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Tendências e perspectivas
RESUMO:
Este artigo pretende, através de uma revisitação das
origens do método comparatista, mapear o estado da
arte desse campo disciplinar, a partir da evolução de
diferentes compreensões teóricas e epistemológicas do
fazer comparatista.
PALAVRAS-CHAVE:
literatura comparada – teoria literária – historiografia
literária – epistemologias comparatistas.
RESUMEN:
Este artículo busca, a través de una revisitación de los
orígenes de la metodología comparatista, mapear el estado
del arte de ese campo disciplinar a partir de la evolución
de distintas comprensiones teóricas y epistemológicas del
hacer comparatista.
PALABRAS-CLAVE:
Literatura comparada – teoría literaria – historiografía
literaria – epistemologías comparatistas.
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REMONTANDO AOS PRIMÓRDIOS c) estudos mesológicos, quando o objetivo do exercício compara-
tista é a compreensão dos fatores intermediários que funcionam
O nascimento da Literatura Comparada como campo como pontos de contato entre duas ou mais literaturas nacionais,
diferencial nas investigações literárias data do final do século tais como a circulação de traduções de obras estrangeiras em
XIX e inícios do século XX, com a intenção de, a partir da apro- uma determinada literatura nacional (CARVALHAL, 2004).
ximação das diferentes histórias literárias nacionais, construir A denominação “escola americana” passa a circular com
uma história da literatura universal (CARVALHAL, 1994). Se maior destaque no cenário comparatista internacional a partir
é verdade que a prática comparatista remonta aos inícios do da polêmica instaurada pelo trabalho “The Crisis of Compa-
século XIX, com o trabalho levado a cabo por Madamme de rative Literature”, apresentado no II Congresso Internacional
Stäel em De l’Alemmagne, com intenções de compreender e da ACLA (American Comparative Literature Association), em
divulgar a literatura, a filosofia e a cultura alemãs na França, Chapell Hill, no ano de 1958, por René Wellek. No compara-
também é mister salientar que o projeto mais amplo de cons- tismo de orientação americana, a necessidade de se dar conta
trução de uma historiografia cosmopolita de alcance universal de “duas nações e duas línguas distintas” como conditio sine
nasce com Goethe e a formulação da categoria Weltliteratur qua non para caracterizar um estudo literário como um estudo
(ALÓS e SCHMIDT, 2009). de natureza comparatista passa a ser questionado, e emergem
O comparatismo não se limita a uma simples metodo- propostas como a de estudos que contemplem duas literaturas
logia de abordagem do fenômeno literário ou de corpora de nacionais, mas apenas uma língua (como estudos de aproxi-
obras específicas; trata-se de um campo disciplinar com uma mação da literatura brasileira com a portuguesa e a moçambi-
longa tradição institucional. Basta mencionar, neste sentido, a cana), ou estudos que deem conta de uma única nação e duas
criação dos departamentos de Literatura Comparada dentro línguas (como, por exemplo, um estudo hipotético sobre a poe-
das universidades estadunidenses, como em Columbia, em sia paraguaia escrita em castelhano e em guarani). A interdisci-
1899, e Harvard, em 1904 (COUTINHO, 2006). Mesmo com plinaridade passa a ser acolhida no interior do comparatismo,
a sua institucionalização, a literatura comparada estabeleceu, seja através de estudos que aproximam diferentes linguagens
desde os seus primórdios, tensas relações com outras aborda- artísticas (envolvendo, por exemplo, literatura e cinema, lite-
gens consolidadas dos estudos literários. O campo de atuação ratura e pintura, literatura e escultura) ou diferentes campos
da história, da crítica e da teoria literária, e as relações dos disciplinares (estudos que dão conta de um determinado cor-
comparatismo com estes campos, de forte tradição em função pus de obras literárias, concomitantemente, a partir do ponto
das abordagens herdeiras dos estudos filológicos, sempre foi de vista dos estudos literários e de outro campo de estudos,
tensa, uma vez que buscava sedimentar suas especificidades como a antropologia, a filosofia, a sociologia ou a psicologia).
