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Copyright: © 2013 by Caique Rego
Diretor editorial: Pascoal Soto
Editora executiva: Maria João Costa
Editora assistente: Denise Schittine
Assessora editorial: Raquel Maldonado Preparação de texto: Fabrício Fuzimoto Revisão de texto: André Uzeda
Diagramação: Abreu’s System
Designer de capa: Ideias com peso
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Rego, Caique
O que os homens pensam? / Caique Rego. – Rio de Janeiro: LeYa, 2013.
ISBN 9788581780702
1. Relacionamento 2. Mulheres 3. Homens 4. Amor 5. Felicidade I. Título 13-0367 CDD 305.31
2013
Todos os direitos desta edição reservados a
TEXTO EDITORES LTDA.
[Uma editora do Grupo Leya]
Rua Desembargador Paulo Passaláqua, 86
01248-010 – Pacaembu – São Paulo – SP – Brasil
www.leya.com.br
Prefácio
D esliguei o telefone. Só podia ser piada. Claro, acho que a maioria dos
homens toparia fazer um programa de televisão. Mas para participar desse
é necessário um profundo conhecimento de causa. Já fui jogador de vôlei,
modelo internacional e diretor teatral. Hoje trabalho como modelo no Brasil, sou
ator, corretor de imóveis e produtor de eventos. Meu casamento foi para o
beleléu... por que pensaram logo em mim para o tal teste? Não posso me sair
bem fazendo o que eles querem, não posso mesmo. Eu, ao vivo e a cores, dando
conselhos para as mulheres? Realmente, a minha mãe é um doce, eu tenho três
irmãs, uma vó ainda viva, seis tias, dez primas, uma ex, uma filha de sete anos e
adoro as mulheres. Também sempre conversei francamente com elas, sem
distanciamento, sem nenhum tipo de preconceito. Mas não me sinto seguro para
opinar na vida dessas gracinhas. Não, tô fora! De jeito nenhum!
Esse povo da televisão é doido, passei no teste. Tá, eu não ia, mas acabei indo
para ver qual era. Fui sincero sobre os temas sugeridos, brinquei e falei sério
quando tive vontade. No final, me escolheram. Loucos, completamente loucos!
Já marcaram uma reunião. Imagina eu discorrendo sobre coisas femininas...Vou
me sair mal, acabar com a minha imagem, já decidi, nada de reunião, de jeito
nenhum!
Assim, esse Brasiliense, criado no Sul, estreou em um programa dedicado às
mulheres. Enquanto eu e mais três apresentadores jogamos pôquer, respondemos
as dúvidas femininas sobre relacionamentos, revelamos o que os homens pensam
sobre as mulheres em determinados temas, damos dicas para nos vencerem.
Resumindo, abrimos o jogo. Se ela deve transar no primeiro encontro, ligar no
dia seguinte, se está sendo enrolada pelo cara casado... Dizemos o que
pensamos, na lata. Desse modo, na prática, acabei descobrindo, aos 39 anos, que
realmente entendo um pouco as mulheres. O mundo delas é cheio de detalhes e
delicadezas.
Após alguns episódios do programa, conquistei a confiança de muitas. De
tanto palpitar aqui e ali, vejam só, virei “conselheiro sentimental”. Eu, um cara
comum, fui alçado ao posto de confidente feminino. Em bares, restaurantes,
festas, na praia, nas ruas, quase sempre alguma me aborda para desabafar sobre
os homens e pedir sugestões. Isso sem falar nas minhas amigas, primas e até
irmãs. Como eu amo bater papo, ainda mais com mulher, não me faço de rogado.
Escuto a relação delas e, claro dou a minha opinião. Se é certa ou errada, não sei,
mas posso garantir que é verdadeira. Tenho conhecido mulheres fantásticas e
acumulado muita experiência de vida.
Agora, outra proposta. Estou numa fase em que as coisas caem de uma hora
para outra em cima da minha cabeça. Uma editora quer que eu escreva um livro
sobre o que tenho ouvido e falado para as mulheres nessas minhas andanças. Eu?
Não tenho a menor capacidade para isso, piraram! Disse que não. Escrever um
livro? De jeito nenhum! Mas minha editora é mulher. E eu nunca nego um
pedido a uma mulher.
Vocês, vocês,
eternamente vocês
“A mulher é uma substância tal que, por mais que a estudes, sempre encontrarás nela
alguma coisa totalmente nova.”
Léon Tolstói
Isso me faz lembrar da Layla, uma namorada que tive há uns dez anos, que era a
campeã nisso: suas TPM eram terríveis.
Layla era agressiva, partia para cima, descontrolada, nervosa, parecia
possuída. Quando chegava em casa já me recebia com uma doce pergunta:
– Quem você acha que você é para me deixar esperando desse jeito?
– Oi! Boa noite, amor! Ei! Tudo bem? Eu me atrasei cinco minutos.
– Não interessa. Se atrasou. É assim que você demonstra o seu interesse por
mim? Chegando assim, a essa hora, com essa cara lavada de quem estava por aí
sassaricando pela rua?
– Peraí, Layla! Primeiro, porque eu não sassarico por aí. Segundo, porque eu
não me atrasei.
– Não me interessa. (isso já aos berros) Você não tem consideração por mim.
Você não tem consideração por ninguém. Você é um monstro. Não entende uma
mulher.
– Isso tudo por causa de cinco minutos.
– Cinco minutos não é nada perto da desconsideração que você tem por mim.
Seu egoísta. Não vê que você nem me deu um abraço quando chegou.
A partir daí, começava a destruição da casa. Era a única hora que tinha uma
sequência lógica. Iniciava pelos mais barulhentos: copos, pratos, controles
remotos, derrubando-os todos no chão – nada de muito caro também. Acho que
nessa hora os hormônios conversavam entre si, pensavam bem, faziam as contas
e aliviavam na destruição.
Depois seguia mais duas horas de briga e portas batendo por causa de um
suposto abraço não dado, com o qual tudo se resolveria. Por vezes, ia até o
quarto onde ela estava, tentava de tudo: palavras bonitas, beijo, carinhos, e até
usar a lógica. Tentei de tudo pra dar aquele tal abraço. Tudo em vão. Agora que
ela já tinha falado não valia mais. Voltava fatigado para a sala onde a televisão
estava (ainda inteira), esperando que ou ela se acalmasse ou que se cansasse.
Sem êxito. Layla ia atrás aos berros.
– Você é um egoísta! – ainda me explicava. – Você só se importa com você
mesmo.
Minha cara de incrédulo com a situação deixava ela mais braba ainda.
– Não me olha desse jeito que eu não sou maluca.
Pode me perguntar: por que eu não virava as costas e saía porta afora?
Não conseguia. Depois daquele alvoroço todo tínhamos horas e mais horas de
amor, sexo, declarações, risadas, gargalhadas. Ela se tornava umas das mulheres
mais incríveis que um homem poderia ter. Só era preciso paciência. Mas tudo
tem seu tempo. Uma relação nessa intensidade acaba sempre dando problema.
Terminamos num desses surtos.
Mas eu sempre conseguia dar o abraço que ela sempre me cobrava; e que
realmente resolvia tudo. Eu era persistente também.
São raros os homens que conseguem decifrar as entrelinhas das frases de uma
mulher em pleno estado de Tensão Pré-Menstrual. O tal Pedro provavelmente
pensou em levar a namorada ao cinema para que ela se distraísse e não se
aborrecesse com bobagens. E a namorada achou isso uma falta de consideração.
Não seria mais simples ela ter contado que estava carente e pedido colo? A gente
gosta de dar colo, sabe? É gostoso. Fazer um cafuné, um carinho, ver ela se
sentindo protegida, confortável.
As duas desceram na estação seguinte e torci para que o casal se entendesse.
Ao mesmo tempo, vi o meu amigo Marcos entrar no vagão. Levantei e fiz sinal
para ele. Em seguida, começamos a relembrar o barraco da noite anterior,
quando saímos com um grupo de amigos.
Os homens gostam de conquistar
Estávamos com o pessoal numa boate, quando uma mulher muito bonita, de
parar o trânsito, aquelas de quebrar o pescoço, começou a dar em cima do
Marcos. E ele é apaixonado pela namorada, que ia chegar a qualquer momento.
– Ainda estou de cabeça quente – ele desabafou.
– Imagino, foi um porre mesmo.
– Não consigo entender o que aconteceu... Uma mulher se rebaixar tanto, não
parou de me atacar... Eu deixei bem claro que não queria nada com ela. Mesmo
assim, ficou ali rodeando, me puxou para dançar, tentou me beijar, um saco. Não
queria ter sido grosseiro, falado o que falei, mas perdi a paciência – Marcos
reclamou.
– Clima chato! Marcão, as mulheres e nós estamos atrapalhados nessa questão
de relacionamento. Está acontecendo uma troca de papéis. Umas perderam a
mão, confundiram modernidade com vulgaridade e estão caindo para cima de
um jeito agressivo, parecendo peão de obra; pegam-nos de surpresa e às vezes
até constrangem. Antes o costume era de o homem chegar na mulher, hoje
mudou, particularmente não me incomoda. Acho até maravilhoso! Não tem nada
de errado uma mulher dar em cima de um cara, mas a forma de chegar é o que
faz toda a diferença. É que você é mais sensível mesmo. Essa mistura de papéis,
de novos conceitos, é complicada mesmo.
