Você está na página 1de 8

ATIVISMO SOCIOCULTURAL ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO E PRÁTICA DE DESIGN.

EXPERIÊNCIAS NO BAIRRO DO ALTO DA COVA DA MOURA

António Gorgel Pinto


FAUL / CIAUD
gorgelpinto@gmail.com
Carlos Delano Rodrigues
FAUL / CIAUD
delanorodrigues@gmail.com
Inês Veiga
FAUL / CIAUD
inêsveiga@gmail.com

RESUMO
O presente ensaio é uma reflexão sobre os processos e a metodologia de codesign
experimentados no âmbito do projeto de design participativo: KOWORK E5G. A iniciativa
está a ser desenvolvida no Bairro do Alto da Cova da Moura, localizado no concelho da
Amadora, na Grande Lisboa. A Cova da Moura é um bairro de construção ilegal,
maioritariamente habitado por imigrantes dos países de língua oficial portuguesa (PALOP) e
respetivos descendentes. O KOWORK E5G desenvolve-se a partir de uma plataforma de
colaboração constituída pelo Grupo de Estudos Sócio-territoriais Urbanos e de Acção Local
(GESTUAL/CIAUD), um grupo de investigação pertencente à Faculdade de Arquitetura da
Universidade de Lisboa (FAUL); e o Gabinete de Apoio ao Emprego e Empreendedorismo
(GIP), um departamento de inserção profissional de uma entidade local, a qual presta apoio
social à comunidade - a Associação Cultural Moinho da Juventude (ACMJ). O projeto
consiste na proposta de uma série de atividades focadas na promoção de conhecimentos
em design em consonância com uma oficina de carpintaria local. Neste contexto, foi
desenvolvido um processo de codesign com os participantes do KOWORK E5G para a
criação de propostas concretas a serem implementadas na comunidade da Cova da Moura.
No entanto, tal como outras iniciativas semelhantes na periferia de Lisboa, o projeto
deparou-se com a falta de apoio de instituições públicas, assim como um acesso precário a
meios e recursos para o respetivo desenvolvimento. O objetivo do artigo é analisar as
razões que estão na origem deste tipo de dificuldades, refletindo e explorando alguns
aspetos em particular, como o contexto socioeconómico e político do bairro, bem como as
dimensões antropológica e ativista presentes no design social.

PALAVRAS-CHAVE: Design Social, Design antropológico, Codesign, Micro-planeamento

1. INTRODUÇÃO
O artigo resulta da análise exploratória de um caso de estudo desenvolvido no Bairro do Alto
da Cova da Moura, na periferia de Lisboa. O projeto, intitulado Kowork E5G, foi criado
através de uma parceria entre o Grupo de Estudos Socio-territoriais Urbanos e de Acção
Local (GESTUAL/CIAUD), pertencente à Faculdade de Arquitetura da Universidade de
Lisboa (FAUL), e o Gabinete de Apoio ao Emprego e Empreendedorismo (GIP) da
Associação Cultural Moinho da Juventude (ACMJ), esta última situada no bairro e
responsável por inúmeras iniciativas socioculturais em benefício da comunidade. Neste
contexto, a convite da FAUL e em colaboração com o GIP, também localizado no bairro, um
grupo de investigadores em design conduziu um projeto de codesign no qual participaram
jovens adultos residentes ou frequentadores desta área urbana.
Após a compreensão do lugar e algumas das transformações sociais e políticas do Bairro do
Alto da Cova da Moura, o ensaio segue com uma análise do projeto de codesign, a
explicação da estratégia e das ferramentas utilizadas para a implementação e dinamização
das várias fases da iniciativa, assim como uma descrição e reflexão sobre os problemas que
surgiram no decorrer de todo o processo. Posteriormente, são aprofundados alguns
aspectos relevantes da investigação, como a função do design na transformação cultural
das sociedades contemporâneas e na criação de novos paradigmas sociais, bem como a
forma particular, de carácter etnográfico e antropológico, como estas abordagens se
manifestaram num contexto de exclusão social, como é o caso do bairro em questão. Por
último, o ensaio aborda a qualidade transdisciplinar presente neste tipo de práticas artísticas
de envolvimento social, assim como a ambivalência que estas possuem na forma de atuar,
tendo em conta que procuram ser úteis para um determinado contexto social e,
simultaneamente, são um meio de representação política e simbólica.

