialmente, poucos iscos. contro com a droga também con gura uma
Seriam exemplos disso o USo de álcool em con- situação singular que vai adquirir um signi cado
textode celebração, amplamente difundido no especí co para sua existência. Antes de mais
Ocidente:; o uso de maconha entre grupos de nada, diante do uso de drogas, ocasional ou não,
jovens perfeitamente adaptados; e o USo de cabe investigarjunto àquele usUário qual o signi-
alucinógernos em contexto de ritual religioso cado maior daquela relação que se estabelęceu
(SantoDaime e União do Vegetal, entre outros). entre oindivíduo eo produto, em determinado
Ao longo da História, percebemos nas diver- contexto sociocultural. 978-85-724 1-915-4
sas sociedades e culturas uma tendência à
alternância entre movimentos de caráter mais PSICOLOGIA ANALÍTICA
repressivocom outros de caráter mais tolerante.
Essastendências tendem a car polarizadas em Apredisposiçãoinerente ao indivíduo de procurar
situaçõesde extrema intolerância ou, alternati- estados alterados de consciência aparece em
vamente, de injusti cada liberalidade com diversos mitos, sejam eles os antigos oU OS mais
relação às drogas. Um aspecto que complica próximosda contemporaneidade. O contato com
ainda mais essa questão é que, muitas vezes, os regiões desconhecidas da psique desperta uma
própriospro ssionais de ajuda que trabalham fascinaçãoinquestionável pelo aspecto numinoso
com dependentes também perdem de vista o da experiência. A droga atuaria como facilitado-
cabedal de conhecimento cientí co disponível ra dessa vivência anímica, como mensageira e
epassama agir de acordo com essas tendências, condutora para esse mundo desconhecido, para
o que resulta, por exemplo, em propostas de tudo aquilo que transcende a consciência.
intervenção terapêutica extremamente repressi- Jung descreve essa descida ao inconsciente
vasou em modelos preventivos excessivamente de forma poética quando fala da imersão na água
tolerantes com relação aos possiveis riscos do e datravessianoturna do mar como uma espécie
USo de drogas. Assim sendo, a intervenção re- de descensus ad ínferos (descida aos infernos).
pressivanão é capaz de tratar o dependente e Seriauma descida ao Hades, uma viagem ao país
a prevenção liberalizante não é su ciente para dosespíitos, portanto a um outro mundo que ca
evitar o uSO de indevido de drogas. Ambas as além deste, ou seja, da consciência, sendo assim
situações são ine cazes. uma imersão no inconsciente (Jung, 1971). Diversos
O grande limite com que nos deparamos é relatos míticos, em diferentes culturas, legaram às
discriminar entre tendências ideológicas e co- gerações subsequentes imagens análogas de ri-
nhecimento cienti camente embasado. Cabe tuais de entrada no reino das profundezas como
acada um de nós avaliar, com a maior isenção ritoiniciático, de confronto como desconhecido.
possivel,a serviço de quê assumimos determina- Nessas, o ego rende-se a uma força maior
das posturas. O que nos leva a ser liberais ou insconsciente, signi cando sua morte simbólica,
radicaiscom relaçāo ao uso de drogas? O quan- em que se morre para um tempo para propiciar
Tonossa formação, nossa história de vida, nossas o renascimento para outro dinamismo psíquico,
experiênciaspassadas estão in uenciando nossas sendo a consciência transformada.
atifudescom relação ao usUáriooU dependente Omito é paraser vivenciadoe posteriormen-
dedrogas? Que recursos podemos disponibilizar te formulado. Vive-se um mito por meio de um
para agir com discrenimento e isenção diante ritual, não compreendido como uma comemo-
de um problema dessa esfera? ração ou festa, mas como vivência subjetiva,
Sejaqual for a saída que cada um conseguir que possibilita abolir o tempo profano (linear),
encontrar,não se deve perder alguns fatores de recuperando o tempo sagrado (eterno). Essa li-
VIsta. O conhecimento cientí co é mutáel e bertação do temporal colocaria o homem em
Tansitório.Em medicing e em psicologia, as ver- contato com o novo, daí os diversos rituais iniciá-
dades de hoje serão relativizadas amanhā. Os ticos presentes em diversas culturas serem
paradigmas atuais não necessariamente nos utilizados para a estruturaçāo de novos padrões
Jung entende a individuação como o cami- A droga atuaria então como símbolo, tendo
nho para a realização do Self, um sistema cuia diferentesexpressõesna vida psíquica, dependen-
funçãoprincipal é estruturar a consciência, cons- do basicamente do grau de diferenciação da
tituindoumsistema coordenador central que não consciência e do arquétipo subjacente aele. Antes
fazparte do consciente, mas o inclui e afeta: de compreender essa especi cidade, contudo,
visto queo ego é apenas o centro do meu cam-
faz-se necessáio enfatizar que diferentes padrões
po de consciência, ele não é idêntico à arquetipicos organizam a consciência em diferen-
totalidade da minha psique, é apenas um com- tes fases da vida. Jung não escreveu sobre o
plexo entre outros complexos. Por isso eu desenvolvimento do ego na primeira metade da
discrimino entre o ego e o Self, já que o ego é vida, cabendo a Erich Neumann e. posteriormente.
apenassujeito da minha consciência, enquanto a Carlos Byington postularem que os arquétipos
oSelfé o sujeito da minha totalidade. (Jung, 1991) parentaisestruturam a consciência desde o nasci-
Self, em psicologia analí ca, não é sinônimo mento, por meiodessa ação coordenadora do Self
(Byington, 1983).
de ego, mas o inclui; abrange também, além do
materialpessoal reprimido, o potencial comum a
Observa-seinicialmente um estágio formado
toda a humanidade, o qual foi denominado in-
pela psique da mãe e da criança, como num
consciente coletivo. Este seria uma con guração
todo indiferenciado. Neumann formulou o
energética ativada pelo desenvolvimento bioló- importante conceito de eixo ego-Self, por onde
gico, pela dimensāo interpessoal, pela própria
mecanismos arquetipicos coordenam a expres-
con itivapessoal, constelando seu conteúdo na
São simbólica. Byington amplia essa noção ao
sugerir a existência de quatro dimensões simbóli-
tentativa de organizar a consciência, a qual seria
casestruturantesda consciência, motivadas pela
regidapor padrões arquetipicos que se expressam
interaçõo eu-eu, eu-corpo, eu-outro (social) e
tanto biológica quanto psicologicamente. Os
eu-meio (natureza). De modo gradativo, símbolos
sonhos,os mitos (sonhos de uma época) e as vi-
se apresentam à consciência, regidos primordial-
vências psicóticas seriam explicitações desse
mente pelo arquétipo da Grande Mãe, o que foi
constructo. Seriam sistemas de prontidão que
denominado estágio matriarcal do desenvolvi-
coordenariama atividade psíquica, possibilidades
mento. Carinho, proteção ecuidado sãosímnbolos
herdadas para representar imagens similares,
desse dinamismo, que tem como princípios a
matrizes arcaicas resultantes de impressões resi-
sensualidade (o desejo) e a fertilidade. É uma
duaisde vivências comuns a todos os humanos.
con guração que se ocupa da sobrevivência e
Umavez que, ao atualizar seupotencial, nem se con gura de forma insular, com intervalos de
todo conteÚdo arquetípico cabe na consciên-
inconsciência e amnésia (Byington, 1983).
cia, forma-se progressivamente uma instância
Progressivamente, O ego começa a adquirir
denominada sombra, composta basicamente
uma separação maior do inconsciente, com a
de todo o material que é incompatível com a
socialização e a necessidade de submissão a leis
atifude consciente, o que coesponderia à no-
enormas queregem aorganizaçãoe a orientação
ção de inconsciente pessoal. A sombra seria
coletivas. Regido pelo arquétipo do Pai, o
composta de conteúdos inativos e reprimidos
dinamismo patriarcal tem como princípios a hie-
queJung conceituou como complexos. Dotados
rarquia, a abstração e a causalidade. O ego já
de forte carga energética, atuariam de forma
discrimina as polaridades do símbolo, escolhendo
autônomana consciência, consistindo de núcleos
um desses polos (certo/errado) e reprimindo o
poucoelaborados da experiência pessoal, po- outro ("'o erado").
rèmregidos arquetipicamente. O arquétipo não Os dinamismos matriarcal e patriarcal não
seexpressaria à consciência na sua forma "em
organizam a consciência somente na primeira
SI",mas por meio de imagens típicas OU simbolos,
metade da vida, mas durante todo o seu curso:
OSquais funcionariam como ponte entre o in-
Conscientee a consciência. Como com muita Apesar do ciclo matriarcal, por exemplo, ceder em
propriedadetraduziu Jacobi (1995), o sínbolo é muitos casos sua dominância ao patriarcal já nos
primeiros anos de vida, ele nunca terminará pois o
avisibilidade do arguétipo. Sendo a manifesta-
ego, na medida em que se estrutura matriarcalmen-
Çao da própria energia psíquica, trata-se do
te, passa a participar ativamente na estruturação
novo,do estrangeiro, daquele que chega indis- matriarcal de si próprio". Assim, continuaremos a
Criminadoà consciência e ao ser elaborado, estruturarnossa consciência de forma produtiva ou
ganha sentido: "ele só é único enguanto está destrutiva quando nos posicionarmos mais e mais
enhe de sentido. Mas, após O nascimento do matriarcalmente em função da nossa cultura ou da
Sen do...O símbolo está morto". natureza à nossa volta. (Byington, 1983)
monte Nisa. Nesse monte, o então jovem deus mento, necessário é que se desconstrua o
descobriumadurOS Cachos de uva, de onde es- estereótipo do sofrido, da vitima ou do esperto,
premeuo vinho. Todos em sua corte começaram do que consegue driblar quaisquer riscos ineren-
atomara bebidae dançaram embriagadoS,sob tes ao consumo de substâncias tóxicas, na bUSCa
o comando do deus. Por onde andou, Dioniso do especí co, do singular em cada indivíduo. E,
cultivou o vinho. Uma passagem que merece nessa "vontade de tratar-se", a busca da singu-
reaistroé que ele desceu ao Hades para resgatar laridade do drogado con gura uma prima
Sugmãe, Sêmele. Juntos subiram para o Olimpo, matéria em uma clínica igualmente particular,
onde ela se tornoU imortal. onde a "cura" pode ser compreendida como a
Oscultos a Dioniso na Grécia Antiga eram rea- mudança da relação do indivíduo com o pro-
izados, basicamente, por mulheres em regiðes duto, dasua motivação pessoal para o consumo.
selvagensdas montanhas: "Com vinho ou oUtros Uma dada experiência terapêutica tem difícil
liquidossagrados inebriantes e com danças rítmi- reprodutibilidade, daí a di culdade de se criar
COs acompanhadas pelos sons frenéticos das modelos oU protocolos e cazes que se apliquem
autas de bambu, dos tambores e címbalos, os a todos que procuram ajuda. Metaforizando, a
celebrantes entravam em estado extático, e se função do terapeutaseria, gradativamente, ajudar
sentiamunos com o deus" (Bolen, 2002). A expe- opaciente a procurar'"autoridades competentes",
riência religiosa com esse deus punha em risco refazer sUa foto, recuperar seu passaporte, legiti-
todo um sistema de valores previamente estabe- má-lo no pais estrangeiro em que se encontra e
lecidos, principalmente se atentarmos para os legitimar-seenquanto alguém digno e competen-
aspectos do desmembramento (di culdade de te para movimentar-se livrenmente.
sintetizar,de manter junto, de conservar a coesão Olievenstein (1985) faz referência a esse vai
egoica) ou, traduzindo simbolicamente, a emer- e vem, ao movimento próprio da clínica do to-
gênciadeuma consciência insular,de incoporação xicômano, onde empatizar, "ocupar o lugar da
dodeus (entusiasmo), da embriaguês, do desco- droga", inicialmente, torna-se mais importante
medimento. Vemos que a tradução psicológica que imprimir um ritmo rigido na relação transfe-
desse arquétipo é vida, energia, transformação, rencial. Eé no exercício da paciência atenta e
êxtase,em contraste com o racional, formal com acolhedora, na repetição, na intuição (atributos
olimite. Podemos inferir que o estado de depen- do dinanmismo matriarcal) que, aos poUcos, in-
dênciaseria uma identi cação com esse princípio troduzem-se leis e códigos nessa tarefa de
dionisíaco, uma di culdade de elaboração dos rematrizar o que foi inicialmente rachado. A arte
simbolos, predominantemente matriarcais, mobi- do analista,nessa delicada tarefa de rematriza-
lzados por esse arquétipo. ção, é mobilizar ambas as polaridades dos
Convém retornar ao conceito de símbolo. arquétipos matriarcal e patriarcal na tentativa
como precaução diante de uma interpretação de aquisição de uma consciência de alteridade.
reducionistado mito, para enfatizar que a vivência Alertamos para esse detalhe em outra obra,
dionisíaca, quando estruturante, abre caminho quando descrevemos o risco de substituição da
inquestionávelpara a criatividade e a ampliação da dependência da droga pela dependência do
Consciência. Ao dependente., no entanto, isso tratamento (e do terapeuta). fato observado
parece negado. Em outra obra, descrevemos o principalmente nasinstituições de caráter religioso
dependentecomo alguém que vive umarealida- que utilizam estratégias normatizadoras e repres-
deobjetiva ou subjetiva insuportável, o que o leva sivas na base de sUa abordagem. Desloca-se,
a ter na droga a sua única possibilidade de ser e nesse caso, a dependência. Na verdade, o tra-
existir. Acrescentamos aindoa que um estado de- balho do analista é reencaminhar o paciente
pressivoem qualquer fase da vida pode conduzir em busca de si mesmo e do sentido da sua exis-
a uma atitude drogaditiva que, não elaborada, tência. É Mostrar-lhe que navegar é preciso (e
pode evoluir para um estado de dependência possível), mas que viver também é preciso.
(Siveira, 1995). Nessesentido, penso que algumas estratégias
Estamos diante de uma clínica em que a podem serúteis nessa árdua tarefa. A coterapia
OSposiçãodo paciente para tratar-se é de fun- é, em alguns casos, bastante mobilizadora, uma
damental importância para a formação da vez que cada terapeuta pode desempenhar
aliança terapêutica. Esse aspecto é tambem papéis diferentes na relação transferencial, de-
Importantena abordagem de outros transtornos senvolvendo um campo dialógico enriquecedor
mentais;porém, para que seja possivel empatizar e criativo. O acompanhamento terapêutico
cOma angústia do paciente que prOcUra tratd- pode também ser e caz em muitas situações,
drogas eram empregadas nos rituais de passa- Physiology. Antropology. Sociology. Sex, Crime, Religion
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gem, que marcam etapas de transição da vida:
a criança torna-se homem em um processo ini- JACOBI, I. Complexo, Arquétipo, Simbolo. São Paulo: Cultrix, 1995.
ciático, marcado por morte e renascimento. JUNG, C. G. Ab-reação, Análise dos Sonhos e Transferência.
Zimberg (1984) aponta a importância do rito para Obras Completas, v. 16/2. Petrópolis: Vozes, 1971.
preservar o indivíduo do risco de dependência JUNG, C. G. Tipos Psicológicos. Obras Completas, v. 6.
quando consome drogas psicotrópicas. O rito Petrópolis: Vozes, 1991.
circunscreve o uSO a um contexto determinado
OLIEVENSTEIN,C. O Destino do Toxicômano. São Paulo:
e lhe confere signi cado. Entretanto, a socieda-
Almed, 1985.
de atual perdeu amaioria de seus itos iniciáticos
e essas substâncias vêm sendo utilizadas indiscrimi- SILVEIRA,D., Drogas -Uma Compreensão Psicodinâmica das
nadamente. Zoja (1992), conforme mencionado Farmacodependências. São Paulo: Casa do Psicólo-
anteriormente, aponta essa ausência de rituais go, 1995.
iniciáticos como fator responsável pelo abuso ZOJA, L. Nascer Não Basta. São Paulo: Axis Mundi, 1992.
IRACI GALIÁS
NAIRO DE SOUZA VARGAS
O estudo das crises, chamadas de reações pel importante para o futuro reajustamento da
de ajustamento, e das "neuroses de guerra" pessoa envolvida. Etimologicamente, vem do
assinalou uma séie de sintomas que, com frequên- latim crisis -momento difícil, de decisão. Interes-
cia, apareciam em conjunto. Neurologistas sante lembrar que o ideograma chinês que
defendiam que as "neuroses de guera" possuíam representa crise é formado pela combinação
substrato anatômicoe Freud(1969b)asvia como pictográ ca de "perigo" e "oportunidade", sU-
"neuroses traumáticas", como reativação de gerindo as duas alternativas possíveis para a
con itos anteriores, ressaltando a importância saída da crise: fortalecimento pelo aprendizado
da intensidade dos estresses traumáticos e a ou fracasso em sua elaboração e superação,
ausência de "descargas" apropiadas para aliviar com consequente agravamento do estado psí-
o ego das tensões e do despreparo dosindivíduos quico do sujeito (Santos, 2007).
para enfrentar tais situações. A ansiedade surge como resultante da situg-
Vários estudos surgiram descrevendo quadros ção de con to, pois um obstáculo só resultará
clínicos semelhantes, nomeados de acordo com em crise quando di cultar o manejo da proble-
o agente estressor:síindrome do campo de concen- mática envolvida.
tração, trauma da criança abusada, etc. Nãohavia As crises podem ser acidentais (incidentes
consenso na medicina para a classi cação dos claros) ou de desernvolvimento (adolescência,
transtornos mentais até que a Organização Mun- senescência, etc.). sendo estas potencialmente
dial da Saúde (OMS) incluiu na Classi cação críticas e não necessariamente crises, pois são
Internacional de Doenças - sextarevisão(CID-6) fases de transformação.
uma seção para transtornos mentais para ns de Na crise propriamente dita, há falência intensa
estudos clínicos e estatísticos, sem a possibilidade dos mecanismos de adaptação e de defesa do
de uma classi cação etiopatogênica gera. indivíduo. Os resultados da crise variam em amplo
Em 1980 foi introduzido o diagnóstico de trans- espectro, desde a solução criativa do problema
torno de estresse pós-traumático (TEPT)na terceira até manifestações neuróticas ou psicóticas.
edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Consideremos psicodinamicamente o trauma
Transtornos Mentais (DSM-I, Diagnosic and Statis- como a vivência que mobiliza uma intensidade
tical Manual of Mental DisordersIlI). resultante de simbólica maior que a força egoica seja capaz
listagens de sintomas mais comuns nas "neuroses de suportar.
traumáticas" e em veteranos de guera, corela- Assim, a vivência traumática não depende,
cionado-o com a severidade doestressor.Estudos até certo ponto, do evento ocorido. Este é re-
mostraram que víitimasde crimes, quando há séia lativo. Depende de como esse fato foi vivenciado.
ameaça à vida, têm grande possibilidade de É claro que há fatos de tamanha contundência
apresentar oTEPT.Nos Estados Unidos, constatou-se que funcionarão como fator traumático para
prevalência ao longo da vida de 7,8%.A natureza qualquer ser humano. Somos uma espécie gre-
do trauma propriamente vaiou: guerra e testemu- gária: portanto, com um lado coletivo, ao lado
nho de ferimento ou morte para ps homens e das variações individuais.
ataque ou ameaça sica para as mulheres. Em É comum que a vivência traumática seja as-
pesquisa com pessoas com TEPT,O evento desen- sociada a dor, sofrimento dramático ou trágico.
