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A Formação Do Cidadão Produtivo A Cultura de Mercado No Ensino Médio Técnico PDF
A Formação Do Cidadão Produtivo A Cultura de Mercado No Ensino Médio Técnico PDF
da Educação
A FORMAÇÃO DO
CIDADÃO PRODUTIVO
A CULTURA DE MERCADO
NO ENSINO MÉDIO TÉCNICO
Presidente da República Federativa do Brasil
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Secretário Executivo
Jairo Jorge
Organizado por:
Gaudêncio Frigotto
e Maria Ciavatta
Editor Executivo
Jair Santana Moraes
Revisão
Maria Helena Oliveira
Tiragem
1.000 exemplares
Apoio à Pesquisa
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
Fundação da Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ)
EDITORIA
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autores.
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte (CIP)
ISBN 85-86260-09-6
1. Política educacional – Brasil. 2. Ensino médio. 3. Cidadão. I. Frigotto,
Gaudêncio. II. Ciavatta, Maria.
CDU 37.014.53(81)
SUMÁRIO
Apresentação ................................................................................................ 11
Gaudêncio Frigotto
Doutor em Educação (PUC- São Paulo), Professor Titular Associado no
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense
e Professor Visitante na Faculdade de Educação da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. e-mail: gfrigotto@globo.com
Maria Ciavatta
Doutora em Ciências Humanas (Educação, PUC-RJ), Professora Titular
Associada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal Fluminense. e-mail: mciavatta@terra.com.br
Anita Handfas
Doutoranda em Educação na Universidade Federal Fluminense, Professora
Assistente da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Eunice Trein
Doutora em Educação (UFRJ), Professora Adjunta da Faculdade de Educação
da Universidade Federal Fluminense.
8
Francisco Lobo Neto
Doutorando em Educação da Universidade Federal Fluminense, Professor da História
da Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense.
Marise Ramos
Doutora em Educação (UFF), Professora Adjunta da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, vice-Diretora de Ensino da Escola Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio/Fiocruz.
Ramon de Oliveira
Doutor em Educação (UFF), Professor Adjunto da Universidade Federal de
Pernambuco.
Vera Corrêa
Doutora em Educação (UFF), Professora Adjunta da Faculdade de Educação
e do Programa de Mestrado em Odontologia da Universidade Estadual do Rio
de Janeiro.
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APRESENTAÇÃO
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
1
Chesnais, F. A mundialização do capital, São Paulo: Scrita, 1996.
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APRESENTAÇÃO
2
Arrighi, G. O longo século XX. São Paulo: UNESP, 1996. Ver, também, do mesmo autor, A ilusão do
desenvolvimento. São Paulo: UNESP, 1998.
3
Frigotto, G.; Franco, M.C.; Magalhães, Ana Lúcia F. de. Programa de Melhoria e Expansão do Ensino
Técnico: expressão de um conflito de concepções de educação tecnológica. Contexto & Educação, v. 7,
n. 27, Ijuí: Ed. Unijuí, jul./set. 1992: 38-48.
13
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
4
Jameson, F. Espaço e imagem – Teorias do pós-moderno e outros ensaios. Rio de Janeiro: Edufrj, 1994;
Pós-modernismo. A lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1996; As sementes do
tempo. São Paulo: Ática, 1997.
5
Konder, L. A derrota da dialética. Rio de Janeiro: Campus, 1988; O futuro da filosofia da práxis.
Petrópolis: Vozes, 1992.
14
APRESENTAÇÃO
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
8
Franco, Maria Ciavatta. A escola do trabalho no tempo: a fotografia como fonte histórica. Niterói: UFF,
1994. (mimeo.)
9
Zemelman, Hugo. Uso crítico da teoria. En torno a las funciones analíticas de la totalidad. Tokio:
Universidad de las Naciones Unidas/ El Colegio de México, 1987.
10
Baraudel, Fernand. Uma lição de história. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.
16
APRESENTAÇÃO
11
Cadernos de Pesquisa (FCC), Educação e Sociedade (CEDES), Em Aberto (INEP), Fórum Educacional
(FGV-IESAE), Caderno CEDES, Boletim do SENAC, Trabalho & Educação – Revista do NETE
(UFMG), Revista Proposta (FASE), Caderno da UPEL, Contemporaneidade & Educação (IEC),
Educação e Tecnologia (ABT), Revista de Educação da PUC-SP, Universidade e Sociedade (ANDES).
12
CEFET Química, CEFET Pelotas, CEFET Rio de Janeiro, CEFET Campos, CEFET Pelotas, CEFET Paraná.
13
FRIGOTTO, Gaudêncio e CIAVATTA, Maria (coords.). A formação do “cidadão produtivo”. Da política de
expansão do ensino técnico nos anos 80 à política de fragmentação da educação profissional nos anos 90:
entre discursos e imagens. 4 vols. Niterói: UFF, abril de 2005. Relatório Final.
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
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Rodrigues, J. O moderno príncipe industrial. Campinas: Autores Associados, 1998.
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APRESENTAÇÃO
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APRESENTAÇÃO
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PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
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CAPÍTULO 1 | ANOS 1980 E 1990: A RELAÇÃO ENTRE O
ESTRUTURAL E O CONJUNTURAL E AS POLÍTICAS DE
EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA E PROFISSIONAL
GAUDÊNCIO FRIGOTTO
1
Na apreensão dessa questão do tempo de longa duração, as análises de Fernand Braudel (1982) constituem-
se na referência básica para as formulações de vários pesquisadores, e não apenas historiadores. Exemplo
do que estamos assinalando é a densa análise de Arrighi (1996) sobre os ciclos de longa duração do sistema
capitalista. Por outro lado, o que define uma análise histórica, no sentido do materialismo histórico, é a
apreensão das mediações que expressam a materialidade dos fenômenos em sua singularidade e
particularidade dentro de uma totalidade concreta. Ver, a esse respeito, Ciavatta, 2002.
2
As análises de Boris Fausto no âmbito interpretativo da formação histórico-social brasileira caminham
numa direção diversa das análises, mormente, de Florestan Fernandes e Francisco de Oliveira. Para
Fausto não ocorre no Brasil uma efetiva revolução burguesa. A sinalização que nos traz da materialidade
das relações das forças sociais em disputa, em conjunturas específicas das décadas de 1930 a 1980, é
fecunda , independentemente de estarmos de acordo ou não com sua interpretação, para a busca do
entendimento das décadas que são objeto desta pesquisa – 1980 e 1990.
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
Nessa apreensão, de médio prazo, faz duas distinções importantes para o nosso
objeto de estudo.
Na análise das conjunturas de crise no Brasil, assinala, é importante
distinguir as que se caracterizam “pela derrubada de forças no poder”, como é
o caso de 1930, 1945 e 1954, das que “representam uma consolidação de forças
hegemônicas”, como as de 1937 e 1968. Mais especificamente, Fausto apresenta
a distinção entre “conjunturas decisivas no sentido de que quebram uma ordem
anterior (1930 e 1964)”, e as “que acumulam condições, assinalam derrotas ou
vitórias parciais no caminho da ruptura, como é o caso de 1954”. Trata-se aqui
de “quebras” ou “rupturas” dentro da “(des)ordem” capitalista, embora possamos
identificar forças que lutavam contra o sistema capitalista.
O aspecto analítico e político crucial na relação entre o movimento
estrutural e o conjuntural é a apreensão da natureza das mediações que
definem a correlação de forças entre classes e frações de classe e o sentido
das mesmas para mudanças que corroboram para a conservação da (des)ordem
do capital estabelecida (mudar para conservar) ou mudanças que apontam
para sua superação.
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PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
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Para uma análise desses aspectos em seu plano conceitual ver Gramsci, 1978.
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1999, 2000 e 2003), Otavio Ianni (1991 e 1996), Luiz Fiori (1995, 2001, 2002)
e Carlos Nelson Coutinho (2002) as referências básicas. Pelo escopo deste texto,
faremos aqui uma discussão apenas indicativa.
Trata-se de análises que transitam, com ênfases maiores ou menores,
entre o político, o econômico, o social e o cultural. Todas elas afirmam, todavia,
um processo histórico que não conseguiu romper com uma sociedade que se
define como um capitalismo que se robustece e expande aprofundando sua
dependência, associada ao sistema capital em seus centros hegemônicos e,
conseqüentemente, precarizando e destruindo direitos elementares de milhões
de brasileiros.
Celso Furtado, sem dúvida, é o intelectual brasileiro do século XX que
tem a mais ampla análise sobre a formação econômico-social brasileira e a
especificidade (dependente e interdependente) e nosso desenvolvimento. Com
Caio Pardo Junior e Ignácio Rangel, constitui-se uma referência clássica do
pensamento econômico-social brasileiro. Aproximadamente três dezenas de
livros e incontáveis artigos, traduzidos em mais de uma dezena de idiomas,
fazem uma radiografia das forças sociais que disputam o tipo de desenvolvimento
no Brasil, marcadamente ao longo do século XX.
Como síntese crítica de seu pensamento sobre os rumos das opções que
o Brasil reiteradamente tem pautado, Furtado, ao longo de sua obra, situa a
sociedade brasileira no seguinte dilema: a construção de uma sociedade ou de
uma nação em que os seres humanos possam produzir dignamente sua existência
ou a permanência num projeto de sociedade que aprofunda sua dependência
aos grandes interesses dos centros hegemônicos do capitalismo mundial. É nesse
horizonte que Furtado faz a crítica ao “modelo brasileiro” de capitalismo
modernizador e dependente, uma constante do passado e do presente.
Em seus escritos mais recentes, Furtado (2000) reitera a crítica aos que
centram sua visão de desenvolvimento na idéia modernizadora do progresso
técnico. Trata-se para o autor de uma visão que mascara o conjunto de
transformações, particularmente a partir da fase do chamado milagre brasileiro,
os processos de concentração de renda. Com efeito, “(....) a tendência à
concentração de renda é inerente ao tipo de capitalismo que veio prevalecer
em nosso país, e que a ação do regime militar-tecnocrático exacerbou esse
traço perverso de nossa economia” (Furtado, 1982).
Numa mesma direção, Ianni (1991) analisa o dilema reiterado por Furtado
ao mostrar a tendência pendular de nossas opções de desenvolvimento a partir
da década de 1930: integração autônoma com o plano internacional e o
desenvolvimento de um mercado interno com participação das massas ou um
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Para uma análise da desvinculação dos partidos de “esquerda” do projeto de classe, na qual exemplifica,
entre outros casos, o do Partido dos Trabalhadores (PT) do Brasil, ver o texto “Adiós al movimiento
obrero clásico?” (Hobsbawm, 2003).
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com várias teorias, com várias reflexões, para elaborar um projeto próprio
para a realidade brasileira. (Veja, 11.08. 2003)5
O que o presente nos indica, num eterno castigo de Sísifo, é que nos
encontramos, uma vez mais, diante da “conversa mole da política” das elites
com os jargões da “conciliação”, do “consenso”, da negociação ou do
“entendimento”. (Benevides 1984) 6 Trata-se de estratégias que reeditam a
velha política dos arranjos de poder da classe dominante, afirmando uma
democracia “de tipo americano”, débil e pelo alto. Traços históricos das relações
de poder marcadas pela “revolução passiva” e pelo transformismo ou reformas
conservadoras que mudam para conservar a velha ordem. (Coutinho, 2002)
Adiam-se, novamente, mudanças até mesmo nos marcos da construção de
uma sociedade capitalista nos padrões das democracias de tipo europeu e impõe-
se uma profunda derrota às forças sociais vinculadas a um projeto alternativo
ao capitalismo.7
5
Giovanni Arrighi (1996), referindo-se a Telly, lembra que a soma de todas as teorias é igual a zero. Por
outro lado, a visão gramsciana de que é mais correta a posição daqueles que partem dos pontos de vista
mais avançados de seus adversários teóricos e, se for o caso, incorporando, de forma subordinada,
algumas de suas idéias, mostra como o presidente do PT confunde a construção da teoria que se dá no
e pelo conflito com a negociação no âmbito político nos marcos da democracia burguesa. Essa discussão,
do ponto de vista da problemática da crise da teoria, tem sido objeto de uma análise mais ampla no livro
Teoria e Educação no Labirinto do Capital. Ver Frigotto e Ciavatta, 2001.
6
Benevides nos mostra que a estratégia de “conciliação” dos grupos ou frações de classe se reitera desde
o Império com a conciliação, “no Gabinete Paraná (1853), de conservadores e liberais”. Isso se repete
em 1848, após a Revolução Praieira; em 1932, após a Revolução Constitucionalista; e na Constituição
de 1946, “que derrubou a ditadura sem substituir os instrumentos do Estado Novo” (Benevides, 1984).
7
Como assinalamos, não é objeto desta pesquisa analisar a conjuntura que vivemos atualmente na sociedade
brasileira. Todavia, as análises disponíveis dos dois primeiros anos de Governo Lula e o que se anuncia em
termos de continuidade de suas políticas indicam que nenhuma reforma estrutural está em pauta. Isso
pode significar não apenas o continuísmo, mas a desorganização das forças políticas que historicamente se
engajaram na construção, pelo menos, de um projeto nacional popular comprometido com as mudanças
estruturais e, conseqüentemente, com construção de uma “democracia de massa” substantiva, marcada
pela inclusão das maiorias aos direitos sociais e subjetivos. Para aprofundar a compreensão dos impasses e
descaminhos da atual política de governo, ver Oliveira, 2003; Boito, 2004; Pochman, 2004; Frigotto, 2004.
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
foi ficando cada vez mais clara à medida que nos aprofundamos na compreensão
das mudanças de posicionamento das forças sociais em disputa nesses dois períodos.
A ampliação do prazo da pesquisa, por um ano, embora não tenha mudado
o recorte temporal, possibilitou uma compreensão mais clara, tanto do equilíbrio
instável das relações entre as forças sociais em disputa ao longo da década de
1980 quanto da profundidade negativa das reformas da década de 1990 que
redefinem o jogo de forças, estruturando um bloco histórico que não apenas
reedita o conservadorismo e a violência de uma sociedade que se ergue pela
desigualdade e se alimenta dela, mas o aprofunda.
Podemos assumir a visão de que a década de 1980 foi uma dura travessia
da ditadura à redemocratização em que se explicitou, com mais clareza, os
embates entre as frações de classe da burguesia brasileira (industrial, agrária e
financeira) e seus vínculos com a burguesia mundial e destas em confronto
com a heterogênea classe trabalhadora e os movimentos sociais que se
desenvolverem em seu interior. A questão democrática assume centralidade
nos debates e nas lutas em todos os âmbitos da sociedade ao longo dessa década.
Nos termos acima colocados na categorização das conjunturas feita por
Boris Fausto, a década de 1980 define-se como uma conjuntura em que, ao
mesmo tempo, se tenta romper com o regime da ditadura e seu modelo
econômico-social e se “acumulam condições, assinalam derrotas ou vitórias
parciais no caminho da ruptura” dessa situação histórica para uma transição
que o tempo nos mostrou ter sido restrita e, assim mesmo, interrompida.
Poderíamos dizer que a década começou em 1979, com o reaparecimento em
cena da classe trabalhadora, e terminou em 1989, com a queda do Muro de
Berlim, elaboração da cartilha ou credo das políticas neoconservadoras ou
neoliberais, batizada de Consenso de Washington, e a eleição de Collor de Mello.
Com efeito, em março de 1979 inicia-se a mais longa greve dos
metalúrgicos do ABCD paulista, que vai durar 41 dias. Nesse período, Lula é
preso, o Sindicato dos Metalúrgicos sofre intervenção, sendo fechado, mas,
dias depois, é reaberto, e Lula é solto. Nesse mesmo ano, em 30 de outubro,
Santos Dias, líder operário, é assassinado. Lula afirma-se como líder, e a imprensa
internacional compara-o ao líder operário Lesch Walessa.8 Os embates são
cada vez mais fortes, e o confronto com o regime ditatorial está aberto. O golpe
civil-militar de 64 não tinha mais como se prolongar por muito tempo.
8
À época, a comparação sinalizava a possibilidade de mudanças significativas. Hoje, após o que a história
mostrou sobre o papel de Walessa na Polônia, Lula novamente vem sendo comparado com Walessa, mas
com sinal negativo, acusado de assimilação do status quo e do conservadorismo.
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A importância desses aparelhos de hegemonia na disputa do projeto societário e, especificamente,
educacional nas décadas de 1980 e 1990 é evidenciada de forma detalhada por Rodrigues, 1998.
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O desdobramento desse sindicalismo na década de 1990 e, especialmente, no momento que vivemos a
partir de 2003 obriga o campo da esquerda a um inventário e a uma análise mais profunda sobre a
natureza desse sindicalismo. As análises, já mencionadas sob outros aspectos, de Oliveira (2003) e de
Boito (2004) nos propiciam as primeiras indicações desse inventário.
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No Atlas da Exclusão Social no Brasil II, Campos, Pochmann, Morin, e Silva, (2003) revelam que nas
décadas de 1980 e 1990 há uma piora geral nos indicadores sociais, mormente com o crescimento do
desemprego e da violência.
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Mais recentemente têm surgido análises que sinalizam a melhor pertinência do conceito de educação
tecnológica para expressar a concepção de Marx de educação. A discussão que Saviani (2003) efetiva
a esse respeito, argumentando que no Brasil, por razões históricas específicas, é mais adequado o
conceito de politecnia, parece-nos pertinente e consistente.
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Referimo-nos, entre outros à Confederação Nacional das Indústrias (CNI), Instituto Euvaldo Lodi
(IEL), Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), Instituto Herbert Levy (IHL) e Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).
14
Florestan Fernandes (1995), num balanço crítico sobre as dificuldades do avanço da luta revolucionária
no Brasil sinaliza que o campo de esquerda tem, por vezes, compensando essa dificuldade pela
“exaltação teórica” ou “revolucionarismo subjetivo”. Trata-se, em outros termos, da ênfase no embate
ideológico, que é fundamental, mas que fica distante do avanço mais amplo na materialidade das
relações sociais e práticas educativas.
15
Por motivos pessoais Dermeval Saviani não pôde ir à referida reunião, mas mandou como contribuição
o texto acima referido. Não poderia passar pela cabeça do autor que aquele texto fosse apropriado,
quase na íntegra, em forma de proposta de projeto de lei.
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A pesquisa que coordenamos teve como objeto o “acompanhamento, documentação e análise dos programas
de melhoria e expansão do ensino técnico industrial, 1984-1989, INEP/UFF. Vale ressaltar que esse programa
se desenvolveu, principalmente, durante o Governo Sarney e que, desde sua origem, disputava espaço no
plano da luta política com o projeto dos CIEPs, que se constituía na peça básica de propaganda política do
governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, abertamente declarado candidato à Presidência da República.
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PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
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O poder desse projeto, mesmo com a perda inesperada de Luiz E. Magalhães, pensado como possível
sucessor de Cardoso, é evidenciado pela exigência dos organismos internacionais, representantes da
ordem do capital, que os candidatos assinassem, quatro meses antes da eleição (julho de 2002), uma
carta-compromisso afirmando que o eleito honraria todos os contratos internacionais.
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criar uma pesquisa e tecnologia próprias, diz Paulo Renato. Com a abertura e
globalização, a coisa muda de figura. O acesso ao conhecimento fica facilitado,
as associações e jointventures se encarregam de prover as empresas dos países
como o Brasil do Know-How que necessitam. ‘Alguns países como a Coréia,
chegaram a terceirizar a universidade’, diz Paulo Renato. ‘Seus melhores
quadros vão estudar em escolas dos estados Unidos e da Europa. Faz mais
sentido do ponto de vista econômico.18
18
A revista Exame, São Paulo, (v. 30, n. 15, de 17 de julho de 1996, p. 46).
19
Dermeval Saviani, em duas obras (1997 e 1998), efetiva a análise mais completa das propostas de LDB e
de Plano Nacional de Educação da sociedade e os aprovados, de cima para baixo, pelo Governo Cardoso.
20
Ver, a esse respeito, Frigotto, 1998, 2002; Neves, 1994 e 1995, Rodrigues, 1998; e Ramos, 2001.
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PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
3. A título de conclusão
A breve análise de caráter estrutural da construção da formação social
brasileira, tomando-se um longo ou médio tempo histórico, sinaliza o reiterado
21
Os depoimentos das entrevistas , analisadas no capítulo 8 (parte III) e a postura da maioria do corpo
diretivo dos CEFETs ao longo dos debates pela revogação do decreto 2.208/97 e, sobretudo, o imobilismo
perante o novo Decreto 5.154/2004 indicam que a política implementada no final da década de 1990
pelo Decreto 2.2008, penetrou profundamente a organização e concepção pedagógica dos CEFETs.
22
Para uma ampla análise crítica do PLANFOR ver Céa, 2003.
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PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
GAUDÊNCIO FRIGOTTO
MARIA CIAVATTA
Introdução
As palavras ou vocábulos que usamos para nomear as coisas ou os fatos e
acontecimentos não são inocentes. Buscam dar sentido ou significar estas coisas,
fatos ou acontecimentos em consonância com interesses vinculados a
determinados grupos, classes ou frações de classe. Mesmo os conceitos
resultantes de um processo de elaboração sistemática e crítica ou científica
não são, como querem os positivistas ou as visões metafísicas da realidade,
imunes aos interesses em jogo nas diferentes ações e atividades que os seres
humanos efetivam na produção de sua existência. É nesse sentido que autores
como Bakhtin (1981) e Gramsci (1978) assinalam que toda linguagem, mesmo
a denominada científica, é ideológica2 . Outra face da mesma problemática
situa-se no fato de que, em determinadas épocas, certas palavras são focalizadas
e afirmadas e outras silenciadas ou banidas. Isso também não é fortuito.
Essa compreensão nos indica que a atitude mais adequada a se adotar,
tanto do ponto de vista da produção do conhecimento quanto da ação político-
prática, é a de vigilância crítica, buscando desvendar o sentido e o significado
das palavras e dos conceitos, bem como perceber o que nomeiam ou escondem
e que interesses articulam. Essa vigilância necessita ser redobrada nos períodos
históricos em que os conflitos e as disputas se acirram. Declaramos ser esse o
caso do nosso tempo não apenas porque a abundante literatura sobre o tema
assim afirma, assinalando sua grave crise e profundas transformações econômicas,
1
Este texto foi publicado na revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, Fiocruz, v. 1, n. 1, março
de 2003, p. 45-60.
2
A ideologia é aqui tomada não simplesmente como falsa consciência, mas como uma concepção ou visão
de mundo. Ver, a esse respeito, Gramsci,1978; Bakhtin,1981 e Lowy, 1990.
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
científicas, culturais e políticas, mas, também, por ser o tempo em que vivemos.
Um tempo, como assinala Robin Blackburn (1992), em que como nunca “houve
tanto fim”, ou a “era dos extremos”, como afirma Eric Hobsbawm (1995),
referindo-se ao século XX.