e sua autonomia em um espaço no qual sempre foi considera- A escola “soviética”, que tem entre seus principais expo-
da secundária. Com relação à tradição de investigação da his- entes fundadores Victor Zhirmunsky e Dionyz Ďurišin, cos-
toriografia literária, por exemplo, a literatura comparada foi tuma julgar a literatura como produto da sociedade na qual é
vista durante longo tempo como disciplina-meio, e não como produzida, buscando sempre estabelecer correspondências en-
disciplina-fim. tre a evolução da literatura e a evolução da sociedade na qual
Ao longo do século XX, tornou-se quase um lugar co- é produzida, ao longo da história (ZHIRMUNSKY, 1994). O
mum a afirmação de três grandes subdivisões ou tendências princípio subjacente a este tipo de investigação é o de que para
dentro dos estudos comparatistas, as quais convencionalmente cada mudança ocorrida no funcionamento social de uma de-
são referenciadas como as grandes “escolas” do comparatis- terminada nação correponde uma mudança no continuum da
mo: a francesa, a americana e a soviética (CARVALHAL, 1994; literatura, seja no campo das formas, seja no campo dos temas
2004). Ainda que estas correntes não sejam estanques nem res- abordados. É inegável aqui o impacto do estudo “Da evolu-
peitem à risca suas denominações marcadamente geográficas ção literária”, de Iuri Tynianov, na estruturação desta corrente
(René Etiemble, apesar de francês, aproxima-se muito da esco- comparatista. Segundo Tynianov, há uma correspondência en-
la comparatista americana, por exemplo), cabe aqui uma breve tre o que ele denomina como sendo a “série social” (o conjunto
retomada dessa taxionomia que já não dá conta das práticas de acontecimentos e relações de causa e consequência no cam-
comparatistas realizadas na contemporaneidade. po da estrutura social ao longo do tempo) e a “série literária”,
Sob a rubrica de “escola francesa”, aloca-se uma perspec- ou seja, o conjunto de interrelações, fenômenos e mudanças no
tiva de trabalho que enfatiza sobretudo as questões de estudo campo da evolução de uma determinada literatura ao longo do
de fontes e influências, seja de um determinado autor sobre tempo (TYNIANOV, 1971).
outro, seja de uma literatura nacional sobre outra. Tania Fran-
co Carvalhal refere-se a esta modalidade de estudos subdivi-
dindo-a em três modalidades, de acordo com a ênfase dada DA CONSOLIDAÇÃO E
ao longo da investigação comparatista: a) estudos cronológicos, INSTITUCIONALIZAÇÃO
quando a ênfase recai em textos literários, autores ou literatu- DO COMPARATISMO
ras nacionais que funcionam como fontes, influenciando outros
textos, autores ou literaturas nacionais; b) estudos doxológicos, A literatura comparada não é apenas um método ou
quando se preocupam com o destino de determinadas obras abordagem de análise literária. A partir da segunda metade do
literárias fora da tradição nacional na qual foram produzidas, século XX, o comparatismo consolida-se não apenas como es-
bem como das opiniões cristalizadas pela crítica, em um deter- tratégia de aproximação do fenômeno literário, mas como um
minado país, com relação a um determinado autor estrangeiro; campo disciplinar institucionalizado. Um estudo comparatista
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to seguro” teórico para os estudos literários em cena desde América, “inventa-se” também a si mesma (e até com maior
o advento do formalismo russo). Na América Latina, merece eficácia do que “inventa” a América). Imaginar o outro é um
destaque o questinamento feito à noção de literaridade por gesto interpretativo bastante produtivo na tarefa de figurar a
Antonio Cornejo Polar com a sua defesa da heterogeneidade si mesmo. Não se deve, em nenhum momento, subestimar o
(simultaneidade do oral e do escrito) como traço distintivo das poder da imagem sobre aquilo que é imaginado:
literaturas andinas.
Um dos traços diferenciadores do pensamento de Cor- [...] cada sujeito decide a história que lhe corresponde, à qual
nejo Polar é a sua insistência no fato de que o ponto de parti- pertence e à qual se deve. [...] muitos hispanistas imaginam
da para o historiador das literaturas latino-americanas é a sua que as nações andinas começaram com a conquista, e todos
interpretação pessoal daquilo que conta como “literatura” em os indigenistas encontram as raízes nacionais muito antes, na
sua interpretação e avaliação da herança literária. Para ele, a época pré-hispânica (CORNEJO POLAR, 2000, p. 57).
literatura não é apenas um reflexo ou produto da sociedade
na qual foi gendrada, mas uma força produtiva que contribui
para o delineamento do perfil cultural desta mesma sociedade. O PRESENTE E O FUTURO
Em outras palavras, a literatura não é apenas uma manifes- DO COMPARATISMO
tação cultural de caráter derivativo, mas é também produtiva.