O meu amigo desceu, fez um leve sinal pra mim com os dedos e seguiu
balançando a cabeça e rindo, e eu fiquei pensando nessa história de mudança.
Ontem mesmo, recebi flores da Paula, vi que a intenção era boa, bonitinha, mas
me senti estranho, meio constrangido. Não sabia direito o que fazer com elas.
Acabei dando para minha irmã. Passei adiante o carinho.
Entrei em casa e joguei a pasta no sofá. A sala estava uma bagunça.
Organizada, mas uma bagunça. Passei por cima das almofadas (Tigre, o meu
gato, jogou todas no chão), dos DVDs (de manhã estava procurando o Kayana
Gandia, do Gil, começo o dia pra cima quando escuto ele), da casinha de boneca
que a minha filha, a Sophia, armou (e deixou para o papai guardar), das roupas
que iriam para a lavanderia (já estavam fazendo aniversário) e consegui, quase
num movimento acrobático, atender ao telefone antes que a secretária eletrônica
disparasse.
Era a minha vizinha do sétimo andar, a Regina. Uma mulher de 55 anos,
bonita, muito simpática, trabalhava como gerente administrativa. Há quatro
meses, saía com um homem de 40. Segundo ela mesma me contara, numa festa
em minha casa, depois de algumas taças de vinho, o caso era “só diversão, nada
sério, não sou burra para me envolver emocionalmente com alguém tão mais
jovem”.
De volta ao telefone:
– Alô!
– Caique, estou em pânico, deu tudo errado, entrei numa roubada...
Joana, você não me mandou detalhes sobre o que aconteceu, mas posso
imaginar... Provavelmente, é muito sensível e foi magoada. Agora você está
com medo de se entregar de novo e, para se proteger, já chega sacaneando o
cara, com várias pedras na mão. Como sofreu, e ninguém quer ter um bis de
sofrimento, você age impulsionada por um pré-conceito. Apronta com o cara
que te interessa para ter uma rota de fuga se precisar; ou, caso ele venha a
aprontar contigo, tudo bem, você já teria feito também. Já pensou que pode
estar machucando alguém que não merece, da mesma forma que fizeram com
você? Reveja o que está errado, revisite o que te deixou sequelas, o que te
traumatizou. Tipo, “naquela época eu pensava assim, não percebia logo o
caráter das pessoas, mas agora que eu tenho certa experiência de vida,
maturidade, sei me defender”. Acredite, não precisa pisar nos homens
indiscriminadamente. Com uma nova revisão do passado, você vai ver que
basta mandar passear quem aprontar com você. Um beijo, Caique.
Tive vontade de acrescentar um “PS: Eu não sou babaca!”. Desisti, a Joana não
tinha escrito por mal. É comum o problema estar dentro de nós e não fora. Vale
dar uma checada. A convivência é uma arte, assim como os relacionamentos.
Não se levar tão a serio é uma boa saída! Tudo fica mais leve, inclusive o amor!
Ela voltou a me dar notícias. Agradeceu a dica e, aos poucos, está vencendo os
seus temores. Namora há um tempinho o Victor e, como Joana contou, ainda não
deu nenhum pisão nele. Está se controlando.
Outra pergunta no blog:
“Oi Caique, o que faço para conhecer alguém que me traga a felicidade?”
Raquel, não deixe a sua provável felicidade nas mãos de ninguém. Ninguém,
compreendeu? Você é a única pessoa responsável por ela. Para Freud, o pai
da psicanálise, “a felicidade é um problema individual. (...) Cada um deve
procurar, por si, tornar-se feliz”. Talvez esteja projetando sua carência em
cima do outro. O problema não está com todos os homens que você conhece,
a questão é que você deve estar infeliz consigo mesma ou com o estilo de
vida que leva. Assim, tente ver o que a impede de se realizar, o que você está
fazendo ou deixando de fazer consigo própria. Pode ser um emprego que seja
um saco, relações familiares ou sociais desagradáveis, sonhos que não foram
concretizados, tantas coisas. Quando tiver essa resposta, vá à luta. Conquiste
a sua felicidade, não espere que alguém a dê de bandeja para você. O homem
será uma consequência. Conhecer-se bem, muito bem, é geralmente a
resposta para quase todos os problemas de escolha. Um beijo, Caique.
Após ter enviado a resposta, achei que fui muito duro e até um pouco
inconsequente... A história de Didi ficou martelando na minha cabeça. Sou uma
pessoa que sigo muito minhas intuições, colocando-as na maioria das vezes
acima da razão. Costumo prestar muita atenção aos sinais que se apresentam. E
talvez esse sentimento, que permanece há tanto tempo, seja um desses sinais e a
estou induzindo a não seguir. Pois na verdade, bem na verdade, a única maneira
de ela saber se todo esse sentimento teria durado às intempéries do tempo, de
uma forma recíproca, é se encontrando com ele. Certos sentimentos são eternos.
Como aquele amigo(a) que você não vê há muito tempo, e ao reencontrá-lo(a)
parece que estiveram juntos ontem. O tempo é relativo e o sentimento não
respeita o relógio inventado pelo homem.
Voltei a escrever para Didi.
O Tigre pediu comida e percebi que eu também estava com fome. Fechei o
laptop, coloquei a ração para o gato e abri a geladeira. Gosto de cozinhar. Peguei
a muçarela, dois ovos e o leite. Faria uma falsa pizza. Arrumei as fatias de pão
de forma em um pequeno tabuleiro untado, cobria-as com a mistura dos ovos
batidos com meio copo de leite e um pouco de sal, espalhei o queijo por cima e...
o interfone tocou. Era a Vânia, produtora da peça que eu estava ensaiando.
Ela entrou, sentou numa cadeira e, enquanto eu decorava a pizza com as
rodelas de tomate, a cebola e o orégano, me bateu uma insegurança. Vânia
poderia ter ido à minha casa por conta de algum problema no teatro. Será que
tinham cortado a verba de patrocínio?
Ela acabou logo com o suspense. Queria apenas desabafar, uma sugestão.
– Não tenho feito boas escolhas, só encontro homens que não combinam
comigo. Saio, vou aos bares, ao clube, às festas, aceito todos os programas que
me convidam e não acho quem realmente desejo.
No mínimo, perfeito
Essa última observação da ruivinha já me deu a resposta: é. Ela continuou,
enquanto arrumava o meu arranjo:
– Quero encontrar um homem alto, bonito, forte, que goste de esportes, de ler,
que se arrisque por mim, seja inteligente, sensível, sincero, seguro, fiel,
estabilizado financeiramente, batalhador, sociável e divertido. É pedir muito?
Olha, se eu não gostasse tanto de mulher, também ia querer um homem
assim... Helen deseja simplesmente a perfeição, um homem que não tenha
defeitos. Isso é delírio da mesma forma que não é viável encontrar uma mulher
que só possua qualidades.
– Helen, sinceramente... Você vai encontrar vários caras assim no cinema,
aqueles galãs dos filmes românticos. Eles são tudo isso e muito mais. E agora me
ocorreu outra coisa: se o homem malha, pratica esportes, lê e trabalha muito, que
tempo vai sobrar para ele ficar com você? Lembre-se que um filme dura no
máximo duas horas.
Ela permaneceu em silêncio por alguns segundos.
– Vendo por esse ângulo...
– Não fantasie tanto, aceite as pessoas do jeito que são, com suas dificuldades
e limitações. Você vai gostar de um homem do modo como ele é. Não procure
um super-herói no mundo real. Você não vai achá-lo e corre o risco de ficar
sozinha. Além disso, como você vai sair por aí com homem vestido daquele
jeito, de máscara, roupinha colada, ou com a cueca por cima da calça. As roupas
desses heróis são ridículas.
Helen agradeceu pelo aviso, sorrindo meio pensativa. Paguei as flores e
disparei para encontrar o amor da minha vida. Pelos meus cálculos, estava mais
do que atrasado.
Ao descrever a Paula, esqueci de dizer que é uma mulher de muita
personalidade e estava de TPM. Assim que entrei no apartamento, jogou as
flores que eu levei – com papel celofane, laço e tudo – na minha cara.
Nós na fita
D ormi mal, sem a minha Paula, e acordei pior, com a consciência pesada,
sem aquele chamego, e outras coisitas mas... Levantei cedo e fui correr.
Ótimo para manter a forma e, mais importante, liberar o estresse. Tive vontade
de pegar o caminho da casa da minha namorada. Desisti, precisava esperar a
raiva dela passar. Mas me fiz presente mandando uma bela orquídea branca e um
cartão onde escrevi apenas “Eu te amo”. Qual seria o destino dessa orquídea? A
lata de lixo ou a devolução para o entregador? Eu conheço a Paula...