Ocuparemo-nos aqui da análise, inicialmente, de termos que por vezes
se expressam como noções ou conceitos e que ganham força no contexto dos
embates da ideologia da globalização ou da mundialização do capital e de
formas societárias alternativas: trabalho e trabalhador produtivo, cidadania e
cidadão produtivo e emancipação, buscando resgatá-los em sua historicidade
e nos limites da concepção liberal burguesa. Em desdobramento, analisaremos
como esses conceitos mais gerais se explicitam no campo educativo, mormente
da educação profissional, configurando perspectivas de projetos alternativos,
particularmente na realidade brasileira. Percebemos que, no Brasil, nos anos
90, praticamente desapareceram, nas reformas educativas efetivadas pelo atual
governo, as expressões educação integral, omnilateral, laica, unitária,
politécnica ou tecnológica e emancipadora, realçando-se o ideário da
polivalência, da qualidade total, das competências, do cidadão produtivo e da
empregabilidade.
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PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
Algo muito profundo está ocorrendo quando a sociedade não se indaga Quais
os caminhos para vencer o subdesenvolvimento e a desigualdade? Mas Como atrair
capitais; quando a preocupação principal dos trabalhadores deixa de ser Como
ampliar direitos? e se torna Como encontrar emprego? Quando reluzem em
bancas de revista títulos tipo Com quem Madonna está saindo? Ou Que dieta
pode salvar seu casamento?, e não mais Onde vai parar a revolução sexual? (sic)
(Le Monde Diplomatique, 2000: 1)
57
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
3
Ver, a esse respeito, a análise empreendida por Nosella (1987).
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PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
4
Ver, Marx,1974; Rosdolsky, 2001 e Napoleoni,1981.
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qualidade. Improdutivo, seria, então, aquele que vive do ócio e não faz coisa
alguma. Ou que, em relação aos produtivos, produz menos.
No senso comum e dentro da vulgata neoliberal, hoje, trabalho e
trabalhador produtivos estão profundamente permeados pela idéia daquele
que faz, que produz mais rapidamente, daquele que tem qualidade ou que é
mais competente. O fulcro central das visões apologéticas de produtividade e
de trabalho produtivo resulta na idéia de que cada trabalhador é socialmente
remunerado ou socialmente valorizado para manter-se empregado ou não, de
acordo com sua produtividade, vale dizer, de acordo com sua efetiva
contribuição para a sociedade, ou seja, o que o trabalhador ganha corresponde
àquilo com que contribui, e o que cada um tem em termos de riqueza depende
de seu mérito, de seu esforço.
b) O trabalho produtivo e a produtividade do trabalho, no âmbito da
produção capitalista, têm um sentido específico e, portanto, não podem ser
tomados em sua dimensão absoluta de produção de valores de uso. O trabalho,
sob o capitalismo, é transformado em força de trabalho despendida pelo
trabalhador, mercadoria especial e única capaz de acrescentar ao valor
produzido um valor excedente. Por isso, “trabalho produtivo no sentido da
produção capitalista é o trabalho assalariado que, na troca pela parte variável
do capital (a parte do capital despendida em salário), além de reproduzir essa
parte do capital (ou o valor da própria força de trabalho) ainda produz mais-
valia para o capitalista (...) A produtividade no sentido capitalista baseia-se
na produtividade relativa; então, o trabalhador não só repõe um valor
precedente, mas também cria um novo; materializa em seu produto mais tempo
de trabalho materializado no produto que o mantém vivo como trabalhador.
Dessa espécie de trabalho produtivo depende a existência do capital” (Marx, 1974:
132-3) (grifos nossos).
Maior exploração pode dar-se mediante a extensão da jornada de
trabalho, aumentando as horas de trabalho não pago ou de sobretrabalho. Isso
consubstancia a mais-valia absoluta. Há um aumento de produção de
mercadorias ou serviços pela ampliação da jornada de trabalho. No início do
capitalismo, vamos encontrar jornadas de trabalho de até 18 horas. Com a
incorporação da ciência e da técnica, bem como com a criação de métodos e
estratégias de gerência científica do trabalho, o capital acelera o ritmo do
trabalho e da produção, e, em menos tempo, produz mais mercadorias. Gera
um aumento exponencial de produção de mercadorias e serviços pelo aumento
da produtividade (intensidade) do trabalho. Isso consubstancia o que Marx
denominou mais-valia relativa.
60
PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
5
Ver a esse respeito, Frigotto, 1997, 2000 e 2002.
61
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
6
Sobre a pedagogia das competências, ver Ramos, 2001.
7
Sobre a avaliação dos primeiros anos do PLANFOR, ver Lima Neto, 1999 e Ciavatta, 2000.
62
PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
8
Marlene Ribeiro realiza um cuidadoso retrospecto da origem do termo cidadania nos clássicos da
filosofia política e considera que “um conceito delimitado histórica e socialmente pelas camadas
proprietárias, seja muito restrito para abarcar as questões de gênero, de raça, de etnia, de classe social
que deverão estar incluídas em um projeto que se pretenda emancipante das, pelas e para as camadas
subalternas” (2001: 78). De nosso ponto de vista, em função de sua origem histórica, muitas outras
palavras seriam impróprias para servir aos sujeitos de um projeto libertador, tais como educação, escola
e tantas mais. Entendemos que não se deva banir as palavras porque elas fazem parte da memória que
permite resgatar o passado e projetar o futuro. As palavras devem ser historicizadas em sua compreensão,
e mostrados seus limites, como faz a autora. Mas julgamos que elas devam também ser ressignificadas
segundo projetos alternativos emancipadores.
63
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
64
PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
É com o duplo paradoxo “Na República que não era, a cidade não tinha
cidadãos” que José Murilo de Carvalho (1987: 162) assinala a “castração política”
da cidade do Rio de Janeiro, impedindo seu autogoverno e reprimindo a
mobilização política de sua população urbana. O interesse das elites apresenta-
se como o interesse de toda a sociedade, e instaura-se um novo sistema político
sem que se alterem substancialmente as condições de vida precárias da
população. Regimes ditatoriais, autoritarismo e repressão, paternalismo e
clientelismo alimentam a subalternidade e o atraso social, conduzindo a uma
“modernização conservadora” (Ciavatta, 2000: 77).
Esse breve histórico nos permite-nos visualizar a complexidade negativa
do estabelecimento de uma comunidade política no Brasil que se pautasse, ao
menos, pelo pensamento liberal, assegurando efetivamente os direitos da
cidadania brasileira. Assim, se as categorias apresentadas por Marshall não
correspondem exatamente aos fundamentos da utopia socialista da emancipação
de todos os homens, elas são, ainda hoje, um instrumento útil para a
compreensão dos limites históricos da cidadania no Brasil.
Marshall trabalha com os direitos individuais. Os primeiros a serem
conquistados foram os direitos civis, que são os direitos à integridade física, à
liberdade de ir e vir e de palavra. Historicamente, a esses seguem os direitos
políticos, o direito de votar e ser votado. Seriam os direitos sociais, o direito
aos benefícios da riqueza social (habitação, saúde, educação etc.) os de mais
tardia conquista no mundo ocidental.
Entendemos que, no Brasil embora formalmente todos sejamos cidadãos, há
níveis e situações concretas diferenciados de cidadania de acordo com as classes
sociais. O que significa, efetivamente, acesso diferenciado aos bens necessários à
sobrevivência, criando a situação de escândalo público (impune) dos indicadores
de renda, traduzidos em pobreza e miséria.9 O pertencimento formal à sociedade
política não assegura direitos iguais para todos porque prevalece, na prática, o
princípio lockeano do direito à propriedade. Prevalecem “a idéia liberal de que o
governo não deveria violar os direitos econômicos do cidadão, privadamente
definidos” (Santos, op. cit.: 79) e a idéia da primazia do mercado, ou seja, de que
nenhuma lei impeça seu livre funcionamento, conforme teorizada por Adam Smith.
A realidade dos fatos expõe a fragilidade das bases do conceito. Essa é a
cidadania individual à qual Gohn se refere ao distingui-la da cidadania
9
Os 20% mais ricos da população detêm 64,1% da renda nacional, enquanto os 64,1% mais pobres detêm
o equivalente a 2,2%, conforme o Informe de Desenvolvimento Mundial 2002. O Globo, Rio de Janeiro,
segunda-feira, 22 de abril de 2002, p. 15.
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PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
Trein (op. cit.: 133-37) observa que, na sociedade atual, apesar da crise
econômica e política e de seus graves desdobramentos sociais (fala a respeito
de 1994 com absoluta atualidade para o presente), há um alargamento dos
espaços de atuação das classes sociais na sociedade civil, para além da sociedade
política. De outra parte, as características de uma sociedade complexa, em
que a dinâmica social leva os indivíduos a participar de diferentes esferas da
sociedade, exigem-lhes uma ‘competência’ particular para que a própria
cidadania possa ser exercida. Essa diz respeito à capacidade do homem de,
enquanto indivíduo real, recuperar em si o universal, o cidadão abstrato, a
relação com o todo, a sociedade, em uma condição de ‘co-pertencimento’ a
sua condição de indivíduo e de cidadão.
4. Considerações finais
Vivemos tempos difíceis, em que a nova sociabilidade do capital, ao
mesmo tempo em que aprofunda as desigualdades reais de trabalho e de
condições de vida, dissemina uma nova semântica da qual estão notavelmente
ausentes termos como capitalismo, classe, exploração, dominação, desigualdade.
E o faz com o apoio muitos intelectuais, de tecnologias mercadológicas e de
poderosos meios de comunicação.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
GAUDÊNCIO FRIGOTTO
MARIA CIAVATTA
Introdução
Os estudos que pretendem constituir um “estado-da-arte” sobre determinado
assunto ou questão têm tradição restrita entre nós. Existem, mas não são muitos,
embora, mais recentemente, com o crescimento da produção científica induzida
pelas políticas de ensino superior nos anos 1990, com o governo de Fernando Henrique
Cardoso, eles comecem a ser uma necessidade de mapeamento do conhecimento
produzido, das questões emergentes ou ainda abertas à pesquisa – o que implica
um inventário do que se produziu no período de tempo que se deseja investigar ou
ter como ponto de partida para novos estudos.
Os termos “estado-da-arte” e “estado do conhecimento”, como outras
classificações acadêmicas, têm sido importados dos padrões anglo-saxões e
americanos a partir dos termos “state of arts” e “state of knowledge”. As duas
expressões parecem ter, entre nós, uso indiscriminado para se referir a trabalhos
onde se procede a um levantamento e análise crítica do pensamento produzido
sobre determinada questão (Ciavatta Franco e Baeta, 1985).
71
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
1
Gomes, 1980; Isaac e Graeli, 1980; Velloso, 1980; Ciavatta Franco e Castro, 1981; Fonseca, 1983;
Franco, Durigan e Orth, 1983; Covre, 1984; Salm, 1984; MEC, 1985; Muniz e Moreira, 1986;
Depresbiteris, 1986 e 1988; Costa, 1994; Masson, 1994; Paiva, 1994; Secco, 1995; Silva, 1996; Weinberg,
1996; Shiroma e Campos, 1997; Tumolo, 1997; Corggio, 1997; Soares, 1997; Manfredi e Bastos, 1997;
Abreu, Jorge e Sorj, 1997; Pronko, 1998; Paiva, 1999.
72
PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
2
Dois anos depois da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (eleito no final de 2002), não obstante o abundante
marketing em contrário, a continuidade das diretrizes fundamentais do projeto econômico (Carvalho,
2003) neoliberal e conservador, revela-se na satisfação dos banqueiros e das elites associadas ao capital
internacional, na política econômica regressiva, no desemprego, terceirização e precarização das relações
de trabalho, nas políticas assistencialistas e no padrão de vida empobrecido dos setores médios e baixos.
74
PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
O texto, sem dúvida, reflete esse embate de pontos de vista. Em seu âmbito
mais geral, comparando dados da Colômbia, do Paraguai, México e Argentina,
chega à conclusão de que “os efeitos da educação técnica em termos de mobilidade
social são restritos”. Seu alcance “em termos de benefícios sociais significativos para
os indivíduos depende de toda a estrutura econômica e social”. O texto avança no
sentido de ir além da análise de Gomes, centrada na idéia do status socioeconômico.
Aqui se expõe, de forma explícita, como determinante fundamental, a estrutura
socioeconômica e a questão da origem de classe social dos alunos.
Três outros textos ocupam-se da relação entre escola e produção ou
trabalho no capitalismo, tema que vai ser marcante ao longo da década de
1980. Velloso (1980) trata do debate da socialização que a escola efetiva e de
sua funcionalidade para a produção capitalista. Seu texto baseia-se,
especialmente, no debate da sociologia crítica (reprodutivista) americana
(Bowles, Gintis, Edwards, Levin), que defendem a tese de que a escola é mais
funcional à produção capitalista pelos traços comportamentais que desenvolve
do que pelos conhecimentos que transmite. Tomando algumas pesquisas,
enfatiza a pertinência de tal tese. Os empregadores fixam-se mais em aspectos
comportamentais, tais como, responsabilidade, dedicação, relacionamento etc.,
do que naqueles referentes ao conhecimento,
Salm (1984), num breve texto, efetiva uma síntese de sua tese de
doutoramento sobre escola e trabalho. Para o autor, há desvinculação entre
escola e produção capitalista, e, portanto, é um equívoco os educadores
buscarem essa relação. O artigo é uma reação às críticas de educadores do
campo marxista a sua tese. Para Salm, o apelo a Marx para relacionar escola e
trabalho é equivocado. Esse equívoco levaria os críticos a assumirem, com
outros termos, as teses dos teóricos do capital humano.
O terceiro texto, de Covre (1984), discute a lógica tecnocrática do
pensamento dominante na educação no Brasil nos marcos do capital monopolista
e sinaliza visões em disputa. Caracteriza, dentro do pensamento tecnocrático,
aquelas mais humanistas de educação, vinculadas à formação para o capital, e
aquelas mais diretamente tecnicistas da empresa-educação. Ambas retratam
a perspectiva burguesa de educação, em que o homem é uma abstração.
A educação é tratada, no economicismo tecnocrático, como técnica
social ou formadora de “recursos humanos”. Como perspectiva alternativa,
sinaliza a concepção de educação como práxis coletiva que se vincula a projetos
societários em disputa. Situa como horizonte as análises de Gramsci, Saviani e
Tratemberg. Covre debate a abordagem de Salm, acima referida, assinalando
que “embora indique que ela ‘funciona como elemento de reprodução das classes
76
PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
sociais’ sua discussão está restrita à escola-empresa (...) Todavia, destaca a autora,
‘para manter sua própria relação de exploração o capital não prescinde que o
Estado use a escola para legitimar seu domínio (...) o capital não pode prescindir
da função legitimadora da desigualdade, de que ele é motor’” (Covre, op. cit.: 85).
Finalmente, outros três textos, completam o conjunto dos selecionados
nesse período. Dois são específicos à discussão da educação profissional no Serviço
de Aprendizagem Comercial – SENAC. Ambos se ocupam dos desafios que
representam as mudanças tecnológicas para a formação profissional na instituição.
O primeiro, de Isaac e Graeli (1980), sinaliza as mudanças no âmbito da informação
e da comunicação, e as possibilidades de potencializar a teleducação. Em seguida,
passa a analisar o Programa de Teleducação do SENAC, sua expansão, seus
aspectos técnicos e logísticos, metodologia e materiais, custos e avaliação. O
segundo texto, de Fonseca (1983), discute de forma muito sucinta a formação
profissional no SENAC frente a uma sociedade em mudança. A autora questiona
qual é a formação mais adequada, em face das mudanças tecnológicas e sociais,
com o objetivo de subsidiar o III Plano Nacional de Ação do SENAC.
O último texto do período, de Franco, Durigan e Orth (1983), discute
os problemas do ensino de segundo grau no contexto da Reforma de 1971 (Lei
n. 5.692/71). As autoras tomam como campo empírico o Estado de São Paulo e
centram sua análise nas explicações, críticas e controvérsias referentes às duas
mudanças básicas trazidas pela nova lei: a fusão dos cursos primário e ginasial,
transformados em ensino de primeiro grau, de oito anos, e “a profissionalização
universal e compulsória” do ensino de segundo grau. Após examinar dados
empíricos relativos às situações e distorções das condições físicas e materiais das
escolas de segundo grau em São Paulo, às características da população que as
freqüentam, à oferta de matrículas nas diferentes modalidades de ensino
profissionalizante, as autoras concluem que a profissionalização compulsória no
segundo grau da rede pública em São Paulo “não passa de um lamentável engodo”.
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PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
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Num recorte mais específico, Tumolo (1997) também tem como objetivo
um balanço das análises e críticas ao modelo japonês de organização do
trabalho, bem como apontar seus limites quando se toma como referência a
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
que o que prevalece é a história dos vencedores. De outra parte mostra que o
Estado brasileiro, recorrentemente ao longo da história, delegou as políticas
de formação dos trabalhadores. Como conseqüência, constata que há poucos
registros de experiências de formação profissional das organizações dos
trabalhadores, e, nesse quadro, a disputa torna-se desigual.
O texto de Manfredi e Bastos (1997), de certa forma, minimiza a ausência
de registro de experiências dos trabalhadores na organização e execução de
sua formação profissional, referida por Pronko. As autoras tratam, justamente,
das “experiências e projetos de formação profissional entre trabalhadores
brasileiros”. Após um breve histórico da preocupação do movimento sindical e
popular com a formação dos trabalhadores na perspectiva de seus interesses,
analisam o conjunto de organizações que fazem parte do Conselho de Escolas
de Trabalhadores, algumas de suas experiências de formação e as concepções
que as embasam. Em seguida, discutem as propostas de formação profissional
no âmbito da CUT e da Força Sindical, e concluem que essas experiências
têm a possibilidade de
romper alguns monopólios, tradicionalmente detidos por especialistas em
educação e por representantes de empresários, bem como tenderá a alargar as
fronteiras e os limites em que vêm sendo concebidas e desenvolvidas as políticas
públicas de educação básica e de educação profissional no Brasil (Manfredi e
Bastos, op. cit.: 138).
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3
Boletim Técnico do SENAC, Cadernos CEDES, Cadernos de Pesquisa/FCC, Cadernos UFPel, Educação &
Contemporaneidade, Educação e Sociedade/CEDES, Educação e Tecnologial Educacional, Em Aberto/INEP,
Fórum Educacional/IESAE-FGV, Revista de Educação/PUC-SP, Revista do NETE/UFMG, Revista Proposta.
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4
Para Gramsci, a escola unitária implica que o Estado assuma todos os gastos com a formação das novas
gerações, sem divisão de classes e grupos. “A escola unitária ou de formação humanística (entendendo
o sentido humanístico no sentido amplo e não apenas no sentido tradicional) deveria propor-se introduzir
na atividade social dos jovens, depois de tê-los levado a um certo grau de maturidade e capacidade,
à criação intelectual e prática e de autonomia na orientação e na iniciativa” (Gramsci, 1981, p. 121).
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5
Foi a LDB (Lei n. 9.394/96) que introduziu a expressão “educação profissional” (Cap. III, art. 39 a 42)
em substituição à expressão tradicional na educação brasileira e de outros países de línguas neolatinas
“formação profissional”.
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4. A título de conclusão
Tratamos, ao longo deste texto, de três ordens de questões. O caráter
breve da análise, em cada item, permite apenas conclusões indicativas. A
análise de caráter estrutural da construção da formação social brasileira,
6
“Por exemplo, as palavras de José Pastore (...). Para ele, está claro que o mundo do futuro exigirá muita
educação e profissionais polivalentes, multifuncionais, alertas, curiosos – pessoas que se comportam
como o aluno interessado o tempo todo” (Pastore, J. O futuro do trabalho no Brasil. Em Aberto, v. 15,
n. 65, Brasília: INEP, jan./mar. 1995.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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EUNICE TREIN
MARIA CIAVATTA
Introdução
Este texto é parte de um estado-da-arte1 sobre concepções e políticas
do ensino médio técnico nos anos 1980 e 1990, a partir do levantamento
realizado sobre artigos publicados em revistas especializada na área de educação,
no período. Os trabalhos selecionados para o tratamento do tema proposto
abordam de grandes questões da economia e da política educacional, questões
que vão constituir os tópicos principais deste texto:
(i) trabalho, capital e desenvolvimento, em que são enfocadas as seguintes
questões: a crítica à educação como mercadoria (Gandini, 1980); programas
de treinamento e desenvolvimento de recursos humanos (Tomei, 1989); a
reinserção de pessoas qualificadas no mercado de trabalho (Paiva, 1998); as
mudanças na ocupação e a formação profissional Pochmann (2000).
(ii) a história do ensino médio e da formação profissional: a evolução
quantitativa do ensino de segundo grau (Rosemberg, 1989); a educação para
atender às demandas da produção (Fonseca, 1985; Brandão, 1999);
(iii) balanço crítico da área trabalho e educação no Brasil: (Madeira,
1984; Trein e Ciavatta, 2003).
Para compreender as transformações dos processos educativos, é
importante que se apreendam as relações, as tensões e os conflitos entre as
mudanças conjunturais e a materialidade estrutural de uma determinada
1
Sobre estado-da-arte, ver Brandão et al. (1983), Ciavatta Franco e Baeta (1985), Kuenzer (1987),
Frigotto e Ciavatta (2001).
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2
No momento em que redigíamos este texto, essa disputa teve mais um lance com a revogação da Portaria
n. 646/97 e do Decreto n. 2.208/97 que separaram o ensino médio da educação profissional, e a
aprovação do Decreto n. 5.154/2004, que restabelece, nas escolas, o estímulo legal para a educação
profissional integrada ao ensino médio. Contraditoriamente, o governo anunciava o projeto de criação
de 500 “escolas de fábrica” para jovens aprendizes, sob a orientação do Movimento Brasil Competitivo
– MBC, de iniciativa de empresários (Escola, 2004).
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3
“Considerando: que o aumento constante da população das cidades exige que se facilite às classes
proletárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta pela existência; que para isso
se torna necessário, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável
preparo técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo que os afastará da
ociosidade, escola do vício e do crime (...)” (Decreto n. 7.566 de 29 de dezembro de 1909, apud Fonseca,
1986, p. 177).
106
PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
4
Em 1920/21 é criado o Serviço de Remodelação do Ensino Industrial sob a forma de uma comissão e a direção
de João Luderitz, visando tornar o ensino profissional mais eficiente. Em 1924, começam a ser utilizadas as
“séries metódicas de aprendizagem”, de Coryntho da Fonseca, com a criação da Escola Profissional
Mecânica no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e um acordo entre as companhias ferroviárias e o
Liceu. São feitas duas tentativas de unir o ensino profissional à educação geral, uma em 1922, com um
projeto do deputado Fidélis Reis, aprovado em 1927 e nunca posto em execução; e outra em 1927, com o
projeto do deputado Graco Cardoso que cria o ensino técnico, mas também não é aprovado (id. ibid.: 211
e ss.). Após a crise de 1929, com o aumento das reivindicações dos trabalhadores e a ameaça à taxa de
lucros, é introduzido o taylorismo (para o corte de custos e aumento da produtividade), os exames
psicotécnicos de seleção dos mais capazes e o ensino sistemático dos ofícios, como iniciativa do Instituto
de Organização Racional do Trabalho – IDORT, fundado em 1931, pelo engenheiro Roberto Mange, com
o patrocínio das Associação Comercial e da Federação das Indústrias de São Paulo. Ainda em 1931, o
recém-criado Ministério da Educação e Cultura instituí a Inspetoria de Ensino Profissional Técnico que,
em 1934, vai ser transformada em Superintendência do Ensino Industrial (Brandão, op. cit.: 22).