Cadeante mais relatado foi a morte súbita e Porém, é importante considerarmos que também
inesperada de uma pessOa amada, sugerindo ser prazer e alegria intensos podem complicar a vida.
esse o estressor mais frequente. As mulheres pare- Imaginemos um eixo com as polaridades dor-
cem ser mais propensas a desenvolver oTEPT. prazer e alegria-so mento. Cada vivência polar
A CID-10 da OMS coloca o TEPT não nos muito intensa pode mobilizar símbolos com inten-
transtornos de ansiedade, como o DSM, mas nos sidade tal que o ego não tolere. Ås vezes é muito
transtornos relacionados ao estresse. Muitas ve- difícil lidar com o sUcesso, principalmente se for
zes, pacientes com TEPT não são reconhecidos muito grande. Também pode ser difícil lidar com
em atendimentos primários. Há um crescente situações em que, inesperada ou subitamente.
consenso de que oTEPT depende mais de fato- ganha-se muito dinheiro oU se conquista algo
res subjetivos do que da severidade doestressor. muito desejado. Sāo conhecidas experiências de
ganhadores de altas somas da loteria que per-
CRISE E TRAUMA dem tudo rapidamente oU outras formas de
ascensão social oU econômica muito rápidas que
A crise é um fenômeno de duração limitada, não se sUstentam. E muito difícil tolerar uma ale-
cUjo resultado não é predeterminado, com pa- gria muito grande sozinho: a alegria pede um
compartilhar. O ego precisa dividir o peso de vi- ral maisvelhos) serem afetivamente abuSados por
vências muito intensas, mesmo agradveis. É hos (em geral adolescentes ou adultos) - uma
conhecida a história de que Jung. jocosamente, espécie de " lhocracia" - OU, ao contráio, pais
costumava dar os pêsames (e não os parabéns) mais velhos abuSando dos lhos (via poder ou
a quem '"sofria" um sUcesso, pelo risco da in ação chantagem afetiva) -uma espécie de "geronto-
ou de outras defesas consteladas diante do peso cracia". A doença grave oU crônica de um lho,
desseseventos e do consequente trabalho psíqui- sobretudo se ele for criança, costuma ser bastan-
co que eles acaretam. Assim, não é necessário te estressante para os pais. Por isso, é frequente
que sejamos masoquistas para que alegria e que o diagnóstico de um ho que aponte um
prazer muitos intensos sejam, às vezes, complica- prognóstico mais difícil seja negado pelos pais
dores de nosso equilíbrio emocional. O peso (como autismo, de ciências, doenças crônicas
dessasvivências pode também funcionar como ou terminais, etc.).
fator traumático. Os lhos já crescidos podem desenvolver
Seja como for, o mais frequente é que as quadros como o de "adolescência tardia", abu-
diferentes conceituações de trauma estejam sando deseuspais, podendo chegar a ameaças
mais associadas a vivências de do, sofrimento e concretizações de matricídios e/ou paricídios,
e desprazer. como discutido no artigo "Pais e Filhos: uma rua
de mão dupla" (Galiás, 2003).
FATORES DESENCADEANTES
QUanto ao outro desconhecido, o fator trau-
mático dá-sesempre por abuso, como a violência
Oevento traumático pode estar relacionado ao contida em qualquer crime. Aqui, violência urba-
meio ambiente sico (por exemplo, desastre na, estupros, assaltos e principalmente sequestros
natural). à esfera socioafetiva (por exemplo, desempenham importante papel.
perda de pessoa signi cativa). biológica (por
exemplo, doença grave) oU evolutiva (por exem- O meio 978-85-7241-915-4
plo, adolescência).
Então, podemos considerar que o fator traumá- Nosso psiquisno interage e depende bastante
ticoseja desencadeado pelo outro, pelo meio, pelo do meio para seu bom funcionamento. Assim,
corpo ou pelo próprio desenvolvimento, sempre eventos que atinjam o meio podem funcionar
havendo com isso uma mobilização da sombra. como fatorestraumáticos, com maior potencial
estressorquanto mais próximo ocorem de onde
Vivemos (ou de onde vivamnoSsos"'outros" afetiva-
O outro mente importantes). As catástrofes são conhecidas
O outro provocador do trauma pode ser conhe- como altamenteestressantespor trazerem à cons-
cido (próximo) ou desconhecido. Se conhecido ciência, de maneira súbita, o risco de morte.
e afetivamente próximo, poderá funcionar como Fenômenos como tsunamis, acidentes ecológi-
fator traumático por perda (ruptura de relaciona- cOs, etc. atestam esse fato.
mento, afastamento, morte, etc.) ou por abuso As gueras, com seus desdobramentos, funcio-
(afetivo, de poder, sexual, etc.). Aqui se sifua a nam como outro importante fator desencadeante
violência doméstica. QUanto mais intensa a relação de estresse.
afetiva, mais potencial traumático ela contém.
Assim,as relações familiares São fonte importante
deestresse. Relações entre pais e lhos, conjugais,
O corpo
fraternase com a famíilia maior estão presentes, O corpo, dimensão natural de acesso de símbo-
desencadeando o trauma tanto por perda como los à nossa consciência, pode funcionar como
porabusSo.São conhecidas as di culdades de se fator estressante e traumático. Doenças graves,
lidarcom orfandade precoce, perda de um lho, crônicas oU agudas, que trazem intenso sofrimen-
con tos conjugais, viuvez precoce, ruptura abrup- to ou risco para a vida (como côncer, AIDS, etc.).
ta de uma relação conjugal, etc. Não são bem como acidentes, trazem di culdades às
Também raras as situações de lhos abusados por vezes tão insuportáveis ao ego que desenca-
pais,seja pelo exercício arbitrário do poder (sobre- deiam quadros de estresse.
TUdo com crianças e jovens), seja sexualmente. Todos esses fatores mobilizam intensamente
Como aumento da longevidade e a relativizaçāo símbolos, muitas vezes contidos na sombra, que
muitointensa do poder patriarcal dos pais sobre invademo campo da consciência,sermque o ego
os lhos, também é comum vermos pais (em ge- tenha a força necessáia para integrá-los.
O sequestro é uma das injúrias mais associadas autonômica crônica. Esse processo dá origem
ao medo de morte, assumindo magnitude maior aos sintomas positivos do TEPT (invasivos e de
que o abuso sexual e a violência parental. hiperexcitação). Em pacientes comTEPT, reações
Ainvestigação sobreTEPTdeve incluir questões siológicas autönomas, aumentadas aos estímu-
da natureza humana como traços de personali- los estressantes, são bastante documentadas
dade, resiliência ao estresse, necessidade ou não de (aumento da pressāoarterial, frequência cardía-
o estimulo ser extremo e o própio papel da cultu- ca, frequência respiratóia, etc.). São alterações
ra de nindo o que é aceito como transtorno envolvidas na preparação do organismo para
(Galiás, 2006). reações de luta ou fugae constituem consequên-
Assim, pode-se compreender o fato de que cias da estimulação simpática mediada pela
algumas pessoas, mesmo expostas ao agente excitação noradrenérgica.
traumático, apresentem poUcas alterações ou Redução dosníveisde cortisole aumento do
desenvolvam um TEA que logo se resolve. A re- fator de liberação de corticotro nas são reações
siliência pode explicar por quê. para alguns,o consistentes e parecem ser um dos marcadores
trauma produz crescimento e reformulações de biológicos de tal condição, indicando uma de -
vida e. para outros, graves transtornos. ciênciaparainibirrespostasnaturais de adaptação
OTEPTserá agudo se a duração dos sintomas e defesa ao trauma.
for inferior a três meses, crônico se superior e com Resposta exagerada de catecolaminas e
início tardio se o início ocorrer pelo menos seis neuropeptídeos na época do trauma levaria à
meses após o estressor. Superconsolidação de memórias relacionadas
ao trauma, facilitando o desenvolvimento do
PSICONEUROCIÊNCIAS- TEPT.Há maior quantidade de receptores perifé-
ricos de glicocorticoides.
ASPECTOS NEUROLÓGICOS O sistema noradrenérgico (organizador das
Ainda são incipientes as pesquisas que procuram
reações de ansiedade). que tem sua origem no
mostrar o vértice neurobiológico que seria a base locus ceruleus, regula a excitação. Sabe-se que
para a ocorrência de TEPT. Alterações foram
essa estrutura do tronco cerebral tem papel
central no estado de alerta e é altamente respon-
mostradas na siologia e na anatomia cerebral.
Sİivaaestimuloseliciadores deestresse. Hiperatividade
A redução volumétrica do hipocampo tem sido
o achado mais consistente. A neuroimagem noradrenérgica com aumento da epinefrina e
norepine na urinárias tem sido constatadano TEPT.
funcionalrevela hiperativação do corpo amigdaloi-
Imitabilidade e acessos de raiva podem estar rela-
de e resposta atenuada do córtex pré-frontal
medial, do córtex órbito-frontal e do giro do cionadosa dé citserotoninérgico.A e cácia dos
inibidores seletivos de recaptura de serotonina
cíngulo anterior. São estruturas que integram
(ISRS) noTEPT Comprova a desregulação seroto-
circuitos potencialmente relevantes para a sio-
patologia do TEPT (Bernik et al., 2007).
ninérgica. Uma desregulação do eixo HHA é
altamente caracteristica do TEPT. Ele se torna
Estudos com gêmeos homozigóticos em que
um deles foi à guerra e o outro não parecem
hiper-reativo ao estresse e aos efeitos do cortisol.
apontara redução hipocampal como um dos Diversosachados de neuroimagem começam
fatores predisponentes, e não uma consequên- a delinear um modelo que sugere sensibilização
cia do transtorno. límbica e menor inibição cortical, com disfunção
Em virtude da semelhança entre os sintomas especi ca em áreas cerebrais envolvidas na me-
doTEPTe da depressão e ansiedade, os modelos móia, emoção e processamento visoespacial.
biológicos existentes para a descrição destes
últimos sāo os mais adotados para explicar as CURSO E PROGNÓSTICO
manifestações do TEPT, envolvendo os mecanis-
mos de neurotransmissão realizados pelas Diante do trauma, pessoas não suscetíveis po-
catecolaminas e o papel do eixo hipotálamo- dem experimentar uma onda adrenérgica de
hipó se-adrenal (HHA). sintomas, mas estes não persistem. Indivíduos
Aresposta neurobiológica ao estresseenvol- predispostos têm níveis de ansiedade mais altos
ve a liberação de vários hormônios do estresse e sintomas de dissociação. preocupação e res-
(catecolaminas e cortisol) proporcional à sua postas exageradas ao trauma. Persistindo esses
Intensidade, o que permite que o organismo sintomas, podem surgir sentimentos de desam-
reaja adaptativamente. Sob trauma grave ou paro, perda de controle e revivência do trauma
repetido, estabelece-se uma hiperatividade com sintomas de ativação autonômica. Pode
haver esquiva fóbica,hipersensibilidadeeexplo- Grande Mãe. Essa ativação nos prepara para a
Sões de raiva, com alterações na personalidade açãonecessáriapara lidar como atendimento
e no funcionamento social e pro ssional. Pode de nossas necessidades básicas, como fome,
desenvolver-se então oTEPTCrônico, com inca- sede, sono, sexualidade, etc. Também é ele que
pacitação, desânimo e desmoralização. Pode nos ajuda a lidar com vivências dolorosas rela-
haver sintomas somáticos e depressão, assim cionadas a esse arquétipo, como o abandono.
como abuso de substâncias. A recuperação do As ameaças dessa ordem mobilizarão nosso
TEPT Crônico em seguimentos de 5 anos foi de herói ligado à grande-mãe, um herói de ação.
apenas 18%, mostrando a importância do trei- Temos um herói ligado ao arquétipo do Pai,
namento prévio para enfrentar situaçõesdifíceis ativado quando a ordem patriarcal é ameaçada,
como guerra, terremotos, catástrofes, etc. (San- sendo necessáio que se estabeleça oU se reesta-
tos, 2007), como também o tratamento precoce beleça. Esse herói organiza o caos. É. portanto,
do TEPT.Em pelo menos um terço dos indivíduos tambémum herői ligado à ação, sempre mobilzado
comTEPT.,o quadro tem evolução crônica, per- diante de vivências traumáticas desorganizadoras.
sistindo por muitos anos. O herói ligado aos arquétipos do animus e
anima também nos prepara para a ação de
ASPECTOS PSICODINÂMICOS "oferecer a outra face", mediante a interação
simétricae dialética com o outro, com a possi-
ARQUETÍPICOS DO TRANSTORNO
bilidade de troca de lugar com esse outro, no
DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO caso o agressor.
O herói ligado ao arquétipo da Sabedoria.
Morte, luto e transformação porém, éo herói não da ação, e sim da contem-
plação, interação com o todo. É o que traz a
A ameaça de mortepropria, do outro queido ou a
ameaça de perda do outrO traz sempre para a percepção à consciência de nossas limitações
consciência a ameaça da perda da identidade, e limites diante do Todo, de nossa participação
característica da vivência traumática. A Vivência como pequena parte da imensidão do Todo.
da morte ou ameaça sempre trará o processo do Traz, en m, a possibilidade da troca da ação
luto para sua elaboração. Esseluto, se vivido, traza pela contemplação. Esse aspecto é bastante
possibilidade da transformação. Porém, as defesas importante para o enfrentamento da vivência
ao doloroso processo de luto. pela problemática traumática, diante da qual às vezes temos pouco
dasonbra, trazem oluto patológicoe aconsequente o que "fazer".
melancolia, impeditiva do processo de transforma-
ção queimplica a vivência de morte erenascimento, Arquétipo da criança divina
como discutiram Jung (1986). em "Símbolos da
Transformação", e Vargas (1987), em "Abordagem No processo de transformação, no qual acontece
do Paciente Terminal:Aspectos psicodinûmicos-A a vivência da morte, o arquétipo da criança divi-
morte como símbolo de transformação". na é mobilizado para que haja o renascimento,
como discutido por Jung (2000) em "O Arquétipo
da Criança", em "Morte e Renascimento". É com
Arquétipo do herói a "morte" do arquétipo do herói para a consciên-
Sempre ativado diante da vivência traumática, cia, ou seja, com a volta parao Self dessa força/
traz uma energia plus parao ego fazer face à energia plus, que os símbolos trazidos pelo arqué-
batalha do enfrentamento do trauma. Em uma tipo da criança podem vir para a consciência,
imagen, é como se, diante da necessidade de trazendo a renovação, o renascimento. Trata-se.
um investimento nanceiro maior e inesperado, porém, de um processo. Nāo é possivel haver re-
não planejado às vezes, precisássemos entrar na nascimento sem que haja a morte simbólica,
"caderneta de pOupança" temporaiamente. sendo estes exatamente os ingredientes, porassim
"Essa energia/força plus pertence ao Selfe não dizer, do processo de transformação.
ao ego, necessitando voltar ao Self após um
tempo para evitar perigosas identi cações e
Estresse e trauma
xações, como Jung (1981) discute em seu con-
ceito de personalidade-mana, em que chama Otrauma., medianteo estresseprovocado, ativa
|a atenção para os perigos da "in ação". nosso SNA, preparando-nos para as reações de
Quanto à força arquetipica do herói, pode- luta ou fuga. por entrar em ação o sistemaner-
mos tê-la ligada à mobilização do arquétipo da voso simpático, ativando nossas reações
adrenérgicas, como já discutido. Ficamos, assim. pode ter uma "ação" para protegê-lo. Maria,
neuro siologicamente preparados para a ação. porém, muito tem ali "o que fazer" pela contem-
Apósalgum tempo, graças à ativação do paras- plação desse Todo. Muito há o que entender
simpático, vêm o relaxamento e a volta ao sobre os limites e as limitações de uma mãe hu-
estado de equilibrio siológico. O problema se dá mana. Ali Maria pode compreender como é não
qUando não temOs esse ciclo completo e sim a ter condições de salvar o lho, mesmo sendo
parada no estado de ação. Os estudiosos falam provavelmente o que ela mais quisesse naquele
cada vez mais em eustress, quando o ciclo é momento. Ali, em uma sitUação extrema, talvez
completo (simpáticoe parassinmpático), edistress, Maria possa compreender tantas coisas que
quando o procesSO estaciona na aceleração acontecem em um âmbito menor e que, por isso
pelosimpático por cerca de mais de 30min. mesmo, não as compreendemos. Ali talvez Maria
A ameaça de morte (própria ou de alguém possa compreender que, muitas vezes, nossas
querido) oU de perda trazida pela vivência trau- "ações" e nossa proatividade são, em certa me-
mática traz sempre uma anmeaça de dissolução dida, ilusóias.Alitalvez Mariapossa compreender
de nossa identidade. Essas vivências traumáticas que, muitas vezes, nos "distraímos", por meio de
ativam em nosso eixo ego-Self o arquétipo do tantasações, da percepção maior do sentido da
herói, buscando trazer para o ego uma força a Vida e da Morte. Ou seja, se pouco pode "agir",
mais, necessária para se empreender a dura ba- Maria muito pode "re etir" ao contemplar. Esse é
talha do enfrentamento da vivência traumática. o herói contemplativo. E é esse herói que, em si-
A meu ver, como estamos neuro siologica- tuações traumáticas, com todos os riscos citados,
mente preparados pela ativação do simpático pode, ao ser mobilizado, levar à transcendência
para a ação, o herói primeiramente mobilizado dessa mobilização/impotência.