2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO BAIRRO DO ALTO DA COVA DA MOURA


O Bairro do Alto da Cova da Moura (Figura 1) situa-se na região leste do município da
Amadora, distrito de Lisboa, entre as freguesias da Damaia e da Buraca, sendo a maior
porção do seu território localizado nesta última (Sousa, 2005, p.14). A sua origem remonta à
década de 60, com os primeiros registos de habitantes provenientes de diversas partes do
país. A área servia sobretudo à atividade agrícola de subsistência e cultivo do trigo, onde
a presença de uma pedreira marcava também a outra atividade económica desenvolvida no
terreno da antiga Quinta do Outeiro (Godinho, 2010). O crescimento populacional ocorreu
aquando da Revolução de Abril em 1974 e com o fim do Estado Novo em Portugal. A vinda
dos retornados das ex-colónias portuguesas em África e a agitação política e social
contribuíram para escassez de habitação nas principais Áreas Metropolitanas do país. Em
Lisboa e no Porto diversos bairros de génese ilegal começaram a emergir e a consolidar-se
(Carvalho, 2010).

Figure 1 Bairro do Alto da Cova da Moura, cidade da Amadora, Portugal (Google


Earth, 2016).
Na segunda metade da década de 70 e no início dos anos 80, o contexto de pós-
colonização intensifica um movimento migratório de ocupação de terrenos na região do
bairro, sobretudo por parte de famílias oriundas de Cabo Verde, as quais constroem as suas
próprias habitações, inicialmente de base precária, mas que ao longo dos anos vão
gradualmente melhorando (Sousa, 2005). Acredita-se que a denominação “Cova da Moura”
está relacionada com a escavação do solo (cova) deixada pela pedreira existente na quinta
e à família Moura que habitava nas proximidades.
Em 1983, o bairro já era etnicamente heterogéneo. Estima-se que, na altura, os imigrantes
cabo-verdianos representavam cerca de 55% da população total; 32% eram migrantes do
norte e centro de Portugal; 8% vindos de Angola e 5% portugueses já residentes na Grande
Lisboa (Horta, 2008 apud Carvalho, 2010). Rapidamente tornou-se o maior bairro de
imigração no país, onde a pobreza e a exclusão social, aliadas à falta de oportunidades
económicas e baixo nível de escolaridade, em geral, era ampliada pelo caráter informal do
bairro. Este contexto, por sua vez, reforçou a grande vulnerabilidade social. Atualmente a
Cova da Moura tem cerca de 16.5 hectares onde vivem cerca de 7000 residentes. É
delimitada por importantes eixos de circulação viária: o IC 19 e o eixo ferroviário, Linha de
Sintra (Sousa, 2005; Godinho, 2010).
Além destes aspectos, o estigma que a Cova da Moura carrega é grande. Geralmente o
bairro é representado pela comunicação social como violento e vinculado ao tráfico de
drogas. As imagens de degradação reforçam a ideia de uma “no go area” e refletem nos
moradores, imigrantes e negros, apesar das novas gerações serem portuguesas, uma
situação de invisibilidade social. Como afirma Malheiros et al (2007, p.200), “são constantes
as rusgas policiais e as crianças e adolescentes vivem aí a sua condição híbrida de serem
social e culturalmente invisíveis. Os jovens, mesmo quando entretidos nos seus afetos e
dramas pessoais, são percebidos como pessoas violentas e perigosas que, ao
aproximarem-se de alguém que passa, provocam rejeição, medo e agressividade”.
Por isto, o bairro do Alto da Cova da Moura pode ser considerado um “gueto de exclusão”.
Para Malheiros et al (2007) estigmatizar nada mais é do que categorizar indivíduos, grupos,
lugares e bairros, “com base em certos atributos que fornecem informação social e que são
transmitidos através de signos e símbolos que chamam a atenção”. O estigma estabelece
relações de distância e despersonalização das entidades estigmatizadas.