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5
Note-se a referência apenas en passant sobre o ensino profissional e técnico regulares. Na mesma
conjuntura da criação do SENAI e do SENAC, as Leis Orgânicas do Ensino Industrial em 1943, do
Ensino Comercial em 1943 e do Ensino Agrícola em 1946, todas na forma de decretos-lei, emanadas do
Ministério de Educação e Culturas, vieram reorganizar o sistema federal de educação profissional e
técnica iniciado com as Escolas de Aprendizes Artífices em 1909.
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alternativas (id. ibid.: 10). Para o grande contingente da população que não
pode ser absorvido pelos empregos existentes, a autora pleiteia a abertura de
novas fontes de trabalho, “motivação para a auto-produção, para o trabalho
independente, a constituição de formas associativas e cooperativas de produção
e criação de micro-empresas” nos três setores da economia (id. ibid.: 11), o que
sugere a necessidade de integração de esforços e envolvimento de empregadores,
trabalhadores e Estado na definição das políticas de formação profissional.
À relação emprego/mão-de-obra/produção, privilegiando a economia,
deve-se opor trabalho/indivíduo/sociedade, na qual o Homem é o foco central
da formação profissional. Debates promovidos por diferentes instâncias, públicas
e privadas (MEC, MTb, SERPLAN, USP, PUCs, CENAFOR, SENAC, SENAI
e outras) buscam rever criticamente sua visão política e ideológica. A autora
(na época, Coordenadora de Recursos Instrucionais SMO/MTb) considera
que a verdadeira dimensão social de educação e da formação profissional é
essencialmente humanista, o fazer e o saber, o homo faber e o homo sapiens
como duas categorias essencialmente integradas, como dimensões da conquista
da liberdade e da autonomia (Lobo Neto, 1983, apud Fonseca: 13).
Também a Organização do Trabalho – OIT6 adota e recomenda uma
concepção de formação profissional que apóia no desenvolvimento das aptidões
humanas para a vida produtiva a forma de desenvolver-se a atuar sobre o meio
social. O texto critica “os programas intensivos, maciçamente específicos,
exclusivamente operacionais”, obsoletos que, “em época ultrapassada” teriam
sido vistos como solução para a qualificação. Defende a educação contínua
não apenas profissional, mas também na compreensão das mudanças tecnológica
e científica (Vilas Boas, 1982, apud Fonseca, op. cit.: 14-15). É essa concepção
que baliza o Sistema Nacional de Mão-de-Obra, coordenado pelo MTb.7
O que a autora não menciona é a ideologia da “teoria do capital humano”
que, naquele momento, permeava o ideário da sociedade brasileira vinculando
educação e desenvolvimento econômico, educação e renda, educação e
mobilidade social.8 Fonseca escreve num momento em que “o milagre econômico”
(que ela não menciona) já terminara, e não se alimentavam mais aquelas ilusões.
6
Recomendação 150/1975, reincorporada em termos gerais no documento “La formación: reto de los años
80” (apud Brandão op. cit.: 13).
7
Conforme o documento “Terminologia da Formação Profissional”, elaborado em 1981, para introduzir as
diretrizes básicas da Política Nacional de Formação de Mão-de-Obra firmada em 1982.
8
A “teoria do capital humano” foi alvo da crítica de muitos pesquisadores. Ver, especialmente, Frigotto,
1984: 38; “A teoria do capital humano que, a partir de uma visão reducionista busca erigir-se como um dos
elementos explicativos do desenvolvimento e equidade social e como uma teoria de educação (...)”.
109
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
Admitindo que alguns fatos sobre a crise são percebidos hoje com mais
clareza, sua análise, não obstante a boa intenção, passa ao largo da crise
intrínseca de acumulação do capitalismo e das contradições sociais expressas,
principalmente, no crescimento exponencial da riqueza para uma minoria e no
aumento da pobreza para dois terços da humanidade.
Independente do tom um pouco ingênuo do texto, em relação ao olhar
de hoje, deve-se destacar que, no início dos anos 80, quando começa a tomar
forma institucional a redemocratização do país, a ideologia política popular e
humanista dá o tom da esperança e do discurso, até em instâncias do Estado,
em cargos ocupados por intelectuais e políticos progressistas. Por outro lado,
cabe reconhecer, com desconforto, “o castigo de Sísifo” (tantas vezes lembrado
por Gaudêncio Frigotto) a que está sujeita a sociedade brasileira. A nova LDB
– Lei n. 9.394/96, e o Decreto n. 2.208/97 vieram desfazer todas as ilusões em
torno de uma formação profissional emancipadora. Com a revogação daquele
decreto e a aprovação do, novo, Decreto n. 5.154, reacendem-se as
expectativas, mas sempre com um travo de dúvida, em uma sociedade cuja
hegemonia está nas leis do lucro do capital.
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PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
9
Cuba tinha 37% dos estudantes no ensino médio, a Guiana, 32%, a Colômbia, 29, Costa Rica, 25% a Argentina
e a Venezuela, 23%. Os mais próximos do Brasil: Paraguai, 17%, e Guatemala, 16% (Brasil, 1988).
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
10
A função educação era financiada pela União (MEC e outros ministérios), pelos estados e municípios
e por recursos externos (BIRD, BID). Em 1985, 31% desse financiamento provinha do MEC (sendo
10% do exterior), 7% de outros ministérios; 51,8% dos estados e do Distrito Federal, 10,1% dos
municípios (Brasil, 1988, id. ibid.: 52).
112
PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
por nós – este e o de 2003 – prevalece uma visão materialista dialética. São
reiteradas as críticas à teoria do capital humano, ao “entusiasmo” pela educação
como panacéia para o desemprego, o subemprego e a estagnação que o país
viveu nos anos 80 e da qual ainda não se recuperou. Dessa visão crítica
decorrem algumas questões: a formação profissional estará qualificando uma
força de trabalho que hoje não é mais necessária para o atual estágio do
desenvolvimento científico tecnológico incorporado à produção? Será que a
elevação da escolaridade da classe trabalhadora e seu nível de qualificação
não leva a uma grande frustração dada a qualidade dos postos de trabalho
existentes que, em sua maioria, exigem trabalhos simples e pouco qualificados?
Em que pese a ampliação das possibilidades de formação profissional não estará
a classe trabalhadora sendo preterida, em favor de setores da classe média,
num mercado de trabalho escasso, no qual não apenas o nível de escolaridade
mas também o pertencimento a determinado grupo social é critério de escolha?
A manutenção de um modelo desenvolvimentista urbano-industrial não
continua pautando as discussões sobre a formação profissional e, com isso,
toldando as críticas à forma como se organiza o mundo do trabalho sob o modo
de produção capitalista?
No momento atual, em que a sociedade brasileira é exortada a uma “retomada
do desenvolvimento” como política de geração de emprego e renda e de inclusão
social, as reflexões sobre a formação da classe trabalhadora permanecem atuais, mas
é preciso que avancemos para além da discussão sobre as formas que essa educação
deve assumir: formação profissional, formação geral, escola unitária? É preciso tematizar
o próprio conceito de desenvolvimento e retomar o embate político e ideológico
sobre os projetos societários sempre, e ainda, em disputa no Brasil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
MARIA CIAVATTA
Introdução
Este texto é parte de um estado-da-arte sobre concepções, políticas e
sistemas de ensino profissional e médio técnico vistos em termos comparativos
nos anos 1980 e 1990, a partir de levantamento de artigos publicados em revistas
especializadas na área de educação, no período.1
Antes de iniciarmos a apresentação dos textos que compõem esta síntese
em termos comparativos, julgamos oportuno destacar uma questão de ordem
teórica e sua correlação de ordem histórica no tratamento da relação trabalho
e educação, e, conseqüentemente, da formação profissional. Do ponto de vista
teórico-metodológico, a área tem como eixo teórico norteador a crítica à
economia política que conduz a uma visão histórica da relação entre o mundo
do trabalho e a educação, buscando-se compreender e reconstruir no nível do
discurso as diferentes mediações sociais constitutivas dessa relação.
Tanto o trabalho quanto a educação ocorrem em uma dupla perspectiva.
O trabalho tem um sentido ontológico, de atividade criativa e fundamental da
vida humana; e tem formas históricas, socialmente produzidas, particularmente,
no espaço das relações capitalistas (Lukács, 1978). A educação tem seu sentido
fundamental como formação humana e humanizadora, com base em valores e
em práticas ética e culturalmente elevados; e também ocorre em formas
pragmáticas a serviço de interesses e valores do mercado, da produção
capitalista, nem sempre convergentes com seu sentido fundamental (Frigotto
e Ciavatta, 2001).
1
Sobre estado-da-arte, ver Brandão et al. (1983), Ciavatta Franco e Baeta (1985), Kuenzer (1987),
Frigotto e Ciavatta (2001).
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PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
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2
Nos anos 50, a Universidade Técnica do Estado, depois Universidade de Santiago; no início dos anos 60,
o Serviço de Cooperação Técnica e, a partir de 1966, o Instituto Nacional de Capacitação Profissional
– INCAP (Barone,1998: 22).
3
O Decreto n. 2.208 e a Portaria MEC, ambos de 14 de maio de 1997, que trouxeram sérias mudanças ao
ensino médio técnico e à formação profissional no Brasil, não são mencionados.
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
4
Naquele momento, pelo Decreto n. 2.208, já estavam em curso os níveis básico, técnico e tecnológico
nas escolas técnicas, além do Plano Nacional de Qualificação – PLANFOR, levado adiante pelo
Ministério do Trabalho e Emprego desde 1995-1996 e atendendo a analfabetos e a alunos dos
diversos níveis de escolarização.
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Essa noção de transferência tecnológica parece-nos um pouco simplificada. “No caso dos grandes projetos,
aqueles que precisam do aval do governo, como as empresas estatais de energia elétrica, o que se
aproxima da transferência tecnológica consiste em dominar o conhecimento para operar, fazer manutenção,
poder alterar os parâmetros do sistema ou do equipamento e, dependendo do caso, aprender a fabricar.
Processo que difere do caso das montadoras automotrizes cujos projetos vêm prontos das matrizes do
exterior” (Depoimento do engenheiro A C. Pantoja Franco, Rio de Janeiro, set. 2004).
6
Mais especificamente, os Centros Nacionais de Tecnologia – CENATECs, o Centro Internacional para
a Educação, Traballho e Educação Tecnológica – CIET e os Centros Modelo de Educação Profissional
– CEMEP, do SENAI, os Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFETs e o SENAC.
7
Enumera as competências já conhecidas: iniciativa, criatividade, capacidade de empreendimento,
pautas de relacionamento e de cooperação; e ainda as de ordem técnica: informática, idiomas, raciocínio
lógico, capacidade de análise e interpretação de códigos diversos (Weinberg, 1999). Em nosso
entendimento, não é nada que uma escola de qualidade não possa atender, oferecendo ainda os
fundamentos científico-tecnológicos histórico-sociais e do trabalho e da produção.
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PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
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Sobre os programas de educação profissional da SEFOR e de programas sindicais, é abundante a crítica
no Brasil. Entre outros, ver Cêa, 2003, Ventura, 2001, Molina, 2004, Ciavatta, 2001.
9
Alguns países do Caribe não se inserem nessa lógica: Cuba, Belize, Granada, Guiana, Santa Lucia,
Trinidad e Tobago.
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
10
Outros modelos são “o curso de formação profissional básica (abarca um ofício), as escolas profissionais
especiais (um a três anos de curso), escolas profissionais de tempo completo em diferentes modalidades,
o curso complementar de educação técnica, a escola superior de ensino profissional, o ginásio
profissional e as escolas especializadas e, ainda, formação contínua (formação de adultos)” (Barone,
1998: 15) (grifo da autora).
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Obrigatório dos seis aos 16 anos e gratuito, a estrutura organizativa do sistema francês apresenta três
níveis: a académie, unidade regional que implanta as determinações do Ministério da Educação; a
commune, que cuida da construção, manutenção e serviços não pedagógicos; e a unidade escolar, que
implementa as determinações e responde pelo orçamento da escola. O sistema francês está estruturado
em três graus: o primeiro grau, que compreende o pré-escolar e o ensino elementar; o segundo grau,
com um primeiro ciclo de dois anos de formação geral e o segundo ciclo, em que os alunos podem optar
por dois anos com perfil humanístico ou tecnológico; e o superior, integrado pelas grandes écoles com
formação profissional para ocupações específicas. (Barone, 1998: 17).
129
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
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O sistema está estruturado em 12 anos de estudo obrigatório com três níveis de ensino: a
escola elementar (seis anos), a escola média (três anos) e a escola secundária (três anos) –
com diferente modalidades: Junior e Senior High School, Vocational High School (para jovens dos
15 aos 18 anos) e a área Vocational High School (a partir dos 18 anos, para ocupar postos no
mercado de trabalho). Uma mesma escola secundária, dependendo das instalações, pode
oferecer tanto matérias acadêmicas quanto formação profissional, e os alunos podem montar
seus próprios programas de estudo. Esse modelo acaba criando “muitas escolas dentro de
uma escola” (Barone, 1998: 19).
130
PARTE I | AS DÉCADAS DE 1980 E 1990
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É gratuito em todos os níveis “(...) desde o jardim de infância até a formação superior, representada
pelos estudos de mestrado e doutorado (...)”. “A educação obrigatória compreende nove anos de escola
primária e secundária média, período em que não é oferecido nenhum tipo de ensino vocacional ou
técnico”.A iniciativa privada atua nos níveis anteriores e posteriores à educação obrigatória (SENAI.
DT. CIET, 1996, apud Barone, 1998, p. 20). A autora registra que 100% da população tem educação de
nove anos, 94% tem o ensino de segundo grau (médio), e 40% tem o superior completo.
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Como esses países já foram tratados por outros autores no presente trabalho, apenas nos deteremos em
algumas questões mais gerais.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PARTE II | A DÉCADA DE 1980
GAUDÊNCIO FRIGOTTO
MARIA CIAVATTA FRANCO
ANA LUCIA MAGALHÃES
Introdução
A discussão que levantamos neste texto resulta de um trabalho de
pesquisa mais amplo sobre “Melhoria e Expansão do Ensino Técnico Industrial
no Brasil”.2 A expansão previa a construção de 200 Escolas Técnicas Industriais
e Agrotécnicas. No âmbito das Escolas Técnicas Industriais, foram de fato
construídas até 1990, não mais do que meia dúzia de escolas. Neste artigo
preocupamo-nos, sobretudo, em demarcar sob que concepção se estrutura esse
programa e mostrar que ele reedita as velhas concepções de “capital humano”.
O exame dos parcos e sucintos documentos que tratam do programa de
Expansão do Ensino Técnico (exposições de motivos e relatórios técnicos) e os
dados empíricos que analisamos nos indicam que esse programa revela, ao
mesmo tempo:
a) uma nítida visão produtivista da educação, uma visão dual e
fragmentária, reduzindo o papel das escolas técnicas a uma adaptabilidade ao
“mercado de trabalho” e ao sistema produtivo. Como adesivo, aparece colado
a um discurso humanista genérico do valor do trabalho;
b) que o programa de expansão e melhoria inscreve-se numa perspectiva
neoliberal de organização econômica, política e social e, enquanto tal, funda-
se em pressupostos falsos e de conseqüências profundas para a sociedade, no
1
Publicado originalmente em Contexto & Educação, Revista de Educación en América Latina y Caribe,
7 (27), Ijuí: Editora Unijuí, jul./set. 1992: 38-48.
2
Acompanhamento, documentação e análise dos programas de melhoria e expansão do ensino técnico
industrial, 1984-1990. Niterói: INEP/UFF, 1990. Sob a coordenação dos autores supra citados.
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
significado mais crucial do que o aparente. Somos hoje, um país com 31 milhões
de analfabetos absolutos. E quantos semi-alfabetizados?
O Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Técnico filia-se a esse
horizonte produtivista, fragmentário e adaptativo de conhecimento. A ciência
e o conhecimento aparecem como um dado e não como um processo.
Esse sistema de valorização que perpassa a concepção da realidade em
seu conjunto, sob uma óptica racionalista a-histórica, produz uma forma inversa
de apreender o processo de desenvolvimento econômico-social capitalista e
nivela realidades profundamente diversas no plano das relações de poder
internacionais. Quando indicamos que o Programa de Expansão e Melhoria
das Escolas Técnicas se inscreve numa visão neoliberal conservadora, indicamos
ao mesmo tempo a apreensão dessa inversão que postula que o progresso técnico
– base fundamental para o desenvolvimento hoje – ao mesmo tempo amplia a
oferta de emprego, e essa ampliação exige, generalizadamente, a ampliação
das qualificações.
A filosofia que embasa a melhoria e a expansão do ensino técnico, em
sua justificativa básica, alinha-se ao Programa de Empreendimentos Conjuntos
para a Expansão e Desenvolvimento da Educação Tecnológica – PROENCO,
cuja perspectiva assenta-se na concepção já referida.
É inegável que o estágio industrial em que se situa o país está a exigir a
formação de recursos humanos para o mercado de trabalho, hoje já bastante
exigente, e é evidente que o volume e a qualidade da oferta presentes não
atendem às necessidades da estrutura produtiva, mormente naqueles setores
em que se pode prever rápidos avanços tecnológicos. É de todo pertinente
registrar, ainda, que a esperada retomada do crescimento deverá imprimir maior
sofisticação ao processo de produção do setor econômico, aumentando, ainda
mais, a demanda do ensino profissional.
Teórica e tecnicamente, as pesquisas que examinam a relação entre
processo produtivo, processo de trabalho e formação técnica profissional desde
a Primeira Revolução Industrial consolidam cada vez mais a análise que indica
a tendência do processo produtivo de transformar o trabalho complexo (o que
exige ampla qualificação do trabalhador) em trabalho simples (o que exige um
mínimo de qualificação). Esse processo dá-se mediante a crescente incorporação
da ciência e da técnica (capital morto) no processo produtivo. Nele, o que
importa é um corpo coletivo de trabalhadores, permutável e disponível,
gerenciado e administrado pelo capital (Braverman, 1977; Gorz, 1980 e 1981).
No âmbito mais específico da relação trabalho, processo produtivo e
educação, as análises de Zicardi (1979), Salm (1980), Frigotto (1983), Salgado
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PARTE II | A DÉCADA DE 1980
Análises mais recentes (Schaff, 1990; Ramon Peña 1989; Markert, 1990;
Frigotto, 1990; Segre e Lianza, 1990; Teixeira e Martins, 1990, entre outras)
apontam que a “nova” revolução científico-tecnológica, comandada pela
microeletrônica e seus desdobramentos no âmbito da informatização,
robotização etc., pela biotecnologia, engenharia genética etc. e pela energia
nuclear, põe em crise o paradigma “tecnicista-produtivista”, põe limites ao
processo de transformação do trabalho complexo em trabalho simples e estabelece
mudanças profundas na organização do processo de trabalho e de produção,
na relação do trabalho com o produto a realizar, na natureza da atividade e nas
capacidades humanas exigidas pelo trabalho (Castro, 1989).
Essa nova base científico-tecnológica, como nos aponta Schaff, tem um
impacto sobre o “processo civilizatório”, com mudanças profundas no âmbito
econômico-social, político, sistema de valores e atitude perante o sentido da
própria existência.
A perspectiva tecnicista-produtivista, cujo grande sujeito é o “mercado
de trabalho”, na qual se embasa o programa de melhoria e expansão do ensino
técnico, tem como paradigma o sistema taylorista-fordista de organização do
trabalho e de qualificação técnica. Esse paradigma não dá conta da atual
realidade produtiva, cuja base tecnológica desmaterializa cada vez mais o
processo produtivo, distancia o sujeito produtor, trabalhador do produto,
enquanto se flexibiliza a organização do processo produtivo e se estabelecem
crescentes áreas de integração das diversas fases da produção.
Essa nova realidade de formação técnica – a idéia de que o mercado exige
crescentes contingentes de trabalhadores qualificados ou que, do ponto de vista
econômico, a qualificação garante ao qualificado a criação “do seu posto ou mercado
profissional” –, ao contrário do que aponta a visão tecnicista-produtivista, indica,
como expõe Gorz (1988), que, na realidade do Primeiro Mundo, a população
economicamente ativa na próxima década estará assim dividida: 25% subempregada
e 50% desempregada, semidesempregada ou excluída.
Note-se que essa nova base técnica do processo produtivo expõe uma
realidade na qual a maioria da força de trabalho se torna mão-de-obra
excedente, isto é, uma mercadoria que tem, no mercado, cada dia menos
valor e, do ponto de vista educacional, para o mercado, nenhuma preocupação.
Schaff (1990) indica que perante esse quadro, para o Primeiro Mundo (o que
se dirá do Terceiro Mundo), haverá duas saídas: a socialização crescente do
produto social dessa nova base produtiva, isto é, uma democrática distribuição
da produção mediante políticas sociais, ou a manutenção de uma minoria que
se apropria dessa riqueza e a mantém pela força e violência.
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PARTE II | A DÉCADA DE 1980
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vem sendo discutida por Saviani (1988 e 1989), Machado (1989), Warde (1988),
Frigotto (1988 e 1990), Franco (1988), Arroyo (1990). Nesse âmbito,
contrapondo-se à visão pragmática e utilitarista de trabalho, são desenvolvidos
vários estudos que discutem o trabalho como princípio educativo. Esses estudos
têm como base as análises de Marx e Engels, e, sobretudo, de Gramsci: Nosella,
1989; Manacorda, 1990; Kuenzer, 1985 e 1988; Nogueira, 1990; Enguita, 1989
e Franco, 1990.
Esse debate, cujo ponto crítico é a “travessia”, no plano prático, em
face da materialidade das relações capitalistas dominantes, desenvolve-se
no tecido das contradições e na perspectiva de que as novas relações, em
todos os âmbitos, são expressão de um embate que se dá num processo em
que velho e novo coexistem.
O que, finalmente, importa registrar é que as políticas educacionais –
no Brasil historicamente balizadas pela visão utilitarista e produtivista, cujo
Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Técnico é exemplificação singular
– amarram o sistema educacional a uma óptica imediatista e fragmentária,
que nos condena, mesmo no ponto de vista da organização capitalista de
sociedade, a sermos consumidores de ciência e tecnologia. O novo plano do
governo atual radicaliza essa perspectiva até no plano de alfabetização. O
“fetiche do mercado”, como ordenador social e do sistema educacional, nos
levará a uma situação sem saídas.