Outro traço importante de seu pensamento é a insistência na Como resultado destas reflexões e indagações ao lon-
diferença irredutível que existe entre a temporalidade da tradi- go do desenvolvimento da Literatura Comparada entendida
ção popular e a da tradição letrada das elites latino americanas, como campo disciplinar, os cânones revelam-se como os maio-
fortemente marcadas pela herança do pensamento iluminista res esteios de uma tradição euro/falocêntrica e racista, que pri-
que guiou o processo de formação das nações latino-america- vilegiou certas vozes em detrimento de outras na construção
nas. Isto é de grande monta para que se compreenda a ques- dos paradigmas de referência e de valoração estética. O texto
tão da marginalização das literaturas dos povos originários da literário passa a ser avaliado em suas relações com outras ma-
América Latina (sejam as tradições orais, independentemente nifestações culturais, sem o privilégio concedido pela literarie-
da língua que utilizam, sejam as manifestações literárias escri- dade, e os critérios valorativos/judicativos passam a oscilar a
tas em línguas autóctones, tais como o aimará e o quéchua. partir do locus de enunciação do investigador comparatista. Isso
Para ele, a tradição latino-americana forma uma totalidade não implica na falência da crítica literária, da história da lite-
marcada por uma natureza contraditória entre seus diferentes ratura, ou do próprio comparatismo, mas sim na tomada de
setores e subsistemas, dos quais o confronto mais visível é o consciência de os valores que entram em cena nestes campos
embate entre as tradições orais autóctones e a tradição escrita disciplinares e não são absolutos. Como consequência salutar,
trazida pelos europeus: são problematizados os pressupostos paradigmáticos da teo-
ria da literatura, fazendo com que o trabalho de produção de
De fato, como literaturas produzidas por classe e etnias do- conhecimento acerca dos fenômenos literários redefinam-se
minadas, [as literaturas latino-americanas de expressão como um exercício metacrítico (isto é, “uma crítica da crítica”).
autóctone] estão atomizadas e não-comunicantes: formam, A problematização das visões lineares e teleológicas da
na realidade, verdadeiros arquipélagos, e não está claro se História faz-se presente nas discussões sobre periodização
constituem sistemas independentes ou se, em alguns casos, e historiografia literárias, para se pensar a tradição literária
são subsistemas que convergem para um determinado eixo não como o mero acúmulo da produção de tetos ao longo da
unificador (CORNEJO POLAR, 2000, p. 29). história, mas como um processo constante de reescritura do
passado a partir de problemas do presente, estabelecendo, nos
A importância de se recontextualizar o potencial semió- estudos comparatistas, uma verdadeira dialética entre passa-
tico da literatura ao produzir sentidos em diferentes contextos do e presente4. A relativização dos processos de constituição
históricos coloca o comparatista, já de antemão, em uma postu- dos cânones nacionais abre um espaço importante para grupos
ra de leitura dupla, levando em conta simultaneamente o con- minoritários que dele se viram excluídos ao longo da história.
texto de produção e o de recepção de uma obra: “a História Li- Assumindo suas próprias vozes e reivindicando tradições cul-
terária passa a ser a história da produção e recepção de textos, turais próprias, estes grupos passal a lutar pela constituição de
e, para o historiador, esses textos constituem ao mesmo tempo outros cânones, ou então, pela flexiblização dos parâmetros do
documentos do passado e experiências do presente” (COUTI- cânone com vistas a abrir espaço para outras obras. As críticas
NHO, 2003, p. 77). Cornejo Polar, em outros termos, coloca a feministas passam a dedicar esforços aos trabalhos de “arque-
mesma questão, ao afirmar que “reconhecer um passado como ologia literária”, recuperando a produção das mulheres deixa-
nosso próprio passado supõe um certo modo de definir o pre- das à margem da historiografia literária “oficial” e canônica.
sente e de identificar a índole do futuro” (CORNEJO POLAR, Um importante exemplo deste trabalho no contexto brasileiro
2000, p. 52). Tomar a chegada dos espanhóis, por um lado, ou a é dado pelos dos volumes da antologia Escritoras brasileiras
tradição pré-colombiana, por outro, como ponto de origem das do século XIX (MUZART, 1999, 2004 e 2009), nos quais são res-
tradições literárias da América Latina denuncia dois posiciona- gatados dos arquivos esquecidos os nomes de mais de cento e
mentos bastante distintos com relação à valoração da tradição cinquenta escritoras brasileiras deixadas à margem dos manu-
herdada e ao que se projeta como possibilidade para o futuro. ais de historiografia literária brasileira, todos eles sintomatica-
Partindo do caminho já aberto pelo comparatista pales- mente escritos por homens.
tino Edward W. Said em Orientalism (1978), Cornejo Polar Discutir e relativizar o cânone viabiliza o abalo de tradi-
salienta que a Europa, ao mesmo tempo em que “inventa” a
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