3. DESIGN PARA QUÊ?


Financiado pelo Programa Escolhas Pontual do Alto Comissariado para as Migrações, o
projeto de inclusão social e profissional Kowork E5G foi criado pelo GIP da ACMJ, com o
intuito de munir jovens adultos (até 36 anos) que vivem no bairro de meios para construir
possibilidades individuais e coletivas de emprego ou iniciar ideias de negócios. Neste
contexto, com início em janeiro de 2015 e duração de um ano, constituiu-se formalmente
uma plataforma de colaboração formada pelo grupo de investigação GESTUAL, pertencente
ao centro de investigação CIAUD, da FAUL. Neste contexto, o objetivo do grupo de
designers-investigadores envolvidos, conhecedores da realidade do bairro, consistia em dar
formação básica de design aos participantes.
Através de um processo exploratório das suas capacidades criativas e críticas, os jovens
eram convidados a levantar coletivamente questões latentes no bairro e propor possíveis
respostas, tanto através da construção de relações que viabilizassem a sua implementação
- sem recurso a intervenção ou financiamento públicos - como pelo uso das novas máquinas
de corte e modulação de madeiras, adquiridas pelo Kowork, que fariam da carpintaria da
Associação um espaço de encontro e trabalho entre formandos, moradores, bairro e cidade.
Mas como transmitir conhecimentos e capacidades de projeto, isto é, de desenvolvimento
de produtos, serviços, experiências, comunicações, espaços, portanto, do como fazer
design? Para fazer o quê? Para quem? Porquê?
O codesign consiste em assegurar que aqueles que irão, no futuro, usar, usufruir,
experienciar ou ser afetados por determinada “coisa” (Binder et al, 2015) tomam parte no
design, portanto, estão envolvidos na sua concreta problematização, imaginação,
concepção, materialização, produção e implementação. Assim, fazer um projeto de design
com os jovens, colocando-os como atores e decisores ativos de quaisquer materializações
no bairro, era fundamental para nós.
Centrados na questão “o que pode o design fazer pela Cova da Moura?”, a acção formal
iniciou em Setembro de 2015 recorrendo à metodologia base “double diamond”. No entanto,
o processo tornou-se aberto produzindo um cruzamento entre design e antropologia.
Imersos no dia-a-dia do bairro durante 4 meses, gerou-se um micro processo de
planeamento urbano em que os jovens foram “designers etnógrafos” e os designers-
investigadores fizeram “antropologia por meio do design” (Nova, 2014; Gunn et al, 2013).
Ambas as atuações articulam formas próximas e distintas de participação no e pelo design,
e neste artigo iremos abrir algumas.
A utilização de mapas, conceptuais e geográficos, passeios pelo bairro com máquinas
fotográficas, brainstormings coletivos, e pensamento crítico sobre como viviam o bairro
colocou os jovens no papel de observadores atentos do seu próprio contexto de vida (Figura
2).
Questões como a acumulação de lixo em diversos locais, a falta de sinalização de ruas,
ausência de mobiliário e espaços para hortas urbanas, entre outros, apontavam formas
possíveis de agir localmente. A preocupação principal centrava-se especialmente no espaço
público vivenciado por eles e outros, como os amigos, vizinhos e familiares, através da
análise de cenários e das ferramentas SWOT1 e 5W2H2.

Figure 2 Participantes do Kowork E5G a enumerar os problemas existentes no


bairro e a discutir as possíveis soluções criativas ([imagem] Gorgel Pinto, 2016).
Surgiu então a ideia de escolher um local para integrar um espaço multifuncional - com
bancos, bancas e um palco construídos a partir de paletes - que fosse a experiência piloto
de várias ideias e ponto de partida para outras ações de inovação social e mais
transformações no bairro.
O Micro-planeamento, em princípio, valoriza e potencia os conhecimentos das
comunidades, pois os seus métodos não são pré-estabelecidos ou pré-fabricados, mas