A advertência de Werneck Vianna, em face da política econômico-
social do atual governo, parece-nos elucidativa do que estamos apontando.
Se a abertura de fronteiras econômicas não favorece uma inscrição do
capitalismo brasileiro nas relações econômicas internacionais, que lhe garante
capitais e mercado, frusta-se o projeto de completar o longo ciclo da modernização,
iniciado em 1930 via a afirmação da pura modernidade burguesa. Sem a retomada
do desenvolvimento econômico a partir de um sistema produtivo competitivo,
não há como ter um mercado como instância de ordenação social e, menos
ainda, a possibilidade de hegemonia burguesa que se afirme preferencialmente
pela pauta de valores que têm seu curso nas relações econômicas. No Terceiro
Mundo, se não se conta com conjuntura favorável ao aporte de capitais e
transferência de tecnologia, a estratégia neoliberal não pode apresentar-se como
viável para os fins da modernização e de incorporação das massas a uma situação
moderna de mercado. Pode, assim, constituir-se na via perversa, primeiro para o
apartheid social e, depois, para sua confirmação no plano da política.
O Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Técnico tem na concepção
utilitarista, tecnicista e produtivista seu principal viés, mas não o único. Ao
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RAMON DE OLIVEIRA
Introdução
Desde há muito o ensino médio e a educação profissional são temas
polêmicos. Embora uma recente reforma educacional tenha estabelecido a
desarticulação entre esses dois sistemas de ensino, no momento atual, retomam-
se as discussões sobre a viabilidade da persistência dessa separação ou a busca
de sistemas alternativos que reintegrem a formação geral e a formação técnica.
Mediante a leitura de trabalhos produzidos ao longo das últimas três
décadas é possível perceber a inquietação da comunidade acadêmica sobre a
necessidade de se constituir uma identidade para o ensino médio. Tal discussão
pauta-se, entre outros fatores, pela clareza da diferença de qualidade entre as
escolas privadas e públicas. Dada a segregação social persistente na sociedade
brasileira, o ensino médio ao qual os setores desprivilegiados têm acesso nem
lhes permite seguirem para ensino superior, nem lhes garante uma formação
profissional adequada às necessidades do mercado de trabalho.
Tal estado de coisas, se por um lado demanda uma elaboração mais precisa
do que se deseja do ensino médio, não permite que tal deliberação seja
desenvolvida sem participação dos setores da sociedade que cotidianamente
vivenciam esse nível de ensino. O levar em consideração o que gestores,
docentes, alunos, pais e a comunidade acadêmica desejam é necessário para
que as políticas educacionais sejam respaldadas e possam efetivamente
materializar-se no cotidiano escolar.
A implementação de reformas sem a consulta e sem um amplo debate
com aqueles interessados pela questão tem sido algo costumeiro na sociedade
brasileira. A profissionalização compulsória imposta pela Lei n. 5.692/71 (tornada
opcional pela Lei n.7.044/82), tal como a separação entre o ensino médio e a
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Prevaleceu nas discussões a idéia segundo a qual com a ascensão dos militares
ao poder, em 1964, estabeleceu-se no interior da sociedade brasileira um
movimento de subordinação dos aparelhos de Estado ao movimento de
soerguimento da economia nacional. O sistema educacional, como outras
instâncias societárias, sofreu diretamente a influência do poder instituído,
visando tornar-se uma alavanca do processo de desenvolvimento econômico.
Disposto a discutir o momento social e político no Brasil e suas implicações
no cenário educativo, o texto de Neidson Rodrigues (1981) é um dos mais
completos. O autor, ao apontar o caráter centralizador do Estado brasileiro,
destaca o quanto o mesmo direcionou a escola a assumir o papel de formadora
de capital humano, haja vista a reorientação da industrialização brasileira no
sentido de requisitar um maior número de trabalhadores qualificados.
Para Rodrigues, o Estado brasileiro assumiu a responsabilidade pela
implementação de medidas concretas que viabilizassem a expansão do processo de
reprodução do capital e esvaziou o papel de reprodução ideológica exercida por
diversos aparelhos de Estado. O pensamento único e a impossibilidade de divergência
em relação ao modelo de desenvolvimento adotado terminaram não só por
secundarizar/obstacularizar o papel de intervenção social e política que poderia
ter a sociedade civil organizada (sindicatos, imprensa etc.), como, ao mesmo tempo,
redirecionaram o papel dos aparelhos que tradicionalmente trabalhavam na
formação da consciência (campo da ideologia) para comprometerem-se,
preferencialmente, com o papel de reprodução econômica. Nesse caso, a escola
passou a ser valorizada não tanto por seu papel tradicional de reprodutora ideológica,
como destacava Althusser, mas, fundamentalmente, como instância responsável
pela preparação de trabalhadores no nível de formação profissional de forma a
viabilizar o processo de reprodução do capital em escala ampliada.
Segundo esse autor, para as classes dirigentes brasileiras, a educação
assumiria um duplo papel a serviço do novo projeto social e político imposto à
sociedade brasileira. Por um lado, sendo uma instância formadora de quadros
que viabilizassem o aumento da produtividade econômica e, por outro, enquanto
elemento incremental do processo de distribuição de renda, haja vista os
trabalhadores passarem a dispor também de um capital a ser investido/trocado
no mercado, o que lhes possibilitaria aumento de seus rendimentos e,
conseqüentemente, ascensão social.
Abordagem semelhante à de Neidson Rodrigues encontramos em Silva
(1983), que destaca em sua crítica, além do reducionismo da educação ao
aspecto econômico, a influência de agências internacionais na definição das
políticas educacionais brasileiras.
154
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1
Críticas semelhantes são desenvolvidas por Rocha (1980) segundo quem, por essa razão, em breve
espaço de tempo a educação profissional foi secundarizada.
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Esse resgate também é feito no trabalho de Grossmann (1984).
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dos postos de trabalho com status social mais elevado é feita por pessoas cujas
trajetórias de vida lhes possibilitaram alcançar níveis mais altos de estudos.
Não à toa, dificilmente, pais com baixos níveis de escolaridade têm filhos
ocupando posições mais altas na hierarquia salarial. Ou seja, a educação
profissional não consegue reverter algo que já estava socialmente edificado.
Abordando a contribuição da educação técnica à mobilidade social,
Franco e Castro (1981) destacam, a partir de pesquisas com egressos dos cursos
técnicos em três países da América Latina (Colômbia, Paraguai e México)
que, embora existam peculiaridades para cada um dos países analisados,
constata-se o fato de que nos anos iniciais os egressos dos cursos técnicos têm
salários mais altos do que os daqueles oriundos de curso médio não
profissionalizante. Entretanto, com o passar do tempo, essa situação é invertida.
Tal fato evidencia que a mobilidade social não estaria sendo determinada pela
passagem por um processo de formação técnico-profissional ou por um curso
estritamente acadêmico. A raiz da questão estaria na própria estrutura social
que determinava ou reproduzia as posições sociais no interior da sociedade
capitalista.
Embora, segundo os autores, haja a propagação de discursos segundo os
quais a possibilidade de ascensão social está posta para todos, a própria
possibilidade de ascensão na hierarquia do sistema educacional é definida
pela origem social. Para os setores com menor poder aquisitivo a educação
profissional poderia propiciar acréscimo na renda, mas não seria um fator de
equalização social. Aqueles estudantes que conseguem chegar ao fim do ensino
secundário, seja na versão profissional ou na acadêmica, já representam um
grupo minoritário no referente ao grau de escolarização alcançado.
Conseqüentemente, teriam valorização distinta daqueles que já abandonaram
o sistema educacional há mais tempo.
Segundo os autores, enquanto persistir a dicotomia entre o trabalho
intelectual e manual na sociedade capitalista, os egressos dos cursos
profissionalizantes serão contemplados com salários mais baixos do que aqueles
que tenham formação propedêutica, pois a eles são reservados os cargos de
maior importância. Não por acaso, os estudantes que chegam ao final do
secundário percebem que a única possibilidade de atingir maior status social é
seu ingresso no curso superior. Entretanto, a própria estrutura social e econômica
determina que apenas um grupo minoritário consiga tal intento, reproduzindo,
portanto as relações sociais existentes.
A temática mobilidade social também está presente no trabalho de Gomes
(1982). Esse autor, ao analisar a relação entre mobilidade social e
159
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
160
PARTE II | A DÉCADA DE 1980
3. Considerações finais
A análise dos textos produzidos nos anos 80 evidencia que muitas questões
referentes à relação entre educação básica e formação profissional ainda
permanecem em aberto. Embora tenhamos acumulado uma discussão
substantiva nas últimas duas décadas, em que pôde ser evidenciada a defesa
de uma escola voltada para a formação mais integral dos estudantes, persiste
na sociedade brasileira uma visão discriminatória sobre a educação profissional.
Ao mesmo tempo, ainda constatamos a ausência de uma visão consolidada
sobre a finalidade do ensino médio.
Tal imprecisão ou indefinição não decorre da ausência do acúmulo de
discussões, mas talvez tenha seu determinante maior na postura pouco
democrática na definição das políticas educacionais. Aqueles que coletivamente
procuram contribuir para solidificar um projeto de educação média, capaz de
articular a formação tecnológica com a formação política na perspectiva da
constituição de sujeitos interventores na arena política e nos espaços de
trabalho, estão sempre em um “nadar contra a corrente”, haja vista que são os
setores ligados ao capital, sejam esses vinculados ao setor produtivo ou ao
capital financeiro, os definidores dos rumos e do perfil da educação brasileira.
Explicitamente a questão da educação está no âmbito da contradição
entre as classes e na disputa pela hegemonia política. A escola pública,
democrática e de qualidade na perspectiva dos anseios e necessidades dos
setores majoritários da população, só se poderá efetivar na medida em que os
diversos sujeitos sociais, comprometidos com a as classes populares/subalternas,
161
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PARTE II | A DÉCADA DE 1980
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
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PARTE II | A DÉCADA DE 1980
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo, no quadro mais amplo da pesquisa
sobre a formação do cidadão trabalhador, resgatar os debates sobre esse tema
em um período bastante peculiar: o tempo constituinte.
O objeto deste recorte concretizou-se e materializou-se em um conjunto
de 21 textos, levantados nas publicações periódicas da época.1
Em primeiro lugar, cabe mencionar que o tempo da constituinte, no caso
da educação, começa antes de 1985 – quando o presidente José Sarney propõe
e o Congresso Nacional aprova, em 28 de novembro de 1985, a Emenda
Constitucional n. 26. O Manifesto aos Participantes da III Conferência Brasileira
de Educação (outubro de 1984), apresentado pela Associação Nacional de
Educação – ANDE, Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em
Educação – ANPEd e o Centro de Estudos de Educação e Sociedade – CEDES,
reflete um tempo de maturação de análises, que precede mesmo a I CEB (de
31 de março a 03 de abril de 1980).2
Da mesma forma, esse tempo da constituinte ultrapassa a data da
promulgação da Carta Magna (05 de outubro de 1988), pois o debate continua
para a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que,
mesmo concluída e sancionada em 20 de dezembro de 1996, em razão de seus
1
Boletim Técnico SENAC 10 textos, Cadernos Cedes (UNICAMP) cinco textos, Cadernos de Pesquisa
(Fund.Carlos Chagas) um texto, Educação & Sociedade dois textos, Em Aberto (INEP) dois textos,
Proposta (FASE) um texto.
2
Cfr. CBE – Anais da 1ª Conferência Nacional de Educação, São Paulo: Cortez, 1982. A título de exemplo
de manifestação reveladora de um evidente e precedente esforço analítico e propositivo, citamos o
painel “Falência da profissionalização: e agora, o que fazer?”, que reuniu em debate, sob a coordenação
de Miriam Jorge Warde, Cláudio Salm, Luiz Antonio Cunha, Paulo Guaracy Silveira e Wagner
Gonçalves Rossi. (ibidem: 173-187).
165
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
silêncios, ainda hoje nos exige atenta vigília para garantir os princípios
constitucionais que o movimento social conquistou. Assim, não há inconveniência
em cotejar idéias expressas em manifestações redigidas até 1997.
Em uma tentativa de sistematização de textos, podemos dividir o
conjunto, quanto ao conteúdo, em:
1. textos que privilegiam uma análise de contexto, referida ao segundo
grau;3
2. textos que privilegiam uma análise do segundo grau, referida ao
contexto;4
3. textos que abordam questões específicas complementando tanto 1
quanto 2.5
Entretanto, algumas questões se impõem como norteadoras na leitura
desse conjunto de textos e podem ajudar-nos a resgatá-los de uma forma mais
sistematizada, evidenciando sua contribuição na construção de soluções para
a formação do cidadão trabalhador. São elas:
• a tecnologia na redefinição do modo de produzir,
• a busca de uma nova concepção do ensino de segundo grau
• a formação do sujeito da prática social: o cidadão trabalhador.
Essas três questões norteadoras servirão de núcleo temático para
estabelecer uma ordem de apresentação e análise dos textos que serão referidos
em suas idéias principais.
3
Os textos de Baethge (1989); Carleial (1997); Fartes (1994); Salgado (1988); Santos (1988).
4
Os textos de Ciavatta Franco (1988), Franco (1988), Kuenzer (1988), Machado (1985).
5
Os textos de Acselrad (1995), Barato (1985), Castro (1986); Cunha (1985); Depresbiteris (1989);
Franco (1988); Feitosa (1987); Garcia (1987); Muniz (1986); Muniz e Moreira (1986); Posthuma
(1993); Tomei (1989).
166
PARTE II | A DÉCADA DE 1980
6
O capitalismo tardio, de Ernest Mandel.(1923-1995), publicado no Brasil em 1982, em São Paulo, pela
Abril Cultural.
167
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
7
“a intensificação do movimento sobre as fronteiras nacionais de bens, serviços e capital, ou seja, a
globalização” (Carleial, 1997: 15).
168
PARTE II | A DÉCADA DE 1980
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
8
Apesar de a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, ter denominado ensino “médio” o “ensino de
segundo grau” previsto na Lei n. 5.692 / 71, manteremos no texto a terminologia dos autores e da época
de seus artigos.
170
PARTE II | A DÉCADA DE 1980
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PARTE II | A DÉCADA DE 1980
9
Lembremos que sua pesquisa abrange nove estados.
173
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PARTE II | A DÉCADA DE 1980
10
Daft, R & Becker, S. Innovation in organization. New York, Elsevier, 1980. Uma abordagem que, segundo
Barato (1985: 19), foi “especificamente elaborada para explicar o processo de inovação e mudança no
âmbito da instituição educacional”. Interessante notar a ausência de referência a Huberman, A. M.
Como se realizam as mudanças em educação: subsídios para o estudo da inovação. S. Paulo, Cultrix,
tradução de obra publicada em 1973 pela UNESCO.
11
Anne Posthuma à época se qualificava como Pesquisadora Labor do Instituto Eder Sader e Consultora
na área de reestruturação produtiva.
177
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
12
Henri Acselrad, economista e professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
IPPUR/UFRJ.
178
PARTE II | A DÉCADA DE 1980
3.3. Avaliação
A temática da avaliação dos programas de formação profissional e a
análise avaliativo-comparativa de programas de treinamento estão presentes
nos textos de Léa Depresbiteris (1989) e de Patrícia Amélia Tomei (1989),13
ambos publicados no mesmo Boletim Técnico do SENAC.
O primeiro se caracteriza como uma aplicação da teoria de avaliação
baseada em sistemas para a formação profissional, enquanto o segundo empreende
uma análise avaliativa de programas de treinamento em empresas no Brasil,
estabelecendo comparações com essas práticas nos Estados Unidos e Japão.
Enquanto Depresbiteris, ao aplicar o modelo sistêmico, consolida os
momentos avaliativos em torno das variáveis de contexto (aspectos políticos e
filosóficos, de currículo, de estrutura institucional, relativos aos docentes,
relativos aos alunos), de processo (comportamento docente/discente e mediação
de material didático) e de produto (mudanças educativas na comunidade,
mudanças de comportamento – efeitos imediatos e a longo prazo), Tomei
desenvolve sua análise a partir de uma classificação de ênfases nas tarefas
(recuperando variáveis enfatizadas na teoria da administração científica como
eficiência/produtividade, racionalidade, padronização), nos indivíduos
(recuperando variáveis enfatizadas nas teorias de relações humanas, de
comportamento organizacional, de desenvolvimento organizacional), no
ambiente e na tecnologia (recuperando as variáveis ambientais, enfatizadas
na teoria contingencial e tecnológica).
A diferença entre as abordagens – além do objeto – está no fato de que
o objetivo da primeira é desenvolver uma proposta de avaliação programática
a ser aplicada institucionalmente, enquanto a segunda aponta – por meio da
análise – o perfil da prática de treinamento e recomenda encaminhamentos
norteadores para políticas de desenvolvimento de recursos humanos nas
empresas. Em ambos os textos, porém, podem ser captados os entendimentos e
as perplexidades da época em relação à qualificação do trabalhador.
Assim, Depresbiteris (1985: 178-179), embora ressaltando que a questão
avaliativa continua aberta a discussões, entende que “se as concepções sobre
13
À época, Lea de Presbiteris estava vinculada ao SENAI/SP como Técnica de Ensino, e Patrícia Amélia
Tomei, dirigia o Departamento de Administração e Gerência da PUC-Rio.
179
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
14
As duas autoras, à época estavam vinculadas ao SENAC – Departamento Nacional, tendo a primeira
coordenado o Setor de Orientação para o Trabalho.
180
PARTE II | A DÉCADA DE 1980
4. Considerações finais
A produção analisada nesses textos (21) não esgota a riqueza dos debates
dos anos 80, anos constituintes. Mas, certamente, aponta com muita clareza
para as idéias-força que teceram os debates que fizeram a luta pela
democratização do país.
Se é verdade que o estado de direito, restaurado na Constituição de 1988,
é um compromisso mais de conservação do que de transformação, não é menos
verdade que a busca de democratização da educação avançou mais do que recuou.
Os autores de 80 – ativos no Fórum que se veio instituindo desde as reuniões da
SBPC, consolidando-se nas Conferências Brasileiras de Educação, para se tornar
uma força viva nos debates constituintes e nos encaminhamentos tergiversados da
LDB – são autores do hoje, leitores do mundo, mas na dimensão do humano.
O debate continua, incorporando novos debatedores, desdobrando novos
desafios, descobrindo novas pistas de solução, identificando novos desvãos em
que se sacrificam as necessidades da maioria em favor dos privilégios da minoria.
O resgate desse debate dos anos 80, porque em tempos constituintes, sem
181
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
dúvida, nos serve de lição. Mesmo as vozes mais fracas, que parecem apagar-se
diante do volume dos que vocalizam os grandes temas, sinalizam para o fato de
que nem o mais mínimo detalhe deixa de ser importante no propor o fazer da
educação. Lição que também nos é dada nessa trabalhosa busca em referenciar
as análises, em argumentar as propostas, em desvendar os discursos, em avaliar
os feitos, em ler os textos em seus contextos.
No momento em que se torna aguda a discussão da relação da educação
média com a educação profissional, da educação superior com a educação
profissional, da educação do homem cidadão e trabalhador, revisitar textos de
tempos constituintes é fazê-los presentes em nossos argumentos, em nossas propostas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
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PARTE III | A DÉCADA DE 1990
Introdução
Na literatura a que tivemos acesso, constatamos que pesquisadores
filiados às mais diferentes áreas do conhecimento e com vínculos institucionais
junto às universidades, ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial –
SENAI, e ao Ministério do Trabalho, procuraram, de um lado, relacionar a
reestruturação produtiva às mudanças que deveriam ser efetivadas no sistema
educacional brasileiro, com vistas à melhoria da qualidade do ensino e, em
decorrência, aumentar os níveis de escolaridade e o desenvolvimento cognitivo
do cidadão produtivo.
Por outro lado, verificamos que grande parte da produção bibliográfica
em torno do tema mostrou os impactos da reestruturação produtiva sobre a
força de trabalho, centrando-os nas questões referentes ao desemprego. De
acordo com as análises expressas nessa mesma literatura, detectamos que,
basicamente, os autores atribuem ao desemprego dois problemas: o primeiro,
que se passa no âmbito do espaço interno das empresas, se refere às dificuldades
nas relações interpessoais que atravessam o mundo do trabalho quando da
redução do quadro de empregados; o segundo, que ultrapassa aos limites das
empresas, está vinculado às questões sociais que surgem com o desemprego.
Alguns autores procuram mostrar a importância do papel do Estado no
sentido de, ao mesmo tempo, contribuir para o êxito do processo da
reestruturação produtiva e ter uma intervenção ativa para neutralizar seus
efeitos perversos sobre a sociedade.
No primeiro caso caberia ao Estado a reformulação de seu sistema
educativo, de modo a adequar a educação aos pressupostos da reestruturação
produtiva. No segundo aspecto, o papel do Estado seria o de solucionar os
problemas causados pelo desemprego, a partir de formulação e execução de
187
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
1
Na literatura, expressões como inovação tecnológica, novas tecnologias, inovações técnico-científicas e
modernização tecnológica têm sido usadas para se referir à reestruturação produtiva.
2
Bello (apud Abramo, 2001: 53) identificou que a difusão das novas tecnologias é mais intensa nas
empresas cuja parte significativa da produção se destina ao mercado externo.
188
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
3
Bello (2001: 92), em pesquisa realizada junto à Xerox do Brasil Ltda., constatou a baixa intensidade de
utilização de inovações tecnológicas na referida empresa. Em contrapartida, relativamente à introdução
de inovações tecnológicas, os maiores esforços ali empreendidos concentraram-se muito mais nas
mudanças da organização do trabalho. Esse fato, segundo o próprio autor, confirma “as tendências
notadas em âmbito nacional por diversas outras investigações empíricas”.
190
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
191
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
4
Os dados do Ministério do Trabalho mostram que na primeira metade dos anos 90 o Brasil perdeu cerca
de 2.060.000 empregos formais, na medida em que o número de trabalhadores demitidos no período
(54.568.000) foi maior do que a quantidade de admitidos (52.508.000). (Folha de S. Paulo, 15/09/1996:
A8). As estimativas apresentadas no Fórum Econômico de Davos, Suíça, em janeiro de 1996, mostraram
que em 1995, portanto em pleno contexto no qual a globalização e a reestruturação produtiva se
encontravam em franco andamento no mundo capitalista, havia no planeta em torno de 800 milhões de
pessoas desempregadas ou subempregadas, quantidade que equivalia a mais de 13 vezes a população
brasileira economicamente ativa, em 1995, calculada, em torno de 60 milhões de pessoas. (Folha de S.
Paulo, Mais!, 03.03.1996: 8).
