Você está na página 1de 15

Serafim e Malacueco na corte do rei Escama

(António Torrado, Teatro às três pancadas)

Personagens: Serafim / Malacueco / Pirata da perna de pau / Rei Escama

Cena 1

1
(Bate111 à porta da casa.)

Serafm1: Vossa excelência precisa de regar o ja rdin1...

Malacueco: .. . que já está muito seco.

Serafim: Aqui está o Serafin1. ..

Malacueco : .. . e o Malacueco.

Serafim: E1n troca pedimos . . .

Malacueco: .. . pão para a viagem.

Serafll11: Não te1nos dinheiro para pagar estalage1n.


(Abre-se a porta con1 espalhafato e aparece o Pfr ·a ta da
Perna de Pau, de espada na n1ão.)

Pirata da Perna de Pau: Quen1são vocês?

Serafim (Nf 1àto encolhido, con1 a voz a s11núr-se):


Serafin1. . .

Pirata da Perna de Pau: O quê?

Serafim (J\!fais alto, nJ as ainda assustado): Serafin1.

2
Pirata da Perna de Pau: (para 1\!falac11eco) E tu?
Malacueco (trén111!0 e gaguejante) :
I I I

Ma... 1a.. .cue... cue... cue... cueco.


Pirata da Perna de Pau: O quê?
Malacueco: (cànda assustado) Malacueco.
Pirata da Perna de Pau: (Des ;gnando-os con1 a espada)
Serafin1 e Malacueco?
Serafim e Malacueco : (en1 coro e serv;s ) Dois criados ao
vosso dispor. (desajeitada vénia).
Pirata da Perna de Pau: ( rindo-se) Meus criados? Eh!
Eh! Estão contratados. Eh! Eh!

Serafitn ( tentando atalhar): Nós só disse111os. . .

Malacueco (iden1): Nós não clisse111os. . .

Pirata da Perna de Pau: () vosso patrão a pa1iir d e


agora sou eu.
l..i

Malacueco (para o Serafinz ): Parece que fàlán1os de 111ais.

Pira ta da Perna de Pau: Sabe111 quem eu sou ?

3
(Serafi n1 e 1\!falac11eco .f azen1 que não coni a cabeça.)

Pirata da Perna de Pau: (rindo) Eh! Eh! Adivinhe1n. Sou


a Branca de Neve?
\

Serafi1n: (hesitando) A prüneira vista não parece ...

Pirata da Perna de Pau: Eh! Eh! Sou o Capuchinho


Vennelho? Ou sou o Lobo Mau ?
Malacueco: (a nz edo) Talvez . .. talvez tnai s. .. a segunda
hipótese ...
Pirata da Perna de Pau : Netn u1n ne1n outro. Eh! Eh! Eu
sou (cantaro/ando) o Pirata da Perna de Pau , elo olho de
vidro da cara de 1nau ...

Serafim e Malacueco: Brr! Que inedo!

Pirata da Perna de Pau: Vocês dois fazem parte da


equipage1n do meu navio. Vou sair daqui: navegar por
esses n1ares fora até encontrar u1na terra en1que as n1inhas
1naroscas não sejam conhecidas.

4
Serafim: E se o barco vai ao fundo?
Malacueco: Nós não sabe111os nadar . . .

Pirata da Perna de Pau: Dentro de água é que se


\

aprende. Eh! Eh! A 1ninha frente 1narchen1!


(E les n'!archan1, cap itaneados pelo Pirata .)

Malacueco: (t7 en1endo) Meteste-1ne en1 bons trabalho s,


11

Serafi1n!
Serafi1n: Tu é que 1ne n1eteste. ..
Malacueco: Foste tu !

Serafi1n: Não foste tu!


(Baten1 un1 no outro. O Pirata da Perna de Pau dá za11a
cacetada -espadeirada en1 an1bos.)

Pirata da Perna de Pau: Quero disciplina!

(Aparece enz cena a estrutura lateral de uni barco a


renios.)

Pirata da Perna de Pau: Toca a einbarcar. E discipl ina !