é o ligado à ação, oU seja, ligado a garantir Após a vivência do herói contemplativo,
nossasnecessidades básicas (arquétipo da Gran- pode ser ativado o arquétipo da criança divina,
de Mãe), a reestabelecera ordem (arquétipo quetraráonovo, anovaposibilidade, arenovação.
doPai) e/ou a compreender a posição do "ou- E apenas assim se pode chegar ao renascimen-
tro" (Alteridade). to, como discutido por Jung (1981) em "Símbolos
Em muitas situações traumáticas, porém, o da Transformação".
problema é que camos impotentes ou muito É dessa forma que poderemos ter, em vez do
pouco potentes, seja pela ordem do fator trau- TEPT, O quadro de crescimento pós-traumático
Imático (como morte de outro querido, perda de (CPT), em que, após um trauma, a personalida-
alguém) ou ainda pelo impedimento à ação de tem um crescimento, uma ampliação.
pelo outro, agressor (torturas, sequestro, etc.). Um fator bastante importante a ser considerado
Esse fenômeno traz enorme sobrecarga ao é aresiliência, conceito bastante discutido pela Dra.
ego, pois, por um lado, temos a ativação para CeresAraújo (2006). Conforme aresiliência, ou seja,
a ação e, por outro, seu impedimento. a capacidade de reagir aoestresse,teremos maior
E em função dessa sobrecarga que o risco oumenor possibilidade de desenvolver TEPTOU CPT.
|de se formarem as defesas aumenta. A xação
nesseponto do evento traumático é como com-
preendemos o TEPT.
Correlação com os
Defesas como sentimento de culpa (ou falsa conceitos de Jung
Culpa) e identi cação com o agressor são fre- É interessante notar que, sob outras denomina-
|quentes como defesas contra a impotência. ções, esses conceitos tão atuais já foram, de
A transcendência dessa situação é trazida certa forma, elaborados por Jung (1981).
pela ativação do herói contemplativo, ligado Assim,quando ele descreve "Restauração
d0 arquétipo da Sabedoria. Esse herói é mobili- Regressiva da Persona". podemos fazer um pa-
Zado diante da ameaça de morte, catástrofe ralelo como conceito psicodinâmico deTEPT,OU
OU perda. Se pensarmos no mito cristão,è esse seja, após um trauma, a personalidade ca "en-
o herói mobilizado em Maria ao ver seu ilho colhida", passandoa operar em níveis anteriores
Sendotorturado emortoe nada poder fazer. de funcionamento, de maneira xada.
Se pensarmos simbolicamente, o que Maria Seu conceito de regressão simbólica (Jung.
podefazer é nadapara "'salvar' seu lho: ela não 1986), isto é, de que diante de uma di culdade
978-85-7241-915-4 maior, "há que se recuar para melhor saltar", con-
forme a expressāo, corresponde ao conceito
Sindromede Estocolmo (www.wikipedia.org). atual de CPT, no qual ao "recuo" induzido pelo
trauma (conceito de centroversão de Neumann Há que se tomar cuidado com o timing das
[1991]) segue-se umcrescimento da personalidade. diferentes emoções que surgem durante o pro-
QUando Jung (1981) fala em potencial de cesso psicoterápico: dor, desesperança, tristeza,
individuação, referindo-se às diferenças indivi- medo, raiva, vingança, etc. Há um longo caminho
duais com relação ao processo de individuação, até a aceitação. Éimportante que os temposnão
creio podermos fazer um paralelo com o atual sejam apressados, pois se trata de um processo.
conceito de resiliência. Aspessoas têm diferentes O trabalho coma família é importante, ha-
potenciais para lidar com as questões existen- vendo, ameu ver,riscos a serem evitados, como
ciais, podendo "aproveitá-las" ou não para o de que cada pessoa da família pode estar em
acelerar seu processo de individuação. um momento emocional diferente em relação
ao fator traumático. Por exemplo, diante da
TRATAMENTO DO TRANSTORNO morte sútbita de alguém na familia, enquanto a
mãe pode estar ainda muito tomada por emo-
DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO
ções dolorosas, os irmãos já podem estar
Podemos considerar três tipos de tratamento: sentindo raiva (por exemplo, pela má sorte). o
psicofarmacológico, psicoterápico e misto, sen- que pode tornar a elaboração conjunta (terapia
do este o mais indicado. familiar clássica) muito complicada.
No trabalhopsicoterápico,emresumo,temos
de tentar evitar duas situações opostas: por um lado,
Tratamento psicofarmacológico trabalhara vivência traumática (relato, recorda-
Os ISRS con guram a primeira linha de medica- lção, etc.) para evitar que ela vá para a sombra;
mentos para oTEPT.Propranolol (betabloqueador) por outro, tomar cuidado para que o própio traba-
e clonidina (agonista noradrenérgico) foram Iho não reedite o trauma. Entre uma extremidade
USados com bons resultados em ex-combatentes le outra caminha a "arte" psicoterápica.
com TEPT, O que comprova a hiperatividade É frequente que a vivência traumática mo-
noradrenérgica na manutenção dos sintomas bilize a Sombra, onde traumas anteriores são
de ativação autonômica. mobilizados e vale a pena serem trabalhados.
Vários medicamentos foram usados para kor exemplo, a morte traumática de um ente
tratamento do TEPT, sendo os ISRS aqueles que querido pode trazer à tona vivências de perdas
apresentaram melhores resultados, em especial anteriores também dolorosas. O medo de que
quanto aos sintomas de embotamento e hi- se reediteo fator traumático é frequente.
peratividade. Especi camente para sintomas O trabalho com as defesas é necessário. Fre-
intrusivos e aumento da impulsividade, a car- quentenente, encontramos negação. Àsvezes,
bamazepina tem sido usada com sucesso. Para a vivência traumática nãoé negada, massUa
pesadelos e ashbacks, a clonidina tem sido útil. importância é relativizada, como defesa. Os
deslocamentos so também comuns, ou sej,
fatos de menor importância são sobrecarrega-
Tratamento psicoterápico dos coma força do fator traumático.
Há váias propostaspara o tratamento psicoterápi- A formação de bode expiatório atende as
co, como dessensibilzação e reprocessamento por projeções tanto de vitima (a víitima é sempre o
meio de movimentos oculares (EMDR, Eye Move- outro: a família, até mesmoo agressor,etc.) quan-
ment Desensitization and Reprocessing), criada por to de culpado (a culpa é de outro que não o
Francine Shapiro na década de 1980; expeiência agressor: familia, sociedade, etc.).
somática, de Peter Levine: e as terapias breves ou Donald Kalsched (1997), em seu "The inner
focais, com enfoque psicodramático, comporta- world of trauma", e Jerome S. Bernstein (2005).
mental Ou psicodinâmico. em seu "Living in the Borderland", discutem o
QUanto à abordagem junguiana, é importan- ponto de vista junguiano sobre essesfenômenos.
te que se foque a cadeia simbólicamobilizada Como um fenômeno complexo no qual todas
pelo trauma. Os símbolos, OU cadeia simbólica, essas defesas estão presentes, encontramos a
que aparecerem nas vivências, enmoções,sonhos, síndrome de Estocolmo, em que existe a identi-
etc.. poderão ser associados ao trauma, visando cação perigosa com o agressor. Dessa maneira,
à sUa elaboração. A tentativa é evitar que a vi- o agressor é inocentado, podendo passar, na
vência traumática, ou parte dela, vá para a vivência do indivíduo traumatizado, deagressor
Sombra, e propiciar que seussírnbolos sejam inte- a vítima. n situações de resgate devitimasde
grados ao campo da consciência. sequestro, a síndrome de Estocolmo di culta, às
vezes, até mesmo a ação da polícia, pois o se- BERNIK,M.; CORREGIERI, F: CORHS, E.O medo, os transtornos
questrado tenta proteger o sequestrador. A ansiosos e sua siopatologia. In: BUSATTO, G. F. (ed.).
vítima pode se sentir culpada (porque se descui- Fisiopatologia dos Transtornos Ansiosos. São Paulo:
dou, etc.), sendo essa falsa culpa uma maneira Afheneu, 2007.
de lidar com a impotência. A culpa, ainda que BERNSTEIN,J. Living in the borderland. The Evolution of cons-
falsa, implica certa potência, certa quantidade ciousnessand the challenge of fealing trauma. London:
de poder para desencadear ou evitar o evento. Routhedge, 2005.
É frequernte também a esquiVa, oU seja, a evi- FREUD,S. (1919) Introdução à Psicanálise e às Neuroses de
tação do tema, transformado às vezes em tabu, Guerra. Rio de Janeiro: Imago, 1969. (Edição Standard
di cultando a discuSSão terapêutica com o indiv- Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sig-
duo traumatizado sobre a situaÇão traumática. mund Freud, v. VI).
Essa situação traumática, cercada de tantas FREUD,S. (1920] Além do Princípio do Prazer. Rio de Janeiro:
defesas, tona-se objeto de preconceitos, trazendo Imago, 1969. (Edição Standard Brasileira das Obras
SUadiscuSSão OU mesmo sua lembrança sensação Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. XVII).
de vergonha para o indivíduo. Os indivíduos se- GALIÁS, I. Pais e Flhos: uma rua de mão dupla. Junguiana.
questrados, por exemplo, muitas vezes se sentem v. 21. p. 69-80, 2003.
"envergonhados" por sentirem que foram incapa- GALIÀS, I. Trabalhando com Familias de Sequestrados. Con-
zesderesistirou evitar o sequestro. Vemos o mesmo ferência proferida na Pontifícia Universidade Católica
fenômeno com famílias de suicidas. de São Paulo, 2006.
JACOBSON, G. F.Crisis - oriented therapy. Psych. Clin. North.
Am., v. 2, n. I, p. 39-53, 1979.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
JUNG, C. G. A Função do Inconsciente. In:O Eu e o Incons-
A importância clínica do diagnóstico deTEPTnos ciente. Parte ll. Cap. I. Petrópolis: Vozes, 1981.
parece grande. pois ajuda a propiciar instrumen- JUNG, C. G. A Personlidade Mana. In: O Eu eolnconsciente.
tos terapêuticos. A intervenção precoce é Parte l. Cap. IV. Petrópolis: Vozes, 1981.
fundamental para evitar que as defesas quem JUNG, C. G. A Psicologia do Arquétipo da Criança. In: Os
muito estruturadas. Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes,
Busca-se tratar oU prevenir, após o tràuma, o 2000. p. 151-181.
desencadeamento do TEPT. A tentativa é, me- JUNG, C. G. Morte e Renascimento. In: Símbolos da Transfor-
diante trabalho com as defesas e a prospecção mação. Petrópolis: Vozes, 1981. p. 363-364.
dossímbolos, ajudar a ativar a resiliência, promo- JUNG, C. G. Morte Simbólica. In: Simbolos da Transformação.
vendo o CPT, Coma ativação do arquétipo do Petrópolis: Vozes, 1986. p. 433.
herói da ação e contemplação, e a consequen-
JUNG, C. G. Restabelecimento Regressivo da Persona. In:
te mobilização do arquétipo da criança divina.
O Eu e o lInconsciente. Parte I. Cap. IV. Petrópolis:
Dada a intensa mobilizaçāo de ansiedade. Vozes, 1981.
contratransferencialjá mencionada, bem como
JUNG, C. G. Sentido Simbólico da Regressão. In: Simbolos da
o risco de contaminação contratransferencial
Transfornação. Petrópolis: Vozes, 1986. p. 644.
também já mencionado, há que se ter cuidado
KALSCHED,D. The Inner Word of Trauma. London: Rutledge,
com o furor terapêutico, que pode atrapalhar.
1997.
Bon senso e a lembrança do primum non no-
cere(antes de tudo, não prejudique) podem ajudar. NEUMANN, E.A Criança. São Paulo: Cultrix, 1991.
Por m, é fundamental que nos lembremos SANTOS, E. F. Avaliação da magnitude do transtorno do es-
do potencial curativo do Self, que estará sempre tresse em vítimas de seqüestro. 247p. Tese (Doutorado)
ajudandoo processo terapêutico. -Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo.
São Paulo, 2007.
SELYE,H. The Stress of Life. New York: Mc Graw Hil, 1976.
REFERÊNCIAS
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85-95, 2006. mação. Junguiana, v. 5, p. 63-68, 1987.
muito ruim, por sentir algo uim". Outro aspecto erradicar um inimigo, medo de pivação, neces-
da culpa associa-se ao animus cri co e persegui- sidade afetiva, reação a separação ou perda,
dor, diante do qual sempre se falha. A tentotiva) desejo de incorporar oralmente o outroO pa-
de expurgar,de livrar-se da culpa, pode ser ciente obeso seria geralmente regredido e
cOmpulsivamenteatuada no ritualdosvômitos narcísico, com defesa de proteção e de isola-
na bulimia. mento atuada no excesso de peso. O paciente
tem di culdade de desapegar-se da imagem
OBESIDADE E RISCOS corporal introjetadae procura certo çontrole da
dor emocional por meio da comida. QUandoa
Etimologicamente, obesitas (lat.):gordura. çorpu- obesidade é estabelecida, o paciente vive em
lência: obesus/obedere: que comeu até engordar, função das di culdades que esta lhe acareta:
comer, devorar; ob- sobre; -edere: comer (Online falta de energia, limitação da exposição social,
Elymology Dictionary]). di culdade sexual, vergonha, sentimento de in-
A prevalência de sobrepeso já é considerada ferioridade. Importaperceber em que nmomento
problema de saúde pública com números im- o transtorno se instala, geralmente em fases im-
pressionantes: de aproximadamente 6,6 bilhões portantes da vida: desmame. puberdade,
de habitantes no mundo, de acordo com esti- casamento, perda, mudança.
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mativa da Organização Mundial da Saúde
(OMS), um bilhão de adultos teriam excesso de TERAPIAS
peso e.300 milhões seriam considerados obesos.
Há incidência crescentetambém em crianças. Uma combinação de medicação e psicoterapia
Uma multiplicidade detatore contribui para esse é adequada, mas há quadros, comoa anorexia,
transtorno, entre os quais fafores de predisposi- em que a medicação pouco in ui. Consideran-
ção genética, fatores ambientais eestilo de vida. do-se que a interface entre mente e cérebro,
Pesquisas têm sido realizadas em epigenética, psicologiae biologia, seja o diferenciador das
que trata do estudo de fatores ambientais in- neurociências no novo milênio, os tratamentos
uenciando a expressão gênica. para esse e outros tipos de transtornos devem
Ainda de acordo com a OMS, a obesidade sermultidisciplinares.
é o principal componente de incidência de Questiona-se se os transtornos alimentares e
doença crônica e de incapacidade, com risco do humor seriam produtos de uma diátese co-
de doenças crônicas graves como diabetes tipo mum ou se trataria de uma comorbidade. De
2, hipertensão, acidentes vasculares cerebrais e qualquer forma, em ambas as situações, o clíni-
çertos tipos de câncer. A Sociedade Brasileira de co opta pela terapêutica farmacológica, em
Cardiologia aponta que, no Brasil,80% da popu- geral associada a outras abordagens psicoterá-
lação adulta é sedentária, 32% tem sobrepeso picas. Na anorexia e na bulimia, os transtornos
e,8% sofre de obesidade. do humor podem ser comórbidos e se iniciam,
Kaufman (1998) esclarece que há doistipos de na maioria das vezes, na adolescência. A gbe-
obesidade:reativa e de desenvolvimento. Esta úti- sidade costuma ser acompanhada de depressão.,
maéobsevada desde ainfância e a pessoa tende mas é di cil dizer se seria reativa, isto é, secun-
gvivenciardesejos variados como uma necessidade dária auma alteração em relaçāo à autoimagem
de alimento. A obesidade mórbida é de nida e baixa autoestima. Diversos neurotransmissorest
quando o peso é pelo menos 100% acima do ideal associados aos transtornos do humor parecem
(índice demassa corporal maior que 40). A depres- estar também relacionados aos transtornos ali-
são e a ansiedade podem decomer da rejeição mentares: serotonina, norepinefrina, opioides
que esses pacientes sofrem, mas há transtorno do endógenos e melatonina (Messias, 2009).
humor e quadros fóbicos associados. De acordo A depressão costuma associar-se a essas
com o autor, em termos sicos, osriscos constituiiam sindromes. Segundo Saiz (1998), a depressão
uma autoagressão, via hipertensão, afecção coro- deve ser compreendida como síndrome na qual
nariana, diabetes, acidentes. O obeso tem uma intervémomicrossistema biológico. psicológico.
imagem negativa de si: luta contra seu corpo, o existencial, em interação com o contexto fami-
que é mais grave quando o quadro se inicia na liar, sociocultural e ecológico-ambiental. Esses
adolescência; o ego é frágil e as pulsõesagressivas pacientes vivem uma tríade simbólica de croni-
e eróticas São canalizadas para a oralidade. cidade, dependência e perdas. Se essas
Kahtalian (1992) descreve "traços psiconeu- vivências simbólicas não são elaboradas no
ró cos" do comer em excesso: desejo hostil de decorrer do processo de individuação, elas pas-
di culta a idealização positiva. O arquétipo rejei- ambos e que muitas pessoas que sofrem do
tador ou devorador da Grande Mãe predomina transtorno alimentar possuem traços semelhantes
no inconsciente: "Tais pessoas são geramente hi- aos descritos no transtorno de personalidade
persensíveisa cada nuance do comportamento narcísica. Trata-se. certamente, de abalos que
de outros, prontos a interpretar a menor dissonān- ocoem nosprimórdios do desenvolvimento.
cia como rejeição oU ofensa" (p. 179). A noção de complexo e de trauma nos oju-
Hoveriang infêncig uma xação noSelfgron- da a compreender esses abalos psicológicos.
dioso e posterior sentimento de infeioridade, com
sintomas como di culdades sexuais, inibição social
COMPLEXOS E TRAUMA
edi culdadede manterrelações,comcaracte-
risticas de personalidade como falta de humor, "Transtornonervosoconsiste primaiamente emuma
falta de empatia,tendência a raivaincontrolável alienação com respeito aos próprios instintos,
ementirapatológica. Araivaassocia-seàpresen- uma dissociação da consciência em relação a cer-
Ça desentimentos de inveja edefesas contra esta, tos fatos básicos da psique" (Jung. 1978a. par. 808).
como controle onipotente e retirada narcísica.Isso Jung desenvolveugteoriadoscomplexosa
não signifca que a pessoa sejaidenti cada como partirdeexperimentos
de associaçãomediante
narcisista,já que pode parecer timida, adaptada OSqUaispesquisOUO papel perturbador de emo-
e autocritica. Como sintomas psicossomáticos Çõesinconscientes.A causalidade traumática
aparecem hipocondria, preocupação com a deve ser compreendida junto a fatores estruturan-
saúde e distúrbios vegetativos em váios órgãos. tesinteriorese dafantasia, em que ain uência
Frequentemente se associa a depressão: oscilação externa alia-seà interna para constituir o feixe de
entre grandiosidadee depressão com necessida- associações traumáticas ou dolorosas. Os primei-
de constante de reconhecimento. "As pessoas [oSComnplexosderivam da experiência dolorosa
narcisicamente feidas permanecem famintas.pois
com ospais.Assim,um complexo materno negg-
a comidaoferecida pelo outronuncacomespon- vo ocasiong umsentimentode abandono que
de asuasexpectativase é. consequentemente. seriacompensado pelo alimento de uma mãe
rejeitada Jacoby. 1991.p. 159). nutridora.,na tentativa de apoziquar a ansiedade.