5
Dentro dessa mesma linha de raciocínio está Olivier Blanchard, professor de Economia e pesquisador
do Massachusetts Institute of Technology – MIT, nos EUA, que discorda da tese segundo a qual a
tecnologia gera desemprego. Esse pesquisador mostrou, por seus estudos em países da Europa Ocidental,
que “não há uma relação direta, muito menos causal, entre o desemprego e o avanço tecnológico”. O
autor sustenta que as altas taxas de desemprego naqueles países são causadas por políticas econômicas
incorretas dos governos, incapazes de se antecipar aos fatos. (Folha de S. Paulo, Mais!, 03.03.1996).
192
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PARTE III | A DÉCADA DE 1990
6
A ISO 9000 – International Organization for Standardization é composta por um conjunto de certificações
distribuídas em quatro séries: a ISO 9001, a mais completa, que envolve as dimensões de projeto, de
instalação e assistência técnica dos produtos; a ISO 9002, que certifica a produção e as instalações; a
ISO 9003, que considera apenas a inspeção final do produto, a embalagem e a entrega; e, por fim, a ISO
9004, sem emprego comercial, que é utilizada internamente na empresa (Bello, 2001: 55). O Brasil,
durante a primeira metade da década de 1990, viu saltar de zero para 1.341 as empresas que obtiveram
o certificado ISO 9000, atingindo, dessa forma, a melhor marca entre os países capitalistas em
desenvolvimento (Veja, out. 1996).
7
O trabalho produzido por H. Kern e M. Schumann foi El fin de la division del trabajo?, publicado na
Espanha pelo Ministerio del Trabajo y Seguridad Social, em 1988.
195
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
tecnológicas, vamos retomar o debate que estava sendo travado no início dos
anos 90, em torno dos impactos da reestruturação produtiva sobre a força de
trabalho, no âmbito da relação que passou a se estabelecer entre as mudanças
que se operaram na base técnica e os requisitos em termos de qualificação e
dos níveis de escolaridade.
Conforme já vimos, qualidade, produtividade e eficiência formam uma
tríade na qual o primeiro aspecto é altamente relevante para o capital. Vimos
também que os processos de reestruturação produtiva suscitaram novas formas
de organização da produção em termos gerenciais, provocando, até mesmo
mudanças internas por parte das empresas a fim de se conformarem às inovações
tecnológicas.
A esse respeito, Posthuma (1993: 257-258) constatou, a partir de dados
empíricos, que a empresa por ela pesquisada, no início da década de 1990, ao
implantar o programa de Gerência de Qualidade Total (TQM – Total Quality
Mangement) transformou o então Departamento de Recursos Humanos numa
Divisão de TQM e numa Divisão de Treinamento, esta última com a função
de organizar e desenvolver cursos para os trabalhadores, os quais deveriam ser
definidos em função dos requisitos que estavam sendo propostos para a obtenção
de certificação ISO 9000.
É nesse quadro que se inserem as demandas em torno de um novo perfil
para a força de trabalho, que se fundamenta nos novos requisitos para a
qualificação e no aumento dos níveis de escolaridade da força de trabalho.
Segundo Leite (1995, p. 11),
196
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
197
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PARTE III | A DÉCADA DE 1990
Introdução
Este texto situa-se num conjunto mais amplo de análises sobre o estado-
da-arte da educação profissional nas décadas de 1980 e 1990. A síntese analítica
empreendida tem como base 14 artigos publicados no Boletim Técnico do SENAC
na década de 1990. Quatro foram escritos no ano de 90, cinco em 91, dois em 93,
dois em 94, e um em 96. Para situar o leitor e a leitora, na primeira referência a
cada artigo, explicito a autoria e seu objeto, à época de publicação.
Trata-se de buscar apreender e compreender os conceitos e as relações
no que diz respeito à reestruturação produtiva, à reforma do Estado, ao sistema
educacional e à formação profissional, presentes ou ausentes nos textos. Como
os conceitos acima referidos perpassam o conjunto da coletânea, a título
introdutório, mesmo que reiterativo, sinalizo alguns aspectos, por estarem direta
ou indiretamente presentes nos referidos textos.
A década de 1990 foi marcada pelo esgotamento do modelo soviético no
Leste Europeu e pelo Consenso de Washington1 , arranjo do capital internacional
para a relação entre o capital e o mundo do trabalho. Contexto, portanto, em
que se reestrutura o modo de produção e tem início o processo denominado
reforma do Estado, tendo em vista a subalternização das classes que vivem da
venda de sua força de trabalho às agências internacionais com perdas
sistemáticas e continuadas de direitos trabalhistas e sociais.
1
Agenda formulada pelo Fundo Monetário Internacional – FMI, o Banco Mundial – BIRD, o Banco
Inter-americano de Desenvolvimento – BID e o Departamento de Tesouro dos Estados Unidos que
instituiu uma lista de reformas necessárias para a América Latina tendo como base o artigo do
economista John Williamson What Washington Means by Policy Reform, apresentado em Conferência do
Institute for International Economics – IIE em novembro de 1989 e publicado em abril de 1990.
201
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
202
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
2
A pedagogia da fábrica (1986); Ensino de 2º Grau: o trabalho como princípio educativo (1988).
3
A produtividade da escola improdutiva (1984); Educação e Tecnologia: treinamento polivalente ou formação
politécnica? Educação e Realidade, 14(1) (1989); Trabalho: prática alienante ou realização? Realização
Pra valer (1989); Trabalho, educação e tecnologia: treinamento polivalente ou formação politécnica.
ANDE, v.8, n.4, (1989).
4
Educação e divisão social do trabalho: contribuição para o estudo do ensino técnico industrial brasileiro
(1989); Politecnia, escola unitária e trabalho (1989).
5
‘Operários e educadores se identificam: que rumo tomará a educação brasileira’. Educação & Sociedade,
2(5) (1980).
6
Produção e qualificação para o trabalho: uma revisão da bibliografia internacional (1989).
203
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
7
Taxionomia dos objetivos educacionais: 1 domínio cognitivo (1972).
8
‘Trabalho & Sociedade: problemas estruturais e perspectivas para o futuro da sociedade do trabalho’.
Tempo Brasileiro (1989).
9
‘Tecnologia e sociedade: a ideologia da racionalidade técnica, a organização do trabalho e a educação’.
Educação e Realidade, 13(1), 1988.
204
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
10
Mestre em Sociologia e professor da UNIRIO, aborda a relação educação e formação profissional em
tempos de novas tecnologias.
205
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
11
Diretor do CINTERFOR/OIT, aborda a nova institucionalidade da formação profissional promovida a
partir de outubro de 1995, na 32ª Reunião da Comissão Técnica do CINTERFOR, na Jamaica, quando
representantes de governos, organizações de empresários e de trabalhadores travaram o primeiro
debate sobre a questão analisando o documento “Horizontes da Formação: uma carta de navegação
para os países da América Latina e Caribe”. O artigo, segundo seu autor, constitui numa releitura
desse documento.
12
Doutoranda em Educação, professora-assistente do curso de mestrado da Escola de Educação Física e
Desporto EEFD/UFRJ, cujo artigo aborda a formação profissional no Brasil em uma perspectiva sócio-histórica.
206
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
2. Trabalho e Educação
Os artigos historiam a relação trabalho e educação para situar a formação
profissional, remontando a um Brasil agrário-exportador, caracterizado pela
hegemonia do setor agrário e a dependência externa quando o aprendizado
prático se encarregava da habilitação técnica do trabalhador.
Para Deluiz, a consolidação do modo de produção capitalista após o
Estado Novo vai expandir o ensino técnico-profissional com a criação do SENAI
(1942) e do SENAC (1946), precedida por um período de transformações
econômicas, políticas e sociais – como a regulamentação da jornada de trabalho,
do trabalho da mulher e do menor13 .
Plantamura 14 refere-se ao mesmo período afirmando que as primeiras
escolas profissionais eram obras de caridade para pobres e órfãos, desvinculadas
de uma concepção de trabalho enquanto força motora e produto de relações
sociais. Segundo o autor, à medida que surgem as escolas técnicas e os sistemas
SENAI e SENAC novos parâmetros são estabelecidos para a formação
13
Expressão usada para referir crianças e adolescentes até a promulgação da Lei 8.069/90, o Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA, que, ao estabelecer um novo paradigma para a infância e adolescência,
supõe a supressão do termo menor, até hoje utilizado pela mídia e mesmo pela academia para referir
criança e adolescente em situação de exclusão.
14
Especialista em Educação e Trabalho, diretor de formação do SENAC - Departamento Regional do
Amazonas, aborda a natureza do trabalho técnico-pedagógico na formação profissional, origem do
curso de Pós-Graduação Latu Sensu em Educação e Trabalho, realizado pelo SENAC - Amazonas em
convênio com a Universidade do Amazonas, tendo adesões das Escolas Técnica-Industrial e Agrotécnica
Federais, das Secretarias Estadual e Municipal de Educação.
207
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
15
Ver sobre o tema em Frigotto, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva (1984).
16
Mestre em Educação, professor titular Planejamento e Organização do Turismo - FACHA, reflete sobre
as questões do ensino técnico no Brasil, a partir da experiência no ensino formal de terceiro grau para
a formação de técnicos em Turismo.
17
Althusser, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do estado. Lisboa, Presença, 1974.
18
Baudelot, C. & Eestablet, T. L’ école capitaliste en France, Paris, Maspero, 1971.
208
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
19
Carnoy, M. & Levin, H. Escola e trabalho no estado capitalista. São Paulo: Cortez, 1987.
209
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
20
Salm, Cláudio. Escola e trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1980.
21
Sorj, Bila. O processo de trabalho como dominação: um estudo de caso. Dados – Revista de Ciências
Sociais, 24(3), 1981.
22
A Lei 6297/75 permitia incentivar, mediante dedução no imposto sobre a renda das pessoas jurídicas,
as iniciativas de treinamento e desenvolvimento. Depois, a lei 8248/91 permite incentivar fiscalmente
programas de qualidade em empresas do setor de informática.
210
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
3. Formação Profissional
A chave a que está associada a formação profissional é ‘capacitação ou
formação de recursos humanos’, incluindo os conceitos de formação técnica,
ensino técnico, ensino técnico-profissional, qualificação da mão-de-obra,
profissionalização, polivalência, politecnia, entre outros.
Ficam evidentes numa primeira contextualização dois pressupostos
distintos em relação aos conceitos mencionados: um, da lógica do mercado
que precisa de mão-de-obra com destrezas, habilidades e atitudes facilitadoras
da produção; outro, da lógica da cidadania e da autonomia, em que se insere
o debate sobre a politecnia.
Tal capacitação, entendida como inexorável no âmbito das inovações
tecnológicas, faz fronteira com aspectos referentes aos processos de ensino-
aprendizagem: currículos, objetivos, métodos, conteúdos e avaliação. A opção
teórico-metodológica desses aspectos não é isenta; ela pode privilegiar o
tecnicismo ou estar centrada em uma formação humana integral.
Pode ainda enfatizar o dualismo, na medida em que, historicamente, propõe
uma educação centrada no saber para as classes dominantes e tendo como
fundamento o fazer quando se trata das classes dominadas. Representa-se por
um ensino técnico descolado de uma formação humana, seja no chão da fábrica,
ou em espaços públicos ou privados específicos da formação para o trabalho. Na
contraposição alicerçam-se os conceitos de politecnia e polivalência.
Freitas e Oliveira,23 relacionando a presença da informática no cotidiano,
defendem a implantação da informática educacional à prática didática do
Sistema SENAI na capacitação de recursos humanos. Têm como objetivo a
implementação de um sistema de comunicação que veicula ensino a distância
e informações de cunho empresarial e tecnológico sob forma didática.
23
Diretoras técnicas do SENAI, avaliam os desafios da prática educacional da instituição frente às novas
tecnologias, tendo como objeto o Programa de Autonomização em Informática na Educação, cujo
objetivo consiste na identificação e no desenvolvimento de aplicações práticas de informática no
processo educacional de formação profissional do Sistema SENAI.
211
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
24
Técnica do SENAC, Departamento Regional do Ceará.
25
Assessora do Departamento Nacional do SENAC.
26
Mestre em Educação pela UFMG e Técnica do SENAC, Departamento Regional de Minas Gerais,
aborda a utilização da taxionomia de objetivos educacionais mediada pelas descrições ocupacionais
como instrumento de avaliação na formação profissional.
27
Do Divisão de Recursos Humanos do Departamento Nacional do SENAI escreve sobre o uso dos
recursos computacionais na formação profissional.
212
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
28
Gitahy, L. Educação e desenvolvimento tecnológico: o caso da informatização da indústria no Brasil.
Campinas, NPCT/UNICAMP/IIPE, 1989.
29
Doutora em Psicologia Escolar/USP, técnica de ensino do SENAI no Departamento Regional de SP,
escreveu sobre objetivos e a avaliação na formação profissional.
213
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
30
Doutor em Educação, pesquisador do IFFP/Alemanha, professor visitante na UFRJ, cujo artigo estabelece
relações entre o sistema educacional da Alemanha e no Brasil, trazendo para ambos a necessidade de
discutir a temática do currículo na perspectiva das novas tecnologias.
214
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
pode contribuir para que o aluno construa seu próprio conhecimento. A avaliação
assumiria uma função de ligação entre os níveis educacional, curricular e de
aprendizagem, uma vez que, para a autora, tanto o contexto pedagógico nos
cursos de formação profissional quanto o esforço de sua aproximação a uma
dimensão educativa mais ampla e polivalente demonstraram fragilidades.
Cunha,31 analisando os desafios para a formação no SENAC, vai referir-
se a uma nova pedagogia que deverá possibilitar ao aluno um permanente
esforço de reflexão e de prática sobre as condições do mundo do trabalho nas
atividades de comércio e serviços. As alunos são considerados sujeitos do
processo de ensino, tendo o diálogo como marca da relação com instrutores e
supervisores na prática de uma pedagogia profissionalizante cada vez mais
humanizadora. Para o autor, isto significará a busca da polivalência nos
programas de formação profissional.
Fartes,32 investigando a formação dos trabalhadores e sua relação com o processo
de modernização tecnológica do ensino técnico-industrial desde os anos 1970, afirma
que as modificações na base técnica da produção, decorrentes do processo de
acumulação e expansão capitalistas, possuem forte significado para a qualificação e
formação de técnicos industriais, aqui entendidos como coletivos fabris, cuja
preparação envolve, além do aspecto técnico, o político, o ideológico e o cultural.
Fartes reconhece que o ensino técnico-profissional vai tendo sua
importância aumentada à medida que o país atinge a internacionalização do
mercado interno e remete ao debate sobre as relações entre produção e
qualificação contextualizando três momentos históricos: (1) artesanato,
demorada aprendizagem e qualificação profissional adquirida ao longo de
diversos anos, abrangendo todas as etapas de produção; (2) manufatura, o
decompor do trabalho, mutila o trabalhador conduzindo a sua desqualificação;
e (3) revolução industrial, com a produção em massa exigindo versatilidade
de funções e mobilidade do trabalhador em todos os sentidos.
Com esse esquema de três fases combinam-se quatro possibilidades
explicativas para a qualificação média do trabalhador no capitalismo
contemporâneo, como destaca a autora, subsidiada por Paiva (1989):
31
Diretor de formação profissional do Departamento Nacional do SENAC escreve sobre os desafios para
a formação profissional diante do novo paradigma tecnológico.
32
Síntese de sua dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Educação da UFBA, onde é
professora, tendo como objeto os coletivos fabris e sua formação a partir da ETFBA onde se deu a
qualificação de técnicos para as empresas do Pólo Petroquímico de Camaçari, a partir da segunda
metade da década de 70, no bojo da Lei 5692/71.
215
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
4. A título de conclusão
A reestruturação produtiva na nomeada ‘terceira revolução industrial’
consiste nas mudanças havidas nos meios de produção pela introdução da
microeletrônica com o rebatimento na informatização, automação e robotização
do sistema produtivo; da microbiologia, incidindo sobre a engenharia genética,
biotecnologia etc; e de novas fontes de energia, impactando o mundo econômico
(relações sociais e técnicas de produção), mundo político (relações de poder)
e mundo cultural (âmbito dos valores e da ética) (Frigotto, 1992).
Modificações que agregam valor ao capital constante, porque conduzem
a intensificação do trabalho morto, ampliando a mais-valia relativa; e, do ponto
de vista dos trabalhadores, difunde práticas de rodízio e flexibilidade de
216
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
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PARTE III | A DÉCADA DE 1990
TEXTOS ANALISADOS
219
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA
220
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
ANITA HANDFAS
Introdução
Durante a década de 1990, o Brasil enfrentou mudanças substanciais na
condução de suas políticas econômica e social caracterizadas, sobretudo, pelo
enxugamento das funções do Estado, por meio de medidas visando eliminar ou
restringir o protecionismo do mercado interno, a participação do Estado na
produção de bens e prestação de serviços, a regulamentação do mercado de
trabalho, assim como a supressão e a redução dos direitos sociais e trabalhistas.
Num quadro de submissão do Brasil ao capital financeiro internacional, essas
mudanças visavam garantir a remuneração do capital imperialista diante da
crise estrutural em que passou a viver a economia mundial desde o início da
década de 1970, levando a seguidas reestruturações da economia mundial.
Diversos mecanismos serviram para legitimar as reformas estruturais
necessárias à atual fase do capitalismo. Assim, em nome de um anunciado
cenário mundial em que as fronteiras entre as nações estariam se estreitando e
o acesso aos bens materiais e culturais tornaria-se cada vez mais viável, o
postulado da globalização espalhou-se pelos mais diversos campos da vida social.
Na esteira das transformações ocorridas nos processos de produção,
predominou um discurso sobre a urgência na formação de um “novo” tipo de
trabalhador, autônomo e coletivo. Esse discurso apresentava como um de seus
pressupostos a idéia de que a introdução de novas tecnologias nos processos de
produção, assim como suas novas formas de organização, trariam a necessidade
de incorporar novos requisitos à formação do trabalhador, promovendo maior
qualificação da força de trabalho.
Nesse contexto, a reestruturação produtiva foi objeto de estudo de
diversas áreas do conhecimento, merecendo destaque a pesquisa educacional
que presenciou em toda a década de 1990 uma demanda considerável de
estudos sobre os impactos das mudanças nas condições de produção sobre a
formação do trabalhador. A pergunta que se colocava, então, girava em torno
221
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
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PARTE III | A DÉCADA DE 1990
1
Sobre essa questão, ver Althusser, 1967.
223
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2
Trata-se do governo de Fernando Henrique Cardoso.
225
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226
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
227
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
se alterou nos últimos trinta anos nas sociedades capitalistas que se reorganizam,
se reestruturam no sentido de implementarem novas formas de racionalização
do trabalho e da vida social” (Segnini, 2000: 15), a autora afirma que, nesse
contexto, a educação assume funções instrumentais, de modo a garantir a
competitividade e intensificar a concorrência.
Apoiando-se em estatísticas que revelam dados sobre desigualdade
social, evolução do salário mínimo, evolução da população economicamente
ativa, entre outros, conclui que desenvolvimento econômico não representa
desenvolvimento social e, apresentando dados sobre a relação entre grau de
escolaridade e emprego, demonstra que, em 1996, o crescimento do desemprego
se deu justamente entre os trabalhadores mais escolarizados.
228
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PARTE III | A DÉCADA DE 1990
4. As duas problemáticas
Para fazer a distinção das duas problemáticas encontradas é importante
ressaltar que cada uma delas ocupa um determinado terreno, tanto no plano
teórico como no plano metodológico. Isso significa que, a depender do terreno
ocupado, que corresponde a uma determinada problemática, será ocultada ou
revelada as determinações em que se assenta o objeto de estudo.
Assim, identifiquei alguns artigos que supõem que, se as contradições
existentes no interior do modo de produção capitalista acarretam, no que diz
respeito à temática aqui tratada, o desenvolvimento das forças produtivas, essas
contradições não representam por si só qualquer mudança estrutural do modo de
produção, mas, pelo contrário, apenas reproduzem o capitalismo numa outra escala.
Essa problemática rejeita pensar o modo de produção capitalista de forma
estática e linear e obriga a pensá-lo em sua dinâmica. Obriga, por isso, a pensar
também nas diversas instâncias – econômica, política, ideológica – presentes
em todo modo de produção e na maneira como se relacionam. Enfim, essa
problemática implica trabalhar as contradições existentes no interior do modo
de produção capitalista, de modo a apreender as determinações presentes em
seu estágio atual.
É o que fazem Leher (1998), Souza (1996, 1996a) e Segnini (2000).
Nesses artigos os autores apresentam uma análise acurada do atual estágio
de desenvolvimento do capitalismo no plano internacional, buscando compreender
de que maneira seus determinantes atuam no caso específico do Brasil,
particularmente no tocante às políticas educacionais. Por outro lado, deixam claro
o terreno do qual estão partindo ao procurar desmitificar a aparência “progressista”
do discurso dominante e operam com uma gama de dados de modo a tornar visível
o que o discurso dominante tenta tornar invisível. Apesar de desenvolverem suas
análises sob enfoques específicos, é possível apontar pelo menos uma decorrência:
todos eles tornam inviável qualquer compatibilidade entre o discurso dominante e
a análise científica que buscaram empreender em seus estudos.
Mas, se estamos falando a respeito de discursos “críticos”, por que não
incluir o conjunto dos artigos analisados, já que eles são, em sua maioria,
“críticos” ao discurso dominante? São “críticos” sim, porém alguns deles, para
fazer suas análises partem do mesmo pressuposto do discurso dominante, segundo
o qual as transformações nos processos produtivos fazem parte de um fenômeno
universal e que é necessário pensar a formação de um “novo” tipo de
trabalhador. Dessa forma, a “crítica” se limita a reivindicar um tipo de formação
mais humanizada, num discurso bastante identificado com o discurso
233
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
5. Considerações finais
Este artigo teve como objetivo apresentar uma sistematização das
principais questões em pauta, durante a década de 1990 na pesquisa
educacional, sobre as mudanças nas condições de produção e a formação do
trabalhador.
Mediante a leitura de 18 textos, procurei identificar algumas questões
teóricas fundamentais que dizem respeito aos problemas que se colocam ao
investigador quando se trata de refletir a relação entre trabalho e educação.
Nesse sentido, procurei destacar os riscos de proceder a análises mecanicistas do
processo de mudanças que vem ocorrendo nos sistemas produtivos, assim como
de relacionar essas mudanças com a educação do trabalhador sem levar em
conta que pode existir uma diversidade de aspectos que intervêm nessa dinâmica.
É importante ressaltar que foi possível verificar que a produção teórica
crescente de estudos sobre as mudanças nas condições de produção e a formação
do trabalhador, na década de 1990, indica a necessidade de refletir sobre essa
temática, e, nesse sentido, os artigos, não obstante as limitações apontadas,
3
Por exemplo, as palavras de José Pastore, num dos artigos aqui analisados.
234
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
Referências Bibliográficas
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VERA CORRÊA
Introdução
A informalidade tem sido uma das questões surgidas no centro do debate
contemporâneo, como sendo decorrente da reestruturação produtiva, da
flexibilização e da precarização das relações de trabalho, contribuindo para o
surgimento dos serviços, das transformações nos conteúdos e na cultura do
trabalho, da emergência de novos padrões de consumo e estilos de vida.