1
SWOT é uma sigla em inglês dos termos Strengths (pontos fortes), Weaknesses (pontos fracos),
Opportunities (oportunidades) e Threats (ameaças). Os pontos fortes e fracos, em geral, estão dentro
da própria empresa, enquanto as oportunidades e as ameaças, na maioria dos casos, têm origem
externa (Endeavor, 2015a).
2
5W2H - (What) O que deve ser feito? (Why) Por que deve ser implementado? (Who) Quem é o
responsável pela ação? (Where) Onde deve ser executado? (When) Quando deve ser
implementado? (How) Como deve ser conduzido? (How much) Quanto vai custar a implementação?
(Endeavor, 2015b).
antes conduzidos pelo entendimento dos problemas específicos, assim como pelas
circunstâncias, objetivos situados e locais (Goethert et al, 1992). Isto é, dão largas à
improvisação, ou por outras palavras, é a partir de cada ação que serão identificadas as
ações subsequentes, tornando-se um programa construído à medida que os envolvidos
avaliam cada ação.
O espaço de intervenção escolhido fica na entrada sul do bairro junto à creche familiar
gerida pela ACMJ, o qual é de fácil acesso rodoviário. Além do levantamento das condições
do terreno fizeram-se maquetes e imagens tridimensionais da intervenção. As paletes,
oferecidas pela empresa de gestão de resíduos EGEO, e todos os materiais necessários à
produção e implementação estavam reunidos e, no final de novembro, a ideia foi
apresentada à direção da creche, a qual aprovou o projeto e encaminhou para a direção da
associação (Figura 3). No entanto seria também necessária a aprovação do atual
proprietário daquela parte do terreno: a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Figure 3 Levantamento do espaço selecionado para a intervenção pelo grupo do