5
Malacueco: Ai a minha cabeça!

Serafim: Ai as ininhas costas!

(Entran1 dentro do barco. J\!falac11eco e Serafin i toniani


conta dos renzos. O P;rata con1anda, depé , à proa. )

Pirata da Perna de Pau: Toca a reinar.

(A casa, niovida por rodas, vai recuando. O barco jzca no

nzesnzo sítio. Se possível , alguns efe;tos visuais que deen1 a

ilusão de nzovinzento. )
Pirata da Perna de Pau: ( cantando) Eu sou o Pirata da
Perna de Pau, do olho de vidro da cara de 1nau...

(Ap arece enz cena un1a niinúscula ;/ha, tan1bénl nzovida a


rodas, que se aproxin1a do barco, onde esforçadan1ente
renianz Serqfi 111 e Adalacueco.)
6
Cena 2

Pi1ata ela Perna de Pau: Terra à vista!

(A ;/ha aproxin 1a-se do barco. Por trás da ilha aparece o


Rei. Tenz uni aspeto grotesco de Rei do Carnaval.)

Pira ta da Perna ele Pau: Todos ao ataque. Eh! Eh!


Abordage1n !

(A ilha e o barco chocani. O Pirata , de espada enz punho,


sat do barco. Os dois vagabundos seguen1-no,
n7 edrosan1ente.)

Pir1ta da Perna de Pau: ( dirigindo-se ao Rei,


anzeaçadoran1ente) Deita cá pa ra fora todo o teu
dinheira 1ne, 1nanipan so. Já ! Já que tenho pressa .

Rei: Co1no vindes insofiid o estrangeiro! Qu em sois? Que


pretendeis ? Donde vindes? Trazeis algu1na n1ensage1n de
u1nRei 1neu a1nigo, ó ilu stre etnbaixador?

Pirata da Perna de Pau: Qual n1ensage1n ne1n qual


carapuça! Quero os teus tesou ros, d epressa. Toca a
despachar.
7
(Serafi n1 e lvfalacueco volta111 a prostrar-se.)

Pirata da Perna de Pau: Eh! Eh! E o teu palácio os teus


vassalos, os teu s sú bditos onde estão eles?

(O barco puxado dos bastl'dores, con1eça a afastar-se da


ilha.)

Rei: Não tenho palácio , ne1n vassalos, ne1n súbditos,


ilustres estrangeiros. Vivo sozinho. Se tivesse va ssalos e
súbditos não ine deixava1n ser Rei co1no eu quero.

Pirata da Perna de Pau: Eh! Eh! Pois então dá cá tod o o


teu mealheiro, o teu tesouro que nós va1no-nos já einbora
e não te inco1noda1nos n1ais.

Rei: O meu tesouro impaciente estrangeiro é constitu ído


co1no o seu título anuncia, por espinhas de carapau e
esca1nas de ba calhau . Se assün o quereis levai-o e enchei
co1n ele o vosso barco.
8
Pirata da Perna de Pau: O nosso barco . .. onde está ele?
Socorro! Socorro! O nosso barco foi pu xado pela corrente.
(o barco afasta -se e desaparece. ) Vão buscá-lo;' vad ios.
Tragam o tneu barco, malandros .

Serafim: Nós não sabe1nos nadar. ..

Pira ta da Perna de Pau: (chorando) Nem eu ! Fu111! Fu111!


Perd i o meu querido barco, o ba rco que eu tinha roubado
con1tanta habilidade . Fum ! Fu1n ! Sou u1n desgraçado, u n1
pobre náufrago . Fum ! Fu1n !

Rei: Descansai ilustre estrangeiro , que eu vos darei gua rida


no 1neu reino enquanto não arranjardes transporte para a
vossa terra .

Sera fun: E nós?

Rei : (para Serafin1) Vós passais a pertencer ao n1eu


,
séquito. No1neio-vos ilu stre estrangeiro, Du que das Aguas
Claras.

Serafim: (curvando-se) Oh majestade que grande honra !