Desde o final dos anos 1970 tem-se registrado no Brasil o fim do crescimento
do emprego assalariado, e, junto com o desemprego, temos observado as ocupações
precárias. Nesse contexto caracterizado pela fragmentação social, algumas formas
alternativas de subsistência passaram a ser vistas como universais e inevitáveis,
ainda que indesejáveis; ampliaram-se para os mais diversos segmentos sociais
em conseqüência da falta do emprego formal, ou concomitante a ele, deixando
de ser um fenômeno restrito aos pobres e aos pouco qualificados. Isso ocorreu
principalmente nas últimas décadas, como uma das conseqüências da tendência
ao fim da divisão do trabalho, pela reintegração de tarefas que passaram a exigir,
simultaneamente, trabalho intelectual e trabalho manual.
Retomar as pesquisas produzidas ao longo da última década é um
importante passo para a compreensão de questões dessa natureza. Nesse sentido,
o presente trabalho tem como objetivo analisar as contribuições de pesquisadores
sobre o surgimento de novas formas de organização do trabalho formal/informal
como uma nova cultura do trabalho, no contexto do desemprego estrutural na
década de 1990, e seus impactos na produção das subjetividades e das novas
identidades dos trabalhadores.
O material analisado é composto por 12 artigos produzidos entre os anos
de 1990 e 2001, publicados nas revistas selecionadas.1 Não se trata da totalidade
1
De acordo com a metodologia adotada no Projeto Integrado, do qual participei como pesquisadora associada.
237
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
da produção no período, mas de uma amostra significativa que pode nos permitir
uma visualização a respeito das questões levantadas, das principais tendências
das pesquisas e dos enfoques priorizados pelos autores em suas análises.
A leitura dos textos evidenciou uma grande diversidade de abordagem
dessas temáticas. Procuraremos, a seguir, explicitar as preocupações ou questões
selecionadas por esses autores a partir de dois eixos: as abordagens da nova
cultura do trabalho; as subjetividades e identidades dos trabalhadores.
238
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
caminhos que define uma nova maneira de ser cidadão. Representa um dos
elementos estruturantes dos grupos sociais, sua forma de demarcar um lugar
na sociedade no leque de escolhas que o mercado oferece, criando seus novos
estilos de vida.
Como então definir a identidade nesta passagem de século? Para as autoras,
as identidades estruturam-se a partir de uma gama variada de inserções do indivíduo
na sociedade. Pertencer não decorre somente do exercício de uma profissão ou do
saber fazer, mas pode estar relacionado com diferentes visões de mundo e até com
o imaginário do mundo pós-moderno, marcado pela individualidade e por um forte
apelo da imagem. Pode, ao contrário, não ter nenhuma relação com essas visões e
ser, apenas, uma entre as múltiplas possibilidades de escolha pelas quais optaram
os novos grupos, com suas práticas culturais.
Além do consumo, há uma relação entre estilos de vida e formação de
identidades. Bourdieu (1984) abordou essa questão a partir do gosto, como
matriz e conseqüência de identidades e estilos de vida: as diferenças entre as
classes sociais não se restringem à esfera econômica, mas também derivam das
formas culturais que se manifestam no comportamento e nos padrões de gosto,
havendo relações sistemáticas entre elas.
Os estilos de vida são resultantes de muitos fatores. A educação fornece
o capital cultural como distinção social. Temos, ainda, a moradia e o estilo de
morar, de vestir, de comer, de se comportar em diferentes situações etc. As
possibilidades de escolhas de consumo dependem também do estilo de vida,
do fluxo etário (como o aumento do número de idosos e de aposentados), que
variam de acordo com os diferentes países.
3. Considerações finais
A leitura dos textos evidenciou as diversas perspectivas de análise
adotadas pelos diferentes autores a respeito da nova cultura do trabalho, no
que se refere às subjetividades e novas identidades dos trabalhadores na
sociedade contemporânea. Devido aos limites da natureza deste tipo deste
trabalho, a densidade dessas contribuições não foi contemplada em sua
totalidade, embora seja um indicativo de sua relevância.
Há um importante elo entre os trabalhos analisados: a idéia de que essa
fase de transformação histórica na organização técnica, social e política do
capitalismo, especialmente nas duas últimas décadas, com a globalização,
contribuiu para as transformações do mercado de trabalho e do emprego,
acentuando o contingente de excluídos. Houve crescimento econômico, mas
254
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Alice Rangel de Paiva; JORGE, Angela Filgueiras; SORJ, Bila. Projetos
de geração de renda para mulheres de baixa renda: reflexões a partir de
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CORAGGIO, José Luís. Alternativas para o desenvolvimento humano em um
mundo globalizado. Proposta, Rio de Janeiro: FASE, n. 72, mar./mai. 1997:
30-38.
256
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Introdução
Este texto focaliza a reforma do ensino técnico de nível médio do final
da década de 1991, tendo por objeto investigativo a materialização da política
educacional do Governo FHC para a educação profissional.
A concepção dual da reforma do Ensino Médio e Técnico, o embate
entre a perspectiva humanista e a visão mercantil das competências, a reformar
curricular, a educação tecnológica e a nova legislação são os principais temas
desse período.
O estudo desenvolveu-se em três fases: a) leitura e análise dos 36 artigos
selecionados e citados na bibliografia; b) estruturação da pesquisa em função
de um modelo didático que facilitasse o entendimento das reformas
educacionais do período; e c) o enriquecimento da pesquisa com obras
complementares específicas para o esclarecimento do ocorrido no período, de
modo a não excluir ou limitar o estudo realizado.
Os artigos, embora envolvendo o período, abordam a reforma educacional
de acordo com eixos temáticos diversificados, ou seja, procuraram analisa-la sob
aspectos diferenciados. Assim, temos 14 artigos envolvendo a reforma educacional
com relação à educação profissional e à educação tecnológica/politécnica; oito
artigos relacionados à política, desenvolvimento, ciência e tecnologia e seus
impactos sobre a formação do trabalhador no geral; cinco artigos sobre o Sistema
Nacional de Educação e a reforma educacional realizada na rede CEFET; quatro
artigos sobre o cenário e a situação do Ensino Técnico de nível médio na área de
Saúde; três artigos sobre o Ensino Médio e Técnico na América Latina e,
finalmente, três artigos sobre a reforma educacional no SENAC.
Estes eixos temáticos não dão conta de toda a amplitude da reforma, não se
encontrando, por exemplo discussões que envolvessem aprofundamentos sobre os
Referenciais Curriculares elaborados pelo MEC, bem como a questão das
certificações profissionais e acadêmicas previstas no Decreto Federal n. 2.208/97,
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A missão primordial de uma escola técnica é formar técnicos de nível médio, mas não a preparação de
alunos para o vestibular, segundo a visão de Castro (Cunha, 1997).
260
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
2
Expressão utilizada por Cunha.
3
A mudança do sentido da formação profissional de assistencialista a desvalidos para a efetiva formação
de um trabalhador para a indústria só ocorre após o fracasso da política de importação de mão-de-obra
estrangeira, que não tinha interesse em ensinar seus ofícios aos jovens, além de ter o “hábito” de
realizar movimentos reivindicatórios, o que não interessava ao governo brasileiro e aos empresários.
261
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4
Os cursos do segundo ciclo (Ensino Médio) eram divididos em: Curso Colegial Secundário, Curso
Normal, Curso Técnico Industrial, Curso Técnico Comercial e Curso Técnico Agrícola. Só o primeiro,
porém, dava direito ao aluno de prosseguir seus estudos em qualquer curso de nível superior; aos
demais só eram permitidos os cursos vinculados a sua área de conhecimento. Exemplo, o término do
Curso Técnico Agrícola só credenciava a cursos superiores na área da Agricultura.
5
A Lei n. 7.044/82 alterou a Lei n. 5.692/71 retirando a obrigatoriedade da habilitação profissional
compulsória no segundo grau.
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3. A nova visão
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6
Moraes faz uma análise envolvendo o Sistema Nacional de Educação Tecnológica e a Cefetização, que
na realidade foi o primeiro passo neoliberal para a reforma educacional do final da década de 1990.
7
O dito é uma referência ao título do artigo de Kuenzer: O Ensino Médio agora é para a vida: entre o
pretendido, o dito e o feito.
8
A questão principal refere-se ao significado da cidadania. O que se entende por cidadania?
9
A empregabilidade é a capacidade de a pessoa estar preparada para a obtenção do emprego.
264
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10
A ideologia de se levar a especialização da empresa para a escola e, com isso, canalizar recursos para a
escola, proporcionando melhor formação técnica e alunos empregados, é uma questão muito delicada,
porque apresenta as seguintes variáveis de objetivos não transparentes: a) caracterização da intenção
do Estado Mínimo, no qual o MEC não continuaria responsável pela Educação Profissional; b)
transferência da responsabilidade do desemprego para a escola, sob a alegação de que essa não
qualifica bem por não ouvir o mercado; c) transferência de recursos do Estado para a iniciativa privada
manter as escolas de acordo com a necessidade empresarial, eliminando o gasto com treinamento nas
empresas; e d) privatizar as escolas públicas de educação profissional, sendo a separação do ensino
médio da formação profissional o primeiro passo, nesse sentido, pois “enxuga” a “instituição escolar”.
Em suma, o objetivo real da política não é transparente (Ney, 2003: 74; Moraes, 1994: 582; Del Pino,
1995: 136; Ferreti e Silva Junior, 2000: 57).
11
A Educação como mercadoria já é trabalhada a nível da Organização Mundial do Comércio (OMC) em
termos de “fronteiras livres” para a oferta internacional. (Barral, 2002).
12
Estas afirmações de Ferreti e Silva Junior estabelecem as dúvidas com relação às reformas e a utilização
de recursos privados na educação profissional, pois o que foi postulado caracteriza uma intenção do
Estado Mínimo e da responsabilidade da educação individualizada sem clareza de quem financia.
265
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13
A conceituação do polivalência é trabalhada com vários significados, de acordo com a necessidade do
momento. Assim, ora se refere ao trabalhador assumir várias funções dentro do processo produtivo e
de seu cargo, e ora se refere à assunção de atividades de outras ocupações profissionais. Este segundo
sentido está ligado à idéia da flexibilização profissional e itinerário profissional, mas se torna complexo
em função da necessidade de alterar as leis trabalhistas, essencialmente no que se refere aos direitos.
Segundo Plantamura (1995), a polivalência pode ser encarada sob dois aspectos: a) mobilidade
ocupacional (múltiplos ofícios) e b) conhecimento de bases técnico-científicas que fundamentam sua
prática. Ele afirma que a polivalência é confundida com a politecnia, mas que o SENAC trabalha
atualmente com a primeira, mas que a politecnia é um horizonte a ser alcançado.
266
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
Assim, pelo exposto por Ramos e por seu pensamento (ver também
Mendes, 1995), coloca-se a escola em sintonia para a formação de cidadãos e
trabalhadores intelectual e psicofisicamente14 em consonância com o momento
contemporâneo, ou seja, aposta-se no avanço tecnológico e no foco do mercado.
O modelo das competências atende a esse intuito pelo favorecimento de uma
formação individualizada e por afastar as concepções coletivas e emancipadoras,
bem como facilitar a flexibilidade das relações trabalhistas.15
Ávila (1995: 52) afirma:
Entretanto, para que o governo possa instituir sistemas de formação profissional
é necessário um longo tempo para a compra de equipamentos, preparação do
professor, e organização das escolas. Poderia ocorrer que, no momento em que
tudo estivesse pronto, o mercado já não precisasse mais desse tipo de profissional.
E como não existe possibilidade de flexibilidade da forma como ocorre nas
instituições acima citadas, o governo teria de criar o interesse para poder
manter todo o esquema montado.
14
A cidadania e o trabalhador aqui citado nada têm a ver com o cidadão que se conhece e é capaz de agir
na sociedade que conhece. A formação dada ao cidadão e trabalhador mencionados é aquela fragmentada
e voltada exclusivamente para o negócio e a tecnologia utilizada no emprego de sua ocupação profissional.
15
O livro A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação, de Marise Nogueira Ramos, desenvolve
e discute em detalhes todo este contexto.
16
Ver Mendes, 1995.
267
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4. A nova legislação
4.1. Concepção
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96)
tem a característica “minimalista” 17 e foi promulgada sem vetos porque
17
A expressão “LDB minimalista”, segundo Savianni (1997: 199), foi definida por Luiz Antonio Cunha
para significar a regulamentação por pontos por meio de decretos, medidas provisórias, portarias e
resoluções em detrimento a lei complementar (ordinária) que deveria ser votada no Congresso Nacional.
268
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18
O assim chamado Sistema S refere-se ao que é composto por SENAI, SENAC, SESI, SENAR, SENAT
e SEBRAE.
269
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19
O regime de qualificação é aquele na qual no aluno estuda e, ao completar todas as disciplinas do curso,
recebe um título, que atribui responsabilidades e estabelece todos os direitos do exercício de uma profissão.
20 Em defesa da não-existência desse dualismo na Nova Política Educacional Brasileira, pode ser dito
que a criação dos cursos seqüenciais (politécnicos) e a consolidação dos cursos tecnológicos como
formações de nível superior está “valorizando” o trabalho e o trabalhador. Esse argumento é utilizado
pelos defensores da reforma.
270
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
21
O termo “empregabilidade” está sendo utilizado como a capacidade de se empregar do trabalhador.
Nessa linha de pensamento a escola tem a obrigação de preparar o homem para o emprego, e o homem
deve preparar-se adequadamente. Obviamente, o governo se exime da responsabilidade de gerar
empregos, delegando-a à escola e ao trabalhador (Ferreti, 1997; Militão, 1996).
22
A referência ao artigo anterior justifica-se pelo fato de ele apresentar os três tipos de competências
profissionais que já citamos: básicas, gerais e específicas. As básicas oriundas do Ensino Fundamental
e Médio, as gerais, da Educação Profissional e definidas na Resolução CNE/CEB n. 04/99 (obrigatórias)
e as específicas sob responsabilidade das escolas. Os Referenciais Curriculares, embora facultativos,
ajudariam as escolas no estabelecimento destas últimas competências.
272
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273
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
6. Conclusões
O pressuposto que orientou nosso texto tem foco no caráter contraditório
entre o que é dito no discurso oficial e o que realmente está estabelecido com
relação à reforma da educação profissional no Brasil concernente à formação
do técnico de nível médio. Assim, partiu-se da discussão da reforma do final
da década de 1990, observando a questão dualista do Ensino Médio - a formação
propedêutica com vistas a permitir à elite alcançar o ensino superior e a
educação profissional direcionada à formação do trabalhador. Dessa abordagem
inicial pode-se apreender que a separação do Ensino Médio da Educação
Profissional tem o propósito de transferir a responsabilidade do Estado para a
iniciativa privada dentro do pensamento neoliberal do Estado Mínimo. Para
oferecerem a educação profissional, as escolas devem ir ao mercado de trabalho
e a ele adequar seus cursos, de modo a obter recursos para a sua viabilização.
Entretanto, em função da análise do texto, não é transparente a natureza dos
recursos que financiarão a educação profissional. Outro ponto observado refere-
se à questão da fragmentação e da modularização dos cursos, que aponta para
uma formação aligeirada com modelo no Sistema S (“senaização” das escolas
técnicas), e centrada essencialmente no “fazer”, para cuja construção o modelo
das competências contribui da melhor forma. Esse ponto marca um aspecto
contraditório correspondendo ao discurso da necessidade de um homem
polivalente, com boa formação básica, capaz de agir pensando e trabalhar em
grupo contra uma formação mecanicista proposta pela própria reforma, ou seja,
23
Os Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico não foram citados em
nenhum dos artigos pesquisados, fato possivelmente decorrente do ano de edição dos referenciais
curriculares (2000), embora eles tenham sido discutidos e trabalhados desde o início da implantação da
reforma. A elaboração desses referenciais foi realizada por equipes do MEC e profissionais de cada uma
das áreas de conhecimento abordada.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
Portaria
1.018, de 11 de Cria o Conselho Diretor do Programa de
Interministerial setembro de 1997 Reforma da Educação Profissional
MEC/MTb
280
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
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PARTE III | A DÉCADA DE 1990
MARISE N. RAMOS
Introdução
Este texto integra o estado-da-arte sobre políticas educacionais nos anos
1980 e 1990. Temos por objetivo fazer uma revisão histórica da legislação
educacional sobre o ensino médio e a educação profissional no período.
Pretendemos identificar as implicações promovidas pelas reformas educacionais
na realidade concreta das escolas técnicas federais e CEFETs, identificando
como suas recomendações foram assimiladas e quais as estratégias utilizadas
pelas instituições na sua implementação.
Além de artigos e textos específicos sobre o tema, temos como base uma
comparação entre a Lei n. 5.692/71, os Pareceres do Conselho Federal de
Educação n. 45/72 e n. 75/76, e a Lei n. 9.394/96 com suas regulamentações –
Decreto n. 2.208/97, Portaria SEMTEC/MEC n. 646/97, Pareceres CEB/CNE
n. 15/98 e n. 16/99, e Resoluções CEB/CNE n. 03/98 e n. 04/99. Procuramos
identificar e analisar as principais mudanças relativas à função institucional e
social das escolas técnicas e CEFETs; aos objetivos do Ensino Médio Técnico;
às disposições sobre carga horária, duração e articulação dos cursos; e, por fim,
às alterações de ordem curricular, especialmente pelas substituições e/ou
introdução de conceitos e estruturas no ordenamento do currículo dos cursos
de Ensino Médio e Técnico, como é o caso das áreas e habilitações profissionais,
módulos e competências.
Considerando que as legislações, mais do que documentos jurídicos são
expressão da luta política em torno da função da educação, percebemos que as
instituições promovem uma recontextualização das normas em suas realidades
específicas e, assim, as reconstroem no âmbito de outras disputas travadas em
seu próprio interior. Devido a um movimento dinâmico e contraditório que
ocorre na relação entre Estado e sociedade civil, estruturas burocráticas e
estruturas pedagógicas, dirigentes institucionais e comunidade escolar,
283
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
nenhuma reforma se implanta tal como foi concebida, ainda que se desenvolva
sob a hegemonia de um ideário político-pedagógico. São alguns fatos e
contradições desse movimento vivenciado especialmente a partir da década
de 1980 que este texto pretende apontar.
1
Burocracia aqui é entendida não sob o aspecto negativo, que sugere lentidão e ineficiência, mas como
grupos gestores de um processo. Além desses sujeitos, cumpriram um importante papel nessa distensão
as pressões da burocracia do Ensino Secundário e dos empresários do ensino. Críticas pedagógicas à
profissionalização compulsória também tiveram lugar.
284
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
2
Os documentos citados pela autora são: CFE, Parecer n. 618/82, Documento 265: 5; CFE, Parecer
n. 170/83: 4 (mimeo).
285
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
3
As estatísticas naquele momento indicavam que, do total de estabelecimentos de primeiro e segundo
graus, apenas 4,3% era de segundo grau; da matrícula geral de primeiro e segundo graus, apenas 10%
referia-se ao segundo grau; do total da matrícula de segundo grau, 41,4% incide em estabelecimentos
particulares (Brasil, MEC, 1986).
4
Essa proposta recebeu sérias críticas dos educadores, primeiramente, pela forma de decisão das políticas,
por comissões, excluindo as entidades representativas dos educadores. Em segundo lugar, os educadores
questionavam o privilegiamento do Ensino Técnico, quando a necessidade reconhecida como a mais
premente era a ampliação e a melhoria da rede de ensino de segundo grau (Ciavatta, 1988). Em termos
conceituais, essa proposta baseava-se numa visão produtivista, fragmentária e adaptativa do
conhecimento, num momento em que as mudanças científico-tecnológicas estabeleciam alterações no
âmbito econômico-social e político, exigindo formação mais complexa (Ciavatta, 1992).
5
Dados apresentados em Brasil, MEC (1993). Acrescenta-se que a criação de dois CEFETs após a Lei n.
6545/78 foi realizada pela transformação em CEFETs da ETF-BA, fundida ao CEMTEC-BA, e da ETF-
MA. A primeira medida foi feita pela Lei n. 8.711, de 28 de setembro de 1993, e a segunda, pela Lei n.
7.863, de 31 de outubro de 1989.
6
Nagib L. Kalil, em pronunciamento no III CONET – Congresso Nacional de Educação Tecnológica,
1993. A transformação das UnEDs em ETFs consta da minuta de projeto de lei recebido pelas ETFs em
23 de março de 1993.
286
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
7
A redemocratização do país colocou o tema da finalidade das Escolas Técnicas e CEFETs em pauta para
os segmentos conservadores e progressistas. Quanto aos primeiros, a crítica centrava-se em seu alto
custo e no distanciamento do mercado de trabalho, demonstrado pelo elevado número de alunos que
se dirigiam ao Ensino Superior. Com relação aos progressistas, questionava-se a concentração de
recursos públicos em instituições que serviam predominantemente ao capital, com atendimento seletivo
e restrito à população. Sob a hegemonia dos segmentos conservadores, o caráter público dessas
instituições foi, diversas vezes, ameaçado por medidas designadas, por exemplo, como “estadualização”
– transferência para os sistemas estaduais de ensino – e “senaização” – incorporação pelo Sistema S;
e, ainda, “privatização” – transferência total ou parcial para os setores privados.
8
Esse assunto já se gestava desde 1989 envolvendo a então Secretaria Nacional de Educação Tecnológica
– SENETE. Algumas Escolas Técnicas Federais, como a de Pelotas, Campos, Pará, Pernambuco, Rio
Grande do Norte, Mato Grosso, São Paulo, Maranhão e Bahia, já reivindicavam sua transformação em
CEFETs ao final da década de 1980, encaminhando processos ao Ministério da Educação. Em 1992,
uma comissão de avaliação das Escolas Técnicas foi criada com o objetivo de verificar as condições
estruturais das escolas de modo a classificar temporalmente sua transformação, emitindo relatórios ao
Ministério da Educação e do Desporto (Brasil, MEC, 1992).
9
A instituição do Sistema Nacional de Educação Tecnológica foi suprimida da lei, como condição para
aprová-la, devido à pressão do segmento privado, que não concordava em ter suas instituições sob a
regulação total do Estado.
287
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
10
A SEMTEC formalizou a proposta de um modelo pedagógico para as instituições federais de educação
tecnológica mediante um documento enviado às Direções-Gerais em 27/04/1994. Os diretores de
ensino o discutiram em encontro realizado em Barbacena no período de 12 a 16/09/1994. No Seminário
sobre Reestruturação do Modelo Pedagógico e Estruturação do Modelo de Formação de Professores
para o Ensino Técnico Industrial Brasileiro, realizado em Belo Horizonte, no período de 11 a 13/10/
1994, a SEMTEC e o CONDITEC (Conselho de Diretores das Escolas Técnicas) assumiram o
compromisso de conduzir essa discussão com a máxima participação das comunidades institucionais.