Depois de correr alguns quilômetros pela orla, tirei o tênis e fui para a praia. O
dia estava com a maior lua, o mar ótimo. Assim que sentei na areia, notei que Ju,
a moça de quem eu sempre comprava um pacote de biscoitos Globo, vinha em
minha direção. Era uma morena alta, de 26 anos, que morava na comunidade da
Rocinha. Foi mãe de uma menina ainda adolescente e agora estava casada pela
segunda vez. Como eu sei de todos esses detalhes? Ora, sou bom ouvinte e gosto
escutar histórias.
Ju estava irritada.
– Eu estava doida para você aparecer! O meu marido, Jonas, está me tirando
do sério. Um ano juntos e sempre que eu quero falar sobre a relação, ele dá um
jeito de sair fora. Por que o Jonas detesta tanto discutir o nosso casamento?
Homens odeiam DR
Ai, Ju, não é só o Jonas. São todos os homens. Odiamos, detestamos, execramos,
abominamos... Como nada é perfeito, as mulheres adoram!
– É que quando vocês querem discutir a relação, o homem sabe que vai ouvir
pra caramba. A nossa discussão é meio prática, papapa e acabou. As mulheres
ponderam muito, expõem as razões em detalhes, nos encostam na parede, a
gente nunca ganha nesse jogo do falar. Se duvidar, os homens ainda se
encrencam mais. E, às vezes, o papo, para nós, nem sempre tem lógica...
– Você está dizendo que eu não sei conversar? – Ju me encarou com raiva.
Perigo, perigo, perigo! Hora de falar com mais jeitinho, senti que iria sobrar
para mim, como se já não bastasse a Paula.
– Não, eu não quis dizer isso. É que algumas mulheres vão de uma coisa para a
outra que não tem nada a ver, pulam para uma terceira, numa lógica assimétrica,
atemporal, que o início virou fim, que de uma hora para outra vira o meio, e na
sequência não era mais nada daquilo... O que era para ser resolvido já foi para o
espaço. “Ah porque no lugar tal você não abriu a porta para mim, porque aquele
dia, naquela coisa”, e é o que mãe ensinou, o que a amiga falou, e a vizinha
inventou, tudo isso misturado e quando você vai ver esjá tá debatendo outra
história. A nossa cabeça não acompanha. São voltas, mas tantas voltas, que a
gente fica tonto e quer se livrar daquela tortura.
– Então não tem jeito? O Jonas não vai me ouvir nunca? – Ju estava
decepcionada.
– Tem! Experimente se queixar de um problema só de cada vez, focar naquilo
que no momento é o que mais te incomoda. Aí ele vai conseguir prestar atenção,
entender os seus argumentos.
– Focar? Reclamar de uma coisa só? Mas assim vou ter que discutir a relação
várias vezes para poder criticar tudo o que me incomoda.
Epa, Ju não entendeu o espírito da coisa. Há o perigo de querer discutir a
relação várias vezes por dia, como uma namorada que eu tive... Ela aproveitava
cada minuto livre para me bombardear compulsivamente, parece que só vivia
para aquilo, só falava naquilo, só respirava naquilo, só não comia ‘a quilo’,
porque adorava restaurante caro. Quase pirei, caí fora.
– Não! Não faça isso! Não vale a pena reclamar quando a coisa for
insignificante, implicância. Você gasta munição à toa. Ju,converse sobre o que
estiver incomodando muito, naquele momento, no seu casamento.
– Vou tentar, mas não sei se vou conseguir... E ela saiu com uma ruguinha na
testa.
Na praia da outra semana, Ju estava feliz. O plano dera certo e Jonas passou a
ouvi-la com atenção.
A loirinha sentada perto de mim puxou conversa.
– Quero te perguntar uma coisa também, Caique. Por que os homens não
lembram as datas importantes? A gente sabe quando nos conhecemos, trocamos
o primeiro beijo, fizemos amor pela primeira vez, tudo...
“Para se chegar a qualquer acordo, a primeira condição é estar falando a mesma língua” –
Luis Fernando Verissimo
Não olhe, mas estou sentado duas fileiras atrás de você, o lugar que eu
queria não estava vago. Obrigado por ter falado aquilo para a Salete. Estamos
noivos, mas ela não quer casar porque tem medo de que, no futuro, eu a
troque por outra mais bonita. E, para mim, ela é linda. Espero que agora
mude de opinião. Tadeu.
Guardei o papel no bolso, tomara que fiquem juntos. Quando chegamos a São
Paulo, me despedi das minhas novas amigas e fui direto para o local da seleção.
Entre tanta gente, provas de roupas, passarela e avaliações, conversei um
bocado. A passadeira, Jaqueline, uma amazonense extrovertida, foi logo falando
sobre “quem não a merecia”.
– O meu namorido, o Raul, reclama do meu romantismo, de eu ser melosa, de
me declarar mil vezes por dia.
Ioiô
Toma! É o que dá ser enxerido. Minha cara foi parar lá no chão, embaixo da
poltrona. Ela percebeu.
– Desculpe. Talvez desabafar seja uma boa porque tenho que tomar uma
decisão na minha vida. Como está não dá pra continuar.
Antonieta era apaixonada pelo Francisco, com quem mantinha um
relacionamento há dois anos e meio. Nesse tempo, ele terminara o namoro, pelo
menos, umas quinze vezes. Ela ficava destruída, sofria tudo e mais alguma coisa.
Quando juntava os cacos, o cara voltava, pedia desculpas, dizia que andara
estressado e jurava amor eterno. Antonieta sempre aceitava o Francisco de volta,
passavam alguns meses e novamente o tipo aprontava. Era o tal namoro ioiô,
sobe e desce.
– Hoje ele me magoou tanto que decidi ir para a casa da minha tia, no Rio. O
que você acha?
– Mas é sempre ele que termina?
– Sim, na maioria das vezes, foi.
Acabar quinze vezes em dois anos e meio? É praticamente uma vez a cada
dois meses. Tem boi na linha... Esse é cara de pau!
– Moça, sinceramente, eu acho que está muito cômodo para ele, mais do que
cômodo até. Ele está muito seguro de que você vai sempre voltar para ele. Mas
até que ponto isso realmente te incomoda? Se amolasse tanto assim, você já
tinha caído fora no máximo na terceira vez... Parece que gosta. Será que já não
virou um jogo pessoal dos dois?
– Não! É que eu sempre acreditei que o Francisco tomaria jeito... Mas insiste
no mesmo erro.
Caramba, Antonieta ainda tem esperanças que o fulano mude? Acho que é um
jogo do casal, é jogo.
– Será que o Francisco gosta pra valer de mim?
– Por mais estranho que pareça, eu acho que gosta. Acredito que ele queira
você e só termine para dar uma puladinha de cerca. Temos duas questões. Será
que o Francisco conseguiria ficar apenas com você, ser fiel? E em caso negativo,
você aceitaria essas escapadas dele? Tome uma atitude. Primeiro, veja se é capaz
de se separar mesmo do seu namorado. Se concluir que é possível, dá uma dura
nele. Tipo “É isso mesmo? Vai ser festa aqui? Então vou começar a fazer igual!”.
Ensaia para pular fora. Já se você perceber que ele mudou, ou que não vive sem
o Francisco, e consegue seguir nestas condições, esqueça os preconceitos, relaxe
e seja feliz.
– Mas é certo eu deixar ele me trair?
– Tem que descobrir o que você acha apropriado para você e não o que os
outros pensam. Vejo muitos relacionamentos em que os dois estão ali felizes e
fingem que não sabem as infidelidades que acontecem nos bastidores. Claro que
existem pessoas que não traem. O importante é você estar em paz consigo
mesma. Aceita dividi-lo? Dez. Não tolera? Dez também. Aqui está o meu e-mail,
se puder, me escreva contando como vocês resolveram tudo.
E ela escreveu! Para minha surpresa, Antonieta mandou o cara pastar. Não era
jogo, pelo menos da parte dela. Antonieta lutava mesmo para mudar o Francisco
e acabou por admitir que isso jamais ocorreria. Como não queria mais ser traída,
tomou uma posição.
Antonieta, finalmente, enxugou as lágrimas e dormiu um pouco. Fiquei
pensando. As mulheres mudaram muito, é fato. São independentes, estudam,
trabalham e desejam ter os mesmos direitos dos homens. Mas, intimamente, me
parece que elas ainda procuram uma forma de como ajustar essa mulher
moderna à nova realidade social. Com um modo antigo de pensar ou sentir amor,
a maioria quer um homem sensível, porém forte, carinhoso, mas não meloso,
protetor e provedor, mas que não a sufoque, cabeça aberta, desde que não saia
dos trilhos. E essas características representam uma linha muito tênue, sutil, fácil
de ser transgredida e difícil de ser admitida.
Na Rodoviária do Rio, peguei um táxi. O motorista era uma mulher, percebi
sem precisar olhar que ela ficou me analisando pelo retrovisor. Levou um susto
quando eu abri um sorriso.