Teria havidonessaspessoas uma falta de, o medoeasolidão.
reconhecimento e deespelhamentonginfância. Kalsched (1996). reconhecido teórico no
com decorrenteexperiênciade vergonhae de campo da psicologia analítica, descreve o im-
embaraço enecessidadeenorme de atençāo pacto do troumaļe dos gfetosinsuportáveis,na
do outro,aomesmo temp0 emqueexistetemor personalidade. Observa a ansiedade primitiva e
de rejeiço edehumilhação. suas defesas personi cadas em sonhos e produ-
De acordo com Neumann (1973). quando não tos imaginários da psique mediante temas eSrvaudad
há modelopositivongrelaçãoprimal,aggressao. imagens arquetipicas demoníacas. O autor pos-
fundamental à luta pela independência, não tula que a integração constitui uma ameaca
pode ser integrada e desenvolve-se o narcisismo. insuportvel e um Self primitivo toma conta via
O ego estressado da criança registra impotência violência arquetipica.que, paradoxalmente.
e raiva, desamparo, alarme e ameaça, o que protegeo ego imaturo que não consegue uma
provoca uma reação compensatória egocêntri- mediação gdequada. QUando a ferida narcísi-
ca, narcísica. A raiva e a agressão no estágio Ça atinge ocerne da personalldade,a mortese
alimentar transformam-se no "desejo Sádico de associaà devastação dos instintos primários e
devorar a mãe" (p. 76). O ego estressado da seUCampoarquetipiço.HoUve uma quebra da
criança, sob ação da imagem de mãe terivel, autoestima e da autovalorização, sem capaci-
desenvolve experiência de si, do mundo e do dade de autoasserção e autocon ança do ego
outro, marcada e caracterizada pela fome, pela em razão de uma falha no desenvolvimento da
insegurança e pelo desamparo. criança, que não encontrou um continente ma-
Quando o ego já adquiriu estabilidade e terno em momentos de angústia. O desespero
consolidação, torna-se defensivo e ńgido. Forma-se trazsentimentosregressivosde dissolução e au-
um círculo vicioso em que a rigidez do ego, a toabandono, e o inconsciente ativa imagenş
agressãoe o negativismo alternam-se com sen- ateradoras. No entanto,essasfantasiasincons-
timentos de desvalia, inferioridade e desamor. cientes de desmembramento. desintegração e
Apesar de não podermos caracterizar o até de morte seriam também uma tentativa
transtorno alimentar como narcisismo de modo desesperada de não sucumbir novamente à
geral, percebe-se que há uma interface entre aniquilação outrora vivenciada.
Feldman (1995) postula que, no desenvolvi- re, a partir de estudos clinicos, que os complexos
mento, quando há forte sensação de ameaça, podem seexpressar simbolicamente na polaidade
um sistemadefensivoemergeespontaneamente corporal como sintomas,unmavez que mecanismos
do Selfprimal:"Essasdefesasdo Selfsãodesigna- inconscientes impediiam que eles fossemintegra-
das apreservar osensO de segurança individuale dos à consciência. A partir da teoia dos complexos,
proteção, mas também criam uma bareira impe- o sintoma pode ser considerado um símbolo na
netrável entre o Selt da criança e seuambiente sUa escala inferior de possibilidade de conscienti-
numperńodoquando g ciancacomecagdesen- zação. De acordo com essa teoria, ocore uma
volver uma função simbólica" (p. 174).Como integração na psique por meio da conscientização
consequência duradoura, o desenrolar da expe- via símbolos, diferenciando-se daquela forma mais
riência simbólica e arquetipica é distorcido. arcaica, que seria o sintoma.
O assinalamento dado é importante, pois a Os pesquisadores atuais estão de acordo
função simbólica possibilita o emprego da ex- com o que Jung (1978b) enunciou sobre a fun-
periência psicológica interna e a criação de ção transcendente, ampliando o conceito para
signi cado a partir dela, a m de promover a o campo da psicossomática.por exemplo, como
integração emocional e o desenvolvimento no conceito de transdução de Rossi (1994).
Iprocesso de individuação. Oralidade e alimentação são abase dodesen-
Bromberg (2009) considera que pacientes com volvimento psico sico e o primeiro contato com o
transtornos alimentares sofrem de dissociação em outro na relação primal quando ainda não existe
decomência de trauma que abalou sua capaci- diferençaentre umeue um tu. O distúrbioalimentar
dade de con ar em si e nas relações e ocasiona costuma sinalizar uma regressão e fxação em uma
impossibilidade de fazerescolhas.O desejose tor- etapa pregressa,talvez do início da vida. Deve-se
na inimigo e estabelece-se luta entre controle e admitir, contudo, que um novo commplexose origine
soltura do desejo. Comer se torna mais autoprote- da situação traumática emergente, em qualquer
Ção do que apetite.No ato decomercompuSivo etapa dodesenvolvimento.
ohá um estreitamentocognitivo,Um padrão para
Opm escapar da consciênciae nessesentido.protetor. APSICOTERAPIAANALÍTICA
eomiDQU melhor, defensivo. O autor parte das formula- DO TRANSTORNO ALIMENTAR
Ções de Piere Janet para compreender estados
dissociativos. A dissociação seria uma forma de Bromberg (2009) assinala que o paciente deve
sobreviver ao sentido de aniquilação ocasionado tolerar a vergonha e suportar a emoção eo
pelo trauma, assim como na natureza algumas afeto trabalhando no aqui e agora. A obesidade
espécies o fazem biologicamente. não pode ser lidada meramente como uma
Sintomas que revelam estados dissociativos patologia a se livrar. Tais pacientes estimulam no
são esquecimentos, faltara compromissos,distúr- analista sUas próprias experiências dissociativas
sorgn! bios de atenção, assim como falta de contato e. por isso, são considerados difíceis. Uma asser-
com o corpo e atos compulsivos. Em decorrência ção interessante do autor é que essespacientes,
dessa dissociação há prejuízo na capacidade de por não poderem desejar, querem serdesejados
regulação dos afetos e insegurança nas relações pelo outro. No entanto, são destinados à frustra-
afetivas. O desejo torna-se desregulado e acen- ção, posto que, inconscientemente, repelem o
tua-se a voracidade compensatoriamente: em contato e, acrescentamos, como um Tântalo
última instância, uma solução não humana para que jamais satisfaz SUa sede.
compensar a experiência de perda. Em vez de Brink e Allan (1992) compararam sonhos de
voracidade pode ocorrer renúncia, como forma mulheres com bulimia e anorexia com um grupo
de antecipar e se proteger de reviver o trauma. controlee encontraram nelas temasrecomentes:
O autor embasa-se na teoria do apego, que es- desfecho negativo, ser atacada e observada,
tipula que as primeiras relações de vínculo atitude de fracasso. Aparecem conteúdos de
possibilitam que, neurologicamente, se estabele- ineiciência, raiva contra si, emoções negativas.
ça a capacidade de regulação de afetos e de inabilidade de se autonutrir, obsessão com peso.
sentimento de vínculos humanos seguros. Os autores concluem que, na terapia, o foco nos
Uma autora que trabalha com o enfoque jun- sonhosfavorece a mudança ea transformação
guiano dentro das teorias psicossomáticasé Ramos positiva de defesas, mais que a insistência em
(1994). que vê no sintoma uma forma arcaica de mudança de comportamento.
simbolismo, comregressão a formas mais primitivas Siegelman (1991) pergunta-se por que alguns
de relacionamento entre corpo e mente. Ela infe- pacientes se encontram xados em um nível oral
Um caso de bulimia foi descrito (Wahba, 2000) Jde se cuidar e maternalizar, o paciente engole
no qual se assinala- assim como Feldman (1995) comida com a fantasia primitiva de que sacia-
- que a compulsãoalimentare a purgaseriam Irá uma falta e recuperará o bem-estar.
uma manera de expelir o mal sentido em si mesmo, Há uma alienaçāo e um afastamento, um
como raiva,agressão,pensamentosautodestruti- recuar que Jung (1976) denominou medo da
vos. Mediante a análise de complexos e dos vida; e, quanto mais a pessoa recua em se
sintomas e seussimbolos subjacentes,e uma rela- adaptar à realidade, naiores a paralisação e
cãotransferencialprovedora desequranca o temor. Forma-se um círculo vicioso: O medo
possibilitQU-sea integracão eofortalecimentodo da vidae das pessoas faz com que se recue e
ego, assimcomo valorização da imagemcorporal se regrida aoinfantilismoe dependênciada
e aumento deautoestima,conmresultados
positivos mãe, esta simbolizada e não necessariamente
na eliminação do sintoma bulíimico, alivio da de- concreta, Jung aponta queo verdadeiro medo
pressāo,retomada dasexualidadee renovação é do ser instintivo, interior, que não é vivido por
de perspectivas de vida. se alienar da realidade.
Fome de quê?
Os pacientes com transtorno alimentar
(...) a gente não quer só comida, literalizam o que outros experienciam, sem ne-
a gente quer a vida comno a vida quer. cessariamente desenvolver tal transtorno. Plaut
A gente não quer só comer, (1959) descreve o que entende por pacientes
a gente quer comer e fazer amor. famintos com temas recorrentes de comida,
A gente não quer só comer, ainda que não seja o alimento concreto, e ca-
a gente quer prazer pra aliviar a dor. racterizados por personalidades imaturas com
(...) a gente não quer só dinheiro,
fraqueza de ego. Uma paciente tinha fantasias
(.) a gente quer inteiro e nāo pela metade.
de devorar o analista. De acordo com o autor,
A letra de "Comida", dos Titās, transcrita São paientes xados em objetos parciais que
parcialmente, retrata o signi cado do sintoma não apreendem a imagem completa do outro.
fome confundidocom apetite,ouafaltadefome Seu estado é de ansiedade constante, pois
enquanto negação da vida. "Querer a vida temem perder sua identidade e indiferenciar-
como a vida quer" e "querer inteiroe não pela se. Possuem núcleos de desenvolvimento
metade" é o anseio e a grande di culdade de muito vulneráveis que estariam xados em
concretizá-lo de pacientes que desenvolvem estágios primitivos do desenvolvimento, como
transtornoalimentar.Avoracidadeé umacom- g relação boca-seio, Paraproteger-se da
pensação para aquilo que não podeserassumido ameaça de desintegração desenvolvem um
por inteiroe, aodevorara comidaavidamente. falso selfQUnegam g vida. QUando um ego
exorciza-se opavor daprivação edo abandono. arcaicoé ativado, este reage sem ser capaz
QUadros diferenciados de transtornosalimentares de focar com nitidez e de sentir a continuidg-
revelam motivos inconscientes e determinantes de espaço-temp0.
arquetipicos semelhantes no que tange ao dis- A ponderação apresentada ajuda a
túrbio alimentar. compreender a di culdade desses pacientes
O simbolisno subjacente é precisamente a de se situarem no mundo, como se o que ocor-
fome - exagerada ou negada -, entendida de re em volta estivesse marcado por tempo
modo extensivo, com o signi cado atribuído pelo distinto, alheio à vivência temporal da pessoa.
afeto e pelo processamento da fantasia e de sUa Pacientes obesos chegam a estranhar SUa ima-
intrincada conexão com a história individual, fa- gem re etida e, além de sentirem o corpo
miliar e o contexto social. Consideramos fantasia alheio, o lugar e a época Ihes parecem estra-
o produto do imaginário humano mobilizado pelo nhos; uma sensação de irrealidade é frequente
inconsciente, individual e arquétipo, comum à em pacientes com transtorno alimentare traços
espécie humana. O sistena limbico tem conexões de personalidade narcisista.
com o córtex e este é prejudicado, nessescasos, Em pacientes da clínica, observamos que a
em sua capacidade discriminatória. As crises de obesidade associada a feridas narcísicas costu-
compulsão alimentar são indiscriminadas e disso- ma ser acompanhada de compulsão alimentar
ciadas. Tudo aquilo que falta confunde-se com e crises de raiva explosiva, assim como estados
a comida, necessidade básica do primórdio da dissociativos.Tais pacientes costumam "vomitar
vida, a qual é incorporada vorazmente. Incapaz verbalmente na sessão e di cilmente digerem o
O corpo, constituinte de nossa identidade o resgate possiível se dá pelo amor que rompe
históricae terena, sÓ podia ser da alçada de seu com a tirania paterna, ainda que em proporçõo
habitante, homem ou mulher. Aos deuses o corpo de I para 50. Na terapia desses transtornos, o
celestial, ao homemomaterial. Compreendeu-se, amor e a autoestima, quando despertados, Qu-
no entanto, como: à mulher, o material. xiliam a recompor um corpo desorganizado e
Assim, a mulher tomou a dianteira eapossOU-se destruido; de fato, em proporção longe da ideal.
de seu corpo e, junto a ele, de seu desejo. A Além de explicações genéticas e constity-
oUsadia valeu-lhe o estigma patriarcal. Viu-se cionais para a di culdade de reverter hábitos
perante um paradoxo sem solução: trair a si e a alimentares e a tendência a engordar, os mitos
sUa materialidade ou trair a dominância do es- da cultura e os imperativos imbuídos nela devem
pírito cego e surdo a apelos humanos. ser tratados, já que tais batalhas di cilmente se
Ametáfora da mordidatranspõe-seàoralidade vencem individualmente.
e a sua satisfação básica ou impossibilidade
de fazê-o: estado de fome. Para compensar o
vazio, vimos que a ingestāo excessiva compensa, STE INDICADO
ainda que muito mal, tudo aquilo que está em
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sistemasvisíveis-pode sero imunológico - con- trevistas revelaram que todas perderam pelo
cretize para o médico o seu sofrimento, por menos um ente querido torturado e assassinado
exemplo, com uma doença imunológica, tor- na sua frente, além de elas mesmas terem sido
nando-o assim tratável. vitimas de violência sexual. A fala de uma delas
O pano de fundo dessa situação é a dicoto- exempli ca a unidade psicossomática: "eu cho-
mia mente-corpo que cindiu a formação dos rei, chorei e chorei e quando parei de chorar
pro ssionais de saúde nas categorias médico/ meusolhos estavam tão inchados que eu já não
psicólogo e alimentou várias escolas de "psicos- podia mais enxergar" (após ter testemunhadoa
somática", tal como a de Franz Alexander, morte de seus lhos e marido): outra: "quando
médico fundador da Escola de Psicossomática me sinto feliz, meus olhos estão normais, quando
de Chicago. Alexander, na década de 1930, penso no Camboja e na minha familia, vejo
descreveu sete "doenças psicossomáticas" clarões de luz e escuridāo" (Smith, 1989).
cada uma delas correspondendo a um tipo de Na época, a classi cação dessas pacientes
personalidade oU a um quadro emocional. Sua e seu tratamento foram objetos de grande de-
escola caiu no esquecimento à medida que bate. Estariam essas pacientes sofrendo da
causas orgânicas atribuídas aos sintomas psico- síndrome de estresse pós-traumática? Seus sin-
lógicos foram descobertas (Alexander, 1989). tomas indicariam histeria, somatização ou
Atualmente, o paciente queixoso "somático" transtornosomatoforme? Ou um pouCo de cada?
(sem "causa orgânica")) é frequentador assíduo Um tratamento psicoterapêutico, ao evocar
de consultóriosmédicos de diferentesespecialida- memórias traumáticas, poderia retraumatizar as
des, poissUa queixa básica é de que há algo de pacientes ou liberá-las deSUas memórias aterro-
Yerrado com meu corpo". Esse "errado" pode ir rizantes Ou estariam elas simplesmente
desde dores inexplicáveis (transtornos da dor) até somatizando sua dor?
pequenas manchas de pelevistascomo melano- Veremos a seguir a conceituação básica
mas terminais (hipocondria). Nesseserntido, surge dessa nomenclatura e sua problemática diag-
jáa primeira problemática desse tipo de classi ca- nóstica e teórica.