288
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
11
Berger Filho tornou-se o secretário de Educação Média e Tecnológica dois anos depois e foi o verdadeiro
responsável pela implementação da reforma.
12
Como na época as ETFs ainda não haviam sido transformadas em CEFETs e estes últimos eram em
número de cinco, o debate envolveu muito mais as primeiras, em número de 27, sob a lideranças dos
diretores de ensino e respaldo dos respectivos diretores-gerais, organizados no âmbito do CONDITEC.
13
No âmbito do Congresso Nacional a resistência levou à apresentação de três novos objetos legislativos:
o PLS 236/96, de autoria do senador José Eduardo Dutra; o PL 2933/97, do deputado federal João
Faustino; e o PDL 402/97, dos deputados federais Miguel Rosseto e Luciano Zica. Ainda que com
formatos diferentes, os dois primeiros projetos apresentavam a mesma intenção: recuperar a missão
educativa regular das escolas técnicas e, portanto, preservá-las, caracterizando a educação profissional
como um processo educativo mais amplo e democrático. O PDL, por sua vez, buscou sustar os efeitos
do Decreto n. 2.208/97 a fim de devolver à sociedade civil o direito à discussão e à elaboração de um
projeto representativo de seus anseios. Nenhuma dessas tentativas, porém, surtiu qualquer efeito.
14
Lei n. 6.545, de 30/06/1978, regulamentada pelo Decreto n. 87.310, de 21/06/1982.
289
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
15
Esse novo estatuto não abrangeu os cinco antigos CEFETs.
290
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
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PARTE III | A DÉCADA DE 1990
16
Lembremos aqui a conclusão de Warde (1983), já referenciada neste texto, quanto ao caráter abstrato
do trabalho para o qual a escola deveria preparar, conferido pelas regulamentações posteriores à lei, do
Conselho Federal de Educação.
17
Dispõem sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
293
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
18
A concomitância interna ocorria quando os alunos cursavam os ensinos Médio e Técnico na mesma
instituição, com matrículas e cursos independentes. Pela concomitância externa, esses cursos eram
freqüentados em instituições distintas.
294
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
295
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
296
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
exigiriam o total de 3.600 horas (2.400 horas no ensino médio mais 1.200 horas
na educação profissional de nível técnico)? Compreendendo que no currículo
integrado o todo não é igual à soma das partes devido à síntese possível entre
conhecimento geral e específico. Em sua pertinência histórica, esse conhecimento
possibilita a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes, e do
processo histórico de transformação da sociedade e da cultura, como apregoa o
inciso I do artigo 36 da LDB, e, simultaneamente, as condições para o exercício
de profissões técnicas, como está no parágrafo 2º desse mesmo artigo.
297
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
19
Essas competências seriam a base para uma formação polivalente, definida pelo parecer como o atributo
de um profissional possuidor de competências que lhe permitam superar os limites de uma ocupação ou
campo circunscrito de trabalho, para transitar para outros campos ou ocupações da mesma área
profissional ou de áreas afins. Supõe que tenha adquirido competências transferíveis, ancoradas em
bases científicas e tecnológicas, e que tenha uma perspectiva evolutiva de sua formação, seja pela
ampliação, seja pelo enriquecimento e transformação de seu trabalho (Parecer n.16/99: 37-38).
298
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
carga horária mínima (800, 1.000 ou 1.200 horas). Os currículos poderiam ser
organizados em módulos, inicialmente definidos como o agrupamento de
disciplinas (Decreto n. 2.208/97, art. 8o) e, posteriormente como “um conjunto
de ações didático-pedagógicas sistematizadas para o desenvolvimento de
competências significativas que permitam ao aluno a aquisição de algum tipo
de formação”. Os módulos poderiam ter caráter de terminalidade para efeito
de qualificação profissional, dando direito, nesse caso, a certificado de
qualificação profissional.
A modularização foi compreendida como estratégia de flexibilidade
curricular, permitindo aos alunos a construção de itinerários diversificados,
segundo seus interesses e possibilidades. Ao conferir uma qualificação, a
conclusão modular, por suposto, permitiria ao indivíduo algum tipo de exercício
profissional antes ou a despeito da conclusão da habilitação. Sob a legislação
anterior, o currículo, por basear-se em matérias e disciplinas organizadas segundo
uma determinada seqüência didática, fazia com que a formação ocorresse ao
longo do curso e a obtenção do título na habilitação profissional só fosse possível
cumprindo-se tal seqüência. Sob a nova lógica, o somatório de unidades
modulares poderia levar à habilitação, admitindo-se diversas seqüências ou
trajetórias formativas definidas pelo próprio aluno, de acordo com a
regulamentação estabelecida pela escola.
Pela resistência a esse modelo, em muitas escolas a organização modular
predominante foi aquela de agrupamento de disciplinas, havendo
interdependência entre os módulos, ou seja, a seqüência típica de um curso
integrado foi modificada sem, entretanto, se perder a referência disciplinar
que caracterizava a primeira. Em outros casos, buscaram-se referências distintas
das ocupações restritas, para referências mais integralizadoras que permitissem
a construção do conhecimento de forma mais aprofundada.20 Em ambos os
casos, entretanto, esbarrou-se na dificuldade de o módulo ter uma terminalidade
e conferir uma qualificação e titulação.
O Ensino Médio também adquiriu regulamentação própria. A Lei
n. 5.692/71 determinava que o Conselho Federal de Educação regulamentasse
o ensino de segundo grau profissionalizante estabelecendo as matérias do núcleo
comum, além dos mínimos por habilitação. Das matérias fixadas, os conselhos
estaduais e as escolas deveriam definir áreas de estudos, atividades e disciplinas,
20
Exemplos desse caso podem ser encontrados no CEFET-Química e da Escola Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz.
299
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
21
Contexto nesse caso foi interpretado como o universo de vivências dos alunos, o que fez várias propostas
curriculares resvalarem para o localismo e para abordagens limitadas aos saberes cotidianos. Essa
interpretação é coerente com a noção de competência, a qual sugere que o conhecimento válido é
aquele construído a partir das próprias experiências dos sujeitos e útil para o enfrentamento de
situações diversas. Essa interpretação suprime o conceito de conhecimento como compreensão da
realidade que se sistematiza como “Ciência” e questiona o papel da escola como transmissora de saber,
dando lugar ao desenvolvimento de competências.
300
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
301
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
5. Considerações finais
No segundo grau profissionalizante, a formação centrava-se em
conhecimentos científico-tecnológicos que definiam uma habilitação técnica. Os
currículos eram organizados em matérias e disciplinas de formação geral e de
formação específica, partindo-se daquelas para se chegar a estas. Em muitos casos,
não era simples definir uma disciplina como geral ou específica, principalmente
aquelas relacionadas às ciências que embasavam a profissão. A articulação entre
teoria e prática era feita reservando-se tempos e espaços curriculares para próprios.
Desvinculado de uma formação específica, o Ensino Médio voltou-se
para o desenvolvimento de competências básicas para a vida. Ainda que o
trabalho e a cidadania sejam considerados os contextos que dão sentido à
genérica categoria “vida”, tal como é tratada pelas diretrizes, o fato de perderem
a materialidade outrora conferida pelo horizonte da profissionalização esvaziou
essas categorias de conteúdos tanto simbólicos quanto científicos. Por isso a
generalidade das áreas de conhecimento, a superficialidade dos projetos e o
enfraquecimento do sentido das disciplinas escolares. Do lado específico da
formação profissional, a ênfase na polivalência e na flexibilidade configurada
pelas áreas profissionais abrangentes, associada à perda da importância dos
conhecimentos científicos da profissão em favor das competências, colocou em
crise o sentido das habilitações e das especialidades.
Institucionalmente, a reforma ocorrida nos anos 1980 fortaleceu a rede
federal, posto que a distensão relativa à profissionalização universal e
compulsória antes imposta pela Lei n. 5.692/71 destacou as escolas técnicas
federais e os então poucos CEFETs como as instituições mais apropriadas para
realizar a educação profissional no segundo grau. Em relação à reforma dos anos
302
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
1990, porém, a relação política com o Ministério da Educação foi marcada por
jogos de interesses, entre eles o de mantê-las na esfera federal e ter sua identidade
diferenciada e valorizada frente às instituições dos demais sistemas de ensino,
incluindo as de Ensino Superior. Isto fez com que negociações relacionadas ao
processo de cefetização das escolas técnicas federais e as induções promovidas
pelo PROEP fossem cruciais para conquistar o consentimento ativo dos grupos
dirigentes dessas instituições à reforma dos anos 1990. A conclusão a que
chegamos é que, atualmente, essas instituições são outras, cuja identidade ainda
não está muito clara e cujo futuro também se disputa novamente numa correlação
de forças que, apesar de aparentemente favoráveis aos segmentos progressistas,
ainda não se provou forte o suficiente para superar as décadas de conservadorismo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
303
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
LEGISLAÇÃO CITADA
Leis
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases
da educação nacional. Diário Oficial, Poder Executivo, Brasília, 23 dez. 1996.
_________. Lei n. 8.948, de 08 de dezembro de 1994. Dispõe sobre a instituição
do Sistema Nacional de Educação Tecnológica e dá outras providências.
Diário Oficial, Poder Executivo, Brasília, 9 set. 1994: 18.882.
_________. Lei n. 8.711, de 28 de setembro de 1993. Dispõe sobre a
transformação da Escola Técnica Federal da Bahia em Centro Federal
de Educação Tecnológica e dá outras providências. Diário Oficial, Poder
Executivo, Brasília, 29 set. 1993: 14.533.
_________. Lei n. 7.863, de 31 de outubro de 1989. Dispõe sobre a transformação
da Escola Técnica Federal do Maranhão em Centro Federal de Educação
Tecnológica. Diário Oficial, Poder Executivo, Brasília, 1o nov. 1989: 19.777.
_________. Lei n. 7.044, de 18 de outubro de 1982. Altera dispositivos da Lei no
5.692, de 11 de agosto de 1971, referentes à profissionalização do ensino
de 2o Grau. Diário Oficial, Poder Executivo, Brasília, 19 out. 1982: 19.539.
_________. Lei n. 6.545, de 30 de junho de 1978. Dispõe sobre a transformação
das Escolas Técnicas Federais de Minas Gerais, do Paraná e Celso Suckow
da Fonseca em Centros Federais de Educação Tecnológica e dá outras
providências. Diário Oficial, Poder Executivo, Brasília, 4 jul. 1978: 10.233.
_________. Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa as diretrizes e bases
para o ensino de 1o e 2o graus. Diário Oficial, Poder Executivo, Brasília,
12 ago. 1971: 6.377. Retificado em 18 ago. 1971.
Decretos
BRASIL. Decreto n. 2.406, de 17 de novembro de 1997. Regulamenta a Lei n.
8.948, de 8 de dezembro de 1994, e dá outras providências. Diário Oficial,
Poder Executivo, Brasília, 28 nov. 1997: 27.937.
_________. Decreto n. 2.208, de 17 de abril de 1997. Regulamenta o parágrafo
2o do art. 36 e os art. 39 a 42 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial,
Poder Executivo, Brasília, 18 abr. 1997: 7.760.
304
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
Portarias
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Portaria n. 2.267, de 19 de
dezembro de 1997. Estabelece diretrizes para elaboração do projeto
institucional de que trará o Art. 6o do Decreto n. 2.406 de 27 de novembro
de 1997, que regulamenta a Lei n. 8.948, de 8 de dezembro de 1994.
Diário Oficial, Poder Executivo, Brasília, 23 dez. 1997.
_________. Portaria n. 646, de 17 de abril de 1997. Regulamenta a implantação do
disposto nos artigos 39 a 42 da Lei n. 9.394/96 e no Decreto n. 2.208/97 e dá
outras providências. Diário Oficial, Poder Executivo, Brasília, 26 maio 1997.
_________. Portaria n. 1753, de 25 de novembro de 1992. Constitui, junto à
Secretaria da Educação Média e Tecnológica, Comissão de Avaliação das
Escolas Técnicas Federais, integrada por representantes da Secretaria de
Educação Média e Tecnológica, Secretaria de Ensino Superior, Centro Federal
de Educação Tecnológica e Conselho dos Diretores das Escolas Técnicas, e
dá outras providências. Diário Oficial, Poder Executivo, Brasília, 27 nov. 1992.
Pareceres
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parecer n. 16, de 5 de outubro
de 1999. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional
de Nível Técnico.
_________. Parecer n. 15, de 1o de junho de 1998, do Conselho Nacional de
Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Federal de Educação.
Parecer n. 75, de 1976.
_________. Parecer n. 45, de 14 de janeiro de 1972.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Federal de Educação.
Parecer n. 618, de 1982.
_________. Parecer n. 170, de 1983.
305
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
Resoluções
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional de
Educação. Resolução n. 4, de 4 de outubro de 1999. Institui as diretrizes
curriculares nacionais para a educação profissional de nível técnico.
Diário Oficial, Poder Executivo, Brasília, 22 dez. 1999: 229.
_________. Resolução n. 3, de 26 de junho de 1998. Institui as diretrizes
curriculares nacionais para o ensino médio. Diário Oficial , Poder
Executivo, Brasília, 5 ago. 1998.
Projetos de lei
BRASIL. Congresso. Senado. Projeto de Lei n. 236, de 22 de outubro de 1996.
Dispõe sobre a educação profissional em nível nacional e dá outras
providências. Senador José Eduardo Dutra.
BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto de lei n. 2933, de 2 de
abril de 1997. Fixa normas de organização e funcionamento dos cursos
de nível médio que habilitam ao exercício de profissões técnicas – poder
conclusivo das comissões – artigo 24, inciso II. Deputado João Faustino.
_________. Projeto de lei n. 1.603, de 7 de março de 1996. Dispõe sobre a
educação profissional, a organização da rede federal de educação
profissional e dá outras providências – poder conclusivo das comissões –
artigo 24, inciso II.
_________. Projeto de Lei n. 101, de 27 de maio de 1993. Fixa as diretrizes e
bases da educação nacional. Substitutivo do deputado federal Jorge
Haage, relator do Projeto de Lei n. 1258/88.
BRASIL. Congresso. Projeto de decreto legislativo n. 402, de 24 de abril de
1997. Susta os efeitos do Decreto n. 2.208, de 17 de abril de 1997, que
Regulamenta o § 2o do art. 36 e os arts. 39 a 42 da Lei n. 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece diretrizes e bases da educação nacional.
Deputado Luciano Zica.
Adins. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade
n. 1670, de 1997. Deputado Inácio Arruda.
306
Anexo – Quadro comparativo das legislações relativas ao Ensino Médio e à Educação Profissional (décadas de 80 e 90)
Lei n. 9.394/96;
Legislação Decreto n. 2.208/97;
Lei n. 5.692/71 Parecer n. 45/72 Parecer n. 75/76 Lei n. 7.044/82 Parecer n. 16/99 e
Parâmetros Resolução n. 4/99
(CEB/CNE)
carga horária
|
carga horária
Ensino Médio e
Denominações 2o grau 2o grau e 2o grau
Educação Profissional
profissionalizante profissionalizante de Nível Técnico
Habilitações
Habilitações Habilitações Habilitações profissionais
Resultado da Habilitações Técnicas
profissionais profissionais profissionais específicas a por áreas profissionais
Formação específicas específicas básicas e critério dos somente EP
obrigatórias obrigatórias especiais estabelecimentos
307
de ensino
Anexo – Quadro comparativo das legislações relativas ao Ensino Médio e à Educação Profissional (décadas de 80 e 90)
308
Lei n. 9.394/96;
Legislação Decreto n. 2.208/97;
Lei n. 5.692/71 Parecer n. 45/72 Parecer n. 75/76 Lei n. 7.044/82 Parecer n. 16/99 e
Parâmetros Resolução n. 4/99
(CEB/CNE)
Lei n. 9.394/96;
Legislação Decreto n. 2.208/97;
Lei n. 5.692/71 Parecer n. 45/72 Parecer n. 75/76 Lei n. 7.044/82 Parecer n. 16/99 e
Parâmetros Resolução n. 4/99
(CEB/CNE)
Diretrizes Predominância da Divisão bem Aumento da carga Duração mínima EM: duração mínima
parte especial definida entre a horária das de 2.200 horas de 3 anos e 800 horas,
Curriculares
do currículo em parte geral e a disciplinas de em pelo menos 3 completando
Nacionais: séries anuais.
relação à especial. parte especial do educação geral e 2.400 horas.
carga horárias currículo. possibilidade de Ampliação da EP: mínimos de 800,
Duração de 3 ou 4
séries anuais, computá-la na carga horária 1.000 e 1.200 horas,
conforme previsto parte especial. quando se tratar dependendo da
para cada de habilitação, de área profissional.
habilitação: 2.200 acordo com o
ou 2.900 horas definido pelo
no mínimo). Parecer 45/72.
309
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
310
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
MARIA CIAVATTA
ANA MARGARIDA CAMPELLO
Introdução
A produção do conhecimento tem a mesma complexidade que a produção
da vida. Significa que tanto a interpretação da inteligibilidade dos fatos, quanto
sua elaboração no nível oral ou escrito exigem que se vá além do imediato, do
visível em suas formas anunciadas pelo fenômeno, que não se dão a revelar
senão procedendo a um certo détour, à busca das relações ocultas sob sua
aparência fenomênica. Em outros termos, significa compreender a história como
processo social que ocorre em tempos e espaços determinados, e como método
– não como um conjunto de etapas definidas, mas como uma reconstrução do
objeto em suas múltiplas relações sociais, como concreto pensado (Kosik, 1976;
Labastida, 1983).
Neste projeto sobre as políticas de expansão do Ensino Técnico na década
de 1980 e as políticas de fragmentação da educação profissional na década de
1990, significa pensar os objetos singulares, no caso uma escola técnica, o CEFET
de Química-RJ, em sua particularidade histórica, como parte da totalidade
*
Agradecemos ao Centro de Memória do CEFET da Química-RJ a cessão das fotos.
1
Poema “Diante das fotos de Evandro Teixeira”
311
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
2
Para maior detalhamento da questão, ver Frigotto, 2005, neste Relatório.
3
Essa breve reflexão sobre o contexto do período tem por base Ciavatta, 2002.
4
Sobre o tema, ver Franco, 1988 e Frigotto, Franco e Magalhães, 1992.
312
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
5
Além de determinar a separação do Ensino Médio do Ensino Técnico, por meio de duas matrículas,
instituindo o ensino concomitante interno ou externo e o incentivo ao Ensino Técnico Pós-Médio, o
Decreto n. 2.208/97 estabeleceu três níveis de educação profissional: o nível básico, o técnico e o tecnológico.
313
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
escola, nas décadas de 1980 e 1990, anos de implantação, pelo governo federal, de
duas políticas aparentemente contraditórias: como vimos, na primeira década
propõe-se e estimula-se a expansão do Ensino Médio Técnico; no final da segunda,
proíbe-se o desenvolvimento do Ensino Médio Técnico e impõe-se a ruptura entre
a formação básica e a educação profissional. As imagens disponíveis retratam essas
mudanças? De que forma? Como captar o movimento da realidade por meio do
objeto fotográfico e da opacidade da qual se reveste? Foi o desafio desta pesquisa.
Trata-se de um estudo de caso. “O que pode ser aprendido desse único
caso?” é sua pergunta epistemológica motriz (Stake, 1994). A impossibilidade de
generalização não invalida o resultado indicativo da existência de certos fatos
captados também em outros estudos.6 Esse tem um papel encorajador e facilitador
da compreensão, a partir da fotografia e de outras fontes escritas e orais, das
mudanças ocorridas no interior das escolas técnicas federais no período.
Tendo como pano de fundo o substrato macropolítico das reformas
educacionais então ocorridas, a reestruturação produtiva e a reconstrução do
Estado, evidenciou- se, para além dos objetivos desta investigação, a
necessidade do desenvolvimento de uma metodologia de pesquisa que
permitisse a percepção da singularidade da escola estudada, de sua cultura,
da forma como se apropriou e redefiniu as leis e regras de implantação da
reforma da educação profissional.
Por isso, primeiro, trazemos alguns elementos metodológicos sobre a escola
como um lugar de memória (Nora, 1984; Ciavatta, 2004), o objeto fotográfico,
a fotografia como mediação (Ciavatta, 2002) e a importância do contexto e da
intertextualidade para a compreensão dos significados inerentes, mas ocultos,
na fotografia; em seguida, apresentamos os passos da pesquisa no CEFET
Química; por último, a partir das imagens existentes sobre a história da
instituição e, particularmente, a Semana de Química, analisamos algumas
particularidades do período e desse importante evento científico-pedagógico.
6
Como é o caso de outro estudo do mesmo projeto, em que são analisados os depoimentos de dirigentes
e professores desta e de outras escolas técnicas federais que sofreram a reforma de acordo com o
Decreto n. 2.208/97 (ver Frigotto e Ciavatta, 2005).
7
Essa seção tem por base Ciavatta, 2004 e 2002.
314
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
8
O tema “a escola como lugar de memória” consta originalmente de Ciavatta, 2004.
9
Essas reflexões são parte, originalmente, de Ciavatta, 2002: 32-34.
315
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
316
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
obrigação de apropriarem-se desse projeto como seu. Como a nova identidade foi-
se tecendo? Até que ponto a comunidade escolar tem consciência disso? Qual a
memória que preserva e qual a história que está sendo construída sobre si própria?
Assim, para que a escola seja capaz de construir organicamente seu
próprio projeto político-pedagógico e assumir o desafio de uma formação
integrada, reafirmando sua identidade, é preciso que ela conheça e compreenda
sua história. Que reconstitua e preserve sua memória, compreenda o que ocorreu
consigo ao longo dos últimos oito anos de reforma e, então, a partir disso, possa
decidir coletivamente para onde quer ir, como um movimento permanente de
auto-reconhecimento social e institucional. E, então, reconhecer-se como
sujeito social coletivo com uma história e uma identidade próprias a serem
respeitadas em qualquer processo de mudança.
O objeto fotográfico10 – A fotografia pertence a um conjunto de processos
em que ciência, técnica e arte estão imbricados na criação de um mundo de
possibilidades no domínio da imagem. A fotografia, diferente do cinema, paralisa,
detém uma fração mínima do continuum do tempo e altera a percepção do
movimento no ato de sua produção (Oliveira Júnior, 1994).
Ainda está por ser compreendido, em toda sua extensão e poder, o alcance
educativo dos processos ligados à imagem. Por ora, conhecemos alguns de seus
efeitos por meio dos estudos de comunicação e de crítica de arte, principalmente.