– Foi Santo Antônio que mandou você para o meu táxi. Tudo bem? Eu me
chamo Darlene e estou ficando com o Ricardo há dois meses. Pela primeira vez,
falei que o amava. Sabe o que ele me respondeu?
O casal teve uma longa conversa, cada um expôs o que sentia, o que pretendia
do casamento, e os dois concluíram que mereciam tentar novamente. João e
Giovana cortaram algumas despesas que não eram necessárias, diminuíram o
ritmo de trabalho e voltaram a fazer programas que faziam quando eram
namorados. Perfeito, detesto ver um casal se separar.
Eu + Você = Nós
Também não gosto disso. Mas sempre há esses amigos que acham que
sabem o que ou quem é melhor para nós... Eles têm boas intenções, mas criam
cada situação. Já me arranjaram alguns encontros, mas eu não gosto. Às vezes,
estamos solteiros porque queremos, outras porque estamos sofrendo por um
pé que levamos, por um que demos por não sermos correspondidos. Aí chega
a galera, vem com essas coisas de “Ah vou te apresentar a... você conhece
a...?”. Quando acontece, encaro com leveza, numa boa, deixo rolar, coloco a
menina à vontade porque ela pode ser tão vítima quanto eu. Tento transformar
a situação esdrúxula num encontro bacana...
Lígia, você não está errada, o seu momento é outro, é isso. Acho que você tem
que se respeitar; depois, se quiser ter um homem, tenha um homem. Já que você
está tão aborrecida, fale sério com os seus amigos, diga que ficou chato, que
desse jeito não vai sair mais com eles. Eu entendo você, esses encontros são
forçados; e o melhor é que aconteçam naturalmente. Torço para que você se
torne uma grande médica. Um beijo, Caique.
Deixei a Sophia na casa da mãe e fui me arrumar para ir ao teatro com a Paula.
O trânsito não estava engarrafado, estava parado. Por mais que eu implorasse,
não tinha jeito, só se o motorista do táxi levantasse voo por cima de todos os
outros carros. Senti que o circo estava se armando, e o pior, o palhaço era eu.
Não deveria ter ficado com a minha filha no balanço. Olhei o relógio, sem
chance... Telefonei.
– Oi, amor.
– Grgrgrgrgrgrgr...
A gente se viu,
mas não se olhou
“O amor é um não sei o que, que surge não sei de onde e acaba não sei como” Madeleine
Scudéry
– E se eu não conseguir?
– Tem horas em que a gente tem que se dar por vencido. Agarrar nossa
humildade e tirar o time de campo. A vida segue.
O Eduardo era cabeça feita, e Amanda, depois de inúmeras tentativas em vão,
desistiu.
Hora do lanchinho, que eles chamam de jantar, antes do desfile. Enquanto as
meninas se contentavam com frutas, fiz e ataquei um sanduba. Jeanne, uma
modelo linda, sentou ao meu lado no chão – olhando com inveja todo aquele pão
integral com frios.
– E aí, tá gostando de fazer o programa?
– Tô, tô muito.
– Então, vou consultar pessoalmente o guru das mulheres – riu. – Tô
namorando um carinha aí há menos de um mês, mas assim que voltar para
Floripa, depois do desfile, vou terminar.
– Por quê?
– Tenho medo que o Hugo só esteja comigo porque sou modelo.
Quando entrei no hotel, vi Grace, a amiga que fizera sinal na plateia para mim,
sentada na recepção. Ela chorava sem parar, levantei-a e a abracei, mesmo sem
saber o que tinha acontecido. Não dava para conversar ali, levei Grace para o
meu quarto.
– O Fred está se casando hoje – falou entre soluços.
Agora entendi o porquê de todos aqueles sinais. Grace sempre foi muito
exagerada.
Tudo tem um timming
Até eu levei um susto. Os dois terminaram o namoro no início do ano passado
por um motivo babaca. Ele disse que não poderia viajar no feriado porque estaria
de plantão no hospital – é ortopedista –, mas deu força para que ela fosse com a
família para a casa de praia. Quando Grace voltou, um casal amigo contou que o
namorado dela passara aqueles dias na serra. “Na verdade, nós o vimos algumas
vezes de longe, mas com certeza era o Fred, com uma moça.” E Grace acreditou!
Por mais que Fred dissesse que passou os três dias no Rio, ela não quis saber,
não deu a ele nem o benefício da dúvida. Ponto final. Semanas depois, teve a
prova de que tudo foi fofoca e o Fred falara a verdade. Quis se ajoelhar, pedir
perdão, se atirar nos braços dele, mas o orgulho... Preferiu dar um tempinho, que
virou um tempo, que se transformou em um tempão e que agora terminava em
casamento: com outra.
Grace mantinha a cabeça apoiada no meu ombro. Se eu falasse algo naquele
momento, seria uma besteira. Permaneci em silêncio. Um silêncio que deixava
claro que ela sempre contaria comigo... Eu já passei pelo que a Grace sentia
naquele instante. É pesado porque fora o peso na consciência de ter sido injusto
ainda tem o peso de perder alguém que você ama sabendo que a culpa é sua.
Assim que a minha amiga ficou mais calma, pediu que a levasse para a casa da
irmã. Achei ótimo porque a Grace não estava em condições de ficar sozinha e as
duas se davam muito bem.
Na volta, entrei no quarto e me joguei na cama. Estava mal, péssimo.
O telefone tocou, não me mexi. Deveria ser a Paula para contar como ela, o
gato e o cachorro estavam convivendo no meu apartamento. Naquela noite,
dentro de mim, não havia mais espaço para a minha namorada. Precisava ficar
sozinho.
“O dinheiro não é tudo. Não se esqueça também do ouro, dos diamantes, da platina e das
propriedades.” – Tom Jobim
A ssim que cheguei ao Rio, liguei para a Paula. Menti. “Saí tão cansado do
desfile que apaguei, não ouvi o telefone do quarto do hotel tocar.” Tirando
os fatos de que Peludo destroçara a almofada do gato, que o Tigre arranhara o
cachorro, que Peludo puxara o rolo de papel higiênico por toda a casa e que o
gato quebrara o vaso de cristal que a minha mãe me deu, tudo correra bem
naquela noite.
Tomei banho, vesti o meu terno, enfaixei meu pé e saí impecável, todo
arrumadinho, como diria meu primo. “O bonitinho da titia”, o próprio
almofadinha. Como falei antes, sempre faço várias coisas ao mesmo tempo;
digamos assim: plano A, plano B, plano C... plano Z. Sabe como é vida de
artista, tem muitos altos e baixos, depende da maré, e com filho pequeno não
podia dar mole. Meu pé ainda doía um pouco, mas naquele dia marquei de
mostrar um apartamento, para uma cliente com grande potencial de compra,
como já tinha constatado pelo telefone.
– Isso é uma pegadinha? – a minha primeira cliente, uma mulher bonita, com
cerca de 60 anos, perguntou espantada ao me ver no apartamento vazio. – Onde
está a câmera escondida?
Quando consegui finalmente convencê-la de que eu era mesmo o corretor,
Estela comentou rindo:
– Caique, não imaginava que pagassem tão mal na televisão...
– Depende muito, nem te conto.
Depois de analisar todos os detalhes do apartamento – mulher é ótima para
isso –, Estela ficou de passar na imobiliária para apresentar uma proposta. Quis
saber se eu tinha um tempinho. Eu tinha, a próxima pessoa só chegaria em uma
hora e meia. Ela me contou que enfrentava problemas “de coração”. Não
cardíacos, e sim amorosos. Conhecera um homem da mesma faixa etária em um
baile da terceira idade. Saíram algumas vezes, mas Estela estava cismada.
– A aposentadoria do Lúcio é bem menor do que o valor que eu recebo com os
aluguéis e tenho medo de que ele esteja se aproveitando de mim.
O casal e as dívidas
Os dois estavam de casamento marcado para daqui a três meses. Ele era
engenheiro e ela enfermeira. Por causa dessas razões inexplicáveis, ambos
perderam o emprego quase que simultaneamente, no mês passado. Receberam
uma boa indenização e decidiram não adiar o casamento.
– Agora estou com medo de começar uma relação tão séria baseada na
perspectiva de que os nossos problemas estarão resolvidos no futuro. Como
vamos pagar um financiamento gastando as nossas economias?
– Você não botou em cheque o amor, está com medo é de começar uma vida
com um financiamento.
– Pois é, estou muito insegura. E se a gente não conseguir trabalho, se passar
por dificuldades?
Quando falta grana, nossa, o desgaste é grande. Vamos imaginar um casal de
classe média. Os dois estão empregados e o aluguel dispara de mil para dois mil
e quinhentos. Dinheiro é importante, é o cabeleireiro que não dá mais, a
manicure que vai deixar de ir, aquele hábito que eles tinham de tomar um bom
vinho, a empregada mandada embora, as mordomias vão acabando e, com a
adaptação, a nova realidade, o estresse vai aumentando.