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ção. À medida que a tecnologia diagnóstica ca
mais so sticada, Começa-se a descobrir "causas SOMATIZAÇÃO
orgânicas" para sintomas anteriormente classi ca-
dos como somatoformes. Mesmo que o paciente De acordo com Lipowski (1988). somatização é
possa mudar para a categoria de doença orgâ- "uma tendência para experimentare comunicar
nica, muitas vezes continua com suas queixas, a estresse somático em resposta a um estresse
despeito do tratamento "concreto", medicamen- psicológico e procurar ajuda para ele, provo-
toso e/oU cirúrgico adequado. cando um grave problema econômico, médico
Um caso famoso na literatura médica ilustra e social" (p. 1358). É frequentemente associada
essa polêmica. Trata-se de um grupo de cerca a transtornos de ansiedade e depressão e cons-
de 150 mulheres do Camboja, vitimas de abuso titui o cerne dos transtornos somatoformes.
físico e sexual. Forçadas ao trabalho escravo Segundo Barsky et al. (1997), 20 a 84% das vezes
durante o regime comunista do Khmer Vermelho, em que um paciente procura um clínico, não se
essas mulheres foram obrigadas a assistir cenas encontra nenhuma causa para seu sofrimento
de torturae morte por fogo e desmembramento de somático, sendo os sintomas mais comuns dores
amigos e familiares. Ao se refugiarem nos Estados de cabeça, tontura, fadiga e palpitações. Pa-
Unidos, pediram ajuda ao Serviço Social, por não cientes persistentes, que continuam a procurar
conseguirem trabalhar. A queixa é que estavam uma causa para seus sintomas, correm riscos de
cegas. Enviadas a um grande centro oftalmoló- sofrer procedimentos cirúrgicos invasivos e des-
gico de referência, constatou-se que estavam necessáriosou de intoxicação medicamentosa,
absolutamente saudáveis do ponto de vista or- ao consultar vários médicos simultaneamente.
gânico. Entretanto, vários especialistas observaram Não é incomum observarmos pacientes hospi-
que todas estavam legalmente cegas. Em sua talizados por overdose de medicamentos
pesquisa, Rozée et al. (1989) constataram em prescritos por diferentes médicos que desconhe-
uma amostragem que 57% tinham acuidade ciam o comportamento do paciente.
visual subjetiva de 20/200 (cegueira legal) e 43% Dessa forma, os processos de somatização
nham acuidade visual entre l/400 e "sem per- são considerados um desa o na fronteira entre o
cepção de luz": portanto, os sujeitos estavam clínico eo psiquiatra. Esgotados todos osrecUrsos
dentro da categoria de cegueira legal. As en- diagnósticos, o paciente é encaminhado para o
Er
psiquiatra, o qual por sua vez tem di culdade de constantes e prolongados para "acertar" a apa-
classi cá-lo em umpadrão básico.Sabemos que rência podem caUSar sérios danos ao corpo, à
cerca de metade dos pacientes que, no nal, adaptação social e ao relacionamento familiar.
recebem um diagnóstico psiquiátrico, de início Não obstante índices de prevalência não
apresentam exclusivamente sintomassomáticos, sejam estabelecidos mundialmente, nosEstados
e que 75% dos pacientes com quadros depressi- Unidos, Koran et al. (2008) observaram na popula-
vos graves ou transtorno do pânico se queixam, ção adulta prevalência de 2,4% para transtorno
na ananmnese, basicamente de sintomas somáti- dismór co corporal, a qual excede a prevalência
cos. Mesmo na população geral, pesquisas para esquizofrenia e transtorno bipolar. Observaram
indicam que 60 a 80% da população saudável também que 90% dos sintomáticos preenchem
experimenta um ou mais sintomas somáticos du- jo critério de estresse e que, embora esse trans-
rante a semana (Kellner, 1994). "torno tenda a diminuir após os 44 anos, ele
Por conseguinte, a somatização parece co- provoca sofrimento substanciale está associado
mum na prática clíinica eémais prevalente que a à baixa qualidade de vida. Uma pesquisa mais
depressão e a ansiedade. Segundo Clarke et al. ampla permitiu veri car que 5 a 40% dos pacien-
(2008), a maioria dos pacientes com depressāo e tes com esse transtorno sofrem de ansiedade e
ansiedade tem grau signi cativo de somatização, depressāo (Lafrance, 2009).
o qual, entretanto, pode passar despercebido, Um estudo feito com adolescentes na Ale-
camu ado pela queixa somática.Mesmo quando manha (Essau, 2007) revelou que os primeiros
essa queixa é relativa a um estado deestresse,em sintomas aparecem antes dos 15 anos, podendo
30% dos casos ela não é diagnosticada. durar cerca de 20 anos. Eventos de vida nega-
tivos, doença psiquiátrica dos pais e depressão
HIPOCONDRIA estão entre os principais fatores no desencadea-
mento desses sintomas, os quais podem se tornar
Segundo os manuais referidos, a característica crônicos. Os autores concluem que, em geral,
essencial desse transtornoé umapreocupação os transtornos somatoformes na adolescência
persistente coma presença eventual de um ou não são autorresolvidos e se associam a outrOS
mais transtornos somáticos graves e progressivos. transtornos psicológicos. Provavelmente, as
Os pacientes manifestam queixas somáticas grandes transformações corporais da adoles-
persistentes ou preocupação douradora com cência a tornam um momento propício para a
sUa aparência física (CID-10. p. 341). Em geral, emergência de insatisfações generalizadas com
essa preocupação excessiva baseia-se em uma o corpo, podendo algumas delas se tornar
distorção de um ou maissinais corporais normais, patológicas, com gravesprejuízosnodesenvolvi-
tem que haja qualquerjusti cativa médica para mento do jovem.
bles. Considera-se que a prevalência para esse Podeńamos aqui perguntar se fatores sociocu-
fřanstorno esteja entre 4 e 9% entre pacientes da turais, além dos desenvolvimentistas, nãoestarńam
clíinica geral (APA, 1994, p. 464). presentes nesse alto índice de prevalência.
Apesar de não muito clara, a diferença bá- Na fase adulta, provavelmente são as equi-
sica entre o diagnóstico de hipocondia e o de pes multidisciplinares em cirurgia plástica que
transtorno dismór co corporal está no lócUs de pro- têm detectado maior número de casos entre
jeção da doença. Na hipocondia, o lócusestános seus pacientes que desejam se submeter àssU-
órgãos internos; na dismor a corporal, está mais no cessivas cirurgias "corretivas". Mesmo quando
órgão externo -na pele e na aparênciageral. realizadas, a satisfação costuma durar pouco e
logo a seguir o paciente exige nova intervenção.
TRANSTORNO DISMÓRFICO CORPORAL Temos relatos de indivíduos que se submeteram
a mais de 20 intevenções corretivas em busca
Segundo o DSM-V,. o transtorno dismór co corpo- de um perfeccionismo "divino". Cirurgiaplástica,
ral refere-se a uma preocupação excessivacom para alguns, é usada como antidepressivo quan-
um defeito na aparência, o qual pode ser imagi- do as motivações para tal intervenção não são
nário oureferir-se a uma pequena anomalia.Esses examinadas mais a fundo.
pacientes podem se tornar excessivamente au- Mesmo que não seja possivel diagnosticar so-
toconscientes e evitar lugares públicos, trabalho mente com base em noticias de mídia, um caso
e escola. As preocupações mais comuns referem- trágico, de repercussāo mundial, poderia teresse
se a perda de cabelo, marcas na pele, acne, tipo de sofrimento. nconformado com a forma e
hirsutismo, assimetria e inchaço faciais. Rituais cor de seu corpo, o cantor afro-ameicano Michael
Jackson submeteu-se a diversas transformações turas e sem retorno, muitas vezes com sequelas
aparentemente em busca de uma forma que o psicológicas pouco divulgadas pela mídia -
desidenti casse de sua origem. Talvez, a busca do como uma paciente que, ao retornar da
corpo perfeito, umapreocupação excessiva com anestesia, entrou em surto psicótico: negando a
um "defeito" (cor da pele), um transtorno dismór- cirurgia, foi tomada por pensamentos obsessivos
co corporal tenha sido uma causanmortisprimária e mórbidos.
desse jovem ídolo. Um exame mais profundo dos pacientes
A mídia tem sido pródiga em exemplos entre com esse transtorno evidencia con itos incons-
as "celebridades'" que atribuem grande valor a cientes profundos, complexos pessoais que se
qualquer pequeno"defeito" na buscaincessan- expressam na polaridade corporal; con itos
te de um corpo idealizado, onde as menores projetados sobre o corpo. A parte "perturbada",
"imperfeições" são vistas com lente de aumento em vista de sua forma e função, é a tela onde
e devem ser rapidamente eliminadas. Essa superex- sofrimentos indizíveis falam a fala simbólica do
posição e supervalorização do corpo idealizado inconsciente reprimido. Desse modo, não p0-
é transmitida para os jovens como um valor so- demos pensar em um transtorno dismór co sem
cial, induzindo-os a uma insatisfação com seu nos referirmos a um con ito psicológico ou até
próprio corpo, o qual está "fora do padrão". mesmo neurótico. Esses transtornos são muito
Jovens sofrem por terem "seios ou pênis peque- mais a expressão psicodinâmica de uma disfunção
nos" e, precipitadamente, tentam aumentá-los, psicossomática do que um quadro patológico
pensando estar "consertando" um defeito ou em si e, portanto, devem ser considerados sin-
preenchendo uma falha. Contam, é claro, com tomas e não caUSas de sofrimento emocional
a conivência de alguns médicos, que, sem pes- em si mesmos.
quisar a fundo, tratam uma dismor a corporal Ao olharmos o paciente como uma unidade
com cirurgia. Assim, os limites entre os transtornos psicossomática, ca difícil cindir sUa sintomato-
dismór cos e as imposições culturais sobre o logia em diversostranstornos, sobretudo quando
corpo nem sempre são claros. se trata de pacientes cuja expressão de sofri-
Poderíamos até mesmo perguntar se as mento é somática, mas não orgânica.
transformações corporais com piercings e tatua- As mesmas observações São válidas para os
gens em exagero, em que uma pessoa descon- transtornos da dore os transtornos de conversão.
tente com seu corpo tenta aproximáHo da forma Nestesúltimos, os sintomas afetam, principalmente,
de uma Vaca ou de um tigre, não poderiam ser o funcionamento motor oU sensorial, sugerindo
classi cadas como sintomas de uma patologia. uma condição médica oU neurológica. Podem
As fronteiras são tênues e exigem constante incluir dé cits motores, paralisias, afonia, di cul-
re exão. dade de engolir, retenção urinária, entre outros
O importante aquié analisarmos o simbolisno (APA, 1994, p. 452).
envolvido na parte do corpo que precisa ser A ignorância de fatores psicodinnmicos por
|"aperfeiçoada". Podemos, por exemplo, obser- parte da equipe médica pode levar a situações
var que a busca de uma pele branca por um críticas, como no caso de um idoso hospitalizado
afro-descendente provavelmente é a expressāo em decorrência de um diabetes descontrolado
de um trauma intergeracional decorrente da e que, desde a sUa internação, passou a sofrer
escravidão. Pele negra, em uma cultura escra- de retenção urinária. Vários procedimentos
vagista, é sinônimo de inferioridadee submissão. foramtentados,inclusive o cirúrgico. s mé-
Será patológico o desejo de se branquear?O dicos acreditavam que, em virtude de um
paciente não estaria expressando um complexo alargamento da próstata, o paciente perderao
que é muito mais da cultura do que pessoal? No controle voluntário do ureter. Não foi considera-
caso em que o cuidado psicoterápico se faz da a observação da família de que, em casa, o
necessário, não podemos deixar de lado o fator paciente estava normal, nem se considerouo
cultural como coadjuvante desse transtorno. A teror do paciente quanto à sua hospitalização.
cultura também é predominante no apreço a Quando ele voltou para casa, a retenção uriná-
"seios grandes e fartos". Assim, jovens ainda ria desapareceu de imediato. Um pensamento
adolescentes se torturam até conseguir um im- psicossomático teria poupado muito sofrimento
plante que as promova à categoria de mulheres e trabalho.
"fatais e sedutoras". Seios pequenos viram sino- Também são comuns nesses transtornos altos
nimos de infantilidade e baixa feminilidade. A índices de ansiedade e depressāo, como vere-
imaturidade as leva a entrar em cirurgias prema- mos a seguir.
Uma paciente procurou-me após trêsinņterna- a uma doença de fundo orgânico. Como a ex-
Çõeshospitalares, em uma das quais foi submetida citação de um complexo geralmente vem
a laparoscopia exploratória. Após vomitar váńas acompanhada de ansiedade e/ou depressão.
vezes ao dia durante alguns meses, com todos os os dados epidemiológicos descritos con rmam
exames normais, por falta de um diagnóstico, os a presença de fatores inconscientes na etiologia
médicos optaram por um procedimento cirúrgico dos transtornos somatoformes.
como última esperança para salvá-la. Nada en- Poderemos pensar então que, nos pacientes
contrando, encaminharam-na para psicoterapia, Homáticos,um complexo não éreconhecido no
à qual a paciente resistia bravamente. Sentia que hível abstrato e. portanto, não pode ser expres-
seu problema era orgânicoe que, um dia, nal- so na fantasia, imaginação oU sonho. Contudo,
mente descobririam o que ela tinha de errado. esse con ito pode, sim, assumir uma expressão
Alta e pesando 48kg, a paciente parecia bastan- prgânica. Desse modo, o sintoma orgânico con-
te enfraquecida, Com dores generalizadas e teria mensagens psíquicas que não teriam
deprimida. Tomar antidepressivo era impossível, representação abstrata.
pois Ihe provocava mais vômitos. Segundo os b Se uma neurose cria uma estrutura protetora
manuais referendados, a paciente enguadrava-se na forma de sintoma neurótico para lidar com o
histérica, somatizadora e com distúrbio somato- con to oU dor emocional, nos distúrbios somáticos
forme generalizado. haveria uma regressão a formas mais primitivas
A questão central nesse caso era como trans- de relacionamento entre corpo e mente. A Co-
duzir esse vômito concreto para a polaridade municação verbal dos estados afetivos estaria,
abstrata, psíquicae verbal. O que a paciente em geral, desconectada de seus sintomas, de seu
vomitava, o que era indigesto e impossível de ser corpo. Aqui estaia presente uma forma arcaica
engolido que nem ela mesma tinha acesso? E de simbolismo em que o corpo fala.
por que ela resistia ao tratamento psicoterápico? Qualquer tratamento que promova a cura
A manutenção de sua doença tinha uma nali- tem de atuar nos váios sistemas envolvidos. A
dade? Umarápida investigaçãopermitiu observar abordagem em somente um nível pode levar à
a necessidade da paciente de ter seu marido recorência dos sintomas, como vemos tão fre-
por perto demonstrando afeto e preocupação quentemente na prática clíinica.
com seU estado. O medo de melhorar estava Assim,a compreensão do fenômeno psique-corpo
inconscientemente associado ao medo de per- é a base fundamental para uma atuação clínica
dê-lo. A psicoterapia teria de fortalecê-la antes e caz. Ela permite o trabalho de equipes interdis-
de lidar com seus medos e complexos mais pro- ciplinares, as quais desenvolvem práticas de
fundos: caso contrário, a paciente certamente saúde holisticas vindas de diferentes campos do
interromperia o tratamento. O vômito teria de saber cienti co. Um exemplo é a medicina inte-
ser paulatimamente transduzido de sUa polari- grativa, a qual enfatiza a capacidade inata de
dade somática à suapolaridade verbal. Nenhum recuperação do organismo. propondo uma abor-
outro remédio poderia curáHa. A paciente esta- dagem transdisciplinar e transcultural. (Lima, 2009)
va aprisionada em um conmplexo que a tomava A psicossomática junguiana, ao promover
por completo. um raciocínio holístico condizente com teorias
Os complexos são os grandes responsáveis pela de outros campos do sabe, dá sustentação a
formaçāo de sintomas. Jung os de niu como "uma uma re exão psicodināmica profunda sobre os
coleção de várias idéias, as quais, em consequên- fenômenos que se referem ao funcionamento
cia de sUa autonomia, são relativamente saudável do ser humano. Desse modo, os cha-
independentes do controle central da consciên- mados transtornos somatoformes são aqui
cia e a qualquer momento capazes de cruzar ou considerados sintomas de um processo psicopa-
contrariar as intenções do indivíduo". (Jung. 1973, tológico, não uma doença em si mesma.
par. 1352)
Sem menosprezar a necessidade ainda vigen-
Todo complexo tem uma polaidade psíquica. te de rotulação das doenças. Ziegler, já em 1983,
abstrata e outra concreta, coporal. Assim, quando dizia que a compreensão de uma doença seia
determinado complexo se constela, há alteração completa quando deixássemos de categorizar
emocional e siológica, uma transformação na patologias de acordo com entidades de doença,
estrutura corporal total, quer o indivíduo a perceba as quais não permitiriam uma apreciação da di-
ou não.Essa transformação pode ser sentida como nâmica mútua entre saúde e doença: "Podemos
um mal-estar inde nido ou expressar-se em uma falar de imagens de doenças e não de constructos
sintomatologia mais clara, associada, por vezes, empíricos onde os sintomas são mais oU menos
juntados arbitrariamente, na base da frequência KROENKE,K. Physical symptom disorder: a simpler diagnostic
estatística e, se possível, relacionados a um agen- category for somatization-spectrum conditions. J. Psy.
te causal particular" (Ziegler, 1983, p. 23-24). chosom. Res. v. 60, p. 335-339, 2006.
KROENKE, K.; SHARPE, M., SYKES, R. Revising the clasi cation of
Concluindo. podemos dizer que todas as
somatoform disorders: key questions and prelimingry
cdoenças são psicossomáticas, independente-
recommendations. Psychosomatics, v. 48, p. 277-285,2007.
mente de sua caUsalidade sica, orgânica ou
KORAN, L. M; ABUJAOUDE, E; LARGE, M. D.: SERPE, R. T. The
emocional. Quando mecanismos de desadap-
prevalence of body dimorphic disorder in the UnitedStołes
tação provocam sofrimento no indivíduo, ele adult population. ČNS Spect. v. 13, n. 4,p. 316-322,2008.
pode adoecer, expressando seu sofrimento de LAFRANCE, C. Somatoform disorders. Seminars in Neurology.
forma mais acentuada na polaridade orgânica v. 29, n. 3, p. 234-249, 2009.
oU na polaridade psíquica. LEIKNES,K. A; FINSET, A.; MOUM, I; SANDANGER, Current
QUandoé necessária uma classi cação das Somatoform disorders in Norway: prevalence, riskfactors
doenças por categorias, optamos pelo termo and comorbidity with anxiety, depression and muscu-
transtornos psicossomáticos, os quais se referem loskeletal disorders. Int. Clin. Psychopharmacol., v. 14,
aos transtornos cujos sintomas são predominan- Suppl. 2, p. S1-S6, 1999.