Kowork E5G ([imagem] Gorgel Pinto, 2016).
Enquanto se aguardava uma resposta, foram estabelecidos contatos com a autarquia local e
outras entidades que trabalham regularmente na Cova da Moura. A questão central seria o
facto da gênese do bairro ser de construção ilegal, em terreno privado, bem como pelo alto
potencial imobiliário. Assim, nenhuma ação que pudesse "gerar novas ilegalidades" teria
apoio. Destaca-se o facto de a Santa Casa da Misericórdia ter mantido sempre uma postura
silenciosa que indicia, por um lado, não querer afastar ou prejudicar os atuais residentes,
mas que, por outro, não tem interesse em promover melhorias no bairro, pois estas seriam
um incentivo ao crescimento da economia paralela e ao aumento de pessoas a vivenciarem-
no. Paralelamente, estes aspectos são vistos como um risco para a Polícia de Segurança
Pública.
Outro fator relevante, foi a posição pública que em setembro de 2016 os proprietários do
terreno, onde se situa a maior parte do bairro, assumiram, a qual demonstrou a intenção em
negociar a venda de uma área urbanizável que está hoje avaliada em cerca de 100 milhões
de euros. Havendo ou não construção no bairro do Alto da Cova da Moura, é neste “campo
de forças” (Gunn et al, 2013, p.90) que todas as dúvidas e tensões para a concretização de
projetos no Bairro do Alto da Cova da Moura têm emergido como obstáculos, visíveis e
vividos. Simultaneamente, é neste contexto que se configuram possíveis e futuras direções.
E isto é o codesign.
4. DESIGN COMO?
A par da ciência, tecnologia e da arte, o design é um dos principais campos de produção e
transformação cultural nas sociedades contemporâneas (Gunn et al, 2013). Abraçando a
inovação e a sustentabilidade como valores intrínsecos, também a democracia e a ação
política ou ativista emergem hoje como fatores estruturantes de práticas ditas “sociais”.
Fundamentadas em metodologias, técnicas e ferramentas de participação, este campo que
podemos denominar “design social” considera a colaboração não como escolha, mas sim
condição para agir, intervir e transformar coletivamente, e de forma consciente e crítica,
modos de ver e estar no mundo.
No decorrer do século XX, a etnografia tem sido explorada em processos de design para
permitir uma maior compreensão dos contextos de vida de “utilizadores” ou “consumidores”
(Gunn et al, 2013; Nova, 2014). Contudo, a procura de um conhecimento cada vez mais
particular, ou “field-specific” (Friedman apud Gunn et al, 2013, p.3), tem conduzido diversos
designers à concreta imersão no quotidiano. Segundo os autores, quando a etnografia
“informa” o design, existe uma distinção, performativa e temporal, entre a observação
participada do contexto presente e qualquer intervenção material ou cultural orientada para
o futuro (Gunn et al, 2013; Smith et al, 2016). Aumenta a distância entre o binómio designer-
utilizador em vez de aproximar produtores e receptores da “co-operação”.
Para que os jovens se assumissem como codesigners era fundamental evidenciar o seu
papel de autores. Assim, numa dinâmica entre “dizer, fazer e gerar” a prática do design era
orientada pelos desafios emergentes (Simonsen e Robertson, 2012). Os investigadores-
designers preocupavam-se mais com aquilo que seria obtido por cada ferramenta ou técnica
(etnográfica ou projetual) e de acordo com os acontecimentos e respostas dos jovens estas
iam sendo adaptadas em correspondência (Gunn et al, 2013).
Assim, afirmamos que o uso instrumental da etnografia foi crucial para possibilitar a
participação dos jovens num design que se pretendia colaborativo e site-specific. Mas entre
incentivadores, observadores e codesigners, os investigadores-designers questionavam o
seu próprio papel de produtores culturais tanto de práticas quotidianas individuais como da
prática coletiva que estaria a acontecer. Que design estamos a fazer? Que design estamos
a transmitir?
O “design anthropology” (Gunn et al, 2013) é um campo recente de investigação-ação que
se funda no encontro transformador entre as duas disciplinas. A antropologia não serve o
design, nem o design serve a antropologia. São a mútua e dinâmica junção e iteração entre
reflexão e criatividade, que vão desenhando um trabalho de campo investigativo
(antropológico) e interventivo (design, como verbo). Neste processo que se move em
“correspondência” ou em tandem com tensões e aspirações, a ênfase está naquilo que é
produzido “durante” o encontro entre todos os participantes, e não em retrospectiva ou
separação (Gunn et al, 2013, p.144). O design e a antropologia deixam de ser
representativos, uma vez que todas as decisões e ações acontecem num modo ação-
improvisação in situ, no local temporal e espacial e em situação.
Também na definição de “design participativo,” o que está a ser construído - ou designed, é
tanto algo concreto como o próprio processo cooperativo e coletivo que decide e atua na
sua realização (Simonsen e Robertson, 2012).
Quando o processo encontrou uma intervenção tangível, o processo tornou-se mais
complexo. De acordo com Ian Ewart (apud Gunn et al, 2013, p. 85), geralmente no
movimento para uma “produção” material ou física, o ‘tal’ design que seria final ou ideal é
subvertido e a sua implementação torna-se lenta e comprometida por razões económicas,
institucionais e políticas.
Contudo, o processo de codesign, particular e específico do Kowork, derivou sempre da
experiência de estar em colaboração, em tandem entre ideias e materialização. Em
concordância com o “design anthropology” (Gunn et al, 2013), o design emerge como
prática “social” porque se estabelece na capacidade dialógica de corresponder à
contingência dos acontecimentos, aceitando-a não como obstáculo, mas como possibilidade
para co-desenhar formas de traduzir valores em experiências tangíveis.
Desta forma, compreender coletivamente - o quê, porquê, para quem e como atuar para e
no bairro do Alto da Cova da Moura, bem como se de facto será relevante fazê-lo e em que
condições— tem mantido o ponto de partida original do projeto vivo. Até hoje este micro-
processo de design social continua em negociação.