9
Rei: O vosso con1panheiro ton1ará o títu lo ele Marquês ela s
I

Aguas Turvas.
Malacueco: (curvando-se) Que bonito Serafi1n.

Serafim: Não 1ne trates por Serafi111. Sou o Du que das


Águas Claras.
I

Malacueco: E eu o Marquês das Aguas Turvas. Te1nos a


vida garantida.

Serafim: Nunca 1nais voltamos a trabalha r.

(Serafin1 e J\!falacueco fazen 1 salcunaleques unz ao outro.)


Pira ta da Perna de Pau: Tan1bén1quero u1n título , ó Rei
das Espinhas! Eh! Eh! Utn título cá para o Pirata amigo!
Rei: Vós sereis o Aln1irante-Mor ela esquadra do 1neu
reino.

Pirata da Perna de Pau: Onde estão os barcos dessa


esquad ra?
Rei: Sossegai Ahnirante ! A esquadra u1na esquadra a
perder de vista tê-la-e1nos, um dia, pa ra conquistar o
inundo .

10
Pirata da Perna de Pau: Eh! Eh! Co1nbinado !.. . Para
conquistar o inundo.

Malacueco: Não gosto disto, Du que.

Serafim: Ne1n eu, Marquês .

Pirata da Perna de Pau: Que estão vocês para aí a


conspirar? Trate1n do nosso ahnoço. Depressa !
,
Rei: (cha111ando) Du que das Agu as Claras e Marqu ês das
,
Aguas Turvas...
1

Serafim e Malacueco: (prostrando-se) As ordens de vossa


1najestade.

Rei: Obed ecei ao Ahnirante-Mor! Ide co1n prontidão


pesca r-nos u1n peixe ele bon1porte amanhai-o e cozinhai-
º enqua nto eu e o Aln1irante va1nos dar u1n passeio pela
ilha .

Serafim: (protestando) Mas eu sou Duque Majestade . ..

Malacueco : E eu Marquês. . .

11
(An1bos perderan 1 a pose aristocrática. Atirara n1 à "água "
a linha da cana de pesca. A outra ponta da hnha-corda da
cana deve alcanc,ar os bastidores.)
Serafim: Se conseguísse1nos fugir...
Malacueco : Mas co1no? Con1tanto inar pelo 1neio ...
(A cana estren-zece .)

Serafim: U1n peixe picou. Puxa Malacueco , puxa.


Malacueco: (puxando) Não há-de ser grande coisa . . .

( T en1 11n1 pe;xe pequen; no, na ponta da hnha.)

Serafim: (tirando o peixe ) Aqui está u1n peixe para o


jantar de suas excelências.
I

Malacueco : E tã o pequenino Serafün. Deita-o outra vez


ao inar coitadinho. Ele que cresça.

Serafim: (lançando o p e;xinho ao n1ar) Vai buscar-nos tnn


barco que nos livre desta ilha peixe pequenino.

(Jvlalacueco voltou a lançar a hnha, na direção dos


basüdores. )
12
Cena 3

(lVo n1esn10 cenár;o da cena 1. Os dois vagabundos estão


caidospor terra.)

Malacueco : Olha, Serafi1n onde o peixe nos deixou . ..

Serafim: Que bo1n, Malacueco. Esta1nos salvos.

(Abraçani-se).

Malacueco : Estou cá a pensar que este peixe grande se


calhar era o pai do peixe pequenino.
Serafim: Se calhar era. ..

Malacueco : E o Rei e o Pirata da Perna de Pau? Que será


feito deles?

Serafim: Continuan1 à espera do ahnoço.

Malacueco : E da grande esquad ra para conquistar o


mundo !

Serafim: Deixá -los espera r . . .

Mnlacueco: Deixá-los esperar. . .

13
(Risonhamente, abrem a porta da casa que era do Pirata da Perna de Pau, de
que manifestamente tomam conta. Entretanto, cantam)

14
(Vão andando pelo meio do público, em atitude de recolher tostões para o
peditório…)

Malacueco e Serafim: (repetem):


E também não era mau
Um pastel de bacalhau… (Repetem de novo.)
FIM

15

Você também pode gostar