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Houve então, a partir dessa época, grande "casamentos de acomodação". O ponto central
desenvolvimento da terapia de casais e de famí- de um casamento não é o bem-estar ou a feli-
lia, em particular na Tavistock Clinic (Dicks, 1963) cidade constante, mas a realizaçāo profunda
na Inglatera e nos EstadosUnidos com Ackerman dos potenciais dos cônjuges. Casamento e es-
(1969) e, posteriormente, com toda a escola sis- trutura familiar sāo maneiras de se humanizarem
têmica norte-americana (Bateson, 1980). Eles os arquétipos. Assim, encontramos formas bem
contribuiram muito para esse desenvolvimento, diversas de casamernto e de estrutura famliar em
com proposições técnicas derivadas da ciberné- diferentes culturase no decorrer da História.
tica e das interações familiares, muitas delas Usoo termo casamento como o relacionamen-
também já propostas pela psicologia analitica. to entre dois seres humanos que tenham amor e
O campo das psicoterapias de grupo desen- vida sexual entre si, que estejam motivados a com-
volveu técnicas para o tratamento de pequenos partilhar a vida em conjunto, sendo, portanto,
grupos, que enriqueceramo trabalho com casais "aliados". Essa relação pode começar dediferen-
e familias. Muitos sociólogos, psicólogos e antropó- tes maneiras e motivos; mas, para ser válida,
logos, por meio de estudos sobre o casamento e criativa e ter sentido de vida, deve subentender
a família, trouxeram, a patir da década de 1950, uma relação conjugal que inclua, além da vida
valiosas informações para o trabalho com casais. sexual, companheirismo, solidariedade. alguns
Nunca é demais rea rmar asábia atitude de se ideais de vida e valores em comum, além deres-
ver nos transtornos mentais o resultado da junção peito e admiração mútuos. Assim, cada cônjuge
de diferentes fatores, sem cair na unilateralização pode ser inspiradore enriquecedor para a vida do
de se atribuir somente a razões biológicas, psicoló- outro. Estar casado não signi ca concretamente
gicas, aoSOciocUlturalou ao meio ambiente arazão viver na mesma casa, nem ter uma relação legal,
única da existência dessestranstornos. mas sim viver simbolicamente "na mesma casa",
compartihando a vida de maneira íntima eplena,
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E "na alegia e na tristeza, na saúde e na doença",
PRINCÍPIOS BÁSICOS como a rmado no ritual religioso do casamento.
O terapeuta de casais, na psicologia analíti-
A primeira e fundamental a rmação da psicolo- Ca, pode trabalhar com casais os maisdiversos,
gia analitica sobre o casamento é a de què seu seja preventivamente com cônjuges que preten-
sentido e razão de ser são poder ser um estimu- dem se casar, com aqueles que pretendem se
lante e rico caminho para aindividuação deseus separar, com casais não publicamente assumi-
membros. Esse é um conceito central para Jung dos e com aqueles já separados, sobretudo se
(1981), que concebe o ser humano como um ser possuem lhos em comum e. portanto, são eter-
que nasce para individuar, ou seja, para "tornar- namente vinculados como genitores. A terapia
se si-mesmo". Os. caminhos para esse processo de casais se norteia, de um lado, pelas capacita-
são tão variáveis quanto são os indivíduos. O fato Ções do terapeutae, por outro, pelo processode
de o casamento ser uma opção tão frequente individuação do casal. É, assim, um trabaho
em nossa espécie talvez decora desSUapotencial muito próprio e especí co para cada casal, no
riqueza como caminho para a individuação. seu encontro com determinado terapeuta.
É importante distinguir individuação de indivi- Domesmo modo que, emuma terapiaindividual,
dualismo. Dizia Jung (1978) que o individualisno estamos a serviço do "processo de individuação"
acentua e dá ênfase deliberada a supostas do indivíduo, na de casal estamos a serviço da
peculiaridades em oposição a considerações e "individuação conjugal", no sentido darealização
obrigações coletivas, ao passo que aindividuação dos potenciais que aquele casamento possui
signi ca a realização melhor e mais completa de para a realização de um "nós mesmos" - ocasa-
potenciais coletivos e individuais do ser humano. mento, assim, promovendo a individuação dos
Levar o outro em conta e a adequada considera- cônjuges. A psicoterapia do casal não visaman-
ção da individualidade desse outro é mais ter casamentos, mas sim ajudar os cônjuges a
mobilizador para um melhor desempenho social encontrarem o melhor caminho para eles, o que
do que se negar as peculiaridades desse outro. poderá implicar a resolução de muitosentraves
Existem, porém, muitos casamentos cujo doentios do relacionamento, que impeçam a
sentido de vida está traído e abandonado. Esses realização válida desse casamento, oU a sepa-
casamentos estão paralisados e são paralisantes, ração do casal, quando o casamento estana
portanto sem vida, sendo nesse sentido doentios acabado, sem sentido para a vida doscônjuges.
e mórbidos. Guggenbühl (1980) os chama de onde não há mais amor conjugal.
detrimento do conjugal, que cuida, protege. trazido pelo cliente poderá ser trabalhado simbo-
alinentae acolhe o necessitadodessescuidados. licamente e de diferentes modos, conforme os
Há. porém, períodos normais ou patológicos capacidades do terapeuta e aspossibilidadesdo
motivados por exagero, inadequações e fxações, cliente. Sintomas, sonhos, fantasias, acontecimentos,
em que apersonalidade se vê tomada por um dos problemas, di culdades, etc. serão trabalhados
dinamisnmos arquetípicos em detrimento dos outros. simbolicamente pelo terapeuta. Técnicas varia-
A fase de paixão, de possessão pelo arquétipo, das, como interpretações, dramatizações,
pode ser vivida de modo doentio, paralisante, ou associações livres, ampliações míticas ou históri-
pode trazer uma rica vivência transformadora e cas, fantasias dirigidas, desenhos, imaginação
cria va, com enriquecimento para o processo de ativa, etc., poderão ser usadas pelo terapeuta
individuação (Vargas, 2004). A paixão por outro ser de modo redutivo (a vivências da vidapregressa
vivo OU mesmo por uma atividade oU objeto-por do cliente) ou prospectivo. A transferência é es-
exemplo, a paixāo exagerada e xada por uma pecialmente importante como mobilizadora de
atividade pro ssional-pode trazerséiostranstor- símbolos dentro do setting terapêutico. Ela pode
nos paraa vida conjugal. ser trabalhada em perspectivas defensivas ou de
Um período de especial interesse para o tera- forma criativa, sendo vista ora como regressiva,
peutade casaléachamada segundaadolescência. ora comno prospectiva.
Situações mal vividas na adolescência pelos mem- En m, como já havíamos assinalado, o analista
bros do casal podem vir à tona na época em que junguiano poderá utilzar as mais variadas técnicas
seus hos vivemsuUa adolescência, frequentemen- psicoterápicas desde que as conheçabem ejulgue
te no início da segunda metade da vida do casal. serem as mais apropriadas para aquele determina-
Assim, o psicoterapeuta de casais trabalhará do cliente, naquele momento da terapia.
como analista individual, levando em conta os É da relação do ego com o inconsciente, por
conceitos básicos da psicologia analitica, ou intermédio das vivências simbólicas, que pode-
seja, o princípio dos opostos, o processo de indi- remos ter criatividade oU xações, estas sim
viduaçāo, os conceitos de ego, Self.mecanisnmos contrárias à vida, que é transformação.
de defesa, transferênciae contratransferência Falamos, portanto, de uma condição patoló-
e, sobretudo, o conceito de símbolo, unidade gica somente quando ocore xação da libido,
básica da psicologia de Jung. em formas de funcionamento que se tornam rígi-
Mais fácil de reconhecer do que de ser expli- das e repetitivas. Para a psicologia analítica,
cado, Jung (1967) entendia o símbolo como "a libido é igual a energia, no mesmo sentido con-
melhor expressão de si mesmo", ou seja, a melhor ceitual da sica, podendo aparecer sobinúmeras
expressão de algo que não pode ser completa- formas: sexual, espiritual, biológica, artistica, etc.
mente entendido, apenas pressentido e ainda Essa posição de Jung (1986) já estava claramen-
não totalmente consciente. O símboloé um inter- te expressa em 1906, antes de seu relacionamento
mediário entre conscientee inconsciente. Por com Freud, para quem a libido era energia doins-
meio dele. potencialidades inconscientes podem tinto de vida.
atingir o ego e promover seu crescimento. O sím- Embora Jung não tenha descrito, ele mesmo.
bolo é o grande guia e iluminador do processo o processo de desenvolvimento egoico da cian-
de individuação e, consequentemente, do pro- ça, deixoU referências básicas para isso, o que
cesso terapêutico. É primordial que o terapeuta foi feito por dois de seus seguidores: Erich Neu-
propicie vivências simbólicas para seu cliente, das mann (1981) e Michael Fordham (1994).
mais diferentes maneiras.
QUalquer ação, objeto, imagem ou palavra ESTRUTURAS E DINÂMICAS
será sinbólica desde que encerre, além de seu
DA PERSONALIDADE
signi cado imediato e perceptivel, outros aspec-
tos inconscientes, ainda não perceptíveis,
mesmo que possam ser pressentidos. O símbolo, Ego - Sombra - Persona
enquanto vivo, comporta todo um signi cado Jung (1983) propôs, no início do século XX, a
impossível de ser melhor expresso. Por intermédio psique como um sistema dinâmico, em movimen-
dele. poderão surgir defesas e difculdades, mas to constante e de autoregulação, englobando
também potenciais criativos do inconsciente, consciência e inconsciente, a consciência bro-
trazendo novas luzes para a consciência. tando (nascendo) do inconsciente.
Diferentes pessoas têm diferentes caminhos Os relacionamentos conjugais possuem mui-
para vivenciar seus sínbolos. Qualquer material tas oposições e, por isso mesmo, podem ser
a procurar diferenciar, por meio de parâmetros Xonamento. Como convívio, porém, as paixões
próprios da psicologia analí ca, as principais acabam, e, se o casal não for capaz de construi
características psicodinâmicas desses vínculos. umarelação amorosa, o casamento pode terminar
Assim poderemos ter mais discriminação e cla- Éfundamental nāo esquecer que o amor não
reza sobre as perturbações existentes nesse se deixa aprisionar por nenhuma análise ou in-
complexo vínculo, sem pretender uma classi cação terpretação. Sempre haverá algo de misterioso
abrangente, mas apenas identi car mais facil- e inescrutável em toda relação amorosa, além
mente aspectos mais inportantes e signi cativos de certo grau de imprevisibilidade. É. portanto,
na maneira de se relacionar do casal. O vínculo de indispensável que o terapeuta de casal tenha
casal é sempre único, mas podemos encontrar sensibilidade e humildade para respeitar essas
distorções comuns a vários vínculos de casal. características dos casais.
Nesse sentido, aplicamos a visão teórica de Com o crescente aumento da sobrevidae
que os quatro dinamismos arquetípicos, estrutu- do que se espera do casamento, é cada vez
rantes de nossa personalidade, estão sempre mais di cil que um casamento seja a única rela-
presentes: portanto, esse vínculo terá sempre uma Ção de casal, de modo válido, por toda a vida.
dimensão parental (arquétipos de mãe e pai), Vidas em comum precisam se harmonizar em
uma dimensāo conjugal e outra cósmica (Vargas, um complexo processo de individuação a dois.
2004). Asim, as perturbações vinculares poderão É um processo riquíssimo, mas difícil, no qual re-
ser discriminadas como preponderantemente núnciase sacri ciossão necessários, porém sem
provenientes de qualquer um desses dinamismos. lesões às individualidades dos cônjuges.
A psicopatologia mais clássica dos vínculos É fundamental que o casamento dure en-
de casal centra-se nos dinamismos parentais, na quanto houver amor e vida, sendo assim eterno
visão de que situações mal resolvidas nas vivên- enquanto existir amor entre os cônjuges. Um
cias parentais pregressas na vida dos cônjuges casamento não deixa de ter "dado certo" por
se repetem através dos mecanismos de defesa, não ter durado toda a vida.
causando transtornos. Acreditamos, porém, que O que caracteriza fundamnentalmente um ca-
muitosdistúrbios do casal serão mais compreen- samento éovínculoconjugal. Aquele que se reduz
didos se considerarmos as problemáticas da aum vínculoparental ou a uma parceria religiosa,
criatividade da vida adulta e da bUSCa da indi- política ou losó ca não con gura umn casamento
viduação. Nossa visão do vínculo de casal pleno. Poderá ser uma boa sociedade, com gran-
também se enriquecerá se considerarmos, além de companheirismo, mas não será um casamento
da perspectiva regressiva, a prospectiva, pes- pleno e válido como tal.Gostaria de ressaltar que,
quisando não só os "porquês" mas também os no caso de casais, o terapeuta deve estar sempre
"quês" e os "para quê". atento às variadas situações transferenciais que
Anima e Animus são os arquétipos que presidem OcoTerāo no setting terapêutico, não Só entre casal
os casamentos na sua dimensão de alteridade, e terapeuta, mas também entre os cônjuges.
que busca criatividade e desenvolvimento. Encon- Em geral, trabalha-se com uma sessão por se-
tramoscascisque semantêmporcomplementações mana. Assessões costumam ser muito mobilizadoras,
mórbidas, ńgidas e defensivas e não pelas realiza- de fortes emoções, pois os envolvimentos são gran-
ções e transformações criativas. Esses casais des. Em situações de crises conjugais, a frequência
"acomodados" e que frequentemente não pro- pode ser maior, bem como a duração da sessão,
curam ajuda podem, às vezes, fazê-lo por normalmente de 50min. A duração da terapia é
problemas dos lhos ou fatores estressantes para variável, em geral com poucas sessões. Pode-se,
O casal. eventualmente,fazerum contrato com pre xação
Um casamento pode validamente acabar do número de sessões.Às vezes, a terapia pode se
quando não existirem razões signi cativas para estender por mais tempo, quando se tornar muito
que continue oU possa se transformar em um produtiva para os processos de individuação dos
novo vínculo. Quando existem lhos, é muito im- cônjuges, quando então estes funcionam como
portantea preservação do casal parental. O que fatoresterapêuticos mutuamente, reforçando mu-
pode ser muito lesivo para os lhos não é a separa- to seu companheirisno e aliança. 978-85-7241-915-4
ção docasalparentalem si,maso comportamento
dos genitores. INDICAÇÕES
Oencontro amoroso pode acontecer nasmais
variadas situações, às vezes até muito adversas. Em É fundamental que haja uma demanda, reco-
nossa cultura, frequentemente inicia-se pelo apai- nhecida oU não pelo casal. A procura pode vir
do próprio casal ou por recomendação de ana- mos na vida e na qual mais investimos. É importante
listas individuais dos membros de um casal, de cuidarmos dela e protegê-a. Muitas vezes, no
psicoterapeutas conhecidos do casal, de médi- entanto, é a relação na qual menos investimos e
cos, de antigos clientes do terapeuta, da escola cuidamos, pois nos sentimos "em casa", incons-
oU dos terapeutas dos hos, etc. cientemente comportando-nos de maneira
Uma prinmeira consulta deve servir para um inadequada, assegurados por um amor pretensc-
diagnóstico da situação e indicação ou não de mente incondicional e garantido.
terapia de casal. Caso um cônjuge compareça Como também é frequente em psicoterapia
sozinho à primeira consulta, se a indicação for para individual, com casais idosos, é frequente traba-
casal, deve-se oferecer ao outro cônjuge amesma Iharmos mais com os aspectos prospectivos, de
possibilidade, cando claro para ambos, porém, buscas, do que retrospectivamente, com ques-
que tudo que for revelado nessascircunstäncias tões do passado e de infância.
não será sigilo entre terapeuta e cliente. Na terapia
de casais, é sagrado não haver segredos entre um
CONTRAINDICAÇÕES
Cônjugeeo terapeuta,preservando-se a postura
de igualdade do terapeuta perante os cônjuges, As contraindicações absolutas são as psiquiáti-
não comprometendo seu papel de intermediador cas. Um cônjuge muito deprimido, delirante, com
entre eles. muitas defesas psicopáticas oU muito fragilizado
Na hipótese de um ou ambos os cônjuges não não suportaria um confronto igualitário ou pode-
desejarem continuar casados, poderá haver in- ria fazer mau uso dele. Pode-se, eventualmente,
dicação de terapia de casal para que possam USar o atendimento do casal como estratégia
separar-se da melhor maneira possível. Muitas para tratar o cônjuge mais comprometido que,
vezes, a separação de um casal é dolorOsa e muitas vezes, se recusa a um tratamento indivi-
difícil, principalmente quando existem áreas de dual, mas concorda em ir ao terapeuta desde
interesse comum com grandes divergências e que estejajunto com seu cônjuge. Não se trataia,
con itos, por questões familiares,pro ssionaise/ou nesses casos, de uma terapia de casal, mas de
econômicas. E o caso, por exemplo, de quando uma terapia individual com sessõesvinculares em
existem lhos, quando é muito importante a pre- que um cônjugeé auxiliar terapêutico.
servação do vínculo parental em bons termos, às Entre as contraindicações relativas, podemos
vezes com grande melhora desses papéis. O destacar aquelas em que há isco de revelação
vínculo conjugal pode e muitas vezes deve ser de segredo, falta de motivação ou transferência
rompido, mas o vínculo parental com os lhos é muito forte, que não se consegue transpor, de
eterno. Não há ex-pai e ex-mãe; somente ex- um dos cônjuges com o terapeuta.