A comunicação, a velocidade, a produção de signos e imagens
multiplicáveis, indefinidamente, a ênfase no fragmento e na aparência, a recusa
ao “fetiche da totalidade” são alguns dos símbolos mais expressivos desta época
que se convencionou chamar de pós-moderna (Lyotard, 1979). Harvey (1992:
19) admite algum tipo de relação necessária entre a ascensão das formas
culturais pós-modernas e a emergência de modos mais flexíveis de acumulação
do capital e de um novo ciclo de “compressão espaço-tempo” na organização
do capitalismo, o que o leva a conceber o Pós-Modernismo como uma condição
histórica. A fotografia emerge no mundo ocidental sob o signo do Modernismo,
sob a racionalidade iluminista e a ótica renascentista. Mediante as sucessivas
mutações técnicas, que a aperfeiçoaram, a fotografia atravessa os dois mundos,
do Modernismo ao Pós-Modernismo, partilhando diversas temporalidades.
Buscamos nas imagens a verdade dos fatos e nos encontramos com meras
imagens da verdade, a aparência dos fatos. Metodologicamente, trata-se de
fazer a arqueologia da imagem, a crítica interna das ideologias de legitimação
10
Essa seção consta originalmente de Ciavatta, 2004a.
317
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
11
Em termos ópticos, o aparato dirigido pelo olhar, carregado da subjetividade do fotógrafo, trabalha o
espaço conforme a perspectiva renascentista (ou perspectiva artificialis, geométrica, central, exata,
clássica, linear, unilocular e albertiana), que tem por base a geometria euclidiana, obtendo “uma
sugestão ilusionista de profundidade com base nas leis ‘objetivas’ do espaço” (Machado, 1984: 63).
318
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
12
Essa seção consta originalmente de Ciavatta, 2002 e 2004a.
13
Encontramos elementos explícitos do método de investigação do materialismo histórico na Crítica à Economia
Política e em O Capital. Toda a obra de O Capital é um exercício metodológico partindo do conceito mais
simples de mercadoria e chegando aos elementos mais concretos, a suas mediações, como o trabalho assalariado,
o capital, a troca, a divisão do trabalho etc., até alcançar a totalidade das relações capitalistas de produção.
319
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
sua obra. Lukács (1967) vai desenvolver o conceito tratando as mediações não
como simples pontos de vista, mas como aspectos da realidade objetiva, suas
relações e vinculações, que constituem modos e formas da existência social. É
no campo da particularidade histórica que se situam as mediações.14
A fotografia é o mundo “claro-escuro de verdade e de engano”, cujo
elemento principal é a ambigüidade, o duplo sentido, porque, como em outras
linguagens, o fenômeno indica a essência (sua produção e destinação, sua
apropriação e seu uso), mas também a esconde. A essência não é imediata à
compreensão, mas mediata ao fenômeno. Embora a realidade seja a unidade
da essência e da aparência, a essência manifesta-se em algo diferente do que
é (Lukács, 1967: 11-23). Nesse sentido, conhecer um objeto é revelar sua
estrutura social. Assim também é o caminho do conhecimento da fotografia
como fonte histórica.
Contexto, significado e intertextualidade na análise das fotografias – Nos
últimos anos, temos trabalhado com as idéias de Marx buscando suas interfaces
com outros autores, principalmente, os que se situam no materialismo histórico,
mas trouxeram acréscimos à compreensão da realidade e dos novos desafios
postos à investigação social. Os conceitos de contexto e de significado estão
entre essas idéias. Não que estivessem ausentes do pensamento de Marx, mas,
como outras, não foram suficientemente explicitadas.
No Método da Economia Política, Marx (1977) dá o exemplo da população
mostrando como a idéia, abstraída das condições de sua produção, é genérica. É
necessário remetê-la às condições de vida e de trabalho dos sujeitos que a compõem
(o trabalho assalariado, o capital, o que supõe a troca, a divisão do trabalho, os
preços etc.) para se ter a população em sua concretude, na sua humanidade,
“como rica totalidade de determinações e de relações numerosas” (Marx, 1977:
229). Em outros termos, Marx remete a idéia de população à totalidade social e
às múltiplas mediações que a constituem. É esse também o sentido de contexto,
que não é a mesma coisa que falar do que está “em torno” do objeto, como
admitem alguns enfoques teóricos. Contexto é o conjunto de relações que dão
conteúdo e forma a um objeto, que o constituem ontologicamente. Se defendemos
que a fotografia não se esgota na imagem visual, na aparência fenomênica do
objeto, mas implica as condições de sua produção, estamos nos referindo à sua
totalidade social e, metodologicamente, fazemos um apelo ao contexto do qual
ela é parte, como mediação, processo social complexo.
14
Ver a exposição detalhada sobre o tema em Ciavatta, 2001.
320
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
15
Não nos propomos examinar como a filosofia da linguagem e a semântica, em particular, e a psicanálise
se ocupam do significado. O antropólogo Clifford Geertz (1978: 207) coloca o termo no âmbito da
cultura – não seriam “cultos e costumes, mas as estruturas de significado através das quais os homens
dão forma à sua experiência (...)”.
321
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
322
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
16
Participaram desse processo inicial de identificação e organização das fotos, juntamente com as autoras
deste texto, do primeiro semestre de 2003 até o final de 2004, as profas. Rosangela Aquino da Rosa e
Maria Célia Freire de Carvalho, e as bolsistas e Iniciação Científica Aline Ribeiro da Silva e Rossana
Duarte Emmerich.
17
É importante assinalar que o desenvolvimento da pesquisa serviu como incentivo à elaboração e implantação
pelo CEFET Química do Centro de Memória para recuperação de documentos antigos e de seu acervo
fotográfico. O Centro será desenvolvido no CEFETQ como objeto de pesquisa do Projeto de Dissertação
de Mestrado da profa. Rosângela Aquino da Rosa, sob o título “Resgate da memória do ensino técnico no
Cefet de Química de Nilópolis/RJ através da fotografia”, no Instituto Oswaldo Cruz da FIOCRUZ.
323
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
18
Para uma discussão do conceito de cultura, ver, entre outros, Bosi, 1992 e Cardoso, 2003.
19
A expressão “Espírito da Química” é explicada em documentos oficiais como resultante da necessidade de
afirmação de uma escola que nasce, em 1942, como curso técnico da Escola de Química da Universidade
do Brasil e que só em 1959, com sua transferência para a Escola Técnica Nacional (hoje, CEFET/RJ),
passa a integrar a rede de Escolas Técnicas Federais. Essa mudança que deveria representar a transição
para uma sede própria, representou uma estadia de quase quatro décadas na sede da ETN. A briga pela
preservação da autonomia e por sua constituição, de pleno direito, como uma Escola Técnica Federal,
assim como a afirmação da Química enquanto ciência de base em uma rede de escolas em que a Física
constituía a principal base cientifica dos cursos realizados parece explicar a cultura própria dessa escola.
324
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
325
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
20
Desde a origem, em 1978, apenas por três anos a Semana de Química não se realizou: em 1993 e 1994,
em razão de uma obra emergencial, e em 2000, em virtude da alteração de calendário provocada por
uma greve prolongada. (CEFETEQ, 2001).
326
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
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PARTE III | A DÉCADA DE 1990
21
Decreto-lei n. 4.073, de 30 de janeiro de 1942.
22
Ressaltamos que no mesmo ano, 1959, foram promulgados a Lei n. 3.552, que dispõe sobre a nova
organização escolar e administrativa dos estabelecimentos de Ensino Industrial do Ministério da
Educação e Cultura, e o Decreto n. 47.038, que aprova o Regulamento do Ensino Industrial.
23
Lembramos que tomamos como marco do início do processo de expansão da Escola Técnica Federal de
Química o ano de 1981, quando passa a ser oferecido o Curso Técnico de Alimentos, além do Curso
Técnico de Química Industrial, único curso oferecido por essa escola desde sua fundação, em 1942.
329
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
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PARTE III | A DÉCADA DE 1990
24
Chamou também nossa atenção a ausência de menção à Biologia que, a partir de 1981, com o
desenvolvimento do Curso Técnico de Alimentos, passa a dividir com a Química o papel de ciência de
base dos cursos técnicos oferecidos.
25
Chauí (2003: 222) assim distingue técnica de tecnologia: “a técnica é um conhecimento empírico, que
graças à observação, elabora um conjunto de receitas e práticas para agir sobre as coisas. A tecnologia
(...) é um saber teórico que se aplica praticamente”.
331
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
26
Exemplos de projetos apresentados na XVIII Semana de Química (1997): (1) determinação do sexo: análise
da cromatina sexual; (2) enriquecimento de alimentos a partir da semente de abóbora; (3) construção de
eletrodos íon-seletivos; (4) potencial alcogênico da saccharomyces cerevisiae em vinho de maçã; (5) produção
de chocolate; (6) ensinando a desenvolver projetos na área de síntese orgânica; (7) caracterização dos
trechos d’água do Rio Sarapuí; (8) lodo ativado; (9) chiclete; (10) pigmentos e corantes.
27
Tanguy (s/d: 60), ao discutir a arbitrariedade da divisão entre ensino científico e ensino profissional,
afirma que em ultima instância essa arbitrariedade encontra sua fundamentação na divisão social do
trabalho e cita o físico Lévy-Leblond, que muito pertinentemente o demonstrou: “On aboutit donc à
cette situation paradoxale: plus une science est impliquée dans la production ou plus simplement dans
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PARTE III | A DÉCADA DE 1990
la vie sociale, plus elle perd son caractère scientifique. Combien songeraient, en discutant la physique
‘contemporaine’, à y inclure non seulement l’électromécanique des circuits domestiques et du téléphone
et la mécanique automobile, mais aussi l’électronique élémentaire de la radio et de la télevision, la
dynamique des fluides de la plomberie, la physicochimie de la photographie d’amateur. On conçoit
pourtant toutes les implications pédagogiques d’abord, idéologiques ensuite, qu’auraient un
enseignement et une formation scientifique basés sur ces pratiques quotidiennes”.
333
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
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PARTE III | A DÉCADA DE 1990
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
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PARTE III | A DÉCADA DE 1990
4. Considerações finais
A realização deste trabalho dependeu, em grande parte, da organização
mínima do acervo em termos cronológicos e temáticos. Por isso, esta análise
ainda se ressente de outros elementos analíticos, que esperamos poder completar
com a releitura das fotos dentro das séries históricas que o Centro de Memória
do CEFET Química deve propiciar e à luz de outras fontes documentais.
Mais do que algumas fotos específicas, tivemos, como mediação, o próprio
acervo fotográfico, o olhar dos autores das fotos, que foram nos dando pequenas
pistas e guiando nossa percepção, ajudando a ressignificar informações
disponíveis em depoimentos, entrevistas e documentos escritos, de modo a
que começássemos não apenas a reconstruir a particularidade do CEFET
Química, com suas características e cultura próprias, mas também a totalidade
social na qual estão inseridas essa e as outras instituições da rede de ensino
técnico e tecnológico.
Os limites da expressão da reforma na memória iconográfica institucional
parecem estar no fato de que, no plano macroeconômico e político, não há
uma ruptura propriamente entre os governos que se instalam depois da ditadura.
Há continuidades em curso do Governo José Sarney para o de Itamar Franco
337
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
nos anos 1980 e de Fernando Collor para Fernando Henrique Cardoso nos anos
1990. Há, antes, conjunturas de poder diferenciado dentro de um mesmo marco
estrutural do capitalismo e das políticas neoliberais.
Com esses limites, realizamos a análise preliminar das fotos e pudemos
chegar a algumas breves conclusões. Primeiro, sobre a qualidade acadêmica
do trabalho desenvolvido no CEFETEQ e a riqueza de sua proposta político-
pedagógica, que passa ao largo de uma mera visão tecnicista de educação
profissional. Trata-se de uma educação escolar que abrange os diversos aspectos
formativos: científicos, tecnológicos, profissionais, artísticos, culturais, esportivos,
de convivência e de organização coletiva para a apresentação dos projetos.
Segundo, as fotografias examinadas não revelam mudança brusca de projeto
político-pedagógico em função da implantação da reforma determinada pelo Decreto
n. 2.208/97. O que se nota é uma mudança progressiva de acordo com as transformações
da base produtiva e da cultura sinalizada pelo marketing e pelo mercantilismo, e até
pela influência das transformações econômicas em curso no país.
Intui-se isso por meio da imagem, observando os elementos de marketing
na ênfase do visual, na presença de logotipos empresariais, nos estandes de
empresas demonstrando produtos. Outras fontes orais indicam um movimento
de captação de recursos pela cobrança de exames de seleção e da busca de um
número crescente de candidatos ao ensino médio e técnico, pari passu com a
ameaça de redução de recursos públicos e com as diretrizes do PROEP de
auto-sustentação das escolas.
Como a palavra, a imagem fotográfica, em si, não expressa as contradições
do percurso. É a leitura enriquecida por outras informações, pelas sutilezas e
disfarces históricos da realidade, que conduz aos acontecimentos e a seus
significados. Sem a imagem, a reconstrução da realidade no nível do concreto
pensado depende da razão e da imaginação; com ela, novas formas de ser se
revelam, enriquecendo a interpretação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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342
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GAUDÊNCIO FRIGOTTO
MARIA CIAVATTA
1
Referimo-nos ao fato de que a escola pública para os pobres, como analisa Algebaile (2004) tem-se
expandido incorporando funções que não dizem respeito a sua especificidade.
343
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PARTE III | A DÉCADA DE 1990
A história oral teve larga difusão entre os movimentos sociais, nas classes
populares onde a escrita é escassa, entre analfabetos, rebeldes, crianças,
miseráveis, prisioneiros, loucos etc., constituindo-se na vertente da história
dos setores chamados excluídos; não apenas eles, porém, se têm beneficiado
dos procedimentos de história oral, mas também a preservação da memória. O
que, entretanto, tem trazido tensões diz respeito às formas de trabalhos
acadêmicos e não acadêmicos, que podem diferir muito na construção do
conhecimento (Ferreira e Amado, 1996: XIV-XV).
Sobre seu uso acadêmico, Feres (1996: 92-93) considera que
o uso paralelo que, em geral, se faz de entrevistas gravadas não implica que
elas estejam exercendo o papel de fonte privilegiada de estudo, mas, antes, de
elemento ilustrativo que vai de encontro ao que a fala de outras fontes já
contou ou, ainda, ao que a análise do conjunto documental privilegiado sugeriu.
2
Thompson, Paul. A voz do passado. História oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992; Alberti, Verena.
História oral. A experiência do CPDoc. Rio de Janeiro: FGV/CPDoc, 1990.
345
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
3
Para uma análise mais detalhada do Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Técnico, ver o
relatório final da pesquisa Acompanhamento, documentação e análise do Programa de Melhoria e
Expansão do ensino técnico industrial, 1984-1990, INEP/UFF - coordenada por Gaudêncio Frigotto,
Maria Ciavatta Franco e Ana Lúcia Magalhães. Niterói, NEDDATE/UFF. 1992.
346
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PARTE III | A DÉCADA DE 1990
Daí por diante o que as entrevistas sinalizam nos permite perceber que a
resistência cedeu lugar, por parte da maioria dos dirigentes, à adesão, à
349
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
O PROEP se impõe visto a escassez de recursos (...) a partir daí, o trânsito foi
livre, pelo próprio contexto da escola que, na época, era uma direção autoritária
em todos os sentidos. E juntaram-se algumas pessoas e fizeram os projetos. Foi
aí que ocorreu um dos piores momentos: fizeram os projetos para o PROEP,
ampliaram as vagas, fizeram outras coisas e comprometeram a escola sem, ao
menos, os professores ficarem sabendo em termos de propostas. Como os
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4
Resolução CNE/CBE n. 04/99.
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5
Um trabalho que elucida como a concepção de competências balizou a reforma curricular da Rede é o
de Araújo, 2004. Trata-se de uma dissertação de mestrado que analisa o contraponto de uma
organização curricular na perspectiva da “formação humana integral ou omnilateral e a concepção
curricular modular sob a ótica da noção de competências” . Na análise do CEFET Campos, a autora
sinaliza qual foi a orientação básica da SEMTEC, para a aplicação da pedagogia das competências na
rede: a)análise do processo de trabalho;b) construção de uma matriz referencial de competências; c)
elaboração de um projeto pedagógico e dos respectivos planos de curso, mediante a transposição
didática de matriz referencial de competência, adotando-se a organização curricular modular, em
uma abordagem metodológica baseada em projetos ou resolução de problemas” (Araújo, 2004: 82).
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
Como indica Ney, cuja análise está relacionada à escola Técnica Federal
da Marinha, na hora de negociar os recurso do PROEP, a estrutura curricular
modular e por competências e a carga horária mais reduzida eram pontos cruciais.
Numa primeira análise, nós levamos um não satisfatório. Por que? Porque nós
tínhamos o que eles (MEC) classificam hoje de nível básico. Por exemplo, um
soldador especializado você não qualifica em 200 horas. Então o curso era de
800 horas. Aí diziam assim: não pode, tem que ficar em torno de 200.
6
Ainda não temos disponível uma análise do conjunto das ações do Programa de Reforma da Educação
Profissional - PROEP com alavanca da reforma nas redes pública e privada de educação profissional.
Há apenas algumas indicações esparsas. Seus recursos eram da ordem de US$ 500 milhões, sendo US$
250 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, US$ 125 milhões do Fundo de
Amparo ao Trabalhador - FAT e US$ 125 milhões provenientes de recursos orçamentários do governo
federal, destinados ao financiamento de infra-estrutura, construção e reforma de prédios, montagem
de laboratórios, capacitação de profissionais de educação profissional e consultorias (Brasil, 2003: 31).
356
PARTE III | A DÉCADA DE 1990
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A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
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A questão da interdisciplinaridade
era confundida com o número de professores em sala de aula. Os professores
iam todos para a mesma sala de aula. Um dava aula e os outros ficavam
ouvindo. Terminava a aula e todos iam embora sem discutir nada. Não havia
nenhum tipo de organização, de sistematização (Pimentel, 2003).
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7
No CEFET-Pelotas, a grande concentração do aluno de ensino médio está entre três e 10 salários
mínimos, ou entre três e cinco e entre cinco a 10. O aluno de faixa etária baixa tem nível socioeconômico
mais alto. Já nos cursos técnicos, a grande concentração está entre um e dois salários mínimos, seguido
de entre dois e três e entre três e cinco. Significa que a escola tem mais de 74% dos alunos concentrados
na faixa até cinco salários mínimos. Para democratizar o acesso, o CEFET discute a mudança do
ingresso pelo processo seletivo para o sorteio (Krueger, 2003).
360
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8
Vera Damé, da equipe do CEFET-Pelotas, que participou da entrevista (apud Krueger, 2003).
361
A formação do cidadão produtivo – a cultura de mercado no ensino médio técnico
que aconteceu com a carga horária dos professores? Aumentou, mas o número
de professores continuou o mesmo”. Hoje, em um regime de 40 horas, cada
professor dá, em média, 25 a 26 horas de aula por semana. Além disso, o diretor
questiona a competência da escola para formar um técnico de nível médio
com o mínimo de 4.000 horas, ou formar um técnico de fato que saiba ampliar
seus conhecimentos, ou qual o mínimo de horas para se formar um técnico, um
engenheiro ou um tecnólogo (id. ibid.).
O problema do curso técnico seqüencial (ensino médio em uma escola e
ensino técnico no CEFET) é o mesmo apontado por outros entrevistados: “o aluno
vem desprovido de conhecimentos do ensino médio (...) sem um conhecimento
básico de Química, de Física.” A escola já estava pensando em criar um semestre
básico de formação geral – Física, Matemática, Desenho (id. ibid.).
Também no CEFET-RJ, a faixa etária aumentou porque aumentou “a
oferta do Ensino Técnico noturno, que é o seqüencial,9 até porque ele já tinha
os cursos pós-médios funcionando, anteriores à reforma. Aumentaram as vagas,
novos cursos, novas opções para os alunos, o que tornou a clientela
extremamente heterogênea no nível socioeconômico e no nível de diversidade
local”, porque, segundo levantamento feito pela direção, o CEFET acolhe alunos
de todos os bairros da cidade (Simões, 2002).
Por fim, as entrevistas sinalizam aspectos de como a comunidade ou a
sociedade foi envolvida no processo da reforma, bem como os impactos que
recebeu. Transparece de imediato, porém, que o caráter autoritário e imperial
da reforma, referido por algumas entrevistas, explicita aquilo que esses
depoimentos apontam como a concepção da relação governo e sociedade.
Trata-se de uma concepção segundo a qual um corpo de técnicos e
assessores planeja a reforma em consonância com as reformas estruturais para
o ajuste à denominada nova ordem mundial. Trata-se das políticas neoliberais
reiteradamente referidas e criticadas em capítulos anteriores. O instrumento
que o governo utilizou foi o da persuasão insistente por meio da mídia. Um dos
argumentos de forte apelo para as classes populares foi de que essa reforma
garantiria melhores condições de “empregabilidade” àqueles que mais precisam
do emprego. Mesmo com índices absurdos de desemprego aberto, entre 10% e
12% pelas estatísticas do IBGE e entre 18% e 20% pelas estatísticas do SEAD,
o próprio presidente da república, Fernando Henrique Cardoso, usava sua dupla
condição de autoridade – presidente e sociólogo – para afirmar, de forma cínica,
que no Brasil não falta empregos, mas pessoas “empregáveis”.
9
Seqüencial é outro termo para designar o curso pós-médio.
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A exemplo do pensamento reiterado por um de seus consultores para o Brasil (Castro, 2003: 140 e ss.).
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A síntese das posições sobre a revogação do decreto 2.208/96 e elaboração de um novo instrumento
legal estão por nós analisadas num documento específico sobre o tema. (Frigotto e Ciavatta, 2004).
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Mais adiante ele explica que isso significa fazer uma adaptação, “incluir
disciplinas, fazer um semestre básico, um ano de complementação” para adaptar-
se ao padrão heterogêneo de alunos que chegam à escola.
Quanto ao decreto, ele considera que “a questão do [Decreto n.] 2.208 é
muito pequena em relação à discussão mais macro do contexto da reforma (...)
a questão é que tipo de educação profissional nós vamos dar”. E complementa
seu pensamento dizendo que a escola estava estruturada “com uma mesma
metodologia, formando um bom profissional, se adaptando raramente”. As
mudanças tinham começado a ser feitas com muitas dificuldades.
Mas eles já haviam começado
com as primeiras experiências de educação profissional no chão da fábrica.
Hoje, nós temos no CEFET cursos de extensão feitos dentro de empresas,
construindo seu currículo CEFET Empresa-Professor, para atender à demanda
daquele segmento (...) para atender trabalhadores – e se não fossem feitos
esses cursos, eles seriam despedidos, estariam fora do mercado.
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Houve uma quebra desse pacto na busca de determinados caminhos que são
absolutamente singulares e particulares (...) seja por conta dos critérios adotados
para distribuição dos recursos, seja pela ingerência no encaminhamento dos
processos eleitorais (...) ela precisa buscar uma reconfiguração, uma redefinição,
até do que significa rede no cenário que está colocado (...) um dos caminhos
pode ser mesmo esse olhar para a comunidade, de uma definição de suas ações
no sentido de comprometê-la mais com as demandas que lhes são postas (...).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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