5. DESIGN, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E INOVAÇÃO SOCIAL


O design é por natureza transdisciplinar. Trata-se de um território de encontro entre áreas
do conhecimento, com maior ou menor protagonismo, em função do problema identificado,
metodologia selecionada e objetivos a atingir. A forma como o pensamento de design e
respectivo processo surgem é rizomática. De acordo com Guattari e Deleuze (2007, 24-32),
não se baseia na lógica linear e inflexível mas antes num tipo de conhecimento
“desterritorializado” que se expande para além de supostas demarcações. No âmbito do
“design para a inovação social” a condição rizomática manifesta-se ainda de forma mais
acentuada. Neste contexto, assumem a função de designer, tanto os especialistas como
aqueles cujo conhecimento é unicamente empírico. Manzini (2015, 1-3, 11-12, 37)
caracteriza este fenómeno através da relação entre o “design difuso” e o “design
especialista”, determinante para o desenvolvimento da sustentabilidade da sociedade.
Não só o design, mas também outras áreas artísticas equacionam o envolvimento social,
cujas variáveis se encontram na questão simbólica e na utilidade das iniciativas
desenvolvidas. Ou seja, as diferentes práticas de participação apresentam-se de modo mais
simbólico, reproduzindo determinadas realidades sociais, no sentido de lhes dar voz, ou
representar alternativas mais pertinentes e promotoras de sustentabilidade social; ou, por
outro lado, manifestam-se de modo mais profícuo visando a produção de soluções
concretas, funcionais e inovadoras para o corpo social. Estas formas de inovação social
através da criatividade são complementares, uma vez que determinado projeto social pode
assumir um carácter mais simbólico ou mais utilitário, ou incorporar ambas as qualidades
com igual intensidade.
O envolvimento de cidadãos na resolução de problemas concretos, que lhes dizem respeito,
tem vantagens sociais que se manifestam não só através das plataformas de colaboração,
especificamente criadas para a produção de soluções de design, como também pelo facto
de estimular a cidadania e uma educação pública baseada na criatividade. Esta é uma
forma de valorizar e estimular os diversos agentes da sociedade, designadamente por
intermédio da colaboração entre especialistas e cidadãos, quer individualmente, quer em
diferentes tipos de organizações civis.
Envolver os jovens num projeto de design não seria apenas sobre como concretizar objetos
específicos, mas sim pensar, experimentar e projetar de forma consciente, crítica e
sustentável. Deste modo, a Cova da Moura, como sítio específico de ação colaborativa de
um grupo de jovens, fez do Kowork uma prática de projeto “social” de codesign contínuo e
flexível, com relações e questionamentos sociais, culturais, económicos, políticos e éticos.

REFERENCES
Binder, T., Brandt, E., Ehn, P., Halse, J. (2015). Democratic design experiments: between
parliament and laboratory. CoDesign, 11:3-4, 152-165.
Carvalho, M. L., 2010. O Desenvolvimento Local e a Imigração Cabo-verdiana: um olhar
sobre a comunidade da Cova da Moura. Lisboa: ISCTE/IUL, Departamento de Economia
Politíca, 2010. Dissertação de Mestrado.
Endeavor (2015a). Ferramenta: Análise SWOT. https://endeavor.org.br/ferramenta-analise-
swot/ (acedido 01.02.2017).
Endeavor. (2015b). Ferramenta:5W2H: Aprenda a responder às perguntas certas de Gestão
dos Projetos. https://endeavor.org.br/5w2h-aprenda-responder- perguntas-certas-de-gestao-
dos-projetos/ (acedido 01.02.2017).
Godinho, M. A. S., 2010. Cova da Moura: bairro histórico em construção. Coimbra:
Universidade de Coimbra, Faculdade de Ciências e Tecnologia. Dissertação de Mestrado.
Goethert, R; Hamdi, N; Gray, S; Slettebak. (1992). La Microplanicácion: Un processo de
Programación y Desarrolo con Base en la Comunidad. Banco Mundial. Washington.
Guattari, F., Deleuze, G., 2007. Mil Planaltos - Capitalismo e Esquizofrenia 2. Assirio &
Alvim, Lisboa.
Gunn, W., Otto, T., Smith, R.C., 2013. Design Anthropology: Theory and Practice.
Bloomsbury, London.
Malheiros et al, 2007. Espaços e expressões de conflito e tensão entre Autóctones, Minorias
Migrantes e Não Migrantes na área Metropolitana de Lisboa. Lisboa: Observatório da
imigração.
Manzini, E., 2015. Design, When Everybody Designs. An Introduction to Design for Social
Inovation. The MIT Press, Cambridge, London.
Nova, N., 2014. Beyond Design Etnography: How designers practice ethnographic research.
SHS (Berlin) & HEAD: Genève.
Simonsen, J., Robertson, T., 2012. Routledge International Handbook of Participatory
Design. Routledge: London.
Smith, R.C., Vangkilde, K., Kjærsgaard, M., Otto, T., Halse, J., Binder, T., 2016. Design
Anthropological Futures. Bloomsberry: London.
Sousa, S., 2005. Iniciativa Bairros Críticos: Cova da Moura, Lagarteiro e Vale da Amoreira.,
Registos do processo. Lisboa.

Você também pode gostar