– É mesmo complexo. Até onde vai a sua resistência, a do Júlio? No início é
“eu seguro numa boa”. Com o tempo, não segura mesmo. Dinheiro não traz
felicidade, mas compra conforto e dá certa estabilidade para dormir mais
tranquilo. Ajuda bastante para quem tem uma boa relação com ele... A conta está
no vermelho, vão morar longe, pegar duas horas de ônibus, é o amor posto em
prova. Eu conheço muitos casais que não aguentaram o tranco e se separaram.
– Você tem toda a razão. Infelizmente, a situação mudou. Eu e o meu noivo
temos que conseguir um novo emprego para depois nos casarmos.
Desci para almoçar e conheci a Betânia, quer dizer, ela me reconheceu.
Decididamente, aquele dia eu estava mais para agente financeiro do que para
corretor.
– Que legal encontrar você, Caique. Posso sentar cinco minutinhos? Prometo
não demorar.
– Por favor.
– Tenho 28 anos e trabalho como recepcionista numa clínica. Eu e o Otávio
namoramos há uns quatro meses. Ele é médico e ganha mais do que eu. Por isso,
não acho certo ficar dividindo a conta quando saímos.
O terror da imperfeição
– Por favor, acreditem, quando gostamos da mulher, quando ela nos atrai, não
estamos nem aí para a celulite e as estrias. Eu tenho várias amigas que se sentem
assim e sei que isso é um pesadelo para vocês.
– Os homens se importam, sim. Eles querem a mulher perfeita de corpo – a
jovem da segunda fila lamentou.
– Querer, podemos até querer. Não só de corpo, mas de rosto, de alma, de
humor. Assim como vocês devem querer o homem perfeito, inteligente, sem
nenhuma barriguinha, do jeito que vocês quiserem imaginar. O problema é que
não existem muitos desses exemplares por aí, e, às vezes, quando você se depara
com eles, a química não bate. Você vai olhar, admirar e continuar preferindo
aquele barrigudinho, cervejeiro, safado, que, nesse momento, deve estar
discutindo futebol num boteco da esquina. Já deve ter ouvido falar que o amor
cega. Acho que quando uma pessoa passa a amar a outra é porque ela aprendeu a
amar os defeitos da outra pessoa e não as qualidades. Porque as qualidades estão
ali e só têm a acrescentar, mas os defeitos seriam os empecilhos, e se você não
aprender a amá-los, eles vão minar a relação. Resumindo: a perfeição não existe.
Talvez exista, mas só por um espaço de tempo. A imaginação, de vez em
quando, prega alguns truques contra você mesma.
Nova pergunta:
– A primeira transa com o meu namorado não foi boa. Devo tentar de novo?
Despedida e tesão
– É isso gente, espero que tenham gostado e me perdoem pelas possíveis
asneiras.
Ao me levantar para agradecer os aplausos, derrubei o microfone e a garrafa
de água que sobrara. Ainda estava nervoso, aquele assunto mexera comigo...
Ganhei ainda inúmeros parabéns, felicitações, sugestões, inúmeros beijinhos,
alguns na bochechas, outros um pouco mais sensuais, abraços, chocolates. Saí de
lá feliz como uma criança e desejando como um homem.
Jantei no hotel mesmo. Já que não poderia ter a Paula naquele momento, pelo
menos falaria com ela. Liguei para a minha casa. Ninguém atendeu. Nem Paula,
nem o Tigre, nem o Peludo. Tentei o apartamento da minha namorada, secretária
eletrônica. Celular, desligado.
“Os ciumentos sempre olham para tudo com óculos de aumento, os quais engrandecem as
coisas pequenas, agigantam os anões e fazem com que as suspeitas pareçam verdades.” –
Miguel de Cervantes
C heguei ao Rio de manhã. Mal pisei em solo firme, tornei a ligar para o meu
amor, dessa vez ela atendeu. Paula não pôde ficar à noite com os meus
monstrinhos porque a mãe se sentiu mal e ela dormiu na casa dos pais. Dona
Deolinda já melhorara da gripe e, infelizmente, as férias da minha namorada
tinham acabado. Fazer o quê, né? Contei como tinha sido o debate no Piauí e
marcamos de nos encontrar à noite, no show que eu e minha irmã estávamos
promovendo. Beijos, beijos, beijos. Saudades, saudades, saudades.
O meu apartamento ainda permanecia de pé, Tigre e Peludo demonstraram ter
sentido a minha falta. Estávamos começando a nos entender... Tempo livre,
tomei banho e fui ao shopping escolher um presente para a Paula. Não era
nenhuma data importante, era só vontade de fazer um carinho mesmo. Ainda não
sabia o que ia comprar, mas nada de óbvio. Eu gosto de presentes inusitados, que
saiba que a pessoa vai curtir. Fico olhando, olhando, até encontrar algo que tenha
o jeito da pessoa. Pode até ser uma coisa inusitada, maluca, cara, barata... Os
meus presentes são assim.
Entrei numa livraria e, enquanto bisbilhotava as novidades, uma vendedora
chegou perto de mim. Pensei que ela fosse fazer a tradicional e chata pergunta
“Posso ajudar em alguma coisa?”. Errei.
– Desculpe, mas você é o Caique Rego, né?
– Sou sim. Tudo bem? Posso te ajudar?
– Tudo. Quer dizer, quase tudo. Prazer, meu nome é Keila. Será que posso
ficar um pouquinho aqui fingindo que estou te ajudando e tirar uma dúvida com
você?
– Claro, preciso de muita ajuda.
– Legal. Estou de namorado novo e morro de ciúmes das amigas do Natan.
Estava quase com o nariz colado na vitrine da loja de joias, quando uma cliente,
lá de dentro, pediu insistentemente que eu entrasse. Entrei.
– Caique, talvez você possa me esclarecer uma dúvida. Há um ano me
relaciono com um homem bem mais jovem do que eu. Tenho 40 anos, e o Roger,
28. O namoro só não é tranquilo porque ele não sente ciúme de mim. Não
aguento mais esse descaso.
Por que é que as mulheres ficam inseguras quando o homem não é
ciumento?
– O Roger diz que me ama, que não é ciumento porque eu não dou motivos. Não
acredito! Se ele fosse apaixonado, tinha que sentir ciúme, não tinha?
Paulina deveria estar feliz por não ter um cara ciumento grudado no pé dela,
não deixando fazer isso, ou aquilo. Parece que o Roger é um homem bem
resolvido. Namora uma mulher mais velha, está bem com ela e pronto. Já
Paulina interpreta a situação como falta de interesse. É, nem tanto ao céu, nem
tanto a terra. Ciúme exagerado é doença; já um pouquinho, bem pouquinho, dá
confiança.
– Tem gente que ama e que não sente ciúme. Também é possível que o Roger
não queira criar caso. Em algumas ocasiões, pode até ter ciúme em relação a
uma ou outra atitude sua, mas se controla para não discutir por bobagens ou para
parecer maduro para você. Ele gosta de você e confia no que existe entre os dois.
Tira essas minhocas da cabeça, Paulina.
Ela sorriu um sorriso de felicidade.
No balcão, pedi para ver um anelzinho lindo que tinha chamado a minha
atenção na vitrine. Era simples e sofisticado ao mesmo tempo, como a Paula.
Enquanto Diana me mostrava a joia, “se aproveitou de mim”.
– Eu sei que estou errada, mas tenho crises de ciúmes quando vejo que o Samir
adicionou amigas na internet. Se soubesse a senha dele, deletava todas.
Não, não, não faz isso, não, Mônica. O cara é folgado, grosso, não demonstra
ter respeito por você. Não se agrida mudando a sua forma de vestir, não vai
adiantar nada. Uma vez babaca, sempre babaca. Dá um cutucão no Wiliam
quando ele olhar novamente, um “Que isso, cara, tá pensando que eu sou o
quê? É isso mesmo que vai virar, uma suruba? Então veja”. Começa a
paquerar todos os homens que estiverem a sua volta. Depois, bota esse
folgado para fora de casa e vai viver a sua vida. Um beijo, Caique.
Arrumei-me e fui para a boate onde aconteceria o show que eu e a minha irmã
divulgamos. É sempre bom checar antes se está tudo certo. E nunca está...
Confiando desconfiando
O show foi um sucesso para toda a galera, menos para mim. A minha namorada
não apareceu. Depois de muitas tentativas, falei com ela. Paula explicou que
trabalhou até bem tarde. Agora, o que mais queria era tomar um banho e se jogar
na cama, sozinha.
Que jeito... A surpresa ficaria para amanhã. Tomei um banho e passei a
madrugada toda me revirando na cama. O lado esquerdo da minha cabeça
pensava que estava tudo bem com o meu namoro. O direito, que boa coisa não
estava por vir.
“Zonzo lavo na pia os olhos donde ainda escorrem uns restos de treva” – Ferreira Gullar
C omo não dormi nada mesmo, levantei cedo da cama. Pensei em ligar para a
Paula, mas desisti. Estava chateado, cismado. Ela tinha feito isso:
simplesmente não aparecer e nem dar notícia. Levantei, pois não aguentava mais
ficar fritando de um lado para o outro naquela cama. Coloquei minha bermuda,
meus óculos escuros para esconder as olheiras, e fui até a praia para minha
terapia preferida: um “jogo de vôlei”, exorcizar qualquer pensamento ruim. Parei
no quiosque de sempre. Enquanto tomava uma água de coco no calçadão, uma
moça que patinava parou na minha mesa. Ela me analisou por alguns segundos.