cônjuge. Crianças precisam de pai e mãe que O atendimento costuma ser feito no consu-
funcionem bem nesses papéis, sendo de menor tório ou em instituições de assistência. O trabalho
relevância se eles são ou não casados. Genitores com casais em grupo pode ser útil quando se
que vivem juntos, mas vivem mal e, consequen- tratam casais que buscam prevenção ou preparo
tenente, perdem a condição de serem bons e (por exemplo, para o casamento, como lidar com
adequados genitores, podem lesar maisseus hos hos, etc.) ou que tenham um problema em co-
que aqueles que se separam mas conseguem mum (por exemplo, alcoolisno). Para casais com
desempenhar bem seus papéis de mãe e pai. di culdades e problemas mais intimos, porém, o
A busca pela terapia de casal pode existir setting mais adequado e continente é o propor-
por uma situação de crise ou porque os cônjuges cionado especi camente para eles. É muito
desejam ajuda para viver melhorou resolverseus importante a preservação da intimidade e alian-
problemas e desentendimentos repetitivos e ça do casal, pois revelações da individualidade
desgastantes. Às vezes, uma terapia individual de cada um podem ser muito destrutivas por fe-
paralisada ou poUCo frutifera pode ser indicação rirem muito o outroe, se ampliadas para osocial.
para terapia de casal, na qual a participação podem se tornar mais difíceis de serem reparadas.
do cônjuge pode mobilizar e trazer à tona di - E importante esclarecer para o casal que não se
culdades e feridas que não estão sendo levadas espera, nessa forma de terapia, total entrega de
para a individual, já que a terapia de casal é todas as vivências dos cônjuges, como na anál-
muito mobilizadora e pode fertilizar a terapia se individual. É, porém, esperável que tudo que
individual paralisada. diga respeito ao relacionamento do casal seja
A relaçāo de casal costuma ser a relação trazido para a terapia, uma vez que é esse o
mais importante, íntima e profunda que construí- sentido maior da terapia de casal, em que se
utiliza o vínculo de casal como instrumento tera- de individuação ajudam o terapeuta de casal a
pêutico. Há dimensões da individualidade de discriminar caracteristicas vinculares que se rela-
cada cônjuge que devem ser respeitadas no cionarão com os comportamentos dos cônjuges.
casamento e também na terapia de casal para
que não haja sufocamento e castração delas. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Contudo, é dever conjugal que tudo que diga
respeito ao relacionamento entre eles seja comu- A terapia de casal vem se expandindo e se de-
nicado omais cedo possível, de forma adegquada senvolvendo muitíssimo nas últimas décadas.
eno momento oportuno, para que o outro tenha, Espera-se e exige-se muito mais do casamento
ao ter consciência das vivências de seu Compa- e este, além de poder ser a relação mais íntima
nheiro, apossibilidade de lidar com elas damelhor e importante de nossas vidas, pode durar mais
maneira que for capaz, investindo desse modo tempo, pois a vidamédia não para de aumentar,
na melhoria do relacionamento. demandando mais cuidados e investimentos. O
Como já a rmado, o trabalho do analista casamento está, também, menos padronizado.
junguiano não se caracteriza por uma técnica É cada vez menos comum o casamento com
especí ca, mas pelos pressupostos teóricos da papéis previamente determinadose bem de -
psicologia analítica, por sUa visāo do ser humano. nidos socioculturalmente para os cônjUges,
O analista trabalhará com o casal utilizando-se conforme o gênero.
das mais variadas técnicas psicoterápicas que Cada casal deve construir o casamento que
conheçae domine, desde que as empregue é adequUado para si. Com o passar do tempo, os
com sabedoria e adequação para aquele casal Cônjugessofrem mudanças em todos os níveis de
especí co e naquele momento, assumindo ple- sUaspersonalidades, sendo necessário, para que
na responsabilidade pelo seu uSo. Elas serão possam continuar caminhando juntos, muito in-
praticamente as mesmas que ele poderá usar vestimento e integração contínua de diferenças.
nas sessões de psicoterapia individual e grupal. Daí a importância que se atribui à necessidade
Pressupõe-se, porém, no caso de casais, uma de diálogo frequente e verdadeiro entre os côn-
escuta cuidadosa de ambos os cônjuges, eo juges, para que suas transformações não sejam
trabalho com um deles deverá ser referenciado vividas de modo divergente oU antagônico e que
ao outro. Ao relato feito por um cônjuge deve-se, eles consigam permanecer lado a lado.
quase sempre, seguir a escuta do outro sobre o Tudo isso gera grande riqueza e desa os para
mesmo fato. A "verdade de cada um" precisa o Casamento, que se torna, cada vez mais, possí-
sempre ser levada em conta como intuito de vel fonte de desenvolvimento, realizaçāo e
que haja respeito e compreensão para"diferen- individuação. É claro que tudo isso leva o casa-
tes verdades" e, se possível, encontrar-se de mento aser campo de muitoscon itos, atualizações
onde provêm as diferenças. de problemas mal resolvidos e questionamentos
É também muito importante analisar e iden- sobre sentidos da vida para os cônjuges. Não é,
car as distorções nas comunicações entre os pois, de se estranhar que tenha aumentado tanto
cônjuges, procurando-se reconhecer problemas a demanda pela terapia de casal-eomesmo se
na emissão OU recepção de mensagens, como pode dizer da terapia de familia.
mensagens contraditórias, seleção de mensa-
gens, chantagens, etc.
O terapeuta procurará propiciar vivências REFERÊNCIAS
simbólicas ao casal por meio de interpretações ACKERMAN, N. W. Psicoterapia de la Familia Neurotica. Bue-
(redutivas e/ou prospectivas), ampliações, escla- nos Aires: Hormé, 1969.
recimentos, uso de recursos de mobilização
BATESON,G. et al. Interaccion Familiar. Buenos Aires: Edicio-
(dramatizações, imaginações estimuladas, fan-
nes Buenos Aires, 1980.
tasias dirigidas, trabalho com sonhos, etc.) e o
BYINGTON, C. A. B. A identidade pós-patriarcal do homem e
trabalho com transferência e contratransferência.
Ele será guiado pelo processo de individuação da mulher e a estruturação quaternáia do padrão de
alteridade da consciência pelos arquétipos da Anima
do casale estará a serviço dele, usando os recur-
e do Animus. Junguiana, São Paulo, v. 4, p. 5-69, 1986.
SOsque conhecer ejulgar convenierntes para seu
trabalho com aquele casal e naquela ocasião. BYINGTON, C. A. B. O desenvolvimento simbólico da person-
A discriminação do vínculo de casal como alidade. Junguiana, São Paulo, v. I, p.&-63, 1983.
parental, conjugal e de sabedoria, a tipologia e a DICKS, H. V. Object relation theory and marital studies. Brit. J.
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lis: Vozes, 2000. VARGAS, N. S. Terapia de Casais. São Paulo: Madras, 2004.
(APA, 2002), o autismo é diagnosticado pelos fatos sobre meteorologia ou em ngir serum
itens seguintes, incluindo-se pelo menos dois itens personagem de fantasia.
do primeiro grupo, um do segundo e um do ter- 4. Iníciongprimeirainfância ouinfância,espe-
ceiro, em um total de seis: ci cando seo início do problemasedeu ng
primeira infância (após os36nmesesdevidg).
1. Incapacidade qualitativanaintegracão
Socialrecíproca, manifestadapor acentuada Considerando-se a Classi cação Internacio-
falta de alerta da existênciaousentimentos nal de Doenças - décima revisão(CID-10)(OMS,
dos outros; ausência oubUSCade conforto 1993), essa categoria diagnóstica encontra-se no
anormal por ocasião desofrimento; iritação grupo dostranstornosglobais dodesenvolvimen-
ausente oU comprometida: jogo social anor- to de nida como um grupOCaracterizadopor
mal ou ausente: nítida incapacidade de alteraçõesqualitoativasdas interaçõesqualita vas
fazer amizade comseuspares. dasinterações sociais recíprocos emodalidades
2. Incapacidade qualitativa na comunicação de comunicaçāoe porum repertóio deinteres-
verbal e não verbal e naatividadeimagi- sese atividades restrito, estereotipado erepetitivo.
nativa, manifestada porausênciade modo Essas anomalias qualitativas constituem uma
de comunicaçāo, Como balbucio comuni- caracteristica global do funcionamento do su-
cativo, expressão facial, gestos, mímica ou jeito, em todas as ocasiões.
linguagem falada: comunicação nãover- Sob o ponto de vista funcional e etiológico,
bal acentuadamenteanormal,comoolhar mesmo a escola francesa, comn sua tradição
fxo olho noolho.,expressãofacial,postura psicodinâmica, prefere ver o autismo hoje vin-
corporal ou gestos para iniciar ou modular culado à questão cognitiva (Lellord e Sauvage.
a interação social: ausência de atividade 1991) com Lebovici (1991). sendo textual quando
imaginativa, comorepresentação de pa- diz que, "para os clínicos, o autismo é uma sín-
péis de adultos.personagens de fantasiaou drome relativamente precisa". sendo "altamente
animais, falta de interesse em históias sobre improvável que existam casos de autismo não
acontecimentos imaginários: anormalida- orgânico" e que "o autismo é uma disfunção or-
des marcantes ng produção dodiscurso, gânica-e não um problema dos pais" -issonão
incluindo volume, entonação, estresse,ritmo. é matéria para discussão. Gillberg (1990) mostra
velocidade e modulação; anormalidades que o novo modo de ver o autismo é biológico
marcantes na forma ou no conteúdo do (Assumpção Jr. 2007).
discurso, abrangendo oUSOestereotipado Sua ligação com a de ciência mental parece
erepetitivo da falg, uso de você quando eu ser clara, estabelecendo-se a noção de um "con-
épretendido,frequentesapartes ielevan- tinuum autistico" (Wing. 1988) em funçāo da
tes; incapacidade marcante na habilidade variação de inteligência, com características
de iniciar ou sustentar uma conversação sintomatológicas decorrentes desse per l de de-
com os outros, apesar da fala adequada. sempenho, o que, de acordo com os trabalhos
3. Repertório de atividades einteressesacen- de Frith (1988, 1989) e Baron-Cohen (1988, 1990.
tuadamente restritos,manifestado por 1991), faz com que se questione o conceito pr-
movimentoscorporaisestereotipados, como mitivo de Kanner ea própria noção depsicose.
pancadinhas com as mãos, rotação, movi- O conceito dessa condição modi cou-se
mentos de torção, batimentos da cabeça, muito desde a sua descrição inicial em 1943.
movimentos complexos de todo o corpo; quando foi considerada uma doença comcau-
insistente preocupação com parte de ob- sas parentais, dentre as quais se enfatizava a
jetos ou vinculação com objetosinusitados: maternagem inadequada. Hoje a condição é
ysofrimento acentuado com mudanças tri- entendida fazendo parte de um continvum de
Miais no aspecto do ambiente, por exemplo, características próprias do espectro do autismo
quando um vaso é retirado de sua posição com causas biológicas, congênitas.
USUal; insistência sem motivo em seguir roti- Assim, segundo Gillberg (1990), o autismo tem
nas comdetalhesprecisOS- porexemplo, de serconsideradoumasíndromecomportamen-
obstinação em seguirsempre exatamente tal com etiologias ui ptas em consequencia de
o mesmo caminho para as compras; âmbi- um distúrbiodedesenvolvimento.Caracteriza-se
to de interesse marcadamente restrito e por um dé cit na interação socialvisualizadopela
preocupação com interesse limitado-por inabilidade derelacionar-se como outrocombi-
exemplo, em en leirar objetos, em acumular nado com dé cits de linguagem e alteraçõesde
comportamento,sendo associadoa uma vasta Deve-se considerar que o mesmo marcador não
gama de condiçõespré, periepós-natais.Assim, está presente em todos os casos e. por outro
o autismo é um distúrbio do desenvolvimernto com lado, nenm todo indivíduo que tem um desses
basesneurobiológicás que se caracteriza por marcadores é. necessariamente, autista: toda-
prejuizosnasáreasde interação social, comuni- via, a associação entre o quadro dos transtornos
Cação e comportamento. Schwartzman (2003) globais do desenvolvimento e alguns desses
mostraque ca cada vez mais claro que se trata marcadores é tão frequente que não se pode
de um quadro inespecí co, ou seja, que não tem considerá-la simples coincidência.
umaúnica causa e que não decore da disfunção O chamado autismo de Kanner é o mais gra-[
de uma mesma estrutura neural. ve na classi cação dos transtornos globais do
A prevalência do autismo era estimada em desenvolvimento. Pertencem às condições me-
cerca de 10 afetados para cada 10.000 indiví- nos graves a síndrome de Asperger eo autismo
duos da população geral. QUando os autores de alto funcionamento, sendo essas duas últimas
passaramase referir aos transtornos invasivosOU condições difíceis de serem diferenciadas. São os
globais de modo geral, chegou a ser estimada quadros nos quais a inteligência está preservada.
em 1:1.000, 1:350 e mesmo l:160. É alta a proba-
bilidade de quadros de autismo associado a
inúmeras condições médicas, sendo as mais
Ponto de vista simbólico-arquetipico
frequentes a de ciência mental, a epilepsia, a Do ponto de vista da psicologia junguiana, acre-
síndrome do X frágil, a síndrome da rubéola con- dita-se que a organização do desenvolvimento é
gênita, as infecções pré-natais, a síndrome de arquetípica, istoé, o desenvolvimento se processa
Down, a síndrome de Angelman, a síndrome sob aordenaçãodoSelf,arquétipocentralcomo
fetal alcoólica, entre muitas outras. O eletroen- princípio de totalidade. O conceito contemporâ-
cefalograma (EEG) foi um dos primeiros exames neo de arquétipo, descrito por Knox (2003).
neuro siológicos estUdados no qutismo. Sabe-se equaciona os arquétipos com esquemas de ima-
que há elevado mdice de anormalidades bio- gens, modelos espaciais que são formados
elétricas e de epilepsia em casos de autismo precocemente no desenvolvimento mental e ar-
(Schwartzman, 2003). mazenam informações essenciais sobre as relações
Fatores genéticos estão presentes em boa espaciais dos objetos do mundo ao nosso redor.
parte dos casos de transtornos globais do desen- Os arquétipos não são estruturas genéticas inatas,
volvimento, podendo-se apontar três diferentes como se acreditou por tanto tempo, embora o
argumentos nesse sentido: próprio Jung acreditasse que eles eram matrizes
herdadas enquanto espécie, isto é, comuns à
)A concentraçãofamiliardecasosde au- espécie humana. Atualmente. postula-se que
tismo: o autismo é mais comumentre irmãos existem mecanismos genéticos de orientação
de crianças afetadas. especi ca, sendo o gene entendido como um
A concentração familiar de outras condi- çatalizador. Assim, o arquétipo deve ser entendido
Ções e/oU Características em familiares de não como uma estrutura inata, mas como uma
autistas: há uma séie de alterações discre- estruturaemergente,derivada dodesenvolvimen-
tas, mas possivelmente relacionadas Com to auto-organizado do cérebro. As primeiras
o autismo, em parentes próximos dos indi- estruturaspsiquicas, esquemas de imagens, ofere-
víduos afetados. cem um modelo atual para os arquétipos, no
3) A conhecida associação entre autismo e sentido que eles organizam a experiência,
várias condições de origem genética. enquanto elespróprios permanecem sem con-
teúdo e aquémdo domínioda consciência. O
A prevalência de autismo entre irmãos, excluí- esquema de imagem parece corresponder ao
dososcasos em queo autismo acompanha outra próprio arquétipo e a imagem arquetipica pode
condição de base genética, é estimada em cerca ser equacionada com as extensões metafóricas
de 2 a3%%.Esse núnmero, apesar de pequeno em inumeráveis, que derivam dos esquemas de
valores absolutos, é, ainda assim, 50 a 100 vezes imagem. Osarquétipos são gestalts que funcio-
maior quea prevalência estimada para o autismo nam comobasepara aelaboraçãodepadrões
na população geral (Shwartzman, 2003). no mundo simbólico.
Não é possível falar em um marcador bioló- Diferentestrajetos de desenvolvimento podem
gIco especí co nos quadros do autismo, uma vez ser traçados em função da interação dos meca-
que vários marcadores têm sido identi cados. nismosgenéticos de orientação especi ca com a
Os distúrbios da comunicação, as reações velmente possa serassim justi cado o não apego
sensoriais atípicas, as estereotipias comporta- aobietostransicionais, macios, fofose suasubsti:-
mentais mantêm a criança isolada do mundo tuição pelos objetos autísticos, duros. pontudos.
dos outros. No ser humano tipico, emoções e es- Aimpossibilidadeda constelaçãodoarqué-
tados siológicos levam a desejos. Crenças e tipo matriarcal colocaem risco a própria
desejos estão intrinsecamente relacionados no sObrevivềncia da criança. Ela não consegueser
padrão da ação humana. A percepção e a atendida porndão poder ser compreendida nas
integração dos estimulos levam a crenças sobre SUas necessidades. A vivência de uma angstia
o outro, sobre as situações. Crenças e desejos se que não pode ser nomeadageradesespero
combinam e determinam a ação que leva à difícil de ser aplacado por uma mãe que se vê
reação de certeza ou surpresa, caso a crença sem meios e que também se desespera.A busca
se con rme ou não, e ao prazer e à alegria ou do isolamento,muitasvezes acompanhada da
ao desprazer e à tristeza pela satisfação ou não movimentação estereotipada, não funcional,
do desejo. Todo esse processo está alterado no parece ser o melo que essa criança encontra,
ser humano com autismo. Sozinha, para lidar com sua crise de angústia.