– Você está de óculos escuros, mas é o Caique, né?
– Sou.
Fábia sentou para contar a sua história.
– Casei muito jovem, com 19 anos. Nesses dez anos de convivência, o Gael
me traiu algumas vezes e eu sempre o perdoei.
Conheço casais que levam a traição numa boa. O tesão entre os dois acabou,
mas querem ficar juntos, preservando outros aspectos bons do relacionamento,
como o amor, o companheirismo, a rotina de casa... Então, a mulher não está
nem aí se o homem a traiu. “Ah! Deixa, deu a sua bombadinha, ficou feliz, o
que temos juntos é muito mais importante.” O homem também concorda, não
quer se separar. “Onde você dormiu?”, “Saí com umas amigas e dormi na casa
da fulaninha.” O cara sabe que é mentira, mas ambos têm esse acordo
implícito.
Lara, falar que com o tempo você consegue superar é simples. O seu desgaste
sentimental e a vergonha, nesse exato momento, devem ser enormes. Sobre o
estrago na sua vida, só resta mesmo esperar que ela se refaça. Quanto à
vergonha, é diferente. Não foi você quem errou, você manteve a sua
dignidade e honrou o seu amor, portanto, não acabe com a autoestima
provocando mais dor, se comparando, provocando conflitos internos e
fazendo com que a sua paz e energia vital sejam subtraídas. Quem tem que se
envergonhar é o seu ex-marido, que tomou uma postura errada, e não você,
que foi a vítima. Sim, para as mulheres, o fato de ter sido trocada por uma
prostituta é difícil de engolir. Olha, o julgamento dos outros é uma besteira.
Tenha certeza de que os seus amigos de verdade estarão ao seu lado e é com
eles que você deve se importar, desabafar, pedir apoio. Os sádicos de plantão,
que adoram a desgraça alheia, que se explodam! Um beijo, Caique.
Com a ajuda dos parentes e amigos sinceros, ela está se recuperando. Quando
algum amigo da onça aparece e pergunta “É verdade o que estão comentando
por aí?”, Lara responde: “A vida prega peças. Imagina se isso acontece com
você, não desejo isso para ninguém. Mas o que você tem a ver com isso?” É um
belo fora na pessoa.
Mais um:
“Eu e o meu namorado chegamos a uma conclusão: o sexo entre a gente está
meio devagar, tipo tédio. Então o Gustavo me pediu para eu transar com um
amigo dele.”
Você conhece de verdade o Gustavo? Pergunto porque você tem medo de que
depois ele não te respeite mais, e que só tenha proposto essa inovação para
ver como você reage. Sim, pode ser um teste do Gustavo, pode ser mesmo.
Mas há muitos casais que fazem swing e se respeitam mais do que aqueles
que não praticam. As liberdades sexuais às quais um casal se permite não são
inversamente proporcionais ao respeito que eles têm. A sugestão do Gustavo
tem que ser muito conversada para que os dois saibam se ela é realmente
perfeita para vocês. Não tope se, depois do papo aberto, você ainda
permanecer com dúvidas. Achou que está tudo de acordo, certo, mas esteja
preparada para segurar o rojão se, por acaso, o Gustavo aprontar.
Um beijo, Caique.
Olha, é difícil quem nunca tenha feito. Nem que seja num fim de
relacionamento, numas férias, numa noite meio enlouquecida. Mas teve uma
vez que foi marcante, não pelo lado positivo, mas pelo ressentimento pelo qual
gerou. Fiquei um lixo porque a minha namorada era maravilhosa! Estava em
outra cidade, não consegui o trabalho pelo qual fui lá batalhar, entrei em um
bar, bebi um pouco mais, a garota deu bola, fiquei com tesão, a tal
testosterona... Quando acordei, ainda meio atordoado, aquela estranha do meu
lado, nada a ver... Um gosto de cabo de guarda chuva na boca, uma dor de
cabeça e um sentimento de merda; de ter quebrado um elo tão bacana que
estava acontecendo na minha vida naquele momento, talvez a melhor coisa que
me acontecera nessa época. Ali mesmo aprendi que a ressaca moral é muito
pior do que a ressaca física. Dei um jeito de colocá-la em um táxi sem ser
grosseiro.
Não precisava ter cortado a cumplicidade com a minha mulher. E se a traição
se espalhasse? Colocar ela, aquela pessoa tão bacana que aparecera na minha
vida, que só me trazia coisas boas, minha doce parceira, nessa situação, seria
uma m. A minha namorada nunca soube, não consegui contar, não ia suportar
magoá-la por qualquer motivo que seja. Eu me sentia culpado perto dela. Ela
não merecia, sinceramente. Cada dia junto, aquela mentira, parecia um veneno,
um câncer que ia me corroendo. Na sequência, tive que viajar para a season de
desfiles na Europa e acabamos nos separando aos poucos. Se houve alguma
situação na minha vida em que se eu pudesse voltar no tempo para resolver,
seria essa, com certeza.
Ninguém errou no ensaio, batemos palmas para nós mesmos e ficamos bem
confiantes para a estreia no dia seguinte. Em casa, preparei um jantar delicioso
para a Paula, a minha famosa lasanha de berinjela, infalível. Não estava mais
chateado com ela. Finalmente íamos namorar e eu só queria ver a carinha do
meu amor quando ganhasse o anel.
Ela foi pontual, como sempre. Enquanto a abraçava, Paula falou:
– Preciso ter uma conversa séria com você.
O meu coração disparou. Pelo tom, ou a minha namorada estava grávida – o
que me faria soltar rojões –, ou era ali o fim de nossa história – o que
sinceramente eu não queria e nem estava preparado para isso.
Sentamos, ela segurou as minhas mãos e me olhou bem nos olhos.
– Caique, já estamos juntos há um bom tempo, tivemos momentos
maravilhosos e a última coisa que eu queria era magoar você, mas sei que vou,
não tem jeito. Dói dizer isso, mas me apaixonei por outra pessoa.
As lágrimas dela escorriam e eu mal conseguia respirar.
– Conheci ele quando estava de férias. No início pensei que fosse só atração,
mas não é. Eu gosto muito de você, vou gostar para sempre, mas não tem mais a
ver com o amor que eu sentia antes.
– Mas onde foi que eu te perdi? Foi por causa dos atrasos, dos furos, das
viagens, de alguma besteira que eu fiz, de uma fofoca que te contaram?
Eu tentava uma justificativa para tentar reverter a situação.
– Nada disso, eu te amava do jeitinho que você é. Eu não tenho uma razão, um
motivo, simplesmente aconteceu.
Não sou muito de chorar, mas nesse momento não consegui segurar, passou
um filme na minha cabeça sobre tudo que estava me deixando. Planos, carinhos,
carícias, momentos que sonhara... Não estava preparado para esse fim. Não
passara em nenhum momento na minha cabeça essa separação. Ingenuidade
minha ou uma carência projetada? Não sei. Mas nesse momento não aguentei,
senti meus olhos fervendo. Eu já estava chorando também.
– E por tudo o que vivemos, pelo respeito que sempre cultivamos em nossa
relação, eu jamais seria capaz de te trair. Não rolou nada, nem ainda um beijo,
pode acreditar. Por isso, estou terminando com você antes de ir em frente com
uma nova história. Não sei se vai dar certo, se vou me arrepender, mas tenho
certeza absoluta de que desejo arriscar.
Nos abraçamos e choramos um no ombro do outro. Não havia nada mais a ser
dito, falado ou explicado. Paula, o meu amor, estava me deixando. Nunca vou
esquecer a imagem dela saindo e encostando a porta.
Não sei quanto tempo fiquei ali, ainda absorvendo e entendendo toda a
situação. Às vezes, sentindo pena de mim, às vezes acreditando que alguma
coisa melhor estava por vir. Pensando em correr atrás dela, ao mesmo tempo em
que me cobrava um pouco de amor próprio. Arrumando desculpas para o
acontecido, culpando Paula, era um emaranhado de sentimentos que no final se
resumia numa coisa, a vontade de ainda estar ao lado dela, chorando. Olhava as
fotos de Paula espalhadas pelo apartamento e não acreditava. Falei tanto sobre
traição e ela, com toda a honestidade, terminou comigo para não me trair.
“Um sonho sonhado só é apenas um sonho. Um sonho sonhado junto é realidade.” – Raul
Seixas
A manheceu. Mais uma noite sem dormir nada. Fiquei deitado na cama
olhando o teto, sem vontade de me mexer. Eu levo fé no casamento e caí na
armadilha de acreditar que o meu duraria até o resto da vida. Casamento para
mim não significa papel passado ou os dois morarem sob o mesmo teto. É
amizade, admiração mútua, amor, paixão, sexo, gostar de andar de mãos dadas,
dividir os bons e maus momentos, confiar para se expor, sintonia, saber se dar e
aceitar... Então, eu e a Paula, éramos casados.
A pergunta “por que ela não me ama mais?” está imaginariamente escrita em
todas as paredes da minha casa. Eu tenho a teoria de que só entra outra pessoa no
meio do casal quando um dos dois deixa espaço. Quem será que deixou a brecha
numa fase em que ela ou eu estávamos carentes? A Paula pode não ter
reconhecido o meu esforço para manter tudo bem, eu não ter elogiado a roupa
dela... Coisas sem grande importância, mas que com o tempo vão desgastando, e,
em certas épocas, se tornam grandiosas. Esquecemos de regar a nossa plantinha,
aquela atenção diária que se deve ter com o seu amor, perdemos, mesmo que por
instantes, a noção de quanto o nosso casamento era precioso.
Amor é diário, o resto é consequência. Tem que reinventar a relação ou se
corre o perigo de que ela vire uma caricatura. O sentimento sublime se apaga no
desgaste. A pintura, que era bela, torna-se um esboço mal acabado. As pequenas
feridas viram hemorragias com a ação do tempo.
Eu pensava tão bonito, procurava explicações para me sentir melhor e nada.
Sinceramente, trapo era pouco para me descrever. Tinha vontade de permanecer
quieto na cama o dia todo, mas Tigre e Peludo, meus fiéis companheiros, me
pediram comida. Eles não tinham culpa, não ia deixá-los morrer a míngua.
Levantei roboticamente, enchi os potinhos, tomei um banho e voltei para o
quarto. A campainha tocou. Não vou abrir, não quero ver ninguém, nem ser
visto. Insistiram. Que saco! Uma vozinha gritou do lado de fora.
– Pai, você tá aí?
Pulei da cama, era a Sophia. Meu anjo chegou e na hora certa. Como uma
benção aquela vozinha me restabeleceu de energia, de amor próprio, de
propósito, lembrando que existia algo muito mais sublime que me dava um
sentido nobre na vida, para me levantar, sacudir a poeira e voltar à luta. Sabia
que ali era eterno, não tinha quem me destituísse dessa honra. A pureza desse
amor angelical me colocou de pé no mesmo instante como num passe de mágica.
Por nenhuma mulher troco a minha filha. A babá explicou que teria médico e
que a minha ex me mandou ficar com a Sophia e levá-la depois para a escola.
Abracei com força a minha princesa.
– O papai tá triste?
– Tô, meu amor.
– Por quê?
– Quebraram o coração do papai.
– Com um martelo?
Apesar das lágrimas, caí na gargalhada. Levar a Sophia para o colégio? Pois
sim. Tenho consciência de que a educação é imprescindível, não só a educação
como o hábito também, mas faltar um dia só não prejudicaria o aprendizado da
minha pequena. E o motivo era nobre, ela precisava fazer os meus curativos.
Fomos para o clube, o sol dá energia e a água da piscina esfria a cabeça. Nos
esbaldamos e ensinei Sophia a fazer onda na piscina. Sucesso entre as outras
crianças. Ensinei mais umas dez, até que fui convidado, pelo guardião, a sair da
piscina infantil.
Puxei a espreguiçadeira para perto da borda e fiquei de olho na minha filha.
Maria Eduarda, mulher de um dos diretores do clube, sentou ao meu lado.
– Que cara! Você está passando bem? – mulher percebe tudo.
– Não, tô destruído. Eu e a Paula terminamos.
– Ai, desculpe, eu não sabia.
– Eu também, só soube ontem...
– Posso fazer alguma coisa por você?
– Não, vai passar, sempre passa, tempo ao tempo. E você, quais as novidades?
– Estou um pouco de saco cheio do João. Quando o meu marido chega
aborrecido por causa do trabalho, não me conta o que aconteceu, fica em
silêncio. Eu fico perdida.
Levei minha princesa para almoçar no restaurante do clube mesmo. Ela pediu
para ficar com as outras meninas. Pronto, o Clube da Luluzinha. Depois de fazer
o prato da Sophia, que reclamou um bocado:
– Papai, por que aqui não tem brócolis? Eu adoro brócolis. Tem peixinho?” −
Por incrível que pareça existem crianças assim – antes de se conformar com a
minha escolha, sentei com meu amigo Selton. Ele havia se casado há cinco
meses e as coisas não corriam bem.
– Eu não moro com uma mulher, vivo com a minha segunda mãe.
Cheguei nervoso ao teatro, era como se eu tivesse sido atropelado física e
emocionalmente. Não queria falar para ninguém de lá o que acontecera comigo
na véspera. Tentei disfarçar e fui para o exercício de relaxamento que já
começara. Guida, uma atriz, chegou mais atrasada do que eu. Depois que o
exercício terminou, veio conversar comigo.
– Tive a maior briga com o Otávio. Para ele, “a minha profissão não é séria,
não passa de um frufru”.
Quando os planos saem furados
Que raios é frufru? Cada uma...
– O Otávio é arquiteto e o escritório é no nosso apartamento, você já foi lá?
Logo hoje, que eu mais precisava me concentrar, ficar em silêncio, ele atendeu a
mais de 15 clientes, um tumulto! Não sei se me mudo ou se mudo de marido.
Toda vez que vejo essas alternativas, penso em como nosso cérebro é binário.
Esquecemos que pode também ser as duas alternativas como também nenhuma
das duas. Mas a resposta aqui é: nenhuma das opções.
– Como o escritório do Otávio foi parar em casa? Que eu me lembre, ele
ficava em um prédio na Barra.
– Há um ano, o Otávio se encheu dos engarrafamentos, o aluguel era caro,
decidimos que o melhor era ele trabalhar no nosso apartamento. Além de
cômodo, economizaríamos. Nos primeiros meses, deu certo, mas, aos poucos, fui
ficando incomodada com a falta de rotina. Cheguei a me perguntar se eu morava
no escritório do meu marido ou se o emprego dele era na nossa casa.
– Guida, calma. Quase tudo se resolve com uma boa conversa. Geralmente
esquecemos, pulamos essa etapa e já partimos para o tudo ou nada. O problema é
que na hora da mudança vocês não pensaram no que poderia dar errado. É
natural que no início toda mudança tenha uma resistência, mas acho que você já
passou dessa fase. Aqui o problema é de quebra de rotina, perda da privacidade.
Conversa com ele, tem algumas coisas que não têm jeito, não tem como voltar
atrás, mas não é o caso. Quando algo é bom para os dois, tudo maravilha. Tipo
assim... O sádico casar com a masoquista. Ótimo, se encontraram, alma gêmea,
um foi feito para o outro. Com vocês não é assim. Os dois fizeram um arranjo –
complexo, diga-se de passagem – confiantes de que ele seria maravilhoso.
Parece que para o seu marido foi mesmo uma boa. Mas, no dia a dia, você
mudou de ideia, viu que a situação se transformou em uma tremenda canoa
furada.
– Foi...
– Explica para o Otávio imediatamente. Não é para você sair de casa ou mudar
de marido. É para ele tirar o escritório de lá, os planos não funcionaram na
prática, ponto final.
Otávio alugou uma sala grande, mais barata e perto de onde mora. A casa dos
dois voltou a ser um lar.
Cortinas abertas
Plateia cheia, graças a Deus, primeiro ato da comédia. Foi um sucesso.
Enquanto todos comemoravam o sucesso da peça fiquei por algum momento
pensando que tudo tem um gosto muito melhor quando compartilhado com
alguém que se ama. Tinha saudade daquele abraço, afinal de contas boa parte de
todos os meus esforços para que essa peça desse certo tinha um toque de Paula.
Ninguém entendeu nada, nem na coxia, nem no palco, nem na plateia.
Fecharam as cortinas e deram mais um intervalo, como se a peça tivesse
originalmente três atos.
Consegui me recompor e voltei. Quando as cortinas reabriram, eu e a atriz
estávamos na mesma posição.
No final, o público aplaudiu muito.
Fui de lá direto para a minha cama.
“Quando olhaste bem nos olhos meus e o teu olhar era de adeus, juro que não acreditei...” –
Chico Buarque.
N a noite anterior, depois do vexame no palco, estava tão exausto, tão mexido
por dentro, que consegui dormir um pouco. Levantei porque a minha rotina
não me daria um tempo. A peça, o teste para uma campanha publicitária, as
possíveis mudanças na segunda temporada do programa, a divulgação de outro
show, a cobertura do Leblon para vender, as repostas às leitoras do meu blog... E
o final do meu livro!
Comecei o dia correndo em volta da Lagoa. Corri, corri e fui ultrapassado por
uma jovem. Ela parou e ficou me esperando.
– Você tem que treinar mais – Bárbara, no nome, na forma e no jeito, curtiu
com a minha cara.
Era paquera, com certeza. Batemos um papo e, delicadamente, não dei
sequência. Não conseguiria, não naquele momento. Voltei a correr.