No bebê comautismo,jáse observaafalta Mas, diferente das demais crianças, essa não
do desejopelooutro,afalta dodesejododese- vive a ansiedade pela separação, pelasensa-
jo dooutro,oqueacareta oimpedimentopara. Ção do abandono. Ela vive o medo, a angústia
aaquisição dapercepção de sie do outro,Q pela incompreensão e ainsatisfação pelonão
desejo pelo outro não ocorre pelaauSênciado atendimento àssUasnecessidades básicas,o
espaço da falta. Não se cria o espaço da falta que gera ascrisesde desorganizacão.
entre um eu e um outro,para quese sintaa fal- É amãepessoalque,muitasvezes,sesente
ta dooutro,para queseentristeçapelafaltado abandonada e, comfrequência, tende aprojetar
outro e em função da faltasedeseijeooutro. SUa ferida matriarcal sobre o lho. A maioia das
A ausência do desejo pelo outroimpossibilita pessoas,aliás, repete essa atuaçãoe, em função
aemergência dafantasia,dafantasiaemrelaçãoa da projeção do dinamismo matriarcal ferido,
esse outro, que conduziria à capacidade cogniti- forma-se uma sombra que, colocada sobre a
Va deatribuirsentimentos,intençõesaoQutro.parg pessoa com esse transtorno, a faz ser vista Com
atribuir signi cado às interações humanas. pena, como "anormal" ou Como"coitadinha",
As pesSOas com autismo parecem seres fora nomeações que sempre a desprestigiam como
da possibilidade de seguir o padrão humano na pessoa. Isso pode di cultar acompreensão dessa
sUa totalidade. Poder-se-ia falar de uma sobrevi- forma tão diferente de ser e inviabilizar a possibi-
vência psicológicaem condiçõesatípicas.O eu lidade da sua individuação, ainda que peculiar.
se estrutura em termos de outras codi cações, O ho precisa servisto do jeito que ele é e não
isolado, privado das vivênciasrelacionaisprimor- de formaidealizada.
diais. Anão introjeção dasexperiênciaseu-outro.
das experiênciasmatriarcais,impede a vivência
Os dinamismos patriarcais
de separação e de falta.Há,nessafase,pratica-
mente a agenesia da possitbilidade de desejar. As pessoas com autismo, privadas da função de
Não há, portanto, nesse momento, espaço para relação da função afetiva, característica da
a intersubjetividade. Além disso, a subjetividade dinâmica matriarcal, na impossibilidade da es-
que vai se desenvolver no bebê na condição truturação matriarcal da consciência, podem
desse espectro parece ser alterada, diferenfe adquiriruma.estruturação da consciênciavia
demais do padrão comum, o que di culta o en- dinamismo patriarcal. Os dinamismospatriarcais
tendimento e o atendimento de suasnecessidades. são osdinamismosda lei, da ordem,dasnormas
Esse bebê vive o processo de maturação e do código. Ao arquétipo do Pairelaciona-se
biologicarelativo asuasnecessidadesdesobre- o amor de pai, que é uma forma de amorque
vivência. Mostra comportamentos de apego, também dirige o desenvolvimento e éumaforma
mas o apego parece ser apenas porsegurança de amorque pode serCompreendidae cores-
e não por liação.Difererntedosdemaisbebểs, pondida pela pesSOa com autismo. O
para ele.o apego não conduz àsvivênciasafe- funcionamento das pessoas com autismo que
tivas, não leva ao fortalecimento da capacidade (têm a inteligência preservada é o funcionamen-
de amar. |to de uma outra forma de mente, que se
Não é possívelparaesse bebêa continêncig, desenvolve sob um padrão diferente, o que faz
a proteção, o apaziguamento matriarcal. Prova- lcom que esse indivíduo, durante sua vida inteira,
também necessite de estimulação diferente. Ele mente ponto por ponto - daí, muitas vezes, a
precisa ser entendido na sua peculiaridade para memória prodigiosa.
que possa ser atendido no que necessita. As Nos casos nos quais a inteligência está pre-
pessoascom autismo parecem car subordina- servada, a criança costuma se alfabetizar com
dasàsfurnçõesda informaçāo, da coerêncig e relativa facilidade. Ela pode se sentir atraída.
da lógica. Ser conmpreendido, ser aceito, ser precocemente,paraletras enúmeros.Algumas
recebido é ser gostado. A con abilidade no crianças aprendem a ler sozinhas, aos 2 ou 3
outro surge pela experiência relacional que anos, sem qualquer aprendizado formal, apesar
acontece ao longo do tempo e leva à percep- do atrasco e/ou alteração do desenvolvimento
Çãodareciprocidade.Cultiva-seatradição, a da linguagem e do desenvolvimento perceptomo-
previsibilidade, a ética e a honestidade. tor. A alfatbetização costuma trazer consideável
Dessa forma, pode nascer uma intersubjeti- alívio para os pais, pois, além de signi car melhor
vidade baseada na correspondência, na comunicação como mundo, tende a abrir uma
comunicabilidadeinteligente, na honra, nahis- nova possibilidade para a criança, que. progres-
tórià do relacionamento e na con ança. No sivamente, via leitura, adquire novos interesses,
desenvolvimento padrão, as trocas afetivas é ainda que, em geral, com caracteristicas obses-
que favorecem as trocas cognitivas; de forma sivas ou estereotipadas.
oposta, as pessoas com autismo desenvolvem Surge um período de um poUCo mais de es-
astrocas afetivas a partir da possibilidadedas tabilidade. Os pais pessoais, humanizadores do
trocas cOgnitivas Com oS Outros. arquétipođoPai,têm apossibilidadede ajudar
Se. para os indivíduos ditos normais, durante aordenar, a organizar o conhecimento das rela-
toda a vida, mas especialmente na infância, a Çõesentre o mundo externo e o mundointerno
a ção e a ansiedade provênm da vivência de ga criança. O desenvolvimentocrescente das
sensações de abandono, para as pessoas nessa representaçõesmentaisquxiliaa adaptação. No
condição a a ição ea ansiedade não surgem entanto, é uma adaptação parcial. O outro, no
diantedassensações de abandono, massimem relacionamento,só éconsideradonamedidaem
face da constatação da desordem,do imprevi- que atendeaosinteressesespecí cosda criança.
Sível, do não computável, determinando crises QUanto à conduta social, observa-se tam-
que podem ser nomeadas como crises de desor- bém a atipia. Inserida no grupo da escola,
ganização, difíiceis de serem controladas. podendo participar das atividades grupis, a
Com o aprimoramento das funções lógicas, criança com autismo inclina-se a permanecer
racionais, da primazia do uso do pensamento, em uma posição marginal ao grupo de referện-
sob a dominância patriarcal, a criança com cia e. por sUas peculiaridades, na maioria das
autismo ganha uma possibilidade melhor de vezes malcompreendidas pelos demais. pode se
adquirir conhecimento sobre o mundo das pes- tornar vítima de bullying.
SO0s,ainda que o mundodascOisas,o mundo O desempenho acadêmico pode ser bem-
objetivo,do conhecimento, doprocessamento -SUcedido. Os testes de desempenho intelectual
doestímulocognitivo lheseja,semdúvida, mui- mostram aumento consistente nos quocientes
to mais motivador. Evoluindo na competência ao longo da vida. Os testes, no início da vida
de estabelecer relações de causa e efeito, o adulta, mostram-semelhores quando compara-
mundopode passara sermais previsivele,por- dos aosrealizadosna infânciaena adolescência.
tanto. menosassUstador. O armazenamento de informações, favorecido
Aconstelacãodo arquétipo do Paitende a nas faculdades, quando dirigido aos interesses
ordenarO mundo da criança. Ela busca clara- especí cos, pode ser muito motivador e até
menterotinas,situações que ela possa decodi car atraente, ainda que sofrido sempre, dadas as
pois a possibilidade de antecipar o que irá ocor- di culdades de trabalho erm equipe, as di cul-
rer lhe dará maior controlesobre a angústia. A dades de precisar ceder diante das atividades
literalidadetende a dominarseupensamentoe fora dos interesses especí cos e as di culdades
adetérminarsua ação. Muitascriançasmostram de regular as emoções nas relações com os
evidência de prodigiosa memórig. Com a fun- demais.Algunsconseguemseguiro aprendizado
çãointegradora da mente comprometida, sem padrão, mas a maioria ainda necessita do auxí-
a função da coerência central, os eventos são lio dasleis deincluUSãoeproOsseguecomo alunos
engramados segundo padrões atipicos, despro- especiais.Não raro,osjovens cursam uma facul-
vidos também da qualidade emocional do dade após a outra ou se dedicama cursos de
momento, o que facilita a evocação pratica- pós-graduação, uma vez que a inserção no
a busca do sentido da própria existência. É um acontece, mas, de modo parcial, pode-se veri car
ideal sempre buscado. jamais atingido. Funciona a elaboração simbólica acontecendo via Logos.
como um indicador de caminho. Mais cedo que para as demais crianças, o
A totalidade psíquica, representada pelo ar- pensamentoe o conhecimento lógico podem ser
quétipo do Self, que pode ser gurado como a adquiridos e, quando o são, auxiliam signi cativg
imagem de Deus, contém opostos e aponta para mente a gdaptação. O pensamento mágico, de
Uma meta ainda não atingida de superação de ordem mafñarca, não pôde ser desenvolvido e
con tos, de integração. As questões transcen- nem mesmo adquirido, mas o pensamento de
dentais do ser humano são primariamente ordem patriarcal surge e tem primordialmente a
experimentais e totalmente subjetivas. função de compensar a alteração da função
Naspessoas com gutişmo,encontramos a sensação, a qual determinoU defasagem impor-
percepçãodeDeuspela lógica e pelointelecto. tante no aprendizado perceptivo-motor impedindo
Pode-seobservar o apego àsinstituiçõesreligiosas, a aquisição da noção do esquema corporal e
masas relações que se estabelecem ligam-se mais distorcendo a imagem de si mesmo.
āsregras,muitasvezesseguidasde forma rigida e Como se monta um quebra-cabeças, pela
estereotipada, que às relações constituídas. A lógica da relação de suaspartes,a criança ng
noção do sentido da própria existência parece segunda infânciaeo adolescente podem ad-
não ser formulada pela mente pragmática e pou- quiriruma noção de seu corpo, parte por parte
co exível das pessoas com essa condição. Assim, ệ,dessaforma,representarinternamente a img-
existe a possibilidade do processo religioso, mas gem de si mesmos, base para a sua identidade.
ele parece ser sempre peculiar. Grandin (1997), ao Existea
pOSsİbilidade
de oSelf,determinando a
relatar sua experiência pessoal de uma pessOa organização arquetipica do desenvolvimento, suprir
com autismo, fala em Deus como a força última, a função transcendente (a que estabelece a liga-
fundaçãoemistério, como é evidente nas teorias ção do inconsciente com a consciência) e suprir
cosmológicas de física quântica. mesmo a alteridade para essesseres que precisam
buscarseu processo de individuação sem o funcio-
namento matriarcal ou na extrema limitação dele,
APSICOTERAPIA que faz pensar mesmo em agenesia.
Na criança com autismo com inteligência preser-
Naimpossitbilidade da estruturação matriarcal
vada, o eu pode se estruturar e se diferenciar, mas
daconsciência, de modosubstitutivo, pode ocorer
embases muito diferentes do padrão arquetípico uma estruturação da consciência via dinamismo
humano. Pela agenesia da estruturação matiar- patriarcal. O papel Filhodo Pai pode vir a car
cal da consciência ou hipotro a dos dinamismos hipertró cOparavicariar a hipotro a do papel
matriarcais, compensatoriamente pode ocorrer Filho da Mãe. O funcionamento do portador do
uma precoce e hipertró ca estruturação patriarcal
transtorno global dodesenvolvinmentoque tem a
da consciência. O eu parcialmente se diferencia
inteligência preservada é o funcionamento de
uma outra forma de mente. que se desenvolve
doSelfeseestrüturaem função do arquétipodo
sob um padrão diferente, o que faz com que esse
Pai. O arquétipo do Pai é codi cável.Pelasua
indivíduo necessite, desde o início da vida, de
humanização, há a possibilidade do apaziguUa-
mento, da continência, da proteção e do uma estimulação também diferente.
978-85-7241-915-4
Suporte (Araujo et al., 2009).
Oeu que se estrutura em função da ativação A prática psicoterapêutica e a
desse arquétipo é um eu parcial e atípico. O orientação à família
dinamisnopatriarcal,que éo daordem,dalögica,
do planejamento, da previsibilidade, da inteligi- Em função de suas condições tão peculiares
blidade,confere "suporte ao eu": casocontrário, e por viverem sob os determinantes de uma
esse eu provavelmente voltaria ao abandono cultura na qual não são adequadamente com-
primordialdainviabilidadedoser,semapossibi- preendidas, as pessoas com autismo têm um
liđade doprocessoda individuação. processo de desenvolvimento psicológico bas-
As funçõesestruturoantesparaa expansão da tante difícil e penoso. E provável que apenas
Consciênciae diferenciação do eu vão entrar em uma minoria dessas pessOas, a que possui a
fUncionamento via dominância patriarcal. Assim, inteligência preservada, possa chegar a um
e provável que a elaboração simbólica possa processo de individuação, com a possibilid ade
OCoTervia arquétipo do Pai. A elaboração simbó- de descobrir a própria forma de ser e talvezo
lca viaEros com caracteristicas matriarcais não sentido de sua existência.
kosos
Assim, após uma primeira infância caótica, heroica, aluta dirigida pelo direito de serímpar.
em que a desorientação permeia os contatos da A ajuda a essa luta deve ser o objetivo da psico-
criança com seu ambiente e vice-versa, e uma terapia àspessoas com quadros de autisno. Esse
segunda infância em que a aquisição das ope- Obje vo. porém, precisa já ser colocado desde
rações lógicas do pensamento auxiliam a o início do atendimento às crianças mais jovens
adaptação, o indivíduo com funcionamento e na orientação a seus pais. A ojuda à adapta
autista e inteligente chega à adolescência, quan- Ção ao mundo dos chamados neurotipicos é
do, de fato, ele se percebe muito diferente dos necessáia à sobrevivência neste mundo, mas
demais e, muitas vezes, se deprime, pois essa ganhar a consciência do direito de funcionar
consciência acareta um novo tipo desofrimento. como diferente é igualmente necessário.
A adolescência eo início da vida adulta ca- Hoje, o indivíduo com autismo tem uma so-
racterizam-sepor uma lutatitânica - uma luta brecarga. Ele carega as di culdades e limitações
pelo direito àexistência.Servemuito bem a ima- trazidas por suas próprias condições e ainda
gem dos titās, a segunda geração divina - seres carega o estigma de uma outra anormalidade
primordiais, tão intensos na sua expressividade, que não possui. Os autistas, com o passar do
mas desprovidos ainda de caracteres humanos. tempo, aprendem a descobrir pelo olhar dos
Alvarenga (1999) mostra que as guras titânicas outros que são diferentes, estranhos e que são
podem ser consideradas, simbolicamente, repre- não viáveis como humanos.
sentantes de todas as estruturas da consciência, A cultura tende a projetar nos portadores de
pois é desse mundo primordial que nasce um autismo sUa infelicidade ao vêlos e eles passam a
sistema organizado no qUal as coisas têm corpo ser lamentados e discriminados. Não compree-
'e forma. A especi cidade, porém, só é possível, dendo a função deestruturaçãodaorganização
do ponto de vista da mitologia, na terceira gera- patiarcal, a cultura projetaomatriarcal feridones-
Ção divina, em que Pai e Mãe estruturam o corpo saspessOas,projeta a ferida matiarcal em quem
)eo Herói estrutura o psiquismo. A luta dos titās, não tem imagens matriarcais e, por isso,elasnão
porém, é uma luta pela sobrevivência, muito di- tệm apossibilidade depossuir xaçõesmatriarcais.
ferente e anterior à luta do herói, que é a luta Desde o início de sua vida, a pessoa com
dirigida pelo direito de serímpar. autismo deve ser entendida e atendida na ne-
A partir da adolescência, as pessoas com cessidadede ativação precoce do arquétipodo
autismo e que têm a inteligência preservada Paie deveter orespaldode que ela édiferente.
tendema empreender uma luta para se tornarem Não se trata de negar a "anormalidade" dessa
S iguais aos seres considerados neurotípicos. Essa é pessoa, pois isso seria uma defesa que impossibi-
a luta titânica - luta reforçada e potencializada litaria ajudá-la. Trata-se, sim, de reconhecer essa
S pela sociedade e cultura. QUanto mais semelhan- "anormalidade" como agenesia daestruturação
tes eles se tornarem, quanto mais seguirem os matriarcal e não como o matriarcal ferido.
moldes padronizados de conduta, mais poderão Tal agenesia precisa ser elaborada onde ela
ser aceitos ou, pelo menos, tolerados. realmente ocorre. Caso seja trabalhada, que-
Na vida adulta das pessoas com autismo, rendo melhorar o dinamismomatriarcal, apessoa
pode surgir a percepção de uma diferença irre- com autismo adquire, sim, uma anormalidade.
versível em relação aos outros seres humanos. O além da alteração com a qual nasceu.
espaço construído para a subjetividade continua As pessoas ditas normais, ao sentirem que o in-
sendo pequeno e a intersubjetividade possivel é divíduo com funcionamento autista é desprovido
USUalnente baseada na lógica, na corespondên- do dinamismo matriarcal, esforçam-se porcuidá-
cia, na comunicação inteligente, na con ança, NHo e melhorá-lo. Este pode ser o emo fundamental
na fé. na reciprocidade, na estabilidade das rela- ho tratamento desse indivíduo. pois cria e reforça o
Ções.Afunção dorelacionamento casubordinada kentimento da inviablidade.Oindivíduocomautismo
ao dinamismo patriarcal. não quer e não precisa do dinamismo matriarcal,
Épossível que se possa observar uma fase de pois simplesmente não tem o que fazer com ele.
automatização das conquistas na segunda me- Pena, colo, aconchego, carinho, lágimas, mimos.
tade da vida. Mas o que poderá continuar a Superproteção emocional e dedicação afetiva
humanizar o Arquétipo do Pai? Poderáa função esmerada, tão necessárias à enfermagem do ar
transcendente operar para conseguir garantir quétipo matriarcal ferido, aqui são dispensáveis.
um processo de individuação em moldes tão Além de inúteis, fazem esse indivíduo experimentar
peculiares? E provável que haja a necessidade fracasso e culpa, pois ele é incapaz de, nessester-
não só de uma luta titânica, mas de uma lutal mos, coresponder à ajuda recebida.
reforçou, estimuloue possibilitou à maioria. Dife- child have a "theory of mind"? Cognition, v. 21, p. 37-
46, 1985.
rente não é necessariamente anormal, mas é o
menos provável e o menos comum. São nesse FRITH, U. Autism, explaining the enigma. Oxford: Blackwell
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éarquetipica,a função estruturante da organização GALIÁS, I. Re exões sobre o triângulo edipico. Junguiana,
patiarcal se torna dominante. Com um funciona- v. 6, p. 149-165, 1988.
mentoautista, o indivíduo tem os papéis, referentes GILLBERG,C. Infantile Autism: diagnosis and treatment. Acta
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