Tempo de luto
Para mim, quando alguém se separa, precisa esperar a angústia passar, a energia
da outra pessoa sair de você... Isso serve tanto para o homem quanto para a
mulher. Tem gente que não concorda comigo. Por conta da revolta, entra de cara
em outro relacionamento para agredir quem deu o pé. Furada, quem age assim é
que se estrepa, se violenta. Quase sempre o que abriu a relação, não está mais
nem aí. É como diria Tim Maia “que um nasce para sofrer enquanto o outro ri”.
E não vai fazer grande diferença para outra pessoa.
Eu me volto para dentro. Concedo-me um tempo. Para reunir as peças, colar os
cacos, restabelecer como um só e me reconhecer como ser único novamente.
Sem pressa, como se estivesse curtindo um blues com um bom vinho. Para os
amigos do teatro, diria “adquirindo memória emotiva”. Nessa fase de
rompimento de uma relação, existe uma nobreza que precisa ser respeitada e,
mais do que isso, precisa ser saboreada. Parece estranho saborear uma dor, mas
não é. Parece estranho chamar nessa hora o tempo de aliado, mas não é. É um
momento em que se tiram muitas lições, em que você se conhece um pouco
melhor. É nas fases difíceis que os verdadeiros amigos se apresentam, que você
aprende a dar valor às pequenas coisas. É a hora de repensar nas flores que
colocará no seu jardim para atrair a borboleta certa. De identificar o que deu
errado para que, dali para frente, você não repita os erros e possa entrar de forma
renovada numa nova relação.
No momento, realmente, não penso em ter ninguém. Ainda estou com Paula
até o topo, recheado, transbordando. Com seus sorrisos, olhares, seu cheiro.
Preciso abrir espaço para que outra pessoa tenha lugar para entrar. Como aquele
quarto que de repente ficou cheio de quinquilharia, e que é preciso reunir forças,
romper o comodismo, a preguiça e fazer aquela limpeza deixando apenas o que
presta, ou melhor, o que vai me servir daqui para frente. Preciso digerir tudo
aquilo que me foi dado. Sempre falo em deixar migalhinhas para saber o
caminho de volta. Mas mesmo deixando, parece que muitas delas
desapareceram, voaram, se desgastaram. O fio de Ariadne se rompeu em alguns
pedaços e eu preciso reuni-los. Só, depois de curado, com as cicatrizes fechadas,
os calos formados, vou seguir uma nova trilha em busca do relacionamento mais
perfeito possível, na verdade do relacionamento mais gostoso de ser vivido.
Mas como diria Peninha: “Não tem revolta, não. Só quero que você se
encontre. Saudade até que é bom, melhor que caminhar sozinho...” Com milhões
de coisas na cabeça ainda bate em mim uma sensação de desconforto. Ela
poderia ter sido um pouco mais sutil, mais preocupada. Ter me preparado
melhor, não apenas ter soltado esse vespeiro de ideias e sentimentos revoltados
na minha mão, e ter partido. Agora, pensando melhor, é possível que a Paula
tenha jogado algumas pistas e eu, aparvalhado, não percebi nada. Os avisos são
dados, mas, às vezes, por mais claro que sejam, não percebemos. Ela reclamava
dos meus atrasos e alguns furos; se eram pistas, eu não notei. Bloqueei mesmo.
Mas, pelo que me lembro, só nos últimos dias achei a Paula diferente. Eu
preferiria que tivesse sido feito em doses homeopáticas, com uma preparação...
Sei lá, um “estou confusa, estranha, meu sentimento por você está meio
diferente”, coisas assim, dando a deixa. É mais sutil do que “acabou”. Puxar
direto o tapete da pessoa é forte, não dá chance de ela se equilibrar. Talvez ela
não tivesse força para fazer de outra forma. Bom, “achismo” à parte, nada disso
vai mudar minha situação de mais novo solteiro da cidade. É só reaprender,
desenferrujar, afinal, foi assim que eu comecei na vida. Já fazendo minha
primeira piada infame dessa nova fase, é um bom sinal.
Voltei para casa e preparei um belo almoço para mim; cozinhar me distrai um
bocado. Decidi passar aquele dia em casa. Tinha alguns e-mails para responder.
Queria ficar só e já imaginava agora aquela chatice.
– Cadê a Paula?
– Terminamos...
– Nossa, desculpa. Que chato... Mas o que aconteceu? Por que acabou?
Blablabla..blablabla...blablabla. E, no final, todo mundo dizendo que é assim
mesmo, faz parte da vida, acontece com todo mundo. Eu sei, só que a m. é que
está acontecendo comigo agora.
Precisava pensar em outra coisa. Foquei nos e-mails. E um deles me fazer
lembrar da situação.
– O Frederic quer se separar de mim. Depois de três anos de namoro, moramos
juntos há um e ele falou que tomamos a decisão errada. Eu não concordo, adoro
a nossa vida em comum. Estou pensando em engravidar para fazê-lo mudar de
ideia.
O golpe da barriga
Qual o seu palpite? – Leica, 30 anos, funcionária pública, Macapá.
O que eu sei de mulheres que apelam dessa forma...
Frederic saiu de casa quando Leica estava grávida de três meses. Vai assumir e
amar a criança, mas perdeu todo o respeito por Leica.
“Falei para o João que vou me separar dele. Por mim, já tinha saído de casa,
mas o meu marido ameaçou se matar se eu fizer isso.”
Janeth, geralmente, quem ameaça não faz. Mas como um dia você gostou
desse cara e tem medo de que o João faça uma bobagem, conta para a família
dele, os amigos, procura um profissional, deixe todos cientes. Eles vão te
ajudar a tomar alguma providência: aconselhá-lo, medicá-lo, interná-lo etc...
para que você não fique com um peso na consciência no caso de isso ser
verdade. É nobre de sua parte, você fazer isso pelo seu companheiro, caso ele
realmente esteja com esses problemas, mas isso não é motivo para você
continuar nessa relação. Pense em você, se respeite, e se confirmado que o
caso é malandragem, manda esse vagabundo pastar. Um beijo, Caique.
Janeth seguiu a minha sugestão, está bem tranquila e conseguiu até fazer uma
poupança. E o João, se matou? Não! Em menos de um mês arrumou outra
ingênua para sustentá-lo.
“Não entendo como tive uma recaída com o Marcus depois de estarmos
separados há cinco meses.”
Ana e Marcus voltaram a morar juntos. Em meio ano concluíram que, apesar de
se gostarem muito, estavam muito mais para irmãos do que para homem e
mulher. Os dois hoje são grandes amigos.
“Caique, tenho 70 anos e fui casada por quase 50. O meu casamento com o
Gilvan foi arranjado pelos nossos pais. Há dois meses, ele saiu de casa para
morar com a amante que teve por toda a vida. Estou perdida.”
Olhe: você está livre!
“Eu sempre soube dela, mas permaneci casada por todo esse tempo porque fui
educada para isso e por causa dos meus filhos. Sempre me senti carente de afeto,
insatisfeita sexualmente e submissa ao meu marido. Não faço ideia de como
recomeçar a minha vida fora do casamento.” – Joaquina, dona de casa, Recife.
Esse e-mail me lembrou aquela história do elefante. Amarraram ele, quando
era pequeno, com uma corrente muito segura. O elefante, claro, puxava, mas não
era capaz de se libertar. Aí ele cresceu, ficou gigantesco e nunca mais tentou
fugir. O elefante tinha força para arrancar a corrente com poste e tudo, mas já
acostumara que isso era impossível. Difícil! Veio de uma geração que mulher era
criada para ser esposa, poucas cursavam uma faculdade. E agora, aos 70 anos,
quando achava que a sua submissão seria recompensada, perde seu companheiro
para outra mulher. Nem tão companheiro assim.
Minha querida, nunca é tarde para recomeçar. Não sei no que mais a senhora
baseia a sua vida e as suas motivações, mas com certeza 100% delas não
eram no seu marido. Se apoie nelas. Desculpe a sinceridade, mas depois
disso tudo devia estar feliz que ele saiu da sua vida. Tenho que lhe informar
que tem muita coisa bacana acontecendo no mundo aí fora, muita gente
interessante. Algumas vezes, só é preciso olhar a vida com outros olhos. Eu
acho que uma viagem ou uma bela festa já é um bom começo. Chama uma
amiga ou amigo, ou mesmo um parente e bola para a frente. Você ainda vai
ter muita história para contar. Um grande beijo, Caique.
“Eu e meu ex-marido, Bóris, estamos brigando na justiça pela guarda dos nossos
dois filhos.”
Frase do dia: Acabou, mas a vida tem que continuar numa boa.
Índice
CAPA
Ficha Técnica
Prefácio
Capitulo um
Vocês, vocês, eternamente vocês
Capitulo dois
Nós na fita
Capitulo três
Dúvidas, questões & interrogações
Capitulo quatro
Eu + Você = Nós
Capitulo cinco
A gente se viu, mas não se olhou
Capitulo seis
Money, money, money
Capitulo sete
Sexo, corpo e alma
Capitulo oito
O tormento do amor
Capitulo nove
Mágoa, revolta, traição
Capitulo dez
O tal do casamento
Capitulo onze
Terminou: para um, para ambos